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PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO PDF

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SENADO FEDERAL UNIVERSIDADE DO LEGISLATIVO BRASILEIRO

UNILEGIS

 

 

 

GUSTAVO HENRIQUE FIDELES TAGLIALEGNA

 

 

 

 

 

PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO: INTERAÇÃO LEGISLATIVO- EXECUTIVO NA CONDUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

 

 

 

 

GUSTAVO HENRIQUE FIDELES TAGLIALEGNA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO: INTERAÇÃO LEGISLATIVO- EXECUTIVO NA CONDUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

 

Trabalho final apresentado para aprovação no curso de pós-graduação latu sensu em Direito Legislativo realizado pela Universidade do Legislativo Brasileiro e Universidade Federal do Mato Grosso do Sul como requisito para a obtenção do título de Especialista em Direito Legislativo.

 

Orientador: Joanisval Brito Gonçalves

 

PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO: INTERAÇÃO LEGISLATIVO- EXECUTIVO NA CONDUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

 

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Direito Legislativo realizado pela Universidade do Legislativo Brasileiro no 2° semestre de 2008.

 

 

 

Aluno: Gustavo Henrique Fideles Taglialegna

 

 

 

 

Banca Examinadora:

 

 

 

 

 

 

Joanisval Brito Gonçalves Orientador

 

 

Tatiana Feitosa de Britto Professora convidada

 

 

 

 

 

 

 

 

Brasília, 24 de novembro de 2008

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para Isaura.

 

AGRADECIMENTOS

 

 

 

 

 

 

Agradeço a Deus por ser o responsável por tudo o que sou e por tudo o que aprendi.

 

Agradeço à minha esposa Isaura, por seu amor, por sua companhia e por sua paciência em minhas ausências nos momentos de Estudo.

 

Agradeço também aos meus pais, Lourdes e Aloísio, por terem sido meus professores desde os primeiros momentos de minha existência, me ensinando a arte de viver.

 

Às minhas irmãs, Rosana e Graziela, agradeço por terem compartilhado comigo os felizes momentos da infância.

 

Agradeço aos funcionários e aos professores do Curso de Direito Legislativo da Unilegis, e em especial ao meu orientador e amigo, Professor Joanisval, pela competência em transmitir seus conhecimentos.

 

Agradeço também ao amigo Marcos Santi pelas valiosas dicas sobre o processo legislativo, que em muito ajudaram no amadurecimento deste trabalho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Tudo então estaria perdido se o mesmo homem […] exercesse esses três poderes: o de criar as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes e as querelas dos particulares”.

Montesquieu

 

RESUMO

 

O presente trabalho tem por objetivo estudar a interação entre os poderes Legislativo e Executivo no presidencialismo brasileiro. O problema de pesquisa investigado é: seria correto afirmar que no presidencialismo brasileiro, desenhado pela Constituição de 1988, o Poder Legislativo é fraco em relação aos poderes do Presidente da República? Foi adotada a seguinte hipótese para a pesquisa: dado o desenho institucional apresentado pela Constituição brasileira, o Poder Legislativo não é um poder fraco. Possui, pelo contrário, forte participação no processo decisório sobre a formulação das políticas públicas propostas pelo Poder Executivo. A metodologia utilizada envolveu o levantamento bibliográfico sobre a teoria da separação dos poderes, sobre os sistemas de governo presidencialista e parlamentarista, e sobre a ampliação das funções do Estado decorrentes da evolução do Estado Liberal para o Estado Social. Foi realizado um levantamento da evolução histórica das relações entre os poderes Executivo e Legislativo no Brasil, desde a Independência até a promulgação da Constituição de 1988. Foram também avaliadas as características do presidencialismo brasileiro atual, por meio do estudo teórico do ambiente político brasileiro, da análise das atribuições dos poderes Legislativo e Executivo conferidas pela Constituição de 1988, e do levantamento de dados estatísticos sobre a produção legislativa. A conclusão mostra que o Legislativo brasileiro não é um poder fraco, pois ainda que a agenda legislativa seja dominada pelo Poder Executivo, o Congresso Nacional possui grande participação no processo de formulação das políticas públicas. O levantamento da produção legislativa mostra, por exemplo, que, após a promulgação da Emenda Constitucional n° 32, menos de 30% das Medidas Provisórias (excluídas aquelas que instituem créditos orçamentários extraordinários) são aprovadas sem alterações pelo Congresso Nacional. Concluiu-se, também, que a ampliação da função do Estado a partir do surgimento do Estado Social exigiu a ampliação do poder de decreto do Presidente, dada a necessidade de agilidade para muitas decisões. A partir daí surgiram mecanismos como as executive orders, nos Estados Unidos, e os Decretos-Leis e Medidas Provisórias, no Brasil. Por fim, foi demonstrado que a interação entre os poderes no Brasil ocorre de acordo com o que preconiza a teoria do presidencialismo de coalizão, segundo a qual o Presidente da República precisa negociar com diversos partidos para montar um governo de coalizão que permita o controle da maioria das cadeiras do Congresso Nacional, de forma que suas propostas de governo possam ser aprovadas.

PALAVRAS-CHAVE: Executivo; Legislativo; medida provisória; parlamentarismo; presidencialismo.

 

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………………………………………………………. 8

CONCLUSÃO………………………………………………………………………………………………………………………………. 54

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………………………………………………………………………………………………………………………………. 58

 

INTRODUÇÃO

 

O tema a ser abordado neste trabalho é a forma como está estruturada a relação entre os poderes no presidencialismo brasileiro na Constituição de 1988, que por um lado atribui amplos poderes legislativos ao chefe do Poder Executivo, mas por outro lado reserva ao Poder Legislativo intensa participação na condução de políticas públicas típicas de governo.

 

O sistema presidencialista de governo pressupõe a separação e a independência dos Poderes Legislativo e Executivo, em contraposição ao parlamentarismo,  em que os dois Poderes atuam conjuntamente (GOULART, 1995, p. 134). Entretanto, as relações institucionais estabelecidas pela Constituição de 1988, produziram um sistema que aponta para a grande proximidade entre a forma de operar do presidencialismo brasileiro e a dos governos parlamentaristas (LIMONGI, 2006, p. 246).

 

A ampliação da capacidade legislativa do Presidente da República decorre da necessidade de se adaptar a clássica teoria da separação dos poderes no contexto político constitucional atual, pois já não existe o antigo Estado Liberal, modelo sob o qual a teoria foi desenvolvida, tendo surgido, no século XX, o Estado Social (MORAES, 2007, p. 53).

 

No Brasil, como o Presidente da República tem poder de iniciativa sobre as principais matérias legislativas – além do poder de editar Medida Provisória com força de Lei – ele se torna o principal condutor da agenda legislativa. No entanto, o grau de liberdade do Presidente da Republica para governar sem a necessidade de participação do Congresso Nacional é pequeno. (LIMONGI, 2006, p. 256).

 

A esta forma de governar, em que o Presidente da República procura estruturar seu governo de forma a compor uma base partidária que lhe proporcione o controle da maioria das cadeiras do Legislativo se convencionou chamar “Presidencialismo de Coalizão” (ABRANCHES, 1988).

 

A Constituição Brasileira, não obstante adotar o sistema presidencialista de governo, prevê o compartilhamento das decisões de governo entre Legislativo e Executivo. Como no Estado Social boa parte dessas decisões de governo exigem agilidade, o Presidente da República acaba recorrendo à edição de Medidas Provisórias, a fim de efetivá-las. Dessa

 

forma, o parlamento passa a atuar diretamente na discussão de decisões de caráter administrativo e na formulação de políticas públicas governamentais.

 

A própria Medida Provisória, vista por muitos doutrinadores como instrumento que confere poder excessivo ao Presidente da República, pode ser vista, também, como poderosa ferramenta que permite a participação do Poder Legislativo na atuação governamental, haja vista o elevado número de Medidas Provisórias que são modificadas por meio de projetos de lei de conversão.

 

Apesar da Constituição prever o instrumento da delegação legislativa, o mecanismo é pouco utilizado no Brasil, o que pode indicar que o Congresso Nacional tem o interesse de manter a participação na elaboração das políticas que serão implementadas pelo governo.

 

Diante do exposto, o problema de pesquisa a ser investigado é: seria correto afirmar que no presidencialismo brasileiro, desenhado pela Constituição de 1988, o Poder Legislativo é fraco em relação aos poderes do Presidente da República?

 

Dessa forma, este trabalho avaliará a seguinte hipótese: dado o desenho institucional desenhado pela Constituição brasileira, o Poder Legislativo não é um poder fraco. Possui, pelo contrário, forte participação no processo decisório sobre a formulação das políticas públicas propostas pelo Poder Executivo.

 

O trabalho tem como objetivo geral estudar a relação entre os poderes Legislativo e Executivo no presidencialismo brasileiro, conforme estabelecido pela Constituição de 1988.

 

Os objetivos específicos da pesquisa se caracterizam por estudar os problemas apresentados, de forma a caracterizar as relações entre os poderes Legislativo e Executivo no presidencialismo brasileiro.

 

Dessa forma, a pesquisa terá como objetivos específicos:

 

  1. estudar como está estruturada, na Constituição, a relação entre os Poderes Legislativo e Executivo, com relação ao poder de legislar;

 

  1. analisar dados sobre a produção legislativa para caracterizar o perfil das matérias legislativas produzidas quanto ao poder de iniciativa.

 

O estudo será realizado a partir de levantamento bibliográfico sobre o marco teórico a respeito dos sistemas de governo presidencialista e parlamentarista, sobre a evolução do conceito de separação dos poderes na evolução do Estado Liberal para o Estado Social, sobre o conceito de presidencialismo de coalizão e sobre o processo de construção de políticas públicas.

 

Já na etapa de desenvolvimento do trabalho, será estudado histórico da relação entre os poderes Executivo e Legislativo brasileiros no período imperial e no período republicano. Em seguida serão estudados dispositivos da Constituição de 1988 que estabelecem as relações entre os poderes. Por fim, serão analisados dados sobre a produção legislativa no Brasil.

 

O estudo sobre a produção legislativa será desenvolvido em duas etapas. A primeira etapa descreverá a produção legislativa ao longo do ano de 2007. Serão apresentados os dados sobre os projetos de lei aprovados, segundo o autor da proposição (executivo, legislativo e judiciário).

 

As leis aprovadas serão classificadas em três grupos: créditos orçamentários, leis de repercussão significativa e leis de baixa repercussão. A definição do grupo de baixa repercussão seguirá o critério estabelecido por (CEBRAP, 2006, p. 13) para a categoria “homenagens”, que engloba as leis que “dão nome a monumentos, ruas, estabelecem feriados, dias nacionais, etc”.

 

A segunda se refere à análise das medidas provisórias editadas entre a promulgação da Emenda Constitucional n° 32, de 2001, que alterou o regramento constitucional das Medidas Provisórias, e o ano de 2007. A análise apresentará o quantitativo de medidas provisórias editadas em cada ano, a proporção em que elas são rejeitadas, aprovadas na íntegra, ou aprovadas com modificações. A análise das medidas provisórias será separada para aquelas que instituem créditos orçamentários extraordinários e para as que tratam das demais matérias.

 

  1. A SEPARAÇÃO DOS PODERES

 

A teoria da separação dos poderes surgiu como forma de explicar, doutrinariamente, a evolução do Estado Absolutista, em que todo o poder se concentrava nas mãos do Monarca, para o Estado Moderno, em que a autoridade do governante é limitada por leis elaboradas por uma assembléia de cidadãos.

 

No Estado Moderno, dois sistemas de governo se desenvolveram: o parlamentarismo e o presidencialismo. O sistema parlamentarista teve origem na Inglaterra, e se disseminou pela Europa. Já o sistema presidencialista foi criado pelos fundadores dos Estados Unidos da América, e se caracteriza por uma separação mais rígida entre as funções legislativa e executiva. O presente capítulo descreverá a evolução e as principais características de cada um desses sistemas de governo.

 

  • Origem da teoria da separação dos poderes

 

Montesquieu, em sua obra “O Espírito das Leis”, editada em 1748, elaborou a teoria da separação dos poderes. Segundo o filósofo, o poder do Estado é exercido por meio de três funções: a legislativa, a executiva e a judiciária. A primeira é a função responsável por criar ou modificar as leis; a segunda deve determinar a paz ou a guerra, enviar e receber embaixadas, estabelecer a segurança e prevenir invasões. A terceira é responsável pela punição dos crimes e por julgar as questões entre os indivíduos (MONTESQUIEU, 2003, p. 165).

 

Antes, em 1689, John Lock publicou “Two Treatises of Government”, segundo o qual “o poder legislativo é aquele que tem o direito de determinar o modo como se deve empregar a força da república para preservar a sociedade e seus membros”. Segundo Locke, em repúblicas bem ordenadas, o Poder Legislativo está nas mãos de várias pessoas, que têm, juntas, o poder de fazer leis. Após elaboradas as leis, é necessário que exista um poder “sempre em ser, que olhe pela execução das leis que estão feitas, e que estão em voga. E por isso acontece muitas vezes estar o poder legislativo separado do executivo”. Lock cita, ainda, a existência do Poder Federativo, responsável pela guerra e pela paz, e por estabelecer alianças e demais transações com todas as pessoas e sociedades de fora da república. Ressalta

 

Locke que, embora distintos, os poderes Executivo e Federativo estão sempre unidos, e que seria quase impraticável depositá-los em mão distintas (LOCKE, 1689, cap. XII).

