O TRABALHO NA ORGANIZAÇÃO POLICIAL MILITAR PDF
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
Núcleo de Pós-graduação em Administração
Mestrado em Administração
CARLOS AUGUSTO GOMES SOUZA E SILVA
O TRABALHO NA ORGANIZAÇÃO POLICIAL MILITAR:
NATUREZA E SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS PELO OPERADOR DO POLICIAMENTO OSTENSIVO FARDADO
Salvador 2006
O TRABALHO NA ORGANIZAÇÃO POLICIAL MILITAR: NATUREZA E SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS PELO OPERADOR DO POLICIAMENTO OSTENSIVO FARDADO
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Administração, da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Administração.
Orientadora: Profª. Drª. Ivone Freire Costa
Salvador 2006
Escola de Administração – UFBA
O TRABALHO NA ORGANIZAÇÃO POLICIAL MILITAR:
NATUREZA E SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS PELO OPERADOR DO POLICIAMENTO OSTENSIVO FARDADO
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Administração, da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Administração.
Aprovado em de de
Conceito
Banca Examinadora:
Profª. Drª. Ivone Freire Costa Orientadora
Prof. Dr. Reginaldo Souza Santos
Prof. Dr. Eduardo Paes Machado
Salvador 2006
Este trabalho é dedicado à memória de minha mãe Neuza Gomes Souza e Silva, e à presença de Iracema Maria Vasconcelos Silva, minha esposa, e de Carlos Augusto Gomes Vasconcelos Silva, meu filho.
AGRADECIMENTOS
São muitos os agradecimentos, mas especialmente sou grato aos que aqui nomeio, e peço desculpas àqueles que porventura deixei de citar.
Em primeiro lugar, devo reconhecer que esta dissertação não seria possível sem o apoio permanente da minha esposa, do meu filho, do meu pai e dos meus irmãos.
Presto sinceros agradecimentos à minha orientadora, Professora Ivone Freire Costa, pelo estímulo, e pelo exemplo de conhecimento, perseverança, dedicação, e amor à causa de uma polícia militar mais capacitada, eficiente e, sobretudo, mais humana.
Agradeço também a todos os professores, funcionários e colegas de curso do NPGA, pelo apoio sempre generoso e enriquecedor em tudo que necessitei, no período inesquecível que passei na Escola de Administração da UFBA.
Por questão de justiça, sou especialmente grato às seguintes pessoas: Professor Reginaldo Santos – Diretor da Escola de Administração da UFBA Coronel Antônio Jorge Ribeiro de Santana – Comandante-Geral da PMBA Coronel Jorge da Silva Ramos – Diretor de Apoio Logístico da PMBA
Major Pedro Jorge de Carvalho Fonseca – Comandante da 47ª Companhia Independente da PMBA
Como não poderia deixar de ser, agradeço imensamente a todos os companheiros da Polícia Militar da Bahia, em especial aos policiais da Quadragésima Sétima Companhia da Polícia Militar em Salvador, oficiais e praças, trabalhadores que resolveram dedicar sua existência a servir e proteger a sociedade e que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho.
O trabalho é, antes de tudo, um conjunto de pressões impostas aos homens e mulheres, em formas sociais e históricas determinadas.
Dejours (1999)
O trabalho, como todos os processos vitais e funções do corpo, é uma propriedade inalienável do indivíduo humano.
Harry Braverman
(1987)
A presente dissertação discorre sobre o trabalho na organização policial militar, a sua natureza e demais significados atribuídos pelo operador do policiamento ostensivo fardado. Objetiva este trabalho verificar a percepção das demandas individuais e a realidade da organização no tocante ao desenvolvimento do trabalho policial, identificando as situações que mostram o grau de envolvimento, identificação e motivação do policial militar para com a sua organização e profissão. Evidenciou-se a percepção de 3 (três) espaços de afetação sobre o desenvolvimento do trabalho policial: a dimensão institucional que estipula o modus político e ideológico de como o ofício de polícia se realiza; o modelo organizacional, que determina através da sua expressão o desenvolvimento pessoal do operador do policiamento ostensivo na sua labuta; e o fator da natureza da profissão, desgastante e manifestamente opressivo. Esta pesquisa baseou-se em um estudo de caso descritivo-analítico realizado em uma unidade da organização Polícia Militar da Bahia, a Quadragésima Sétima Companhia Independente da Polícia Militar da Bahia – 47ª CIPM. Através da utilização do método da amostragem probabilística (amostragem aleatória simples), foram aplicados questionários dentro do universo pesquisado, para fins de conhecimento desse universo e o quanto as respostas obtidas poderiam ser inferidas para o restante da população. Foram analisados os dados obtidos nos questionários, de modo a amparar as hipóteses levantadas. Constatou-se a existência de um desacordo entre o pensamento individual e a ação sistêmica derivada da abordagem organizacional, podendo-se inferir os seus resultados à organização Polícia Militar da Bahia, e, em determinados pontos, estender a interpretação ao próprio Estado, uma vez que as afetações são oriundas de um caráter abrangente e não necessariamente específico como a unidade em análise.
Palavras-chave: Trabalho Policial. Polícia Militar. Trabalho Precarizado. Segurança Pública.
The present dissertation discourses about the work in the military police organization, its nature and meanings attributed for the operator of the military ostensive policing. Objective this work to verify the perception of the individual demands and the reality of the organization in the moving one to the development of the police work, identifying the situations that indicate the degree of evolvement, identification and motivation of the military policeman with its organization and profession. It was proven the perception of 3 (three) spaces of affectation about the development of the police work: the institutional dimension that makes the modus ideological and politician as the craft of policy carries through; the organizational model that the personal development of the operator of the ostensive policing in its labor determines through its expression; and the factor of the nature of the profession, hard and manifestly overwhelming. This research was based on a study of descriptive-analytical case carried through in a unit of the organization Military Policy of the Bahia, Fortieth-Seventh Independent Company of the Military Policy of the Bahia – 47ª CIPM. Through the fulfilling of questionnaires it was looked through the analysis of the gotten data to support the raised hypotheses. It was verified inside by meanings of the application of the method of the probabilistic sampling (simple random sampling) of the searched universe, for to know how much the gotten answers could be inferred for the population remains. It was evidenced a existence of a disagreement by the individual thought and the systemic action from the organizational achievement, being able to infer its results to the organization Military Policy of the Bahia, and, in determined points to extend to the interpretation to the institutional a time that the affectations are deriving of an including character and not necessarily specific as the unit in analysis.
Key-words: Police Work. Military Policy. Hard Work. Public Security.
F.1 PIRÂMIDE DE DISTRIBUIÇÃO ORGANIZACIONAL 42
LISTA DE GRÁFICOS
- 1 Distribuição das PMs no Brasil, por Patente 41
- 2 Estrutura Organizacional da PMBA 42
- 3 Mapa Comparativo das Razões entre População Residente e Número de Operadores da Polícia Militar por Unidade da Federação – DT. Base 2003 44
- 4 Freqüência da Intensidade das Respostas da Pergunta 9 Considerando a Opinião Geral
- 5 Freqüência da Intensidade das Respostas da Pergunta 9 Considerando a Opinião dos Oficiais
- 6 Freqüência da Intensidade das Respostas da Pergunta 9 Considerando a Opinião dos Praças
- 7 Freqüência da Intensidade do Desgaste Físico na Opinião Geral, do Gênero Masculino e do Gênero Feminino
- 8 Freqüência da Intensidade do Desgaste na Opinião Geral, do Gênero Masculino e do Gênero Feminino
G.9 Intensidade de Freqüência Relativa à Valorização Dispensada pela Sociedade ao Trabalho Policial na Opinião Geral
117
118
119
121
121
133
LISTA DE QUADROS
- 1 Quadro Empírico Adotado para Abordagem do Objeto de 21 Pesquisa
- 2 Padrões do Exercício do Trabalho Policial 99
- 3 Avaliação de Aspectos Valorizados no Trabalho Policial Considerando a Opinião Geral
115
- 1 Comparativo entre o efetivo do país e o da Bahia 40
- 2 Vitimização por Homicídios pelo Critério de Raça na Cidade do 96 Salvador nos anos de 2005 e 2006
- 3 Quantitativo de PMs Mortos em 2005 e 2006 106
- 4 Avaliação de Aspectos Valorizados no Trabalho Policial Considerando a Opinião Geral
- 5 Avaliação de Importância do Trabalho na Vida dos Respondentes Considerando a Opinião de Todos os Respondentes
- 6 Avaliação de Importância do Trabalhado na Vida dos Respondentes Considerando a Opinião dos Oficiais
- 7 Avaliação de Importância do Trabalho na vida dos Respondentes Considerando a Opinião dos Praças (Sargentos e Soldados PM)
- 8 Avaliação do Desgaste Físico e Psicológico Sofrido quanto à Atividade Profissional na Opinião Geral, do Gênero Masculino e
115
117
118
119
do Gênero Feminino 120
- 9 Avaliação da Importância de Áreas de Atividade na Vida Pessoal
de cada Participante 123
- 10 Avaliação de Características Julgadas Importantes em um Profissional da Polícia Militar Considerando-se a Opinião Geral 124
- 11 Avaliação da Intensidade das Fontes de Pressão no Ambiente de Trabalho Considerando-se a Opinião Geral 126
- 12 Avaliação da Intensidade das Fontes de Pressão no Ambiente de Trabalho Considerando-se a Patente 127
- 13 Avaliação da Intensidade das Fontes de Pressão no Ambiente de Trabalho Considerando o Gênero 129
- 14 Avaliação da concordância ou discordância sobre frases atinentes à realidade do Trabalho Policial considerando a Opinião Geral 131
- 15 Avaliação da Percepção do Valor Dispensado pela Sociedade ao Trabalho Policial Considerando-se a Opinião Geral 132
CAB Centro Administrativo da Bahia
CEDEP Centro de Documentação e Estatística CIPM Companhia Independe da Polícia Militar COORDOP Coordenação de Operações Policiais IGPM Inspetoria Geral das Polícias Militares MJ Ministério da Justiça
ONU Organização das Nações Unidas
PM Polícia Militar
PMBA Polícia Militar da Bahia
PNB Produto Nacional Bruto
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública
SSP Secretaria de Segurança Pública
UNEB Universidade do Estado da Bahia
SUMÁRIO
- TRABALHO POLICIAL: CONTEXTUALIZAÇÃO 25
HISTÓRICA, EVOLUÇÃO E ATRIBUTOS ORGANIZACIONAIS
- EVOLUÇÃO DO TRABALHO POLICIAL NO BRASIL 31
- ATRIBUTOS ORGANIZACIONAIS 39
- ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO 44
- ESPAÇOS DO TRABALHO POLICIAL 49
- OFICIO DE POLÍCIA: SIGNIFICADO DO TRABALHO POLICIAL 49
- ASPECTOS LEGAL E COMPORTAMENTAL DO TRABALHO DE 52
POLÍCIA
- DIMENSÃO INSTITUCIONAL DO OFÍCIO DE POLÍCIA 56
- DIMENSÃO ORGANIZACIONAL DO TRABALHO DE POLÍCIA 65
- TRABALHO POLICIAL NO CONTEXTO DE WEBER E MERTON 70
- CONTEXTO DAS DISFUNÇÕES INCORPORADAS 76
- TRABALHO DE POLÍCIA E CULTURA ORGANIZACIONAL 86
- TRABALHO DE POLICIA COMO PROFISSÃO 90
- OFÍCIO DE POLÍCIA COMO ESCOLHA DE CARREIRA E VIDA 91
- AÇÃO PROCEDIMENTAL DO TRABALHO DE POLICIA 98
- NATUREZA DO TRABALHO POLICIAL E FONTES DE PRESSÃO 102
- METODOLOGIA E ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA 109
- INSTITUIÇÃO PESQUISADA 109
- METODOLOGIA 111
- OBJETIVOS DA PESQUISA 112
- ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS 112
APÊNDICES: QUESTIONÁRIO 144
As transformações sociais, culturais, tecnológicas e principalmente econômicas que vêm ocorrendo na história da humanidade, desde os últimos anos do século passado, têm afetado sobremaneira a relação do ser humano com o trabalho.
A atividade laboral é a fonte básica de realização das necessidades e desejos humanos. A maneira como o ser humano se estabelece no curso da vida extrapola a dimensão individual, interferindo no modo de ser e de viver em uma dimensão mais coletiva e estrutural. Assim sendo, o trabalho é, simultaneamente, instância individual, forma particularizada como cada sujeito o realiza; e coletiva, pelo seu impacto social e o que dele decorre.
Por isso, considera-se que o trabalho agrega valor, e tal valor varia segundo o período histórico e o contexto social considerado. Na dimensão individual, ele é a possibilidade de realização de um desejo ou a solução de uma necessidade. Diferentemente dos outros animais que contam apenas com o instinto para balizar o seu curso de vida, a espécie humana, devido ao nível cognitivo, atribui sentido ao trabalho (BRAVERMAN, 1987).
Os problemas passam, então, a ter relevância quando a relação do trabalhador com o que deveria ser uma fonte de prazer torna-se um problema, símbolo de uma adversidade, desconforto e anulação, algo que implica uma desconstrução do seu modo de vida. Isso pode acontecer em decorrência de alterações no estado seminal da atividade desempenhada e se refere a dois fatores básicos. O primeiro diz respeito à apropriação das forças produtivas dos trabalhadores por quem detém o controle dos meios de produção, através dos processos de exploração e espoliação. Significa, portanto, que a riqueza obtida através do trabalho deixa de ser de quem o realiza, e passa a ser de quem detém os meios de produção.
O segundo fator vem à tona quando a natureza do trabalho é precária ou contundente para quem o realiza. Neste caso, o sofrimento causado ao trabalhador vem a contribuir para tornar o trabalho deficitário e depreciador da condição de quem o executa.
As relações de trabalho passaram, no final do século XX, a se polarizar entre os indivíduos que dele obtinham a sua sobrevivência e aqueles que extraíam para si vantagens que redundavam na acumulação de riquezas e/ou perpetuação do poder e domínio. A atividade laboral correspondia a uma necessidade para uns, e a uma atividade de obtenção de lucro para outros.
Esta pesquisa propõe–se a analisar o universo de trabalho de policiais militares em uma das Companhias da Polícia Militar do Estado da Bahia. Por se constituir uma força de trabalho gerada, administrada e aplicada pelo Estado, a categoria predispõe-se a atender aos requisitos deste, ao tempo em que incorpora condições e características culturais, organizacionais e profissionais que vêm tornar seus resultados deficitários e sua imagem prejudicada junto à sociedade. Através da polícia, a entidade estatal procura assegurar sua hegemonia.
Conforme Monjardet (2003), a visão dos pesquisadores sobre a polícia transita em duas escolas. Na esfera progressista, a polícia coloca-se, por excelência, como um instrumento de dominação do poder. Na escola conservadora ou apologética, a polícia é definida como instrumento especializado da law enforcement (aplicação da lei), visão puramente funcionalista em que, segundo a autora, uma espécie de deus ex machina habilita a polícia a reprimir abusos, desvios e descumprimentos da lei e da ordem legal.
No mês de julho de 2001 estabeleceu-se, em todo o Estado da Bahia, um movimento grevista entre os integrantes da Polícia Militar da Bahia (PMBA). Tal movimento configurou-se como atípico, já que tomou forma no seio de uma categoria profissional estatal cujas características, previstas em lei, impediam tal posicionamento de cunho político-reivindicatório. Os efeitos que se sucederam impuseram um estado de anormalidade na ordem institucional presente. Era o movimento “grevista” dos integrantes da Polícia Militar da Bahia.
Em função das ações decorrentes desse movimento, grande parte dos cidadãos do Estado ficou impedida de exercer suas atividades rotineiras, usuais e profissionais, devido à ambientação de total insegurança pública que se estabeleceu, havendo implicações diretas no não exercício de direitos básicos garantidos por lei, como o direito à segurança pública e à liberdade de ir-e-vir. Observou-se também que a ordem legal e interna da própria Corporação fora completamente atingida, uma vez que mecanismos de controle administrativo e comportamental, tais como a hierarquia e disciplina, típicos de instituições militares,
foram subvertidos, havendo uma inversão no domínio e direcionamento das ações de comando, que eram executadas por integrantes da base da pirâmide hierárquica.
Finalizado o movimento, verificou-se que, dentre os mais de vinte itens levantados na pauta de reivindicações apresentada pela comissão de negociação do movimento, apenas dois vinculavam-se diretamente a questões de caráter remuneratório (salário e gratificações). Os demais itens se relacionavam com questões de: maior reconhecimento profissional, valorização do servidor como pessoa, mais adequado tratamento e respeito por parte dos oficiais, escalas de serviço mais justas e racionais, voz participativa nas mudanças da corporação, melhores condições de equipamento e armamento, ou seja, a maioria das questões reportava-se diretamente à melhor instrumentalização do trabalho no dia-a-dia.
Este é um indicador preciso de que o desenvolvimento do trabalho policial prestado pelos servidores policiais militares relaciona-se significativamente com a maneira como ele não só é identificado, mas também construído e objetivado em sua estrutura. A inadequação tende a conduzir ao que se presenciou em julho de 2001, com significativos prejuízos à sociedade, credora maior dos serviços de segurança pública pelas próprias demandas condizentes com suas reais necessidades.
Diferentemente das Forças Armadas que têm como função fundamental a defesa do território nacional, o objeto da polícia diz respeito à manutenção da ordem pública interna e, no aspecto simbólico do significado de justiça, papel fundamental na implementação e garantia das leis quando as normas sociais são feridas. O preposto policial é o agente primário de atuação do Estado, razão porque necessita conhecer de forma clara a legislação e procedimentos penais brasileiros. Seu trabalho caracteriza-se por ser um serviço de natureza pública, concebido como um dever a ser prestado pelo Estado aos seus cidadãos, indistintamente.
Historicamente, pode-se conceber que as forças policiais surgiram em decorrência da necessidade, do anseio por proteção, segurança e defesa da vida humana, e pela manutenção dos bens adquiridos. Ao mesmo tempo em que combate crimes e delitos, protege os cidadãos, seja atuando preventivamente para evitar alterações da Ordem Pública (polícia ostensiva), seja como solucionadora e investigadora de conflitos de interesses (polícia civil judiciária). Atuar na mais perfeita ordem jurídica e lógica processual deve ser a finalidade precípua desta força. Em função ostensiva, a polícia atua de forma preventiva, buscando evitar
alterações da Ordem Pública no combate a crimes e delitos, além de proteger os cidadãos. Em seu papel de polícia civil judiciária, é solucionadora de conflitos de interesses.
O termo “polícia” vem do grego polis, que significava ordenamento político do Estado. Aos poucos, o termo passa a significar atividade administrativa com tendência a assegurar a ordem, a paz interna, a harmonia e, mais tarde, o órgão que zela pela segurança dos cidadãos (SILVA, 1998, p. 367). De acordo com a orientação política que lhes é atribuída, Estados de regime democrático podem buscar, através da polícia, a garantia de direitos e proteção. Regimes ditatoriais ou totalitários, de modo inverso, servem ao Estado como um ente central, visando a garantir sua perpetuação.
Apesar das mudanças ocorridas no sistema político brasileiro, a estruturação da segurança pública constitui-se ainda um desafio, principalmente em face da manutenção de um modelo autoritário remanescente do regime militar passado. É uma problemática em voga e, ainda que aos poucos as Corporações venham procurando se ajustar à nova realidade, a transição, de certo modo, acontece de maneira traumática e difícil para todos os integrantes do sistema: o Estado, a sociedade e servidores militares.
Como representante do Estado, o servidor policial-militar está sujeito a regimes de serviço diferenciados que têm influência direta na forma como seus serviços são prestados à população. Integrante da Corporação em início da carreira, este mestrando teve a oportunidade de observar que a atividade de repressão policial era, na época, particularmente intensa em situações que envolviam pessoas de baixa renda, reduzido poder aquisitivo e, predominantemente, pessoas negras e mestiças. Isso consolidava um paradoxo, já que cerca de 80% do efetivo da Polícia Militar (PM) baiana do período era formada por indivíduos da cor e posição social discriminadas, além de originários dos mesmos locais em que a intervenção policial era realizada.
Prevalecia uma idéia subliminar de que pobres e negros estavam intrinsecamente associados à idéia de criminalidade. Aliado a isso, os sistemas políticos então dominantes no país utilizavam o aparato policial como ferramenta de intimidação, impondo medo ao invés da promoção do respeito e admiração pelo servidor policial. A lógica instrumentalizada pelos governantes ressaltava a idéia de que a atividade precípua da Polícia era servir ao Estado e não à sociedade.
Ainda que diante de mudanças na ótica da segurança pública, em situações de desequilíbrio da atual conjuntura social é atribuído ao aparato de segurança pública um papel que não lhe pertence em sua completude, qual seja o de manter a ordem social. Entretanto, a idéia generalizada de que o crime só existe por falta de polícia não condiz com a realidade, porque deixa de lado as complexidades que envolvem questões vinculadas à exclusão social, e reforça o modo simplista como o problema da violência e criminalidade é visto.
A função do trabalho policial é atuar como preservador do controle social, e não como solucionador dos graves problemas derivados da dívida histórica do Estado brasileiro face à desigualdade social. O entendimento do aparelho prestador dos serviços como uma organização em que a satisfação do cliente passa pela satisfação do prestador é fundamental para que o serviço seja operado com comprometimento e qualidade. A satisfação, aqui, não deve ser traduzida unicamente como salário compensador, condição esta necessária, mas não suficiente.
A motivação, o respeito e um sistema de gestão organizacional produtiva imbuída de valores éticos e regras bem definidas e viáveis contribuem para a formação de um modelo organizacional vantajoso e compensador para todas as partes, minimizando significativamente fatores adversos inerentes ao trabalho policial que será descrito posteriormente.
Como muito bem diz Cristophe Dejours, em A Banalização da Injustiça
Social:
Quando a qualidade do meu trabalho é reconhecida, também meus esforços, minhas angústias, minhas dúvidas, minhas decepções, meus desânimos adquirem sentido. Todo esse sofrimento, portanto, não foi em vão; não somente prestou uma contribuição à organização do trabalho, mas também fez de mim, em compensação, um sujeito diferente daquele que eu era antes do reconhecimento. O reconhecimento do trabalho, ou mesmo da obra, pode ser reconduzido pelo sujeito ao plano da construção da sua identidade. (DEJOURS, 1999, p. 34).
Entende-se que a característica basilar da identidade de um servidor público deve ser a sua capacidade de servir com desprendimento e eficiência o cidadão comum. Como componente do Estado legítimo, a sua figura se firma como promotor de direitos. Para além de buscar a garantia de tais direitos, devem os servidores da segurança pública buscar assegurá-los ao máximo junto à sociedade. O policial não serve um governo específico; deve, antes, primar por compor a base
de serviços colocados à disposição da sociedade como um todo. Sem extrapolar o poder legal, o trabalho policial deve procurar ser essencialmente eficaz para atingir seus objetivos.
A hipótese norteadora deste trabalho advém da percepção de que o trabalho desempenhado pelos integrantes da área operacional ostensiva da PMBA mostra-se sujeito às contingências específicas que o diferem em relação a outras categorias de servidores públicos. No contexto deste estudo, parte-se então para uma análise do desenvolvimento do trabalho policial na Polícia Militar da Bahia, , questionando o valor e os sentidos que lhes são atribuídos e se há uma relação entre precarização e caráter da atividade do trabalho policial. Logo, este trabalho tem por objetivo realizar uma investigação, na forma de análise, sobre os aspectos, características e natureza do trabalho dos policiais militares da Polícia Militar da Bahia, nos espaços institucional, organizacional e profissional, avaliando de que maneira estas especificidades afetam o trabalho desenvolvido.
A precarização do trabalho obtém seu apogeu no final do século XX com a mundialização da economia, bem como com o crescimento da hegemonia neoliberal, que veio por enfatizar o capital financeiro em detrimento do capital produtivo. Atualmente, o contexto da Segurança Pública tornou-se um tema de expressivo caráter midiático. Assim, o tema é exposto em horário nobre, como se fora um produto de consumo essencial. Uma das razões para isso é o crescimento geométrico dos índices de criminalidade e violência urbana nos últimos anos. Entretanto, o sentimento de insegurança generalizado gerado através desse processo tem sido creditado única e equivocadamente a uma suposta incapacidade de trabalho das instituições de segurança pública.
Certamente existem problemas estruturais na segurança pública que tornam difícil a prestação de um serviço adequado, seguro e eficiente à sociedade. No entanto, faz-se necessário considerar outros fatores, quais sejam:
- A grande dívida histórica da ação social do Estado que, por várias gerações, tem tido como conseqüência o agravamento da exclusão social; por sua vez, acentua-se o quadro de violência instalado no país;
- A crise gerada pelo quadro de corrupção presente nas diversas instâncias político-representativas da sociedade, agravada pela deformação das noções de ética e moral.
A este respeito, Hollanda defende que:
As Constituições feitas para não serem cumpridas, as leis existentes para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias, são fenômenos correntes em toda a história da América do Sul. É em vão que os políticos imaginam interessar-se mais pelos princípios do que pelos homens: seus próprios atos representam o desmentido flagrante dessa pretensão. (HOLLANDA, 1999, p.182).
- As falhas existentes nas instâncias jurídico-criminais, que favorecem a impunidade dos autores de crimes e delitos, afinal, são a certeza e a inevitabilidade da sanção rígida e adequada que desestimulam o cometimento do delito;
- A falta de ações mais incisivas e prioritárias no enfrentamento da questão da segurança pública por parte do Estado, em lugar da adoção de medidas paliativas e ocasionais, que não incidem sobre as verdadeiras causas da violência no país, de maneira direta e
Um dos pontos centrais vinculados ao último item listado refere-se à necessidade de um enfoque contínuo e perseverante da otimização do serviço policial prestado atualmente.
Inúmeras greves, movimentos paredistas e reivindicatórios em todo o país, principalmente ao longo das duas últimas décadas, atestam o claro desconforto profissional do policial militar. De modo amplo, percebe-se um sentimento de incapacidade das polícias em promover a sensação de segurança pública na sociedade. Além disso, as condições de trabalho adversas e a desvalorização da categoria interferem diretamente na auto-estima do servidor, em sua motivação e sobre seu comprometimento com a boa qualidade do serviço prestado.
Se o sistema de segurança pública, como se observa, não atende às necessidades e anseios da sociedade, pode-se deduzir que a atuação dos servidores dessa área, voluntária ou involuntariamente, resguarda a sua parcela de responsabilidade em tal processo. Afinal, como detentora da prerrogativa do
policiamento preventivo, como todas as corporações similares do país, a PMBA é a face primeira e mais visível da ação do Estado na proteção aos cidadãos, do mesmo modo que representa uma garantia do cumprimento das leis e o asseguramento do controle social necessário para o funcionamento pleno das instituições.
Dessa forma, o policial-militar é o agente público que, pela natureza do seu trabalho, pratica um contato direto, expressivo e inevitável com o cidadão comum, sendo, por isso, esperado dele o melhor atendimento e amparo institucional possíveis, em nome do que o Estado, por lei, é obrigado a prestar.
Mesmo diante da recente redemocratização do país, as organizações policiais ainda são utilizadas como um método efetivo de se estabelecer o controle social sobre as grandes demandas sociais. Cada dia mais forçadas pela potencialização do grande desnivelamento e quadro de exclusão reinante, extrapolam a chamada “ordem social” e somente oferecem um mínimo que propicie a sua sobrevivência. Segundo Freire Costa (2005), o controle feito pelas polícias militares (PMs) é desestruturante porque atende a políticas públicas discriminatórias.
O trabalho do servidor militar estadual apresenta-se vinculado a uma dimensão burocrática aliada a uma racionalidade instrumental pouco eficiente e pouco expressiva na demonstração da qualidade do seu trabalho de policiamento ostensivo. A organização PMBA parece fechada em si mesma e não ajustada ao fiel cumprimento da defesa da sociedade e à manutenção eficiente e legal da segurança pública.
A maneira como o policial militar observa e desenvolve a sua missão no universo em que trabalha pode ser explicada pela sua formação profissional, pelas contingências do trabalho e pelas injunções que absorve enquanto no exercício profissional. A cultura organizacional determina comportamentos e atitudes, como também receberá influências daqueles que a integram, da mesma forma que o sujeito influencia o meio e é por ele influenciado.
O modo de inadequação do serviço prestado pode ser identificado através da reação do cidadão que demanda o serviço e se dá conta da falta de qualidade e confiabilidade do mesmo. Essa reação atinge também o policial, reforçando ainda mais o seu sofrimento profissional originado pela desvalorização do seu trabalho. Respostas a esta situação podem ser encontradas nas explosões de descontentamento, descontrole e violência verificadas nas greves dos PMs, em que valores detectados no universo externo e reconhecidos como legítimos e
necessários pelo seu senso comum (respeito, reconhecimento pela atividade realizada, compensações relevantes, etc.) motivaram conflitos com a realidade da cena organizacional a que está submetido.
DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
Este estudo abordou o objeto de pesquisa por meio de atributos, ou indicadores eleitos. Esses indicadores foram levantados a partir da vivência deste mestrando na organização, bem como do estudo dos referenciais teóricos utilizados neste trabalho. Além dos indicadores, pretende-se avaliar a associação deles com cada espaço de referência considerado, identificando a sua expressão no desenvolvimento do trabalho policial.
Dimensões | Atributos/indicadores |
Estado |
• Identificação como agente do aparelho de controle;
• Alinhamento com o aparelho burocrático institucional; • Entrelaçamento da carreira com o Estado; • Prescrição Legal e Normativa; |
Organização |
• Caracterização da organização como prestadora de serviços públicos;
• Ênfase no princípio da autoridade e em normas comportamentais impostas pela hierarquia e disciplina; • Alinhamento com o aparelho burocrático organizacional; • Cultura organizacional pautada em arquétipos e simbologias do tipo militar; • Exposição dos paradigmas disfuncionais citados por Merton (1984) |
Profissão |
• Incorporação do aspecto do poder discricionário do Estado;
• Caráter de desgaste físico e psicológico verificado no decorrer do serviço • Conflito entre valores pessoais, da organização e do Estado; • Exposição do trabalho policial a fontes de pressão. |
QUADRO 1: QUADRO EMPÍRICO ADOTADO PARA ABORDAGEM DO OBJETO DE PESQUISA
Fonte: autor da pesquisa
DEFINIÇÃO DA AMOSTRA
Essa pesquisa será conduzida durante o ano de 2006, na Quadragésima Sétima Companhia Independente da Polícia Militar (47ª CIPM), unidade da PMBA situada no Centro Administrativo da Bahia (CAB), Salvador, e que realiza os três tipos de serviço enfocados: policiamento ostensivo, seja motorizado, modular ou a pé.
O detalhamento atinente à metodologia específica da aplicação da pesquisa e da interpretação dos dados colhidos será abordado no Capítulo 5 atinente à interpretação dos dados da pesquisa efetuada.
A pesquisa terá como enfoque o serviço típico de policiamento ostensivo, seja ele motorizado, a pé ou modular (posto policial). A escolha se deu por serem estes a demonstração mais aparente do serviço policial militar à sociedade. Portanto, todos os policiais militares abordados trabalham no policiamento ostensivo e as funções e características de cada grupo serão detalhadas igualmente no Capítulo 5.
METODOLOGIA
Será realizado um estudo de caso que servirá de base à testagem da hipótese descrita anteriormente.
A condução do trabalho será baseada em dois tipos de pesquisa: a pesquisa qualitativa, uma vez que o estudo buscará explorar o caráter subjetivo, relativo ao objeto abordado; e uma abordagem quantitativa, que possibilitará a produção de dados através de pesquisa de campo. Isso pode se justificar pelo fato de que, quanto mais diversificadas as perspectivas de exploração dos fenômenos, maior a confiabilidade das informações produzidas.
O autor desta dissertação possui 30 (trinta) anos de atuação na organização, em variadas funções, inclusive na parte do serviço operacional ostensivo, e usará as observações e percepções advindas da vivência organizacional objetivando contribuir na interpretação dos fenômenos observados.
Serão feitos levantamentos bibliográfico e documental. Os instrumentos utilizados serão: a observação de campo e a aplicação de um questionário semi- estruturado junto aos policiais militares selecionados como sujeitos do estudo, e situados em diversas instâncias de graduação (análise dos dados). Com a análise dos dados, essa base será estruturada e expressa por meio de tabelas e gráficos. Através da interpretação dos questionários e da análise do conteúdo, será produzida uma percepção que testará as hipóteses levantadas.
A Pesquisa de Campo, realizada através da aplicação dos questionários, propiciará abordagem mais aprofundada acerca de como se dá a interação entre os indivíduos estudados, no seu universo profissional. Modelo do questionário aplicado encontra-se em Anexos.
MARCO TEÓRICO
O marco teórico dessa investigação baseia-se em contribuições da teoria weberiana, Merton (1984) Bravermam (1987) Dejour (2005), Morgan (2002), e da teoria marxista no tocante às idéias sobre as relações de trabalho.
Para a abordagem conceitual do trabalho policial, quanto ao seu cenário organizacional e sua natureza, será adotada a perspectiva de Monjardet (2002), Bayley (2001), Bittner (2003), Beato (1987), Cerqueira (2001), Moraes et all (2000), Silva (1990), e Freire Costa (2005). Estes autores analisam tanto a condição do serviço policial como as relações entre as contingências implicadas no processo laboral (violência, desvios e cultura organizacional, dentre outros).
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho desenvolve-se em cinco capítulos. A Introdução apresenta a delimitação do objeto abordado, bem como define os caminhos e marcos teóricos a serem seguidos.
O primeiro capítulo discorre sobre a origem do trabalho policial, descrevendo seus antecedentes e sua evolução histórica, além de contextualizar a organização em seus atributos e estrutura. O capítulo dois discute a dimensão institucional do trabalho policial na condição de legítima via de aplicação da força estatal, bem como dos seus desdobramentos como aparelho de controle social.
O terceiro capítulo problematiza os reflexos da organização Polícia Militar da Bahia no trabalho policial, considerando a sua forma, características e cultura, enquanto fatores precarizantes na vida profissional dos operadores policiais.
No capítulo quarto, a natureza da profissão policial será apreciada em suas especificidades, as quais a condicionam como formadora de inúmeras fontes de pressão físicas e psicológicas. O quinto capítulo descreve a pesquisa realizada na unidade policial anteriormente descrita e os resultados obtidos pela análise dos dados coletados.
Finalmente, as considerações finais, que acolhem as ponderações deste trabalho de pesquisa.
CAPÍTULO 1
TRABALHO POLICIAL: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA, EVOLUÇÃO E ATRIBUTOS ORGANIZACIONAIS
Este capítulo desenvolve uma retrospectiva histórica do trabalho policial partindo de uma visão ampla do conceito de trabalho, descrevendo sua evolução e natureza. Serão apresentados também os atributos organizacionais da Polícia Militar da Bahia, instituição onde o ofício de policial militar se desenvolve.
