O Poder Executivo e o Poder Legislativo no controle de constitucionalidade PDF
GILMAR FERREIRA MENDES
SUMÁRIO
I- Introdução. II- Poder Executivo e Poder Legislativo no controle direto da legitimidade dos atos normativos. 1. Considerações preliminares. 2. O poder de veto sob o argumento da inconstitucio- nalidade do projeto de lei. 3. A sustação de atos de delegação e dos atos regulamentares pelo Poder Legislativo. 4. A “correção” de decisões judiciais pelo Poder Legislativo. 5. Controle de constitucio- nalidade direto e a inexecução da lei pelo Executivo.
- Sobre a possibilidade de anulação da lei incons- titucional pelo Poder Legislativo. III- O Executivo e o Legislativo no controle abstrato de normas: a ação direta de inconstitucionalidade ou de consti- tucionalidade de lei ou ato normativo. 1. Conside- rações preliminares. 2. Direito de propositura de ação direta pelo Governador do Estado e pela Mesa da Assembléia Legislativa: relação de pertinência.
- O direito de veto do Presidente da República e do Governador do Estado e o exercício do direito de propositura. 4. Direito de propositura do Governador do Distrito Federal e da Câmara Legislativa do Distrito Federal. 5. O Executivo e o Legislativo na ação declaratória de constitucionalidade. a) Considerações preliminares. b) Ação declaratória: requisitos de admissibilidade. 6. Ação declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual. IV- O Executivo e o Legislativo no controle incidental de normas. 1. Introdução. 2. O controle de constitu- cionalidade e a ação civil pública. 3. Incidente de inconstitucionalidade.
Gilmar Ferreira Mendes é Procurador da Repú- blica; Professor Adjunto da Universidade de Brasília
- UnB; Mestre em Direito pela Universidade de Brasília – UnB; Doutor em Direito pela Universi- dade de Münster – República Federal da Alemanha
I- Introdução
O tema relativo ao papel do Legislativo e do Executivo no controle de constitucionalidade suscita um número elevado de indagações. Evidentemente, essas questões passam pelo próprio controle de legitimidade dos atos normativos no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, envolvendo até mesmo a atuação
de órgãos superiores desses Poderes no controle direto de constitucionalidade.
Assim, tanto o exercício do poder de veto por parte do Chefe do Executivo, quanto o controle de constitucionalidade exercido pelos órgãos legislativos situam-se no contexto desse esforço de controle de constitucionalidade dos atos normativos pelos Poderes Executivo e Legislativo.
Outra questão de relevo nesse contexto refere-se à possibilidade ou não de o Executivo deixar de cumprir decisão legislativa com fundamento em uma alegada inconstituciona- lidade.
A controvérsia, que, sob o regime constitu- cional anterior, ganhou alguma densidade doutrinária e jurisprudencial, perdeu, certamente, muito do seu significado prático em face da nova disciplina conferida à ação direta de inconstitucionalidade. A outorga do direito para propor a ação direta aos Chefes do Executivo federal e estadual retira, senão a legitimidade desse tipo de conduta, pelo menos, na maioria dos casos, a motivação para a adoção dessa conduta de quase desforço no âmbito do Estado de Direito.
Não se pode perder de vista, outrossim, que o controle de constitucionalidade acaba por ser visto pelo Executivo e pelo Legislativo como óbice ou estorvo na realização de dadas polí- ticas. A decisão judicial que afirma a inconsti- tucionalidade de uma decisão legislativa traduz- se, não raras vezes, em obstáculo definitivo à consecução de determinados objetivos, elimi- nando uma ou algumas possíveis soluções alvitradas.
Nesse sentido, pode-se dizer que o chamado “legislador negativo” converte-se em legislador positivo, na medida que ele se mostra capaz de delimitar ou restringir as alternativas políticas a serem utilizadas. O Legislativo ou o Executivo poderão adotar todas as alternativas políticas possíveis, dentre aquelas consideradas legítimas pelos órgãos judiciários.
Mencione-se, a propósito, que, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988 até os dias atuais (agosto de 1996), o Supremo Tribunal Federal deferiu cerca de 600 liminares para suspender a eficácia de atos normativos estaduais ou federais no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade. Muitas dessas decisões ainda não foram confirmadas pelo
base tão-somente na decisão cautelar (vide tabelas no Apêndice).
Evidentemente, a simples instauração de controvérsia sobre a legitimidade ou não de uma determinada decisão legislativa já se mostra apta a produzir uma ampla insegurança jurídica, podendo dar ensejo ao adiamento da implementação de determinadas decisões legis- lativas.
É nesse contexto que surge também a necessidade de que se desenvolva um instru- mento que assegure ao Legislativo e ao Execu- tivo a possibilidade de provocar o Judiciário, não para provocar uma declaração de inconsti- tucionalidade, mas, ao revés, para afirmar, de maneira definitiva, a legitimidade de uma dada lei.
A Emenda Constitucional nº 3, de 1993, veio, ainda que parcialmente, colmatar a lacuna
identificada, permitindo que, em caso de dúvida ou controvérsia sobre a legitimidade de uma lei federal, pudessem o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal ou, ainda, o Procurador-Geral da República provocar o Supremo Tribunal com o objetivo de colher, com eficácia contra todos e efeito vinculante, uma declaração de consti- tucionalidade de ato normativo.
É verdade que, em face do texto constitu- cional federal, não há espaço para discussão sobre a possibilidade de se utilizar ação direta de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal com o objetivo de ver afirmada a legitimidade de direito estadual.
A questão que remanesce refere-se à possi- bilidade de o Estado-membro instituir a ação declaratória de constitucionalidade para a aferição de legitimidade do direito estadual ou municipal em face da Constituição estadual.
Outra questão sensível, na qual Legislativo e Executivo estão necessariamente envolvidos, diz respeito ao controle de constitucionalidade da omissão. Embora o constituinte brasileiro tenha tratado o controle de constitucionalidade da ação e o controle de constitucionalidade da omissão como instrumentos distintos, não é difícil concluir que esses institutos estão mais próximos do que uma análise superficial poderia indicar1.
Assinale-se, por último, que o modelo constitucional fez ressurgir, entre nós, sistema
Supremo Tribunal (cerca de 508), restando a
eficácia normativa da disposição suspensa com Notas de Rodapé ao final do texto.
de controle de legitimidade dos atos regula- mentares que deverá ser exercido pelo Congresso Nacional (ou pelas Assembléias Legislativas, se for o caso, no plano estadual – CF, art. 49, V).
Antes de contemplarmos cada uma das questões enunciadas, afigura-se-nos conve- niente, senão necessário, assentar que o texto constitucional de 1988 introduziu uma mudança radical no nosso sistema de controle de consti- tucionalidade.
A ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial – ainda que não desejada – no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil.
O monopólio de ação outorgado ao Procu- rador-Geral da República no sistema de 1967/ 69 não provocou uma alteração profunda no modelo incidente ou difuso. Este continuou predominante, integrando-se a representação de inconstitucionalidade a ele como um elemento ancilar, que contribuía muito pouco para diferençiá-lo dos demais sistemas “difu- sos” ou “incidentes” de controle de constitu- cionalidade.
A Constituição de 1988 reduziu o signifi- cado do controle de constitucionalidade inci- dental ou difuso ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103), permi- tindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas.
Convém assinalar que, tal como já obser- vado por Anschütz ainda no regime de Weimar, toda vez que se outorga a um Tribunal especial atribuição para decidir questões constitucionais, limita-se, explícita ou implicitamente, a com- petência da jurisdição ordinária para apreciar tais controvérsias2.
Portanto, parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal no processo de controle abstrato de normas, acabou o consti- tuinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucio- nalidade.
Assim, se se cogitava, no período anterior a 1988, de um modelo misto de controle de constitucionalidade, é certo que o forte acento residia, ainda, no amplo e dominante sistema
difuso de controle. O controle direto continuava a ser algo acidental e episódico dentro do sistema difuso.
Ressalte-se que essa alteração não se operou de forma ainda profunda porque o Supremo Tribunal manteve a orientação anterior, que considerava inadmissível o ajuizamento de ação direta contra direito pré-constitucional em face da nova Constituição.
A ampla legitimação, a presteza e celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar, fazem com que as grandes questões constitucionais sejam solvidas, na sua maioria, mediante a utilização da ação direta, típico instrumento do controle concentrado.
A particular conformação do processo de controle abstrato de normas confere-lhe, também, novo significado como instrumento federativo, permitindo a aferição da constitu- cionalidade das leis federais mediante requeri- mento de um Governador de Estado e a aferição da constitucionalidade das leis estaduais mediante requerimento do Presidente da República.
A propositura da ação pelos partidos polí- ticos com representação no Congresso Nacional concretiza, por outro lado, a idéia de defesa das minorias, uma vez que se assegura até às frações parlamentares menos representativas a possibi- lidade de argüir a inconstitucionalidade de lei.
A outorga do direito de propositura da ação direta de inconstitucionalidade aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional realiza, de forma radical, a idéia, exposta inicialmente por Kelsen, da utilização da jurisdição constitucional, especialmente do controle abstrato de normas, para a defesa das minorias3.
Tal como afirmado, a Constituição de 1988 pretendeu preservar o chamado sistema misto de controle de constitucionalidade, combinando elementos do sistema difuso com aqueloutros do modelo concentrado de controle de normas. Todavia, a ampliação do direito de propositura fez com que se reduzisse o significado do siste- ma difuso de controle em geral. Quase todas as questões fundamentais sobre controle de constitucionalidade são veiculadas em ação direta de inconstitucionalidade.
A amplitude do direito de propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente indivi-
duais sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação direta de inconstitucio- nalidade. Assim, o processo abstrato de normas cumpre entre nós uma dupla função: ele atua tanto como instrumento de defesa da ordem objetiva, quanto como instrumento de defesa de posições subjetivas4.
Finalmente, ressalte-se que a Constituição de 1988 resolveu a controvérsia sobre a possi- bilidade de se instaurar o controle abstrato de normas municipais, autorizando expressamente o constituinte estadual a instituir a represen- tação de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça, tendo como parâmetro de controle o direito constitucional estadual (CF,
art. 125, § 2º). Subsiste, portanto, a impossibi- lidade de se submeter o direito municipal a um controle direto em face da Constituição Federal.
- Poder Executivo e Poder Legislativo no controle direto da legitimidade dos atos normativos
- Considerações preliminares
Executivo e Legislativo têm um papel marcante em algumas questões relacionadas com o controle de legitimidade dos atos do Poder Público:
- o exercício do poder de veto com funda- mento na inconstitucionalidade da lei, típica atribuição do Executivo, entre nós;
- a possibilidade de suspensão de atos normativos que exorbitem dos limites estabe- lecidos em lei (art. 49, V);
- a correção de decisões judiciais pelo Poder Legislativo;
- a possibilidade de anulação de atos normativos pelo Legislativo;
- a possibilidade de que o Executivo se negue a aplicar a lei com fundamento no argu- mento da inconstitucionalidade;
- a possibilidade de que se declare a nuli- dade de lei mediante ato de natureza
- O poder de veto sob o argumento da inconstitucionalidade do projeto de lei
É fácil ver que o veto de um projeto de lei, sob o argumento da inconstitucionalidade, outorga ao Executivo uma faculdade de enorme significado num sistema constitucional que,
como visto, privilegia o controle judicial de constitucionalidade das leis.
Não são raros os autores que identificam aqui configuração de um modelo preventivo de controle de constitucionalidade.
É verdade que esse poder há de ser exercido cum grano salis, não se confundindo com aque- loutro, que autoriza o Chefe do Executivo a negar a sanção a projetos de lei manifestamente contrários ao interesse público.
Evidentemente, a vinculação de todos os órgãos públicos à Constituição não permite que o Chefe do Poder Público se valha do veto com fundamento na inconstitucionalidade com a mesma liberdade com que poderá utilizar o veto com base no interesse público.
Dir-se-á, porém, que eventual utilização abusiva do veto com fundamento na suposta inconstitucionalidade da proposição poderia ser sempre reparada, pois estaria sujeita a apre- ciação e, portanto, ao controle do organismo parlamentar competente.
Essa resposta é evidentemente insatisfa- tória, porque admite que um órgão público invoque eventual inconstitucionalidade sem que esteja exatamente convencido da sua procedência. Isso relativiza, de forma inaceitável, a vinculação dos Poderes Públi- cos à Constituição. Por outro lado, parece inequívoco que a apreciação do veto pela Casa Legislativa não se inspira exatamente em razões de legitimidade. A ausência de maioria qualificada fundada em razões meramente políticas implicará a manuten- ção do veto, ainda que lastreado em uma razão de inconstitucionalidade absolutamente despropositada.
A indagação que subsiste diz respeito à possibilidade de que se pudesse judicializar a questão constitucional, tendo em vista a aferição da legitimidade ou não do fundamento invocado.
Em um sistema de rígida vinculação à Cons- tituição, parece plausível admitir, pelo menos, que a maioria que garantiu a aprovação da lei deveria ter a possibilidade de instaurar tal controvérsia. Quanto ao instrumento processual adequado, deve-se mencionar que o Supremo Tribunal Federal tem admitido a utilização do mandado de segurança em situações típicas de conflito entre órgãos5.
Assim, esse controle político de legitimi- dade6 também estaria submetido ao controle judicial.
- A sustação de atos de delegação e dos atos regulamentares pelo Poder Legislativo
O art. 49, V, da Constituição de 1988 resta- beleceu, parcialmente, na ordem constitucional brasileira, instituto que havia sido introduzido entre nós na Constituição de 1934 (CF, art. 91, II), autorizando o Congresso Nacional a sustar os atos legislativos que ultrapassem os limites da delegação outorgada (lei delegada) ou os atos normativos que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.