 

De acordo com a teoria de John Locke, o Legislativo é o poder supremo da sociedade, ao qual os outros poderes estão e devem estar subordinados:

 

Porquanto, aquele que pode dar leis a outro, deve necessariamente ser seu superior; e como o legislativo não é legislativo da sociedade, senão pelo direito que tem de fazer leis para todas as partes, e para todos os membros da sociedade, prescrevendo regras às suas ações, e dando poder para a sua execução, aonde elas são transgredidas; por isso o legislativo deve necessariamente ser o supremo, e todos os outros poderes, em quaisquer membros ou partes da sociedade que se achem, derivados dele, e seus subordinados. (LOCKE, 1689, cap. XIII )

 

De acordo com Montesquieu, se o Legislativo estiver unido ao Executivo, não pode haver liberdade, pois é temerário que o Monarca crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco poderá estar o poder Judiciário unido aos demais. Se o judiciário estiver unido ao Legislativo, o juiz se tornaria legislador; e se estiver unido ao executivo, o juiz poderia se tornar opressor. Assim, “tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou o dos nobres, ou o do povo, exercesse esses três poderes: o de criar as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes e as querelas de particulares”. Entretanto, admite Montesquieu que na maioria dos reinos da Europa o governo é moderado; isso por que, ainda que o príncipe detenha, nesses Estados, os poderes legislativo e executivo, confere aos súditos o exercício do poder judiciário (MONTESQUIEU, 2003, p. 166).

 

A teoria da separação dos poderes traz um pensamento filosófico que se contrapõe ao Estado absolutista, e inspirou os ideários da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos da América. Segundo BONAVIDES (2003), a obra de Montesquieu marca a fase preparatória do liberalismo, e influencia o ordenamento constitucional do Estado Liberal.

 

José Afonso da Silva faz a distinção entre funções do poder e separação de poderes. Segundo o autor são três as funções do poder: a legislativa, a executiva e a jurisdicional. A função legislativa se refere à edição de regras gerais e inovadoras da ordem jurídica, denominadas leis. A função executiva é responsável por resolver problemas concretos e individualizados de acordo com a lei. A função jurisdicional tem o objetivo aplicar a lei para dirimir conflitos de interesse em casos concretos. Já a separação dos poderes consiste em

 

confiar cada uma das funções do poder a órgãos diferentes, que acabam por tomar o nome da função que exercem: Legislativo, Executivo e Judiciário. (SILVA, 2004, p.108)

 

  • O Sistema Presidencialista de Governo

 

Como sistema de governo, o presidencialismo é o que consagra de forma mais rígida a separação dos poderes, por meio da independência e da harmonia entre as três esferas do poder político. Dessa forma, os Estados que adotam o sistemas presidencialistas se cercam de cautelas para que um poder se abstenha da prática de atos que se inscrevam no âmbito da competência de outro. (GOULART, 1995, p. 120).

 

No mesmo sentido, Alexandre de Moraes argumenta que no presidencialismo o Presidente da República não possui a mesma força legislativa do Primeiro-Ministro, que possui iniciativa para apresentação de toda espécie de legislação (MORAES, 2004, P. 191).

 

O sistema presidencialista foi formulado pelos fundadores dos Estados Unidos da América, que personificou o poder na figura do Presidente. Tal organização decorreu da necessidade de se compatibilizar as autonomias locais dos Estados com a presença de um governo central que garantisse coesão e segurança geral (MORAES, 2004, p. 25).

 

A história do presidencialismo começa, portanto, com a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787. A Constituição norte-americana consagra, no Sistema Presidencialista, a teoria da separação dos poderes. Define, claramente, a independência do Poder Legislativo: “Todos os poderes legislativos conferidos por esta Constituição serão confiados a um Congresso dos Estados Unidos, composto de um Senado e de uma Câmara de Representantes” (Art. I). (CORWIN, 1986).

 

Ademais, os membros do Congresso não podem tomar parte do Poder Executivo:

 

Nenhum Senador ou Representante poderá, durante o período para o qual foi eleito, ser nomeado para cargo público do Governo dos Estados Unidos que tenha sido criado ou cuja remuneração for aumentada nesse período; e nenhuma pessoa ocupando cargo no Governo dos Estados Unidos poderá ser membro de qualquer das Câmaras enquanto permanecer no exercício do cargo. (art 1). (CORWIN, 1986).

 

Historicamente, o sistema presidencialista surgiu como solução prática para a necessidade de um governo que centralizasse o poder em torno das treze nações que se uniam

 

na forma de federação. A doutrina presidencialista surgiu depois, como forma de explicar um fato já consumado (MALUF, 2003).

 

O Poder Executivo, de acordo com a Constituição Americana, é exercido pelo Presidente da República , que será o “chefe supremo Exército e da Marinha dos Estados Unidos […] receberá os embaixadores e outros diplomatas; zelará pelo fiel cumprimento das leis, e conferirá as patentes aos oficiais dos Estados Unidos”. Nas relações com outros Estados, o Presidente da República poderá, “mediante parecer e aprovação do Senado, concluir tratados, desde que dois terços dos senadores presentes assim o decidam”. (CORWIN, 1986).

 

Não obstante os amplos poderes adquiridos pelo Presidente dos Estados Unidos, o Congresso conserva duas competências fundamentais: o poder de instituir e julgar os processos de impeachment do Presidente, o poder de tributar e o poder de gastar. De acordo com a Constituição, o Congresso é competente para “Lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dividas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos”. Além desses, são atribuídos ao Congresso poderes para contrair empréstimos, regular o comércio e o transporte internacional, regular a falência, cunhar moeda e regular seu valor, entre outros. (CORWIN, 1986).

 

Da mesma forma, Alexandre de Moraes entende que apesar da força do Presidente, o Constitucionalismo liberal americano mantém a estrutura governamental da teoria montesquiana de separação dos poderes, temperada por um forte sistema de freios e contrapesos, que permite harmonizá-los. (MORAES, 2004, p. 34). O autor destaca como as principais características do sistema presidencialista: originário do modelo clássico da separação dos Poderes de Montesquieu; reúne a chefia de Governo e a chefia de Estado na pessoa do Presidente da República; garante a independência entre Legislativo e Executivo, sendo que o presidente não possui responsabilidade política perante o Congresso e nem tem poderes para dissolvê-lo, mas responde por crimes de responsabilidade em processo de impeachment; prevê que o Presidente seja eleito pelo povo, direta ou indiretamente. (MORAES, 2004, p. 69-70).

 

A atribuição mais importante do Presidente norte-americano, segundo MORAES (2004, p. 131), é sua responsabilidade de impor a Lei. De acordo com a Constituição de 1787,

 

o Chefe do Executivo tem a obrigação de “cuidar para que as leis sejam fielmente executadas”. A partir dessa atribuição básica, ao longo do tempo outras prerrogativas de poder foram sendo ampliadas pelo Congresso, de forma que o Presidente pudesse agir, rápida e vigorosamente, para cumprir sua missão primordial de zelar para que as leis sejam fielmente executadas.

 

Diferencial marcante entre o presidencialismo norte-americano e o brasileiro é que, nos Estados Unidos, o Presidente não possui o poder de iniciativa de projetos de lei, enquanto no Brasil, possui iniciativa exclusiva de projetos de lei nos principais campos da política, como o orçamento e a fixação de quadros do funcionalismo, o que lhe confere importante domínio sobre a agenda legislativa. (LIMONGI, 2006). Outra característica que difere o sistema presidencialista é a possibilidade de membros do Congresso brasileiro participarem diretamente do governo, como Ministros de Estado, o que não é permitido nos Estados Unidos.

 

Ao analisar o presidencialismo brasileiro, LIMONGI (2006a) afirma que “o Brasil não é tão diferente dos países parlamentaristas”. Segundo o autor, as taxas de sucesso e de dominância das propostas do Poder Executivo apreciadas pelo Congresso Nacional são bastante elevadas, características essenciais dos sistemas parlamentaristas. Um outro atributo apontado pelo autor que aproxima o presidencialismo brasileiro do sistema parlamentar é a elevada disciplina parlamentar, o que torna o plenário extremamente previsível, permitindo que os líderes antevejam os resultados, e possam garantir os resultados apenas com suas próprias bancadas.

 

Fabiano Santos destaca que, embora o governo presidencialista não esteja sujeito à dissolução do gabinete, como no parlamentarismo, é possível que os presidentes promovam mudanças ministeriais para recompor suas bases. (SANTOS, 2006).

 

De acordo com LIMONGI (2006b), o presidencialismo é tradicionalmente caracterizado como o sistema em que prevalece a separação dos poderes. No entanto, segundo

o autor, essa concepção não considera os poderes legislativos atribuídos aos presidentes da república. Se estes forem considerados, “desaparece a rígida linha que dividiria o parlamentarismo do presidencialismo”.

 

  • O Sistema Parlamentarista de Governo

 

 

O governo parlamentar clássico surgiu na Inglaterra, no Século XVIII, e se caracterizou, ao contrário da clássica separação dos poderes, pela “constante colaboração entre o Legislativo e o Executivo, tratando de equilibrar suas autoridades pelos chamados votos ou moções de censura ou desconfiança, formulados pelo Parlamento e o Poder de dissolução do Parlamento pelo Chefe de Estado”. (CRUZ, 1999, p. 40)

 

De maneira diversa do presidencialismo, que foi concebido na Convenção da Filadélfia em 1787, de forma “pronta e acabada”, o sistema parlamentarista foi construído na Inglaterra por meio de um processo histórico-evolutivo bastante lento e gradual. (GOULART, 1995).

 

Para Alexandre de Moraes, a ascensão do Parlamento começa com a Revolução Gloriosa 1688, quando o Parlamento inglês obtém a promulgação da “Carta dos Direitos”, que reafirma a existência dos direitos fundamentais, consagra os direitos do Parlamento e introduz normas sobre a divisão dos poderes, o que seria o modelo institucional do atual sistema parlamentarista. Segundo o autor, o parlamentarismo surgiu da necessidade de se acomodar um Poder Executivo forte e vigoroso (absolutista) nas regras da Lei e mantê-lo sob o controle de um órgão colegiado e representativo. (MORAES, 2004, p. 19; 22).

 

Clóvis Goulart considera que o parlamentarismo inglês começou a se delinear a partir de 1714, com o início do reinado do príncipe alemão Jorge I, que não falava inglês. O rei deixou de participar das reuniões do Gabinete, que passou a ser presidido pelo mais influente dos seus membros, que acabou se tornando o Primeiro-Ministro. Aos longo dos reinados de Jorge I e Jorge II a independência do Gabinete se consolidou, e com ela a liderança do Primeiro-Ministro nas ações de Governo. A partir do Século XIX o parlamentarismo passou a ser adotado na França e em outras nações européias. (GOULART, 1995).

 

Em contraposição ao sistema presidencialista original, que possui como característica marcante a rígida separação dos poderes, o parlamentarismo, nas palavras de Pinto Ferreira, se caracteriza pela “separação atenuada de poderes, o governo é praticamente exercido por um gabinete dependente da maioria parlamentar e revogável pela vontade desta”. (FERREIRA, 1975, p. 618).

 

Clóvis Goulart explica que, no sistema parlamentarista, o gabinete é uma comissão executiva do parlamento, ou, mais precisamente, da maioria que o domina. Dessa forma, conclui, o gabinete está na dependência do Legislativo. (GOULART, 1995, p 134).

 

No mesmo sentido, leciona Jorge Miranda que, “no sistema parlamentar, o Governo assenta na confiança política do parlamento, é uma emanação da maioria parlamentar, é responsável politicamente perante o Parlamento, e este pode ser dissolvido pelo Chefe de Estado”. (MIRANDA, 1992).

 

No sistema parlamentarista o Poder Executivo é dualista, pois há distinção entre o Chefe de Estado (Monarca ou Presidente da República) e o Chefe de Governo (Primeiro Ministro ou Chaceler). Segundo Paulo Vargas Groff, o chefe de Estado “simboliza a unidade nacional, acima dos partidos políticos, e, conseqüentemente, das divergências e crises políticas, […] encarna a continuidade do Estado e das instituições, sem ter os meios e os poderes de colocar em prática uma política própria”. O Governo, por sua vez, é o órgão executivo do sistema, com poderes de iniciativa legislativa, e possui responsabilidade política perante o parlamento. (GROFF, 2003).

 

De acordo com FLEINER-GERSTER (2006, p. 482), o princípio da separação dos poderes tem aplicação mais reduzida nos Estados parlamentaristas. Para o autor “um gabinete dependente da maioria do parlamento conduz forçosamente a uma unidade entre governo e bancada majoritária”. Considera, por fim, que a separação ocorre muito mais entre a maioria governista e a oposição minoritária.

 

No sistema parlamentarista, o governo é chefiado pelo primeiro ministro, sendo possível o seu compartilhamento com o Chefe de Estado, como é o caso da França. É o sistema mais difundido na Europa, tanto na versão monárquica quanto na versão republicana. O Poder Executivo é dividido em duas esferas: a Chefia de Estado e a Chefia de Governo. O Chefe de Estado é politicamente irresponsável, e é representado pela figura do Monarca ou do Presidente da República. Já o Chefia de Governo é exercida pelo Gabinete, presidido pelo Primeiro-Ministro e composto pelos ministros das diversas pastas. (CRUZ, 1999, p. 39).

 

No parlamentarismo, sustenta SAMPAIO (2007), o governo é dependente da vontade da maioria do parlamento, por ser seu delegatário. Por esse motivo, exemplifica o autor, até mesmo o decreto-lei italiano, expedido primeiro-ministro, “nasce como ato delegado do parlamento, porque nasce do governo, que daquele é dependente”.

 

Para GROFF (2003), o que define o sistema de governo como sendo parlamentarista é o fato de haver dependência ou necessidade de cooperação política entre os poderes Executivo e Legislativo, ao contrário do presidencialismo, em que há independência entre os poderes.

 

Na mesma linha de raciocínio, STEPAN (1990) considera que no sistema parlamentarista há grandes incentivos para o governo negociar com o parlamento, pois a própria existência do governo depende da maioria, ao contrário do presidencialismo, em que a perda da maioria não implica em destituição do governo.