O trabalho policial nas organizações militares de segurança pública pode ser mais facilmente compreendido através do seu processo histórico de formação e desenvolvimento. O processo evolutivo, aqui abordado, fornece uma explicação para o significado do trabalho policial na atualidade.
Segundo Buonfiglio (2001), com o incremento do neoliberalismo e da reestruturação produtiva, no final do século passado, e do privilégio à competitividade e expansão (globalização), dois pontos centrais merecem ser destacados: o desemprego e a precarização do trabalho.
A questão do desemprego vincula-se diretamente ao aumento dos níveis de miséria, pobreza e da falta de perspectivas, principalmente nos países pobres e emergentes. Quanto à precarização do trabalho, verifica-se o aumento do uso de práticas “flexibilizantes” nas relações laborais, as quais desvalorizam conquistas históricas dos trabalhadores, em prol de novos ideais político-econômicos vigentes.
Conforme abordado na Introdução, o presente estudo parte do pressuposto de que há precarização do trabalho desenvolvido por policiais militares na Bahia. Portanto, a investigação buscará entender as especificidades desse processo na organização.
Sobre o fenômeno da globalização, cujo início se deu nos finais da década passada, Boaventura de Souza Santos apresenta que:
É hoje evidente que a iniqüidade da distribuição da riqueza mundial se agravou nas duas últimas décadas: 54 dos 84 países menos desenvolvidos viram o seu PNB per capita decrescer nos anos 80; em 14 deles a diminuição rondou os 35%; segundo estimativas das Nações Unidas, cerca de um bilhão e meio de pessoas (1/4 da população mundial) vivem na pobreza absoluta, ou seja, com um rendimento inferior a um dólar por dia e
outros dois bilhões vivem apenas com o dobro desse rendimento. Segundo o relatório do desenvolvimento do Banco Mundial de 1995, o conjunto dos países pobres onde vivem 85,2 % da população mundial, detém apenas 21,5% do rendimento mundial, enquanto que o conjunto dos países ricos, com 14,8% da população mundial, detém 78,5% do rendimento mundial. (SANTOS, 2002a, p. 33).
Pode-se observar que, no decorrer da evolução dos sistemas capitalistas, situações de desemprego e precarização sempre estiveram presentes, em maior ou menor grau. Ao fazer referência à história, Neves (2002) referencia que, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, foi instituído um padrão sistêmico de integração social que articulava o Estado do Bem-Estar Social e o modelo fordista de organização do trabalho, com o objetivo da produção e do consumo em massa, e do pleno emprego. Os sindicatos e organismos da sociedade civil eram reconhecidos como importantes instâncias representativas e a sua participação relevante ante as decisões políticas e organizacionais.
Neves acrescenta que, a partir dos anos 70, a crise do petróleo e do modelo fordista de organização do trabalho, a crescente insatisfação dos trabalhadores com os salários e com as condições do trabalho, assim como a entrada das novas tecnologias na área da microeletrônica no ambiente profissional alteraram os padrões de relacionamento entre patrões e trabalhadores. Ainda informa que, na década de 80, o tripé formado pela liberalização, privatização e desregulamentação, solidificado pela ideologia neoliberal, estabeleceu seu predomínio, e o poder regulador do mercado se firma como o grande dinamizador das relações trabalhistas.
O fenômeno globalizatório tem relevante papel nesse processo, ao internacionalizar as ações de fluxo do grande capital, das movimentações financeiras e das grandes intervenções dos mercados, contribuindo para a minimização do papel do Estado na regulação de normas e princípios.
Hobsbawm (2003) discorre sobre a incompatibilidade ideológica entre keynesianos e neoliberais. Os keynesianos afirmavam que altos salários, garantias do pleno emprego e a manutenção do Estado de Bem-Estar haviam criado a demanda de consumo que, por sua vez, havia alimentado toda a expansão vivida no período pós–Segunda Guerra Mundial, denominada Era de Ouro. Já os neoliberais diziam que a economia e a política da Era de Ouro impediam o controle da inflação e o corte de custos, tanto no governo quanto nas empresas privadas, corte esse que
possibilitaria o aumento dos lucros e conseqüente retorno ao crescimento econômico dentro da economia capitalista.
Nesse contexto, verificou-se o enfraquecimento das formas de representação no binômio capital-trabalho, e os sindicatos, solapados pela depressão econômica ocorrida nos anos 80 e pelo fortalecimento da ideologia neoliberal, tal como se referiu Hobsbawm, arrefeceram sua condição de buscadores de empregos. Mesmo com a expansão da economia a dimensões mundiais, assistia- se nitidamente o crescimento do desemprego e da precarização do trabalho.
Enquanto nos países ricos verificava-se o aumento da dependência dos trabalhadores em relação à previdência social, o que contribuía para a formação de “sub-classes”, nos países pobres e nos ditos emergentes o autor citado aponta para o crescimento da economia informal, juntamente à existência de serviços precários e não assistidos oficialmente. O trabalho precarizado passa a ser a única opção de muitos trabalhadores.
Filgueiras faz uma síntese sobre o processo de precarização do trabalho, ocorrido no final do século XX e início do século XXI:
Ao nível da sociedade como um todo, o resultado desse processo é o retorno neste final de século XX, de dificuldades e problemas próprios dos séculos XVIII e XIX, com a ampliação da exclusão social, de países e regiões inteiras do planeta e de grupos sociais e étnicos, mesmo dentro dos países desenvolvidos. O crescimento da pobreza absoluta com todas as mazelas (doenças físicas e mentais, alcoolismo, violência, criminalidade, etc.) é uma realidade gritante, mesmo na sociedade americana cuja economia ainda é a mais poderosa do globo. Desse modo, homogeneíza- se econômica, política e socialmente parte significativa do planeta, mas, ao mesmo tempo, aprofunda-se a diferenciação no interior de cada espaço nacional, mesmo nos países mais desenvolvidos. (FILGUEIRAS, 1997, p. 69).
No que tange ao Brasil, o caminho da industrialização obteve o apogeu a partir de 1945. O início do projeto desenvolvimentista brasileiro nos anos 50 foi o marco impulsionador para a consolidação do processo. Nesse período, o Estado atuava como mediador entre a indústria e a sociedade, com base em um programa nacional de integração entre as diferentes regiões do país e promovendo a expansão do mercado doméstico.
No período que se segue, até o final dos anos 70, do qual fez parte o regime militar brasileiro, o Estado fortaleceu sua atuação enquanto interventor direto
na dinâmica econômica do país, com atenção ao planejamento e implementação de políticas públicas. Desses fatos germinou a idéia de modernização do Estado (NEVES, 2001).
Nos anos 80, o discurso reformista toma corpo enquanto base de mudanças realizadas nas relações trabalhistas. Termos como enxugamento (downsizing), privatização, empregabilidade e flexibilização dos contratos de serviços começam a povoar e preparar o terreno para a grande ofensiva da desregulamentação que aconteceria a seguir.
A ascensão do neoliberalismo, apontada como um dos grandes responsáveis pelo estigma precarizador das relações trabalhistas, propicia a retirada do Estado brasileiro como regulador das relações sociais. Assim, a reforma do cenário Estatal nos anos 90 indica um reordenamento político no sentido de inserir o país na chamada economia global, apoiado, como afirma Neves (2001), no eixo básico da estabilização monetária, da abertura comercial e financeira, e da privatização de empresas e serviços públicos. O mundo do trabalho formal fragiliza- se, condicionado pelo enfraquecimento dos seus órgãos de representação coletiva, que passaram a negociar mais e aceitar propostas de empregadores, ao invés de agir energicamente, como aconteceu nos anos 80, em nome da garantia de direitos trabalhistas e do emprego, mesmo sendo este precário, flexibilizado e informal.
A noção de “Estado-Mínimo”, que apregoava a desregulamentação máxima do Estado nas relações de trabalho, provocou o aprofundamento do quadro de exclusão e do desemprego. O ideário capitalista concentra o capital em nichos já existentes e subtrai ainda mais dos que antes já se sustentavam com pouco ou quase nada. A distribuição dos lucros, tal qual pressupunha o modelo fordista de produção, passa a ser quase completamente apropriada pelo capital. Paralelo, já não é possível falar em Estado-Mínimo sem que sejam reportados os trabalhadores da esfera pública, espaço em que se inserem os policiais militares.
Conforme Costa (2001), até a Constituição de 1988 (BRASIL, 2002) as relações de trabalho no setor público eram marcadas pela unilateralidade: era o Estado quem as definia e os servidores não dispunham dos direitos da maioria dos empregados do setor privado, inclusive do direito à greve e à sindicalização.
Por isso, a Constituição de 1988 representou um marco na obtenção de direitos pelos trabalhadores do setor público. A obrigatoriedade do concurso para acesso ao emprego público, a isonomia salarial, a implantação de planos de
carreira, o direito de greve e a estabilidade no trabalho foram algumas das conquistas obtidas. Sobremodo importantes, vieram a contribuir para a valorização do serviço público e melhoria da sua prestação à sociedade, ao possibilitar ao trabalhador um maior amparo ao exercício de suas funções. Entretanto, as conquistas obtidas ainda careciam de uma auto-regulamentação subseqüente.
Ainda na década de 90, foi iniciada a Reforma Administrativa do Estado que, baseada no pretenso objetivo de modernização da máquina estatal, visava livrá-lo de práticas tidas como ineficientes e custosas e procurava flexibilizar as relações de trabalho. A reforma contribuiu, assim, para a quebra da estabilidade do funcionário público, quando justificada por insuficiente desempenho profissional e excesso de quadro. Além disso, apontou para a necessidade da regulamentação do direito de greve através de lei ordinária, estabeleceu carreiras exclusivas de Estado e recomendou o fim do regime jurídico único (COSTA, 2001).
Um dos pilares dessa reforma foi a chamada Administração Gerencial que, nas palavras do então ministro Bresser-Pereira e Spink (1998, p. 8), argumentava que o modelo:
É orientado para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de um grau real ainda que limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; o instrumento mediante o qual se faz o controle sobre os órgãos descentralizados é o contrato de gestão.
Bresser-Pereira aponta que a administração burocrática não foi competente na extinção do patrimonialismo, o qual sempre esteve aliado ao clientelismo e a outras práticas nocivas à Administração Estatal.
Desse modo, mesmo diante de fortes críticas pela ausência de prévia e ampla discussão com a sociedade, e relativas à adoção de propostas estrangeiras sem levar em conta especificidades da máquina estatal e da sociedade brasileira, é que a reforma do Estado foi implementada. E, ainda que decorridos quase dez anos, seus principais pressupostos continuam atuantes.
Segundo Freire Costa (2005), o trabalho policial, como o conhecemos hoje, surgiu na Europa e nas Américas no final do século XIX, derivado da preocupação das classes governantes quanto às ameaças advindas da violência e da criminalidade.
A polícia moderna, no entanto, é uma criação da sociedade inglesa do segundo quarto do século XIX. Naquele período, a Inglaterra era mais desenvolvida em termos urbanos e industriais que os outros Estados europeus (BITTNER, 2003). Aos poucos, embora sob diferentes especificidades, tal modelo foi sendo adotado por países com certa organização política.
Segundo o autor citado, o primeiro departamento de polícia moderno nos Estados Unidos foi implantado no Estado de Nova York, nos moldes britânicos. Para isso, foi criada uma comissão com a finalidade de estudar o modelo de polícia inglês. Afirma ainda que a organização policial foi o último dos instrumentos criados para a estruturação de um governo executivo moderno.
Continuando, também defende que o nascimento da idéia de polícia atual não tem suas raízes nas forças criadas pelas monarquias. Ao contrário, o modelo de polícia atual era muito temido nos regimes liberais; em períodos próximos à queda do poder monárquico, existia a idéia de que tais forças policiais pudessem vir a suprimir liberdades civis e individuais. Entretanto, depois das guerras napoleônicas e de diversas revoltas, que acarretaram muitas perdas humanas e a destruição de propriedades, foi surgindo outra idéia de polícia, mais de acordo com os modelos adotados atualmente.
A partir do fortalecimento da idéia da abolição da violência e da necessidade da paz como condição de preservação da vida na Europa e nas Américas, o controle militarizado e repressivo vigente até o século XIX, muitas vezes com comportamentos desviantes por parte dos seus membros, foi tomando um outro rumo. É então que nascem as guardas civis ou militares, ambas com o intuito de defesa da sociedade e do cidadão, seus bens e suas vidas e sem poder para o exercício das guerras. Pode-se afirmar que o trabalho policial tem semelhança com o trabalho das forças militares regulares atuantes preponderantemente na defesa territorial. Fazem-se presentes nas polícias militares padrões similares de atuação, no tocante a uma ênfase limitada na defesa e com maior atribuição no controle da ordem interna.
Freire Costa (2005) expressa que, tanto no presente como no passado, a história das instituições policiais brasileiras reflete a estrutura das relações de poder na sociedade brasileira. Segundo a citada autora, o trabalho policial ainda se constitui um instrumento estatal de consolidação das práticas hegemônicas de dominação, em resposta à necessidade de controle social. No Brasil e na Bahia, em
particular, isso se torna claro, devido ao reflexo do jogo de forças políticas sobre a forma de estruturação da organização policial.
Durante os governos militares, a Polícia Militar da Bahia adquiriu o caráter de defesa interna, tal como as demais existentes no Brasil. Constitucionalmente, os servidores da PMBA são considerados militares estaduais, porém se encontram submetidos ao controle federal e à Inspetoria Geral das Polícias Militares, em se tratando de temas específicos.
- EVOLUÇÃO DO TRABALHO POLICIAL NO BRASIL
A atividade policial passa a ser prescrita na forma constitucional a partir de 1824 com a Constituição Imperial. Quanto à atividade policial, segundo o texto constitucional de 1824, podem-se destacar os seguintes artigos: o artigo 145 informa sobre a necessidade de todo brasileiro pegar em armas; o 151 dispõe que o Poder Judicial é independente e determina sua composição por juízes e jurados; e o artigo 159 atesta que, nas causas crimes em que exista a inquirição das testemunhas, todos os atos do processo, após a pronúncia, tornam-se públicos.
Entre 1824 e o início dos anos sessenta, não ocorreram maiores alterações na forma organizacional das polícias. A partir de 01 de abril de 1964, o Movimento Militar que expede o Ato institucional de 04.06.64 (CAMPANHOLE, 1999) depõe o presidente João Goulart, e o Marechal Humberto de Castelo Branco é eleito para um período de três anos. Neste governo, foram assinados o Atos Institucionais 2, 3 e 4. Sob a égide desta Constituição, fica instituído o Estatuto autônomo para o pessoal da Guarda Civil e Lei especial dispõe sobre os Direitos e Deveres da Polícia Militar. No Estado da Bahia, através de Reforma Administrativa, a Secretaria de Segurança Pública do Estado organizou uma estrutura semelhante à atual para as Polícias, e instituiu a subordinação das duas forças policiais: a Civil e a Militar.
O citado autor declara que nas Constituições de 1967 e 1969 é possível perceber a ausência de normas jurídicas aplicáveis às forças de polícia Estadual, Federal ou Militar. Merecem referências os artigos 86, 87, 153, 160 e 175, sendo que o último contém normas sobre as garantias e os direitos fundamentais da pessoa humana, conteúdos raros para aquele momento histórico.
Entre 1967 a 1987, é iniciada a outorga da Constituição de 1967/69 (PALMA, 1978). Ela não se referencia à função policial, ignorando-a completamente. Todavia, o art. 86 afirma que toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional nos limites definidos em lei. Ficaram mantidas as mesmas prescrições da Constituição de 1946 quanto à competência e atribuições das Polícias Militares. Entretanto, Muniz (2001) informa que em 1969 passa a ser-lhe atribuída a função de manutenção da ordem pública em lugar de sustentação da segurança interna. Ainda em 1967, foi criada a Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), órgão fiscalizador do Exército, atuante ainda hoje.
Em relação ao Ato Complementar n° 40, de 30 de dezembro de 1968 (BRASIL, 1968), destaca-se uma afirmação sobre a sujeição discriminatória e humilhante dos policiais militares estaduais ao poder militar: o documento determina que os vencimento dos PMs não poderiam ser superiores aos dos “[…] militares regulares […]” Questiona-se, pois: seriam os servidores policiais, “militares irregulares” ou de segunda classe?
O termo “Polícia Militar” começa a ser consolidado em função do Decreto 1.072, de 30 de dezembro de 1969, consignado pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici, que extinguia as guardas civis em quinze Estados da Federação, inclusive na Bahia. As guardas foram incorporadas às Forças Públicas estaduais já existentes, e os membros das Guardas Civis, que não possuíam a equivalência de Oficial, foram gradativamente extintos. Nesse instante, uma abordagem policial civil foi substituída por lei, ou seja, pela vontade do Estado, através de uma legislação que privilegiou o espírito de combate ao “inimigo interno”.
Muniz, (2001) afirma que em 1977 houve outro fato relevante: a criação das Justiças Militares Estaduais pela Emenda Constitucional n° 7, de 13 de abril de 1977, mais conhecida como o “pacote de abril”, que introduzia várias modificações na Constituição vigente de 1969.
A função das Justiças Militares Estaduais era descrita como a de processar e julgar os policiais militares estaduais, nos crimes tipificados como militares (aqueles prescritos no Código Penal Militar). Crimes de natureza civil passaram também a ser enquadrados nesta situação, desde que praticados durante o exercício do serviço policial. Alvo de muitas críticas, por ser considerado um instrumento corporativo de impunidade por parte dos seus membros, a Justiça Militar Estadual continua existindo e trabalhando em suas atribuições.
Posteriormente, em 30 de setembro de 1983, surge o Decreto nº 88.777, também chamado de R-200, prescrito pelo então presidente João Figueiredo, que regula as Polícias Militares e o Corpo de Bombeiros Militares. O documento estipula que cabe ao Exército o controle e a coordenação das PMs e Bombeiros. Esse documento regulamentava os princípios e normas dos anteriores Decreto-Lei nº 667 de 2 de julho de 1969, modificado pelo decreto-lei nº 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto–Lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983.
Através da Companhia Independente da Polícia Militar (IGPM) criada em 1967, o R-200 consolidava o controle das Polícias Militares e do Corpo de Bombeiros Militares pelo Exército Brasileiro, e declarava em seu texto que “[…] o Ministério do Exército exercerá o controle e a coordenação das Polícias Militares, atendidas as prescrições dos parágrafos 3º, 4º e 6º do artigo 10 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de Fevereiro de 1967.” (CERQUEIRA, 2001). Referido controle e coordenação abrangiam aspectos da organização e da legislação, efetivos, disciplina, ensino e instrução, adestramento e material bélico. Pelo mesmo decreto, era delegado às Polícias Militares o poder de convocação em caso de guerra externa, para prevenir ou reprimir graves perturbações da ordem ou ameaça da sua irrupção, nos casos de calamidade pública declarada pelo governo federal e no estado de emergência. Nessa altura, as PMs também participaram de exercícios e manobras junto às Forças Armadas, e foram consideradas necessárias para as ações específicas de defesa interna e territorial. Os Comandantes das Polícias Militares eram oficiais da ativa do Exército Brasileiro.
O período mais recente de modificações que intervém sobre o trabalho policial vai de 1988 até os dias atuais. Na Constituição de 1988 é descrita a condição dos policiais militares como “militares estaduais”, e ao serviço policial militar é atribuída responsabilidade sobre o policiamento preventivo ostensivo e, em caso de falha da primeira opção, repressivo. A vinculação ao Exército, no entanto, mantém-se, inclusive a condição de força auxiliar e reserva, sob a fiscalização da IGPM.
Paradoxalmente, após a volta do Estado democrático no país e a retirada dos Militares para os quartéis, alguns setores sociais sugerem que as Forças Armadas deviam ocupar o cenário da segurança pública nos Estados onde ocorreram os conflitos grevistas. Acredita-se que isso se deva particularmente a alguns aspectos, apontados a seguir.
O primeiro deles diz respeito à inadequação do estrato político atual ao clima democrático. Ainda que se tenham passados dezesseis anos desde o retorno às eleições diretas para Presidente da República, boa parte da classe política dirigente é remanescente do regime ditatorial brasileiro, e tem se beneficiado disso.
Um outro ponto relevante nesse processo diz respeito à aparente ineficácia e incapacidade das organizações de segurança pública no enfrentamento dos problemas a elas apresentados, do que decorre uma incerteza quanto à garantia da ordem pública. Assim, diante de um problema, o cidadão muitas vezes apela para uma instância militar superior à polícia militar estadual, como é o caso das Forças Armadas, acreditando no uso de uma força mais combatente para restituir o clima de normalidade rompido. Aparentemente, tal atitude representa uma tentativa imediatista de solução do problema sem que, para isso, seja promovida uma reflexão junto à sociedade sobre as causas estruturais da questão da violência e criminalidade.
Ocorre, além disso, uma perceptível atitude do governo federal em não se debruçar mais detidamente sobre o problema. As ações centrais desenvolvidas são normalmente projetadas para serem feitas num prazo bastante curto. A oferta de um efetivo militar federal aos Estados, com vistas a uma resolução emergencial, a uma crise pontual, é um exemplo para isso. As escolhas governamentais não têm resultado de uma ótica preventiva e que traga contribuições mais efetivas e consolidadas, ainda que a médio e longo prazo.
Ao enfocar a Constituição de 1988, segundo a qual as polícias estão atreladas, pode-se dizer que esse documento, no seu preâmbulo, fundamenta os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade pluralista e sem preconceitos, comprometida na ordem internacional com a solução pacífica de controvérsias internas.
O art. 1o desta Constituição Federal de 1988 estabelece que o Estado Brasileiro tem, como fundamento, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. A palavra cidadania está aplicada num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos: qualifica os participantes da vida do Estado, implicando o estabelecimento de regras sociais e igualitárias universais relativas ao papel social do indivíduo.
Muniz (2001) dispõe que, mesmo as constituições republicanas, incluindo a Carta de 1988, assim como alguns decretos presidenciais anteriores, institucionalizaram, pela letra da lei, certa “tradição” ao utilizar, convenientemente, União e Estados como meios de utilização da força legítima das organizações de segurança pública.
A partir da década de 80, vislumbrou-se o surgir de movimentos reivindicatórios das PMs em toda a nação, destacando-se, no âmbito da Bahia, os movimentos de 1981 (gestado e dirigido pela categoria dos oficiais) e a “greve” dos policiais militares, em julho de 2001 (desencadeado pela categoria das praças).
Ao todo já referido destacam-se os efeitos devastadores do movimento de julho de 2001, que ocasionaram a edição da Medida Provisória n° 2.205, de 10 de agosto do mesmo ano (Muniz, 2001). Ela autoriza o estabelecimento de convênios entre a União e os Estados membros, e também entre estes, objetivando proporcionar àqueles que precisarem, em caráter emergencial e provisório, a utilização de servidores públicos federais, ocupantes de cargos congêneres e de formação técnica compatível, para execução de atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio. A Medida Provisória possibilita aos Estados Membros a requisição de forças federais (incluindo-se a recém-criada Força de Segurança Nacional), bem como efetivos de outras PMs, para suprir situações de comprometimento emergencial da ordem pública.
Surge, nesse período, uma organização política visando a uma maior conscientização dos servidores, além da formação de associações de cunho civil que passaram a abraçar a defesa dos profissionais e que ocupam a linha de frente de negociação sob o comando da PMBA e o governo estadual, como a Associação de Cabos e Soldados e a recente Associação dos Oficiais “Força Invicta”.
Desde a publicação da Constituição Federal de 1988, até os dias atuais, as forças policiais em geral não têm demonstrado preparo para sua função diante da conjuntura político-social vigente. A população assiste a um fenômeno complexo: sofisticação dos métodos dos criminosos e a falta de políticas públicas para controlar, dominar e combatê-los.
Observa-se que, em relação à relevância auferida aos temas da segurança pública, somente quando a violência extrapola a sua cota diária de banalização é que ela passa a fazer parte de reflexões sérias sobre o tema. Todavia,
como reverter, da noite para o dia, o quadro insidioso que o governo e a sociedade, como um todo, levaram séculos para construir, por ação ou omissão?
No entender de Silva (1990), de 1824 a 1988, todas as constituições brasileiras são primorosas ao tratar de direitos e garantias individuais. Isso evidencia a insuficiência da via constitucional em relação à tradicional indiferença do Estado brasileiro aos direitos e garantias individuais. Para o que está prescrito e o que realmente se efetiva na realidade, entende-se, a criação de novas leis não resolverá o problema das organizações de segurança pública. O desenvolvimento do trabalho policial no período histórico atual indica, basicamente, que as funções de polícia têm-se efetivado desde o patrulhamento e vigilância, com intervenção na resolução de conflitos locais, até como instrumentos de manutenção do status quo social e do poder estatal.
A impregnação ideológica viabilizada pela adesão organizacional aos princípios hegemônicos de cunho político-institucional tem afastado os questionamentos internos dos operadores de polícia sobre a validade do trabalho por eles desempenhado. Com o advento da normalização democrática, as modificações políticas, culturais e sociais estimularam os trabalhadores policiais a refletirem mais sobre o seu papel e reavaliar a sua profissão.
O trabalho policial identificou-se quase sempre como instrumento de força ligada, amparada e utilizada pelo Estado para missões que nem sempre se revelavam como estritamente de patrulhamento e proteção aos cidadãos locais. Como afirma Muniz:
Pelo menos desde o segundo Império, as PMs começaram a ser exaustivamente aplicadas como força auxiliar do exército regular, tanto nos esforços de guerra (como no caso da guerra do Paraguai), tanto nos conflitos internos como as rebeliões, os motins, as revoltas populares, além, evidentemente, das operações de grande porte relacionadas aos controles das fronteiras da nação. Em outras palavras, as PMs foram paulatinamente se transformando em forças aquarteladas especiais ou extraordinárias que atuavam menos nos serviços de proteção da sociedade e mais nas questões de defesa do Estado. Suas atividades propriamente policiais, como as patrulhas urbanas, passaram a ser mais esporádicas e residuais, sendo seus recursos destinados prioritariamente para os casos de emergência pública, e para missões militares extraordinárias, etc. (MUNIZ, 2001, p. 182).
Ainda hoje, no ensino das Academias de Polícia, inclusive do Estado da Bahia, são louvados os feitos históricos dos heróis da corporação vinculados mais
estreitamente a ações militares na atuação como representantes da força do Estado, na defesa da pretensa ordem de defesa territorial, como a própria Guerra do Paraguai, o Levante de Canudos, a repressão ao cangaço. Ações rotineiras e fundamentais à operacionalidade do policiamento são tratadas idealmente como “sacrifícios” comuns à carreira e são interpretadas como um determinismo em que o trabalho policial está afeito. O heroísmo do dia-a-dia é subestimado face ao heroísmo do Estado.
O fato de que até pouco mais de vinte e cinco anos atrás a PM da Bahia era comandada por oficiais do Exército Brasileiro reforça o caráter militarista das Polícias Militares, ainda que seus oficiais já sejam formados em Academias próprias. Mesmo com o retorno da democracia, legalmente a Polícia Militar da Bahia, assim como as demais, ainda é considerada Força Auxiliar e Reserva do Exército.
Antes da promulgação da Constituição de 1988, existia um entrelaçamento entre as questões de segurança pública, segurança interna e segurança nacional. Nesse contexto, a polícia militar era mais utilizada como força de controle e dominação do que como uma organização policial com a missão de proteção do cidadão. Diante disso, como afirma Muniz (2001), as Polícias Militares atuavam mais como disciplinadoras dos cidadãos na manutenção do espaço de poder ditado pelo Estado e em nome de uma ordem social de “normalidade” e de adequação ao status quo.
Pode-se salientar que a evolução histórica das Polícias Militares apresenta, como uma característica organizacional importante, o caráter híbrido quanto à sua destinação militar e/ou policial. As demandas e pressões do ambiente político e institucional sempre tiveram destaque num momento de decisão quanto à atuação mais policial ou mais militar. Enquanto missão, a defesa do Estado firmou- se como prioridade durante o ciclo histórico de criação das polícias militares, em detrimento das atividades policiais “de verdade” e para as quais supostamente foram criadas. O resultado é a concepção de uma ordem pública pautada na centralidade e no autoritarismo (MUNIZ, 2001).
Os reflexos no universo organizacional da PM podem ser verificados a partir da forma como se dá a sua estruturação hierárquica e disciplinar. O caráter repressivo existente durante o regime de ditadura militar, de 1964 a 1985, atribuiu acentuadamente um caráter militar, enquanto a sua transição para a consolidação do regime democrático acabou por direcionar as Polícias Militares (e Civis) a se
ajustarem a novos métodos de ação administrativa, ideológica e operacional. Sobreposta a tal situação, está a chamada crise de identidade das organizações de segurança pública no país.
Pode-se afirmar que o modelo ideológico embasado no pensamento militar de 1964 ainda sobrevive por algumas questões, dentre as quais:
- Por conveniência do Estado e dos seus governantes, no sentido de exercer o controle social sobre as legiões de excluídos que, paulatinamente premidos pela necessidade, começam a se organizar enquanto força de pressão social e política. As PMs são legitimadas por governantes de variadas correntes ideológicas e o modelo militar favorece tal utilização por envolver, em seu cerne, os requisitos de obediência, com ênfase na hierarquia e adequação simbólica à imagem do aparelho estatal burocrático. Conforme Freire Costa (2005, 70), a burocracia desenvolve-se “[…] por sua condição de resposta ao controle e pela modernização dos processos do trabalho capitalista.”
- O insucesso no desvencilhamento, por parte dos integrantes da organização, do pensamento militar, pelo fato de concordarem com ele, particularmente nos níveis diretivos, ainda vinculados à herança da militarização;
- A incapacidade e ineficiência dos governos federal e estadual no trato de assuntos relativos à segurança pública e à justiça Atualmente, tem sido difícil formular ou implementar um modelo policial atuante e com funções de prevenção que atenda às demandas da sociedade. Devido à complexidade que o circunda, discussões sobre a questão da “segurança pública” têm sido adiadas, reforçando o “empurra-empurra” sob a responsabilidade dos poderes estadual, federal e mesmo municipal.
- O trabalho policial é realizado pelo Estado e para
Freire Costa (2005) atenta para a necessidade de uma reflexão sobre três tipos de papéis atuantes nas organizações policiais: o poder relacionado à sua natureza jurídico-política materializada; a distância entre o papel atribuído ao exercício do Poder de Polícia; e o papel que seria verdadeiramente o desejável: a idealização de uma organização tida como eficaz, mas que, na prática, não se
consolida. Nestes termos, permanece o questionamento quanto à adequação ou eficácia dos papéis. Longe de primar pelo aperfeiçoamento da atuação e busca do papel desejável aos olhos da sociedade, ante a visão do Estado o trabalho policial militar passa a incorporar e expressar conflitos que tendem a fugir dos limites do Estado de direito.
Para Adorno, a preservação do Estado de direito é fundamental para a coadunação das tarefas do Estado propriamente dito e as tarefas e finalidades da Polícia, conforme explicita:
O Estado Moderno constituiu-se como centro que detém o monopólio, quer da soberania jurídico-política, quer da violência física legítima, processo que resultou na progressiva extinção dos diversos núcleos beligerante que caracterizavam a fragmentação do poder na Idade Média. Disso resultou toda uma literatura, e um debate desde o século XVIII, que abordam os fins do aparelho policial, sua relações com a sociedade e os cidadãos, e, em especial, os limites legais do emprego da força física. (ADORNO, 2002, p. 08).
Detentora exclusiva da força física legítima, a polícia encontra-se, atualmente, em um momento de decisão. Com o evoluir do pensamento democrático e das novas relações políticas e sociais, que ampliam a voz dos anteriormente calados (sociedade civil e a própria polícia), torna-se difícil aceitar injunções e práticas não condizentes com as reais necessidades da sociedade. O novo paradigma da força policial moderna atribui-lhe uma atuação relevante frente à garantia, defesa e proteção dos direitos dos cidadãos, condições que um Estado moderno deve, no mínimo, proporcionar à sociedade.
- ATRIBUTOS ORGANIZACIONAIS
A Polícia Militar da Bahia, à semelhança de outras congêneres, realiza a sua tarefa constitucional através do policiamento ostensivo fardado, objetivando a manutenção da ordem pública. Possui um efetivo de, aproximadamente, vinte e oito mil militares entre homens e mulheres, distribuídos conforme tabela 1, através da qual é possível estabelecer um comparativo entre o efetivo geral das polícias militares do país e da Bahia, esta com cerca de 10,7% (dez vírgula sete por cento)
do total nacional. Ainda vinculados às polícias militares, os Corpos de Bombeiros encontram-se agregados ao efetivo geral e da PMBA,
TABELA 1 – COMPARATIVO ENTRE O EFETIVO DO PAÍS E O DA BAHIA
Fonte: SENASP e Departamento de Pessoal da PMBA (2006).
Posto ou Graduação |
Qtd Brasil |
Qtd Bahia |
|
Oficiais |
Coronel 377 32
Tenente Coronel 1.216 90 Major 1.983 137 Capitão 4.255 457 Tenente 8.620 1.128 Subtenente 2.835 0 Sargento 46.472 6.671 Cabo 42.644 0 Soldado 152.278 19.303 |
||
Praças |
|||
TOTAL |
260.680 |
27.818 |
|
Decorridos 181 (cento e oitenta e um) anos desde a sua fundação, a PMBA coloca-se atualmente entre os maiores grupamento(s) de PM do país. Na década de noventa foram extintas as graduações de Cabo PM e Subtenente PM com vistas a um possível enquadramento (e enxugamento) do quadro de patentes menos identificado com o Exército Brasileiro, e mais sincronizado com o padrão sistêmico da administração pública estadual.
Em termos nacionais e em termos de prevalência de patente, no gráfico 1 é possível perceber a situação das PM do Brasil. Observa-se uma situação irregular no efetivo dos sargentos, que se mostra superior ao dos cabos, ocasionando uma anomalia na linha de supervisão.
Coronel
377
Soldados
152278
GRÁFICO 1: DISTRIBUIÇÃO DAS PMs NO PRASIL, POR PATENTE
Fonte: Ministério da Justiça-MJ/Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP/Coordenação Geral de Análise da Informação/Coordenação de Estatística e Produção de Dados.
- Valores Absolutos obtidos a partir da Pesquisa Perfil das Polícias, realizada no 1º semestre de
A sua estrutura organizacional também é inspirada numa modelagem extremamente verticalizada, similar ao Exército Brasileiro, particularmente na denominação das unidades operacionais (batalhão, companhia), mas que, aos poucos, procura se adequar a uma similaridade com o quadro sistêmico estadual (diretor, coordenador).
GRÁFICO 2: ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA PMBA
Fonte: Departamento de Pessoal da PMBA (2006).