Trata-se de fórmula excepcional no sistema constitucional brasileiro, que, por isso mesmo, há de merecer uma interpretação estrita.
Nas suas anotações à Constituição de 1934, observou Pontes de Miranda a propósito:
“…o inciso II do art. 91 constitui atribuição importantíssima. É a primeira vez que adotamos exame dos regulamentos sem o caso concreto, exame da lei em si mesma, em sua existência (…). A Cons- tituição brasileira vai além, posto que só se exerça o poder de exame depois de emitidos. Um pouco função de Alta Corte constitucional, como preconizamos em 1932.
O poder do Senado Federal, no caso do inciso II, é total e definitivo. Pode refugar parte ou todo o regulamento. É um intérprete da Constituição e das leis, a respeito de regulamentos do Poder Executivo”7.
Evidentemente, essa competência excep- cional – um autêntico controle político de legi- timidade – é suscetível de contraste na via judicial.
O próprio Supremo Tribunal Federal tem entendido ser admissível a ação direta de inconstitucionalidade contra resolução de órgão legislativo que suste a eficácia de ato regula- mentar. Nesse sentido, registre-se que aquela Corte já acolheu ação direta proposta com o objetivo de impugnar a legitimidade de Decreto Legislativo estadual que suspendeu os efeitos de ato do Poder Executivo sem a observância dos limites estabelecidos no art. 49, V, da Constituição8.
Deve-se registrar que, salvo melhor juízo, esse instituto não se mostra apto a propiciar um efetivo instrumento de controle contra abusos perpetrados pelo Executivo no exercício do Poder Regulamentar. Já a dificuldade de colher maiorias nas Casas Parlamentares para
lograr uma decisão clara sobre a legitimidade do ato normativo questionado demonstra a insuficiência desse instituto como instrumento de aferição de legitimidade do ato normativo. Por isso, ninguém poderá, em sã consciência, sustentar que a falta de uma decisão da Casa Legislativa sobre a observância ou não pelo Poder Executivo dos limites do Poder Regula- mentar corresponderia a uma decisão de improcedência.
A importância que assume o regulamento na ordem jurídica parece sugerir a necessidade de que, ao lado desse instrumento, desenvolva-se forma mais expedita de controle de legitimidade dos atos regulamentares.
Kelsen já havia assinalado que qualquer ofensa contra o direito ordinário configuraria uma ofensa indireta contra a própria Consti- tuição, desde que esta contivesse o princípio da legalidade da Administração9. Não obstante, enquanto a inconstitucionalidade direta poderia ser aferida pela via abstrata, a inconstituciona- lidade indireta somente poderia ser examinada dentro de um sistema de controle da legalidade. Com a diferenciação entre a inconstitucionali- dade direta e indireta, esforçava-se Kelsen para superar as dificuldades práticas decorrentes da ampliação desse conceito de inconstitucionali- dade10. Reconhecia-se, porém, a dificuldade de se traçar uma linha precisa entre a inconstitu- cionalidade direta e indireta11.
Sem fazer qualquer distinção entre incons- titucionalidade direta e indireta, a doutrina brasileira enfatiza que qualquer regulamento que deixe de observar os limites estabelecidos em lei é inconstitucional.
A Constituição de 1988, tal como já fizera a Constituição de 1967/1969 (art. 153, § 2º, c/ c 81, III), consagra, no art. 5º, II, os princípios da supremacia da lei e da reserva legal como
elementos fundamentais do Estado de Direito, exigindo que o poder regulamentar do Execu- tivo seja exercido apenas para fiel execução da lei (CF, art. 84, IV).
Disso resulta diretamente, pelo menos no que concerne aos direitos individuais, que a ilegalidade de um regulamento equivale a uma inconstitucionalidade, porque a legalidade das normas secundárias expressa princípio do Direito Constitucional objetivo12 (“Ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei” – CF, art. 5º, II).
Entendimento contrário levaria a uma completa ruptura com a necessária vinculação da administração à Constituição, uma vez que
ela poderia editar qualquer ato regulamentar, ainda que em contradição com os direitos indi- viduais, sem observância do princípio da reserva legal13. Nesse caso, tal como já ressal- tado por Papier, a legalidade da restrição configura condição de sua constitucionalidade. A contrariedade à lei representa sempre um caso de ofensa a direito individual14.
É certo que a inexistência de um sistema de controle judicial que permita aferir a legiti- midade da atividade regulamentar pode levar a uma desvalorização do postulado da supre- macia da lei e da reserva legal15. Outrossim, a falta de controle judicial, nesses casos, pode flexibilizar excessivamente o princípio da divisão dos poderes, afetando, assim, uma
decisão fundamental do constituinte (Consti- tuição, art. 2º).
Por outro lado, a proximidade – às vezes, a
quase confusão – entre a questão constitucional e a questão legal na relação entre lei e regula- mento não recomenda que a competência para conhecer dessa questão seja deferida a uma outra Corte de Justiça, como já se cogitou entre nós, uma vez que, muito possivelmente, surgiriam conflitos de interpretação pratica- mente insolúveis.
Assim, poder-se-ia cogitar da criação de instituto especial, nos moldes estabelecidos pelo art. 139 da Constituição austríaca, conferindo também o controle abstrato da legitimidade dos atos regulamentares ao Supremo Tribunal Federal, mediante iniciativa de órgãos do Poder Legislativo (eventualmente, as Mesas da Câmara e do Senado Federal) e do Procurador- Geral da República16.
- A “correção” de decisões judiciais pelo Poder Legislativo
Na Constituição de 1937, criou-se a possi- bilidade de se suspender, mediante ato legisla- tivo, decisão judicial que declarasse inconsti- tucionalidade do ato normativo. Isso deveria ocorrer por meio de uma resolução do Parla- mento Nacional, aprovada por uma maioria qualificada de dois terços dos votos (art. 96). Esse instituto deveria cumprir dupla função: confirmar a validade da lei e cassar a decisão judicial questionada17. A lei confirmada ganhava, assim, a força de uma Emenda Cons- titucional18.
A necessidade desse instituto foi justifica- da com o caráter pretensamente antidemocrá- tico da jurisdição, o que acabava por permitir a utilização do controle de normas como
instrumento aristocrático de preservação do poder ou como expressão de um Poder Moderador19.
Deveria ser criada, sobretudo em virtude da abertura das normas constitucionais, uma instância especial, que estivesse em condições de corrigir eventuais desvios da Constituição20. A faculdade confiada ao Parlamento de suspender decisões judiciais acabou por ser exercida diretamente pelo ditador mediante a edição de decretos-leis (Constituição de 1937, art. 180)21. Confirmada a constitucionalidade da lei, passava o Supremo Tribunal Federal a reconhecer ipso jure a sua validade22.
Embora a doutrina não tenha logrado explicitar a origem ou a fonte de inspiração ime- diata desse instituto, é certo que ele não estava previsto, nem implicitamente, na Constituição polonesa de 23 de abril de 1935, uma vez que esse texto sequer previa o controle de constitu- cionalidade. Parece mais correto concluir que esse instituto possui referência na própria experiência constitucional norte-americana. É o que se lê na seguinte passagem da obra de Karl Loewenstein sobre o direito constitucional americano, especialmente sobre a prática da correção de decisões judiciais mediante ato legislativo ou até mesmo mediante emenda constitucional:
“Um outro mecanismo de limitação do poder da Corte Suprema assenta-se na possibilidade de nulificação dos efeitos da decisão mediante lei de caráter corretivo (korrigierendes Gesetz). Trata- se apenas de casos em que o Congresso manifesta divergência com interpretação conferida à norma pela Corte Suprema. Esse mecanismo não se aplica às hipó- teses de declaração de inconstitucionali- dade de índole formal ou material. Nesses casos, apenas uma reforma cons- titucional pode mostrar-se apta a solver o conflito, como já ocorreu após a decla- ração de inconstitucionalidade da lei de imposto de renda (Bundeseinkommens- teuer) (Pollock v. Farmers’ Loan & Trust. Co., 158 U.S. 601, 1898) através da promulgação da XVI Emenda (1913). Esses casos são raros, uma vez que o Congresso apenas consegue utilizar-se do poder de emenda contra decisão da Suprema Corte em hipóteses de inequí- voco relevo. A correção de decisões judiciais mediante lei superveniente é,
todavia, freqüente, podendo-se falar de um permanente jogo de xadrez entre Congresso e Suprema Corte, no qual aquele logra dar sempre o xeque mate” (LOEWENSTEIN. Verfassungsrecht und verfassungspraxis der vereinigten staaten. 1959. p. 429).
De fato, a Emenda XVI à Constituição Americana foi conseqüência direta da decisão da Suprema Corte no caso Pollock v. Farmers’ Loan & Trust Co., 157 U. S., 429 (1895); 158
- S. 601 (1895), como anotado por Edward Corwin:
“A ratificação desta emenda foi conseqüência direta da decisão de 1895, pela qual uma Corte Suprema muito dividida julgou inconstitucional a tenta- tiva do Congresso, do ano anterior, de tributar uniformemente os rendimentos em todo os Estados Unidos. Um imposto de renda derivado da propriedade, declarou a Corte, era ‘imposto indireto’ que o Congresso, de acordo com os termos do Artigo I, Secção 2, cláusula 3, e Secção 9, cláusula 4, só podia lançar obedecendo à regra da proporcionalidade, segundo a população” (CORWIN, Edward S. A Constituição Norte-Ame- ricana. Rio de Janeiro, 1986. p. 336).
Contudo, como bem observa Loewenstein, não se cuidou propriamente de “rejeição” da decisão da Corte Suprema (o que representaria a supressão da independência do Poder Judici- ário), mas de posterior reforma constitucional, resguardando-se íntegra a decisão da Corte Suprema.
Em verdade, a exigência de Emenda Cons- titucional apontada por Loewenstein para que a Suprema Corte, em decisão posterior, venha a fixar entendimento diverso, configurando-se novo precedente, subsiste até nossos dias.
Em 1989, relativamente ao caso Texas v. Johnson, no qual se apreciava o episódio de queima da bandeira nacional, deu-se a tentativa de nulificação da decisão da Corte Suprema pela edição de lei pelo Congresso. Posterior- mente, o próprio diploma congressual veio a ser declarado inconstitucional pela Suprema Corte. Empreendeu-se então o oferecimento de Emenda Constitucional – sem que se lograsse aprovação – como possibilidade única de vir a superar-se a orientação da Corte. Ilustra o fato a seguinte passagem de Akhil Reed Amar:
“…Quando anunciada, a decisão foi
recebida por uma tempestade de protes- tos, incluindo-se uma lei do Congresso elaborada para evitar, senão esvaziar, seu conteúdo. Quando a Corte fulminou tal diploma pela mesma maioria de 5 a 4 (sem que qualquer dos originariamente vencidos tencionasse retificar seu voto em nome do stare decisis), líderes do Congresso propuseram uma emenda constitucional para desautorizar a Corte e não obtiveram mais de trinta e quatro votos dos necessários dois terços da Câmara e nove votos no Senado.”23.
Assinale-se que a questão poderia assumir outros contornos nos Estados Unidos se a Cons- tituição americana contivesse disposição com força de cláusula pétrea, pois, nesse caso, even- tual revisão, nessa parte, acabaria por marcar uma ruptura da própria ordem constitucional. Embora a Constituição americana contenha cláusula que impõe a representação paritária
dos Estados no Senado Federal (art. 5º), nada obsta, segundo o entendimento dominante, a eliminação desse preceito24.
De qualquer forma, pode-se afirmar, com relativa segurança, que não só toda fundamen- tação doutrinária, mas também a própria conformação conferida ao instituto previsto no art. 96, parágrafo único, da Constituição de 1934 parecem indicar que a sua origem histó- rica reside mesmo na prática político-jurídica norte-americana.
É de se observar, porém, que, como assina- lado, diferentemente da práxis desenvolvida nos Estados Unidos, a fórmula consagrada pela Carta de 1937 não apenas permitia a constitu- cionalização de normas consideradas até então inconstitucionais, como também ensejava a cassação da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
A possibilidade de alteração do texto constitucional para permitir que determinada conduta ou norma, considerada inconstitu- cional, passasse a ser compatível com a Cons- tituição não apresenta maiores novidades. A cassação da decisão judicial com eficácia retroativa e a preservação da lei inconstitucional outorgam ao modelo de 1937 uma configuração peculiar e, provavelmente, sem paradigma no direito comparado.
Feitas essas considerações, caberia indagar se instituto semelhante ao concebido pelo constituinte de 1937 – ainda que não idêntico – poderia ser introduzido entre nós mediante proposta de Emenda de Revisão. Mais precisa-
mente, deve-se contemplar a possibilidade de se superar o núcleo de cláusulas imantadas com a garantia da imutabilidade mediante decisão do legislador constituinte, ainda que a delibe- ração seja tomada por uma maioria qualificada.
Parece que, diante de um modelo constitu- cional que consagra as chamadas “garantias de eternidade”, tal fórmula não poderia jamais ser estabelecida.
- Controle de constitucionalidade direto e a inexecução da lei pelo Executivo
Um dos temas mais tormentosos no âmbito da discussão sobre a atuação do Executivo no controle de constitucionalidade refere-se, certamente, à possibilidade de que, sob o argu- mento da inconstitucionalidade, negue-se a Administração a dar cumprimento a uma dada decisão legislativa.
Pode-se afirmar que, até o advento consti- tucional da Emenda Constitucional nº 16, de 1965, que introduziu o controle abstrato de normas no nosso sistema, era plenamente
majoritária a posição que sustentava a legiti- midade da recusa à aplicação da lei considerada inconstitucional25.