 

Para SANTOS (2006) é possível e até relativamente comum a formação de governos minoritários em países que adotam o sistema parlamentarista. O autor explica que o governo precisa da confiança do parlamento, mas entende que “confiança do parlamento” significa que há “uma maioria partidária que pelo menos tolera o governo”, e que “tolerar um governo não é o mesmo que dele participar”. Assim, o autor relata que é freqüente a formação de governos sem que do gabinete façam parte partidos cuja soma das bancadas alcance a maioria das cadeiras do parlamento. Entretanto, em caso de conflitos legislativos, há o risco de aprovação de moção de censura no parlamento, o que leva à formação de um novo governo, ao contrário do que ocorre no presidencialismo, em que o governo pode sobreviver mesmo sofrendo oposição majoritária do parlamento.

 

Apesar da existência de diferentes modelos de parlamentarismo, GOULART (1995) leciona que há, invariavelmente, dois institutos presentes em todos os modelos: a moção de censura e a dissolução do parlamento. O autor entende que estes institutos caracterizam e conferem equilíbrio ao sistema parlamentarista, sendo que a moção de censura exige responsabilidade política do gabinete, e a dissolução do parlamento responde pela responsabilidade política do legislativo.

 

Os modelos de parlamentarismo adotados em diferentes Estados são diversos, mas GROFF (2003) destaca que podem ser classificados em três modelos distintos: o inglês ou clássico, o alemão e o francês. O modelo inglês é o da monarquia parlamentarista, em que o monarca, que é o chefe de Estado, nomeia como Primeiro-Ministro o líder do partido majoritário do Parlamento, que exercerá a chefia de Governo. No modelo alemão o Presidente da República é eleito pela Assembléia Geral (eleição indireta); o Chanceler (chefe de Governo, equivalente ao Primeiro-Ministro) é indicado pelo Presidente da República, e deve ser aprovado pela Assembléia Popular. O modelo parlamentarista francês prevê a eleição

 

direta do Presidente da República, que é o responsável pela nomeação do Primeiro-Ministro, mas esta nomeação não pode ser por ele revogada.

 

De forma correlata, CRUZ (1999) entende que a dissolução é uma das chaves-mestras do parlamentarismo, por contrabalançar a influência do Parlamento sobre os ministros, por meio da responsabilidade política. Sem a dissolução, persegue o autor, o Gabinete estaria “desarmado diante de um parlamento que pode derrubá-lo a qualquer momento”. A dissolução, dessa forma, é o chamamento dos eleitores para resolver o conflito. Para o autor, “a arbitragem do povo, pela via das eleições gerais, é assim a pedra de toque do regime parlamentar”.

 

O presente capítulo tratou da separação dos poderes, com enfoque em sua origem teórica, a partir das doutrinas de Montesquieu e Lock. Seu surgimento veio a embasar a transição do Estado Absolutista para o Estado Moderno, e serviu de base para os ideais da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos.

 

Foram estudados os dois sistemas de governo que se desenvolveram a partir do surgimento do Estado Moderno: o presidencialismo e o parlamentarismo. O presidencialismo, idealizado e desenvolvido pelos fundadores dos Estados Unidos da América, consagra de forma mais nítida a separação dos poderes. Já o parlamentarismo se desenvolveu na Inglaterra e decorreu de um processo histórico-evolutivo lento e gradual. No parlamentarismo a separação entre os poderes Legislativo e Executivo é mais tênue, pois este age por delegação daquele. O capítulo seguinte estuda a ampliação das funções do Estado decorrentes da evolução do Estado Liberal para o Estado Social e seu reflexo para na relação entre os poderes.

 

  1. A AMPLIAÇÃO DAS FUNÇÕES DO ESTADO

 

A rígida separação dos poderes prevista pela Constituição dos Estados Unidos foi pensada e elaborada para ser aplicada no contexto do Estado Liberal, dominante ao longo dos séculos XVIII e XIX, e que se caracteriza pela mínima interferência do Estado nas relações privadas. No liberalismo a função do Estado é tão somente a de garantir a segurança, manter a ordem e zelar pelo fiel cumprimento das leis.

 

A partir do início do século XX, o Estado Liberal evoluiu para o Estado Social, e passou a receber novas funções, como, por exemplo, as de garantir o bem-estar social e de promover o desenvolvimento econômico. Para a execução dessas novas funções do Estado, tornou-se necessário a elaboração e a implementação de políticas públicas. Desde então, as relações entre os poderes Legislativo e Executivo sofreram mudanças profundas, que serão abordadas neste capítulo.

 

  • Separação dos Poderes na evolução do Estado Liberal para o Estado Social

 

A função legislativa clássica é típica do Estado Liberal de Direito, instaurado pelas revoluções liberais do fim do século XVIII e início do XIX, das quais as mais expressivas foram a Revolução Francesa de 1789 e a Independência dos Estados Unidos. Nesse sistema, ao elaborar as Leis, o legislador não deve ir além de formular os dois códigos básicos da sociedade – o das relações normais entre os cidadãos, que devem ser protegidas (código civil, do qual se especificou o comercial), e o das relações anormais, que devem ser punidas (código penal). (BARROS, 2000).

 

O Poder Executivo desenhado originalmente pela Constituição Americana possui atribuições bastante limitadas pelo Poder Legislativo, em consonância com a teoria da separação dos poderes de Montesquieu, e com as funções do Estado Liberal, de manutenção da ordem, da segurança e da defesa. Entretanto, segundo GRAU (2007, p. 19), na passagem do século XIX para o século XX, o Estado deixou de ter a mera função de manutenção da segurança, e passou a “funcionar como instrumento implementação de políticas públicas”, o que marcou da transformação do Estado Liberal em Estado Social. Nesse contexto, o Poder Executivo logo assumiu a posição de executor das políticas públicas propostas pelo Poder Legislativo.

 

No mesmo sentido, segundo Alexandre de Moraes, nos Estados modernos houve uma evolução na interpretação clássica da tripartição dos poderes e no próprio conceito clássico de Lei do Estado Liberal. A Lei, no Estado Liberal, era resultante da atuação do parlamento, e tinha a função de definir uma ordem abstrata de justiça e o alcance da permissão legal à submissão ao Poder Público. Hoje, além dessa função clássica, a Lei tem também o objetivo de resolver problemas concretos, singulares e passageiros, como é o caso da normatização de políticas públicas singulares, como as destinadas a fomentar o emprego, o crescimento econômico, a educação, a saúde e a proteção ao meio ambiente. (MORAES, 2004, p. 198- 199).

 

Ressalta SAMPAIO (2007, p. 35) que no Estado Social a lei não decorre mais da clássica teoria do primado do legislativo, “ligada ao paradigma do Direito Natural”. Para o autor, a lei, atualmente, perdeu o sentido de garantia do status quo, e passou a ser instrumento indispensável à atuação governamental. Assim, conclui que, se de um lado a lei é a garantidora da legalidade da atuação estatal, de outro, enfraqueceu-se o conceito clássico de lei formal, editada apenas pelo parlamento. O conceito de lei se amplia, abarcando “tudo o quanto a constituição vê como dotado de força de lei.

 

Segundo BARROS (2000), a Lei Fundamental de Weimar foi a primeira constituição a tratar da ordem econômica e social. No Brasil, a primeira a intervir sistematicamente na ordem econômica e social foi a Constituição de 1934, sob nítida influência da Constituição de Weimar.

 

No Estado Social, a função social exige agilidade e eficiência nas intervenções econômicas, sociais e culturais, o que colocou em contradição o Executivo com o Legislativo. O Poder que intervém é o Executivo, mas o Poder que elabora as leis interventivas é o Legislativo. Entretanto, o Legislativo nem sempre possui a rapidez necessária à intervenção estatal. (BARROS, 2004)

 

Consoante a ampliação das funções do Estado, o próprio presidencialismo norte- americano ampliou os poderes do Presidente da República, por meio da delegação de competências legislativas pelo Congresso. Segundo CORWIN (1986, p. 152), durante a Segunda Guerra Mundial, o Congresso aprovou legislação que delegou ao Presidente poderes para:

 

“controlar de modo absoluto o transporte e distribuição de alimentos; fixar preços; licenciar a importação e exportação, manufatura, armazenagem e distribuição dos produtos necessários à vida; […] declarar embargos; determinar a prioridade dos embarques; emprestar dinheiro a governos estrangeiros; […] distribuir e reagrupar as repartições executivas”.

 

Ainda segundo CORWIN (1986, p. 153), graças à crescente complexidade dos problemas enfrentados pelo governo, o Congresso “encontrará cada vez menor resistência judicial à atual tendência de deixar o preenchimento dos pormenores dos projetos legislativos” aos órgãos do governo, que estão “capacitados para realizar importantes pesquisas em seus campos e a adaptar tais medidas às condições variantes com relativa facilidade”. Esse entendimento, que se contrapõe à doutrina de que não pode o Congresso delegar poderes legislativos, foi corroborado pela Suprema Corte, que decidiu que não existe “qualquer limitação constitucional ao poder do Congresso Nacional de delegar ao Presidente da República autoridade compatível com seus próprios poderes constitucionais”. Por fim, o autor resume que o “dever do Presidente de ‘zelar pelo fiel cumprimento das leis’ torna-se, muitas vezes, um poder de fazer leis”.

 

Segundo MORAES (2004, p. 132-133), no caso Myers x Estados Unidos, a Suprema Corte interpretou o artigo II da Constituição, que dispõe sobre o Poder Executivo. Decidiu a Suprema corte que as atribuições do Presidente, definidas na Constituição, não são apenas aquelas que estão expressas de forma taxativa no texto constitucional, de forma que as funções necessárias para a condução dos negócios governamentais são implícitas, desde que não estejam expressamente limitadas.

 

Assim, a partir da necessidade de ação rápida do Executivo na gestão das políticas públicas, a jurisprudência da Suprema Corte norte-americana consolidou a possibilidade de edição pelo Presidente da República, de Decretos Executivos (Executive Orders) com força de Lei. Marco Aurélio Sampaio entende que o Decreto Executivo norte-americano é “bem mais próximo da medida provisória brasileira do que o decreto-lei italiano, a despeito mesmo da tão afirmada origem do desenho constitucional da medida provisória ser o traçado na constituição italiana.” (SAMPAIO,2007).

 

Em obra que analisa o processo legislativo, Nelson Sampaio cita relatório do Commitee on Ministers Powers, da Inglaterra, que assim justifica a necessidade da delegação legislativa: “falta de tempo do Parlamento, pela sobrecarga de matérias a serem reguladas;

 

exigência de flexibilidade de certas regulamentações; possibilidade de fazerem-se experimentos por meio da legislação delegada; situações extraordinárias ou de emergências” (SAMPAIO, 1996, p. 547).

 

Para BARROS (2000) a ampliação das atribuições legislativas do Poder Executivo, decorrentes da necessidade representada pelo advento do Estado Social, ocorreu por três vias: a via política, com apoio jurisprudencial, de mudar o explicitamente o conteúdo da Constituição, tal como aconteceu nos Estados Unidos (mutação constitucional); a via revolucionária, quebrando a Constituição vigente, como ocorreu no Brasil na era Vargas; e a via evolutiva, pela evolução da própria Constituição, dando origem a figuras constitucionais como as leis delegadas, os decretos-leis.

 

Segundo SAMPAIO (2007), atualmente, a separação dos poderes é diferente da preconizada por Montesquieu. Nesse sentido, cita doutrinadores que estudam o uso de instrumento com força de Lei para execução de políticas públicas como forma de diálogo entre executivo e legislativo. A maioria desses doutrinadores entende, segundo o autor, que

 

“a realidade demonstraria que política não é de prevalência pura e simples do executivo sobre o legislativo, mas sobretudo de cooperação de ambos na execução de tais diretrizes governamentais, ainda que de forma desigual, e com o legislativo aparecendo por vezes como coadjuvante”. SAMPAIO (2007)

 

A própria Grã-Bretanha, diante da evolução do Estado Liberal para o Estado Social, flexibilizou os ideais clássicos de Locke, de que o “Legislativo não deve nem pode transferir o poder de elaborar Leis”, e passou a ampliar as funções normativas dos diversos órgãos da administração pública (SAMPAIO, 1996).

 

No mesmo sentido, FLEINER-GERSTER (2006, p. 480-481) argumenta que o fim visado pela separação dos poderes – de impedir o abuso do poder e salvaguardar a liberdade – somente pode ser atingido quando os poderes não estão completamente separados uns dos outros. Para o autor, atualmente, tanto a doutrina quanto a prática são unânimes em admitir que não se deve dogmatizar a separação dos poderes.

 

Demonstrou-se, dessa forma, que a evolução do Estado Liberal para o Estado Social trouxe para o Poder Executivo a responsabilidade pela implementação das políticas públicas. Ao mesmo tempo surgiu a necessidade de ser criar instrumentos que viabilizassem a

 

participação do Poder Executivo na formulação dessas mesmas políticas públicas. A seguir será apresentada breve revisão sobre as fases do processo de construção das políticas públicas, com ênfase nas relações entre os poderes Executivo e Legislativo.

 

  • Fases do processo de construção das políticas públicas

 

 

As relações entre os poderes em um sistema de governo determinam a forma como as políticas públicas são elaboradas e executadas. A forma como se dá essa relação define a participação e a influência de cada um dos poderes nas fases do processo das políticas públicas.

 

A construção de políticas públicas é um processo contínuo, que se inicia com a colocação de um determinado tema na agenda de discussões do país, passa pela formulação das normas que instituem a nova política pública e por sua implementação propriamente dita, e se completa com a avaliação de sua eficiência. Segundo Pedone (1986), “nenhuma dessas atividades internas do processo de políticas públicas é independente das outras, e menos ainda independente do ambiente da cultura política e dos grupos ao redor da política específica”. Não obstante a interdependência dessas etapas, o processo de políticas públicas é didaticamente dividido nas fases de construção da agenda, formulação, implementação e avaliação.

 

Cobb e Elder (1971) consideram que o estudo da construção da agenda é importante porque mostra a natureza da relação entre o meio social e o processo governamental. A fase de construção da agenda é a etapa do processo de políticas públicas em que um determinado tema adquire certo grau de importância, de forma que passa despertar o interesse da sociedade, da mídia, dos legisladores e de grupos privados específicos, além do próprio governo.