A sua distribuição funcional trabalha com base em uma categorização de postos e graduações. Com base num gráfico piramidal, em que são representados níveis organizacionais de uma empresa, é indicada, na figura 1, a estratificação das graduações hierárquicas da PMBA.
….
Coronel
Nível Estratégico de
Oficiais Superiores Tenente Coronel
Major
Oficias Intermediários Capitão
Oficiais Subalternos Tenente
Praças Sargento
Soldado 1ª Classe
Decisão e Planejamento
Nível Tático de Decisão e Planejamento
Nível Operacional
,
FIGURA 1: PIRÂMIDE DE DISTRIBUIÇÃO ORGANIZACIONAL
Fonte: Departamento de Pessoal da PMBA (2006).
A Polícia Militar compõe o conjunto sistêmico da Secretaria de Segurança Pública, juntamente com a Polícia Civil e o Departamento de Trânsito. Nesta condição, todos esses órgãos são subordinados ao Secretário de Segurança Pública, sendo que o Secretário subordina-se ao Governador de Estado.
Tradicionalmente, a Polícia Militar goza de uma proeminência relativa a uma independência funcional em relação ao Secretário de Segurança Pública. Na prática, a ligação da PM à Secretaria de Segurança Pública (SSP) consolida-se apenas no organograma que define a subordinação de quem para quem. Todo o planejamento e o estabelecimento das políticas de ações policiais são inteiramente realizados dentro da própria PM, cujo Comandante Geral é nomeado pelo próprio Governador de Estado e não pelo Secretário. A independência dos cargos é demonstrada pelas audiências de despacho entre o Comandante e o Governador de Estado. O titular da PM é um dos únicos “não-secretários” a dispor dessa prerrogativa.
Geralmente compete ao Secretário de Segurança ocupar-se mais da Polícia Civil e administrar um bom relacionamento com o Comandante Geral da PM. Atualmente, com vistas à resolução de possíveis impasses, a SSP criou um órgão que procura mediar as relações entre os dois órgãos.
A Polícia da Bahia possui uma média de 473,1 habitantes por policial militar. O Maranhão é o Estado menos servido de policiais, com 811,9 habitantes por policial, e o Distrito Federal, o mais policiado, com 145,9 habitantes por cada policial. Dentre todos os Estados e o Distrito Federal, a Bahia ocupa o 11º lugar entre as taxas de policiamento mais baixas (SENASP, 2004).
Conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), o efetivo mínimo necessário para o serviço de policiamento de rua que é realizado pelas PMs deve estabelecer a proporcionalidade de 1 (um) policial para cada 250 (duzentos e cinqüenta) habitantes (SENASP, 2004). Se observado este parâmetro, a Bahia teria que chegar perto do dobro do seu efetivo para atender ao requisito.
Através do gráfico 2 é possível perceber, através do uso de cores específicas, as faixas das taxas de policiamento destacadas por unidade da federação.
GRÁFICO 3: MAPA COMPARATIVO DAS RAZÕES ENTRE POPULAÇÃO RESIDENTE E NÚMERO DE OPERADORES DA POLÍCIA MILITAR, POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO, DATA BASE 2003
Fonte: SENASP (2004).
- ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO
A organização do trabalho policial se conceitua como uma dinâmica de processos que movimenta o cotidiano da organização. O seu início dá-se pela incorporação dos seus membros que, após a formação, expressarão as atividades do sistema. A partir daí, as ações serão influenciadas por procedimentos diversos, calcados na formação de um ambiente organizacional que possibilitará a moldagem daquilo que se pretende executar. O sistema de controle e o de comunicações, bem como o processo decisório, são alguns dos itens que perfazem o espaço de atuação da PMBA, a seguir abordados de forma concisa.
A Corporação desenvolve a seleção e recrutamento dos seus integrantes através de três fases distintas:
- Seleção mediante Concurso Público (para Oficiais e Praças);
- Instrução e Treinamento Específico;
- Desenvolvimento da Atividade propriamente
Em linhas gerais, o concurso para oficiais é disponibilizado para homens e mulheres de até 28 anos, com 2o Grau completo. A formação dos oficiais envolve quatro anos na Academia da PM, em regime de semi-internato, onde se abordam matérias de cunho técnico-jurídico, incluindo estágio no último ano. O acesso se dá através de vestibular específico via Universidade do Estado da Bahia – UNEB, com número de vagas para candidatos externos e vagas restritas para alunos oriundos do Colégio da Polícia Militar. A partir de então são realizados, por unidades específicas da PM, testes de saúde, físicos e psicológicos para os aprovados na 1a etapa.
A seleção dos soldados envolve uma estrutura similar. Em uma primeira etapa é realizado um processo seletivo elaborado por instituto externo especializado, contratado pela PM. Na 2a etapa, os passos são equivalentes à seleção dos oficiais. A formação neste caso dura cerca de seis meses, envolvendo também, naquilo que lhe é pertinente, matérias de cunho jurídico, técnico e de relações humanas. No caso dos sargentos, as vagas são preenchidas em parte por concurso interno para soldados e parte por vagas decorrentes de antiguidade, também direcionadas internamente para os soldados.
Nas Forças Armadas, a permanência temporal na carreira para os soldados é transitória e efêmera, enquanto nas Polícias Militares, a partir do seu ingresso, esses mesmos profissionais tornam-se efetivos, o que demonstra um caráter diferenciado nas abordagens da cultura do grupo.
Os comportamentos desviantes de natureza estritamente disciplinar dentro do sistema organizacional são analisados via processo administrativo legal que, a depender da ação irregular perpetrada, podem redundar em punições previstas em regulamento disciplinar que vão desde uma advertência simples até a exclusão do policial dos quadros da Polícia Militar.
Os atos que redundarem em crimes previstos no Código Penal Militar serão submetidos a Processo Penal Militar na Justiça Militar Estadual. Se forem crimes de natureza comum, previstos no Código Penal Comum, o processo se dará na Justiça Comum via Tribunal de Justiça do Estado. As penas serão cominadas e
tipificadas de acordo com a natureza e gravidade do delito cometido, sendo ainda prescritas após processo de julgamento pelo Tribunal apropriado.
O processo de comunicação da organização é o modo específico e diferenciado do desenvolvimento do fluxo de informações atinentes ao processo de trabalho. No caso da Polícia Militar da Bahia, pode se referir ao conjunto de documentos administrativos e operacionais que trafegam para viabilizar o cumprimento da gama de serviços específicos da PM. Citam-se, como exemplos: Relatórios de Serviço, Comunicações, Boletins Estatísticos de Dados de Ocorrências, Processos Administrativos, Planos de Operações, Regulamentos Disciplinares, Portarias, Boletins Informativos etc. Ressalte-se, igualmente, a comunicação virtual via rede intranet da PM, em que somente são colocados assuntos relacionados com o seu dia-a-dia.
Na comunicação oral, observa-se a maneira típica do grupo social de comunicar-se através de jargões, gírias e linguagem codificada via rádio e telefone, com verbalizações de cunho estritamente apropriado aos policiais militares.
O espaço organizacional, de uma empresa conceitua-se, segundo Alves (1997), como o inter-relacionamento com outras empresas, grupos externos, profissionais ou não, e com o público interno que a compõe.
Na Polícia Militar, o grupo externo de relacionamento é a sociedade em geral, para quem se destinam os seus serviços. A depender da qualidade dos serviços e da aceitação externa, atingem-se ou não os objetivos. O público interno é composto pelo efetivo de oficiais e praças, além de funcionários civis do Estado que eventualmente participam da rotina miliciana.
A maneabilidade e a maneira correta de se desenvolverem os relacionamentos internos também influirão no destino final dos serviços prestados. Por se tratar de uma organização de cunho autoritário, este aspecto torna-se um ponto complicador na gestão dos inter-relacionamentos, algumas vezes preponderando, com prejuízo para o grupo, competências hierárquicas frente a competências técnicas e meritórias.
O sistema Gerencial-Administrativo da PMBA é baseado no princípio de relevância da autoridade e na distribuição e categorização das tarefas, intensamente verticalizado e segue o fluxo ordenatório hierarquizado, conforme esperado e expresso: o poder diretivo (oficiais superiores) decide as estratégias a serem
seguidas, que são formatadas e implementadas pelo nível tático (oficiais intermediários), para serem executadas pela base operativa (sargentos e soldados).
A forma de gerenciamento contextualiza o sistema de relações entre os membros de uma empresa. Percebe-se que diversos itens no quadro da atualidade se ajustam aos comportamentos gerenciais existentes na polícia militar. Aspectos como: falta de integração nos processos de planejamento, quadro amplo de chefias meramente técnicas e pouco humanas, centralização do processo gerencial, comunicação verticalizada e pouco foco no usuário do serviço de segurança pública em detrimento da organização são ocorrências constantes no sistema gerencial miliciano.
As decisões de caráter eminentemente estratégico, como referido, são intensamente centralizadas e com pouca margem de flexibilização. A decisão final sempre cabe ao dirigente máximo, que é o Comandante-Geral da PM, subsidiado nas informações que lhe são apresentadas sob considerações. Nos níveis respectivos, as decisões menos categorizadas são tomadas pelos dirigentes de cada nível, assim se mantendo de modo segmentado a verticalização do fluxo.
Por ser uma organização cuja base é o princípio da autoridade irrestrita, o conceito de cooperação é implementado quase sempre de modo coercitivo e com forte conteúdo alienante. Devido à verticalização excessiva, barreiras são sempre estabelecidas entre os diversos níveis hierárquicos (principalmente entre os estratégicos e operativos), com evidentes prejuízos à consecução dos propósitos, face à dificuldade da dinâmica do fluxo informacional.
Devido à ascensão dentro dos níveis por promoções a postos superiores que acontecem por antiguidade e por merecimento, a competição acontece tanto no plano diretivo quanto no gerencial (oficiais). No nível operativo, porque existe apenas um grau de ascenso (soldado para sargento), a competição é minimizada mesmo porque, com o avanço do tempo de serviço, a promoção ao grau imediato é praticamente garantida por convocações para cursos baseados em merecimento, condicionados a provas intelectuais ou estágios probatórios para subida de graduação soldado-sargento, com base na situação de antiguidade.
O acesso ao quadro de oficiais pelas praças é bastante limitado, porém existe um quadro específico de oficiais auxiliares da administração ao qual, após determinado tempo de serviço, é facultada a promoção mediante concurso interno e curso de adaptação. As promoções dentro desse quadro são limitadas ao posto de
capitão. O ingresso no oficialato superior é exclusivo aos oficiais formados na Academia da PM.
Assim, à semelhança das outras organizações militares estaduais, a Polícia Militar da Bahia identifica-se com um padrão estrutural que privilegia um modelo hierárquico aos moldes das Forças Armadas, incorporando o princípio da autoridade como referenciador do seu modo organizacional.
CAPÍTULO 2
ESPAÇOS DO TRABALHO POLICIAL
Este capítulo é fundamentado em duas partes distintas. A primeira caracteriza o ofício de polícia, discorrendo sobre o seu real significado, a sua conformidade legal e comportamental, fazendo-se acompanhar de uma descrição sucinta a respeito da sua estrutura funcional. Pretende-se também discutir os espaços teóricos que centralizam o tema dessa dissertação.
A segunda parte explorará a primeira dimensão do trabalho policial, que é a relação institucional e suas primeiras conexões com o cenário de violência e criminalidade.
Pela revisão histórica realizada, comprova-se a forte ligação entre o trabalho policial e o papel do Estado naquilo que o policial desempenha. O aparecimento do sistema de polícia se confunde com o nascimento do Estado brasileiro, pois este tem a obrigação de manter a ordem pública, além de possuir a prerrogativa do poder legítimo do uso da força. A necessidade de existência da polícia vincula-se à satisfação do interesse público pelo Estado.
- OFÍCIO DE POLÍCIA: SIGNIFICADO DO TRABALHO POLICIAL
Segundo Bengochea et all “[…] a polícia representa o resultado da correlação de forças políticas existentes na sociedade” (2004, p. 121). A definição amplia o conceito da organização policial colocando-a como a demonstração da ação política de um Estado. Pode-se atribuir que o trabalho policial explicita, na prática e na sua ostensividade, o fruto do pensamento institucional que, além de realizar as funções típicas do policiamento, espelha uma idéia, um conceito e uma representatividade.
Beato (2003) explana que a função policial existe e se distingue das atividades das forças armadas regulares pelo fato de basear-se em dois aspectos do
sistema de segurança pública. O primeiro diz respeito à manutenção da ordem. Isto representa a atuação do Estado como ente de permanência e predominância, e não somente em intervenções nos casos de delitos criminais os quais, segundo o autor, constituem menos de 15% do que é efetivamente realizado pelo policiamento ostensivo realizado pela PM. Existe uma atuação relevante em situações de pacificação, mediação de conflitos externos e em âmbitos domésticos, patrulhamento rotineiro e, em volume significativo, atividades assistenciais.
Como policial militar em atividade de patrulhamento, o autor desta pesquisa pode constatar que em inúmeras ocasiões o trabalho policial militar é deslocado de suas funções rotineiras para realização de atividades de assistência social, atividades estas que deveriam ser executadas por outros órgãos estatais, tanto federais quanto estaduais ou municipais, como a Secretaria de Saúde, Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social, além de organizações não- governamentais de amparo, assistência e orientação às pessoas.
Serviços de atendimento e resolução de problemas diversos tais como: socorro a vítimas de lesões decorrentes de delitos, apoio a parturientes, mediação de entreveros entre vizinhos, negociação frente a protestos de comunidades que bloqueiam pistas interrompendo o tráfego de veículos, regulação no volume sonoro de bares em bairros populares, por exemplo, constituem a maioria das ações que são efetivadas pelos policiais militares.
Bittner complementa esse pensamento ao reforçar que:
Em suma, o papel da polícia é enfrentar todos os tipos de problemas humanos quando (e na medida em que) suas soluções tenham a possibilidade de exigir (ou fazer) uso da força no momento em que estejam ocorrendo. Isso empresta homogeneidade a procedimentos tão diversos como capturar um criminoso, levar o prefeito até o aeroporto, tirar uma pessoa bêbada de dentro de um bar, direcionar o trânsito, controlar a multidão, cuidar de crianças perdidas, administrar primeiros socorros médicos e separar brigas de familiares. (BITTNER, 2003, p. 136).
O trabalho policial, nesse caso, evidencia uma compensação da presença imanente e complementar do Estado na atuação de outros órgãos, preenchendo atividades diferenciadas que, por obrigação legal, teria que assumir.
O ordenamento cognitivo do trabalhador policial militar opera com uma dualidade em sua ação profissional: preventivo e assistencialista no apoio à comunidade naquilo em que outros órgãos do Estado não perfazem o seu objetivo;
e, em certas ocasiões, exerce um caráter repressivo junto àquele mesmo grupo social. Monjardet (2002) atribui que o trabalho policial é permanentemente preenchido por tensões perpétuas que se constituem características de confronto permanente que permeiam as suas atividades: prevenção e repressão.
O segundo aspecto, de acordo com o Professor Beato (2003), diz respeito ao caráter da presença simbólica da Justiça. Com base na implementação da lei, a polícia é uma garantia de que haverá punição quando subsistirem transgressões às normas sociais. Esse tipo de intervenção delibera a necessidade de conhecimento das leis e procedimentos na esfera penal.
Fazendo uma analogia com o prescrito na Carta Constitucional Brasileira de 1988, a primeira característica descrita (preservação da ordem) vincula-se à atuação das polícias militares; a segunda parece apontar para as polícias civil e federal. Este mestrando acredita, porém, que o aspecto simbólico da presunção de justiça encontra-se mais reforçado e consignado no serviço policial militar devido à força da imagem ostensiva e fardada das Polícias Militares. Ademais, tanto nos momentos de prevenção quanto na forma repressiva, existe uma suposição consciente ou inconsciente de que aquela ação desencadeada fará parte do ciclo de produção da justiça, mesmo que ele não se complete posteriormente, no imaginário ou no real, expresso nas crenças e comprovações de que a polícia prende e a justiça solta.
Dessa maneira, o caráter legal e prescritivo do trabalho policial é caracterizado pela dualidade funcional existente entre a Polícia Militar e a Polícia Judiciária, que assim se conceituam:
- A Polícia Militar é a polícia que realiza manutenção da ordem pública, ostensivamente, fardada, mediante atividades de negociação, pacificação, patrulhamento, e repressão quando necessário, operando com o objetivo de prevenir as transgressões da ordem social e o crime;
- A Polícia Civil ou Judiciária é aquela que atua dentro do contexto legal, quando existe infração à norma penal. Requer conhecimentos da ciência jurídica, interoperabilidade com o poder judiciário e formação específica no sentido de fazer atuar, em casos concretos, regras procedimentais da justiça penal. Ela funciona como a porta para a abertura da ação penal através do inquérito policial.
Trabalhando na manutenção da normalidade institucional na área da segurança pública, o trabalho das organizações policiais é ininterrupto e potencialmente desgastante, por lidar com as mazelas morais e sociais. É draconiano quando se refere às exigências pessoais e coletivas em seu universo de trabalho. O serviço policial requer uma interface intuitiva e indispensável no contato com o cliente, ou seja, a comunidade em geral. Sem a condição do relacionamento humano, indispensável em qualquer governo democrático, a polícia oscila entre um caráter comunitário para menos e uma ótica de repressão para mais.
- ASPECTOS LEGAL E COMPORTAMENTAL DO TRABALHO DE POLÍCIA
O termo “polícia”, no sentido amplo, exprime a necessidade dos integrantes de um Estado de se estabelecer através dela (a polícia), à garantia de um ambiente de segurança pública que possibilite uma proteção individual ou de grupos sociais em sua integridade e no seu patrimônio. Esse desejo é inato aos seres humanos, que se agregam para assegurar a permanência da espécie.
Conforme preceitua o Art. 5o da Constituição Federal de 1988, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, porquanto deve a União garantir, aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
No âmago da Carta Magna de 1988 existem duas abordagens quando se estabelece o “direito à vida”. Uma delas estipula a garantia do direito de viver; a outra implica uma interpretação de se ter uma “vida digna”. Compreende-se, como dignidade humana, o respeito à pessoa como um dos maiores bens da humanidade. Pode-se observar que, perante a legislação brasileira vigente, a segurança pública – que está exteriorizada no sistema jurídico através das forças policiais – é um dos princípios que goza de igual relevância, tal qual o princípio à vida e os demais ali estabelecidos.
O ofício de polícia é ofício de Estado e a sua representação. No caso da Polícia Militar, ele é ostensivo e garantidor de proteção e direitos. O trabalho policial está legalmente tipificado, descrito e delimitado em suas atividades. Por envolver
emprego de força legal e legítima, necessita ser regulado naquilo que desenvolve. Existe uma tênue fronteira entre ação de força legal e abuso. Freqüentemente, esse limite é excedido pelos operadores. Neste caso, admite-se uma ação estatal reguladora numa instância de controle comportamental que modela e, se for o caso, estabelece punições. Através da Resolução 34/169 de 17 de dezembro de 1979, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas no mesmo ano, estipulou-se para os operadores responsáveis pela aplicação da lei um ordenamento prescritivo que descreve o modo de agir agregando função, ética e profissão dos policiais, incluídos nessa categoria, conforme segue:
Artigo 1º – Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem sempre cumprir o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra atos ilegais, em conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua profissão requer.
Artigo 2º – No cumprimento do dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos humanos de todas as pessoas.
Artigo 3º – Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando estritamente necessária e na medida exigida para o cumprimento do seu dever.
Artigo 4º – Os assuntos de natureza confidencial em poder dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ser mantidos confidenciais, a não ser que o cumprimento do dever ou necessidade de justiça estritamente exija outro comportamento.
Artigo 5º – Nenhum funcionário responsável pela aplicação da lei pode infligir, instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou qualquer outro tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante, nem nenhum destes funcionários pode invocar ordens superiores ou circunstâncias excepcionais, tais como o estado de guerra ou uma ameaça de guerra, ameaça à segurança nacional, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, como justificativa para torturas ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
Artigo 6º – Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem garantir a proteção da saúde de todas as pessoas sob sua guarda e, em especial, devem adotar medidas imediatas para assegurar-lhes cuidados médicos, sempre que necessário.
Artigo 7º – Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem cometer quaisquer atos de corrupção. Também devem opor-se vigorosamente e combater todos estes atos.
Artigo 8º – Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar a lei e este Código. Devem, também, na medida das suas possibilidades, evitar e opor-se com rigor a quaisquer violações da lei e deste Código.
A amplitude dos requisitos policiais formulados pela resolução da ONU (1979) atribui uma dimensão sacerdotal aos operadores policiais, ao proporcionar- lhes, explicitamente, um aspecto de independência extrema em relação ao ente estatal e colocando o operador vinculado estritamente a um regramento moral próprio, sob normas intrínsecas e não negociáveis. A vinculação do policial atende à lei, desde que não contrarie os princípios básicos da pessoa humana (como a dignidade e os direitos humanos), e confere ao trabalho do profissional o caráter de “missão dogmática” inalienável na defesa desses pressupostos.
Mesmo com a realidade indicando um cenário em que se observa a constância de comportamentos desviantes de integrantes das forças policiais, o profissional de segurança pública ainda possui uma aura de mantenedor da legalidade e proteção que o coloca no nicho das profissões “sacerdotais”, juntamente com professores, bombeiros, padres etc. Nesse ofício, o trabalho é impregnado de uma concepção de dedicação e “sacrifício” em sua atividade, mesmo não sendo adequadamente reconhecido pelo Estado no tocante à valorização de suas funções e sendo estas apropriadas constantemente de modo não condizente aos oito dispositivos citados anteriormente.
Conforme Carey, Menke e White (2002, p. 95):
Embora em uma ocupação seja o conhecimento que fornece a base para a reivindicação de uma especialização exclusiva, a relevância do trabalho da ocupação, no sentido de obter alguns valores sociais importantes, é a base que garante o poder profissional e o prestígio da ocupação […] Que o trabalho policial, de modo ideal, pretende alcançar ou promover os valores sociais básicos, não se questiona. Valores como ordem, paz, tranqüilidade, igualdade e justiça são – ou podem ser – promovidos por meio do trabalho policial eficaz e justo.
Essa condição da nobreza (real) da profissão ainda é seguidamente manipulada nas unidades da Polícia Militar da Bahia, exigindo do servidor policial atividades que acabam por ferir seus próprios direitos. Como exemplos, podem ser referidos: uma pretensa necessidade de carga horária adicional e desnecessária no serviço baseada no “dever a cumprir”, e um estímulo a trabalhar sem reclamar das condições precárias de equipamentos e armamento a que está submetido, face à resignação vinculada ao “sacrifício” tido como inerente à profissão. Inseridos na cultura organizacional, existem também destaque e reforço de dizeres colocados como enobrecedores e que não condizem com a realidade, caso em que “o soldado
é superior ao tempo”, visando ao trabalho em condições precárias, sem contestação, entre outros. Esse traço cultural será analisado mais à frente.
A atividade policial consiste no desempenho da função através de atribuições que a lei prescreve para o desenvolvimento deste trabalho. Falar em lei implica falar em direitos e deveres, tanto para o cidadão como para o policial. Quando esse conjugado legal não se manifesta de alguma forma, passam a ocorrer contradições pertinentes à realização do trabalho policial. É quando o operador percebe que, apesar da sua função se constituir na garantia e proteção aos direitos alheios, ele mesmo vivencia que os seus direitos não estão sendo devidamente respeitados.
A tarefa de policiamento é uma atividade tipicamente plurifuncional, pois se desenvolve independentemente do agente trabalhar ou não em unidade especializada. Fundamenta-se, principalmente, na busca de soluções para conflitos na sociedade, bem como na garantia e manutenção da paz social. Deve seguir normas, princípios e condutas previstas em lei. Todo o trabalho policial deve estar com fulcro nos dispositivos legais, vigiado, portanto, pelos órgãos de fiscalização institucional (Ministério Público, Ouvidorias, Comissões Legislativas e unidades correcionais internas), pela imprensa e pelo juiz mais presente e atuante, e a própria sociedade.
Por conta de sua complexidade, o ofício de polícia qualifica-se em três dimensões, dispostas da seguinte maneira:
- A dimensão institucional, que instrumentaliza o policial como agente do Estado na exteriorização do seu poder legítimo;
- O espaço organizacional, que concatena as suas especificidades na missão que desenvolve como uma organização pública que presta serviços;
- A dimensão da profissão desempenhada, que espelha a natureza mais individualizada do operador em suas características sociais, físicas e psicológicas, na relação com o seu trabalho;
Monjardet (2002) infere que o ofício de policial constitui-se em:
- instrumento de poder, que lhe dá ordens;
- serviço público, suscetível de ser requisitado por todos;
- profissão que desenvolve seus próprios
Dessa maneira, a autora citada procura referenciar, a seu modo, as dimensões básicas que constituem a caracterização do trabalho policial: investe em uma ligação mais estreita com o poder que, de mando ambivalente, ordena e dá poder de mando ao agente; caracteriza a forma organizacional como uma organização de serviços; e atua em uma prescrição bem pessoal que aduz uma relação quase sempre simbiótica e traumática entre ambos, prestador e serviço, conforme será estudado.
Em geral, os agentes diversos do Estado enquadram-se nesta tripla concepção. Professores, promotores de justiça, agentes administrativos, parlamentares e funcionários públicos, geralmente, são também submetidos em maior ou menor grau aos parâmetros de enquadramento na forma conceitual descrita: poder estatal, forma organizacional e natureza intrínseca daquela atividade.
Os policiais militares situam-se no campo institucional como possuidores da característica única da coerção legal. Devido a esta particularidade, a visão é mais prioritária (para o funcionamento da vida cotidiana), mais contundente (por ser intervencionista), e mais cuidadosa (por necessidade de controle).
- DIMENSÃO INSTITUCIONAL DO OFÍCIO DE POLÍCIA
Em sua obra O Leviatã, o filósofo Thomas Hobbes apresenta dois momentos distintos que fundamentam a existência do ente maior estatal. O estado de natureza, o primeiro deles, é revelado como um ambiente primitivo e beligerante que se baseia na ausência de normas e da autoridade soberana. Nesse estado, a liberdade era plena e permitia aos homens uma existência sem limitações.
Na concepção do autor, é pela necessidade de autodefesa (portanto, da própria humanidade), que se origina o segundo momento, ou seja, uma entidade chamada Leviatã, que provia uma situação de conforto, respeito e paz na preservação das suas individualidades. O soberano passa a decidir o que é e o que não é lícito, o que se deve e o que não se deve fazer, cabendo aos súditos o
respeito irrestrito às condições pactuadas, excetuando-se aquelas que atentem contra a sua própria vida. O caminho para a prosperidade e a paz era norteado pelo governante, o qual impedia o retorno ao estado natural de estagnação e insegurança.
A alegoria da obra inspira uma concepção sobre o poder quase ilimitado agregado ao Estado no papel de mantenedor da sociedade. Poder este que determina, legisla, atribui, sacrifica valores e estabelece condições para garantir a manutenção do convívio harmonioso entre os cidadãos.
Para cumprir o seu papel, os governantes, em nome de todos, impõem regras e normas que, a princípio, devem ser cumpridas indistintamente com o objetivo de regular a vida em sociedade para que todos realizem suas potencialidades de maneira livre e plena. Quando esse contrato pactual é rompido, o ente estatal utiliza de seus mecanismos para salvaguardar a normalidade da vida social. Para isto, ele se utiliza de condições em forma de um aparelho que, além de prevenir a ocorrência de situações desregrantes, age no sentido de restabelecer a ordem quando ela for alterada.
No cenário da segurança pública, cabe ao trabalho dos seus agentes: antecipar, reprimir e dar início ao procedimento de justiça criminal para consolidar a figura do Estado como o ente que propõe, regula, faz a repressão, julga e condena os possuidores de comportamentos desviantes. O primeiro passo para o controle estatal é dado pela Polícia.
Monjardet (2002) define a polícia como a instituição encarregada de deter e desenvolver as ações decisivas de força, visando garantir ao poder estatal o domínio (ou a regulação) do uso da força nas relações sociais. A definição intui que esta força é um “recurso”, algo colocado à disposição, que serve para “decidir” quando necessário, e almeja garantir e regular as relações sociais dentro do território legal.
A primeira dimensão que interfere no ofício de polícia é a institucional. Através das instâncias do poder legal, propõe, materializa, normatiza e legitima a ação policial, estabelecendo regras pré-aprovadas que condicionam o exercício do poder burocrático do Estado na órbita da segurança pública através dos seus agentes: os policiais.
Nesse espaço dimensional, os agentes desempenham papéis diferenciados que, a partir da forma conjuntural a que se encontram submetidos,
desenvolvem as missões explícitas e explícitas que advém daquilo que Bittner (2003) define como instrumento de distribuição de força não negociável. O Estado Incorpora, dessa maneira, a depender de como ele se afirma, um dispositivo de controle social, em particular das camadas sociais não incluídas sócio- economicamente, com o intuito da manutenção dos fins que ele objetiva incorporar ou manter.
Para Monjardet (2002), a polícia incorpora a metáfora do martelo que, a depender do seu uso, pode bater pregos, ajudar a escalar montanhas, demolir paredes ou, se for o caso, agredir física e seriamente algum desavisado. Um martelo, na sua forma original, é estático e apenas uma ferramenta ou um instrumento, não possui vontade própria, mas, utilizado irregularmente, pode provocar danos, em virtude da sua força mal direcionada. Na dimensão institucional, a polícia é um objeto de força, e uma força essencialmente política, voltada para atender aos fins que o sistema político de ocasião definir.
Entretanto, deve-se considerar que a organização é formada por pessoas, homens e mulheres, nos quais a submissão à metáfora referida, provida de uma racionalidade bastante instrumental e simplista, não prepondera sobre o sentido humano. Assim sendo, faz-se necessário considerar os fatores tipicamente humanos de reflexão, questionamento e contestação das normas impostas que mobilizam os grupos sociais submetidos a um enquadramento pragmático e mecanicista. Os movimentos paredistas advindos das próprias organizações policiais provam isso.
Na concepção de vínculo e vontade do Estado, Cerqueira (2001) diz com precisão que a polícia é uma organização de cunho político que realiza serviços sociais.
Como objeto de força, a corporificação institucional das polícias no Brasil, segundo Freire Costa (2005), deriva de sua associação como ferramenta da vontade coercitiva do Estado.
As instituições policiais do tipo moderno no Brasil, assim como na Europa Ocidental e em áreas historicamente relacionadas, surgiram durante a transição do século XVIII para o século XIX, que coincidiu aproximadamente com a difusão da ideologia liberal e a aplicação de mecanismos impessoais de coerção. A criação de instituições burocráticas, como a Polícia para preencher o espaço público, associado a novos procedimentos judiciais, como a tortura pública, para o encarceramento disciplinar e como meio de punição, já foi muito bem analisada por Foucault, que vê todos esses mecanismos como resultado de uma
sociedade carcerária ou disciplinada, onde se torna metáfora da condição do homem moderno. (FREIRE COSTA, 2005, p. 98).
As funções dos policiais resumiam-se a serem “martelos” do Estado, não somente na tarefa de combate ao crime, mas também na tarefa histórica de disciplinar a população, prevenindo e evitando a contestação dos seus atos e preservando a sua sobrevivência. O trabalho policial se modela pela dimensão histórica da formação e exteriorização do próprio Estado brasileiro.
Cabe aqui um destaque. Nenhum Estado pode prescindir do componente força. Não a força centralizadora e coativa implementada para garantir o poder hegemônico institucional, mas a força idealizada no sentido de servir à coletividade. Uma das bases democráticas é que o poder emana do povo e em nome dele será exercido. A imposição da vontade estatal, através da polícia, deve buscar a satisfação dos interesses coletivos.
A ocupação de um presídio por policiais militares tomado por rebelião dos ali confinados, com vistas a restabelecer a normalidade institucional, representa a garantia de afirmação estatal no cumprimento de regras de âmbito geral estipuladas numa associação entre a sociedade, o Estado e o direito. A sociedade representa em nome de quem e para quem a força é utilizada; o ente estatal é o agente da ação necessária por meio dos policiais; o direito, o dispositivo legal que controla e estabelece de que maneira ele será exercido.
Eventualmente, a parcela governamental destoa da conjunção referenciada anteriormente. Pode-se referir, por exemplo, ao episódio da invasão do presídio do Carandiru, ano de 1992, no Estado de São Paulo, onde se observou a falha do poder governamental representado pelos seus operadores. O episódio desenvolveu-se sem controle e moderação exigidos pela parte do direito, aparentemente pela perda da ação de comando por quem a coordenou, resultando em perda de inúmeras vidas. No momento da responsabilização, no entanto, o Estado, através de seus governantes, de maneira oportunista procurou descolar-se da sua culpabilidade e individualiza o problema àqueles agentes momentâneos.
A sociedade, por sua vez, implicitamente apóia os policiais militares: silencia sobre as atitudes realizadas para restabelecer a ordem anterior, ainda que realizada daquela maneira, pois as vítimas eram idealizadas como marginais ou
bandidos perigosos e, no imaginário popular, essas pessoas não são passíveis de cidadania, sequer de direitos.
As situações em que as organizações policiais são instrumentalizadas pelo sistema institucional no jogo político podem vir a colocar dúvidas e submeter a um estado de tensão a legitimidade política desse Estado. A força estatal, no caso do Carandiru, apenas para exemplificar uma das inúmeras situações, foi identificada nessa ótica. Uma vez conduzida de forma irregular, apesar de representar a sua manifestação, é desatrelada, via mecanismos políticos diversos, da identidade do próprio Estado, objetivando a sua autopreservação.
Observa-se, assim, que as manifestações oriundas da atividade policial em seu cotidiano espelham o sistema de valores oriundos da célula-mater estatal. Esses valores variam conforme o quadro político e o contexto do regime de governo ocasional, e estão firmemente imbuídos na personalidade do prestador de serviço de segurança pública.
Respeito às leis, à dignidade e aos direitos humanos, respeito aos agentes de segurança pública, dentre eles os policiais militares, valorização e cumprimento dos ideais democráticos, vontade e perseverança política na questão de mudança do quadro social existente e o estímulo à participação popular na idealização e gestão dos processos institucionais são algumas das prioridades necessárias à grande mudança de corações e mentes, ou seja, sentimentos e pensamento, onde trabalhadores policiais militares também estarão inseridos.
A idéia geral que permeia o pensamento das pessoas é que o combate ao crime é a função primordial do trabalho policial. A idéia da existência do crime, no entanto, é aceita como possível e provável de acontecer. Esse desvio é tido como uma agressão a uma autoridade que transcende a pessoa humana individualizada. No caso da polícia militar, cabe evitá-lo da melhor maneira possível através da sua presença nas ruas. Mas, se ocorrer, deve o policial reprimir.