Na vigência da Constituição de 1967/69, firmou o Supremo Tribunal Federal entendi- mento no sentido de que seria constitucional decreto de Chefe de Poder Executivo estadual que determinasse aos órgãos a ele subordinados que se abstivessem da prática de atos que implicassem a execução de dispositivos legais vetados por falta de iniciativa exclusiva do Poder Executivo26.
Tal como anotou o Supremo Tribunal Federal, cuidava-se de hipótese inequívoca de inconstitucionalidade e que, por isso, não se baseava em inconformismo de um Poder em face do outro. Ao contrário, a Corte vislumbrou aqui uma situação de autodefesa de prerrogativa que a Constituição conferia ao Executivo para melhor atender ao interesse público27.
Tal como demonstra Ruy Carlos de Barros Monteiro em minucioso estudo28, a questão sobre eventual descumprimento de lei consi- derada inconstitucional pelo Poder Executivo deu ensejo a intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial.
É certo que a questão perdeu muito do seu apelo em face da Constituição de 1988, que outorgou aos órgãos do Executivo, no plano estadual e federal, o direito de instaurar o
controle abstrato de normas. A possibilidade de se requerer liminar que suspende imediata- mente o diploma questionado reforça ainda mais esse entendimento. Portanto, a justifica- tiva que embasava aquela orientação de enfren- tamento ou de quase desforço perdeu razão de ser na maioria dos casos.
Assinale-se, porém, que, ao apreciar ação direta de inconstitucionalidade, já sob o império da Constituição de 1988, teve o Supremo Tribunal Federal a oportunidade de enfatizar que
“os Poderes Executivo e Legislativo, por sua Chefia – e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legi- timação ativa na ação direta de inconsti- tucionalidade –, podem tão-só deter- minar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais”29.
Se se entender – como parece razoável – que o Executivo, pelo menos no plano estadual e federal, não mais pode negar-se a cumprir uma lei com base no argumento de inconstitucio- nalidade, subsistem ainda algumas questões que poderiam legitimar uma conduta de repúdio.
Como o controle abstrato de normas não abrange as leis pré-constitucionais30, não seria razoável que o Executivo se visse compelido a aplicar a lei que considerasse incompatível com nova ordem constitucional, se não dispusesse de outra possibilidade de provocar um pronun- ciamento jurisdicional sobre a matéria.
Da mesma forma, no plano do Município, inexiste a possibilidade de se provocar, de forma direta, um pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal sobre a incompati- bilidade entre lei municipal e a Constituição Federal. Também aqui, seguindo a orientação fixada pelo Supremo Tribunal, poder-se-ia admitir que a autoridade administrativa negasse aplicação ao direito municipal sob o argumento da inconstitucionalidade.
Outra questão igualmente relevante diz respeito à possibilidade de o Executivo negar-se a implementar determinada vantagem concedida pelo legislador a servidores sob o argumento de falta de previsão na Lei de Diretrizes Orçamen- tárias ou de falta de previsão orçamentária.
O Supremo Tribunal Federal entende que a falta de autorização específica não implica nulidade da lei concessiva da vantagem, impe- dindo, porém, a sua execução.
Nesse sentido, convém registrar passagem
de voto do eminente Ministro Ilmar Galvão na ADIn nº 1.292:
“É, portanto, inegável que, segundo o regime instituído pelo art. 169 da CF, não basta a existência de recursos orça- mentários para autorizar o pagamento de vantagem funcional, sendo, ao revés, ato afrontoso ao princípio da moralidade administrativa e suscetível de constituir grave irregularidade, que pode chegar às raias do ilícito penal, o pagamento de despesa dessa natureza que não tenha sido objeto de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias”31.
Essa decisão autoriza o Executivo a negar aplicação à lei concessiva de vantagem não prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária.
- Sobre a possibilidade de anulação da lei inconstitucional pelo Poder Legislativo
Tendo em vista o argumento da nulidade da lei inconstitucional, poder-se-ia indagar se ao Legislativo seria legítimo declarar a nulidade de uma dada lei por considerá-la incompatível com a Constituição.
Apreciando a questão suscitada por Medida Provisória que anulava ato normativo anterior, fixou o Supremo Tribunal Federal o entendi- mento de que a declaração de inconstituciona- lidade não poderá ser levada a efeito mediante a utilização de ato normativo. Nesse sentido, convém registrar a seguinte passagem do voto emitido pelo eminente Ministro Moreira Alves:
“Em nosso sistema jurídico, não se admite declaração de inconstitucionali- dade de lei ou de ato normativo com força de lei por lei ou por ato normativo com força de lei posteriores. O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Os Poderes Execu- tivo e Legislativo, por sua Chefia – e isso mesmo tem sido questionado com o alar- gamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade –, podem tão-só determinar aos seus órgãos subor- dinados que deixem de aplicar adminis- trativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais”32.
A decisão deixou evidente que a pretensão anulatória manifestada em ato normativo haveria de ser interpretada como ato de ab-rogação da disposição considerada inconstitucional33.
- O Executivo e o Legislativo no controle abstrato de normas: a ação direta de inconstitucionalidade ou de constituciona- lidade de lei ou ato normativo
- Considerações preliminares
A Constituição de 1988 conferiu direito de propositura de ação direta de inconstituciona- lidade perante o Supremo Tribunal Federal ao Presidente da República, à Mesa da Câmara dos Deputados e à Mesa do Senado Federal, no plano da União, assegurando a legitimação para agir ao Governador do Estado e à Mesa da Assembléia Legislativa, no plano do Estado- membro.
Ao contrário de algumas Constituições modernas, o Texto de 1988 não assegurou expressamente o direito de propositura a uma minoria qualificada. Isso não significa, porém, que a Constituição de 1988 recusou proteção às minorias parlamentares. Ao revés, ao se outorgar o direito de propositura aos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, acabou-se por se assegurar uma radical proteção às chamadas “minorias parla- mentares”, permitindo que até mesmo aqueles com apenas um representante em uma das Casas do Congresso Nacional estejam legiti- mados a instaurar a ação direta de inconstitucio- nalidade.
O legislador constituinte, ao introduzir a ação direta de constitucionalidade, foi, todavia, mais restritivo, concedendo o direito de propo- situra tão-somente ao Presidente da República, à Mesa da Câmara, à Mesa do Senado e ao Procurador-Geral da República.
Como assinalado, resta indagar, ainda, se o constituinte estadual estaria implicitamente autorizado a instituir a ação declaratória de constitucionalidade no plano estadual.
- Direito de propositura de ação direta pelo Governador do Estado e pela Mesa da
Assembléia Legislativa: relação de pertinência
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem identificado a necessidade de que o Governador de um Estado que impugna ato normativo de outro demonstre a relevância, isto é, a relação de pertinência da pretensão formulada da pretendida declaração de incons- titucionalidade da lei34.
Essa questão foi discutida na Alemanha sob
o império da Constituição de Weimar, verifi- cando-se uma controvérsia doutrinária sobre a admissibilidade ou não de uma ação pro- posta pelo Estado da Baviera contra a lei da Turíngia35.
Entendimento semelhante vem sendo adotado em relação ao direito de propositura das Mesas das Assembléias Legislativas36.
A falta de autorização constitucional para que o legislador estabeleça outras limitações ao direito de propositura suscita dúvida sobre a correção do entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal.
Pareceria mais ortodoxo, pois, tendo em vista a natureza objetiva do processo de controle abstrato de normas, que, na espécie, fosse admitida a ação direta independentemente de qualquer juízo sobre a configuração ou não de uma relação de pertinência.
- O direito de veto do Presidente da República e do Governador do Estado e o
exercício do direito de propositura
Se o Presidente da República ou o Gover- nador do Estado não exercer o poder de veto, nos termos do art. 66, da Constituição, é de se indagar se poderia, posteriormente, argüir a inconstitucionalidade da lei perante o Supremo Tribunal Federal.
Pode acontecer que a existência de dúvida ou controvérsia sobre a constitucionalidade da lei impeça ou dificulte a sua aplicação, sobre- tudo no modelo do controle de constitucionali- dade vigente no Brasil, em que qualquer juiz ou tribunal está autorizado a deixar de aplicar a lei ao caso concreto se esta for considerada inconstitucional. Nesse caso, não poderia ser negado ao Presidente da República o direito de propor a ação com o propósito de ver confir- mada a constitucionalidade da lei37.
Não está, todavia, aqui respondida a ques- tão sobre a possibilidade de o Presidente da República propor a ação direta com o propósi- to de ver declarada a inconstitucionalidade de uma lei federal.
A Constituição não fornece base para limi- tação do direito de propositura. Por outro lado, não paira dúvida de que, ao assegurar uma amplíssima legitimação, o constituinte buscou evitar, também, que se estabelecessem limita- ções a esse direito.
Tal como já ressaltado, os titulares do direito de propositura atuam no processo de controle abstrato de normas no interesse da comuni-
dade38 ou, se quisermos adotar a formulação de Friesenhahn39, atuam como autênticos advo- gados da Constituição.
É de acentuar-se, ainda, que, se o Chefe do Poder Executivo sanciona, por equívoco ou inadvertência, projeto de lei juridicamente viciado, não está ele compelido a persistir no erro, sob pena de, em homenagem a uma suposta coerência, agravar o desrespeito à Cons- tituição.
Nesse sentido, já assinalara Miranda Lima, em conhecido Parecer no qual advogava o descumprimento da lei inconstitucional pelo Executivo, à falta de outro meio menos gravoso, que
“o Poder Executivo, que deve conferir o Projeto com a Constituição, cooperando com o Legislativo no zelo de sua sobera- nia, se o sanciona por inadvertido de que a ela afronta, adiante, alertado do seu erro, no cumprimento de seu dever cons- titucional de a manter e defender, há de buscar corrigi-lo, e, se outro meio não encontrar para tanto, senão a recusa em a aplicar, deixará de lhe dar aplicação”40.
O modelo de ampla legitimação consagrado no art. 103 da Constituição de 1988 dificilmente se deixa compatibilizar com o recurso a essa medida de quase desforço concernente ao descumprimento pelo Executivo da lei consi- derada inconstitucional.
Se o Presidente da República – ou, eventual- mente, o Governador do Estado – está legitimado a propor a ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, inclusive com pedido de medida cautelar, não se afigura legítimo que deixe de utilizar essa faculdade ordinária para valer-se de recurso excepcional, somente concebido e tolerado, à época, pela impossibilidade de um desate imediato e escorreito da controvérsia41.
Todavia, é inegável que, muitas vezes, um juízo seguro sobre a inconstitucionalidade da lei pode vir a se formar somente após a sua promulgação, o que legitima a propositura da ação, ainda que o Chefe do Poder Executivo tenha sancionado o projeto de lei aprovado pelas Casas Legislativas.
Eventual sanção da lei questionada não deve colocar óbice à admissibilidade da ação direta proposta pelo Chefe do Executivo, mormente se se demonstrar que não era manifesta, ao tempo da sanção, a ilegitimidade suscitada.
Daí parecer-nos equivocada a orientação esposada pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn nº 807, segundo a qual,
“quando (…) o ato normativo impugnado em sede de fiscalização abstrata tiver emanado também do Chefe do Poder Executivo – a lei, sendo ato estatal subjetivamente complexo, emerge da conjugação das vontades autônomas do Legislativo e do Executivo – e este figurar, em conseqüência, no pólo passivo da relação processual, tornar-se-á juridicamente impossível o seu ingresso em condição subjetiva diversa daquela que já ostenta no processo”42.
- Direito de propositura do Governador do Distrito Federal e da Câmara Legislativa do
Distrito Federal
A Constituição não contemplou expressa- mente o direito de propositura da ação direta de inconstitucionalidade pelo Governador do Distrito Federal.
Embora o status do Distrito Federal no texto constitucional de 1988 seja fundamentalmente diverso dos modelos fixados nas Constituições anteriores, não se pode afirmar, de forma apodítica, que a sua situação jurídica é equiva- lente à de um Estado-membro. Não seria lícito sustentar, porém, que se estaria diante de modelos tão diversos que, no caso, menos do que uma omissão, haveria um exemplo de silêncio eloqüente, que obstaria à extensão do direito de propositura aos órgãos do Distrito Federal.
Assinale-se que se afigura decisivo para o desate da questão a disciplina contida no art. 32 da Constituição, que outorga ao Distrito Federal poder de auto-organização, atribui-lhe as competências legislativas dos Estados e Municípios e define regras para a eleição de Governador, Vice-Governador e Deputados Distritais, que em nada diferem do sistema consagrado para os Estados-Membros.
Dessarte, para os efeitos exclusivos do sistema de controle de constitucionalidade, as posições jurídicas do Governador e da Câmara Legislativa do Distrito Federal em nada diferem das situações jurídicas dos Governadores de Estado e das Assembléias Legislativas.
O eventual interesse na preservação da autonomia de suas unidades contra eventual intromissão por parte do legislador federal é em tudo semelhante. Também o interesse
genérico na defesa das atribuições específicas dos Poderes Executivo e Legislativo é idêntico.
Portanto, ainda que se possam identificar dessemelhanças significativas entre o Estado- Membro e o Distrito Federal e, por isso, também entre os seus órgãos executivos e legislativos, é lícito concluir que, para os fins do controle de constitucionalidade abstrato, as suas posições jurídicas são, fundamentalmente, idênticas.
Não haveria razão, assim, para deixar de reconhecer o direito de propositura da ação direta de inconstitucionalidade ao Governador do Distrito Federal e à Mesa da Câmara Legis- lativa, a despeito do silêncio do texto constitu- cional.
O direito de propositura do Governador do Distrito Federal foi contemplado expressamente pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn nº 645, reconhecendo-se a sua legitimidade ativa “por via de interpretação compreensiva do texto do art. 103, V, da CF/88, c/c o art. 32, § 1º, da mesma Carta”43.