 

Kingdon (1984 apud VIANA, 1996) define agenda como “o espaço de constituição da lista de problemas ou assuntos que chamam a atenção do governo e dos cidadãos”. Segundo o autor, há três tipos de agenda, a sistêmica, a governamental e a de decisão. A primeira é composta pelos temas que são preocupação da sociedade há anos, mas sem merecer a atenção do governo. A segunda é formada pelas questões que merecem a atenção do governo, e a terceira contém as matérias a serem decididas. Segundo Cobb e Elder

 

(1971), para que um tema adquira o status de agenda é necessário que “seja alvo de atenções, o que está relacionado com a mobilização de tendências e com as influências e reações das comunidades políticas, referendadas por um consenso geral das elites”.

 

Para Kingdon (1984 apud VIANA, 1996), há dois grupos de participantes ativos que influenciam a construção da agenda, os atores governamentais e os atores não governamentais. O primeiro grupo é formado pelas autoridades governamentais, pelos parlamentares e pelos funcionários de carreira do Executivo e do Legislativo. As autoridades governamentais (presidentes, ministros) são vitais para a construção da agenda, mas apresentam menor influência nas fases de formulação e implementação. Os funcionários de carreira, por sua vez, possuem maior influência nas fases de formulação e implementação das políticas públicas, e pouca influência na construção da agenda. Por outro lado, os parlamentares participam ativamente da fase de construção da agenda, graças a sua própria autoridade legal, ao acesso à mídia e à experiência na política.

A formulação de políticas públicas é a fase em que, no âmbito dos poderes executivo e legislativo, são discutidas as alternativas e uma delas é escolhida para compor a política pública. Para Hoppe, e Dijk (1985 apud VIANA, 1996) a fase formulação de políticas públicas ocorre em um espaço político de trocas, indeterminações, conflito e poder, enquanto a fase de implementação se define em um espaço administrativo, concebido como um processo racionalizado de procedimentos e rotinas.

Durante a fase de construção da agenda, muitos são os grupos sociais que participam das discussões sobre as questões políticas. Porém, segundo Piosevan (2002), na medida que o processo decisório avança, há um afunilamento do público que antes participava dos debates. A formulação da política está nas mãos da alta burocracia do governo e as consultas são direcionadas a especialistas, a outras áreas do governo e a grupos de pressão com efetivo poder de barganha. O autor destaca, porém, que na fase legislativa de formulação da política, a questão volta ao debate público, sendo que a “alta burocracia do governo” passa a ser chamada para esclarecimentos técnicos nas Comissões do Congresso. É nessa fase que surgem as pressões e as barganhas, com vistas à construção de coalizões que permitam a aprovação do projeto.

 

A fase de implementação é a etapa em que o Poder Executivo literalmente executa as políticas públicas. Segundo Pedone (1986), a implementação é o momento em que a administração pública age afim de atender diretrizes estabelecidas pelo Legislativo ou pelo

 

próprio Executivo. Kiviniemi (1985 apud VIANA, 1996) define a implementação como sendo a fase em que se implantam intenções para se obter impactos e conseqüências, sendo que o sujeito das ações é o governo e objeto são os cidadãos e os grupos privados. Dessa forma, a implementação é vista como ação social, manifestada no encontro de diferentes intenções e de diferentes atores.

Deve-se destacar a importância do entrosamento entre os responsáveis pela implementação e pela formulação de políticas públicas. Segundo Meter e Horn (1975 apud VIANA, 1996), esse entrosamento, o conhecimento sobre as atividades pertinentes a cada fase e sobre o projeto são fundamentais para o êxito da política.

A avaliação, outra fase do processo de políticas públicas, tem por objetivo a comparação das situações verificadas antes e após a implementação de um projeto. A Organização das Nações Unidas (ONU) define avaliação de políticas públicas da seguinte forma:

(…) processo orientado a determinar sistemática e objetivamente a pertinência, eficiência, eficácia e impacto de todas as atividades à luz de seus objetivos. Trata-se de um processo organizativo para melhorar as atividades ainda em marcha e ajudar a administração no planejamento, programação e futuras tomadas de decisão”. (COHEN; FRANCO, 1994).

 

Segundo Cohen e Franco, (1994), a avaliação envolve a análise da pertinência da política com os objetivos do projeto, da sua eficiência, em termos minimização de custos ou maximização de resultados, e da eficácia com que são alcançados os objetivos propostos. Os autores destacam que a avaliação não deve ser entendida como uma atividade isolada e auto- suficiente. Ela faz parte do processo de planejamento da política social, gerando uma retroalimentação que permite escolher entre os diversos resultados, possibilitando a sua retificação e reorientação em direção aos objetivos propostos.

 

Em suma, a construção de políticas públicas envolve as etapas de formação da agenda, formulação, implementação e avaliação. Transpondo-se a teoria apresentada para as relações entre os poderes Executivo e Legislativo no sistema presidencialista, verifica-se que tal relação envolve todas essas etapas, mas é mais ativa nas fases de formação da agenda e de formulação das políticas públicas. Por esse motivo os próximos capítulos se concentrarão na análise das relações de poder entre o Executivo e o Legislativo nessas etapas do processo construção de políticas públicas.

 

Conforme demonstrado neste capítulo, a evolução do Estado Liberal para o Estado Social, na transição do século XIX para o século XX, ampliou as funções do Estado, que passou a ser responsável não apenas pela manutenção da segurança e da ordem, mas também pela construção de políticas públicas que propiciem maior bem-estar à sociedade e que sejam indutoras do desenvolvimento econômico. O Poder Executivo tornou-se o responsável pela implementação das políticas públicas. A partir desse processo, surgiu a necessidade de ampliação dos poderes normativos do Executivo, pois além da necessidade de maior agilidade nas decisões, é natural que o responsável pela implementação das políticas públicas reivindicasse maior poder de decisão sobre a formulação dessas mesmas políticas. Surgiram, então, instrumentos como as Executive Orders nos Estados Unidos, e os Decretos-Leis, no Brasil. O capítulo seguinte tratará especificamente da evolução histórica das relações entre os poderes Executivo e Legislativo no Brasil.

 

  1. HISTÓRICO DA RELAÇÃO EXECUTIVO – LEGISLATIVO NO BRASIL

 

No Brasil, a Constituição do Império e a primeira Constituição Republicana foram Cartas de características liberais. Durante o império, o país experimentou um sistema de governo com características próximas às do parlamentarismo. Já na primeira república a Constituição previa uma separação de poderes nos moldes do presidencialismo norte- americano.

 

A partir da década de 30 do século XX, o Estado passou a intervir de forma mais direta nas relações econômicas. Ao mesmo tempo, foram criados instrumentos que conferiam ao chefe Executivo maior poder para a elaboração de leis e que modificaram a forma como os poderes Legislativo e Executivo se relacionam. O presente capítulo abordará a evolução histórica das relações entre os poderes Executivo e Legislativo durante os períodos imperial e republicano no Brasil.

 

  • O Período Imperial

 

Após a independência do Brasil, a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa foi instalada em 3 de maio de 1823 no Rio de Janeiro, por D. Pedro I, mas foi dissolvida pelo próprio Imperador em 12 de novembro do mesmo ano. A outorga da Constituição Política do Império do Brasil ocorreu no dia 25 de março de 1824, por ato de D. Pedro I. (BONAVIDES, 2006, p. 362).

 

Segundo Clóvis Goulart, não fosse pela dissolução da primeira assembléia constituinte, o Brasil teria surgido como monarquia constitucional parlamentarista à moda inglesa. O autor explica que os constituintes da época tinham razoável conhecimento sobre as teorias revolucionárias responsáveis pela eclosão do movimento de independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa. Do conflito entre os constituintes, que pretendiam implementar um sistema de governo nos moldes de parlamentarismo inglês, e o Imperador, resultou a dissolução da Assembléia Constituinte e a outorga da Constituição de 1824. (GOULART, 1995).

 

A Constituição do Império desenhou a divisão dos poderes em Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Moderador. O Imperador exercia tanto o Poder Executivo

 

quanto o Poder Moderador. Em 1847 foi criado o Cargo de Presidente do Conselho de Ministros, o que para muitos seria uma experiência de parlamentarismo. (GOULART, 1995, p. 158).

 

O Poder Legislativo, segundo José Afonso da Silva, era exercido pela Assembléia Geral, formada por duas Casas: a Câmara dos Deputados, eletiva e temporária, e a Câmara dos Senadores, formada por membros vitalícios, escolhidos pelo Imperador, entre os nomes integrantes de uma lista tríplice eleita em cada uma das províncias (SILVA, 2004, p. 75).

 

Para ARAÚJO (2004, p. 177), durante o período imperial não chegou a haver Gabinete no sentido parlamentar, pois os ministros não eram politicamente responsáveis perante o parlamento. Para o autor, houve no período uma espécie de “presidencialismo coroado, que, sobre a base censitária dos dois partidos de quadros, o Partido Liberal e o Partido Conservador, mantinha coesa a sociedade paternalista sob o manto do Imperador”.

 

Para Paulo Bonavides, a Constituição do Império manteve as influências francesas no campo teórico, mas resultou, de fato, em uma forma de governo palamentar “um tanto híbrido e primitivo”. Foi, segundo o autor, “a única constituição do mundo, salvo notícia em contrário, que explicitamente perfilhou a repartição tetradimencional de poderes, ou seja, trocou o modelo de Montesquieu pelo de Benjamin Constant”1. Ainda segundo Bonavides, o quarto Poder, o Poder Moderador, era o Poder dos Poderes, responsável pela centralização do Governo e do Estado Liberal. Havia, entretanto, um equilíbrio estável entre um sistema representativo gerador de uma forma de parlamentarismo sui generis, e o princípio absolutista, dado pelas prerrogativas de poder pessoal do Imperador. (BONAVIDES, 2006, p. 363-364).

 

Para o historiador João Camillo de Oliveira Torres, apesar de permitir ao Imperador nomear e demitir livremente seus ministros, a Constituição Imperial lançava as bases do sistema de gabinete, com a distinção entre as funções do Poder Moderador, exercido pelo Imperador, e as do Poder Executivo, exercido pelos ministros responsáveis. Segundo o autor, inspirando-se na organização do Poder Moderador, “não poderia a Constituição deixar de aceitar o princípio da responsabilidade ministerial, corolário indispensável”. O historiador adverte, no entanto, que durante o Primeiro Reinado e a Regência não se admitiu a

 

1 A Constituição de Portugal de 1826 também consagrava o Poder Moderador. Segundo o seu art. 10, “os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Reino de Portugal são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial”.

 

responsabilidade dos ministros perante a Câmara dos Representantes. D. Pedro I e os regentes não abriram mão da prerrogativa de nomear livremente os ministros, “o que fazia do Brasil uma ‘Monarquia Presidencial’”. Já D. Pedro II, ao assumir, deu início à prática de considerar a confiança da Câmara como condição indispensável para a vida de um ministério. (TORRES, 1964).

 

Com relação aos fundamentos ideológicos da Carta de 1824, BONAVIDES & PAES DE ANDRADE (2004) destacam que a organização do poder se inspirava nos princípios liberais, mas que não foi, do ponto de vista histórico, a constituição-modelo do liberalismo brasileiro, que somente foi alcançado com plenitude com o advento da República. De acordo com a teoria liberal, as instituições da sociedade e do Estado precisam aclamar a liberdade do cidadão. O Estado liberal, segundo os autores, consagra no campo econômico a liberdade de iniciativa, e de competição, e no campo político o homem-cidadão em substituição ao homem-súdito.

 

Afonso Arinos de Melo Franco, em parecer proferido na Câmara dos Deputados em 1949 sobre proposta de emenda constitucional que pretendia instituir no Brasil o sistema parlamentarista, opinou que o chamado parlamentarismo imperial brasileiro nunca existiu, pelo menos o modelo de parlamentarismo de inspiração inglesa, amplamente praticado na Europa so Século XIX. Para o autor, a “instituição constitucional do Poder Moderador – único no mundo – fez do nosso chamado governo parlamentar algo sui generis inteiramente diverso do que a doutrina conceitua com esse nome”. (FRANCO & PILA, 1999, p. 33).

 

Em resposta ao Parecer do Deputado Afonso Arinos, o Deputado Raul Pila afirmou que, apesar de não estar textualmente previsto na Carta Imperial de 1824, durante a última fase do segundo reinado “tornou-se o sistema parlamentar uma conquista definitiva e pacífica”. O autor ressaltou também que não se tratava propriamente do modelo europeu, com um gabinete onipotente, mas de um gabinete que “estabelecia um elo entre o chefe de Estado e o Parlamento, e da confiança deste dependia. Não era o nosso, por certo, o parlamentarismo francês, não seria também o parlamentarismo britânico, mas era seguramente o parlamentarismo brasileiro”. (FRANCO & PILA, 1999, p. 169).

 

De fato, o que mais diferenciava o sistema de governo adotado no Segundo Império do modelo parlamentar inglês era a grande concentração de poderes nas mãos do Imperador. O

 

Poder Moderador permitia ao monarca nomear e destituir ministério e dissolver o parlamento. (GOULART, 1995, p. 159).

 

  • O Período Republicano

 

Com a proclamação da República, em 1889, os princípios e valores da organização formal do poder se deslocaram da Europa para os Estados Unidos, com a adoção do federalismo e da república presidencialista. Consoante a lição do Professor Paulo Bonavides, o Brasil converteu-se, com a Constituição de 1891, em um Estado que possuía a plenitude formal das instituições liberais, trasladadas do Constitucionalismo americano, sob a influência de Rui Barbosa, admirador confesso da organização política dos Estados Unidos da América, o que pode ser verificado na transcrição abaixo:

 

Com efeito, os princípios chaves que faziam a estrutura do novo Estado, diametralmente oposta àquela vigente no Império eram doravante: o sistema republicano, a forma presidencial de governo, a forma federativa de Estado e o funcionamento de uma suprema corte, apta a decretar a inconstitucionalidade dos atos do poder; enfim, todas aquelas técnicas do exercício da autoridade preconizadas na época pelo chamado ideal de democracia republicana imperante nos Estados Unidos e dali importadas para coroar uma certa modalidade de Estado liberal, que representava a ruptura com o modelo autocrático do absolutismo monárquico e se inspirava em valores de estabilidade jurídica vinculados ao conceito individualista de liberdade. (BONAVIDES, 2006, p. 365).