Para o sociólogo Émille Durkheim, não existe força moral superior àquela do Estado na representação da coletividade. “Quando reclamamos a repressão ao
crime, não somos a nós que queremos pessoalmente vingar, mas algo de sagrado que sentimos mais ou menos confusamente fora e acima de nós.” (DURKHEIM, 1967, p. 89-81).
Atualmente, o crime e a violência, em suas diversas formas de representação, atormentam a sociedade brasileira. A depender do enquadramento na pirâmide social, eles se transformam no modo de atuação, porém seus efeitos são indistintos e afetam em menor ou maior grau a todos. Existem inúmeras explicações para a ocorrência do fator criminalidade, desde aquelas que apontam causas antropológicas até aquelas derivadas das condições psicológicas, sócio- econômicas e ideológicas, situando-as como determinísticas na formação do crime. A visão, o enfrentamento e o tratamento dessa questão no Brasil, nos dias atuais, reduzem-se normalmente a duas abordagens: a primeira, de forte cunho ideológico, visualiza certa despersonalização dos atores envolvidos no seu cometimento, atribuindo a injunções externas (fome, miséria, desajustes, capitalismo predador) a origem dos males. Nesta ótica, procedimentos repressivos não resolveriam o problema, devendo se realizar a médio e longo prazo políticas públicas centradas nas pessoas e comunidades que, aos poucos, através da assistência social e do respeito aos direitos humanos, teriam mais adequadas condições de se reformar e se livrar desse cruel determinismo; a segunda concebe como causa os comportamentos individuais e transgressores, os quais, como patologias desenvolvidas por questões individualizadas, devem ser “tratadas” com mecanismos de força e repressão. Neste caso, o crime e a violência acontecem por ineficácia do Estado em sua atuação, devendo os governantes “endurecer” na questão, objetivando restabelecer o equilíbrio da ordem pública.
O modo repressivo estipula e fomenta a idéia de uma justiça criminal de braço forte e positivista em que os direitos humanos, da maneira como são defendidos, decorrem por prejudicar a ação policial, tanto na sua ostensividade como na investigação, por acolher de maneira protecionista indivíduos que transgridem a lei, esquecendo-se dos direitos das vítimas desses algozes.
No centro dessa discussão encontram-se os policiais, agentes públicos que durante o desenvolvimento de seu trabalho são tachados, pelos setores do “pensamento progressista”, de praticarem ações abusivas e violadoras de direitos, constituindo-se, segundo eles, em uma linha de frente de um Estado repressor e imperialista.
Já na ótica conservadora, os delitos acontecem pelo fato dos policiais falharem na carga de repressão aos criminosos. O ideário dessa corrente estimula a necessidade de uma força maior para a polícia (geralmente contra pobres e minorias marginalizadas), além de atitudes mais “duras” dos governantes para com os transgressores da lei. A solução seria edificar mais presídios e isolar, dos “cidadãos de bem“, aqueles que não se adaptam ao padrão instituído.
Quando acontecem situações de anormalidade na ordem social, as pressões no modo de trabalho dos policiais são orientadas para um endurecimento no trato com os desviantes. Essas tensões são reforçadas pela mídia alarmista, cujos índices de audiência são elevados pelas conturbações ocasionais que se sucedem no seio institucional.
Na verdade, não se pode pensar em endurecimento nem afrouxamento nas ações policiais, pois as orientações são definidas previamente em ordenamentos técnico-comportamentais amparados por legislação atinente. O ato de policiar e agir como polícia é, por natureza, uma interação entre pessoas, situações, procedimentos e regras a seguir. O ato de se abordar suspeitos em via pública, por exemplo, deve obedecer a um padrão técnico e legal definido, seja numa favela ou num bairro de classe alta, tanto em situações habituais como nas manifestações públicas aberrantes do crime organizado. Esse padrão deve conferir aos agentes do Estado respeitabilidade pela adoção de ações inerentes a todas as pessoas e não apenas a algumas e em circunstância especiais. Infelizmente, observa-se que no cotidiano isso quase nunca acontece. Quando os operadores da segurança pública diferenciam pessoas, no desenvolvimento do próprio trabalho, isso se torna um sintoma de que o Estado também o faz de diversas maneiras, seja por ação ou omissão.
Quanto ao crime, Silva (1998, p. 11) explica que o fator criminal advém de uma série de fatores específicos que não se vinculam necessariamente, nem em um patamar de pensamento nem no outro. O escritor alinha, para efeito de apreciação e estudo, cinco fatores considerados condicionadores da criminalidade: o poder, o desenvolvimento, a desigualdade, a condição humana e o sistema penal. Nota-se que esses fatores incorporam elementos contidos na perspectiva humanista e no plano positivista. Quatro deles teriam, ainda segundo Silva (1998), um teor de fenômeno, (os quatro primeiros), enquanto que o último item, identificado como um sistema criminal injusto e desigual pertenceria ao grupo da ideologia conservadora.
Chega-se à conclusão que existe uma maior definição de causalidade quanto aos elementos oriundos da tese progressista, face à existência, em sua maioria, de quatro questões dominantes, dentre as cinco citadas.
Apesar das diversas discordâncias entre as duas correntes, há, no entanto, uma convergência: perceptível responsabilidade do Estado na questão do fenômeno da criminalidade. É ponto de concordância a existência de falhas históricas estruturais na condução do problema. Elas ocorrem simultaneamente, por omissão no atendimento às demandas sociais, as quais se acumularam ao longo do tempo, formando legiões de excluídos que formam o caldo da violência, paulatinamente saída dos guetos e avança na direção dos “cidadãos de bem”, expressão conhecida da população.
Paralelamente, existe o flagelo da corrupção que desarticula o imaginário conservador determinista, que vincula a criminalidade aos pobres e favelados. Os grandes bandidos do país, nos dias de atuais, usam ternos de corte refinado, são bem remunerados, aparecem na mídia como proponentes de políticas sociais e, contraditoriamente, ocupam parcelas de representação popular nas três instâncias governamentais: Executivo, Legislativo e Judiciário.
O envolvimento da elite institucional em atos delituosos ocasiona um outro abalo moral que agrava a situação de desordenamento institucional existente: o império da impunidade. O ordenamento legal-penal, através de esquemas e brechas desenhadas por quem habilmente as construiu, consegue imunidade de sanções, igualmente previstas em lei, para indivíduos que incorporam determinadas condições institucionais ou de poder econômico, como juízes, deputados, senadores, policiais, detentores de grandes fortunas e autoridades diversas. Assim, em uma mesma objetivação de cometimento de crime, pode ocorrer cominação diversa quanto à aplicação da sua pena, a depender de quem a desencadeou.
Dessa maneira, os agentes do início da ação penal, os policiais, vêem o seu trabalho ser desarticulado e perdido frente a um fator que desmoraliza e desestimula a sua efetividade, pois o ciclo da consolidação do “fazer justiça” se torna ineficaz, desgastante e proscrito. O sentido do trabalho se perde frente à certeza da não conclusão do ciclo de justiça iniciado pelos operadores policiais.
Em um cenário onde se nota que as deformações sociais são oriundas das deformações institucionais – por omissão, incompetência de gestão ou falta de vontade política – a gênese e permanência da violência e a da criminalidade
constituem-se os elementos ambientais com que os policiais militares initerruptamente trabalham. No ambiente inóspito em que as responsabilidades são dispersas e não se chega a uma individualização de culpabilidade quanto ao panorama existente, os próprios policiais são contaminados por ele e são tentados a justificar os seus atos desviantes fundamentados nessas circunstâncias.
Assim, um policial pode interpretar incorretamente que receber dinheiro de um comerciante para realizar um ato de extermínio, seja calcado na percepção de que existe um espaço estatal amplo e exemplificativo o estimula e, por vezes, o autoriza a praticar aquele desvio.
Essa noção deformada é de caráter moral e ético, e normalmente ocorre quando percebe que seus superiores (o seu comandante local, o político ou autoridades do judiciário, ou detentores do poder econômico) podem, fazem, acobertam e fecham os olhos a uma norma dada como inegociável, pois o direito é a sua fonte. O mesmo direito que atribui e consagra as suas funções, também “flexibiliza”, conforme seja a interpretação; pode congregar alguns e, no entanto, é bastante restritivo para outros, geralmente os menos aquinhoados. Este poderia ser um sintoma da estreita visão “bacharelista” e criminalmente limitada da atividade policial, acusada por muitos de ser meramente prescritiva com relação ao crime e à violência.
Não se trata aqui de justificar de modo pragmático e até cômodo os desvios dos agentes de segurança pública. Esta é uma profissão em que, pelas suas características, investe-se de maior responsabilidade no seu desempenho e também um maior encargo na sua correção e na sujeição à punibilidade. Todos os policiais devem estar conscientes disso. O que se pretende afirmar é que valores procedentes da composição do espaço estatal legal e da conjuntura do imaginário social podem estabelecer certa subversão na lógica do trabalho policial.
Entende-se, desse modo, que o espaço de influência institucional é um dos fortes definidores da ação policial, por ser germinador, formador e caracterizador do enfoque atuante dos operadores de polícia, simultaneamente. Como declara Freire Costa (2005), o Estado é super e supra-responsável por possuir a representatividade legal daquilo que é explicitado no dia-a-dia, em todos os seus campos. Cabe aos cidadãos fazer com que o Estado se “reinvente” na forma de pensar e agir exercendo a cidadania, e produza, no seu cotidiano, a tão desejada paz para a sociedade, incluindo-se os trabalhadores policiais.
CAPÍTULO 3
DIMENSÃO ORGANIZACIONAL DO TRABALHO POLÍCIAL
A segunda dimensão do ofício de polícia caracteriza-se pela estruturação e explicitação da forma organizacional que sistematiza o trabalho policial. Através da análise da dinâmica em que a polícia militar realiza suas ações como prestadora de serviços, é aconselhável associá-la a um ou mais modelos teóricos, de forma a possibilitar uma correta interpretação da sua identidade organizacional.
A exemplo de outras organizações, a PMBA é identificada como um sistema burocrático baseado na racionalidade dos seus procedimentos. Neste capítulo, será caracterizada à luz da Teoria das Organizações, segundo a percepção de Robert King Merton (1975) e outros. Observar-se-á também o modo cultural, fator decisivo à implementação do trabalho, além de pontos concernentes ao ambiente enquanto organização e aos seus processos operacionais de serviço.
A polícia militar caracteriza-se, dentre outros aspectos referidos por Monjardet (2002), em ser uma prestadora de serviços, especificamente de serviços públicos. O seu produto final é intangível, pois se constitui numa sensação ou percepção de estado de tranqüilidade e homogeneidade da população ou grupo dela específico. Apesar da sua imaterialidade, esse serviço pode ser mensurável, tanto qualitativa como quantitativamente.
A título de exemplo, cita-se o caso do policiamento ostensivo realizado pela PM no Centro Histórico de Salvador. Intensamente saturada, talvez seja a área mais policiada da metrópole. Tal situação proporciona ao visitante ou passante um sentimento interno de alívio frente à possibilidade mínima de ocorrência de delitos naquele território, anteriormente conhecido por ser degradado e potencialmente perigoso. A revitalização da área, portanto, ao contrário do que muitos pensam, não se deve prioritariamente ao tratamento estético-arquitetônico dos pavimentos e fachadas dos casarões ali existentes, nem das desapropriações para retirada da população “incomodante” ali instalada, mas à forte presença policial garantindo a necessária segurança à comunidade.
Através da presença, cabe ao policiamento ostensivo, ali reforçado – e mesmo privilegiado, em comparação com outras localidades – modificar a percepção generalizada de insegurança pública, pois o fator que é levado em consideração no cognitivo da população é a eliminação ou aceitável redução dos fatores criminalidade e violência, consolidados por lembranças da situação anterior. Se retirarmos os policiais, por mais “maquiada” que possa estar o local, mesmo aventando a possibilidade de que nenhum delito venha a acontecer, a freqüência de público reduzirá, por não perceber a figura estatal garantidora da “sensação” de segurança. Aparentemente, esta é a associação cognitiva mais próxima de uma concepção de ordem social, mesmo que não signifique necessariamente a resolução da questão social em pauta.
Freire Costa bem delineia o ponto de vista, quando descreve que:
O exercício de segurança nas condições de cidadania plena foi, e ainda é muito discutido por diversos autores na contemporaneidade […] Há uma tendência para universalizar os meios de combate à violência, com um policiamento quantitativamente superior, como expectativa para se alcançar mais segurança. Para a maioria dos autores isso significa um reforço do sistema de uso da força policial. (FREIRE COSTA, 2005, p. 194).
A característica do trabalho policial militar é a sua presença pública. É evidente que ela necessita se mostrar e ser atuante. Em primeiro plano, entretanto, a força estatal cumpre, no Centro Histórico, um papel de refreador das tensões sociais que ali se encontram vivas, embora hibernando à espreita de oportunidades. A colocação serve para atestar que, na intrincada equação da segurança pública provida pelo Estado, mesmo havendo bom ou ótimo policiamento ostensivo, existem variáveis independentes que atuam, quais sejam: desemprego, desestruturação dos valores éticos pelos governantes e elites, pobreza, miséria, e muita violência decorrente.
Situação semelhante ocorre com a desativação de módulos policiais, principalmente em bairros populares, por absoluta falta de condições físicas e operacionais para funcionarem. Mesmo sem vidraças, com piso danificado, instalações hidrossanitárias precárias, desprovidos de luz elétrica e rádio- comunicação, e quase sempre contando com apenas um PM que desempenha tão somente a função de se dirigir ao telefone público (quando existe) para clamar por
uma viatura de apoio, a comunidade local reage intensamente à desativação da base policial militar.
A presença do trabalho policial militar, ainda que estático e ineficiente numa base precária e favelizada, age no pensamento coletivo como uma garantia (que se diz, mínima) da presença do guarda-chuva institucional. O Estado pode negar saneamento básico, limpeza pública, posto médico e luz elétrica, todavia, sem o poder de regulação dos comportamentos individuais e coletivos e da prevenção dos fatos anti-sociais proporcionados pelos serviços da polícia, a vida social não progride. A Polícia Militar demonstra que é um dos agentes estatais mais necessários para o funcionamento do cotidiano social devido à sua capacidade de incorporar o controle comportamental e social desejado pelo aparato estatal.
A caracterização do aspecto organizacional das polícias encerra algumas interpretações. Cerqueira (2001) considera o caráter das PM em duas direções: o aspecto objetivo – compreendido como poder de polícia; e o aspecto subjetivo – como organização policial, conforme descreve:
No caso da polícia, entendê-la como serviço público, com estrutura organizada e com forma de atuação definida, parece-nos estar bastante adequado ao conceito em sua forma subjetiva. O fato de ser uma organização que poderá usar a força para fazer cumprir a lei, sujeita-se à idéia de negatividade que, segundo alguns, se deve ao fato de ser uma atividade que nada cria, por limitar-se à repressão aos comportamentos inadequados à ordem estabelecida. O poder usar a força tornou-a conhecida como força pública, mesmo não fazendo uso dela durante a maior parte da sua atuação. […] Com a noção de serviço público, tentamos resgatar a positividade da organização, subordinando a idéia de força ou da coerção à idéia do serviço. Servir e não combater; servidor e não combatente seriam os novos referenciais da polícia. (CERQUEIRA, 2001, p. 81).
Monjardet (2002), que anteriormente já vinculara o aspecto organizacional do trabalho policial à sua constituição em serviço público, conceito fundamental para sua tipificação, embora sob ângulo diferente de Cerqueira também objetiva duas faces na sua interpretação. O lado formal, que compreende a estrutura protocolar inerente às demais organizações, significando a sua divisão interna, a exposição dos recursos humanos, materiais, o seu conjunto de regras, ou seja, a maneira como ela se operacionaliza na sua forma; e o informal que, define o autor, é “[…] o conjunto de comportamentos e normas observáveis segundo as quais a organização realmente funciona.” (MONJARDET, 2002, p. 41).
O enfoque de Cerqueira procura centralizar a compreensão da Polícia Militar: de um lado, como uma prestadora de serviços que de modo objetivo e concreto possui um enquadramento em uma organização caracterizada como possuidora do poder coercitivo, o “poder de polícia”. Na outra possibilidade, a noção subjetiva, que procura descrever o papel da polícia como grupo social enquadrado numa abordagem explicada e tipificada pela Teoria das Organizações. Esse conceito advém dos teóricos do campo do direito administrativo, os quais concebem um conhecimento estrito da polícia como organização e uma idéia ampla como detentora do poder de polícia.
Esse poder de polícia significa uma condição de imposição da vontade estatal frente a uma alternativa em que prevaleça o interesse coletivo. Não é uma prerrogativa exclusiva da polícia militar, pois essa organização apropria-se desse poder para atender ao poder público em questões de segurança pública, enquanto que outros órgãos podem utilizá-lo a seu modo, para atender a outras necessidades. Os órgãos que fiscalizam e controlam o comércio de ambulantes, por exemplo, exercitam o poder de polícia sem vinculação com os agentes institucionais da segurança pública.
No entanto, Monjardet (2002) concebe duas instâncias mais definidas. Uma tem a ver com a formalidade objetiva dos processos, os quais são estritamente materializados em fontes concretas, como regulamentos, portarias, leis, prescrições normativas e de cunho comportamental. O aspecto informal refere-se aos processos em que efetivamente os policiais exercitam seu trabalho de forma consensual, não desviante, que equilibra a lógica ditada pelo entendimento da realidade externa e o bom senso no trabalhar.
A explicação pode ser mais adequadamente compreendida observando- se os dois exemplos apresentados a seguir. Existe uma idéia no Brasil sobre leis que “pegam” e aquelas que não “pegam”. Para qualquer pessoa dotada de bom senso, isto é desconcertante, pois qualquer lei é feita para ser aplicada, e ser utilizada para fiscalizar e julgar e prover de sanção os transgressores dela. Leis não são sancionadas a título de experimentação ou avaliação de possível eficácia ou não.
A Lei eleitoral, por exemplo, estipula a proibição da venda de bebidas alcoólicas durante o período de votação e apuração de votos. Contudo, como se fosse uma desobediência civil tácita, de todos conhecida, inclusive da justiça
eleitoral, o comércio de bebidas se faz, independentemente da determinação, em bares, restaurantes, barracas, supermercados e por livre comércio nas cercanias das zonas de votação. No exercício da sua função ostensiva, como deve proceder um policial militar junto a uma zona eleitoral onde existem dezenas de estabelecimentos que transgridem a lei de modo até festivo, por ser um feriado e uma data cívica?
Se realmente o policial fosse cumprir a lei, haveria problemas e transtornos durante todos os instantes do seu turno de serviço. Assim, ele utiliza a informalidade comportamental e passa a se preocupar com serviços mais prioritários, tais como proteger os votantes e dar segurança e apoio aos prepostos da justiça eleitoral que ali trabalham juntamente com ele.
Cita-se ainda o jogo do bicho a constituir contravenção prescrita em lei; no entanto, é um dos setores em que a criminalidade mais demarca o seu espaço. Assassinatos, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas são lugar-comum nessa rendosa e “proibida” atividade. Bancas e lojas do jogo de bicho campeiam na cidade, como se tivessem plenos alvarás de funcionamento emitidos pela prefeitura municipal.
Dificilmente existirá uma exata conformidade das normas estabelecidas com a dimensão do trabalho policial realizado, cabendo uma interpretação informal daquilo que é formulado ou prescrito. Esta circunstância, inerente às especificidades do serviço policial, confere-lhe uma grande complexidade em virtude de ser a polícia militar uma organização de cunho formal e de natureza essencialmente coercitiva.
A forma de incorporação da hierarquia militarizada, e de outras características típicas de sua cultura organizacional, lhe impõe um fator de dificuldade para a realização do seu trabalho. Por natureza, nas organizações militares, como as forças armadas, o modo de ação constitui-se uma repressão explícita ao inimigo interno ou externo, em que as reações são programadas e acionadas sem questionamentos, uma vez que a ótica pressupõe cumprir a missão de qualquer jeito.
Nas polícias, o fator de interação com a comunidade reforça a necessidade de uma flexibilidade informal com vistas a ajustar o atendimento à comunidade, compatibilizando a mediação dos conflitos sociais com a popular chamada “guerra ao crime.” Em sua atuação, ora realiza uma reintegração de posse numa área ocupada por sem-tetos, ora operacionaliza o policiamento em eventos de
multidões como estádios e carnaval, ora acompanha e organiza um desfile de escola infantil. O ofício de polícia traz um estado de tensão permanente e ajustamentos comportamentais e cognitivos.
Como não existe lotação funcional específica e definitiva durante o tempo de serviço do servidor PM, nem especialização que o condicione para isso, salvo raras exceções, o policial militar pode transitar por inúmeros ofícios dentro da própria organização. Ainda assim, não existe uma preparação adequada para mudança de funções. Compete ao comandante, ou chefe que o recepciona na nova função, ter o bom senso de prepará-lo e instalá-lo em uma atividade de transição o menos impactante possível.
Assim, quanto à sua caracterização, a polícia militar se enquadra no modelo teórico de uma organização, em relação à Teoria das Organizações, como um grupo pertencente a um sistema social com objetivos definidos, que interage entre si e o ambiente externo com vistas a atingir o que se propõe: a disponibilidade de serviços que condicionem o ambiente da sensação de segurança pública. É, pois, uma organização que presta serviços. A sua missão é proporcionar aos cidadãos a condição de ordem social. É uma organização tipificada como Militar Estadual, de padrão coercitivo.
- TRABALHO POLICIAL NO CONTEXTO DE WEBER E MERTON
A evolução histórica e a afirmação do conceito das organizações sedimentaram o reconhecimento desses sistemas sociais como substancialmente relevantes para o progresso da atividade humana, particularmente a industrial. A sociedade contemporânea caracteriza-se pela presença de organizações religiosas, estatais, econômicas, familiares e culturais que coexistem exercendo uma interação e se interpenetrando na sua dinâmica de funcionamento. Todas as organizações trabalham no sentido de atingir as suas finalidades da melhor maneira possível e obter resultados que assegurem a própria realização eficiente e a sobrevivência.
Os grupos sociais tidos como organizados, o Estado, as empresas, a família, e a polícia militar, entre outros, trabalham com indivíduos que igualmente exercem uma atividade profissional e se articulam no ideal de prover o sistema para
que ele produza resultados e se mantenha. O envolvimento assegura, também aos integrantes do sistema, a condição de executar um trabalho que garanta um desejo coletivo da organização PMBA e, simultaneamente, uma satisfação pessoal.
As organizações passam a exercer, através de regras próprias, um caráter de racionalidade dos seus processos, objetivando dar-lhes um formato pré- estabelecido que predisponha à consecução de seus objetivos através da razão. É através desta que se prioriza um caráter de padronização geral sobre tudo que é planejado e feito naquele sistema.
O conceito weberiano clássico da burocracia redefiniu o papel das organizações, atribuindo-lhes um caráter de tipo ideal, dando um formato básico à sua estrutura. Um sistema social avalia o seu grau de funcionalidade quanto mais burocratizado (organizado) for. As conclusões do autor permitem inferir que, para o ideal e pleno funcionamento dos sistemas organizacionais, determinadas características são imprescindíveis, tais como a ênfase na hierarquia, impessoalidade nos processos e um caráter estritamente formal em suas relações, entre outros.
Freire Costa acrescenta oportunamente que:
O formalismo da burocracia se expressa no fato da autoridade derivar de um sistema de normas racionais escritas e exaustivas. Essas normas definem com precisão as relações de mando e subordinação, distribuindo as atividades a serem executadas de forma sistemática, tendo em vista os fins pretendidos. A administração é formalmente planejada, organizada, e sua execução se realiza através de documentos escritos. Em síntese, o formalismo exprime-se na autoridade que deriva de normas racionais- legais. Tais normas são validadas por este critério, o que confere à pessoa investida da autoridade o poder de coação sobre os subordinados, colocando à disposição meios coercitivos capazes de impor disciplina. A autoridade é baseada no direito, isto é, num sistema de normas, cuja obediência pode ser imposta pela coação. (COSTA, 2005, p. 69).
Posteriormente, com base no trabalho seminal de Weber, vários estudiosos prosseguiram os estudos sobre o mesmo tema, ampliando as percepções a respeito do conceito primário, reforçando ou contestando suas idéias. O formato burocrático torna-se, assim, um aspecto generalista que passa a envolver todos os tipos de organizações, incluindo o setor público e organizações militares como veremos adiante.
Robert K. Merton (1975), eminente sociólogo de origem norte-americana, debruçou-se, a exemplo de Parsons (1975), Gouldner (1975), e Etzioni (1975), sobre a obra de Weber, enfatizando que o modelo preconizado pelo estudioso alemão, levado a efeito sem contestações, produziria “anomalias” não previstas no processo. Tais anomalias foram chamadas então de disfunções. Desse modo, pode-se concluir que em organizações militares como a Polícia Militar, devido às características inerentes e típicas de sua identidade e formação, essas disfunções podem manifestar-se mais expressivamente.
Baseados no artigo Estrutura Burocrática e Personalidade de Robert K. Merton (1975), reproduzido do livro Social Theory and Social Structure, do mesmo autor, procurar-se-á alinhavar um componente organizacional no sistema em estudo. Por muitos anos professor da Columbia University, Merton, falecido aos 92 anos em fevereiro de 2003, contribuiu de maneira relevante para o estudo das organizações em geral. É também bastante conhecido por seu trabalho na área da estrutura social, na sociologia da ciência, burocracia (investigando Weber) e comunicação de massa.
Adepto do caráter funcionalista no campo da Administração e Sociologia, Merton resgata, além do pensamento weberiano, a visão do filósofo francês Émile Durkheim (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2003), no tocante à existência dos fatos sociais definidos como situações que ocorrem no âmbito social e que independem da atuação particular dos indivíduos. É algo provido de existência própria, externo ao grupo social, mas que interfere sobremodo no agir, pensar e sentir dos indivíduos. O funcionalismo procura saber de que maneira determinado sujeito de um sistema social se relaciona com outros sujeitos do mesmo sistema, e com o próprio sistema social como um todo. Avalia-se, a partir daí, os fatos que interferem no sistema. Se eles o alteram, ocorre uma disfunção, porém, se não existem modificações, eles se configuram como funcionais.
Berger (1989), na adoção da perspectiva durkheimiana, informa que viver em sociedade pressupõe viver, ou existir, sob a dominação da lógica social. Na análise funcional, a sociedade é estudada sob as bases de seus próprios mecanismos enquanto sistema, e que inúmeras vezes não são percebidos pelos indivíduos que dele fazem parte.
Merton (1975), dedicando-se à abordagem sociológica de Durkheim, consegue que o foco do estudo até então direcionado à sociedade se estenda ao
universo das organizações. Interpreta-a em suas similaridades e indica que os fatos sociais também ocorrem nesse grupo social, podendo as pessoas, através de uma consciência coletiva, padronizar o próprio comportamento e, de maneira uniforme, manter-se sem individualização.
Este padrão comportamental ajusta-se perfeitamente no ideário burocrático, conforme declara o próprio Robert Merton, quando diz que:
Com a burocratização crescente, torna-se claro que é em alto grau, controlado por suas relações sociais com os meios de produção. Isso já não pode ser considerado como um postulado marxista, mas como um fato que deve ser reconhecido por todos, independentemente de seu valor ideológico. A burocratização aclara o que era antes obscuro. Cada vez mais as pessoas se dão conta que para trabalhar têm que ser empregadas, posto que não possuem instrumentos nem equipamentos. E as burocracias privadas e públicas são, em grau crescente, as que dispõem desses meios. Por conseguinte, tem-se que ser empregado pela burocracia para se ter acesso aos instrumentos de que se necessita para trabalhar, isto é, para viver. (MERTON, 1975, p. 110).
A estreita vinculação com o conceito marxista sobre o funcionamento das forças produtivas, nos moldes do pensamento de Merton, tem sua razão de ser. No modo capitalista, verifica-se que as relações de produção são negociadas entre aqueles que as detêm, e aqueles que a exercitam. Conforme o pensamento marxista, o valor do trabalho desempenhado é sempre maior do que aquilo que se recebe em troca. A diferença é, então, apropriada pelo capital e a divisão do trabalho gera alienação nas relações sociais trabalhistas.
O trabalho produtivo atuando no sistema de produção capitalista é aquele que cria mais valia para o dono dos meios produtivos. Este diferencial transforma as condições materiais derivadas do esforço do trabalhador em capital e o empregador em capitalista. O trabalho se transforma em capital utilizável destinado à acumulação.
Como os citados instrumentos da produção passam a estar nas mãos do sistema, que os disponibilizava para os que nele trabalhavam, a própria estrutura moldava o indivíduo e a produção a partir do que desejasse. Estabelecia-se, assim, um modelo comportamental pela forma similar de agir e, simultaneamente, um padrão de produção resultante da racionalidade do trabalho desempenhado, como bem insiste Merton (1975) em seu texto sobre padrões de atividade claramente definidos.
Contestando a racionalidade extremada weberiana atribuída ao seu ideal burocrático, Merton defende a imprevisibilidade dos processos organizacionais, dado que, se as pessoas que os comandam são falíveis e sujeitas a erros, justamente por serem pessoas, as rotinas também o são. As disfunções ocorriam, pois, pelo acatamento irrefletido e inquestionado das premissas básicas da burocracia de Weber, sem atentar para o fator humano, sempre determinante nas intervenções e funcionamento dos grupos sociais.
Merton vem a concluir que a estrutura burocrática, tal como fora idealizada primariamente, seguida à risca, possui o poder de alterar a personalidade dos seus integrantes, com fins de perpetuação das suas características funcionais ou disfuncionais. Essas características envolvem principalmente a reafirmação do status hierarquizado com adoção da autoridade e do caráter normativo, generalista, impessoal e formal.
Dessa maneira, identificando-se as características e especificidades da organização Polícia Militar da Bahia, pode-se afirmar que ela se adapta ao padrão burocrático de Weber, porém incorporando os mecanismos primários disfuncionais descritos por Robert Merton, o que será estudado nesta dissertação.
As características primárias da burocracia estão presentes na PMBA, na medida em que a corporação:
- Representa um conjunto de Atividades Integradas e Categorizadas tidas como “deveres” ou “missões”;
- Proporciona segurança profissional baseada na estabilidade do serviço público;
- Objetiva a ênfase na precisão, rapidez e eficiência;
- Priorização a ocorrência das relações secundárias;
- Evidencia um caráter reservado dos seus procedimentos internos;
- Fornece os instrumentos e meios de trabalho como meio de controle e padronização dos processos requeridos.
O fato de se tipificar uma organização como burocrática indica apenas que ela segue um formato racional por meio do qual desenvolve seus processos com base em uma divisão do trabalho que favorece a obtenção dos seus fins. De
modo geral, todos os sistemas sociais são mais ou menos organizados segundo um modelo burocrático adequado ao que se pretenda atingir.
A Polícia Militar da Bahia, como organização que referenda o trabalho policial, possui forma definida conforme interpreta a sua racionalidade. Um ato racional é aquele fundamentado na crença da razão humana. Para chegar aos seus objetivos, no sentido de proporcionar a segurança pública, a organização utiliza meios calcados em atos racionais para: se organizar administrativamente, oferecer o policiamento ostensivo a pé, motorizado ou modular, implementar o seu sistema logístico para suprir a parte operacional, instruir, formar, treinar e capacitar o efetivo, exercer o seu sistema de controle individual e coletivo com vistas a acompanhar e diagnosticar os processos realizados, enfim, sistematizar e exercer a sua burocracia. Quando esses meios se tornam potencialmente desajustados, e quando a racionalidade contida nesses atos é inadequada para que se atinjam as ações destinadas a materializar um serviço de boa qualidade, as propostas iniciais ou não se consubstanciam ou são evidenciadas de modo deficiente, incompleto ou sem efetividade em seus efeitos. É o caso de se questionar: por que uma organização falha nesse aspecto? É que esses atos não atendem a uma racionalidade coerente, sua formulação é inadequada ou padecem de vícios administrativos, operacionais e
de uma cultura organizacional desajustada que emperra o objetivo a alcançar.
Bresser-Pereira e Prestes Mota reforçam o ponto de vista ao acrescentar
que:
A inadaptação dos meios para atingir os fins visados pode não chegar a ser de tal ordem que impeça que o objetivo seja atingido. Entretanto, esse objetivo será atingido com o dispêndio de maiores esforços, incorrendo-se em maiores custos. O critério, portanto que distingue o ato racional do irracional é a sua coerência em relação aos fins visados. Um ato será racional na medida em que represente o meio mais adaptado para se atingir um determinado objetivo, na medida em que sua coerência em relação a seus objetivos se traduza na exigência de um mínimo de esforços para se chegar a esses objetivos. (BRESSER-PEREIRA; MOTA 1984, p. 22).
O trabalho policial, na medida em que se manifesta inadequado, seja no espaço institucional, organizacional, ou como profissão escolhida (contexto personalista), expõe em sua gênese e desenvolvimento um contexto disfuncional. A sua racionalidade não se distribui objetivamente devido às impróprias incursões sociais, políticas e culturais que desvirtuam o seu real sentido do labor.
Casos como a invasão e ocupação do campus da UFBA, em Salvador, Bahia, ocorrido no ano de 2001, não representam apenas um erro de cunho estratégico e de explícita inabilidade na posterior interpretação daquelas ações. A amplitude gerada pelo acontecido mostra uma forte influência político-ideológica de primeira dimensão, a institucional sobre a “organizacional PM”, gerando um conteúdo disfuncional na sua forma de atuar. Por sua vez, a disfuncionalidade ocasionou, em setores formadores de opinião como é a comunidade acadêmica baiana, um consenso incompatível entre o necessário e o excessivo.
- CONTEXTO DAS DISFUNÇÕES INCORPORADAS
Como podem ser observadas, devido às próprias características, as organizações militares, incluindo a PMBA, tendem a extrapolar o funcionamento da sua burocracia, apresentando graus de disfunções diferenciados a serem examinados a seguir.
O trabalho policial decorre de uma organização formalista por excelência. O seu funcionamento repousa sobre um caráter fundamentalmente normativo calcado em regulamentos, ordens e instruções diversas, quase sempre inflexíveis. Referido padrão é sedimentado durante a formação dos policiais, a ponto tal que se apregoava em épocas recentes que “Soldado não deve pensar, e sim obedecer.” Esta perspectiva ocasiona sérios problemas na realização do trabalho diário do policial, pois induz ao pensamento que o operador não deve exercer a iniciativa na resolução de problemas, ainda que quase sempre passíveis de resolução mediante negociação. Além de sobrepor a idéia da necessidade do PM precisar ser tutelado pelos superiores para saber o que fazer, deprecia a capacidade de reflexão sobre os seus atos.