- O Executivo e o Legislativo na ação declaratória de constitucionalidade
- Considerações preliminares
A Emenda Constitucional nº 3, de 1993, introduziu em nosso sistema a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, assegurando o direito de propositura
ao Presidente da República, à Mesa da Câmara e à Mesa do Senado Federal, bem como ao Procurador-Geral. Restou excluída do âmbito da ação declaratória a legislação estadual.
A Lei Fundamental de Bonn outorgou ao Bundesverfassungsgericht competência para examinar, no controle abstrato de normas, a compatibilidade entre o direito federal e a Lei Fundamental ou entre o direito estadual e a Lei Fundamental ou outras disposições do direito federal (art. 93, I, 2), no caso de existência de dúvida (Zweifel) ou controvérsia (Meinungs- verschiedenheit).
De um lado, esse processo revela-se adequado instrumento de defesa da Consti- tuição, permitindo eliminar do ordenamento jurídico as leis inconstitucionais (função de defesa)44. De outro, o controle abstrato de normas contribui para a segurança jurídica quando infirma a existência de inconstitucio- nalidade, espancando dúvidas sobre a higidez da situação jurídica (segurança jurídica)45.
Deve-se ressaltar que, em virtude da escolha dos órgãos legitimados, a instauração do controle abstrato de normas dá-se, normal- mente, em caso de conflito entre a maioria governamental e a oposição parlamentar. Tal circunstância permite que esta se valha do seu direito de instaurar o controle abstrato ou que o faça por meio do Governo de um dos Estados por ela controlado46.
Dessa forma, pode o próprio Governo con- tribuir para uma maior clareza e segurança jurídica, conforme, de resto, demonstram alguns exemplos da jurisprudência da Corte Constitucional Alemã47.
Assim, cumpre a ação declaratória de constitucionalidade a função de afastar a inse- gurança jurídica decorrente de pronuncia- mentos judiciais contraditórios. O mesmo fenômeno se constata entre nós com a adoção
da Ação Declaratória de Constitucionalidade pela Emenda nº 3, de 1993.
- Ação declaratória: requisitos de admissibi- lidade
Ao contrário da proposta contida na Emenda Roberto Campos, que outorgava o direito de propositura da ação direta de consti- tucionalidade a todos os entes legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade,
a Emenda nº 3, de 1993, acabou por deferir esse direito apenas ao Presidente da República, à Mesa do Senado Federal, à Mesa da Câmara
dos Deputados e ao Procurador-Geral da República (art. 103, § 4º).
Ao lado do direito de propositura, há de se cogitar aqui, também, de uma legitimação para agir in concreto, tal como consagrada no direito alemão, que se relaciona com a existência de um estado de incerteza, gerado por dúvidas ou controvérsias sobre a legitimidade da lei. Há de se configurar, portanto, situação hábil a afetar a presunção de constitucionalidade, que é apanágio da lei.
Embora o texto constitucional não tenha contemplado expressamente esse pressuposto, é certo que ele é inerente às ações declaratórias, mormente às ações declaratórias de conteúdo positivo.
Assim, não se afigura admissível a propo- situra de ação direta de constitucionalidade, se não houver controvérsia ou dúvida relevante quanto à legitimidade da norma.
Evidentemente, são múltiplas as formas de manifestação desse estado de incerteza quanto
à legitimidade da norma.
A insegurança poderá resultar de pronun- ciamentos contraditórios da jurisdição ordinária sobre a constitucionalidade de determinada disposição.
Se a jurisdição ordinária, por meio de dife- rentes órgãos, passar a afirmar a inconstitucio- nalidade de determinada lei, poderão os órgãos legitimados, se estiverem convencidos de sua constitucionalidade, provocar o Supremo Tribunal Federal para que ponha termo à controvérsia instaurada.
Da mesma forma, pronunciamentos contra- ditórios de órgãos jurisdicionais diversos sobre a legitimidade da norma poderão criar o estado de incerteza imprescindível para a instauração da ação declaratória de constitucionalidade.
Embora as decisões judiciais sejam provo- cadas ou mesmo estimuladas pelo debate doutrinário, é certo que simples controvérsia doutrinária não se afigura suficiente para obje- tivar o estado de incerteza apto a legitimar a propositura da ação, uma vez que, por si só, ela não obsta à plena aplicação da lei.
Assim, não configurada dúvida ou contro- vérsia relevante sobre a legitimidade da norma, o Supremo Tribunal Federal não deverá conhecer da ação proposta.
É certo, pois, que somente a configuração de um estado de incerteza poderá legitimar – concretamente – a instauração do controle abstrato de normas na sua acepção positiva.
Ao julgar a Ação Declaratória de Constitu- cionalidade nº 1, firmou o Supremo Tribunal Federal entendimento no sentido de que referida ação somente poderia ser proposta em caso de
existência de firme controvérsia judicial sobre a legitimidade da lei federal48.
- Ação declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual
Em face do silêncio do texto constitucional, na versão da Emenda nº 3, de 1993, restaria indagar se os Estados-membros poderiam instituir a ação declaratória de constitucionali-
dade no âmbito da unidade federada com obje- tivo de afirmar a legitimidade de atos norma- tivos estaduais e municipais em face da Constituição estadual.
A imprecisão da fórmula adotada na Emenda nº 16, de 1965 – representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral –, não consegue
esconder o propósito inequívoco do legislador constituinte, que era o de permitir, “desde logo, a definição da controvérsia constitucional sobre leis novas”.
Não se pretendia, pois, que o Procurador- Geral instaurasse o processo de controle abstrato com o propósito exclusivo de ver declarada a inconstitucionalidade da lei, até porque ele poderia não tomar parte na controvérsia constitucional ou, se dela partici- passe, estar entre aqueles que consideravam válida a lei.
Não se fazia mister, portanto, que o Procu- rador-Geral estivesse convencido da inconsti- tucionalidade da norma. Era suficiente o requisito objetivo relativo à existência de “con- trovérsia constitucional”. Daí ter o constituinte utilizado a fórmula equívoca – representação contra a inconstitucionalidade da lei, encami- nhada pelo Procurador-Geral da República – que explicitava, pelo menos, que a dúvida ou a eventual convicção sobre a inconstituciona- lidade não precisava ser por ele perfilhada.
Se correta essa orientação, parece legítimo admitir que o Procurador-Geral da República tanto poderia instaurar o controle abstrato de normas, com o objetivo precípuo de ver decla- rada a inconstitucionalidade da lei ou ato nor- mativo (ação declaratória de inconstituciona- lidade ou representação de inconstitucionali- dade), como poderia postular, expressa ou ta- citamente, a declaração de constitucionalidade da norma questionada (ação declaratória de constitucionalidade).
A cláusula sofreu pequena alteração na Constituição de 1967 e de 1967/69 (represen- tação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual – CF 1967, art. 115, I, “l”; CF 1967/69, art. 119, I, “l”).
O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, na versão de 197049, consagrou expres- samente essa idéia:
“Art. 174.
- 1º Provocado por autoridade ou por terceiro para exercitar a iniciativa pre- vista neste artigo, o Procurador-Geral,
entendendo improcedente a fundamen- tação da súplica, poderá encaminhá-la com parecer contrário”.
Essa disposição, que, como visto, consoli- dava posição tradicional no Tribunal, permitia
ao titular da ação encaminhar a postulação que lhe fora dirigida por terceiros, manifestando-se, porém, em sentido contrário.
Não é preciso maior esforço de argumen- tação para demonstrar que, do ponto de vista dogmático, nada mais fez o Regimento Interno do que positivar, no plano processual, a orien- tação que balizara a instituição da representação de inconstitucionalidade (controle abstrato) entre nós.
Ela se destinava não apenas a eliminar a lei declarada inconstitucional da ordem jurídica (pedido de declaração de inconstitucionali- dade), mas também a elidir controvérsias que se instaurassem sobre a legitimidade de deter- minada norma (pedido de declaração de constitucionalidade).
Assim, se o Procurador-Geral encaminhava súplica ou representação de autoridade ou de terceiro, com parecer contrário, estava simples- mente a postular uma declaração (positiva) de constitucionalidade. O pedido de representação, formulado por terceiro e encaminhado ao Supremo, materializava, apenas, a existência da “controvérsia constitucional” apta a funda- mentar uma “necessidade pública de controle”.
Essa cláusula foi alterada, passando o Regimento Interno a conter as seguintes disposições:
“Art. 169. O Procurador-Geral da República poderá submeter ao Tribunal, mediante representação, o exame de lei ou ato normativo federal ou estadual, para que seja declarada a sua inconstitu- cionalidade.
- 1º Proposta a representação, não se admitirá desistência, ainda que afinal o Procurador-Geral se manifeste pela sua improcedência”.
Parece legítimo supor que essa modificação não alterou, substancialmente, a idéia básica que norteava a aplicação desse instituto. Se o titular da iniciativa manifestava-se, afinal, pela constitucionalidade da norma impugnada, é porque estava a defender a declaração de constitucionalidade.
Na prática, continuou o Procurador-Geral a oferecer representações de inconstituciona- lidade, ressaltando a relevância da questão e manifestando-se, afinal, muitas vezes, em favor da constitucionalidade da norma.
A falta de maior desenvolvimento doutri- nário e a própria balbúrdia conceitual instau-
rada em torno da representação interventiva50
- confusão essa que contaminou os estudos do novo instituto – não permitiram que essas idéias fossem formuladas com a necessária
A própria disposição regimental é equívoca, pois, se interpretada literalmente, reduziria o papel do titular da iniciativa, o Procurador- Geral da República, ao de um despachante autorizado, que poderia encaminhar os pleitos que lhe fossem dirigidos, ainda que com parecer contrário.
Assinale-se, porém, que a idéia subjacente a essa fórmula imperfeita, concepção que já havia presidido a própria elaboração da Emenda Constitucional nº 16, era a de que o Procurador- Geral da República poderia instaurar o controle
abstrato de normas quando surgissem “contro- vérsias constitucionais”.
Ser-lhe-ia legítimo, pois, tanto pedir a declaração de inconstitucionalidade, como advogar a pronúncia de uma declaração de constitucionalidade. A “controvérsia constitu- cional” ou a dúvida fundada sobre a constitu- cionalidade da norma representava, assim, um pressuposto processual implícito do controle abstrato de normas (pressuposto objetivo), que legitimava a instauração do controle abstrato de normas, seja com o escopo de ver declarada a inconstitucionalidade da norma, seja com o propósito de ver afirmada a sua constituciona- lidade.
Daí ter o saudoso Victor Nunes Leal obser- vado, em palestra proferida na Conferência Nacional da OAB de 1978 (Curitiba), que, “em caso de representação com parecer contrário, o que se tem, na realidade, sendo privativa a iniciativa do Procurador-Geral, é uma repre- sentação de constitucionalidade”51.
A propósito, acrescentou, ainda, o notável jurisconsulto:
“Relembro, aliás, que o ilustre Pro- fessor Haroldo Valladão, quando Procu- rador-Geral da República52, sugeriu ao signatário (não sei se chegou a registrá-lo por escrito) a conveniência de deixar expressa no Regimento a representação destinada a afirmar a constitucionalidade, para solver dúvidas, ainda que não hou- vesse pedido formal de terceiros no sentido da inconstitucionalidade”53.
Sem dúvida, a disciplina específica do tema no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal serviria à segurança jurídica, na medida
em que afastaria, de uma vez por todas, as controvérsias que marcaram o tema no direito constitucional brasileiro.
Assinale-se que o registro dessas assertivas constantes de manifestação autorizada de Victor Nunes demonstra também que, ao contrário do que afirmado por alguns autores, o instituto da ação declaratória de constitucionalidade não representa um novum sequer para a doutrina constitucional pátria.
Entendida a representação de inconstitu- cionalidade como instituto de conteúdo dúplice ou de caráter ambivalente, mediante o qual o Procurador-Geral da República tanto poderia postular a declaração de inconstitucionalidade da norma, como defender a declaração de sua constitucionalidade, afigurar-se-ia legítimo sustentar, com maior ênfase e razoabilidade, a tese relativa à obrigatoriedade de o Procurador- Geral submeter a questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, quando isso lhe fosse solicitado.
A controvérsia instaurada em torno da recusa do Procurador-Geral da República de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal representação de inconstitucionalidade contra o Decreto-Lei 1.077, de 1970, que instituiu a censura prévia sobre livros e periódicos54, não serviu – infelizmente – para realçar esse outro lado da representação de inconstitucionalidade55. De qualquer sorte, todos aqueles que sustentaram a obrigatoriedade de o Procurador- Geral da República submeter a representação ao Supremo Tribunal Federal, ainda quando estivesse convencido da constitucionalidade da norma56, somente podem ter partido da idéia de que, nesse caso, o Chefe do Ministério Público deveria, necessária e inevitavelmente, formular uma ação declaratória – positiva – de
constitucionalidade.
Na Representação 1.092, relativa à consti- tucionalidade do instituto da reclamação, contido no Regimento Interno do antigo Tribunal Federal de Recursos, viu-se o Procu- rador-Geral da República, que instaurou o processo de controle abstrato de normas e se manifestou, no mérito, pela improcedência do pedido, na contingência de ter de opor embargos infringentes da decisão proferida, que julgava procedente a ação proposta, declarando incons- titucional a norma impugnada57.
O Supremo Tribunal Federal considerou admissíveis os embargos pelos fundamentos contidos no voto do eminente Relator, Ministro
Néri da Silveira:
“Se os embargos constituem um recurso e este é meio de provocar, na mesma ou na superior instância, a reforma ou a modificação de uma sentença desfavorável, seria, em princí- pio, de entender que, procedente a ação, ao autor não caberia opor-se ao resultado, que pleiteou vestibularmente. Porque não sucumbente, não estaria legitimado a recorrer.