 

Com relação ao processo legislativo, a Constituição de 1891 previu que as Leis seriam elaboradas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República. O veto presidencial somente poderia ser interposto a todo o Projeto de Lei, sendo vedado o veto parcial, assim como ocorre nos Estado Unidos. O veto parcial somente foi admitido a partir da Emenda Constitucional de 1926. (BALEEIRO, 2001).

 

A primeira República caracterizou-se pela forte presença do poder nas mãos das oligarquias locais, traduzida na política dos governadores, também conhecida como política “café com leite”. A crise desse sistema culminou com a Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas. O Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, instituiu o governo provisório. Outro decreto, datado de 14 de maio de 1932, convocou a Assembléia Constituinte, que seria eleita em 3 de maio de 1933. A nova Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934. (BONAVIDES, 2006, p. 210).

 

Apesar da duração efêmera, a Constituição de 1934 teve grande importância histórica. Ela procura conciliar a democracia liberal com as políticas sociais, consagrando os princípios do Estado Social. (BASTOS, 2002).

 

Pela primeira vez considerações sobre a ordem social e econômica estiveram presentes na Constituição, que previa uma legislação trabalhista, a proteção especial da família pelo Estado, e um capítulo específico sobre educação e cultura. Foi a carta de 1934 o marco da guinada constitucional no sentido de se estabelece juridicamente uma democracia social. Com relação à organização dos poderes, manteve os três poderes clássicos da teoria de Montesquieu, vedando, inclusive, a delegação de atribuições. (BONAVIDES & PAES DE ANDRADE, 2004, p. 327-328).

 

A ideologia de Estado Social presente na Constituição de 1934 pode ser sintetizada no conteúdo de seu art. 121: “a lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País”. (BONAVIDES & PAES DE ANDRADE, 2004, p. 329).

 

Após a promulgação da Constituição de 1934, o Brasil passou por um período politicamente conturbado que culminou no golpe de Estado Novo: em 10 de novembro de 1937, o Presidente Getúlio Vargas dissolveu a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, revogou a Constituição de 1934 e outorgou a Constituição de 1937. A Constituição de 1937 tinha como principal característica, a centralização do poder nas mãos do Presidente da República. Segundo Celso Ribeiro Bastos, a Carta de 1937 foi um “documento destinado exclusivamente a institucionalizar um regime autoritário. Não havia a divisão de poderes, embora existissem o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, vistos que estes últimos sofriam nítidos amesquinhamentos”. (BASTOS, 2002).

 

Paulo Bonavides explica que a Constituição de 1937 nunca chegou a ser aplicada. Seu art. 187 previa que a Constituição fosse submetida a um plebiscito nacional, na forma regulada em decreto presidencial. Ocorre que tal decreto nunca foi editado e, como conseqüência, o plebiscito também não foi realizado. (BONAVIDES & PAES DE ANDRADE, 2004, p. 348).

 

A Constituição de 1937, na prática, concentrou os poderes legislativos nas mãos do Presidente da República. Primeiro porque determinou a dissolução da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 178) e que as eleições para o Parlamento Nacional “seriam

 

marcadas após a realização do plebiscito a que se refere o art. 187”. Segundo porque o art.

180 determinava que: “Enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-lei sobre todas as matérias de competência legislativa da União.”

 

Sobre a Constituição de 1937, assim leciona José Afonso da Silva:

 

A Carta de 1937 não teve, porém, aplicação regular. Muitos de seus dispositivos permaneceram letra morta. Houve ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo concentrado nas mãos do Presidente da República, que legislava por via de decretos-leis que ele próprio depois aplicava, como órgão do Executivo. (SILVA, 2004).

 

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o contexto histórico exigia o fim do regime ditatorial e a reformulação do sistema constitucional brasileiro. Para Paulo Bonavides, a Constituinte de 1946 nasceu de um “movimento nacional de repúdio ao Estado Novo […] que paralisara a vida constitucional do País, sujeitando a Nação a uma ditadura pessoal e de inspiração fascista e totalitária, inconciliável […] com a sorte da causa aliada da Segunda Guerra Mundial” (BONAVIDES, 1991).

 

Em 29 de outubro de 1945, os ministros militares depuseram Getúlio Vargas, colocando fim ao regime autoritário do Estado Novo. Após o golpe, assumiu provisoriamente a Presidência da República o Ministro José Linhares que, na época, ocupava a Presidência do Supremo Tribunal Federal. A Assembléia Constituinte foi instalada no dia 2 de fevereiro de 1946 e a nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi promulgada em 18 de setembro de 1946. (SILVA, 2004, p. 84-85).

 

A Constituição de 1946 reafirmava as bases do Estado Social. Determinava a participação obrigatória dos trabalhadores nos lucros das empresas, previa o repouso semanal obrigatório e reconhecia o direito de greve. Adotou, ainda, a possibilidade da União “intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade”, em caso de interesse público (BONAVIDES & PAES DE ANDRADE, 2004, p. 418).

 

Do tocante à separação dos poderes, o art. 36 da Carta de 1946 acolheu a postulação doutrinária de Montesquieu, ao reconhecer como poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si. Vedava, inclusive, a delegação de atribuições pelos poderes (BONAVIDES & PAES DE ANDRADE, 2004, p. 422-423). Ressalte-se que a Constituição de 1946, consoante o cenário de redemocratização, não previu o decreto-Lei (SAMPAIO, 2007). Já Lei Delegada somente veio a ser admitida em 1961, com

 

a aprovação da Emenda Constitucional n° 4, que instituiu o sistema parlamentar de governo. (MORAES, 2004, p. 207).

 

Considerando a inexistência do Decreto-Lei (ou da Delegação Legislativa até 1961), SANTOS (2006), ressalta que o Legislativo da República de 1946 possuía importantes prerrogativas decisórias, e que compartilhava a agenda com o Executivo. Lembra, também, que no período entre 1946 e 1964 o Executivo apresentava taxas de sucesso em torno de 30%, índice que se inverteu no período pós-1988.

 

Após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, com a forte oposição das Forças Armadas à posse do vice-presidente João Goulart, o Congresso Nacional elaborou e aprovou, em tempo recorde, a Emenda Constitucional que instituiu o sistema parlamentarista de governo. O parlamentarismo durou apenas até janeiro de 1963, quando o referendo decidiu pelo retorno do sistema presidencialista. O curto período do parlamentarismo brasileiro – três gabinetes foram formados e destituídos – caracterizou-se pela instabilidade governamental (GOULART, 1995).

 

A Carta de 1946 sobreviveu, de fato, até o golpe de 1964. Segundo Paulo Bonavides, “a Constituição de 1946 mesmo adotada, estava superada praticamente pelo uso dos poderes excepcionais que foram atribuídos ao Marechal Castello Branco pelo Ato Institucional de 1964 e reforçado pelo de 1965”. (BONAVIDES, 1991).

 

O Ato Institucional (AI) nº 04 convocou o Congresso Nacional para discutir e votar o projeto de Constituição enviado pelo chefe do Poder Executivo. Esta Casa Congressual tinha, em sua maioria, membros favoráveis ao governo militar, haja vista que diversos senadores e deputados de oposição tiveram seus mandatos cassados por força dos Atos Institucionais anteriormente editados. Em 24 de janeiro de 1967 a nova Constituição foi votada e aprovada, entrando em vigor no dia 15 de março de 1967. (BONAVIDES & PAES DE ANDRADE, 2004, p. 434-435).

 

A Carta de 1967 limitou os poderes dos Estados, modificou o sistema tributário, e criou instrumentos legais como os decretos-leis, as leis delegadas e a eleição indireta para presidente e vice-presidente da República. (BONAVIDES & PAES DE ANDRADE, 2004, p. 434-435).

 

Assim emanava o art. 58 da Constituição de 1967: “O Presidente da República, em casos de extrema necessidade e interesse social e, enfim, em condições excepcionais, pode expedir decretos-leis, sem aumento de despesas nas seguintes matérias: segurança nacional e finanças públicas”.

 

Até 1969, o texto constitucional de 1967 sofreu diversas alterações por meio de atos institucionais e complementares, com destaque para o AI nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que recrudesceu o regime militar, concedendo amplos poderes ao Presidente da República para legislar em todas as matérias de competência da União (inclusive para emendar a Constituição), e para exercer as atribuições previstas nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios, entre outras medidas autoritárias. Ressalte-se que na mesma data foi decretado o recesso do Congresso Nacional (BASTOS, 2002, p. 214-215).

 

Com o recesso do Congresso Nacional (decretado pelo Ato Complementar nº 38, de 13 de dezembro de 1968), o Poder Executivo Federal ficou autorizado a legislar sobre todas as matérias de competência do Congresso Nacional, nos termos do AI nº 05, inclusive quanto à elaboração de Emendas à Constituição. Assim, foi por meio deste poder auto-concedido que os Ministros militares outorgaram a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, que modificava na íntegra o texto constitucional de 1967. José Afonso da Silva a considera uma nova Constituição: “Teórica e tecnicamente, não se tratou de Emenda, mas de nova Constituição. A Emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado”. (SILVA, 2004).

 

A Emenda Constitucional n° 1, de 1969 manteve o instituto do Decreto-Lei. De acordo com o texto constitucional de 1969, após o Decreto-Lei ser editado pelo Presidente da República, o Congresso Nacional teria sessenta dias para aprová-lo. Na falta de deliberação no prazo estabelecido, o decreto-lei será considerado aprovado. (SAMPAIO, 2007, p. 118).

 

Em janeiro de 1985 Tancredo Neves foi eleito como o primeiro presidente civil após o golpe de 1964. Chegava-se, assim, ao fim de um período de vinte e um anos de governos militares autoritários. Em decorrência da doença e da morte de Tancredo Neves, assumiu o mandato o vice-presidente José Sarney, que encaminhou ao Congresso Nacional a proposta de convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. A Assembléia Nacional Constituinte foi instalada em 1º de fevereiro de 1987. Os trabalhos constituintes prosseguiram ao longo dos

 

anos de 1987 e 1988 até que, em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a nova Constituição. (SILVA, 2004, p. 88-89).

 

A Constituição de 1988 conservou a forma republicana e o sistema presidencialista de governo. Entretanto, seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias previu plebiscito que, realizado em 1993, confirmou a manutenção da república e do presidencialismo. Com relação aos poderes do Presidente da República, a Constituição extinguiu o decreto-lei, e criou o instituto da medida provisória, que será analisado de forma mais detalhada no capítulo seguinte.

 

O presente capítulo estudou, do ponto de vista histórico, as relações entre os poderes Legislativo e Executivo, desde a Independência até a promulgação da Constituição de 1988. Em consonância com o que já foi estudado anteriormente, verificou-se que, também no Brasil, houve a partir do início do Século XX uma ampliação das funções do Estado. Assim, tal como em outros países, houve no Brasil a necessidade de se criar instrumentos, cujo exemplo mais notório é o Decreto-Lei, que ampliavam o poder normativo do Presidente da República. Ocorre que, como a criação de dispositivos como o Decreto-Lei coincidiu com períodos de governos autocráticos, tais instrumentos são comumente associados ao exercício autoritário do poder. O capítulo seguinte tratará do sistema presidencialista brasileiro atual, no contexto da Constituição de 1988.

 

  1. RELAÇÃO EXECUTIVO-LEGISLATIVO        NO          PRESIDENCIALISMO BRASILEIRO

 

O estudo do presidencialismo brasileiro deve considerar a realidade política do país, caracterizada pelo multipartidarismo, e a estrutura institucional criada pela Constituição de 1988, em que há uma mútua dependência entre os poderes Executivo e Legislativo, e que interfere diretamente na forma como se processa a produção legislativa.

 

O capítulo atual é composto de três sub-capítulos. O primeiro analisa as características do presidencialismo, que resulta em um sistema político denominado “presidencialismo de coalizão”. O segundo sub-capítulo descreve o arcabouço institucional criado pela Constituição de 1988, no que se refere às relações entre os poderes. O último sub-capítulo, por fim, levanta dados sobre a produção legislativa, com o objetivo de revelar aspectos práticos da interação entre os poderes.

 

  • O presidencialismo de coalizão brasileiro

 

Em célebre artigo publicado em 1988, Sergio Abranches cunhou a expressão “presidencialismo de coalizão”, termo que passou a ser freqüentemente utilizado para caracterizar o presidencialismo brasileiro. Segundo o autor, o Brasil é o único país, entre as democracias liberais mais estáveis, em que há associação entre representação proporcional, multipartidarismo e presidencialismo, além de organizar o Executivo com base em grandes coalizões. É a esse “traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira” que o autor chama “presidencialismo de coalizão”. (ABRANCHES, 1988, p. 21).

 

De acordo com o Sérgio Abranches, a dinâmica social do País, com sua heterogeneidade, ambigüidade, fragilidade de referências e as contradições a elas inerentes convergem para o presidencialismo de coalizão. Para o autor, “as regras de representação e o sistema partidário expressam essa pluralidade; não podem regular, simplificando-a ou homogeneizando aquilo que é estruturalmente heterogêneo”. (ABRANCHES, 1988, pp. 21, 32).

 

Abranches explica que a formação das coalizões envolve três fases: a constituição da aliança eleitoral, a constituição do governo e a formação da coalizão efetivamente governante.

 

Nesta última fase surge o problema da formulação da agenda real das políticas e das condições de sua implementação, e os partidos da coalizão “se enfrentam em manobras calculadas para obter cargos e influência decisória”. (ABRANCHES, 1988, p. 28).