Conforme abordagem anterior a respeito da atitude informal no trabalho policial descrita por Monjardet (2002), em momentos de intervenção primária, na dimensão institucional a decisão do operador de ponta é fator fundamental para o sucesso do ciclo de justiça a ser realizado. Denomina-se ciclo de justiça porque o termo “justiça” tanto pode se referir a um início de atitude que prepare o terreno para
uma ação penal típica, como uma atuação policial conciliatória que restaure o equilíbrio pontual da ordem, tal qual uma pacificação de briga de vizinhos, por exemplo.
A delegação do poder decisório numa estrutura muito hierarquizada é um dos entraves ao seu funcionamento, principalmente porque desqualifica a iniciativa do subordinado numa organização. Mesmo assim, por força da natureza do ofício de polícia, as situações de intervenção são muito oportunizadas na realidade social, de forma ininterrupta, perpétua e extensiva a todos os seus integrantes, mesmo no horário de folga, do Soldado ao Coronel.
Monjardet nomeia “inversão hierárquica” essa momentânea e forçada transferência de decisão. Segundo ele:
A imagem clássica – e a maior legitimação – de uma organização hierarquizada, como a empresa industrial, é a seguinte: a cúpula decide, isto é, escolhe as prioridades e as grandes orientações, aloca os recursos, resolve as questões sensíveis; e, ao longo de toda a pirâmide de seus graus, cada escalão hierárquico tem a responsabilidade de transcrever, em manobras efetuadas embaixo, essa “política” elaborada de cima para baixo.
A organização policial reproduz em muitos aspectos esse modelo. Mas, igualmente “organiza” o modelo inverso, em que a iniciativa, a ocorrência, o imprevisto, a decisão sensível etc emanam do mais baixo nível hierárquico e são decididos pelos “executantes” em campo. No trabalho policial, as iniciativas cruciais emanam dos executantes. (MONJARDET, 2002, p. 95).
Existe um alto grau de discricionariedade na realização do serviço, além de ser relevante na resolução e trabalhabilidade dos conflitos que surgem no chamado território de operações. Evidentemente, há situações em que a ação policial precisa ser respaldada em um comportamento padronizado, pensado e executado em consonância com uma linha de comando única.
Esse todo comportamental objetiva uma condução ordenada das atitudes com base numa prescrição técnica legítima e necessária para as ações, visando evitar que um único procedimento desviante estenda a precariedade da ação a todos os componentes do grupo, como no caso da invasão do Presídio do Carandiru, por exemplo. Entretanto, na maioria das ações rotineiras do policiamento motorizado, a pé ou modular, pode o operador, dentro do seu nível operacional, resolvê-las exercendo o seu discernimento e capacidade decisória.
A estrutura burocrática militarizada procura potencializar a ligação e o envolvimento dos seus integrantes através dos artefatos simbólicos de sua representação, aduzindo sobrecarga emocional às ações e rotinas desenvolvidas. Essa situação geralmente reconduz o indivíduo a uma incapacidade no trabalho policial, face à sujeição inquestionada ao ordenamento baseado em regras, o que vem a provocar o seu desajustamento a novas situações.
Sobre a questão, Michel Foucalt diz que:
A Disciplina fabrica indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que torna os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos do seu exercício […] O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar; um aparelho que as técnicas que permitem ver, induzam a efeitos de poder e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam. (FOCAULT, 1999, p. 143).
Focault questiona a aplicação dos métodos coercitivos e de punição do Poder Público aos delinqüentes através dos seus “braços armados”. Explica também que fatores importantes como hierarquia e disciplina, típicos no desenvolvimento do trabalho policial, podem ser deliberadamente deformados com a intenção de formular e manter a base de poder do ente estatal e burocrático:
Toda a atividade do indivíduo disciplinar deve ser repartida e sustentada por injunções cuja eficiência repousa na brevidade e na clareza: a ordem não tem que ser explicada, nem mesmo formulada; é necessário e suficiente que provoque o comportamento desejado […] A disciplina não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma “física” ou uma “anatomia” do poder, uma tecnologia. (FOCAULT, 1999, p.140).
O conceito de disciplina é operacionalizado, então, como um meio de se atingir o comportamento desejado das pessoas em um padrão quase sempre intimidatório e coercitivo, visando à manutenção da estrutura e distorcendo os reais objetivos para os quais fora criada a organização: a proteção ao cidadão e a manutenção da ordem pública.
O aspecto da disciplina deve coadunar-se com a idéia de organização pessoal e conscientização profissional e não de sujeição e servidão inquestionada e ineficiente. Utilizada nesse estilo, o fator de racionalidade, básico nas organizações burocráticas, é desestruturado no aspecto individual e coletivo.
Devido à intensidade dos sentimentos induzidos pela estrutura, que a coloca acima dos interesses individuais dos membros que a constituem, como também do grupo social maior que a mantém e dela necessita, ocorre de modo deformado a sacralização do corpo organizacional. O policial militar, ao realizar o seu ofício, interpreta que a sua maior responsabilidade é com a Polícia Militar e não com a sociedade, caracterizando-se uma inversão dos reais objetivos da instituição.
Não há nenhuma restrição ao uso dos artefatos simbólicos e solenes para edificar a instituição objetivando obter o envolvimento dos seus componentes. Em geral, todas as organizações ensejam uma ligação dos empregados com a empresa, vivificando situações emblemáticas que estimulem sentimentos de orgulho e satisfação, como: respeito ao trabalho dos fundadores e mantenedores, atribuições de responsabilidade social como atividade alternativa aos objetivos que realizam, e realce do trabalho dos empregados como aspecto fundamental para o sucesso empresarial.
O sistema japonês de organização do trabalho é fortemente afetado por características culturais que privilegiam a empresa como uma opção de vida honrosa e quase sempre vitalícia. A estabilidade funcional na empresa é incorporada como fator de honra nesse sistema. Segundo Vasconcelos (1993), desde o berço o japonês aprende a priorizar a pátria; a empresa vem em segundo lugar; a família em terceiro; e, por último, o indivíduo.
Em se tratando dos policiais militares, a ligação com os valores institucionais começa a ser implantada desde os inícios da sua formação, predominantemente militarizada, em que o “organizacional” sempre é vinculado ao Estado, em seus arquétipos e representações, como regulamentos, símbolos, modelo comportamental e o oportunista “espírito e sacrifício” sempre introjetado,
básico para ser um policial militar. O caráter sacrificante do trabalho é devido à própria natureza de suas atribuições e da ambiência em que realiza o seu labor, e não por um tipo de determinismo estatal, que expressa que ser mal remunerado deve ser assumido com um “sacrifício” natural.
O caráter de mitificação não pode inferir que a polícia militar deve bastar a si mesma. Como serviço público, isso é conceitualmente paradoxal e injustificável. Como no toyotismo, em que muitos críticos chamam de “modernização conservadora”, pois embute intrinsecamente um aproveitamento da cultura sobre o trabalho, mas cujo objetivo, envolvendo um incremento da produtividade, vem a revelar problemas decorrentes como: alto absenteísmo, problemas com a saúde, service overtime (extratrabalho), síndromes de karoshi e burn-out (implicações lesivas ou fatais devido ao sobretrabalho), o trabalho policial deve se estender na ótica prioritária de servir e proteger as pessoas e não o Estado ou a organização.
A resistência a mudanças será tanto maior quanto maior for o poder diretivo. Merton (1985) declara que uma organização informal e defensiva tende a aparecer sempre que a integridade do grupo se vê ameaçada. Como o seu regramento é extremamente rígido e pouco flexível, qualquer tentativa de mudança representa uma ameaça ao corpo estrutural burocrático. Este corpo se comporta nessa situação como um organismo vivo que se recolhe defensivamente para se manter na forma original.
Comportamento desviante típico do serviço público, as relações secundárias preponderam em detrimento das relações primárias.
Por esta característica, o profissional, subjugado à norma, à rotinização e à pressão hierárquica, indiscriminadamente nivela o seu modo de ser pessoal e profissional aos processos comunicativos, ocasionando conflitos desnecessários e às vezes multiplicando o grau dos problemas, quando os poderia resolver com maior análise, criticidade e tolerância. Numa profissão que requer constante comunicação e interação, a premissa de um bom entendimento para passar a uma boa negociação é fundamental ao trabalho policial.
Bresser-Pereira e Prestes Motta (1984) afirmam que, conforme o pensamento weberiano, a burocracia é mais plenamente desenvolvida quanto mais se desumaniza e atende perfeitamente ao que se propõe quando é sine ira ac sem ódios, paixões e outros sentimentos que interferem na racionalidade dos processos. Cabe aqui um destaque no tocante à PMBA: a impessoalidade do ofício de polícia é fortemente influenciada por valores institucionais e sociais, representados pela concepção da forma de se fazer representar de acordo com o ambiente do estrato social referenciado.
A estrita e perversa associação entre criminalidade e violência relativas à pobreza e aos desassistidos, propalada por setores conservadores da sociedade, contamina a maneira do policial desenvolver o trabalho. A impessoalidade passa a ser ambivalente. Com os mais abastados, os policiais desenvolvem uma maneira de ser e se comunicar. No caso das camadas populares, a ótica do trabalho quase sempre envereda por um modo mais arbitrário, inamistoso e bem pouco profissional. O profissionalismo e a impessoalidade extremada e universal que deveriam prevalecer, segundo Merton (1985), passam a se expressar de um jeito desigual, cruel e basicamente ineficiente.
A contaminação ideológica que pressupõe que os pobres e desiguais são a fonte primária dos problemas sociais condiciona o trabalhador policial a direcionar a repressão ao que considera a sua fonte de problemas. O fator da violência por delinqüência existente nas áreas desamparadas é causado pela ausência da vontade institucional para resolver, de modo eficaz e efetivo, os problemas existentes.
A postura agressiva dos operadores policiais acaba retro-alimentando a violência do quadro social já bastante crítico, comprometendo a imagem institucional e organizacional, pois não se contém a violência com mais violência, nem se adquire o respeito pessoal, desrespeitando os outros. Conforme reforça Balestreri (2003), “[…] quem bate ensina que é permitido bater, quem seqüestra ensina que é permitido seqüestrar, quem tortura ensina que é permitido torturar, quem mata ensina que é permitido matar.”
A essas circunstâncias soma-se a incorporação de artefatos culturais próprios da organização, conforme referido anteriormente, que estimulam o exercício do autoritarismo com base numa deformação da idéia da autoridade. A compreensão e a maneira correta de se desenvolver os relacionamentos dentro da
organização militar influirão no destino final dos serviços prestados. Por se tratar de uma organização de cunho autoritário, este aspecto torna-se um complicador na gestão dos inter-relacionamentos, preponderando, quase sempre, evidentes prejuízos para o grupo, competências hierárquicas que se sobrepõem a competências técnicas e moralmente meritórias. A impessoalidade do trabalho policial militar, nesse aspecto, é questionada por se ater a critérios ideológicos, morais e técnicos discutíveis.
Como a base do sistema é o princípio da relevância da autoridade e distribuição e categorização das tarefas, o sistema é intensamente verticalizado e possui pouca mobilidade horizontal. Como não poderia deixar de ser, as decisões de caráter eminentemente estratégico são intensamente centralizadas e possuem restrita margem de flexibilização. A decisão final cabe ao dirigente maior e as decisões menos categorizadas, nos níveis respectivos, são tomadas pelos dirigentes de cada nível, mantendo-se segmentada a verticalização do fluxo.
José Vicente da Silva Filho (2004), pesquisador de Economia Mundial do Instituto Fernand Braudel, e consultor em segurança da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo, resume de modo claro a questão hierárquico-funcional inadequada das PMs:
Os postos da hierarquia policial são mais importantes que as funções policiais e essa hierarquia adota um regime disciplinar opressivo, que atinge principalmente o pessoal do policiamento, onde é maior a possibilidade de infringir a infinidade de normas estabelecidas pela administração. A profusão de normas permite um conforto à administração: em caso de erro a culpa é sempre de alguém que não observou a regra, nunca do superior ou da organização. Na PM a ação disciplinar chega a adotar um expediente disciplinar retrógrado, a prisão por faltas administrativas banais, o que atenta não só contra a nova ordem constitucional, como também aos mais elementares princípios de reeducação disciplinar e da motivação profissional. (SILVA, 1998, p. 15).
A condição de autoridade é acostada ao cargo pela estratificação hierárquica, que acolhe uma relevância maior do que a capacitação profissional e do
conhecimento técnico. O posto ou a graduação se sobrepõe ao preparo intelectual e ao domínio da técnica. A deformação do princípio da autoridade pode predispor que um chefe ou diretor despreparado, exclusivamente pela sua condição de superior hierárquico, despersonalize, desconsidere, e impeça uma contribuição preciosa dos auxiliares ou dos seus comandados, pelo simples fato de serem seus subordinados. Ao invés de uma eficiente gestão de competências, procura muitas vezes cultuar personalidades egocêntricas e ineficazes. A organização uma vez mais perde com situações desse teor, mesmo porque as ocorrências internas de deformação do princípio da autoridade originam conflitos que fatalmente serão exteriorizados no decorrer do trabalho policial.
Tida como uma das profissões mais estressantes do mundo, os profissionais das instituições de segurança pública, como não poderia deixar de ser, são incessantemente submetidos a variadas injunções que decorrem na forma como a sua estrutura organizacional se apresenta, fruto de uma boa ou má combinação.
Uma delas tem a ver com a incorporação do caráter funcional em relação às Forças Armadas. Enquanto estas são idealizadas e preparadas para o enfrentamento de um inimigo externo que venha a ameaçar a soberania do país, ou, quando necessário, proceder a intervenções de cunho interno, em caso de grave ameaça à ordem pública, isso não acontece com as PMs, que possuem uma identificação diversa.
O caráter militarizado das organizações policiais militares identifica-se como a maior afirmação do princípio weberiano da autoridade.
Existe uma pressuposição corrente na Polícia Militar, notadamente na parte diretiva, de que, sem o atributo de associação às forças armadas regulares, a organização se perderá em seus objetivos, assolada pela quebra da hierarquia e disciplina “semelhante à Polícia Civil”, como muitos companheiros declaram equivocadamente.
Essa associação padece de um sentido lógico, desprovido de uma verificação mais concreta devido aos seguintes fatos:
- O caráter de organização militar foi idealizado numa dimensão atrelada a um contexto histórico de um regime de exceção (o governo militar) que, naquele momento, poderia se considerar necessário. Logo, o
aspecto militarista se consolidou devido a uma visão de Estado pontuada oportunamente para atender a uma circunstância política, e não porque naquele momento havia uma ameaça à hierarquia e disciplina nas organizações policiais que até então funcionavam normalmente;
- As forças armadas regulares possuem função diferenciada das polícias militares e a sua natureza militar (como qualquer força armada do mundo) é necessária e adequada para atender aos fins que se propõe, numa perspectiva da defesa de um inimigo externo e não nas tarefas de conflitos advindos de alteração da ordem pública. Como exemplo, tem- se que vários setores da sociedade exigem a intervenção do Exército Brasileiro em situações de conturbação da ordem pública, na crença de que o tratamento da violência e da criminalidade é feito de modo quantitativo e de ocupação militar dos espaços públicos, como nos morros do Rio de Janeiro. Após inúmeras “ações e reações” é possível confirmar que o problema não só continua, como se agrava;
- Uma ação policial básica e efetiva requer necessariamente base prévia e legal de conhecimento de rotinas específicas, aplicação correta de técnicas singulares e posterior avaliação do O caráter doutrinário militar não traz, potencialmente, nenhuma maior relevância, precisão ou necessidade nesses procedimentos;
- A apropriação do militarismo na forma exacerbada pode induzir à deformação do conceito de autoridade, gerando comportamentos desviantes, como abuso de poder e postura antagônica contra os cidadãos em geral;
- O aspecto da identificação como militar, no caso do trabalho policial, pode conduzir à suposição de que as pessoas, fora da corporação e dessa característica, formam um “mundo à parte” ou um “mundo civil” como muitas vezes este mestrando ouvia no período de formação e por vezes durante o desenvolvimento do ofício de polícia. Partindo desse
pensamento, pode-se pressupor, erroneamente, que existam regras prescritas ao “mundo civil”, mas que não são estendidas ao ambiente policial militar. O próprio regulamento disciplinar da PMBA preocupa-se mais com o comportamental interno do policial do que com uma subversão à lei que o PM porventura possa praticar.
Não se pretende aqui defender a extinção pura e simples da hierarquia e da disciplina, mesmo porque todas as organizações dotadas da racionalidade burocrática dependem do princípio da autoridade para desempenhar o que sabem fazer e atingir o que necessitam para sobreviver. Inúmeras organizações policiais de todo o mundo operam de modo militarizado, fardadas ou não, mas conservam o teor da autoridade disposto num contexto hierárquico que sistematiza, desde o planejamento das ações, até a sua execução voltada unicamente para a atividade policial. Sem hierarquia, o senso de organização se perde diluído na desordem e no descaso. O que não se permite é confundir lealdade com servilismo, hierarquia com humilhação, respeito com temor e medo, e autoridade com coerção.
Balestreri sustenta oportunamente a diferença entre “estética militar” e “doutrina militar” (2003, p. 48). A estética militar conserva e valoriza aspectos positivos e aproveitáveis à função policial militar como: respeito, postura de defesa à ordem legal, uniformidade e papel exemplificativo de defensor dos cidadãos. A doutrina militar confere um teor ideologizado de ofensividade típico em situações de conflito extremo em que a contenda é voltada para indivíduos considerados inimigos.
As ações de segurança pública, ao lado da educação e saúde, são as mais evidentes demonstrações da presença do Estado na vida das pessoas, mas, salienta-se, sem o fator segurança nenhuma das demais funciona. Observa-se assim a importância do tema. Em todas as organizações, a inexorabilidade das mudanças e a sua implantação passam por processos traumáticos e de difícil adaptação e aceitabilidade por parte dos seus integrantes, particularmente a parte diretiva (maior).
A mudança dos paradigmas produz uma turbulência nas ações e percepções do grupo social, tanto é que ela passa a agir disfuncionalmente como se fosse um organismo vivo, no sentido de se preservar a qualquer custo, pois a lógica inversa, eivada de bom senso, conforme visto anteriormente, é de que as partes coexistem e trabalham tendo por finalidade elas próprias e não outrem.
Assim sendo, entende-se que, para assegurar a prevalência e continuidade de qualquer grupo social caracterizado como uma organização, inclusive a Polícia Militar da Bahia, necessário se faz que a sua burocracia não seja vinculada a uma racionalidade instrumental ineficiente, pouco expressiva e fechada em si mesma, mas ajustada ao fiel cumprimento daquilo para o qual foi criada, à defesa da sociedade e à manutenção eficiente e legal da segurança pública.
- 3 TRABALHO DE POLÍCIA E CULTURA ORGANIZACIONAL
Todas as organizações são, similarmente, grupos sociais com atributos que expressam um compartilhamento de rotinas, sensações, sentimentos e crenças. Morgan (1996) expressa que a natureza de uma cultura é encontrada nas suas regras sociais e costumes e que, se um indivíduo adere a essas normas, ele será vitorioso quanto à construção de uma realidade social adequada.
A cultura dentro da organização Polícia Militar se firma como expressão da sua realidade. Essa realidade é construída por meio do trabalho diário e incessante dos seus integrantes. Para exercer o ofício de polícia, é necessário que cada policial militar entenda, absorva e se ajuste às normas dispostas pela corporação, sejam elas prescritas de maneira técnica, comportamental ou costumeira, sendo que a sua exteriorização, boa ou má, é percebida na exposição do seu trabalho.
Morgan ainda reflete que:
Ao reconhecer que atingimos ou representamos a realidade do mundo diário, tem-se uma forma poderosa de pensar sobre cultura. Por meio disso é que se tenta compreender cultura como um processo contínuo, proativo da construção da realidade, e que dá vida ao fenômeno da cultura em sua totalidade. Quando compreendida desta forma, a cultura pode não ser mais vista como uma simples variável que as sociedades ou as organizações possuem. Em lugar disto, ela deve ser compreendida como um fenômeno ativo, vivo, através do qual as pessoas criam e recriam os mundos nos quais vivem. (MORGAN, 1996, p. 135).
Os fatores culturais são também importantes, à medida que favorecem a coesão do grupo, pois os saberes, entendimentos e valores são fundamentais à
construção das ligações entre indivíduos, servindo para caracterizar de forma coletiva as imagens organizacionais, sejam elas favoráveis ou não.
Na chacina ocorrida em Vigário Geral, no Estado do Rio de Janeiro, na década de 90, há referências de que policiais militares estiveram diretamente envolvidos como autores dos bárbaros assassinatos de cidadãos moradores dos morros daquela cidade. Uma linha de defesa, à época apontada pelos advogados dos PM, é que aqueles policiais estavam envolvidos em forte trauma emocional devido a acontecimentos anteriores nos quais supostamente colegas da corporação teriam sido vítimas de agressão ou morte por supostos moradores daquelas áreas e foram levados a um desejo incontrolável de vingança.
Apesar da injustificada alegação, um traço deformado da cultura organizacional configurou-se na atitude de um grupo coeso de policiais movido por um senso de realidade aberrante e próprio de fazer justiça. Um sentido de crenças, percepções e entendimentos que veio a demonstrar, explicitamente:
- Um conceito de “fazer justiça” próprio, desvinculado da realidade do “mundo civil” como já referido;
- Compartilhamento e crença, naquele grupo, de idéias singulares e desvinculadas do sistema jurídico legal sob cujas bases decorreu sua formação como PM;
- Confiança na impunidade do ato abusivo, possivelmente por acreditar numa possível indiferença da organização e que ela seria mais determinante que a sanção legal do sistema penal que engloba a todos os cidadãos.
Estabeleceu-se, naquele momento, um senso distorcido da realidade, bastante influenciado pela cultura daquela organização. Não só fomentava um quadro agressivo e que virtualmente servia de estímulo a policiais desviantes a se situar em um universo simbólico, mas porque supostamente permitia-lhes praticar atos daquela natureza. Estimular, entretanto, não significa necessariamente autorizar. Morgan (1996) acrescenta que o caráter agressivo de uma organização pode se apoiar em um tipo de mentalidade que ele chama de “militar”, a qual conduz à formação de relacionamentos igualmente agressivos com o ambiente no qual um
profissional desempenha suas funções profissionais, e que leva à intenção de colocar fora de ação todo tipo de oposição.
A caracterização da mentalidade militar que Morgan objetiva apenas serve para mostrar um caráter denominado “guerra ao inimigo” instalado no imaginário da organização e que se trata do próprio ambiente, não se referindo especificamente às organizações militares. Ademais, ela é passível de se estender a todos os grupos sociais que porventura optem por esse viés.
A visão deformada no tratamento da criminalidade como uma “guerra ao inimigo”, no caso os criminosos, é um fator contundente e potencialmente muito perigoso, pois as polícias são forças que detêm o privilégio da violência estatal. Como ocorreu na greve dos policiais militares em 2001, essa violência pode se voltar contra o próprio Estado, de forma anômala, aberrante e incontrolável.
Isso apenas confirma que os valores organizacionais são importantes componentes no quadro da cultura organizacional firmando-se no sistema de relações dentro e fora da organização.
Motta reafirma essa posição quando conceitua a idéia de cultura:
A cultura é um sistema de símbolos e significados compartilhados, que serve como mecanismo de controle. A ação simbólica necessita ser interpretada, lida ou decifrada para que seja entendida […] A cultura é um contexto, um sistema de relações. Porém a cultura não é e não deve ser vista como um poder que determina comportamentos […] Isso quer dizer que a cultura é um contexto de significados. (MOTTA, 1995, p. 199-201).
A concepção é bastante esclarecedora quando demonstra que:
- A cultura pode apresentar-se como um sistema materialmente corporificado ou não, apontando que artefatos simbólicos expressos em ações, ritos, objetos, convicções e sentimentos, vividos por todos os participantes daquele grupo social, constituem o universo das percepções e significados da organização;
- O mecanismo de controle indicado por Mota, tido como serventia da cultura organizacional, expressa que essa gama de percepções deve ser trabalhada, no sentido da perseguição aos reais objetivos primários da organização. O controle predispõe à condução das significâncias para
uma operacionalidade útil e eficiente, sem dispersões e perda das metas primordiais;
- O entendimento do fator cultural passa indispensavelmente pela sua interpretação, logo, para ser metodologicamente estruturado, requer uma intervenção investigativa sobre o fato, uma pesquisa;
- O fim da cultura, em si, não significa proporcionar comportamentos determinísticos com fins de aquisição e/ou manutenção de poder. Isto pode vir até a acontecer, mas, conforme verificado no tópico anterior, para ser eficiente a abordagem cultural tem que estar estreitamente vinculada aos seus propósitos basilares. Isso não é questão de mera opção no processo, mas uma condição sine qua non da própria sobrevivência da organização.
Pode-se interpretar que todas as organizações possuem especificidades que caracterizam o seu jeito de ser e expressam os valores intrínsecos do seu trabalho. Constituem-se como o traço cultural do ofício de PM naquilo que ele apresenta interna e externamente e, por conseqüência, a expressão dos seus trabalhadores durante a sua vida profissional.
Na medida em que a cultura e as sub-culturas organizacionais sejam geridas na Polícia Militar da Bahia, de forma a adotar uma consciência dedicada ao profissionalismo e atuando prioritariamente como uma organização prestadora de serviços públicos, será melhor a construção de uma imagem institucional mais valorizada pela sociedade.
Finalizando este capítulo, chega-se à consideração de que as normas de sistema, funções e os valores do grupo social polícia militar são produzidos pelo próprio grupo e se tornam padrões para referenciar o trabalho policial na ideologia específica e oportunizada oriunda da sua face como aparelho de Estado, à sua forma organizacional. Expressa-se, desse modo, a interligação entre o Estado e a organização, faltando o complemento da profissão como espaço, que se verá a seguir.
CAPÍTULO 4
TRABALHO POLICIAL COMO PROFISSÃO
Existem duas visões através das quais o padrão do trabalho policial é caracterizado. A primeira corresponde a uma abordagem “progressista”, pois consigna o estereótipo do policial como um agente instrumentalizado para exercer a dominação. É um dos meios de se preservar o caráter hegemônico do Estado. O segundo modelo é o edificado sob bases “conservadoras”, que consagram aos operadores de segurança pública a responsabilidade de legítimos aplicadores da lei e garantidores da ordem social, condição indispensável à vida dos contribuintes e “cidadãos de bem”, conforme citação popular. Cabe ao caso, o instrumento do law enforcement para explicar e justificá-lo (MONJARDET, 2003).
Nessa tipificação, é nítida a influência do Estado como construtor das premissas ideológicas e da organização como modeladora dos procedimentos e atitudes revelados pela exposição das ações policiais.
A terceira dimensão relacionada ao universo do trabalho policial é o seu campo estrito de atuação profissional voltado precipuamente a uma instância bem individualizada. O exercício da profissão desenvolve ações que afetam quem o exerce. Sabe-se que as influências como agente do Estado e como integrante de uma organização, conforme assinalado anteriormente, exercem determinado tipo de respostas em seus afazeres. Boas e más. A análise do espaço profissional procura reduzir essas réplicas por meio das seguintes questões: O que significa para mim o meu trabalho? De que modo eu lido com a minha profissão? De que maneira ela me afeta nos campos físico e mental? O que eu faço é necessariamente aquilo que eu acredito?
A deformação histórica do exercício do trabalho conjuga fatores que condicionam um desconforto na obtenção de satisfação naquilo que se faz. Filgueiras (1997) declara que a precarização do trabalho atinge igualmente aqueles que já possuem ocupação fixa. Através da intensificação do trabalho, serviceovertime, horas-extras, aumento do estresse e contínua depreciação dos
salários, evidencia-se uma desestruturação que o autor chama de “Mal-Estar” do fim do século XX e início do XXI.
Como qualquer profissão, o serviço policial também padece desses problemas. Somam-se a isso, contornos agravantes que são advindos da representação como agente institucional e as abordagens organizacionais inadequadas, abordados anteriormente, que desajustam o operador policial na sua profissão.
Aborda-se, a seguir, a questão do trabalho policial como escolha profissional e suas decorrências, o modo procedimental da ação policial militar ostensiva e sobre a natureza das fontes de pressão advindas do trabalho exercido individual e coletivamente.
- OFÍCIO DE POLÍCIA COMO ESCOLHA DE CARREIRA E VIDA
A escolha, o acolhimento e o exercício da profissão policial militar envolvem certas circunstâncias que poderão influir no ajustamento mais ou menos confortável nos modos de vida do trabalhador.
A maioria dos policiais militares permanece no trabalho até a sua aposentadoria, logo, esse labor é um determinante na existência do PM. O fato do servidor considerar a sua ocupação um serviço público, além de passível da condição de estabilidade garantida por lei, pode levá-lo a atribuir, em tempos de falta e precarização do trabalho em geral, um peso considerável em seu horizonte, uma vez que, com poucas oportunidades fora da corporação, o pensamento na continuidade nessa profissão fica reforçado. Todavia, levando em consideração os processos de definições na vida, questiona-se: por que a escolha de “ser polícia”? Esta opção envolve as seguintes tendências:
- É um emprego como outro qualquer e uma opção em tempos difíceis, e, na Bahia eles sempre o são;
- É uma vocação idealizada, um desejo de realização de
O trabalho de polícia ou é uma vocação ou uma necessidade. Diante das evidentes situações de carência e prementes necessidades de emprego, nas quais as pessoas podem se tornar policiais militares mais pela oportunidade do que por vocação, pode-se afirmar que o trabalho policial é realizado por indivíduos que adotam, em boa parte do tempo, uma postura de adequação ou ajustamento às suas reais necessidades. Mesmo indivíduos que, necessariamente não vejam o serviço de polícia e a própria polícia com bons olhos, diante da falta de opções, ingressam na PM para obter uma fonte de renda que o sustente, seja no quadro de oficiais, seja no das praças.
A questão da vocação é um ponto igualmente destacado, devido à questão imagética que o candidato projeta na carreira pretendida. A imagem do serviço policial é fortemente explorada pela mídia de entretenimento, que a descreve como respaldada em uma aura de heroísmo, coragem, invencibilidade e com alguns aspectos que sempre integram os filmes tipificados como “policiais”. O policial modelo é apresentado como detentor de uma personalidade firme e obstinada, e sempre consegue cumprir as missões, mesmo com a discordância dos superiores, conforme sempre é retratado. Em muitas vezes, ele é levado a infringir os próprios códigos regulamentares e a própria lei no objetivo de alcançar a “justiça”.
Quase sempre os filmes com temática policial reproduzem uma condição ilimitada de poder na personagem do operador policial. Observa-se, inúmeras vezes, que o protagonista policial exercia o seu personalizado senso de justiça, oportunidade em que simultaneamente policia, investiga, julga e condena os criminosos de ocasião.A percepção disposta é a de que o sistema legal de defesa dos cidadãos, no caso, o judiciário, mesmo nos Estados Unidos da América, cenário da maioria dos filmes policiais, seria supostamente incapaz de completar o ciclo de punibilidade aos que merecem, cabendo ao policial, mesmo ao arrepio das normas legais, a nobre missão de representar os legítimos interesses da sociedade. “Justiça” há que ser feita de um ou de outro jeito.
Assim, uma vocação de polícia quase sempre está construída naquilo que o candidato interpreta como sendo uma “imagem” de polícia. Essas projeções apresentam várias nuances e visões. Existe, por exemplo, o fato de portar um uniforme que o apresente como agente do Estado, que ainda poderia ser associado a uma incorporação do aspecto de poder que ela confere, pois a polícia representa força legal, mas sempre uma força.
Este sentido de força freqüentemente atribui ao trabalho policial uma associação desvirtuada com a violência quando os padrões comportamentais dos operadores são extrapolados com base nessa perspectiva. A exposição da força, como ação ou como bravata, dentro da PMBA, intenciona dispor uma imagem que paradoxalmente valorize o trabalho policial visto daquela maneira, pois a sociedade geralmente valoriza esse modelo.
O policial sereno, educado, não violento e que usa mais o diálogo do que a arma que porta para solucionar conflitos e enfrentamentos, e que fala em direitos humanos, é tido por “mole” e “complacente” na ação policial pelos próprios colegas, e mesmo pela comunidade em que serve. A exposição da violência como forma de solução rápida e eficiente é um modo de representação social não somente tolerada, mas quase sempre exigida por todos.
A violência como representação não apenas orienta como também justifica condutas […] Essa representação [inconsciente] da violência como categoria simbólica que organiza as relações sociais e dá sentido às condutas de distintos atores propicia um tipo de reciprocidade perversa entre sociedade civil e organizações policiais em função da qual a polícia tende a orientar condutas violentas a partir do que ela supõe que a sociedade espera dela como responsável pela lei e pela ordem. Essa lógica, não isenta de ambigüidades, faz com que a sociedade movida pelo combustível do medo e da insegurança cobre sempre mais e mais rapidez, eficiência e agilidade da atuação policial. (PORTO, 2001, p. 138).
Cita-se uma situação bastante exemplificativa do disposto: em meados do ano de 2005, no turno matutino, constatou-se, via rádio, uma ocorrência de assalto a uma loja de eletrodomésticos no bairro da Baixa dos Sapateiros. Chegando a viatura ao local, percebeu-se que um jovem tenente PM mais outros policiais de policiamento motorizado, após procederem a intervenção policial, conseguiram capturar os 3 (três) autores do assalto, estando os criminosos imobilizados e dispostos em frente à loja. A nota mais destoante da situação é que uma verdadeira multidão, presente à ação policial, bradava aos gritos “mata, mata”, exigindo uma postura radical dos policiais quanto ao que deveria ser feito. Essas pessoas eram passantes daquela área de comércio popular, cidadãos simples. Sob vaias da população aos policiais, os delinqüentes detidos foram colocados nas viaturas, posteriormente medicados e entregues à Delegacia de Furtos e Roubos para continuidade do processo criminal.
Porto (2001) considera que a espetacularização da violência policial é uma estratégia de afirmação por quem a exercita e também uma forma de expectativa de desejada solução de problemas sociais e estimulada por vários setores da sociedade, desde os estratos mais simples até a classe média e os mais abastados, cada qual à sua maneira.
Percebe-se também que a demonstração do trabalho policial está sustentada na exposição de relações de poder. A forma do poder policial não é amorfa ou indireta, ela é escancarada, contundente, ostensiva, objetiva e particularmente simbólica. Assume o poder de vigiar, coagir, de intervir, de prender e, no imaginário de determinados grupos sociais (incluindo a própria polícia), agredir, punir, julgar e executar a pena.
O poder incorporado pelos agentes de segurança pública atribui uma condição de discricionaridade e coerção nas ações desempenhadas, de se fazer obedecer compulsoriamente, de portar uma arma, enfim, de representar um papel de imposição de vontade. Focault estipulava a abrangência do aparelho policial destacando que “[…] com a polícia estamos no indefinido de um controle que procura idealmente atingir o grão mais elementar, o fenômeno mais passageiro do corpo social” (FOCAULT, 1999, p. 176).