Sucede, porém, que, na ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, por sua natureza, enquanto instrumento especial de controle jurisdicional de constitucio- nalidade, não é, desde logo, de invocar os princípios regentes da teoria do processo civil, senão na medida que os consagrou o Regimento do STF, onde se regula a representação de competência originária e exclusiva desta Corte (Cons- tituição, art. 119, I, letra l). Assim, já se tornou assente o descabimento da assistência no processo de representação para a declaração de inconstitucionali- dade de lei ou ato normativo federal ou estadual ou para interpretação de lei
(Representações nº 1.161-5-GO, 1.155-1- DF e 972-DF). Por igual, não se afirma impedimento de membro da Corte para
o julgamento da ação direta de inconsti- tucionalidade ou de interpretação de lei ou ato normativo federal (Sessão de 13-9-1983). Ao Procurador-Geral da República, a quem a Constituição reser- va, com exclusividade, aforar a ação, não se lhe reconhece, todavia, a faculdade de desistir da representação. Instrumento por via do qual se exerce função política do Judiciário, no controle dos atos dos outros Poderes, e dele próprio, o proce- dimento de ação direta se reveste de especialidade com sua destinação. O julgamento, na representação, refere-se à lei ou ato normativo, em tese, e a deci- são que os tem como inconstitucionais encerra, em si mesma, o efeito de excluir- lhes a eficácia erga omnes, dispensada, assim, qualquer posterior manifestação do Senado Federal para suspender a exe- cução da lei ou ato normativo, tidos como inválidos, a teor do art. 42, VII, da Constituição. De outra parte, está no parágrafo único do art. 169 do Regimento
Interno do STF que o Procurador-Geral da República, inobstante autor da ação direta, pode, em sua manifestação final, pedir a improcedência da representação, tal como na espécie aconteceu (fls. 141/ 151). Pontes de Miranda, de referência à posição do Chefe do Ministério Público Federal, diante da norma do art. 119, I, letra l, da Constituição, observa: ‘A legitimidade ativa, que tem o Procurador- Geral da República, estende-se à oposi- ção de embargos de nulidade ou infrin- gentes do julgado ou dos embargos declaratórios. É órgão da União: não só a representa, representa-a, como órgão que é’ (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. 2. ed. t. 2, p. 11). Em face da especialidade do processo da ação direta de inconsti- tucionalidade, compreendo que o Procu- rador-Geral pode, inobstante julgada procedente a representação, notadamente, se pedir em sua manifestação final a improcedência da demanda constitu- cional, interpor embargos infringentes ao acórdão do STF”58.
Ora, ao admitir o cabimento dos embargos infringentes opostos pelo Procurador-Geral da República contra decisão que acolheu represen- tação de inconstitucionalidade de sua própria iniciativa, o Supremo Tribunal Federal contri- buiu para realçar esse caráter ambivalente da representação de inconstitucionalidade, reco- nhecendo implicitamente, pelo menos, que ao titular da ação era legítimo tanto postular a declaração de inconstitucionalidade da lei, se disso estivesse convencido, como pedir a declaração de sua constitucionalidade, se, não obstante convencido de sua constitucionalidade, houvesse dúvidas ou controvérsias sobre sua legitimidade que reclamassem um pronuncia- mento definitivo do Supremo Tribunal Federal. É verdade que a Corte restringiu significa- tivamente essa orientação no acórdão de 8 de setembro de 1988. O Procurador-Geral da República encaminhou ao Tribunal petição formulada por grupo de parlamentares que sustentava a inconstitucionalidade de determi- nadas disposições da Lei de Informática (Lei
nº 7.232, de 29 de outubro de 1984). O Tribunal considerou inepta a representação, entendendo que, como a Constituição previa uma ação de
inconstitucionalidade, não poderia o titular da ação demonstrar, de maneira insofismável, que perseguia outros desideratos59.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha considerado inadmissível a representação na qual o Procurador-Geral da República afirma, de plano, a constitucionalidade da norma, é certo que essa orientação, calcada numa inter- pretação literal do texto constitucional, não parece condizente, tal como demonstrado, com a natureza do instituto e com a sua práxis desde
a sua adoção pela Emenda nº 16, de 1965.
Todavia, a Corte continuou a admitir as representações e, mesmo após o advento da Constituição de 1988, as ações diretas de inconstitucionalidade nas quais o Procurador- Geral limitava-se a ressaltar a relevância da questão constitucional, pronunciando-se, afinal, pela sua improcedência60.
Em substância, era indiferente, tal como percebido por Victor Nunes, que o Procurador- Geral sustentasse, desde logo, a constituciona- lidade da norma, ou que encaminhasse o pedido para, posteriormente, manifestar-se pela sua improcedência.
Essa análise demonstra claramente que, a despeito da utilização do termo representação de inconstitucionalidade, o controle abstrato de normas foi concebido e desenvolvido como processo de natureza dúplice ou ambivalente.
Portanto, não parece subsistir dúvida de que a ação declaratória de constitucionalidade tem a mesma natureza da ação direta de inconsti- tucionalidade, podendo-se afirmar até que aquela nada mais é do que uma ADIN com sinal trocado61.
Se se entender – o que parece absolutamente correto do prisma dogmático – que a própria representação de inconstitucionalidade contém, em si mesma, a ação declaratória de constitu- cionalidade, poder-se-á sustentar, de forma plausível, que, independentemente de qualquer autorização expressa do legislador constituinte federal, estão os Estados-membros legitimados a instituir a ação declaratória de constitucio- nalidade.
- O Executivo e o Legislativo no controle incidental de normas
- Introdução
Não se pode deixar de registrar, ainda, o significado para órgãos do Executivo do controle incidental de normas.
Ao contrário do que se verifica no sistema
americano de controle de constitucionalidade, a ordem jurídica brasileira não outorga uma posição privilegiada aos órgãos da adminis- tração ou da legislatura no processo incidental de controle de constitucionalidade62. Se a questão envolver apenas pessoas privadas, não terá o Poder Público oportunidade de proceder à defesa do ato questionado.
É verdade, todavia, que, desde 1934, vem-se exigindo que a decisão afirmadora da incons- titucionalidade de uma dada lei ou ato norma- tivo seja proferida pela maioria absoluta dos membros do Tribunal. A partir de 1977, passou- se a admitir que tal decisão fosse proferida também pela maioria absoluta do órgão especial da Corte de Justiça (CF 1988, art. 97).
Nos últimos tempos, enceta-se discussão sobre a legitimidade de se utilizar a ação civil pública como instrumento de controle de consti- tucionalidade de leis federais, estaduais ou municipais.
A discussão não é desprovida de sentido, até porque a decisão que, nesse processo, afirma a inconstitucionalidade de uma dada lei acaba por ser dotada de eficácia geral. Assim, muitas vezes a decisão proferida na ação civil pública pelo juízo monocrático provocará o esvazia- mento do significado normativo de uma dispo- sição. É lícito, pois, indagar sobre a legitimi- dade da utilização da ação civil pública como instrumento de controle de normas.
- O controle de constitucionalidade e a ação civil pública
Como se sabe, no Brasil, a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, consagrou a ação civil pública como instrumento de defesa dos
chamados “interesses difusos e coletivos”. Nos termos da própria lei especial, a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação ou o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer. É, portanto, amplíssimo o objeto da ação civil pública na ordem jurídica brasileira, estando a sua utilização condicionada, funda- mentalmente, apenas à própria definição do conceito jurídico indeterminado relativo aos “interesses difusos e coletivos”.
Esse objeto extremamente amplo tem ense- jado a utilização da ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade. A despeito do embaraço que não raras vezes provoca, o tema não tem merecido reflexão mais acurada no âmbito da nossa Dogmática Constitucional.
A pergunta básica que se pretende intro- duzir é a seguinte: é legítima a utilização da ação civil pública na ordem jurídica brasileira para obter a declaração de inconstitucionali- dade de lei ou ato normativo? Evidentemente, essa questão sugere desdobramentos: em face das próprias especificidades processuais que caracterizam a ação civil pública, poder-se-ia ainda cogitar de um controle meramente inci- dental ou concreto de constitucionalidade cuja eficácia restaria limitada às partes envolvidas na controvérsia? Ou, de fato, estamos diante de um processo especialíssimo, de característica notoriamente objetiva, isto é, sem partes, no qual o requerente atua na defesa genérica do interesse público?
Não há dúvida de que as respostas a essas questões dependem de algumas reflexões sobre o próprio modelo brasileiro de controle de consti- tucionalidade. O sistema adotado no Brasil, de inspiração americana, limitava-se, inicialmente, a um controle incidental ou concreto. A questão constitucional haveria de ser considerada no âmbito de um caso ou de uma controvérsia concreta entre as partes. A adoção da repre- sentação interventiva a partir, efetivamente, de 1946 ensejou o desenvolvimento do controle abstrato, consagrado pela Emenda Constitu-
cional nº 16, de 1965, e mantido pelo Texto Constitucional de 1967/69.
Como visto, a Constituição de 1988 redu- ziu o significado do controle de constituciona- lidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103), permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas.
A propósito, vale registrar pronunciamento do Ministro Moreira Alves no RE nº 91.740-RS: “Com efeito, o controle da inconsti- tucionalidade das leis, em tese, ainda quando deferido – como sucede no Brasil
- ao Poder Judiciário, não é, ao contrário do que ocorre com o controle incidenter tantum (que, por isso mesmo, foi admi- tido nos Estados Unidos da América do Norte, independentemente de texto cons- titucional que o consagrasse expressa- mente), ínsito à atribuição jurisdicional (aplicar a lei válida e vigente ao caso concreto submetido ao Judiciário), mas ato de natureza eminentemente política,
uma vez que, por ele, julga-se, direta- mente e em abstrato, a validade de ato dos outros Poderes do Estado (o Legis- lativo e o Executivo), em face dos preceitos constitucionais a que todos os Poderes devem guardar obediência. Por isso mesmo, Willoughby (The Supreme Court of the United States. Baltimore :
- Hopkins, 1890. p. 36) faz esta adver- tência:
‘Todo ato do Poder Legislativo é presumidamente válido. Sua constitu- cionalidade somente pode ser testada se trazida diante da Corte em caso concreto. A Corte nunca vai de encontro à lei, nem antecipa, em juízo sobre sua constitu- cionalidade, a execução que lhe dará. A Corte é trazida para a arena política independentemente de sua vontade. Ela julga a lei somente porque é obrigada a julgar o caso.’
“Por isso mesmo, o controle de consti- tucionalidade in abstracto (principal- mente em países em que, como o nosso, admite-se, sem restrições, o incidenter tantum) é de natureza excepcional, e só se permite nos casos expressamente previstos pela própria Constituição, como consectário, aliás, do princípio da harmonia e independência dos Poderes do Estado. Não há que se falar, portanto, nesse terreno, de omissão da Consti- tuição Federal que possa ser preenchida
- principalmente quando se trata, como no caso, de meio de controle para a preservação da obediência dela – por norma supletiva de Constituição Se nem o Supremo Tribunal Federal pode julgar da constitucionalidade, ou não, em tese, de lei ou ato normativo municipal diante da Constituição Federal, como admitir-se que as Constituições Estaduais, sob o pretexto de omissão daquela, dêem esse poder, de natureza, como disse, eminentemente política, aos Tribunais de Justiça locais e, portanto, ao próprio Supremo Tribunal Federal, por via indi- reta, em grau de recurso extraordinário?
“Ocorre, pois, no caso, impossibilidade jurídica que reconheço de ofício”63.
Ressalte-se que, na apreciação da questão, destacou-se a singularidade desses tipos de processo consistente na necessária eficácia erga omnes do pronunciamento da Corte que profere
a declaração de inconstitucionalidade.
A ela assim se referiu o Ministro Moreira Alves:
“(…) se fosse possível aos Tribunais de Justiça dos Estados o julgamento de representações dessa natureza, com relação a leis municipais em conflito com a Constituição Federal, poderia ocorrer a seguinte situação esdrúxula. É da índole dessa representação – e isso hoje é matéria pacífica nesta Corte – que ela, transitando em julgado, tem eficácia erga omnes, independentemente da partici- pação do Senado Federal, o que só se exige para a declaração incidenter tantum. O que implica dizer que, se tran- sitasse em julgado a decisão nela profe- rida por Tribunal de Justiça, esta Corte Suprema estaria vinculada à decla- ração de inconstitucionalidade de Tribunal que lhe é inferior, mesmo nos casos concretos futuros que lhe che- gassem por via de recurso extraor- dinário. O absurdo da conseqüência, que é da índole do instrumento, demonstra o absurdo da premissa”64.
Também o Ministro Leitão de Abreu dela se ocupou, como se vê na seguinte passagem de seu voto:
“Gostaria de deduzir, com o desen- volvimento que o alto relevo dessa questão constitucional comportaria, as razões que, a meu sentir, militariam a favor da tese perfilhada pelo acórdão recorrido, se superáveis, em relação ao presente caso, todos os óbices que se levantam acerca do cabimento da repre- sentação proposta perante o Tribunal local, para a declaração de inconstitu- cionalidade da lei municipal, de que na hipótese se trata, por incompatibilidade com a Constituição Federal. Não achei meios jurídicos, todavia, que me habili- tassem a vencer o obstáculo, levantado pelo Ministro Moreira Alves, no que diz respeito à situação que se criaria no caso de se declarar, pelo Tribunal de Justiça, inconstitucionalidade de lei municipal, por denotar conflito com a Carta Federal, sem que dessa decisão se manifeste recurso extraordinário. Transitada em julgado decisão dessa natureza, ficaria, na verdade, o Supremo Tribunal vincu- lado à declaração de inconstituciona-
lidade pronunciada pelo Tribunal de Justiça e, por via de conseqüência, impossibilitado de julgar casos concretos futuros que, em recursos extraordinários, trouxessem-se à sua apreciação. Como essa conseqüência, que seria inelutável, afigura-se-me, também, inadmissível, não há senão concluir, a meu ver, malgrado a elegante construção jurídica do Tribunal paulista, pela inconstitucio- nalidade das expressões ‘inconstitucio- nalidade’ do artigo 54, I, e, da Consti- tuição do Estado de São Paulo. Conhe- cendo, pois, do recurso, dou-lhe provi- mento para que a inconstitucionalidade assim fique pronunciada”65.