 

Segundo LIMONGI (2006b, p. 256) o presidencialismo de coalizão não é um sistema político específico do Brasil. De acordo com o autor, o sistema político brasileiro produz coalizões de acordo com a mesma lógica que rege os demais sistemas políticos presidencialistas multipartidários: o Presidente tem a prerrogativa da proposição, que é aprovada se apoiada pela maioria. Por isso precisa formar uma coalizão legislativa que lhe garanta a maioria necessária.

 

Para SANTOS (2006), desde a última onda de redemocratização da América do Sul, o modelo institucional por excelência da América do Sul é o presidencialismo de coalizão. O autor cita que, na década de 1990, países como Brasil, Chile, Bolívia, Colômbia e Uruguai formaram governos majoritários de coalizão.

 

Embora não tenha a possibilidade de dissolução do gabinete, prevista no parlamentarismo, o presidencialismo de coalizão permite que o Presidente da República promova reformas ministeriais, de forma a recompor sua base partidária no parlamento. Fabiano Santos estudou a composição ministerial dos governos brasileiros de 1985 a 2003 e demonstrou que houve no período, correspondente a cinco presidentes da república, dezenove diferentes composições ministeriais, e que desses dezenove “gabinetes”, quinze2 representavam mais de 50% das cadeiras da Câmara dos Deputados, ou seja, possuíam maioria parlamentar naquela Casa Legislativa. (SANTOS, 2006).

 

Fernando Limongi entende que o argumento de que o sistema presidencialista tende a gerar conflitos insuperáveis entre os poderes não se sustenta em um contexto em que há a possibilidade de formação de governos de coalizão. Segundo o autor:

 

[…] se presidentes, à maneira dos primeiros-ministros em governos parlamentaristas multipartidários, puderem contar com o apoio de uma maioria formada a partir de uma coalizão de partidos, se isso é possível, então não há razão para supor que a separação de

 

 

2 Os cinco “gabinetes” que não dispunham de maioria parlamentar na Câmara dos Deputados foram: os três últimos gabinetes de Fernando Collor de Mello (10/1990 a 10/1992), o ultimo gabinete de Fernando Henrique Cardoso (03/2002 a 12/2002) e o primeiro gabinete de Lula (01/2003 a 12/2003). (SANTOS, 2006).

 

poderes leve, necessariamente, a conflitos insuperáveis entre o Executivo e o Legislativo. (LIMONGI, 2006b).

 

No mesmo sentido SAMPAIO (2007, p. 139) afirma que, ao se conceder pastas ministeriais a determinado partido político, se lhe espera fidelidade nas votações no Congresso. Assim, de acordo com o autor, os presidentes “formam” o governo da mesma maneira que os primeiros ministros nos sistemas parlamentaristas multipartidários. Assim destaca o autor, no presidencialismo a formação do governo se aproxima do parlamentarismo, o que implica reconhecer, mesmo no sistema presidencialista, a força do Congresso Nacional na formação do governo e na formulação e execução de políticas públicas.

 

O modelo de presidencialismo vigente no Brasil atribui ao Presidente da República vantagens estratégicas na definição da agenda legislativa por meio de instrumentos como o decreto constitucional (medida provisória) e a lei delegada, a iniciativa para propor Emenda Constitucional, a iniciativa legislativa exclusiva em diferentes matérias, bem como o poder de iniciativa concorrente em projetos de leis ordinárias e complementares. (INÁCIO, 2006).

 

Ademais, prossegue o autor, o poder de agenda do Presidente da República é intensificado pela possibilidade de solicitação de regime de urgência para projetos de lei de sua autoria, o que provoca o sobrestamento da pauta da casa legislativa após quarenta e cinco dias. O regime de urgência, e o conseqüente sobrestamento da pauta, restringem, na opinião do autor, o tempo disponível para a deliberação legislativa e afetam as condições de exercício das atribuições de verificação e controle do Executivo pelo Legislativo. (INÁCIO, 2006).

 

A Constituição Brasileira, segundo RENNÓ (2006), estabelece um sistema que prevê vários recursos de poder para o Executivo que permitem o controle da agenda legislativa, no entanto, a mesma Constituição “define o Poder Legislativo como o local de negociação política última instância para a aprovação de leis”. Ainda de acordo com o autor, esse sistema deixa claro que o Poder Executivo necessita do apoio do Poder Legislativo para governar, ou seja, precisa negociar sua agenda com o Congresso Nacional. Surge daí a necessidade de se formar maioria parlamentar, por meio de coalizões.

 

Os atuais poderes de agenda do Presidente da República, segundo SANTOS (2006), são decorrentes da iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo nos projetos de natureza orçamentária e administrativa, no recurso a requerimentos de urgência e na possibilidade de

 

emitir medidas provisórias com força de Lei. Com relação às Medidas Provisórias, o autor relata que seu uso, inicialmente, seria restrito a questões de urgência e relevância, mas com o tempo passou a englobar problemas administrativos e rotineiros.

 

  • A Relação entre os Poderes Executivo e Legislativo na Constituição de 1988

 

  • Atribuições do Presidente da República

 

O art. 84 da Constituição estabelece as competências do Presidente da República, entre as quais destacam-se: o poder de nomear exonerar Ministros de Estado, sem a interferência do Legislativo; exercer a direção superior da administração federal; sancionar ou vetar, total ou parcialmente, os projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional; expedir decretos para regulamentar leis, para organizar o funcionamento da administração federal (desde que não haja aumento de despesa) ou para extinguir cargos e funções públicas quando vagos; manter relações com Estados estrangeiros; celebrar tratados internacionais (sujeitos a referendo do Congresso Nacional); decretar estado de defesa e a intervenção federal (sujeitos à aprovação do Congresso Nacional) e estado de sítio (após autorização do Congresso Nacional); exercer o comando suprema das Forças Armadas, entre outras.

 

No presidencialismo da Constituição de 1888 o Presidente da República possui importantes funções legislativas, como o poder de editar medidas provisórias, leis delegadas e decretos autônomos, os quais serão analisados detalhadamente a seguir. No processo legislativo, o Presidente da República pode, com poucas exceções, ter a iniciativa de projetos de lei em quaisquer matérias, além da iniciativa privativa (art. 61) para as leis que fixem ou modifiquem os efetivos das forças armadas; que disponham sobre a criação e a remuneração de cargos públicos; que tratem da organização administrativa, judiciária, tributária e orçamentária dos territórios, que disponham sobre os servidores públicos da União e dos territórios, sobre a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União.

 

De acordo com FIGUEIREDO & LIMONGI (2001, p. 25-26), o poder de iniciativa exclusiva do Presidente da República em áreas importantes lhe confere a possibilidade de controlar a agenda do Congresso Nacional. Ademais, ainda segundo os autores, o Presidente da República brasileiro, além do poder de iniciar a legislação em determinadas matérias cruciais, tem também o poder de forçar a apreciação dos projetos de sua autoria, por meio da

 

solicitação da tramitação em regime de urgência, o que faz com que cada Casa legislativa tenha prazo de quarenta e cinco dias para apreciar a proposta, sob pena de trancamento de todas as demais deliberações da respectiva Casa. Para os autores, um Presidente da República dotado de amplos poderes, por ser capaz de ditar a agenda de trabalhos legislativos, pode induzir o parlamento à cooperação.

 

Complementa LIMONGI (2006b, p. 243) que a prerrogativa exclusiva de iniciar a legislação em matérias de elevada relevância (administrativa e orçamentária, sobretudo), prevista na Constituição brasileira, confere ao Presidente da República vantagens estratégicas que podem ser usadas para estruturar o apoio do Poder Legislativo às suas propostas, da mesma forma que o fazem os primeiros-ministros nos sistemas parlamentaristas de governo.

 

A participação do Presidente da República no processo legislativo é ampliada, segundo INÁCIO (2006), pela posição de monopólio que possui com relação à iniciativa legislativa em áreas cruciais das políticas públicas. Segundo MORAES (2004), o Presidente da República pode ser considerado “chefe legislador”, pois além dos poderes de iniciativa, pode também vetar os projetos de leis aprovados pelo Poder Legislativo.

 

Ressalta LIMONGI (2006b, p. 251) que a possibilidade de veto, total ou parcial, dos projetos de lei é arma poderosa que o Executivo detém para lidar com emendas indesejáveis ou contrárias ao seu interesse que por ventura venham a ser aprovadas pelo Congresso Nacional. O autor destaca, também, que na prática os vetos presidenciais raramente são derrubados pelo Poder Legislativo, pois possivelmente os parlamentares preferem deixar com o Poder Executivo o custo de vetar propostas consideradas populares.

 

  • Atribuições do Congresso Nacional

 

De acordo com o art. 48 da Constituição de 1988, compete ao Congresso Nacional dispor, por meio de lei, sujeita à sanção do Presidente da República, sobre todas as matérias de competência da União.

 

Estabelece também a Carta Magna, no art. 49, as atribuições exclusivas do Congresso Nacional, que são exercidas mediante decreto legislativo (sem a sanção do Presidente da República), entre as quais destacam-se: resolver definitivamente sobre tratados internacionais;

 

autorizar o Presidente da República a declarar guerra e a celebrar a paz; aprovar o estado de defesa e a intervenção federal e autorizar o estado de sítio; sustar os atos do presidente da república que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa; julgar as contas do Presidente da República, fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo; deliberar sobre iniciativas do Poder Executivo referentes às atividades nucleares.

 

Como parte da função de fiscalização do Poder Executivo pelo Legislativo está a atribuição da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e de suas Comissões, para convocar Ministros de Estado e titulares de órgãos diretamente vinculados à presidência da República para prestarem informações sobre sua área de atuação.

 

O processo de impeachment do Presidente da República e dos Ministros de Estado está entre as atribuições privativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. À Câmara dos Deputados compete autorizar, por dois terços de seus membros, a abertura do processo de impedimento. Já ao Senado Federal compete processar e proceder ao julgamento nos crimes de responsabilidade do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União. Já o julgamento do Presidente da República pelas infrações penais comuns é de competência do Supremo Tribunal Federal, também após a autorização da Câmara dos Deputados. (arts. 51, 52 e 102).

 

A Constituição de 1988, não obstante a concessão de amplos poderes legislativos para o presidente da República, determinou a necessidade de Lei para a adoção de medidas de cunho eminentemente administrativo ou governamental, tais como a formulação de planos e programas de governo, bem como a estruturação dos ministérios e dos demais órgãos da administração direta (art. 48, IV e XI).

 

A Constituição estabelece, por exemplo, que é atribuição do Poder Legislativo dispor sobre “planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento”, conforme determina o inciso IV do art. 48. Tais atribuições, conforme demonstrou RENNÓ (2006), fazem do Congresso Nacional o centro político das negociações das propostas governamentais, e não obstante seja o Poder Executivo o iniciador dos projetos de políticas públicas, o Presidente da República necessita do apoio do Poder Legislativo para governar.

 

Também se destacam, nas relações entre os poderes Legislativo e Executivo, as atribuições privativas do Senado Federal (art. 52) de aprovar as escolhas de autoridades como os Ministros Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União; o Presidente e os diretores do Banco Central, o Procurador-Geral da República, os embaixadores e chefes de missões diplomáticas permanentes, entre outros titulares de cargos que a Lei determinar. Também compete ao Senado Federal autorizar operações financeiras externas de todos os entes da Federação, fixar os limites globais da dívida pública e suspender a aplicação de Lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, bem como exonerar o Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato.

 

  • Medida Provisória

 

No Brasil, a Assembléia Nacional Constituinte, mesmo que decidida a abolir o antigo Decreto-Lei, debateu a necessidade de dotar o Poder Executivo de poderes legislativos extraordinários. Desse debate surgiu o mecanismo da medida provisória. Segundo FIGUEIREDO & LIMONGI (2001), os Constituintes entendiam que o Executivo deveria dispor de instrumentos necessários para governar de maneira eficiente e moderna, que resultassem em um processo decisório ágil e livre de obstáculos. Assim, o Constituinte de 1988 criou o instituto da medida provisória, que pode ser editada pelo Presidente da República, e que tem imediatamente a força de Lei.

 

Segundo BARROS (2000) as medidas provisórias vieram a integrar o rol das figuras jurídicas pelas quais se processa constitucionalmente a transferência da função legislativa do Legislativo para o Executivo em situações urgentes e emergenciais. Ainda de acordo com o autor, a existência das medidas provisórias se explica, historicamente, como decorrência da evolução do constitucionalismo liberal para o social.

 

Historicamente, o antecedente imediato das atuais medidas provisórias é o antigo decreto-lei, presente nas Constituições de 1937 e de 1967/69. Segundo MORAES (2004), apesar dos abusos efetivados com o decreto-lei, a prática demonstrou a necessidade de um ato normativo excepcional e célere, para situações de relevância e urgência.

 

O estudo das relações entre os Poderes Executivo e Legislativo após a promulgação da Constituição de 1988 deve considerar duas fases distintas: a anterior a promulgação da

 

Emenda Constitucional n° 32, de 12 de setembro de 2001, e a fase que se estabeleceu após a promulgação dessa emenda. De acordo com o art. 62 do texto original da Constituição de 1988, o Presidente da República poderia adotar, em caso de relevância e urgência, medidas provisórias, com força imediata de Lei. Caso as medidas provisórias não fossem aprovadas pelo Congresso Nacional, no prazo de trinta dias, perderiam eficácia desde a sua edição. A Constituição não proibia que Medida Provisória não apreciada no prazo de trinta dias fosse reeditada. E esta passou a ser a regra. O Poder Executivo não precisava negociar com o Congresso a aprovação das Medidas Provisórias. Bastava reeditá-las a cada trinta dias.

 

Segundo FIGUEIREDO & LIMONGI (1996) o recurso à reedição diluía consideravelmente as diferenças entre as Medidas Provisórias e os Decretos-Leis, extintos pela nova Constituição. De acordo com os autores, para que a Medida Provisória permanecesse em vigor, não era necessário que a maioria a aprovasse, bastava que a maioria não a rejeitasse, como no caso do Decreto-Lei, que somente perderia validade se fosse rejeitada pela maioria.