Tem-se conhecimento que muitas pessoas, diante de um policial militar na atividade ostensiva ou não, submetem-se à sua vontade, por recear os desdobramentos da força legal (ou arbítrio) oriundos das atitudes do operador de polícia, caso haja uma não submissão à intervenção dirigida a ele, naquele momento e circunstâncias. O caráter militarizado também exerce certo senso de opressão por transmitir uma idéia maior de ofensividade, devido às características típicas desse modelo de organização.
Muitos candidatos à PM são reservistas das Forças Armadas e adentram na caserna miliciana objetivando uma continuidade do universo militar em que viviam e gostavam. Quase sempre esses recrutas objetivam a lotação nas tropas especializadas da PM (Unidades de Choque, Companhias Especiais de Fronteira, Grupamentos Especiais de Combate ao Crime) por considerarem que as missões desses efetivos fossem compatíveis com as que exerciam nas Forças Armadas, além de valorizar as atividades diferenciadas dessas unidades especiais.
Mudando a perspectiva, diversos pretendentes ao ingresso na PMBA objetivam o Corpo de Bombeiros da PMBA. Esses alunos já reverenciam esse mister
como uma disponibilidade a um trabalho mais altruísta e heróico, pautado não na repressão característica do serviço policial, mas no salvamento de vidas e patrimônio. Finalmente, devido à sua diversidade funcional, e este é um fator louvável, pode o policial militar dentro da própria corporação, transitar até a sua aposentadoria, em diversas atmosferas.
Em vista do quadro, acredita-se que o ofício de polícia, para quem o aspira, pode apresentar-se como uma atividade disponível, oportunizada como uma necessidade, um caminho, ou a possibilidade de satisfação de um desejo, no atendimento a uma vocação baseada num modelo construído por suas interpretações da realidade.
A Polícia Militar da Bahia constitui-se, atualmente, uma das grandes ofertantes de vagas no serviço público existentes no Estado. Em tempos de Estado- Mínimo, em que os concursos públicos são mais voltados ao preenchimento das carreiras de Estado (gestores públicos, procuradores, auditores, etc.) e, por isso, com um maior grau de qualificação, além de poucas disponibilidades de vagas, a corporação PM oferece uma maior gama de empregabilidade. Ela é particularmente dirigida aos jovens, faixa com maior presença na ociosidade. Para 2006, vislumbra- se a possibilidade de abertura de concurso público para 3.200 (três mil e duzentas) novas vagas para policiais iniciantes. Nenhum órgão público oferta tantas vagas para acesso ao serviço estatal.
Por conta desse oferecimento, o acesso ao ofício de PM se apresenta, paradoxalmente, como um importante fator de mobilidade social das classes menos favorecidas. Paradoxal por que as ações de polícia em áreas socialmente deterioradas são intensamente condenadas, pela maneira abusiva como essas intervenções são freqüentemente conduzidas, com o foco na equivocada associação entre pobreza e criminalidade, de modo simplista, irresponsável e sem maiores reflexões. Os mesmos jovens, vítimas de possíveis tratamentos policiais arbitrários por parte da polícia militar, nesses mesmos territórios, vêem nos concursos uma oportunidade de escapar do cruel determinismo que condena as camadas excluídas sócio-economicamente a uma existência quase sempre marginal. O papel do trabalho policial, normalmente visto como uma imagem antagônica à comunidade, pode vir a ser a tábua de salvação para que, no mínimo, garanta uma melhoria de vida, ainda que não pensada como a ideal.
Através da tabela 2, observa-se que os cidadãos de etnia negra e parda, somados, respondem por 53,7% na vitimização de homicídios na cidade do Salvador, conforme dados do Centro de Documentação e Estatística da Secretaria de Segurança Pública da Bahia. Isto, sem se considerar o item “não informado”, o que poderia aumentar substancialmente o índice calculado.
TABELA 2 – VITIMIZAÇÃO POR VITIMIZAÇÃO POR HOMICÍCIOS PELO CRITÉRIO DE RAÇA NA CIDADE DO SALVADOR NOS ANOS DE2005 e 2006
Fonte: Centro de Documentação e Estatística (CEDEP), jul. 2006.
Raça |
Vítimas de Homicídio Salvador/2005 |
% |
Branca | 27 | 2,9 |
Preta | 138 | 15,0 |
Parda | 356 | 38,7 |
Amarela | 3 | 0,3 |
Indígena | 0 | – |
Não informada* | 395 | 43,0 |
TOTAL | 919 | 100,0 |
*Casos em que o registro policial não informa a raça da vítima.
Identificados como as maiores vítimas do quadro de violência reinante, incluindo a própria violência policial, os segmentos raciais negros e pardos situam-se como a maioria dos componentes do efetivo da Polícia Militar da Bahia. O trabalho policial configura-se como modo de ascensão social de grupos minoritários em sua representação política, como bem descreve Sansone:
A carreira dos negros na PM é esclarecedora no que tange à interligação da cor e da classe e à complexidade da criação da identidade. Por um lado, historicamente, a PM tem sido um veículo importante de mobilidade social para os afro-brasileiros, do mesmo modo que vários outros tipos de “empregos de uniforme”. Nesse processo, a “raça” e a classe ficam estreitamente interligadas […] Naturalmente, levando em conta a estreita associação entre a pele escura e a baixa classe social, típica da sociedade brasileira, os policiais de cor têm maior representação nos escalões inferiores. Entretanto, segundo nossa estimativa, com seu total de 43%, também entre os oficiais, os não-brancos estão bastante bem representados. (SANSONE, 2002, p. 520-522).
O pesquisador prossegue, reafirmando a representatividade dos negros e pardos na Polícia Militar do Rio de Janeiro:
Embora não disponhamos de cifras comparativas, é nossa impressão, bem como a dos policiais que entrevistamos, que os brasileiros pretos e pardos têm uma representação muito maior e mais eqüitativa na PM do que em qualquer empresa privada, ou mesmo em qualquer empresa ou instituição pública do Estado do Rio de Janeiro. […] Outra razão da relativa grande representação de brasileiros pretos e pardos em todos os escalões dessa força é o fato de que a população branca tem tido maiores alternativas de ascensão social, e de que, no Rio de Janeiro, mais do que em outros estados, a classe média-alta branca não identifica a carreira no comando da PM como algo adequado ou desejável. (SANSONE, 2002, p. 520-522).
A pesquisa “O Negro na PM”, realizada pelo professor de antropologia da UFBA, Lívio Sansone (2002), no biênio 2000-2001, junto à Polícia Militar do Rio de Janeiro, revela importantes contribuições sobre a identidade dos afrodescendentes cariocas na polícia militar, como modo de inserção social e interação com o estrato das classes mais desprivilegiadas .
Pela similaridade existente entre a contribuição afrodescendente e mestiça no Rio de Janeiro e na Bahia, em que possivelmente a parcela da etnia negra é maior, boa parte das situações verificadas no Estado do Rio de Janeiro pode ser constatada localmente. A condição do espaço de ascensão social é uma delas, e o universo de atuação repressiva junto aos congêneres étnicos – “pobres indignos”, segundo Sansone (2002, p. 519), – é outra. Pode-se citar também a condição de certa eqüitatividade com base em regras claras nas oportunidades da corporação, sendo atestada a presença de homens negros nos escalões superiores e um desprezo da classe média-alta pela carreira miliciana.
Assim, ultrapassando a questão do espaço racial, acredita-se que existe certa diferenciação de pensamento entre as classes dos oficiais e das praças, quanto à vinculação a conceitos culturais e profissionais encarados diferentemente entre eles.
A questão da hierarquia e da disciplina é percebida pelos oficiais como extremamente necessária para a manutenção da sua cultura, como forma de se organizar, relacionar e trabalhar. Já para a classe das praças, apesar dessas questões serem também valorizadas, aparentemente para manutenção do escalonamento de autoridade e mando dentro do próprio estrato, outras demandas teriam que ser mais realçadas, como um tratamento mais igualitário, universalista,
no que se refere aos relacionamentos interclasses e nas condições de trabalho. Como afirma Sansone (2002, p. 524), “[…] para os soldados, a democracia pode e deve combinar-se com a hierarquia militar, ao passo que, para os oficiais, hierarquia e democracia são inconciliáveis.”
Após o movimento reivindicatório do ano de 2001, em que os padrões de hierarquia e disciplina foram desestruturados pelo efetivo das praças, as opiniões igualmente se polarizaram. Enquanto que os oficiais utilizavam os acontecimentos terríveis da “greve” como exemplificativos quanto à falta de hierarquia e disciplina, os sargentos e soldados retrucavam alegando que o estado de desordem institucional resultante deveu-se para além das demais reinvidicações à ação coercitiva, intimidatória e excludente do contexto hierárquico disciplinar que restringia o diálogo entre as duas classes.
O movimento de 2001 expôs de maneira bastante explícita um reclame dos operadores com menor patente contra uma divisão de classes até então justificada pelo regramento hierárquico que estabelecia “um lugar para cada um”, conforme dizer miliciano. O pensamento marxista oferece uma leitura análoga, em que ratifica a luta de classes como motor da história e o agente principal das mudanças estruturais da sociedade. Essa luta conduziria a uma sociedade sem classes, havendo, em conseqüência desse conflito, uma transformação. Observa-se que, mesmo admitindo uma inviabilidade histórica do conceito de um universo plenamente igualitário, conforme preconizam Barbosa, Oliveira e Quintaneiro (2002) a respeito do ideário marxista, o movimento de 2001, em que se identificou um conflito com um viés classista, serviu para forçosamente conduzir, se não a uma transformação, pelo menos a uma reflexão analítica e mais ponderada sobre a situação das interações entre os estratos diretivos, intermediários e operacionais da PMBA.
- AÇÃO PROCEDIMENTAL DO TRABALHO DE POLÍCIA
Segundo Bayley (2001, p. 121), o trabalho policial consiste basicamente em uma caracterização, conforme descrito no quadro 2:
Atribuições
Trabalho Policial
Situações
Resultados
QUADRO 2: PADRÕES DO EXERCÍCIO DO TRABALHO POLICIAL
Fonte: Fonte: BAYLEY, David. Padrões de Policiamento (2001)
As atribuições determinam o que a polícia irá fazer. O exercício pleno das suas funções rotineiras significa: vigiar, patrulhar, prestar auxílio a quem necessitar, administrar conflitos; e envolvem, segundo Bayley (2001), a descrição organizacional do que os policiais estão fazendo. As atribuições expressam o modelo burocrático organizado da polícia militar quando executa a sua missão. O policiamento ostensivo rotineiro com a presença dos policiais a pé e no rádio patrulhamento é a face mais visível da ação policial na sua forma típica e que realiza o primado do seu objetivo: prevenção aos delitos e crimes.
Consideradas o segundo aspecto a ser observado nas atribuições da polícia militar, as situações se constituem como “alterações” do ambiente de trabalho, as quais desencadeiam uma reação dos policiais para que seja restabelecida a sua normalidade. São as ocorrências de rotina, tais como furtos, vias de fato (brigas), socorro a pessoas, perseguições, ronda escolar, etc. É na ocorrência das situações que os policiais militares exercitam o contexto das suas atribuições.
Os resultados indicam o saldo resultante das intervenções situacionais baseadas nas atribuições. Uma mediação, uma advertência, uma condução à delegacia, um aconselhamento, são alguns dos reflexos de um procedimento policial realizado. Através dos resultados, o trabalho policial é avaliado como eficiente ou não, e expressará valor ou depreciação. Este ciclo de procedimentos exige um
processo decisório rápido e adequado às inúmeras situações que ocorrem durante o trabalho rotineiro.
Através do fator experiência, adquirido no serviço cotidiano ou nas informações obtidas no compartilhamento entre vias de comunicação diversas, como colegas, imprensa, moradores da região, pesquisas etc., o operador policial procede a uma estimativa preliminar da natureza das situações que comumente enfrenta no serviço. Essa circunstância habilita os agentes a se prepararem previamente e os condiciona a se antecipar aos eventos que porventura prestará assistência.
Dessa maneira, o policial que faz o policiamento, motorizado ou a pé, no bairro da Pituba, em Salvador, por exemplo, prioriza a sua atenção a ocorrências de furto e roubo de veículos, sabedor que existem pesquisas indicativas de altos índices deste tipo de ocorrência nessa área, além da sua possível e prévia experiência de trabalho nesse bairro. Já em áreas socialmente deterioradas, sabe-se que os níveis de desemprego e ociosidade são elevados e estas variáveis proporcionam situações peculiares derivadas dessas características.
Para citar um exemplo dessa variabilidade em que o trabalho policial opera, faz-se o relato de um episódio pessoal ocorrido fora de serviço em junho de 2006, período da tarde, no bairro do Nordeste de Amaralina, nesta capital. Após estacionar o carro na praça do fim de linha desse bairro para visitar uma família amiga, houve a interpelação por parte de dois pequenos comerciantes sobre a possibilidade de ser furtado caso tivesse deixado bens ou o rádio do veículo à vista. A resposta apresentada é que não havia bens e nem rádio no veículo. Os cidadãos atentaram para tranqüilizar este mestrando, acentuando que ficasse calmo, pois nada aconteceria, para o que foi retrucado: e quanto ao próprio carro? Não se preocupe, disseram eles, esse problema é com a Pituba, nosso bairro vizinho.
Este caso ilustra a variância das situações que são peculiares e distintas até mesmo em bairros vizinhos, além do senso comum da população, que age como precioso objeto de informação para a ação policial. A cooperação pública na ambiência do trabalho policial militar consolida-se como uma importante ferramenta de apoio à resolução de conflitos e conhecimento dos pontos críticos da área de atuação. O ato decisório em uma intervenção policial rotineira geralmente é tomado obedecendo-se à cadeia de comando presente naquele momento. O mais graduado delibera a ação a ser desencadeada.
Uma ação policial de sucesso depende basicamente das atitudes preliminares. Elas são diretamente responsáveis pelo bom desenvolvimento do processo no primeiro momento, frente às situações de conflito. As intervenções policiais são baseadas nas etapas relacionadas a seguir, e requerem o conhecimento de um arcabouço técnico-prescritivo com base legal que instrumentalize previamente as rotinas a serem adotadas pelos policiais:
- Tomada de conhecimento da situação;
- Análise momentânea verificando a ação prescritiva a ser adotada;
- Decisão e implementação do procedimento policial considerado mais adequado à situação;
- Diagnóstico da ação desempenhada para posterior avaliação individual e
A depender do desdobramento verificado, o controle fará uma possível correção dos procedimentos observados.
Beato (2000) explica que existem 3 (três) aspectos marcantes de dificuldade na forma como os operadores lidam com as ocorrências policiais: o primeiro tem a ver com a utilização de informações de maneira restrita, sem o aproveitamento de dados qualificados e consolidados; a primeira situação leva à segunda, em que existe o favorecimento da implementação de estratégias eminentemente reativas por conta do não-aproveitamento dos dados estatísticos obtidos; como terceiro dificultador, registra-se a carência de mecanismos de avaliação do resultados das ações, estratégias e programas públicos em que o trabalho policial é utilizado.
Na Polícia Militar da Bahia é perceptível a não-utilização de dados significantes no trabalho dos policiais, evidenciando-se uma falta de integração entre os propositores institucionais dos programas. Aparentemente, não existe nem mesmo um eixo de integração entre os próprios organismos de segurança pública que possibilite um compartilhamento de dados consolidados favoráveis a uma ação conjunta sistematizada, muito menos um diagnóstico dos possíveis resultados auferidos.
No caso do policiamento ostensivo regular feito pelas companhias independentes da PM, existe uma coordenação administrativa abrangente do órgão
de coordenação geral do policiamento (Coordenação de Operações Policiais – COORDOP). O que prevalece na prática são as ações individualizadas de cada comandante de companhia independente de policiamento ostensivo, que estabelece sua política pontual com base no próprio conhecimento técnico, adicionadas a experiências e práticas nas situações em sua área de atuação.
Em face disso, ocorre o desenvolvimento do trabalho policial na forma mais reativa. Isso problematiza um outro aspecto tido como destacável: o gerenciamento da forma discricionária do poder pelo policial militar. Segundo Beato (2000), os policiais detêm uma considerável margem de decisão na utilização das leis sobre os cidadãos. Esta condição quase sempre se encontra ligada a situações que são derivadas de um caráter de imprevisão como são as ocorrências policiais.
Mesmo subordinado às rotinas prescritivas de procedimentos determinadas pelos manuais e pelos superiores hierárquicos, os policiais operam a já referenciada inversão hierárquica de Monjardet (2002, p. 96) em que exercem a sua discricionariedade. Ainda que existindo o caráter militarizado da organização que prevê uma obediência irrestrita aos padrões pré-estabelecidos, a atividade do policiamento ostensivo requer boa dose de autonomia, iniciativa e bom senso na condução dos problemas. A respeito do assunto, Dejours apresenta que:
Nenhuma empresa, nenhuma instituição, nenhum serviço pode evitar o grande problema da defasagem entre a organização do trabalho prescrita e a organização do trabalho real, seja qual for o grau de refinamento das prescrições e dos métodos de trabalho. É impossível numa situação real, prever tudo antecipadamente. O suposto trabalho de execução na da mais é do que uma quimera. (DEJOURS, 2005, pág.56, grifos nossos).
O processo do trabalho policial funciona efetivamente quando ele é beneficiado pela mobilização das vontades e inteligências individuais.
- NATUREZA DO TRABALHO POLICIAL E FONTES DE PRESSÃO
O trabalho policial militar, por força de suas características, submete-se a uma duplicidade de impacto de fontes de pressão. A primeira face constitui-se na forma externa à organização, que representa as ações do universo que é atendido
pelos serviços policiais, ou seja, a sociedade em geral, incluindo os protagonistas dos desvios sociais. O segundo grupo dos agentes de pressão está relacionado ao Estado e à própria organização policial que, através da sua formação, estrutura e modo político-cultural afeta os integrantes com tipos de pressão diferenciados.
No caso do primeiro aspecto, entende-se que o trabalho policial é, por sua natureza, uma atividade intensamente submetida a diversas circunstâncias externas que a tornam desconfortável para quem a exerce. O policiamento ostensivo regular feito pelos policiais militares impõe uma lida diária com mazelas sociais, violência e criminalidade, além de atuar como administrador de conflitos. Ao seu aspecto preventivo constante que estabelece uma condição de vigilância permanente (mesmo fora de serviço), acrescente-se o fator de prevenção e repressão aos desvios sociais, os quais submetem a sua integridade física e psicológica a uma possibilidade de tensão e risco que o profissional é obrigado a assumir por dever profissional. Assim, defender o cidadão e a ordem pública não é escolha, é obrigação assumida juntamente com temor à perda da própria vida.
O policial fardado nas ruas identifica-se como uma forma emblemática do Estado. Nos capítulos anteriores, assinala-se que o ciclo da justiça tem início com a ação policial que, através da sua exposição e ações realizadas, atua na forma representativa de promover a segurança pública, dever do Estado.
Nas recentes ações criminosas oriundas de grupos criminosos ditos “organizados”, nota-se que os primeiros ataques, desafios e demonstração de sua (pretensa) força baseavam-se em ataques a bases policiais e assassinatos de agentes públicos ligados à área de segurança. Tais ações objetivam explicitar uma disposição para o enfrentamento da ordem institucional através de ofensivas aos representantes da preservação da ordem social: os operadores de segurança pública. A condição de risco faz parte do cotidiano dos policiais e está inserida no contexto do seu trabalho. Monjardet (2002) reafirma a vinculação do risco policial à condição específica da profissão, dispondo que:
O risco policial é objeto de uma agressão que visa, na função de que é investido, ao policial. Pode-se, deve-se sancionar a incompetência, a negligência ou a cupidez, fontes do acidente do trabalho: esse não procede de uma intenção de liberada de ferir ou matar. Ora, é exatamente essa intenção de prejudicar, de ferir ou de matar que todo policial é susceptível de enfrentar, ou que ele divide quando um de seus colegas (por mais desconhecido e afastado que seja) é vítima dela no exercício de suas funções. É por essa dimensão simbólica que todos os policiais são
atingidos pelo que acontece, não importa qual deles […] Os motoristas de táxi se mobilizam espontaneamente quando um deles é agredido, mas não imputam a agressão a um ódio ao motorista de táxi ou ao senso de dever de seus colegas. Eles sabem que não era o motorista de táxi que era objeto dela, mas sua bolsa, uma oportunidade de lucro, e eles reclamam medidas de proteção. Os policiais não têm esses recursos para pôr a agressão à distância, e ninguém os protegerá dela a não ser eles mesmos. (MONJARDET, 2002, p. 196).
A exposição ao risco, referente ao operador do policiamento ostensivo fardado, destaca-se mais em relação a outras categorias de policiais. Eles expõem publicamente a sua condição através do uniforme, e terão que intervir forçosamente face à sua representatividade explícita. Um policial fardado que não assume uma posição frente a uma ocorrência, por mais desfavorável que esteja em relação à parte ofensiva, pode ser responsabilizado administrativa e disciplinarmente por omissão profissional, além de ser visto como “covarde” pelos colegas da organização. Souza e Minayo estipulam que a idéia de risco envolve um importante papel nas condições de trabalho, ambientais e relacionais, uma vez que os corpos estão permanentemente em exposição, e complementa: “[…] seus espíritos não descansam […]” (MINAYO; SOUZA, 2005, p. 920).
No ano de 2005, no centro da cidade do Salvador, bairro do Campo Grande, em uma situação de assalto a um banco, episódio bastante comentado na sociedade baiana, 3 (três) policiais militares foram assassinados pela quadrilha de assaltantes que perpetrou o ato delituoso. Dois desses policiais militares estavam de plantão em uma base policial cerca de 150 (cento e cinqüenta) metros do local da ocorrência, mas, sabedores do delito acontecendo próximo à base, realizaram a intervenção e foram mortos em face do maior poder de fogo dos criminosos. Destacando outra condição proeminente neste episódio, pode-se perceber que, além da condição imperativa de intercessão no fato, incorporando o emblema de agente do Estado, a solidariedade aos colegas que estavam de plantão em frente ao banco pesou igual ou mais forte no momento da decisão de arriscar-se na abordagem efetuada junto à instituição financeira.
O estado de permanente exposição ao risco dos policiais militares fardados, no policiamento ostensivo a pé, motorizado e nas bases policiais, origina uma espécie de solidariedade profissional coletiva no compartilhamento das idênticas situações que provocam tensão e sofrimento. Assim é que, durante o desenvolvimento do serviço policial, ao saber de qualquer ofensiva ou ameaça ao
grupo profissional, todas as atenções se voltam para o auxílio ao colega atingido naquele momento, havendo uma busca incessante pelos autores da ofensa ao operador de segurança, quase sempre sem uma coordenação refletida e planejada. Movidos por um turbilhão emocional e muitas vezes descontrolado, o ato de reagir ao ataque à integridade dos colegas pode constituir-se, em muitas situações, em mais um ato de vingança do que justiça.
Os policiais militares incorporam a percepção de que o seu trabalho não é devidamente reconhecido pela sociedade como deveria. Tido como ineficiente pelas classes mais privilegiadas, por não cumprir aquilo a que se destina na ótica desses estratos, o trabalho policial é igualmente criticado pelos sujeitos de minorias sociais, por prestar-lhes um tratamento mais discriminatório e injusto na realização das suas ações, situação incorporada pelo pensamento do Estado em sua atuação.
Segundo Souza e Minayo:
A opinião pública negativa faz parte do ônus do trabalho policial, e em estudos recentes alguns autores (Amador, 1999; Minayo; Souza, 2003) mostram como esses servidores apresentam elevado grau de sofrimento no trabalho pela falta de reconhecimento social. O conceito negativo emitido sobre eles pelas várias camadas sociais está entranhado na cultura. Ele legitima e naturaliza a violência que os vitima, muito mais do que a qualquer trabalhador, durante a jornada de trabalho ou nos tempos de folga em que, curiosamente, aumentam as ocorrências de lesões e traumas de que são vítimas. (MINAYO; SOUZA, 2005, p. 919).
Observando essa dimensão em que estão inseridos e objetivados, os policiais criam então uma lógica corporativista própria como uma aura de autopreservação que tende a legitimar internamente muitas ações desviantes realizadas pelos operadores, cujos exemplos podem ser as “vendetas” abusivas, os acobertamentos de crimes e infrações disciplinares por parte dos colegas, e uma eterna posição defensiva contra o “mundo civil” que não os reconhece e pouco se importa com eles. Dejours (2005) indica que este tipo de comportamento, as chamadas “estratégias defensivas”, visam minorar o sofrimento padecido no trabalho, mas que podem, apesar do caráter protetor, transformar-se numa armadilha que termina por se voltar contra o grupo que as criou. Contribui com a formação da opinião depreciadora da organização policial a herança político-cultural derivada do regime militar antepassado que colocava a polícia como instrumento
abusivo do Estado contra a população em geral, e que de alguma forma ainda predomina, interna como externamente à organização.
Dessa maneira, o trabalho policial caracteriza-se por possuir, em seu primeiro contexto, a abordagem externa de sua atuação. O fator risco atua na sua integridade física e psicológica como um aspecto sempre presente em seu mister, pelo fato do trabalhador identificar-se de modo bastante representativo como um agente público do Estado na área da segurança pública. Esse risco decorre da exposição policial às ofensivas sempre presentes.
Através da Tabela 3, observa-se que, no ano de 2005, 36 (trinta e seis) policiais militares foram mortos em condições violentas, sendo 14 (quatorze) em serviço e 22 (vinte e dois) fora do serviço. Em 2006, até o mês de julho, 23 (vinte e três) PMs já foram vitimados, sendo 2 (dois) em serviço e 21 (vinte e um) fora dele.
TABELA 3 – Quantitativo de PMs Mortos em 2005 e 2006
ANO | Em
serviço |
Fora de
Serviço |
Total |
2005 | 14 | 22 | 36 |
2006 | 02 | 21 | 23* |
Fonte: Coordenação de Missões Estratégicas – CME Polícia Militar da Bahia (2006)
*Números até Julho de 2006
A condição do “fora de serviço” estipula igualmente mortes violentas que possuem alguma vinculação com a condição do trabalho policial, sem que necessariamente em serviço público de polícia. Por exemplo, uma situação de assalto a ônibus em que existe alguma reação aos criminosos por parte policial à paisana, culminando numa refrega de troca de tiros. Outra situação bem rotineira é o conflito com criminosos, decorrente de estar o policial exercendo atividade de segurança privada em casa comercial. Com o agravamento do cenário da segurança pública no país, tendem os índices relativos às mortes em serviço superarem as
ocorridas nas situações externas do cotidiano e na execução do trabalho alternativo de segurança.
O segundo fator coletivo de pressão advém da influência da estrutura, ambiência e cultura organizacionais, que contribuem na formação de desgaste e desajustes psicológicos, redundando em diversas formas de estresse. Segundo Moraes et all. (2000), em um ambiente organizacional os trabalhadores estão permanentemente submetidos a um conjunto de pressões que favorece o surgimento de algum grau de estresse. A identificação desses fatores de pressão possibilita um estudo e tratamento dessas fontes, de forma a reduzi-las ou, se possível, eliminá-las.
A forma de lidar com essas pressões varia entre os indivíduos da organização. As características pessoais e outras são relevantes fatores na determinação do grau de impacto a ser trabalhado por quem o sofre (MORAES et all., 2000, p. 7). Desse jeito, o tipo do perfil psicológico predispõe a afetação e a resposta do indivíduo que sofre às diversas situações estressantes. Numa organização policial, particularmente de policiamento ostensivo fardado, em que as ofensivas externas já se consignam como desconfortáveis, as abordagens oriundas da intervenção organizacional potencializam o efeito precarizante do exercício do trabalho policial. A individualidade do preposto policial está diretamente ligada aos mecanismos de poder estatal e organizacional, os quais determinam os vínculos entre o “agir pessoal” conforme suas crenças, e o “agir estatal” de acordo com o prescritivo e o cultural. Guardadas as diferenças pessoais, essas fontes de pressão atingem todos os integrantes da organização, indistintamente.
Durante a seleção pública para os candidatos a policiais militares em todos os níveis (oficiais e praças), é exigida a realização de testes psicológicos que procuram avaliar a adaptação vocacional e psicológica dos ingressantes à carreira miliciana, verificando perfis que coadunam com o ajustamento à profissão. Os chamados psicotestes buscam considerar os fatores positivos presentes (equilíbrio, vontade, admiração à profissão, espírito de sacrifício à causa, etc.), além de identificar os não-adequados (agressividade, inadaptação às normas disciplinares mais rígidas, visão distorcida da função policial, possíveis patologias etc.).
Boa parte dos candidatos ao acesso à carreira na PMBA, impedidos pela reprovação nos testes psicológicos, consegue dar, através de ações judiciais reparadoras de direitos, continuidade ao processo de ingresso na carreira.
Inúmeros pareceres e sentenças decorrentes da justiça contestam os resultados dos psicotestes, alegando a subjetividade deste tipo de interpretação – tida como restritiva – e considerando que a maior parte dos desvios comportamentais é praticada por pessoas que obtiveram êxito nessa avaliação durante a seleção, além de aduzir injustamente certo determinismo problemático àqueles que não possuem o perfil desejado pela PMBA.
A grande questão é se as ações de desvio e desconforto experimentados pelos operadores do trabalho policial decorrem da tendência individual, fruto dos aspectos psicológicos próprios que induzem a um desajuste na profissão, ou se as injunções organizacionais e externas é que estimulam ou até causam esse quadro de inadequação. Ou ambos, desde que observado cada caso. O que se pode afirmar, no entanto, é que a ofensividade potencial do aspecto coletivo, leia-se Estado e Organização, através da difusão de idéias, conceitos, senso político- ideológico e aparato simbólico é aqui considerada a maior responsável pela formação do perfil psicológico e profissional dos integrantes da corporação durante a vivência dos 30 (trinta) anos dispostos pelo policial militar na organização.
Moraes et all. (2000 apud Cooper et all., 1988, p. 8), informam a existência de seis grupos de agentes que interferem na condição de ajustamento ao trabalho a partir das suas estruturas pessoais e valores internalizados. Esses pontos podem ser transportados ao universo do trabalho policial militar, resguardando as suas similaridades e destacando as particularidades do cenário miliciano. São eles: fatores intrínsecos ao trabalho, papel do indivíduo na organização, relacionamento interpessoal, carreira e realização, estrutura e clima da organização e interface casa/trabalho.
Estes aspectos além de outros, foram utilizados na elaboração do instrumento de pesquisa desta dissertação, na forma de questionário, como maneira de perceber as interações e decorrências entre a organização, o operador policial e o trabalho policial propriamente dito. O modo, a forma e os resultados desta investigação serão mais bem detalhados no capítulo a seguir, específico da descrição da metodologia e dos dados obtidos.
CAPÍTULO 5
METODOLOGIA E ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
Os resultados obtidos neste estudo objetivam uma coleta de dados através de metodologia específica que possibilite uma percepção mais aguçada da realidade do trabalho policial militar. De posse das respostas a questionários distribuídos visando uma amostra da população, em que são consideradas questões abertas e fechadas, procura-se visualizar as afetações institucionais, organizacionais e profissionais aos policiais militares que realizam o trabalho propriamente dito
As seções deste capítulo tratarão dos seguintes assuntos: a Instituição pesquisada (relato sintético do universo e amostra); metodologia (descrição das ações e procedimentos metodológicos); objetivos da pesquisa (o que se propõe alcançar); análise e discussão dos dados (obtenção dos significados).
- INSTITUIÇÃO PESQUISADA
A Polícia Militar da Bahia, universo maior do qual faz parte a unidade em estudo, possui 181 (cento e oitenta e um) anos e atua no Estado da Bahia. É uma organização de cunho formalista e tradicional que incorpora um efetivo composto por aproximadamente 30.000 (trinta mil) integrantes, mantendo a responsabilidade pelo policiamento ostensivo e repressivo do Estado, no objetivo de manutenção da ordem pública. Os seus três níveis organizacionais com funções de execução e apoio dividem-se em estratégico, tático e operacional.
A unidade policial militar objetivada no estudo de caso é a Quadragésima Sétima Companhia Independente da Polícia Militar – 47ª CIPM, localizada no Centro Administrativo da Bahia, na cidade do Salvador, responsável pelo policiamento motorizado, a pé e modular nas áreas de sua localização e toda a extensão da Avenida Paralela, desde a estação rodoviária até a última rótula do aeroporto de Salvador.
Semelhante ao seu universo maior, a 47ª CIPM incorpora uma estrutura hierárquico-militarizada dividida em dois grupos distintos: os oficiais e praças. As
patentes dos oficiais são de Major PM, Capitão PM e Tenente PM, sendo as graduações de praças, Sargento PM e Soldado 1ª Classe PM. Esta configuração hierárquica é típica deste modelo organizacional de unidade que opera em policiamento de área urbana. O traçado da cidade é dividido em inúmeras áreas de intervenção da PM e que são cuidadas por unidades denominadas companhias independentes, à semelhança da 47ª CIPM.
O termo “independente” tem a ver com a sua autonomia no campo administrativo, na área de execução orçamentária e de atividade operacional. Encontra-se sujeita, entretanto, às determinações e intervenção da Coordenadoria de Operações Policiais Militares – COORDOP, órgão maior, comandado por um Coronel PM que subordina todas as companhias independentes da capital.
A unidade em estudo possui um efetivo de 106 (cento e seis) policiais militares divididos em 1 (um) Major PM, 1 (um) Capitão PM, 8 (oito) Tenentes PM, 24 (vinte e quatro) Sargentos PM e 72 (setenta e dois) Soldados 1ª Classe PM distribuídos entre policiais masculinos e femininos.
Os policiais militares da classe das praças desenvolvem suas atividades em 40 (quarenta) horas semanais regulamentares, distribuídas nos dias normais e fins de semana. A escala do policiamento a pé compreende 6 (seis) horas de segunda a sexta, complementando as horas faltantes durante os fins de semana. O policiamento motorizado obedece à escala corrida, a qual compreende o dia e a noite, de forma a compor as 40 (quarenta) horas semanais. Nesse sentido, o serviço dos módulos (postos policiais destacados) segue a mesma rotina do motorizado.
Para atender aos eventos assinalados no calendário da cidade, acontecem os serviços extraordinários que superam a carga de trabalho dos policiais militares. Apenas os grandes eventos, como o carnaval, por exemplo, remuneram as horas excedentes. Nas demais atividades tidas como extraordinárias (blitz, eventos turísticos, de emergência e imprevistos), os policiais normalmente não são remunerados pelo acréscimo de horas trabalhadas.
No caso dos oficiais, aqueles que possuem posição de comando e chefia quase sempre extrapolam o número de 40 (quarenta) horas prescritas, pois, além do desempenho nos dias de semana, têm trabalhado incessantemente em finais de semana, sempre na condição de service overtime. Embora exista acréscimo de remuneração por exercício de função comissionada, neste caso paga pelo Estado a esses oficiais que ocupam funções estratégicas, existe uma perceptível cobrança
que praticamente os obriga a trabalhar além das 40 horas semanais previstas por lei e, portanto, mais do que referida gratificação poderia remunerar. Os demais oficiais perfazem as 40 (quarenta) horas regulares por semana.