Em outras palavras, reconheceu-se que a decisão de Corte estadual que declarasse a inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Federal, com eficácia erga omnes, poderia, de forma absurda, vincular o próprio Supremo Tribunal Federal.
Assim, a característica fundamental do con- trole concreto ou incidental de normas parece ser o seu desenvolvimento inicial no curso de um processo, no qual a questão constitucional configura “antecedente lógico e necessário à declaração judicial que há de versar sobre a existência ou inexistência de relação jurídica”66.
De qualquer sorte, impende salientar que, a partir de 1934, vem a ordem constitucional brasileira emprestando tratamento especial ao controle incidental de constitucionalidade.
Como se sabe, a Constituição de 1934 consagrou a competência do Senado Federal para suspender a execução de qualquer lei ou ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal (art. 91, IV, c/c o art. 96). E, no art. 179, condicionou a declaração de inconstitu- cionalidade pelos tribunais ao sufrágio da maioria absoluta.
Tais modificações são reveladoras de uma nítida diferenciação no âmbito do controle difuso de constitucionalidade. Embora preser- vasse a competência do juiz singular para apreciar a questão constitucional, o constituinte estabelecia pressupostos para a declaração de inconstitucionalidade das leis pelos tribunais.
Subordinou-se a eficácia erga omnes da decisão do Supremo Tribunal que declarasse a inconstitucionalidade da lei ou ato à resolução do Senado Federal (art. 91, IV).
Não obstante, o sistema de declaração de inconstitucionalidade por todos os juízes e
tribunais, exigida, no caso destes, a observância do quorum especial, e a suspensão pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional, pelo Supremo Tribunal, foram incorporados pela Constituição de 1946 (arts. 101, III, b e c, 200 e 64), pela Constituição de 1967/1969 (arts. 119, III, a, b, c, 116, e 42, VII) e pela Consti- tuição de 1988 (arts. 97 e 52, X).
O controle de constitucionalidade concreto ou incidental, tal como desenvolvido no Direito brasileiro, é exercido por qualquer órgão judi- cial, no curso de processo de sua competên- cia67. A decisão, “que não é feita sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito”68, tem o condão, apenas, de afastar a incidência da norma viciada.
Daí recorrer-se à suspensão de execução, pelo Senado, de leis ou decretos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (CF 1967/1969, art. 42, VII)69.
Essa colocação parece explicitar a natureza singular da atribuição deferida ao Senado Federal. A suspensão constitui ato político que retira a lei do ordenamento jurídico, de forma definitiva e com efeitos retroativos. É o que ressalta, igualmente, o Supremo Tribunal Federal, ao enfatizar que “a suspensão da vigência da lei por inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional”70.
Ora, é fácil ver, pois, que, no âmbito da sistemática adotada pela ordem constitucional brasileira, ao contrário da decisão proferida no controle direto ou concentrado, que, por sua própria natureza, é dotada de eficácia geral, a decisão manifestada no controle difuso ou incidental há de ter eficácia limitada às partes envolvidas na controvérsia. Eventual extensão da eficácia da decisão do Supremo Tribunal Federal há de depender sempre do pronuncia- mento do Senado Federal.
De todas essas digressões resulta ser inad- missível a criação de processos destinados a aferir a legitimidade de normas de forma abstrata ou com eficácia geral pelo legislador ordinário ou pelo constituinte estadual.
Em face das características especiais que ornam a ação civil pública, seria lícito indagar sobre a sua adequação para o controle de constitucionalidade das leis na modalidade de controle incidental ou concreto. Em outros termos, seria possível que o juiz, ao apreciar pedido formulado em ação civil pública, afas- tasse topicamente a incidência ou a aplicação
de uma dada norma federal ou estadual em face da Constituição Federal? Qual seria a eficácia dessa decisão?
É fácil ver, desde logo, que a ação civil pública não se confunde, pela própria forma e natureza, com os processos cognominados de “processos subjetivos”.
A parte ativa nesse processo não atua na defesa de interesses próprios, mas procura defender um interesse público devidamente caracterizado. Assim sendo, afigura-se difícil, senão impossível, sustentar-se que a decisão que, eventualmente, afastasse a incidência de uma lei considerada inconstitucional, em ação civil, teria efeito limitado às partes processual- mente legitimadas.
É que, como já enunciado, a ação civil pública aproxima-se muito de um típico processo sem partes ou de um processo objetivo, no qual a parte autora atua não na defesa de situações subjetivas, agindo, fundamental- mente, com escopo de garantir a tutela do interesse público71.
Não foi por outra razão que o legislador, ao disciplinar a eficácia da decisão proferida na ação civil, viu-se compelido a estabelecer que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes”.
Isso significa que, se utilizada com o propósito de proceder ao controle de constitu- cionalidade, a decisão que, em ação civil pública, afastar a incidência de dada norma por eventual incompatibilidade com a ordem cons- titucional acabará por ter eficácia semelhante à das ações diretas de inconstitucionalidade, isto é, eficácia geral e irrestrita.
Já o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que essa espécie de controle genérico da constitucionalidade das leis constituiria um afazer político de determi- nadas Cortes realça a impossibilidade de utili- zação da ação civil pública com esse escopo. Em verdade, ainda que se pudesse acrescentar algum outro desiderato adicional a uma ação civil pública destinada a afastar a incidência de dada norma infraconstitucional, é certo que o seu objetivo precípuo haveria de ser a impugnação direta e frontal da legitimidade de ato normativo. Não se trataria de discussão sobre aplicação de lei a caso concreto, porque de caso concreto não se cuida. Ao revés, a própria parte autora ou requerente legitima-se não em razão da necessidade de proteção de um interesse específico, mas exatamente de um
interesse genérico amplíssimo, de um interesse público. Ter-se-ia, pois, uma decisão (direta) sobre a legitimidade da norma.
Deve-se acrescentar, ademais, que o julga- mento desse tipo de questão pela jurisdição ordinária de primeiro grau suscita um outro problema, igualmente grave, no âmbito da sistemática de controle de constitucionalidade adotada no Brasil. Diferentemente da decisão incidenter tantum proferida nos casos concre- tos, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, cuja eficácia fica adstrita às partes do processo, a decisão sobre a constitucionalidade da lei proferida pelo juiz de primeiro grau haveria de ser dotada de eficácia geral e abstrata. Nem poderia ser diferente: como as partes na ação civil pública atuam não na defesa de interesse jurídico específico, mas, propriamente, na pro- teção do interesse público, qualquer pretensão no sentido de limitar a eficácia das decisões proferidas nesses processos apenas às partes formais do processo redundaria na sua completa nulificação.
Em outros termos, admitida a utilização da ação civil pública como instrumento adequado de controle de constitucionalidade, tem-se, ipso jure, a outorga à jurisdição ordinária de primeiro grau de poderes que a Constituição não assegura sequer ao Supremo Tribunal Federal. É que, como visto, a decisão sobre a constitucionalidade da lei proferida pela Excelsa Corte no caso concreto tem, necessária e inevitavelmente, eficácia inter partes, depen- dendo a sua extensão da decisão do Senado Federal.
Ainda que se desenvolvam esforços no sentido de formular pretensão diversa, toda vez que, na ação civil, ficar evidente que a medida ou providência que se pretende questionar é a própria lei ou ato normativo, restará inequívoco que se trata mesmo é de uma impugnação direta de lei.
Nessas condições, para não se chegar a um resultado que subverta todo o sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil, tem-se de admitir a inidoneidade com- pleta da ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade, seja porque ela acabaria por instaurar um controle direto e abstrato no plano da jurisdição de primeiro grau, seja porque a decisão haveria de ter, necessariamente, eficácia transcendente das partes formais.
É verdade que o tema ora abordado ainda
não foi objeto de apreciação direta pelo Supremo Tribunal Federal. É certo, porém, que, tal como enunciado, essas conclusões parecem encontrar respaldo pleno na jurisprudência da Corte Suprema. A par de outras decisões já mencionadas, afigura-se digno de referência acórdão recém-publicado, no qual o Supremo Tribunal Federal acolheu Reclamação que lhe foi submetida pelo Procurador-Geral da Repú-
blica, determinando o arquivamento de ações ajuizadas na 2ª e 3ª Varas da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, por entender carac- terizada a usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a pretensão nelas veiculada não visava ao julga-
mento de uma relação jurídica concreta, mas ao da validade de lei em tese72.
A propósito, mencione-se a seguinte pas- sagem do voto do eminente Relator, Ministro Francisco Rezek:
“A leitura do acervo aqui produzido faz ver que o objeto precípuo das ações em curso da 2ª e 3ª Varas da Fazenda Pública da comarca de São Paulo é, ainda que de forma dissimulada, a declaração
de inconstitucionalidade da lei estadual em face da Carta da República. As requerentes, ao proporem a providência cautelar, preparatória da ação principal, deixam claro que esta visa a ‘… decretar a ilegalidade da medida…’ (fls. 34). Ocorre que a ‘medida’ tida por ilegal é a própria lei. E o juízo de inconstituciona- lidade da lei só se produz como incidente no processo comum – controle difuso – ou como escopo precípuo do processo declaratório de inconstitucionalidade da lei em tese – controle concentrado”73.
Essa orientação da Suprema Corte reforça a idéia desenvolvida de que eventual esforço dissimulatório por parte do requerente da ação civil pública haverá de restar ainda mais evi- dente, porquanto, diversamente da situação manifesta no precedente referido, o autor aqui pede tutela genérica do interesse público, devendo, por isso, a decisão proferida ter efi- cácia erga omnes. Assim, eventual pronúncia de inconstitucionalidade da lei levada a efeito pelo juízo monocrático terá força idêntica à da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no controle direto de inconstitucio- nalidade.
As especificidades desse modelo de controle, o seu caráter excepcional, o restrito deferimento
dessa prerrogativa (no que se refere à aferição de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal em face da Constituição Federal) apenas ao Supremo, a legitimação res- trita para provocação do Supremo – somente os órgãos e entes referidos no art. 103 da Cons- tituição estão autorizados a instaurar o processo de controle –, a dimensão política inegável dessa modalidade, tudo leva a infirmar a possibilidade de que se proceda ao controle de legitimidade de lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Constituição no âmbito da ação civil pública.
- Incidente de inconstitucionalidade
Na Revisão Constitucional de 1994, afigu- rou-se acertado introduzir o incidente de inconstitucionalidade, que permitiria fosse apreciada diretamente pelo Supremo Tribunal Federal controvérsia sobre a constitucionali- dade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive os atos anteriores à Constituição, a pedido do Procurador-Geral da República, do Advogado-Geral da União, do Procurador-Geral de Justiça e do Procurador- Geral do Estado, sempre que houvesse perigo de lesão à segurança jurídica, à ordem ou às finanças públicas. A Suprema Corte poderia, acolhendo incidente de inconstitucionalidade, determinar a suspensão de processo em curso perante qualquer juízo ou tribunal para proferir decisão exclusivamente sobre a questão federal suscitada.
Referido instituto destinava-se a completar o complexo sistema de controle de constitu- cionalidade brasileiro, permitindo que o Supremo Tribunal Federal pudesse dirimir, desde logo, controvérsia que, do contrário, daria ensejo certamente a um sem-número de demandas, com prejuízos para as partes e para a própria segurança jurídica.
Assim, mediante provocação de qualifi- cados atores do processo judicial, a Corte Suprema fica autorizada a suspender os processos em curso e proferir decisão exclusi- vamente sobre a questão constitucional.
Ressalte-se de imediato que, a despeito da aparente novidade, técnica semelhante já se adota entre nós desde 1934, com a chamada cisão funcional da competência, que permitia que, no julgamento da inconstitucionalidade de norma perante Tribunais, o Plenário ou o Órgão Especial julgasse a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da norma, cabendo ao órgão fracionário decidir a espécie à vista do
que restar assentado no julgamento da questão constitucional.
Sem dúvida, o incidente ensejaria a sepa- ração da questão para o seu julgamento, não pelo Pleno do Tribunal ou por seu Órgão Espe- cial, mas, diretamente, pelo Supremo Tribunal Federal.
Daí o inevitável símile com a técnica consagrada nos modelos de controle concen- trado de normas, que determina seja a questão submetida diretamente à Corte Constitucional toda vez que a norma for relevante para o julgamento do caso concreto e o juiz ou tribunal considerá-la inconstitucional (cf., v.g., Consti- tuição austríaca, art. 140, (1); Lei Fundamental de Bonn, art. 100, I, e Lei orgânica da Corte
Constitucional, §§ 13, nº 11 e 80 s.).
Todavia, as diferenças são evidentes.
Ao contrário do que ocorre nos modelos concentrados de controle de constitucionalida- de, nos quais a Corte Constitucional detém o monopólio da decisão sobre a constituciona- lidade ou a inconstitucionalidade da lei, o incidente de inconstitucionalidade não altera, em seus fundamentos, o sistema difuso de controle de constitucionalidade introduzido entre nós pela Constituição de 1891. Juízes e tribunais continuam a decidir também a questão constitucional, tal como faziam anteriormente, cumprindo ao Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição, a unifor- mização da interpretação do Texto Magno mediante o julgamento de recursos extraordi- nários contra decisões judiciais de única ou última instância.