 

De acordo com SANTOS (2006), o Governo freqüentemente obtinha sucesso ao contornar a necessidade de submeter as Medidas Provisórias a votação. A possibilidade de reedição de evitava que o Executivo tivesse a necessidade de formar maioria no Congresso.

 

A Reforma do instituto das Medidas Provisórias, promovido pela Emenda Constitucional n° 32, de 2001, proibiu a reedição e estabeleceu uma série de restrições com relação às matérias que poderiam ser legisladas por meio de Medidas Provisórias. Foi definido que as Medidas provisórias não poderiam disciplinar matérias reservadas a Leis Complementares e as relativas a nacionalidade, cidadania, direitos políticos e direito eleitoral; direito penal, processual penal e processual civil; organização do Poder Judiciário, a carreira e a garantia de seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvados os créditos extraordinários. Foi vedada, também, a edição de Medida Provisória que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou de qualquer outro ativo financeiro.

 

Outra mudança importante introduzida pela Emenda Constitucional n° 32, de 2001, foi que a tramitação das Medidas Provisórias deixou de ser unicameral e passou a ser bicameral. As Medidas Provisórias passaram a viger pelo prazo de sessenta dias, renováveis por mais

 

sessenta, o que na prática sempre acontece. Assim, pode-se dizer que atualmente o prazo de validade das Medidas Provisórias é de cento e vinte dias. Ressalte-se que a contagem do prazo é paralisada nos períodos de recesso do Congresso Nacional. Outra inovação introduzida foi a previsão, após decorridos quarenta e cinco dias da publicação de Medida Provisória, do sobrestamento de todas demais as deliberações legislativas da Casa em que a Medida Provisória estiver em tramitação.

 

Ao estudar a relação do Congresso Nacional com as medidas provisórias, (SAMPAIO, 2007) concluiu que não há usurpação do Legislativo pelo Executivo na sua edição. Para o autor, “o Congresso ganha algo com o uso da medida provisória pelo Presidente”, pois há interesse do Congresso Nacional na exata medida em que “há interesse em participar do governo, influenciar políticas, agenda, e trazer benefícios a redutos eleitorais”.

 

  • Decreto autônomo

 

O art. 48 do texto original da Constituição estabelecia, entre outras, a competência do Congresso Nacional para dispor, mediante lei, sobre a criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração direta. Após a promulgação da Emenda Constitucional n° 32, de 2001, foi criada a possibilidade de adoção de decreto autônomo3 para a dispor sobre “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos (art. 84, VI, a)” e sobre a “extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos (art. 84, VI, b)”.

 

Segundo AMARAL JÚNIOR (2003), a Emenda Constitucional n° 32, de 2001, ao criar o instituto do decreto autônomo, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro uma nova espécie normativa primária, ou seja, é um tipo de ato normativo que se vincula diretamente à Constituição, sem a necessidade de intermediação de lei. O decreto autônomo passou a ser “o único instrumento normativo apto a versar sobre atribuições e estruturação intestinas dos Ministérios e órgãos da administração pública”. Ressalta o autor que as atribuições e a estruturação interna dos Ministérios e dos órgãos da administração pública não são mais disciplinadas por lei, mas sim por meio do decreto autônomo.

 

 

3 Decreto autônomo é o tipo de norma editada pelo Presidente da República com respaldo direto na Constituição, e possui poder normativo próprio. Contrapõe-se ao decreto regulamentar, o qual se vincula a uma Lei, com o objetivo estrito de regulamentá-la.

 

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, os poderes do decreto autônomo previsto na alínea a do inciso VI do art. 84 são pouco amplos se comparados ao decreto autônomo do Direito Europeu. Explica o autor que, como são vedados o aumento de despesa, a criação e a extinção de órgãos públicos, o poder do decreto autônomo se restringe à transposição de unidades administrativas e à redistribuição de atribuições entre órgãos já criados por lei. Já o decreto autônomo previsto na alínea b do mesmo inciso é ato concreto de sentido contraposto à lei, pois prevê a possibilidade de o Presidente da República extinguir cargos vagos, e “como os cargos públicos são criados por lei, sua extinção por decreto, tal como ali prevista, implica desfazer o que por lei fora feito”. (MELLO, 2008).

 

  • Lei Delegada

 

Outro instrumento importante nas relações entre os poderes Legislativo e Executivo é a delegação legislativa. De acordo com o art. 68 da Constituição, as Leis Delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional, que a concederá por meio de Resolução.

 

Entretanto, o instituto da delegação legislativa possui pouca tradição no sistema presidencialista brasileiro. Após a promulgação da Constituição de 1988 apenas duas Leis Delegadas foram editadas, pelo presidente Fernando Collor, no ano de 1992 (Leis Delegadas nº 12 e 13, de 1992).

 

Conforme leciona Alexandre de Moraes, de acordo com a Constituição, não podem ser objetos de delegação: os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, as matérias reservadas a lei complementar, aquelas relativas a nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais, planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamento, bem como as matérias referentes à organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, suas carreiras e as garantias de seus membros. (MORAES, 2004).

 

Como forma de controle da delegação legislativa, a Constituição determina que a Resolução do Congresso Nacional que concede a delegação poder prever que o projeto elaborado pelo Presidente da República deverá retornar ao Legislativo para apreciação em votação única, vedada a apresentação de qualquer emenda (delegação atípica ou imprópria).

 

Outro instrumento de controle é a possibilidade do Congresso Nacional editar Decreto Legislativo sustando a Lei Delegada que tenha exorbitado os limites da delegação legislativa. (MORAES, 2004).

 

Analisou-se nesta etapa os marcos institucionais da constituição de 1988 que estabelecem a relação entre os poderes Executivo e Legislativo. A revisão demonstrou que o Presidente da República possui a sua disposição instrumentos que permitem uma atuação rápida e forte no campo legislativo, entre os quais pode-se citar o poder de veto, a possibilidade de solicitação de regime de urgência, a medida provisória, o decreto autônomo, e a lei delegada.

 

Por outro lado o Poder Legislativo possui também uma série de atribuições que servem de contrapeso à força do Executivo, como o impeachment e a possibilidade de derrubar os vetos ou de sustar atos que exorbitem o poder de regulamentação. Outras atribuições do Legislativo conferem poder de participar diretamente da formulação das políticas públicas, como apreciação das indicações de autoridades e fixação dos limites globais da dívida pública pelo Senado Federal, bem como a facilidade de se alterar as medidas provisórias por meio de projeto de lei de conversão. A seguir serão analisados dados da produção legislativa, afim de demonstrar como ocorre, na prática, a interação entre os poderes Legislativo e Executivo.

 

  • Análise da produção legislativa

 

Esta etapa da pesquisa consiste em analisar dados da produção legislativa. A produção de leis ordinárias terá por base o ano de 2007, e a edição de medidas provisórias será analisada desde o início da vigência da Emenda Constitucional n° 32, de 2001, até o final do ano de 2007.

 

A Tabela 1 detalha a produção de leis ordinárias no ano de 2007. A produção legislativa foi dividida segundo forma de proposição (projeto de lei ou medida provisória) e quanto à característica da matéria disciplinada (créditos orçamentários, matérias de baixa repercussão e matérias de repercussão significativa). Os dados demonstram que 39% da legislação ordinária produzida naquele ano tratou de créditos orçamentários, e que 13% foram leis de baixa repercussão. Com isso, verifica-se que as leis de repercussão significativa representaram 47% da produção legislativa ordinária.

 

Ainda de acordo com a Tabela 1, observa-se que das 94 leis ordinárias de repercussão significativa aprovadas em 2007, 45 foram oriundas de medidas provisórias, e 49 tiveram origem em Projetos de Lei. Com relação às 26 leis de baixa repercussão, todas tiveram origem em projetos de lei, sendo 25 de autoria do poder legislativo, e uma de autoria do Poder Executivo.

 

Com relação às 78 leis que instituíam créditos orçamentários, 59 tiveram sua tramitação iniciada por meio de Projeto de Lei e 19 por meio de Medida Provisórias (créditos extraordinários).

 

Tabela 1: Caracterização das Leis ordinárias4 aprovadas em 2007, segundo forma de proposição.

   

Projeto de Lei

Medida Provisória  

Total

  % % %
Créditos orçamentários5 59 30% 19 10% 78 39%
Repercussão Significativa6 49 25% 45 23% 94 47%
Baixa Repercussão7 26 13% 0 0% 26 13%
Total 134 68% 64 32% 198 100%

Fonte: site da Presidência da República (elaboração do autor)

 

Algumas conclusões podem ser tiradas a partir das informações já analisadas:

 

  1. confirmação da importância das medidas provisórias como instrumento normativo, tanto no aspecto quantitativo (representam cerca de um terço da produção legislativa total) e quanto no qualitativo (representam quase metade das leis de repercussão significativa – 47%);
  2. proporção significativa da produção legislativa se refere a projetos de natureza orçamentária (39%);
  3. há participação significativa das Medidas Provisória que instituem créditos extraordinários na produção legislativa orçamentária.

 

 

4 Foram também aprovadas quatro Leis Complementares e três Emendas à Constituição.

5 São Leis que alteram o orçamento anual, por meio de créditos adicionais, suplementares ou extraordinários.

6 Leis não enquadradas como créditos orçamentários ou como de baixa repercussão.

7 Foram consideradas de baixa repercussão aquelas classificadas como “homenagens” por CEBRAP (2006, p. 13). Sãs leis que conferem nomes a rodovias e aeroportos, que inscrevem nomes no livro dos Heróis da Pátria e as que instituem dias comemorativos, como a Lei n° 11.605, de 2007, que institui o Dia Nacional do Teste do Pezinho, a ser comemorado no dia 6 de junho de cada ano.

 

Como a finalidade deste trabalho é analisar as relações entre os poderes Executivo e Legislativo, é importante avaliar com maior profundidade a produção das leis de repercussão significativa, principalmente com relação à autoria dos projetos de lei.

 

Dessa forma, a Tabela 2 mostra a classificação das leis de repercussão significativa (exceto medidas provisórias) quanto à autoria. Ao se excluir as medidas provisórias, verifica- se maior equilíbrio com relação à autoria das proposições legislativas. Do total de 56 Leis de repercussão significativa aprovadas em 2007 por meio de projeto de lei, 27 são de autoria do Poder Executivo, 25 do Poder Legislativo, e 4 do Poder Judiciário.

 

Ressalte-se que quando se acrescentam as Medidas Provisórias, verifica-se que o Executivo foi autor de 71% das Leis de repercussão significativa. Essa informação demonstra que o Poder Executivo possui peso relativamente mais elevado que o Legislativo na fase de construção da agenda das políticas públicas.

 

Tabela 2: Classificação das Leis de repercussão significativa aprovadas em 2007 (exceto Medidas Provisórias) quanto à autoria

  Executivo Legislativo Judiciário Total
Leis Ordinárias de repercussão

significativa

 

23

 

22

 

4

 

49

Leis Complementares 2 2 4
Emendas Constitucionais 2 1 3
Total 27 25 4 56

Fonte: site da Presidência da República (elaboração do autor)

 

Como se viu no capítulo anterior, a Emenda Constitucional n° 32, de 2001, instituiu a regra que prevê o trancamento da pauta da Casa Legislativa em que a Medida Provisória estiver tramitando, após quarenta e cinco dias de sua edição, o que impede a votação de qualquer outra proposição legislativa.

 

A Tabela 3 mostra a proporção das sessões deliberativas do Congresso Nacional que estiveram com a pauta trancada por medidas provisórias, entre 2003 e 2007. Verifica-se que há anos, como os de 2004 e 2005, em que mais de 70% das sessões deliberativas realizadas pela Câmara dos Deputados tiveram suas votações obstruídas por medidas provisórias. Tal realidade tem como reflexo imediato a redução do tempo disponível para debate de agenda legislativa própria do Congresso Nacional, e a conseqüente priorização da agenda legislativa do Poder Executivo.

 

Tabela 3: Proporção das sessões deliberativas que estiveram com a pauta trancada por Medidas provisórias.

  Câmara Senado
2003 44% 33%
2004 71% 40%
2005 76% 53%
2006 66% 57%
2007 68% 60%

Fonte: Senado Federal e Câmara dos Deputados

 

 

 

As Tabelas 4, 5 e 6 mostram dados sobre as Medidas Provisórias publicadas a partir da promulgação da Emenda Constitucional n° 32, de 2001, até o final de 2007. As Medidas Provisórias foram classificadas em dois blocos distintos:

 

 

 

CE)8;

1) as que dispõe sobre a abertura de créditos orçamentários extraordinários (MPV 2) as que tratam das demais matérias (MPV ex-CE).

 

A Tabela 4 demonstra que a proporção de Medidas Provisórias que dispõem sobre a

abertura de créditos extraordinários no orçamento na União é elevado. Desde a edição da Emenda Constitucional nº 32, de 2001, até o final de 2007, 26% das Medidas Provisórias editadas instituem créditos orçamentários. Essa proporção foi superior a 40% nos anos de 2005 e 2006.

 

Não obstante a Constituição determinar que a abertura de créditos extraordinários por meio de medidas provisórias ser admitida apenas para atender “despesas imprevisíveis e urgentes”, tal recurso vem sendo regularmente utilizado, como demonstram os dados. Ressalte-se que em 14 de maio de 2008 o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 4.048, deferiu liminar para suspender a eficácia da Medida Provisória (MP) 405/07, convertida na Lei 11.658, 2008, que abriu crédito extraordinário no valor de R$ 5,4 bilhões para a Justiça Eleitoral e diversos órgãos do Poder Executivo. Segundo o voto do Ministro-relator, Gilmar Mendes, “nenhuma das hipóteses

 

8 De acordo com o inciso I do art. 62 da Constituição, é vedada instituição de Medida Provisória relativa a créditos orçamentários adicionais ou suplementares, exceto créditos extraordinários. O §3º do art. 167 determina que “a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública”.

 

previstas pela Medida Provisória configuram situações de crise imprevisíveis e urgentes, suficientes para a abertura de créditos extraordinários”9.