- METODOLOGIA
Esta pesquisa configura-se como um estudo de caso descritivo-analítico baseado em uma unidade da organização Polícia Militar da Bahia, a Quadragésima Sétima Companhia Independente da Polícia Militar da Bahia – 47ª CIPM.
Da população estudada de 106 (cento e seis) indivíduos, foi extraída uma amostra de 38 (trinta e oito) policiais militares, correspondentes a 32,75 % (trinta e dois vírgula setenta e cinco por cento) do efetivo estudado, o que pode ser considerado uma amostra significativa. A parcela amostral constitui-se em dois grupos: Oficiais e Praças, totalizando os 38 indivíduos, especificamente 6 (seis) oficiais e 32 (trinta e dois) sargentos e soldados dos dois gêneros. Assim, foram distribuídos 38 (trinta e oito) questionários, dos quais constam 15 (quinze) perguntas, entre elas 13 (treze) com direcionamento totalmente fechado e 2 (duas) com preenchimento misto, ainda havendo indução a manuscrever opinião diferenciada ou complementar.
Os dados obtidos foram submetidos à análise estatística através da aplicação de medidas descritivas simples, considerando-se a freqüência das citações como fator definidor de intensidade das opiniões coletadas.
O procedimento metodológico aplicado à presente pesquisa orientou-se pela investigação com base no processo amostral. A opção por este processo, apontado por Kerlinger (1980) e Barbbie (1999) como sendo ferramenta estatística capaz de controlar o erro e oferecer margem de confiança envolvida no processo de pesquisa, considerou, além do mais, a impossibilidade temporal de se investigar a população alvo. Outro fator que motivou a pesquisa sob tal perspectiva foi a possibilidade de aplicação da amostragem probabilística (amostragem aleatória simples) dentro do universo pesquisado, para fins de conhecimento do quanto as respostas obtidas poderiam ser inferidas para o restante da população.
Nesse sentido, admitiu-se que o erro amostral fosse de 8,8% e um nível de confiança de 91,2%, o que garantiu uma dimensão de amostra de 38 (trinta e oito) pessoas a serem pesquisadas num universo de 106 (cento e seis) servidores. A escolha dos respondentes se deu por meio de cadastro aleatório com base numa distribuição uniforme (KALSBEEK, 1996).
- OBJETIVOS DA PESQUISA
São objetivos da pesquisa:
- Identificar situações preditoras que afetam o grau de envolvimento, identificação e motivação do policial militar para com a sua profissão;
- Verificar a percepção das demandas individuais e a realidade da organização no tocante ao desenvolvimento do trabalho policial;
- Verificar aspectos do trabalho policial que se estabelecem como fatores de pressão no grupo em estudo;
- Identificar, através da diferenciação dos fatores de graduação e gênero na amostra pesquisada, variáveis específicas de cada abordagem, nos itens considerados mais destacáveis.
- ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Com base nos dados pessoais, constatou-se que a amostra foi composta, em sua maioria, por policiais militares do sexo masculino (66%), sendo a classe predominante a de praças (84%), com faixa etária entre 29 e 39 anos (58%). O grande percentual de indivíduos sem posição de chefia (92%) explica o quantitativo preponderante de praças.
O efetivo situa-se em um grupo relativamente jovem na faixa etária de 29 a 39 anos (58%), a maioria com 2º Grau completo (40%), havendo índice razoável
na faixa de superior incompleto (26%) e menor em superior completo (18%), mas que, somados, indicam um expressivo acesso à educação superior (44%).
A maior parte do universo pesquisado tem filhos (76%), sendo que 58% deles compõem famílias de até 2 (dois) filhos, indicando um cuidado maior no controle da natalidade. Ficou constatado que também o maior percentual dos pesquisados (37%) está inserida na faixa dos 10 (dez) anos de serviço, apontando para uma amostra de idade mais jovem, havendo, entretanto, uma aposição de 63% distribuídas nas outras faixas (11 a 20, 21 a 30 e mais de 30), correspondendo a uma estabilidade profissional maior.
A forte presença da classe das praças influencia no domínio da faixa de renda menor (50%), ou seja, de até R$ 1.000,00 (um mil reais). Verifica-se que a responsabilidade financeira pela manutenção da família aponta que 39% dos policiais identificam-se como os principais responsáveis pela manutenção da família na condição de maior contribuinte na composição de uma renda familiar dividida com outra pessoa. Cerca de 26% é inteiramente responsável; 29% dividem meio a meio as responsabilidades e apenas uma pequena parte (5%) tem restrita participação nas despesas. Se forem somados o índice de responsabilidade total mais o índice de responsabilidade predominante, chega-se ao resultado de 65%, cujos dados expressam a importância do trabalho policial na manutenção das famílias e dos dependentes dos pesquisados.
Na questão da escolha pelo emprego de policial militar (pergunta 2), observa-se que a metade dos respondentes (50%) pontuou haver algumas alternativas de emprego além da PM: obteve-se baixo índice para muitas alternativas (5%), apenas uma outra alternativa (18%), e apenas esta alternativa de emprego com 26%. Esses dados sugerem que há um equilíbrio entre aqueles que escolhem a PMBA como opção preferencial e aqueles que a escolhem em função de não existir outras possibilidades disponíveis no mercado.
Certo equilíbrio foi percebido também na pergunta 3, em que 53% dos policiais acharam fácil ingressar na PM, enquanto as faixas “difícil” e “muito difícil” somaram 45%. Expressiva maioria (71%) na questão seguinte admite a dificuldade de se conseguir outro emprego fora da PMBA, o que de algum modo influi em maior valorização do emprego de policial militar, seja por gostar, seja por necessidade de preservá-lo. Percebe-se também o conhecimento acerca do cenário de dificuldades de emprego no mercado de trabalho.
A quinta pergunta parece reforçar indiretamente a anterior, uma vez que 74% admitem não possuir atividade alternativa à PM. Esta questão pode transparecer relativo receio quanto a ser considerada uma eventual existência de atividade alternativa por parte dos respondentes. Isto envolveria principalmente o estrato de praças, pois é do conhecimento geral que número considerável dos policiais militares nessa classe possui um trabalho complementar conhecido como “bico”. Como este serviço paralelo – que geralmente se desenvolve na área de segurança privada – não é bem visto pela classe diretiva, apesar de tolerado, os respondentes poderiam “mascarar” uma situação que não corresponderia à realidade, como forma de se resguardar de uma possível ameaça a essa condição. Haveria então a possibilidade do índice de respostas ao questionário não corresponder à realidade.
Através da pergunta n° 8 procurou-se determinar a percepção dos respondentes sobre fatores atinentes ao trabalho policial que traduzem valor e satisfação para quem o executa. São apresentados 11 (onze) itens que representam situações consideradas significativas para os policias militares. Através de uma escala de 5 (cinco) pontos, que varia de “sem importância” (1) até “alta importância”(5), procurou-se obter um grau de valor de forma a medir a intensidade da percepção pelo percentual de freqüência das respostas. Medidas descritivas tais como a média aritmética (X) e o desvio padrão (s) em relação à(s) média(s) também foram interpretados.
Foram consideradas nas aferições duas possibilidades: uma percepção do ideal, que expressa uma realidade adequada para o policial; e uma outra percepção, sobre o ele pensa que realmente existe.
ASPECTOS VALORIZADOS NO TRABALHO POLICIAL | |
A – | Ser bem remunerado pelo que faz |
B – | Ter um bom ambiente de trabalho com os colegas |
C – | Ter um emprego estável |
D – | Ter um bom serviço de assistência social na PMBA |
E – | Ter o seu trabalho reconhecido pelos superiores |
F – | Ter um trabalho útil à sociedade |
G – | Exercer o seu trabalho sem influência política |
H – | Ter um trabalho respeitado pelas pessoas em geral |
I – | Trabalhar com bons equipamentos e armamentos |
J – | Apresentar-se com um fardamento em boas condições |
L – | Dispor de Férias e Licenças quando for preciso |
(1) Sem importância; (2) Baixo; (3) Médio; (4) Bom; (5) Alto.
QUADRO: 3 – AVALIAÇÃO DE ASPECTOS VALORIZADOS NO TRABALHO POLICIAL CONSIDERANDO A OPINIÃO GERAL
TABELA 4 – AVALIAÇÃO DE ASPECTOS VALORIZADOS NO TRABALHO POLICIAL CONSIDERANDO A OPINIÃO GERAL
Ideal | Real | ||||||||||||||||
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | Total | Méd (x) | Desvio (s) | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | Total | Méd | Desvio (s) | ||
A | CIT | – | 1 | 1 | 10 | 26 | 38 | 4,6 | 0,68 | 5 | 19 | 9 | 4 | 1 | 38 | 2,4 | 0,95 |
F% | – | 2,6 | 2,6 | 26,3 | 68,4 | 100 | 13,2 | 50,0 | 23,7 | 10,5 | 2,6 | 100 | |||||
B | CIT | – | – | 1 | 13 | 24 | 38 | 4,6 | 0,55 | 2 | 3 | 11 | 18 | 4 | 38 | 3,5 | 0,98 |
F% | – | – | 2,6 | 34,2 | 63,2 | 100 | 5,3 | 7,9 | 28,9 | 47,4 | 10,5 | 100 | |||||
C | CIT | – | – | 3 | 8 | 27 | 38 | 4,6 | 0,63 | 1 | 4 | 10 | 8 | 15 | 38 | 3,8 | 1,15 |
F% | – | – | 7,9 | 21,1 | 71,1 | 100 | 2,6 | 10,5 | 26,3 | 21,1 | 39,5 | 100 | |||||
D | CIT | – | 2 | 1 | 7 | 28 | 38 | 4,6 | 0,79 | 4 | 15 | 12 | 5 | 2 | 38 | 2,6 | 1,02 |
F% | – | 5,3 | 2,6 | 18,4 | 73,7 | 100 | 10,5 | 39,5 | 31,6 | 13,2 | 5,3 | 100 | |||||
E | CIT | 1 | – | 3 | 11 | 23 | 38 | 4,4 | 0,86 | 3 | 15 | 8 | 7 | 5 | 38 | 2,9 | 1,20 |
F% | 2,6 | – | 7,9 | 28,9 | 60,5 | 100 | 7,9 | 39,5 | 21,1 | 18,4 | 13,2 | 100 | |||||
F | CIT | – | – | 2 | 7 | 29 | 38 | 4,7 | 0,57 | 2 | 7 | 7 | 11 | 11 | 38 | 3,6 | 1,24 |
F% | – | – | 5,3 | 18,4 | 76,3 | 100 | 5,3 | 18,4 | 18,4 | 28,9 | 28,9 | 100 | |||||
G | CIT | 5 | – | – | 4 | 29 | 38 | 4,4 | 1,36 | 5 | 12 | 9 | 4 | 8 | 38 | 2,9 | 1,35 |
F% | 13,2 | – | – | 10,5 | 76,3 | 100 | 13,2 | 31,6 | 23,7 | 10,5 | 21,1 | 100 | |||||
H | CIT | 1 | – | 2 | 4 | 31 | 38 | 4,7 | 0,81 | 6 | 13 | 14 | 3 | 2 | 38 | 2,5 | 1,03 |
F% | 2,6 | – | 5,3 | 10,5 | 81,6 | 100 | 15,8 | 34,2 | 36,8 | 7,9 | 5,3 | 100 | |||||
I | CIT | 1 | – | 1 | 1 | 35 | 38 | 4,8 | 0,73 | 7 | 14 | 14 | 2 | 1 | 38 | 2,4 | 0,94 |
F% | 2,6 | – | 2,6 | 2,6 | 92,1 | 100 | 18,4 | 36,8 | 36,8 | 5,3 | 2,6 | 100 | |||||
J | CIT | – | 1 | 1 | 6 | 30 | 38 | 4,7 | 0,65 | 4 | 6 | 14 | 12 | 2 | 38 | 3,1 | 1,06 |
F% | – | 2,6 | 2,6 | 15,8 | 78,9 | 100 | 10,5 | 15,8 | 36,8 | 31,6 | 5,3 | 100 | |||||
L | CIT | – | 1 | – | 9 | 28 | 38 | 4,7 | 0,62 | 2 | 5 | 11 | 17 | 3 | 38 | 3,4 | 1,00 |
F% | – | 2,6 | – | 23,7 | 73,7 | 100 | 5,3 | 13,2 | 28,9 | 44,7 | 7,9 | 100 |
De acordo com a tabela 4, todos os itens relativos à natureza ideal foram fortemente pontuados com o grau mais alto (5). O mais forte deles ficou definido como “trabalhar com bons equipamentos e armamentos” (92,1%), cuja média aritmética é de 4,8 (quatro vírgula oito), próxima ao grau máximo 5 (cinco); os itens “ter um trabalho respeitado pelas pessoas em geral” (81,6%) e “apresentar-se com um fardamento em boas condições” (78,9%) foram os mais pontuados depois do primeiro. Contrastando com a vontade idealizada expressa significativamente conforme visto, os seus contrapontos no campo do real, no mesmo grau 5 (cinco), perfazem 2,6%, 5,3% e 5,3%, respectivamente.
Estes indicativos expressam claramente uma preocupação com a melhoria da qualidade e segurança do trabalho, por intermédio do uso de melhores equipamentos e armamentos, um cuidado na sua apresentação pessoal como representante do poder público (melhor fardamento) e uma sensibilidade ao respeito das pessoas, em geral ao seu ofício. Os baixíssimos índices de importância no campo do real refletem a constatação de que o Estado e a organização não reproduzem a vontade dos respondentes naquilo que estes mais valorizam.
Podem ser citados outros aspectos mais apontados pelos policiais e pouco obtidos na realidade, tal como: “exercer o seu trabalho sem influência política” (76,3%), “ter um bom serviço de assistência social” (73,7%) e “dispor de férias e licenças quando necessário” (73,7%).
Um fato a destacar é que o item “ser bem remunerado pelo que faz”, apesar de bem pontuado (68,4%), mas sendo o antepenúltimo entre os 11 (onze) itens apresentados, pode ser interpretado que existem carências mais requeridas pelos policiais do que a remuneração salarial. Ressalte-se, porém, que o índice nessa opção da contrapartida do real é o mais baixo dentre todos (2,6%) em relação ao grau 5 (cinco), além de possuir a mais baixa média dentre todos os itens (2,4).
As tabelas 5, 6 e 7 representam o senso de valorização destacado ao trabalho naquilo que o ofício de polícia militar representa na vida dos respondentes.
Observaram-se as opiniões de todos os indivíduos, somente dos oficiais e, ainda, somente das praças. Tal separação objetiva interpretar a variável “patente” como diferenciadora da visão sobre a importância do trabalho na vida de cada classe. Através dos gráficos de evolução das séries pode-se acompanhar com mais clareza a disposição das freqüências.
TABELA 5 – AVALIAÇÃO DE IMPORTÂNCIA DO TRABALHO NA VIDA DOS RESPONDENTES CONSIDERANDO A OPINIÃO DE TODOS OS RESPONDENTES
Pergunta 9: Quão importante e significativo é o trabalho em sua vida global? | |||
Opções | Grau | CIT | F% |
Uma das coisas menos importantes na minha vida | 1 | 0 | – |
2 | 0 | – | |
De média importância na minha vida |
3 | 0 | – |
4 | 3 | 7,9 | |
5 | 4 | 10,5 | |
Uma das coisas mais importantes na minha vida | 6 | 10 | 26,3 |
7 | 21 | 55,3 | |
TOTAL | 38 | 100,0 |
1 2 3 4 5 6 7
Grau Geral
GRÁFICO 4: FREQÜÊNCIA DA INTENSIDADE DAS RESPOSTAS DA PERGUNTA 9 CONSIDERANDO A OPINIÃO GERAL
TABELA 6 – AVALIAÇÃO DE IMPORTÂNCIA DO TRABALHADOR NA VIDA DOS RESPONDENTES CONSIDERANDO A OPINIÃO DOS OFICIAIS
Pergunta 9: Quão importante e significativo é o trabalho em sua vida global? | |||
Opções | Grau | CIT | F& |
Uma das coisas menos importantes
na minha vida |
1 | 0 | – |
2 | 0 | – | |
De média importância na minha vida | 3 | 0 | – |
4 | 1 | 16,7 | |
5 | 0 | – | |
Uma das coisas mais importantes na
minha vida |
6 | 3 | 50,0 |
7 | 2 | 33,3 | |
TOTAL | 6 | 100,0 |
50,0
33,3
16,7
– – – –
1 2 3 4 5 6 7
Grau Oficiais
GRÁFICO 5: FREQÜÊNCIA DA INTENSIDADE DAS RESPOSTAS DA PERGUNTA 9 CONSIDERANDO A OPINIÃO DOS OFICIAIS
TABELA 7 – AVALIAÇÃO DE IMPORTÂNCIA DO TRABALHO NA VIDA DOS RESPONDENTES CONSIDERANDO A OPINIÃO DE PRAÇAS (SARGENTOS E SOLDADOS PM)
Pergunta 9: Quão importante e significativo é o trabalho em sua vida global? | |||
Opções | Grau | CIT | F% |
Uma das coisas
menos importantes na minha vida |
1 | 0 | – |
2 | 0 | – | |
De média importância na minha vida | 3 | 0 | – |
4 | 2 | 6,3 | |
5 | 4 | 12,5 | |
Uma das coisas mais importantes na minha vida | 6 | 7 | 21,9 |
7 | 19 | 59,4 | |
TOTAL | 32 | 100,0 |
59,4
21,9
12,5
– 6,3
– –
1 2 3 4 5 6 7
Grau Praças
GRÁFICO 6: FREQÜÊNCIA DA INTENSIDADE DAS RESPOSTAS DA PERGUNTA 9 CONSIDERANDO A OPINIÃO DAS PRAÇAS
Verificou-se expressiva freqüência no item “uma das coisas mais importantes na minha vida”, constituído pelos graus 6 e 7, tanto na opinião geral (81,6%) quanto na dos oficiais (83,3%) e classe das praças (81,3%), havendo um equilíbrio entre as citações.
Os respondentes demonstraram significativa importância ao fator trabalho como parte da sua existência, emprestando esse valor ao trabalho policial que desenvolvem na organização Polícia Militar da Bahia.
A próxima tabela indica o sentimento do desgaste físico e mental experimentado pelos trabalhadores policiais militares durante a execução do seu trabalho. Por natureza, a atividade ostensiva é arriscada, cansativa e desgastante, face ao enfrentamento dos desvios e mazelas sociais, exemplificados na violência e criminalidade. Configuram-se de fundamental importância os temas vinculados à qualidade de vida no trabalho, pois inserem questões estreitamente ligadas ao desempenho organizacional.
Assinala-se que, de acordo com a tabela 8, o item “ter um bom serviço de assistência social” representa 73,7% no grau maior de importância (5) por manifesta opção dos pesquisados, enquanto que na realidade a percepção é de apenas 5,3 % no mesmo grau. Esta indicação expressa a não correspondência, pela organização, de ações que possam minimizar os fatores de degradação física e mental da atividade.
Foram obtidos os dados de todos os respondentes e das citações individualizadas por gênero, objetivando uma visão mais diferenciada dos policiais masculinos e femininos.
TABELA 8 – AVALIAÇÃO DO DESGASTE FÍSICO E PSICOLÓGICO SOFRIDO QUANTO À ATIVIDADE PROFISSIONAL NA OPINIÃO GERAL, DO GÊNERO MASCULINO E DO
GÊNERO FEMININO
Pergunta 10: Quanto à possibilidade de desgaste gerado pela natureza do seu trabalho de acordo com os tipos, assinale a
opção mais acentuada: |
|||||||
Tipo |
Opções |
Geral | Masculino | Feminino | |||
CIT | F% | CIT | F% | CIT | F% | ||
Desgaste Físico |
Alto desgaste | 11 | 28,9 | 9 | 36,0 | 2 | 15,4 |
Médio desgaste | 6 | 15,8 | 13 | 52,0 | 8 | 61,5 | |
Pouco desgaste | 21 | 55,3 | 3 | 12,0 | 3 | 23,1 | |
TOTAL | 38 | 100,0 | 25 | 100,0 | 13 | 100,0 | |
Desgaste Psicológico |
Alto desgaste | 16 | 42,1 | 12 | 48,0 | 5 | 38,5 |
Médio desgaste | 13 | 34,2 | 7 | 28,0 | 5 | 38,5 | |
Pouco desgaste | 9 | 23,7 | 6 | 24,0 | 3 | 23,1 | |
TOTAL | 38 | 100,0 | 25 | 100,0 | 13 | 100,0 |
Desgaste Físico
Alto desgaste Médio desgaste Pouco desgaste
GRÁFICO 7: FREQÜÊNCIA DA INTENSIDADE DO DESGASTE FÍSICO NA OPINIÃO GERAL, DO GÊNERO MASCULINO E DO GÊNERO FEMININO
Desgaste Psicológico
Alto desgaste Médio desgaste Pouco desgaste
GRÁFICO 8: FREQÜÊNCIA DA INTENSIDADE DO DESGASTE PSICOLÓGICO NA OPINIÃO GERAL, DO GÊNERO MASCULINO E DO GÊNERO FEMININO
Pelos dados obtidos observou-se que o desgaste físico foi classificado como “pouco” por 55,3% do universo pesquisado, seguido de “médio” (15,8%) e “alto” (28,9%), considerando-se que todos os indivíduos se manifestaram. Os policiais masculinos e femininos pontuaram mais um desgaste “médio” na atividade, perfazendo 52,0% e 61,5% respectivamente. A quantidade maior da faixa etária jovem, ainda com considerável vigor corporal, pode explicar a pouca expressão do desgaste físico. Normalmente a partir de certa faixa de idade, os policiais mais antigos são alçados a funções burocráticas na organização.
A existência do aspecto psicológico é mais preponderante entre os dois tipos de desgaste assinalados, sendo a opção “alto” evidenciada por todos os respondentes, correspondendo a 42,1%. No gênero masculino verificou-se maior freqüência (48%) que entre as mulheres (38,5%). Embora o grupo mais afetado tenha sido o masculino, observa-se uma considerada homogeneidade da afetação psicológica nos níveis da amostra em sua totalidade. Isso pressupõe que a natureza do trabalho policial seja reconhecidamente estressante de uma maneira geral.
A predominância do alto grau de efeitos psicológicos danosos ocasiona o estresse ocupacional, dando vez a doenças que precarizam o desempenho do operador de polícia em seu trabalho. Segundo Moraes et all (2000), o estresse é uma resposta do organismo a determinados estímulos estressores e atua na sua forma maléfica como uma inadaptação prolongada do indivíduo às exigências do ambiente. O estresse evolui paulatinamente até o desenvolvimento de sintomas como depressão, angústia, raiva, ansiedade, fadiga, chegando ao favorecimento de doenças mentais.
A tabela 9 resulta dos dados obtidos à pergunta n° 11, e possibilita verificar o espaço destinado ao trabalho policial na vida dos pesquisados, ressaltando a importância que essa área ocupa. A soma das pontuações deve constituir-se no valor 10, de modo a perceber, através dos pontos consignados, a proporcionalidade auferida pelas opções.
TABELA 9 – AVALIAÇÃO DA IMPORTÂNCIA DE ÁREAS DE ATIVIDADES NA VIDA PESSOAL DE CADA RESPONDENTE
Opções | Pontos | Méd (X) | |||||||
0 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | Tot | ||
Meu lazer (hobbies, esportes, recreação, amigos). | 1 | 17 | 16 | 3 | 1 | 0 | 0 | 38 | 1,63 |
Minha comunidade (grupos, associações, amigos) | 1 | 25 | 11 | 1 | 0 | 0 | 0 | 38 | 1,32 |
Meu trabalho | 0 | 8 | 16 | 12 | 0 | 2 | 0 | 38 | 2,26 |
Minha religião (atividades e crenças religiosas) | 3 | 18 | 11 | 3 | 3 | 0 | 0 | 38 |
1,61 |
Minha família | 0 | 2 | 8 | 13 | 10 | 4 | 1 | 38 | 3,18 |
TOTAL | 5 | 70 | 62 | 32 | 14 | 11 | 6 |
A tabela 9 confere a importância de determinadas áreas de atividades, incluindo o trabalho na vida do respondente. Dentre as opções apresentadas, solicitou-se ao pesquisado que oferecesse notas de 0 (zero) a 6 (seis) nas atividades de modo que a soma resultante se igualasse a 10 (dez). Para se aferir a intensidade de cada item, utilizou-se a média de dados agrupados, ponderando-se o grau das notas com as freqüências consignadas entre cada opção. Observou-se que a opção mais valorizada é a família (3,18), seguida do trabalho com 2,26 de média, o que atribui, mesmo na segunda colocação, significativo valor à atividade laboral, à frente do lazer, religião e envolvimento comunitário.
Através da questão 12 elaborou-se a tabela 10, que expressa as características pessoais e profissionais consideradas importantes para que um profissional realize melhor o seu trabalho.
Foram assinalados 3 (três) graus de valor, respectivamente “não valorizado”, “pouco valorizado” e “muito valorizado”, segundo aquilo que o respondente considera como ideal e o que pensa que é a realidade.
TABELA 10 – AVALIAÇÃO DE CARACTERÍSTICAS JULGADAS IMPORTANTES EM UM PROFISSIONAL DA POLÍCIA MILITAR CONSIDERANDO-SE A OPINIÃO GERAL
Item | Ideal | Real | |||||||
1 | 2 | 3 | Total | 1 | 2 | 3 | Total | ||
Escolaridade | CIT | 0 | 2 | 36 | 38 | 9 | 26 | 3 | 38 |
F% | – | 5,3 | 94,7 | 100,0 | 23,7 | 68,4 | 7,9 | 100,0 | |
Capacitação técnica | CIT | 0 | 5 | 33 | 38 | 13 | 23 | 2 | 38 |
F% | – | 13,2 | 86,8 | 100 | 34,2 | 60,5 | 5,3 | 100,0 | |
Motivação para o trabalho | CIT | 2 | 2 | 34 | 38 | 20 | 12 | 6 | 38 |
F% | 5,3 | 5,3 | 89,5 | 100 | 52,6 | 31,6 | 15,8 | 100,0 | |
Comprometimento com as metas da corporacão | CIT | 1 | 7 | 30 | 38 | 13 | 17 | 8 | 38 |
F% | 2,6 | 18,4 | 78,9 | 100 | 34,2 | 44,7 | 21,1 | 100,0 | |
Capacidade para solucionar problemas | CIT | 1 | 6 | 31 | 38 | 12 | 20 | 6 | 38 |
F% | 2,6 | 15,8 | 81,6 | 100 | 31,6 | 52,6 | 15,8 | 100,0 | |
Capacidade de aprender coisas novas | CIT | 1 | 8 | 29 | 38 | 15 | 17 | 6 | 38 |
F% | 2,6 | 21,1 | 76,3 | 100 | 39,5 | 44,7 | 15,8 | 100,0 | |
Desejo de crescer / ambição pessoal / auto-realização | CIT | 0 | 6 | 32 | 38 | 20 | 10 | 8 | 38 |
F% | – | 15,8 | 84,2 | 100 | 52,6 | 26,3 | 21,1 | 100,0 | |
Iniciativa / autonomia | CIT | 5 | 3 | 30 | 38 | 16 | 14 | 8 | 38 |
F% | 13,2 | 7,9 | 78,9 | 100 | 42,1 | 36,8 | 21,1 | 100,0 | |
Criatividade | CIT | 2 | 6 | 30 | 38 | 14 | 19 | 5 | 38 |
F% | 5,3 | 15,8 | 78,9 | 100 | 36,8 | 50,0 | 13,2 | 100,0 | |
Disciplina (cumprimento das regras e normas) | CIT | 2 | 4 | 32 | 38 | 7 | 15 | 16 | 38 |
F% | 5,3 | 10,5 | 84,2 | 100 | 18,4 | 39,5 | 42,1 | 100,0 | |
Lealdade | CIT | 2 | 1 | 35 | 38 | 10 | 15 | 13 | 38 |
F% | 5,3 | 2,6 | 92,1 | 100 | 26,3 | 39,5 | 34,2 | 100,0 | |
Obediência | CIT | 2 | 5 | 31 | 38 | 4 | 14 | 20 | 38 |
F% | 5,3 | 13,2 | 81,6 | 100 | 10,5 | 36,8 | 52,6 | 100,0 |
(1) Não valorizado; (2) Pouco valorizado; (3) Muito valorizado.
O item mais valorizado no grau máximo 3 (três) é a opção de “escolaridade” (94,7%), havendo uma contrapartida pequena de 7,9% pela organização no mesmo grau. Os aspectos referentes a: lealdade (92,1%), motivação para o trabalho (89,5%), capacitação técnica (86,8%), auto-realização (84,2%) e disciplina (84,2%) foram os mais seguidamente valorizados no grau 3, com menor expectativa de, respectivamente, 34,2%, 15,8%, 21,1% e 42,1%.
Os itens com menores disparidades entre o desejado e o real, também no grau 3 (três), são: obediência (81,6% e 52,6%) e disciplina (84,2% e 42,1%). Isto é explicável devido a estas opções serem componentes da estrutura militar típica dessa organização. É interessante notar que os policiais militares valorizam mais essas opções do que a própria organização. A contrapartida esperada da PMBA nesses itens é menor do que o valor dado pelos respondentes.
De maneira geral, percebe-se a falta de sincronia entre aquilo que é desejado e o que é verificado no trabalho real. A organização, aos olhos dos policiais, aparenta não refletir os seus desejos e necessidades.
A tabela 11 revela os dados coletados através da pergunta número 13
(treze).
Dentro de um ambiente organizacional, os indivíduos são submetidos a
formas de pressão que podem provocar situações de estresse, desconforto e crescente inadaptação ao trabalho desempenhado. A identificação e o estudo das fontes de pressão contribuem para melhorar o desempenho dos policiais, articulando ações para minimizá-las, quando não for possível eliminá-las.
Os itens referentes às fontes de pressão, constantes na tabela 11, foram obtidos com base em um questionário elaborado por Moraes et all. (2000), fundamentados em um relatório de pesquisa sobre uma instituição militar no Estado de Minas Gerais, no ano de 2000. Foram acrescidos, por este mestrando, os itens “G” (predominância do “R-Quero”) e “I” (estrutura hierárquica militarizada) acreditando serem estes aspectos fontes de pressão também existentes na polícia militar baiana.
A expressão “R-Quero” indica uma imposição da vontade do superior hierárquico ao subordinado, sem lastro de justificativa plausível que ampare ou justifique uma ação mandada. O termo faz uma analogia aos regulamentos do Exército Brasileiro, adotados pelas polícias militares que sempre começavam pelo
prefixo “R”. A vontade do superior seria imposta e tida como um regramento a ponto de não permitir uma ponderação.
Adotou-se uma escala de variação de 1 (um) a 4 (quatro), na busca de registrar, através das respostas colhidas, a intensidade da variável em análise na amostra pesquisada. No quadro atinente às respostas de todo o grupo indistintamente (opinião geral), verificou-se as medidas descritivas: média aritmética
- e desvio padrão (s).
TABELA 11 – AVALIAÇAO DA INTENSIDADE DAS FONTES DE PRESSÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO CONSIDERANDO-SE A OPINIÃO GERAL
OPINIÃO GERAL | Grau | Média (X) | Desvio (s) | |||||
1 | 2 | 3 | 4 | Total | ||||
A | CIT | 6 | 6 | 16 | 10 | 38 | 2,8 | 1,02 |
F% | 15,8 | 15,8 | 42,1 | 26,3 | 100 | |||
B | CIT | 7 | 15 | 10 | 6 | 38 | 2,4 | 0,97 |
F% | 18,4 | 39,5 | 26,3 | 15,8 | 100 | |||
C | CIT | 8 | 11 | 11 | 8 | 38 | 2,5 | 1,06 |
F% | 21,1 | 28,9 | 28,9 | 21,1 | 100 | |||
D | CIT | 10 | 8 | 10 | 10 | 38 | 2,5 | 1,16 |
F% | 26,3 | 21,1 | 26,3 | 26,3 | 100 | |||
E | CIT | 3 | 7 | 10 | 18 | 38 | 3,1 | 0,99 |
F% | 7,9 | 18,4 | 26,3 | 47,4 | 100 | |||
F | CIT | 8 | 4 | 15 | 11 | 38 | 2,8 | 1,10 |
F% | 21,1 | 10,5 | 39,5 | 28,9 | 100 | |||
G |
CIT | 10 | 3 | 8 | 17 | 38 | 2,8 | 1,26 |
F% | 26,3 | 7,9 | 21,1 | 44,7 | 100 | |||
H | CIT | 3 | 9 | 8 | 18 | 38 | 3,1 | 1,02 |
F% | 7,9 | 23,7 | 21,1 | 47,4 | 100 | |||
I | CIT | 5 | 6 | 11 | 16 | 38 | 3,0 | 1,07 |
F% | 13,2 | 15,8 | 28,9 | 42,1 | 100 |
- Carga de trabalho; (B) Inter-relacionamento; (C) Equilíbrio entre vida pessoal e profissional; (D) Papel de Comando ou Chefia; (E) Responsabilidade Pessoal; (F) Exigências do ambiente de trabalho; (G) Predominância do “R-Quero” (Imposição da vontade do superior sem explicação ou justificativa); (H) Falta de possibilidades de crescimento; (I) Estrutura Hierárquica Militarizada
De acordo com o demonstrado na tabela 11, que reflete a opinião geral dos respondentes, levando-se em conta o grau mais alto de afetação (4), as fontes de pressão mais contundentes são: “Responsabilidade Pessoal” (47,4%), “Falta de possibilidades de crescimento” (47,4%), “Predominância do R-Quero” (44,7%).
O papel de agente público na função de policial militar incorporando suas atribuições projeta uma significativa carga de responsabilidade sobre todos os pesquisados, conferindo-lhes forte pressão durante a execução do seu trabalho. Esse papel comporta uma expectativa sobre o que as pessoas em geral esperam dele, pois o policial identifica-se como um modelo a ser seguido. Esse modelo idealiza uma representação institucional (o uso da farda exterioriza esse emblema) e simultaneamente exemplifica um padrão comportamental que deve ser seguido à risca.
A falta de possibilidades de crescimento, fator que pressiona mais as praças do que os oficiais, revela uma preocupação na carreira que, em sua extensão, é pontuada por patentes consecutivas que necessitam de injunções e procedimentos nem sempre dispostos e possíveis para todos. Um número considerável de praças permanece na condição de soldado e sargento por todo o tempo de trabalho, trinta anos ou mais. No caso dos oficiais, o critério de antiguidade nas promoções, mesmo sendo mais demorado na ascensão profissional, ocorre paulatinamente.