Convém assinalar que somente em casos excepcionais, de relevante interesse público, poderia a Corte Suprema acolher o incidente de inconstitucionalidade, para proferir decisão exclusivamente sobre a questão constitucional.
O novo instituto serviria para antecipar as decisões sobre controvérsias constitucionais relevantes, evitando que elas venham a ter um desfecho definitivo após longos anos, quando muitas situações já se consolidaram ao arrepio da “interpretação autêntica” do Supremo Tribunal Federal.
A experiência histórica recente demonstra que, muitas vezes, temas polêmicos acabam sendo decididos de maneira açodada por juízes e tribunais ordinários, que optam por declarar a inconstitucionalidade de normas, reconhe- cidas, posteriormente, como legítimas pelo Supremo Tribunal Federal.
A adoção do incidente de inconstituciona- lidade propiciaria ao Supremo Tribunal Federal a oportunidade de conhecer das questões antes mesmo que se consolidassem orientações ou interpretações outras, de difícil superação ou desfazimento.
O incidente de inconstitucionalidade proposto oferece solução adequada para a difícil questão do controle de constitucionalidade da lei municipal em face da Constituição Federal. Os embaraços que se colocam à utilização da ação direta de inconstitucionalidade contra a lei municipal perante o Supremo Tribunal Federal, até mesmo pela impossibilidade de se apreciar o grande número de atos normativos comunais, poderão ser afastados com a intro- dução desse instituto, que permitirá ao Supremo Tribunal Federal conhecer das questões constitucionais mais relevantes provocadas por atos normativos municipais.
A eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nesses processos hão de fornecer a diretriz segura para o juízo sobre a legitimidade ou a ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados pelas diversas entidades comunais.
Essa solução é superior, sem dúvida, à alternativa oferecida, que consistiria no reco- nhecimento da competência dos Tribunais de Justiça para apreciar, em ação direta de incons- titucionalidade, a legitimidade de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Além de ensejar múltiplas e variadas interpretações, essa solução acabaria por agravar a crise do Supremo Tribunal Federal, com a multiplicação de recursos extraordinários interpostos contra as decisões proferidas pelas diferentes Cortes estaduais.
Outra virtude inegável do instituto reside na possibilidade de sua utilização para solver controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em face da nova Constituição.
Aprovado o referido instituto, passaria o ordenamento jurídico a dispor de um instru- mento ágil e célere para dirimir, de forma defi- nitiva e com eficácia geral, as controvérsias relacionadas com o direito anterior à Consti- tuição que, por ora, somente podem ser veicu- ladas mediante a utilização do recurso extraor- dinário, cuja decisão tem eficácia limitada às partes envolvidas no processo.
ANEXO I
ANO | PROCESSOS | ANO | PROCESSOS | ANO | PROCESSOS |
1966 | 22 | 1977 | 20 | 1988* | 202 |
1967 | 31 | 1978 | 29 | 1989 | 160 |
1968 | 01 | 1979 | 15 | 1990 | 254 |
1969 | 26 | 1980 | 40 | 1991 | 236 |
1970 | 15 | 1981 | 42 | 1992 | 166 |
1971 | 23 | 1982 | 37 | 1993 | 162 |
1972 | 20 | 1983 | 26 | 1994 | 197 |
1973 | 17 | 1984 | 55 | 1995 | 211 |
1974 | – | 1985 | 70 | 1996** | 113 |
1975 | 18 | 1986 | 81 | ||
1976 | 24 | 1987 | 114 |
* a estatística considera as Rps e as ADINs
* * até agosto de 1996
ANEXO II
REQUERENTES | 1988* | 1989 | 1990 | 1991 | 1992 | 1993 | 1994 | 1995 | 1996* | Total Parcial |
Presidente da República | – | – | – | – | – | – | – | – | – | – |
Mesa do Senado Federal | – | – | – | – | – | – | – | – | – | – |
Mesa da Câmara dos Deputados | – | – | – | – | – | – | – | – | – | – |
Governador de Estado | 2 | 60 | 102 | 56 | 49 | 45 | 32 | 62 | 18 | 426 |
Procurador-Geral da República | 191 | 22 | 62 | 67 | 64 | 46 | 68 | 49 | 7 | 382 |
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil |
1 |
4 |
9 |
3 |
3 |
6 |
3 |
6 |
7 |
38 |
Partido Político | 2 | 12 | 30 | 37 | 25 | 13 | 29 | 44 | 33 | 227 |
Confederação Sind. ou Ent. de Classe de Âmbito Nacional |
6 |
54 |
50 |
64 |
23 |
50 |
66 |
47 |
43 |
403 |
Mesa da Assembléia Legislativa | – | 3 | 1 | 7 | 4 | 1 | 1 | 3 | 22 | 22 |
Outros | – | 5 | – | 2 | 1 | 1 | 1 | 4 | 18 | 18 |
TOTAL GERAL | 202 | 160 | 254 | 236 | 166 | 162 | 197 | 211 | 113 | 1516 |
* a estatística considera as Rps e as ADINs
* * até agosto de 1996
ANEXO III
Período: outubro/88 – agosto/96 Universo da pesquisa: 1507 ADIns
Número de ADIns | |
Pedidos de Liminar | 975 |
Não conhecidas/
sem pedido de liminar |
532 |
Número Total | 1507 |
Deferidos | Indeferidos | Não apreciados | |
Pedidos de Liminar | 594 | 355 | 26 |
ADIns com Liminar deferida* |
Julgadas definitivamente |
Confirmadas | 63 |
Não confirmadas | 20 | ||
Total | 83 | ||
Pendentes | – | 508 |
* Após a concessão da liminar, 3 (três) ADIns não foram conhecidas.
Notas de Rodapé
1 MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina cons- titucional e o controle de constitucionalidade como garantia da cidadania. Cadernos de Direito Tribu- tário e Finanças Públicas, v. 1, n. 3, p. 21-43, abr./ jun. 1993.
2 ANSCHÜTZ, Gerhard. Verhandlungen des 34.
juristentags. Berlim, 1927. v. 2, p. 208.
3 KELSEN, Hans. Entwicklung der staatsgeri- chtsbarkeit. VVDStRL 5 (1929), p. 30.
4 HÄBERLE, Peter. Verfassungsgerichtsbarkeit. Darmstadt, 1976. p. 1, Grundprobleme der verfas- sungsgerichtsbarkeit.
5 MS nº 20.257. Relator: Ministro Moreira Alves. Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 99, p. 1031-1041.
6 FERRAZ, Anna Cãndida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo, 1994. p. 204.
7 Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. t. 1, p. 770-771.
8 ADIn 748. Relator: Ministro Celso de Mello.
Diário da Justiça, 6 nov. 1992. p. 20.105.
9 KELSEN, Hans. Wesen und entwicklung der staatsgerichtsbarkeit, VVDStRL 5 (1929), p. 41.
10 Como observado por Ipsen (Rechtsfolgen der Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt, p. 147), o ponto central do problema residia, para Kelsen, na diferenciação entre a competência da jurisdição constitucional e da jurisdição adminis- trativa.
11 KELSEN, op cit. p. 39.
12 ATALIBA, Geraldo. Poder Regulamentar do Executivo. Revista de Direito Público, n. 57-58, p. 197-198.
13 No direito alemão, ERICHSEN. Staatsrecht und verfassungsgerichtsbarkeit. v. 1, p. 20.
14 PAPIER, Hans-Jürgen. “Bundesverfassungs- gericht und Grundgesetz. v. 1, p. 432-434 : Spezi- fisches verfassungsrecht” und “einfaches recht” als argumentationsformel des bundesverfassungsgerichts.
15 MELLO, O. A. Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. v. 1, p. 314-316; ATALIBA, Geraldo. Poder regulamentar do Executivo. Revista de Direito Público, n. 57-58, p. 196; LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. p. 37; MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969. v. 3, p. 312- 314; sobre a questão no direito tedesco, STERN, Staatsrecht der Bundesrepublik, v. 1, p. 85-87.
16 Proposta de emenda revisional do Deputado Adroaldo Streck (Proposta nº 3.342), que recomen- dava também a supressão do art. 49, X (competência
do Congresso Nacional para sustar atos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa).
17 NUNES, José de Castro. Teoria e Prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro, 1943. p. 593.
18 BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitu- cional. p. 63.
19 CAMPOS, Francisco. Diretrizes Constitucio- nais do novo Estado brasileiro. Revista Forense, v. 73, n. 415/417, p. 229, jan./mar. 1938. Cf., a seguinte passagem, verbis:
“Não me parece essencial ao Poder Judi- ciário a prerrogativa de declarar a inconsti- tucionalidade das leis ou de recusar-lhes a execução com fundamento na sua incompa- tibilidade com a carta constitucional. Para que se pudesse considerar como essencial essa prerrogativa, seria indispensável que sem ela não se pudesse conceber a existência do Poder Judiciário.
“Ora, tal prerrogativa não é um atributo que se encontre reconhecido universalmente ao Poder Judiciário. Ao contrário, é um atri- buto do Poder Judiciário do tipo americano, e mesmo nos Estados Unidos seriamente combatido com os melhores fundamentos.
“A constituição americana é, como se sabe, obra de um pequeno número de grandes legistas. A supremacia do Poder Judiciário, mediante a prerrogativa que lhe foi atribuída de guarda suprema da Constituição, foi um arranjo ou uma construção imaginada por legistas.
“Os legistas são, por natureza, conserva- dores, e a perspectiva de mudanças, inova- ções ou experiências sempre os intimida. Os interesses criados constituem o centro das suas preocupações. Nos arranjos ou nas combinações dos mecanismos de governo, de processo ou de justiça, o que domina o seu espírito não é o lado dinâmico, liberal ou progressista, mas o estático, o das garantias que assegurem a permanência do status quo, a duração do adquirido, a estabilidade das situações consolidadas, a conservação dos interesses criados. O mundo dos legistas não é o do futuro, mas o do passado, o mundo dos arquétipos ou das fórmulas em que se cristalizou a experiência do passado.
“Os legistas que formularam a teoria da Constituição americana não constituíam exceção aos caracteres que definem, em todo o mundo, a família dos legistas. A implan- tação de instituições eminentemente dinâ- micas, como são as instituições democráticas, despertou no seu espírito o temor de que elas viessem a constituir fonte de desassossego ou de mudanças na ordem de cousas estabe- lecida. Cumpria tutelar os poderes de origem popular, sujeitos às injunções da opinião pública, criando um super poder, de caráter
permanente e sem nenhuma dependência para com os movimentos de opinião, de maneira que os órgãos representativos não fossem compelidos pelas pressões populares a entrar no caminho das inovações ou das reivindicações democráticas, que sempre se fazem, como é natural, à custa dos interesses criados. Ora, os juízes, não só pela formação especial do seu espírito, como pela situação privilegiada que lhe era assegurada na Cons- tituição, tenderiam, naturalmente, a manter a ordem de cousas estabelecida, procurando, de boa-fé, interpretar a Constituição no sentido da concepção do mundo próprio à sua família espiritual, isto é, de acordo com o princípio, que informa toda filosofia conser- vadora, de que a ordem de cousas vigentes em um dado momento é a ordem natural e eterna.
“O mecanismo de controle judicial, inventado pelos legistas americanos, corres- pondia, inteiramente, aos motivos, cons- cientes ou obscuros, que os inspiravam. O caráter dinâmico das instituições democrá- ticas se achava coarctado por uma poderosa força de inibição, tanto mais poderosa quanto idealizada por uma hábil propaganda, que conseguiu criar no público a convicção de que a peça teria por função proteger o povo contra os abusos do poder.
“A verdade, porém, é que o mecanismo de controle judicial da constitucionalidade das leis tinha por fim exclusivo a proteção dos interesses criados ou da ordem de cousas estabelecida contra as veleidades de inicia- tiva dos poderes representativos no sentido de favorecer as aspirações populares ou de alterar, na direção democrática, as relações de poder existentes no País ao tempo da promulgação da Constituição.
“A ideologia conservadora encontrou, assim, no Poder Judiciário, o instrumento destinado a moderar ou inibir os ímpetos democráticos da Nação. A Constituição passava, por um processo metafísico, a incorporar a filosofia dos juízes. Essa filoso- fia, que se confundia com a Constituição, tornava-se, assim, filosofia obrigatória no País. Só era constitucional a concepção do mundo dos juízes, os seus pontos de vista preconcebidos em relação à sociedade, aos direitos individuais e aos interesses da Nação. Por este artifício, a política de uma demo- cracia, a qual, como toda política democrática, é eminentemente ativa e dinâmica, era trans- ferida dos órgãos de delegação popular para um cenáculo de notáveis, que uma série de prerrogativas e de privilégios tornava independente, senão impermeável às mudan- ças operadas no sentimento público ou na
concepção da vida dos seus contemporâneos.
“Completando o processo, seguramente ingênuo e de boa-fé, de dissimulação do papel conferido ao Poder Judiciário, a teoria procurou atenuar a sua importância, decla- rando que o julgamento dos tribunais pres- supõe uma provocação e um litígio, isto é, que o supremo intérprete da Constituição não tem a faculdade de interpretá-la em abstrato. Como observa, porém, LORD BIRKENHEAD, quando o tribunal, decidindo um litígio, declara a lei inconstitucional, o que ele decide, em última análise, é o caso da lei, privando-a de toda autoridade.