 

Tabela 4: Medidas Provisórias

 

 

  2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 Total
MPV 66 67 41 73 57 81 20 405
MPV CE 21 27 17 9 5 22 5 106
MPV ex-CE 45 40 24 64 52 59 15 299
MPV CE (%) 32% 40% 41% 12% 9% 27% 25% 26%

Fonte: site da Presidência da República (elaboração do autor)

 

Uma característica relevante das Medidas Provisórias que abrem créditos extraordinários é que a maior parte delas é aprovada sem alterações pelo Congresso Nacional. A Tabela 5 demonstra que, de 2001 a 2007, 81% das medidas provisórias sobre créditos extraordinários foram aprovadas sem alterações. Esse porcentual chegou a 95% em 2002, e a 100% em 2001. Esses dados demonstram que a abertura de créditos orçamentários extraordinários por meio de medidas provisórias foi instrumento de gestão do orçamento público largamente utilizado pelo chefe do Poder Executivo durante o período analisado. Existe a expectativa de que a decisão do STF na ADIN nº 4.048 modifique essa realidade.

 

Tabela 5: Medidas provisórias de créditos extraordinários

 

 

  2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 Total
MPV CE 21 27 17 9 5 22 5 106
PLV CE 3 3 5 1 1 1 0 14
Rejeição CE 3 1 1 1 0 0 0 6
Aprovação sem alterações 15 23 11 7 4 21 5 86
PLV CE (%) 14% 11% 29% 11% 20% 5% 0% 13%
Rejeição CE (%) 14% 4% 6% 11% 0% 0% 0% 6%
Aprovação sem alterações (%) 71% 85% 65% 78% 80% 95% 100% 81%

Fonte: site da Presidência da República (elaboração do autor)

 

Enquanto as Medidas Provisórias que instituem créditos extraordinários são pouco alteradas pelo Congresso Nacional, as demais Medidas Provisórias apresentam elevada participação do Congresso Nacional, tanto por meio a rejeição pura e simples, quanto devido a modificações que são introduzidas no texto final que será convertido em Lei.

 

 

 

9 http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi4048GM.pdf

 

Nesse sentido, a Tabela 6 demonstra, das Medidas Provisórias (exceto as que instituem créditos orçamentários extraordinários) editadas após a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 2001, 59% foram alteradas pelo Congresso Nacional por meio de Projetos de Lei de Conversão (PLV), e 13% foram rejeitadas, sendo que 28% foram aprovadas sem alterações. No ano de 2007, 76% das Medidas Provisórias foram alteradas por meio de Projetos de Lei de Conversão, e 7% foram rejeitadas, o que significa que apenas 18% foram aprovadas sem alterações pelo Congresso Nacional.

 

A análise desses dados demonstra que, ao se excluir as Medidas Provisórias que instituem créditos extraordinários, verifica-se forte influência do Congresso Nacional na elaboração da versão final da legislação editada por meio de medida provisória. Assim, em consonância com o conceito de presidencialismo de coalizão, verifica-se que o ordenamento institucional construído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001, permite a efetiva participação do Congresso Nacional na fase de formulação das políticas públicas.

 

Note-se que a sistemática anterior, prevista no texto original da Constituição de 1988, que permitia a reedição indefinida das medidas provisórias, conferia poder muito maior ao Presidente da República, que não precisava negociar com o Congresso Nacional a aprovação de suas propostas, mas tão somente trabalhar para que não houvesse deliberação dentro do prazo constitucional de trinta dias. O sistema atual, no entanto, preserva predominância do Poder Executivo na fase de formação da agenda legislativa, sobretudo graças ao fato de as medidas provisórias possuírem força imediata de lei.

 

Tabela 6: Medidas provisórias (exceto as de crédito extraordinário)

 

 

  2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 Total
MPV ex-CE 45 40 24 64 52 59 15 299
PLV ex-CE 34 19 16 49 31 18 9 176
Rejeição ex-CE 3 6 6 6 0 15 2 38
Aprovação sem alterações 8 15 2 9 21 26 4 85
PLV ex-CE (%) 76% 48% 67% 77% 60% 31% 60% 59%
Rejeição ex-CE (%) 7% 15% 25% 9% 0% 25% 13% 13%
Aprovação sem alterações (%) 18% 38% 8% 14% 40% 44% 27% 28%

Fonte: site da Presidência da República (elaboração do autor)

 

Este capítulo tratou do sistema de governo atualmente em vigor no Brasil. Foi demonstrado que no Brasil vigora o chamado “presidencialismo de coalizão”, que se

 

caracteriza pela associação entre representação proporcional, multipartidarismo e presidencialismo. Nesse sistema, o Presidente da República possui amplos poderes de agenda, mas precisa formar um governo coalizão de forma a garantir maioria no Congresso para que seus projetos possam ser aprovados.

 

A análise das atribuições dos poderes no sistema presidencialista desenhado pela Constituição de 1988 evidenciou que o Presidente da República é um ator politicamente forte, com atribuições legislativas importantes, como a iniciativa privativa de projetos de lei sobre determinadas matérias e o poder de editar medidas provisórias com força de Lei. Entretanto, o Legislativo brasileiro é também um Poder forte, que tem a competência de participar ativamente da formulação das políticas públicas propostas pelo Governo.

 

O estudo da produção legislativa demonstrou que, durante no período analisado, a relação entre os poderes Executivo e Legislativo ocorreu de forma similar à descrita na teoria que trata do presidencialismo de coalizão. O Presidente da República é o condutor da agenda legislativa, mas precisa do apoio do Congresso Nacional para aprovar suas propostas. Para isso, é preponderante que possa contar com uma base de apoio sólida no Legislativo, além de precisar negociar, caso a caso, a inclusão, nas medidas provisórias em tramitação, de matérias de interesse dos parlamentares.

 

CONCLUSÃO

 

A presente pesquisa teve por objetivo estudar a relação entre os poderes no presidencialismo brasileiro instituído pela Constituição de 1988, de forma a responder se o Legislativo é fraco em fase de sua relação com o Poder Executivo. Adotou-se a hipótese de que o Poder Legislativo possui forte participação no processo decisório sobre a formulação das políticas públicas propostas pelo Poder Executivo, e que, portanto, não é um Poder fraco.

 

A teoria da separação dos poderes, de Locke e Montesquieu, surgiu para conferir embasamento teórico ao fenômeno político de enfraquecimento das monarquias absolutistas européias, iniciado a partir do século XVII, dando origem ao Estado Moderno. O monarca, que no absolutismo tinha poder ilimitado, passou a sofrer a limitação de leis elaboradas por membros da sociedade reunidos em assembléias. A teoria da separação dos poderes serviu também como inspiração para movimentos históricos importantes, como a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos.

 

A partir da evolução do Estado Moderno surgiu, na Inglaterra, o sistema parlamentar de governo, e nos Estados Unidos, o sistema presidencialista. O presidencialismo se caracteriza por uma separação mais rígida dos poderes, nos moldes da teoria de Locke e Montesquieu. Já no parlamentarismo há uma aproximação entre esses poderes, pois o Executivo recebe do Legislativo a delegação para governar.

 

Foi demonstrado que o presidencialismo surgiu em um contexto em que imperava o pensamento liberal, segundo o qual o governo deve interferir minimamente nas relações entre os cidadãos, tendo como função primordial tão somente garantir a segurança e manter a ordem. Entretanto, dada a evolução histórica do Estado Liberal para o Estado Social, na primeira metade do século XX, houve a necessidade de se reformular o conceito clássico de separação dos poderes. A maior participação do Estado na economia, com a promoção de políticas públicas, tanto sociais quanto de incentivo a setores empresariais, resultou na criação de instrumentos que conferem maior poder de decisão do Presidente da República, que é o executor imediato das políticas públicas, e que por isso, muitas vezes precisa editar atos com agilidade não compatível que o tempo requerido pelo processo legislativo ordinário.

 

Mesmo nos Estados Unidos da América, berço do presidencialismo, houve ampliação competência normativa do chefe do Poder Executivo, por meio das chamadas executive orders, que podem ser editadas pelo Presidente americano como forma de dar cumprimento ao mandamento constitucional de “zelar pelo fiel cumprimento das leis.”

 

No Brasil, a permissão para o Presidente da República editar atos com força de Lei surgiu com a criação do Decreto-Lei, pela Constituição de 1937. O instituto do Decreto-Lei não foi acolhido pelos Constituintes de 1946, mas retornou ao ordenamento jurídico brasileiro após o golpe de 1964. A Constituição de 1988 ofereceu nova roupagem ao dispositivo, e deu- lhe o nome de medida provisória. Ressalte-se que a origem do poder de decreto do Presidente da República coincide com os períodos em que o Brasil passou por regimes autoritários de governo, o que acaba por ofuscar a necessidade do instrumento, que acaba por ser taxado de antidemocrático.

 

Assim, a Constituição de 1988 colocou à disposição do Presidente da República instrumentos que lhe permitem conduzir a agenda legislativa e o processo de formulação das políticas públicas. O mais forte deles é a medida provisória, mas também são de suma importância o decreto autônomo, a iniciativa legislativa exclusiva em matérias cruciais e a possibilidade de solicitar regime de urgência para as proposições legislativas de sua autoria.

 

Ressalte-se aqui uma das diferenças mais importantes entre o presidencialismo brasileiro e o norte americano: nos Estados Unidos o Presidente não possui poder de iniciativa legislativa, e os membros do Congresso não podem assumir cargos no governo. Fica, assim, delimitada, de forma mais clara, a separação dos poderes. Já no Brasil, as atribuições legislativas do Presidente, e a possibilidade de nomeação de parlamentares para compor o Ministério aproxima o presidencialismo brasileiro das características do sistema parlamentarista.

 

Ademais, em consonância com a teoria sobre o presidencialismo de coalizão, verifica- se que o Poder Legislativo brasileiro possui atribuições que obrigam Presidente da República a negociar com os partidos a formação de uma base parlamentar que lhe permita a aprovação de suas propostas no Congresso Nacional.

 

Assim, se por um lado o presidencialismo brasileiro atribui ao Poder Executivo preponderância na formação da agenda legislativa, por outro, o Legislativo é bastante forte na formulação das políticas públicas. A Constituição determina que mesmo matérias de caráter administrativo, como a criação de órgãos da administração direta, ou a instituição de programas de governo, sejam apreciadas pelo Congresso Nacional. São medidas de caráter conjuntural, que dizem respeito ao dia-a-dia do governo, que geralmente são adotadas por meio de Medidas Provisórias, e que fazem do Congresso Nacional o centro das discussões sobre as políticas públicas que estão em fase de formulação.

 

A análise dos dados sobre a produção legislativa demonstrou que há nítida predominância do poder executivo na formação da agenda legislativa. Em 2007, mais de 50% das leis de repercussão significativa aprovadas foram de autoria do Presidente da República. Tal característica é inerente ao próprio desenho institucional do sistema presidencialista instituído pela Constituição de 1988, que confere poder privativo ao chefe do Poder Executivo para a iniciativa de leis que versam sobre importantes matérias legislativas. Essa característica, assim como a regra constitucional que determina o trancamento da pauta de votações do Congresso Nacional por medidas provisórias, reduz a força do Poder Legislativo na definição de uma agenda legislativa própria.

 

As Medidas Provisórias, muitas vezes vistas como mecanismos de poder excessivo do Presidente da República, são, em um outro ponto de vista, instrumentos que conferem grande poder ao Congresso Nacional para participar da formulação de políticas governamentais. Prova disso é que menos de 30% das Medidas Provisórias (exceto as que instituem créditos extraordinários) são aprovadas sem modificações introduzidas por meio de Projeto de Lei de Conversão.

 

Ressalte-se que, durante o período analisado, a medida provisória foi bastante utilizada como forma de modificação da lei orçamentária, por meio da abertura de créditos extraordinários. Entretanto, a expectativa é que esse tipo de uso das medidas provisórias deve ser doravante reduzido em virtude do novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, adotado no primeiro semestre de 2008, que restringiu a possibilidade de edição de créditos extraordinários.

 

A delegação legislativa – permitida pela Constituição, mas quase nunca utilizada, é um instrumento que poderia ser usado para desafogar o Congresso Nacional do excesso de Medidas Provisórias. Ao delegar ao Presidente da República o poder de legislar, por meio de Leis Delegadas, sobre matérias de caráter meramente administrativo, o Legislativo teria mais espaço para discutir e votar matérias mais densas, de natureza estrutural do ordenamento jurídico, como a reforma da legislação sobre segurança pública, por exemplo. Entretanto, tal opção, que tornaria o sistema de governo brasileiro mais tipicamente presidencialista, pressupõe abrir mão de parte da força que o Legislativo atualmente possui de influir no dia-a- dia das decisões governamentais.

 

No entanto, conforme já relatado, a obstrução da pauta de votações por medidas provisórias com mais de quarenta e cinco dias traz prejuízos diretos à atuação legislativa própria do Congresso Nacional. Entende-se, pois, que a revisão dessa regra constitucional é fundamental para que o Poder Legislativo tenha mais espaço para legislar sobre matérias de sua própria pauta legislativa, sem a necessidade de abrir mão de poder que atualmente possui de participar das decisões relativas à formulação das políticas públicas de governo. Assim, a eventual reforma desta previsão constitucional, com a eliminação da possibilidade de trancamento da pauta, teria o efeito de fortalecer o poder de agenda do Legislativo brasileiro.

 

Por fim, os resultados da pesquisa confirmam a hipótese inicial do trabalho, de que o Legislativo brasileiro não é um poder fraco. Sua força está nas atribuições que a Constituição de 1988 lhe conferiu. Assim, se o Presidente da República consegue aprovar a maior parte das proposições que submete ao Congresso Nacional é porque, antes, precisou formar um governo de coalizão suficientemente amplo para lhe garantir maioria parlamentar, e também porque, ao longo da tramitação das propostas, faz concessões em pontos específicos de cada projeto, de acordo como interesses do Poder Legislativo.

 

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