A terceira maior fonte de pressão, o predomínio do “R-Quero”, relaciona- se com a questão da hierarquia pautada no militarismo exarcebado e ela amplia o conceito de autoridade de modo eminentemente coercitivo, típico das organizações militares. Obedecer a ordens, em qualquer organização, é um procedimento normal e necessário para a assunção de responsabilidades e delegação das tarefas para fazer fluir o curso do trabalho. No caso específico da PMBA, uma ordem no feitio do “R-Quero” representa mais uma condição de sujeição pessoal e de mando sem amparo da lei.
A tabela 12, a seguir, informa as opiniões por patente (oficial x praça).
TABELA 12 – AVALIAÇÃO DA INTENSIDADE DAS FONTES DE PRESSÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO CONSIDERANDO A PATENTE
OPINIÃO DOS OFICIAIS | Grau | OPINIÃO DAS PRAÇAS | Grau | ||||||||||
1 | 2 | 3 | 4 | Total | 1 | 2 | 3 | 4 | Total | ||||
A | CIT | 0 | 0 | 4 | 2 | 6 | A | CIT | 6 | 6 | 12 | 8 | 32 |
F% | – | – | 66,7 | 33,3 | 100 | F% | 18,8 | 18,8 | 37,5 | 25,0 | 100 | ||
B | CIT | 0 | 4 | 1 | 1 | 6 | B | CIT | 7 | 11 | 9 | 5 | 32 |
F% | – | 66,7 | 16,7 | 16,7 | 100 | F% | 21,9 | 34,4 | 28,1 | 15,6 | 100 | ||
C | CIT | 0 | 2 | 2 | 2 | 6 | C | CIT | 8 | 9 | 9 | 6 | 32 |
F% | – | 33,3 | 33,3 | 33,3 | 100 | F% | 25,0 | 28,1 | 28,1 | 18,8 | 100 | ||
D | CIT | 0 | 1 | 2 | 3 | 6 | D | CIT | 10 | 7 | 9 | 6 | 32 |
F% | – | 16,7 | 33,3 | 50,0 | 100 | F% | 31,3 | 21,9 | 28,1 | 18,8 | 100 | ||
E | CIT | 0 | 0 | 4 | 2 | 6 | E | CIT | 3 | 7 | 6 | 16 | 32 |
F% | – | – | 66,7 | 33,3 | 100 | F% | 9,4 | 21,9 | 18,8 | 50,0 | 100 | ||
F | CIT | 0 | 0 | 5 | 1 | 6 | F | CIT | 9 | 4 | 10 | 9 | 32 |
F% | – | – | 83,3 | 16,7 | 100 | F% | 28,1 | 12,5 | 31,3 | 28,1 | 100 | ||
G | CIT | 2 | 1 | 1 | 2 | 6 | G | CIT | 8 | 2 | 7 | 15 | 32 |
F% | 33,3 | 16,7 | 16,7 | 33,3 | 100 | F% | 25,0 | 6,3 | 21,9 | 46,9 | 100 | ||
H | CIT | 1 | 2 | 1 | 2 | 6 | H | CIT | 2 | 7 | 7 | 16 | 32 |
F% | 16,7 | 33,3 | 16,7 | 33,3 | 100 | F% | 6,3 | 21,9 | 21,9 | 50,0 | 100 | ||
I | CIT | 2 | 1 | 2 | 1 | 6 | I | CIT | 3 | 5 | 9 | 15 | 32 |
F% | 33,3 | 16,7 | 33,3 | 16,7 | 100 | F% | 9,4 | 15,6 | 28,1 | 46,9 | 100 |
O maior aspecto de pressão para os oficiais decorre da opção “papel de comando ou chefia” (50%), visto que todos os oficiais assumem posições diretivas dentro da unidade, revelando-se, na tipicidade da classe, fonte de preocupação e estresse. O fator de responsabilidade pessoal também se encontra fortemente representado, correspondendo a 33,3% no nível 4 (quatro) e 66,7% no nível 3 (três), ou seja, esta opção perfaz 100% das opiniões entre média e alta pressão. Diferentemente dos oficiais, o fator de pressão mais presente nas praças, no nível 4 (quatro) são as opções “responsabilidade pessoal” (50%), “falta de possibilidades de crescimento” (50%), “predominância do R-Quero” (46,9%) e “estrutura hierárquica militarizada” (46,9%). Essas pontuações, devido ao maior efetivo das praças, consolidam de maneira forte esses itens como os mais freqüentes no quadro geral.
Sendo o grupo mais submetido à ação de ordenamento disciplinar, devido à sua posição na pirâmide hierárquica da organização, além de representar a linha de frente da ação operacional ostensiva típica, tornando-a mais exposta aos problemas internos e externos, a classe das praças (sargentos e soldados) é a mais pressionada no conjunto das fontes de pressão do trabalho policial.
Vale destacar uma singularidade: a opção “estrutura hierárquica militarizada”, dentro da visão dos praças, nos graus 3 (três) e 4 (quatro), soma 75% como significativa de fonte de pressão. Observando a tabela 12, anterior, ligada a características valorizadas no trabalho, os itens “disciplina”, “lealdade” e “obediência” foram destacados como condições valorativas no ofício de polícia (84,2%, 92,1% e 81,6%, respectivamente no grau maior). Pode-se interpretar que essas características estão vinculadas estreitamente ao conceito de hierarquia e autoridade, tidos como fontes de pressão relevantes na tabela 12, atinentes à classe dos praças, o que se constituiria um paradoxo.
Observando essa contradição, infere-se que, apesar do destaque desses aspectos pelos soldados e sargentos, a forma como a estrutura hierárquica militarizada é disposta manifesta desconforto no trabalho policial. Os praças avaliam que esses itens, mesmo sendo valorizados por eles, são desenvolvidos de forma autoritária e opressiva certamente pelos seus superiores. Esta afirmação consolida- se com o fato do item “R-Quero” ser igualmente bem votado paralelamente.
TABELA 13 – AVALIAÇÃO DA INTENSIDADE DAS FONTES DE PRESSÃO NO AMBIENTE DE TRABALHO CONSIDERANDO O GÊNERO
OPINIÃO DO MASCULINO | Grau | OPINIÃO DO FEMININO | Grau | ||||||||||
1 | 2 | 3 | 4 | Total | 1 | 2 | 3 | 4 | Total | ||||
A | CIT | 5 | 3 | 11 | 6 | 25 | A | CIT | 1 | 3 | 5 | 4 | 13 |
F% | 20,0 | 12,0 | 44,0 | 24,0 | 100 | F% | 7,7 | 23,1 | 38,5 | 30,8 | 100 | ||
B | CIT | 4 | 9 | 7 | 5 | 25 | B | CIT | 3 | 6 | 3 | 1 | 13 |
F% | 16,0 | 36,0 | 28,0 | 20,0 | 100 | F% | 23,1 | 46,2 | 23,1 | 7,7 | 100 | ||
C | CIT | 5 | 6 | 8 | 6 | 25 | C | CIT | 3 | 5 | 3 | 2 | 13 |
F% | 20,0 | 24,0 | 32,0 | 24,0 | 100 | F% | 23,1 | 38,5 | 23,1 | 15,4 | 100 | ||
D | CIT | 6 | 4 | 8 | 7 | 25 | D | CIT | 4 | 4 | 3 | 2 | 13 |
F% | 24,0 | 16,0 | 32,0 | 28,0 | 100 | F% | 30,8 | 30,8 | 23,1 | 15,4 | 100 | ||
E | CIT | 2 | 4 | 7 | 12 | 25 | E | CIT | 1 | 3 | 3 | 6 | 13 |
F% | 8,0 | 16,0 | 28,0 | 48,0 | 100 | F% | 7,7 | 23,1 | 23,1 | 46,2 | 100 | ||
F | CIT | 7 | 1 | 9 | 8 | 25 | F | CIT | 2 | 3 | 6 | 2 | 13 |
F% | 28,0 | 4,0 | 36,0 | 32,0 | 100 | F% | 15,4 | 23,1 | 46,2 | 15,4 | 100 | ||
G | CIT | 6 | 3 | 6 | 10 | 25 | G | CIT | 4 | 0 | 2 | 7 | 13 |
F% | 24,0 | 12,0 | 24,0 | 40,0 | 100 | F% | 30,8 | – | 15,4 | 53,8 | 100 | ||
H | CIT | 2 | 7 | 6 | 10 | 25 | H | CIT | 1 | 2 | 2 | 8 | 13 |
F% | 8,0 | 28,0 | 24,0 | 40,0 | 100 | F% | 7,7 | 15,4 | 15,4 | 61,5 | 100 | ||
I | CIT | 3 | 4 | 10 | 8 | 25 | I | CIT | 2 | 2 | 1 | 8 | 13 |
F% | 12,0 | 16,0 | 40,0 | 32,0 | 100 | F% | 15,4 | 15,4 | 7,7 | 61,5 | 100 |
De acordo com a tabela 13, que expressa as opiniões por gênero, percebe-se que no efetivo masculino o fator “responsabilidade pessoal” continua sendo a opção mais votada (48%), seguida de “predominância do R-Quero” (40%) e “falta de possibilidades de crescimento” (40%), considerando-se o item 4 (quatro) como o de maior pressão.
As opiniões dos policiais femininos diferem quanto ao enfoque na percepção considerada do mesmo grau. O item “falta de possibilidades de crescimento” e “estrutura hierárquica militarizada” respondem com a freqüência de 61,5% cada, seguido por “predominância do R-Quero”, com 53,8%.
As fontes de pressão atingem com mais contundência a classe das mulheres, sendo elas responsáveis pelas maiores freqüências dentre as mais significativas obtidas nas pesquisas no grau “alto”. A impressão é que, por serem do gênero feminino, são mais susceptíveis a barreiras quanto ao crescimento profissional, são mais afetadas pela estrutura de mando hierárquica e são mais atingidas pela coerção autoritária dos superiores realizada possivelmente nas diversas formas de intimidação e assédio. Moraes et all (2000) afirmam que os homens tendem a atingir uma melhor qualidade de vida no trabalho que as mulheres e que sempre obtiveram escores significativamente superiores quanto a isto. Adicione-se também o fato da PMBA ser por tradição uma organização predominantemente masculina e reproduzir mais intensamente o preconceito existente na sociedade em geral contra as mulheres.
As menores fontes de pressão apontadas são: pelos homens, “inter- relacionamento” (20,0%) e, pelas mulheres, “equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, “papel de comando ou chefia” e “exigências do ambiente do trabalho”, todas as opções com 15,4%, obtidas pela menor freqüência no grau 4 (quatro).
A décima quarta questão avalia o grau de concordância quanto a uma satisfação do policial militar para com o seu trabalho e para com a organização, baseado na pontuação de frases que expressam essa significação.
TABELA 14 – AVALIAÇÃO DA CONCORDÂNCIA OU DISCORDÂNCIA SOBRE FRASES ATINENTES À REALIDADE DO TRABALHO POLICIAL CONSIDERANDO A OPINIÃO
GERAL
Frases | Grau | ||||
1 | 2 | 3 | Total | ||
Sente-se orgulhoso dizendo às pessoas que trabalha na PMBA | CIT | 9 | 14 | 15 | 38 |
F% | 23,7 | 36,8 | 39,5 | 100,0 | |
Você se considera feliz trabalhando na Policia Militar | CIT | 7 | 11 | 20 | 38 |
F% | 18,4 | 28,9 | 52,6 | 100,0 | |
Pretende permanecer na PMBA até se aposentar | CIT | 13 | 5 | 20 | 38 |
F% | 34,2 | 13,2 | 52,6 | 100,0 | |
Hoje você está na PM mais por que precisa do que quer | CIT | 12 | 15 | 11 | 38 |
F% | 31,6 | 39,5 | 28,9 | 100,0 | |
Acha suas idéias parecidas com as idéias defendidas pela PM | CIT | 23 | 11 | 4 | 38 |
F% | 60,5 | 28,9 | 10,5 | 100,0 | |
A Policia Militar estimula você a trabalhar cada vez melhor | CIT | 24 | 10 | 4 | 38 |
F% | 63,2 | 26,3 | 10,5 | 100,0 | |
Você se sente muito integrado à Policia Militar | CIT | 14 | 13 | 11 | 38 |
F% | 36,8 | 34,2 | 28,9 | 100,0 | |
Sente o dia de trabalho se arrastando como se nunca fosse acabar | CIT | 20 | 10 | 8 | 38 |
F% | 52,6 | 26,3 | 21,1 | 100,0 | |
Você pensa no seu trabalho mesmo quando não está trabalhando | CIT | 11 | 5 | 22 | 38 |
F% | 28,9 | 13,2 | 57,9 | 100,0 | |
O seu trabalho é uma das fontes principais de satisfação | CIT | 17 | 13 | 8 | 8 |
F% | 44,7 | 34,2 | 21,1 | 100,0 |
- Não concordo; (2) Não concordo nem discordo; (3)
Os índices de concordância considerados no grau mais alto da escala adotada (3) são referentes às frases: “você pensa no seu trabalho mesmo quando não está trabalhando” (57,9%), “você se considera feliz trabalhando na polícia militar” (52,6%) e “você pretende permanecer na PMBA até se aposentar” (52,6%). Existe ainda, como referencial positivo, “sente-se orgulhoso dizendo às pessoas que trabalha na PMBA” (39,5%).
Os temas mais discordantes foram: “a polícia militar estimula você a trabalhar cada vez melhor” (63,2%), “acha suas idéias parecidas com as idéias defendidas pela PM” (60,5%) e “sente o dia se arrastando como se não fosse nunca acabar” (52,6%). O conflito entre as questões transversais indica uma satisfação
para com o sentimento de pertencimento à polícia militar (felicidade, orgulho e estabilidade), porém demonstra uma insatisfação em relação à contrapartida organizacional. Para os respondentes, considerando o grau de discordância, a PMBA não motiva os componentes a trabalhar melhor (63,2% acreditam); existe um perceptível desacordo entre o que o policial acredita e o que é percebido nas idéias disseminadas entre os PM (apenas 10,5% concordam com a similaridade) e o trabalho se apresenta como desconfortável durante a sua execução (52,6%). Acrescente-se também que 44,7% não concordam que o trabalho seja sua fonte principal de satisfação.
Presume-se, ante o paradoxo encontrado, maior insatisfação relativa aos aspectos da organização em si do que com o trabalho policial propriamente dito. Os fatores organizacionais dificultam o ajustamento dos policiais ao trabalho e, pelo que foi demonstrado, contribuem para a precarização do ofício.
A tabela 15 avalia o sentimento de valorização percebido pelos respondentes no que tange a uma resposta da sociedade ao trabalho policial.
TABELA 15 – AVALIAÇÃO DA PERCEPÇÃO DO VALOR DISPENSADO PELA SOCIEDADE AO TRABALHO POLICIAL CONSIDERANDO A OPINIÃO GERAL
15. Com relação ao valor que você acha a sociedade dispensa ao trabalho da Polícia Militar indique o grau de
valorização: |
||
Opções | CIT | F% |
Ótimo | 0 | 0,0 |
Bom | 7 | 18,4 |
Regular | 21 | 55,3 |
Ruim | 10 | 26,3 |
TOTAL | 38 | 100,0 |
26,3%
0,0%
18,4%
55,3%
GRÁFICO 9: INTENSIDADE DE FREQÜÊNCIA RELATIVA À VALORIZAÇÃO DISPENSADA PELA SOCIEDADE AO TRABALHO POLICIAL NA OPINIÃO GERAL
O maior número de citações correspondeu ao grau “regular” (55,3%) na opinião do senso de valor dado pela sociedade ao trabalho policial. Em seguida, com 26,3% atribui-se como “ruim” a percepção obtida; “bom” com 18,4%, e nenhuma citação como “ótima”.
O grau “regular”, mais afirmado, revela uma incerteza quanto à visão positiva dos cidadãos quanto ao trabalho desenvolvido pelos operadores de polícia militar. Apesar de considerar seu trabalho importante, o policial julga que não recebe uma retribuição à altura do que desenvolve: seja por se achar injustiçado naquilo que oferece, seja por achar que o trabalho que realiza não corresponde adequadamente ao que a sociedade necessita, e que, por isso, ela não o tem como valioso.
Essa última referência pode estimular o operador a perceber que a resposta do trabalho policial não é aquela que os cidadãos realmente demandam.
Incluímos nesta pergunta um campo com linhas em branco para que os respondentes expressassem a sua opinião, através qual se pôde analisar uma melhor representação do que é percebido na relação: trabalho policial x expectativa da sociedade.
De uma maneira geral observaram-se 2 (dois) tipos de percepção:
- Postura da sociedade na forma de incompreensão e certa discriminação à atividade, conforme uma parte os depoimentos abaixo:
A sociedade dá muita ênfase aos fatos negativos envolvendo a PM e pouquíssima aos fatos positivos. (Respondente A)
A sociedade ainda discrimina a PM. (B)
Todos necessitam da PM, por isto deveriam valorizar mais. (C)
O povo só dá valor à PM quando está precisando. (D)
Por mais que a PM desempenhe a sua função de forma correta, nunca é valorizada como deveria. (E)”
Nem tão perto que incomode, nem tão longe que sinta falta. Se o governo não valoriza, a sociedade vai valorizar? (F)
Por que precisa ter mais conscientização da importância da polícia para a sociedade. (G)
- Percepção de crítica à própria organização e do comportamento dos colegas, de acordo com os depoimentos:
A Polícia Militar não está preparada para lidar com a sociedade civil. (H)
É necessário um processo de profissionalização mais progressivo e constante. (I)
Não estão satisfeitos pois a sociedade merece uma polícia melhor. (J)
Existem divergências dos membros da sociedade em relação à valorização da PM por conta de atitudes indecisas de algum policial. (L)
O valor vem de dentro para fora e não de fora para dentro. (M)
Poderíamos ser mais reconhecidos, porém, alguns PM distorcem o nosso verdadeiro trabalho. (N)
Por não confiar devido aos erros de alguns colegas, independente da hierarquia. (A)
A maior parte das opiniões ainda expressa uma condição de ter o seu trabalho ainda pouco prestigiado pela comunidade, porém já se percebe por parte dos pesquisados o reclame de uma revisão dos métodos de atuação da organização para agregar valor, e, a partir daí, obter o reconhecimento externo.
Interessante destacar que todas as opiniões atinentes ao item 2 (dois) que levantam as questões relativas às situações internas da PM como causadoras de uma aparente percepção de injustiça quanto ao trabalho policial são oriundas da classe das praças. Percebe-se nesse estrato a existência de um maior teor de criticidade quanto à organização, além de uma clara expectativa de mudança interna para aprimorar o serviço prestado para, a partir daí, obter um melhor conceito da sociedade.
Assim, o que se pôde perceber no trabalho de pesquisa apresentado neste capítulo é uma perceptível dissociação e um descompasso entre o desejado pelos respondentes da 47ª CIPM quanto aos aspectos de satisfação, responsabilidade, valores, comprometimento, identificação e impacto das diversas fontes de pressão no trabalho e o que é percebido como existente na organização em que os pesquisados se inserem.
Apesar dos sentimentos de orgulho e da vontade em permanecer na Polícia Militar nota-se um antagonismo entre o que se deseja (e idealiza) e o que se imagina na contrapartida organizacional.
Em Considerações Finais, a seguir, será descrita uma conclusão mais consolidada sobre os resultados obtidos neste capítulo.
Ao final do século XX, verificou-se expressivo aumento dos problemas relativos ao atendimento das questões sociais. Situações como violência, exclusão social, agressões ao meio ambiente e conflitos étnicos tornaram–se temas de natureza global, ocasionados pelo “[…] declínio dos valores e […] o crescimento de uma sociedade extremamente individualista” (SANTOS, 2004 apud HOBSBAWN, 2000, p. 136).
A questão do trabalho, igualmente nesse período, torna-se complexa face à deterioração da relação tripartite entre o modo capitalista, os trabalhadores e o exercício pragmático e desconfortável do próprio trabalho. A abordagem histórica sobre o conceito das relações de trabalho indica uma estreita ligação com a idéia do uso e exploração dos segmentos produtivos com vistas a formar, sustentar e aumentar o poderio do caráter capitalista de produção.
Braverman destaca a existência de uma classe de trabalhadores cognominada de “camadas médias” (BRAVERMAN, 1974, p. 341) em que a força de produção realiza-se através de determinados serviços alocados ao sistema capitalista. Esses serviços são desempenhados, não por intermédio do fabrico puro e simples de manufaturas ou bens de qualquer natureza, mas da venda da capacidade de trabalho, fundada no modelo de especialização administrativa em gerenciar processos e pessoas.
Ainda sob a apreciação de Braverman, nesta categoria encontram-se incluídos empregados ocupados em mercadejamento, técnicos, supervisores, administradores e funcionários do poder público em geral. Estes grupos dispõem de sua capacidade de trabalho para representar e administrar instâncias de poder superiores, à maneira de uma delegação de autoridade e responsabilidade adquirida.
Acredita-se que os policiais militares enquadram-se neste modelo, por possuírem, legalmente prescrita, a incumbência de demonstrar a representatividade da entidade estatal por meio da atuação de domínio, controle e intervenção nas questões vinculadas à segurança pública. A utilização do potencial de trabalho dos policiais militares do Estado da Bahia encontra ressonância na garantia e
asseguramento de um projeto de dominação hegemônica, consubstanciado em uma política ideológica construída com tal finalidade.
Procura-se demonstrar, neste trabalho, que as características inerentes ao trabalho policial, na sua atuação ostensiva regular, a qual compreende o policiamento realizado a pé, motorizado e através de serviço em postos policiais fixos, contribuem para estabelecer desconforto, estresse, insatisfação, além de estimular, frente às suas relações internas, desmotivação na prática do ofício de polícia.
O trabalho resultante da pesquisa bibliográfica procurou demonstrar que o trabalho policial, em sua evolução histórica, foi apropriado pelo Estado como instrumento de força para manutenção do contexto político e dos sistemas de governo então oportunizados. Evidenciou-se, ademais, que existem três espaços de afetação sobre o desenvolvimento do trabalho policial: a dimensão institucional, que estipula o modus político e ideológico como o ofício de polícia se realizará; o modelo organizacional, que determina, através da sua expressão, o desenvolvimento pessoal do operador do policiamento ostensivo na sua labuta; e o aspecto da própria natureza da profissão, muito desgastante e manifestamente opressivo.
Efetuou-se uma pesquisa estatística pela aplicação de questionários descritivo-analíticos numa unidade policial que representasse, da melhor maneira possível, o objeto do trabalho realizado. Uma análise dos dados obtidos foi elaborada com a finalidade de amparar as hipóteses levantadas.
O estudo de caso privilegiou a unidade policial militar Quadragésima Sétima Companhia Independente da Polícia Militar – 47ª CIPM, localizada no Centro Administrativo da Bahia, na cidade do Salvador, a qual exerce o policiamento motorizado, a pé e em postos policiais nas áreas do Centro Administrativo da Bahia e em toda a extensão da Avenida Paralela.
Constatou-se, na pesquisa aplicada, que persiste um desajuste entre o pensamento individual e a ação sistêmica derivada da ação organizacional percebida junto a 47 ª CIPM, mas que se podem inferir os seus resultados à própria Polícia Militar e, em determinados pontos, estender a interpretação ao próprio Estado, uma vez que as afetações são oriundas de um caráter abrangente e não necessariamente específico como a unidade em análise. Assim, pode-se concluir que:
- O fator trabalho considerado pelos policiais militares é significativo na vida desses operadores, com demonstração de maior importância à questão do ofício de polícia e ao senso de pertencimento à organização Polícia Militar da Bahia (felicidade, orgulho e estabilidade);
- Existe um evidente descompasso entre o que é percebido e desejado pelos integrantes da PMBA naquilo que consideram como as condições ideais de trabalho no tocante a equipamentos, materiais, salário satisfatório e outros. Na organização, não subsistem critérios definidos para valorização de características profissionais consideradas essenciais ao policial militar, tais como: comprometimento, satisfação, capacitação e, destacadamente, motivação para o desempenho das tarefas de policiamento;
- Os fatores disciplina e obediência são apontados como relevantes e indispensáveis em uma instituição militar estadual, porém, a exacerbação e uso do caráter humilhante e intimidatório, deformações do militarismo, revelam-se como problemas que interferem no trabalho policial;
- O trabalho policial incorpora inúmeras fontes de pressão derivadas das afetações institucionais, da organização propriamente dita e da natureza profissional típica do ofício de polícia. Segundo a pesquisa, as fontes de pressão mais contundentes entre oficiais e praças, de modo geral, são: o peso da responsabilidade pessoal, enquanto agente público de mantenedor da ordem; a percepção da falta de perspectivas de progressão funcional e a predominância do “R-Quero”, os quais traduzem a deformação dos conceitos de hierarquia e disciplina sofridos pelos policiais A classe das praças, por estar submetida a um regramento disciplinar maior, encontra-se mais atingida, enquanto que os oficiais apresentam maior pressão devido à assunção do papel de comando e chefia, fato típico deste segmento. A classe dos policiais do sexo feminino revela-se mais susceptível a empecilhos quanto ao crescimento profissional e sofre mais quanto à estrutura de mando hierárquico, originário de um espectro autoritário do ordenamento disciplinar mal aplicado;
- O desgaste profissional, oriundo da condição psicológica devido às diversas fontes de pressão, atua como fator determinante do estresse e da
depreciação da qualidade de vida do trabalhador policial militar. Aspectos da estrutura organizacional atuam com mais ofensividade que o contexto do trabalho em seu dia-a-dia. Conforme Moraes et all. (2000, p. 24), “[…] a permanência de estímulos estressores no ambiente de trabalho, problema restrito à competência do trabalho, expõe o trabalhador a um estresse permanente e crônico.” O desgaste físico decorrente do exercício da atividade policial foi pouco considerado pelos respondentes da pesquisa.
Existe uma percepção dos pesquisados a respeito da pouca aceitabilidade da sociedade como um todo quanto ao trabalho policial. Ele ainda se constitui como não adequado ao que se propõe: servir e proteger pessoas, garantir direitos e emblematizar o espírito comunitário em sua representação. A imagem do aparelho policial militar ostensivo ainda se encontra fortemente associada, inclusive pelos próprios policiais, a um instrumento apropriado pelo Estado na sustentação do seu poder.
Sendo assim, conclui-se que se fazem necessárias a idealização e a construção de um projeto que, além de debruçar-se sobre a apreciação, análise e estudo do trabalho policial tal qual ele é desenvolvido, promova a sua transformação.
Naquilo que compete ao Estado, entendemos que, através do aperfeiçoamento democrático das suas instituições, haverá a possibilidade da edificação de um trabalho policial mais justo, eficiente e compatível com as demandas requeridas pela comunidade. Dessa maneira, o ente estatal privilegiará a sua representação como construtora e mantenedora do processo coletivo de mudanças na ótica da segurança pública.
Sendo a Polícia Militar da Bahia uma forma de organização – e como outras organizações, estrutura-se e trabalha no cumprimento de seus objetivos – caberá uma revisão de aspectos estruturais, particularmente na sua cultura profissional, no sentido de proporcionar aos seus integrantes melhores possibilidades de trabalho, crescimento pessoal e profissional, de modo a atenuar a desgastante seara do ofício de policial. Segundo Moraes et all. (2000, p. 27), “[…] a satisfação no trabalho repercute diretamente nos níveis de qualidade do mesmo, o que se torna essencial em se tratando de segurança do cidadão.”
Algumas medidas já se fazem perceptíveis, como início de um viés de mudança na perspectiva do trabalho policial. O projeto de Polícia Comunitária é um deles. Sob tal propósito, objetiva-se implementar um compartilhamento na discussão e elaboração das ações de polícia ostensiva de modo local, tornando mais próximos comunidade e operador policial. Entretanto, observa-se que, a depender dos aspectos da priorização das políticas de cada mandato governamental, o poder público alterna a ênfase do projeto, ora acentuando, ora abandonando-o.
Outra importante expectativa trata da parceria entre instituições acadêmicas e a organização Polícia Militar para se estabelecer uma perspectiva enriquecedora na área de estudos e pesquisa em segurança pública, em que o trabalho policial encontra-se oportunamente inserido. Esse compartilhamento de vontades abrange ações de capacitação, troca de experiências e pesquisa na área da gestão da organização policial, destacando-se apropriadamente uma dimensão mais humanista e reflexiva que incentive mudanças no universo paradigmático como é a PMBA. Percebemos uma iniciativa neste teor apenas na Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração.
Para a melhor síntese deste trabalho, cito o Professor Ricardo Balestreri, segundo o qual:
O único real poder que temos sobre a realidade é o poder que temos sobre nós mesmos. Quando começamos a mudar, a qualificarmos, a fazer melhor nosso trabalho, a viver melhor nossas relações com nossos semelhantes, quando assumimos este poder, passamos a contaminar positivamente a realidade à nossa volta e o mundo começa a mudar. Deixamos de ser vítimas impotentes à espera da boa vontade alheia, das mudanças alheias, das melhorias alheias e passamos a trabalhar com o que temos, com o que podemos controlar, com o que efetivamente podemos melhorar: o que somos. (2003, p. 108).
Observamos, a partir dos dados da pesquisa, que um importante componente encontra-se no imaginário policial: eles se identificam positivamente com a instituição e naquilo que ela representa, sentem orgulho e altivez de pertencerem à quase bicentenária instituição. Conscientes da importância do papel que desempenham e que abraçaram, ainda que cotidianamente vivenciando adversidades, os trabalhadores policiais militares mantêm o seu amor pela instituição, na esperança de melhores tempos que certamente virão.
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PALMA, Alcides Passos. História da Polícia Civil da Bahia. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 1978.
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QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria L. O; OLIVEIRA, Márcia G. M. Um toque de clássicos. Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
SANSONE, Lívio. Fugindo para a Força: Cultura Corporativista e “Cor” na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Revista Estudos Afro-Asiáticos, Ano 24, nº 3, 2002. pp. 513-532.
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Universidade de São Paulo. v. 28, n. 1, p. 25-35. jan-mar, 1993.
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GREENE, Jack R. Administração do trabalho Policial. São Paulo: EDUSP, 2002.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO QUESTIONÁRIO
Prezado Policial Militar:
Este questionário faz parte de uma pesquisa que integra uma Dissertação de Mestrado junto à UFBA – Escola de Administração, que tem por objetivo um estudo e uma análise e sobre a natureza organizacional e cultural do trabalho realizado por Policias Militares do Estado da Bahia.
Preencha à caneta as opções conforme solicitado no cabeçalho de cada uma delas preferencialmente.
A sua opinião é muito importante para este trabalho, para o pesquisador e para a própria Polícia Militar.
Muito Obrigado pela colaboração. CARLOS AUGUSTO GOMES SOUZA E SILVA
- Dados do Respondente
Patente: Oficial Coronel TenCoronel
Major Capitão Tenente |
Praça Sargento
Soldado 1a Cl |
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Escolaridade Menos que o 2o Grau 2o Grau Completo Superior Incompleto Superior Completo
Pós-Graduação |
Qual? Qual? |
|
Ótimo Com relação ao valor que a sociedade dispensa ao Bom trabalho da Polícia Militar indique o grau de Regular valorização
Ruim |
Justifique com poucas palavras a sua opção | |
As pessoas buscam ou valorizam coisas diferentes no seu trabalho. Que coisas você acha importantes para que um trabalho seja considerado gratificante?
Avalie a importância de cada aspecto que será apresentado à direita usando a escala de cinco pontos abaixo indicando o grau que você considera ideal e na outra coluna o grau real na organização |
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Nível de Importância Grau | Assertiva | Ideal | Real | |
Sem Importância 1
Baixo 2 Médio 3 Bom 4 Alto 5 |
Ser bem remunerado pelo que faz
Ter um bom ambiente de trabalho com os colegas Ter um emprego estável Ter um bom serviço de assistência social na PMBA Ter o seu trabalho reconhecido pelos superiores |
|||
Ter um trabalho útil à sociedade
Ter oportunidade de ascensão profissional Ter um trabalho uma boa escala de serviço Exercer o seu trabalho sem influência política Ter um trabalho respeitado pelas pessoas em geral Trabalhar com bons equipamentos e armamentos Apresentar-se com um fardamento em boas condições Ter um Programa de capacitação e Instrução constante Dispor de Férias e Licenças quando for preciso |
||||
Quão importante e significativo é o trabalho em sua vida global? Responda assinalando um dos números à direita. | Uma das coisas menos impotantes na minha vida | De média importância na minha vida | Uma das coisas mais importantes na minha vida | ||||
1 |
2 |
3 |
4 |
5 |
6 |
7 | |
Quanto à possibilidade de desgaste gerado pela natureza do seu trabalho de acordo com os tipos, assinale a opção mais acentuada: |
Alto
Desgaste Físico (fadiga, mal estar, Médio doenças) Baixo |
Desgaste Psicológico Alto
(assédio moral, sexual, Médio sentimento de opressão, estresse, doença mental) Baixo |
||
Atribua pontos nas opções à direita para indicar a importância que as seguintes áreas têm na sua vida (a soma deve dar 10 pontos): |
Opções | Pontos |
Meu lazer (hobbies, esportes, recreação, amigos). Minha comunidade (grupos, associações, amigos) Meu trabalho
Minha religião (atividades e crenças religiosas) Minha família |
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SOMA | 10 |
As organizações estão sempre fazendo novas exigências aos seus profissionais. Avalie que características pessoais e profissionais você considera mais importantes num profissional de Policia Militar.
Avalie a importância de cada item apresentado à direita usando a escala de três pontos abaixo, indicando o grau que você atribui ideal e na outra coluna o grau real existente na PMBA |
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Item | Ideal | Real | |||
Opção | Grau | Escolaridade Capacitação técnica
Motivação para o trabalho Comprometimento com as metas da corporacão |
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Não valorizado 1
Pouco valorizado 2 Muito valorizado 3 |
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Capacidade para solucionar problemas Capacidade de aprender coisas novas
Desejo de crescer / ambição pessoal / auto-realização Iniciativa / autonomia Criatividade Disciplina (cumprimento das regras e normas) Lealdade Obediência |
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Observando os aspectos da estrutura organizacional existentes na PMBA relacionados indique o grau de desgaste daquilo que mais lhe afeta conforme tabela abaixo: | Aspecto | Grau | ||
Estrutura Hierárquica do tipo Militarizada da Organização
Estrutura Normativa (Regulamentos) e Comportamental |
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Pouca Atuação e Representatividade dos servidores de menor patente | ||||
Itens de desgaste | Grau | nos processos decisórios da organização
Estrutura burocrática dos processos administrativos e relacionais Predominância do “RQuero” (Imposição da vontade do superior sem explicação ou justificativa) |
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Sem desgaste Baixo Médio
Alto |
1 | |||
2 | ||||
3 | ||||
4 | ||||