“Ora, a Constituição tem por conteúdo os grandes poderes do governo destinados a serem exercidos para grandes fins públicos. Atribuir a um Tribunal a faculdade de declarar o que é constitucional é, de modo indireto, atribuir-lhe o poder de formular nos termos que lhe parecerem mais convenientes ou adequados à própria Constituição. Trata- se, no caso, de confiar a um órgão que se não origina do povo, e que não se encontra sujeito à sua opinião, o mais eminente dos poderes, porque, precisamente, o poder que define os grande poderes do governo e os grandes fins públicos a que se destina o governo. O controle judicial da constitucionalidade das leis é, sem dúvida nenhuma, um processo destinado a transferir do povo para o Poder Judiciário o controle do governo, controle tanto mais obscuro quanto insusceptível de inteligibilidade pública, graças à aparelhagem técnica e dialética que o torna inacessível à compreensão comum. A supremacia do judi- ciário não é, pois, como procura fazer acre- ditar uma ingênua doutrina que atribui ao método jurídico um caráter puramente lógico e objetivo, uma supremacia aparente. É, ao contrário, uma supremacia política, porque a função de interpretar, que redunda na de formular a Constituição, é a mais alta ou a mais eminente das funções políticas.
“O controle judicial da constitucionali- dade das leis, ao invés de constituir uma proteção do povo, era um expediente sabia- mente engenhado para o fim de impedir ou moderar as reivindicações populares, ou colocar sob o controle dos interesses criados ou da filosofia conservadora dos beneficiários da ordem estabelecida a evolução das insti- tuições democráticas, privando-as das virtua- lidades dinâmicas que lhes são inerentes.
“É, como se vê, uma sobrevivência do Poder Moderador da monarquia, um resíduo monárquico que se enquistou nas instituições democráticas com o fim de embaraçar os seus movimentos naturalmente orientados no sentido das inovações, das experiências e de
uma concepção criadora e liberal da vida, exatamente o oposto da filosofia própria aos interesses criados, que postulam a conser- vação, a permanência, a continuidade, a duração das situações adquiridas.
“A propósito da idealização de que o controle judicial foi objeto nos Estados Unidos, ALLEN SMITH, falecido Professor de ciência política na Universidade de Washington, escreve no seu livro póstumo The growth and decadence of constitutional government:
‘Não há, provavelmente, outro exemplo, em toda a história da evolução constitucio- nal, em que a opinião haja sido tão iludida quanto à verdadeira natureza de um arranjo ou de um artifício político. A razão ostensiva de atribuir o poder de veto aos tribunais era a de prover um meio de tornar efetivas as limitações constitucionais; o objetivo real era, porém, o de concentrar o poder político na Suprema Corte dos Estados Unidos, e, mediante a função que lhe era conferida de interpretação final, transformar a constituição no baluarte do conservantismo.’
“Eis aí como, em instituições democrá- ticas, o povo, ao invés de controlar, passa a ser controlado por um poder em cuja formação não participou e cujos processos de controle, duplamente dissimulados, porque exercidos sob as modestas aparências de um litígio de direito comum e envolvidos em uma técnica somente acessível a especialistas, escapam ao registro crítico da opinião popular.
“A modificação introduzida pela Cons- tituição de 10 de novembro teve por fim repor na Nação o controle do governo, sub- metendo-o ao juízo do povo, ao qual deve ficar livre a opção quando se tratar de pôr em movimento o mecanismo constitucional no sentido de serem realizados os grandes fins de governo, fins de ordem pública e geral, em relação aos quais o pronunciamento defi- nitivo não pode deixar de caber ao povo. É a passagem do governo dos cenáculos para o governo do povo.
“A faculdade de interpretar final e conclusivamente a Constituição, só se justi- ficaria atribuí-la em regime democrático ao Poder Judiciário se o método jurídico fosse de natureza puramente lógica ou dedutiva. A função judiciária seria, então, puramente lógica ou dedutiva. A função judiciária seria, então, puramente passiva, a interpretação limitando-se apenas a tornar explícito o conteúdo da lei.
“Tais postulados são, porém, hipóteses contrárias à realidade. Nem o método jurídico é puramente lógico, nem o pensamento jurí- dico puramente objetivo. A interpretação, por
sua vez, longe de ser passiva e neutra, é um processo de criação ou de elaboração ativa. Quando a lei a ser interpretada é a Consti- tuição, a generalidade, a amplitude, a compreensão da matéria abre um vasto campo à contribuição do intérprete que, embora animado da maior boa-fé, não pode deixar de verter em termos da sua filosofia pessoal ou da sua concepção da vida problemas do maior interesse vital para todo o mundo e em torno de cuja expressão, por mais precisa que seja, não pode deixar de existir um halo de indeterminação propício às opções do temperamento, do caráter ou da vontade.
Nestas condições, atribuir a supremacia ao Judiciário é atribuí-la à filosofia dos juízes. Em se tratando de interesses nacionais, dos grandes poderes do governo e dos grandes fins públicos a que o governo se destina, é, certamente, mais democrático, senão mais acertado, preferir à filosofia e à opção dos juízes a opção e a filosofia da Nação”.
20 Ibidem.
21 Cf., a propósito, Decreto-Lei nº 1.564, de 5-9-1939, com o seguinte teor:
“Decreto-Lei nº 1.564, de 5 de setembro de 1939
Confirma os textos de lei, decretados pela União, que sujeitaram ao imposto de renda os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais.
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, e para os efeitos do artigo 96, parágrafo,
Considerando que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da incidência do imposto de renda, decretado pela União no uso de sua competência priva- tiva, sobre os vencimentos pagos pelos cofres públicos estaduais e municipais;
Considerando que essa decisão judiciária não consulta o interesse nacional e o princípio da divisão eqüitativa de ônus no imposto,
Decreta:
Artigo único. São confirmados os textos de lei, decretados pela União, que sujeitaram ao imposto de renda os venci- mentos pagos pelos cofres públicos esta- duais e municipais; ficando sem efeito as decisões do Supremo Tribunal Federal e de quaisquer outros tribunais e juízes que tenham declarado a inconstitucionalidade desses mesmos textos.
Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1939, 118º da Independência e 51º da República.
Getulio Vargas Francisco Campos
- de Souza Costa”
22 É interessante, a propósito, registrar voto do Ministro Carlos Maximiliano, quando se discutiu, no Mandado de Segurança nº 623, a eficácia da decisão confirmatória baixada pelo Presidente da República em relação às questões ainda não apre- ciadas pelo Supremo Tribunal Federal:
“A Constituição de 1891 incorporou o Brasil ao sistema democrático americano – o do governo de leis em vez de governo de homens; entre nós, como nos Estados Unidos e na República Argentina, a cúpula do regime achava-se na Côrte Suprema; por isso, os grandes presidentes da terra de Jefferson, nas cerimônias solenes, davam a frente aos juízes do pretório excelso, em republicana e belís- sima homenagem à soberania da Justiça. Os tribunais reviam e anulavam, aliás com discreta reserva, as leis e atos contrários ao espírito do código fundamental.
“O Chile constituía notória exceção, porque se inclinara para a onipotência parla- mentar, à francesa, porém evoluiu no sentido generalizado no continente: naquela repú- blica, a reforma constitucional de 1925 investiu o Judiciário da prerrogativa outor- gada pelo estatuto norte-americano, ‘o mais perfeito do mundo’, segundo o conceito de Barbalho dos Andes, o hábil comentador do novo código básico, o professor Guerra, morto tragicamente em Valparaiso na semana em que eu visitava aquela encantadora cidade de veraneio.
“Notável coincidência, no mesmo ano de 1925, famoso aresto do Tribunal Supremo da Alemanha (Reichsgericht), em 4 de novem- bro, proclamou a autoridade da magistratura para declarar inválidos, por inconstitucionais, diplomas legislativos; assim foi decidido, apesar de não haver, na Constituição de Weimar, preceito expresso a tal respeito. Manifestou-se na terra de Frederico, à seme- lhança do que ocorrera, sobre o mesmo assunto, na pátria de Washington, a ação criadora da jurisprudência.
“O estatuto brasileiro de 1937, no art. 96, transferiu, em tal esfera, a supremacia ao Legislativo, quando provocado pelo Presidente: julgada inconstitucional uma lei, posterior decreto atua e prevalece como vitoriosos embargos infringentes ao aresto supremo. De tal prerrogativa do Parlamento usou o Sr. Presidente da República, escudado no art. 180 da Constituição, a propósito da incidên- cia de imposto federal sobre os proventos de funcionários locais, porque, sobrepondo a lei a interesse ou rivalidade individual ou de classe, os membros do pretório mais alto haviam declarado os serviços, e, conseqüen-
temente, os servidores dos Estados, isentos de tributos que eles, Ministros togados, pagam, na média de cinco contos de réis anuais, sem recalcitrar nem discutir.
“Qual a diretriz futura a predominar nos pretórios, em face da resolução presidencial? Não posso recorrer ao apoio precioso do Direito Comparado; porque a providência constitucional brasileira, consistente em reformar sentenças por meio de decretos, não encontra similar ou paradigma em país nenhum do orbe terráqueo. Recorro a outra fonte: os precedentes, em casos análogos. Vigorante o sistema generalizado na América, embora o Judiciário apenas decidisse em espécie e a sentença final só obrigasse no caso em apreço, Presidente e Congresso, em obediência ao princípio da harmonia dos poderes, dali por diante se abstinham de agir ou deliberar contra as conclusões do aresto supremo. Pela mesma razão, agora, atribuída à Legislatura a antiga preeminência da Côrte excelsa, esta não mais conhecerá de igual inconstitucionalidade. Seria, aliás, irrisório estar a proferir acórdãos platônicos, arestos por lei destituídos de exeqüibilidade. Preva- lecerá, no alto pretório, o inelutável, embora murmurando os seus membros o ‘e pur si muove’, de Galileu. Em conclusão: pelo menos no meu conceito, o desagradável inci- dente, para o qual confluíram, durante uma quinzena, as vistas sobressaltadas dos juristas nacionais, está definitivamente encerrado.
“No tocante à hipótese em apreço, eu julgo prejudicados os dois recursos; porque o Decreto-lei nº 1.564, de 5 de setembro de 1939, posterior à sentença concessiva do mandado de segurança, explicitamente a tornou sem efeito” (RF nº 82, p. 298 (300)).
23 The case of the misssing amendments : R. A.
- v. City of St. Paul. Harvard Law Review, v. 106 n.1, p.124, nov. 1992.
24 LOEWENSTEIN. Teoría de la Constitución. Traducción y estudio sobre la obra por Alfredo Gallego Anabitarte. 2. ed. Barcelona : Ariel, 1976. p. 190.
25 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição de 1891. Porto Alegre, 1929. n. 226,
- 311; REALE, Miguel. Revogação e anulamento do Ato Administrativo. Rio, 1968. p. 47; CAVAL- CANTI, Themistocles Brandão. Arquivamento de Representação por inconstitucionalidade da lei. Revista de Direito Público, n. 16, p. 169; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Parecer D-24 do Consultor- Geral da República. Diário Oficial da União, 22 jun. 1965; LIMA, L. C. Miranda. Parecer. Revista
de Direito Administrativo n. 81, p. 466. Ver também as decisões do Supremo Tribunal : RMS nº 4.211. Relator Ministro Cândido Motta Filho. Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 2, p. 386-7; RMS
nº 5.860, Relator: Ministro Vilas Boas. Acórdão publicado em audiência de 23 fev. 1959; Rp nº 512. Relator: Ministro Pedro Chaves. Revista de Direito Administrativo, n. 76, p. 308-9, 1964; RE nº 55.718- SP, Relator: Ministro Hermes Lima. Revista Trimes- tral de Jurisprudência, n. 32, p. 143-47; RMS nº
14.557. Relator: Ministro Cândido Motta Filho.
Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 33, p. 330-8; RMS nº 13.950, Relator: Ministro Amaral Santos. Revista de Direito Administrativo, n. 97, p. 116-120, 1969.
26 Rp nº 980. Relator: Ministro Moreira Alves.
Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 96, p. 496.
27 Ibidem.
28 O argumento de inconstitucionalidade e o repúdio da Lei pelo Poder Executivo. Revista Forense, v. 79, n. 284 p. 101, out./dez. 1983.
29 ADIn nº 221. Relator: Ministro Moreira Alves.
Diário da Justiça, 22 out. 1993.
30 ADIn nº 2. Relator: Ministro Paulo Brossard.
Diário da Justiça, 12 fev. 1992.
31 ADIn nº 1.292. Relator: Ministro Ilmar Galvão.
Diário da Justiça, 15 set. 1995.
32 ADIn nº 221. Relator: Ministro Moreira Alves,
Diário da Justiça, 22 out. 1993.
33 ADIn nº 221. Relator: Ministro Moreira Alves.
Diário da Justiça, 22 out. 1993.
34 ADIn nº 902. Relator: Ministro Marco Aurélio.
Diário da Justiça, 22 abr. 1994, p. 8946.
35 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Die abstrakte normenkontrolle vor dem bundesverfassungsgericht und vor dem Supremo Tribunal Federal. Berlim, 1991, p. 85.
36 ADIn nº 1.096. Relator: Ministro Celso de Mello. Diário da Justiça, 22 set. 1995.
37 Sobre a problemática no Direito alemão: ZEIDLER, K. Gedanken zum fernseh- urteil des bundesverfassungsgerichts. AöR 86, 1961, p. 361 (380-381).
38 Sobre a problemática: Söhn, Die abstrakte Normenkontrolle.: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz. v. 1, p. 292-306; STEPHAN. Das Rechtsschutzbedürfnis. 1967, p. 147; GOESSL. Organstreitigkeiten innerhalb des Bundes. p. 173 e 219.
39 FRIESENHAHN. Verfassungsgerichtsbarkeit.
Jura, 1986. p. 505-509.
40 LIMA, op. cit.
41 MONTEIRO, op. cit.
42 ADIn nº 807. Relator: Ministro Celso de Mello. Diário da Justiça, 11 jun. 1993 Registre-se que, na espécie, após ter sancionado o projeto de
lei, o Governador do Estado Rio Grande do Sul apresentou pedido de ingresso na causa, na quali-
dade de litisconsorte ativo do Procurador-Geral da República, autor originário da impugnação.
43 ADIn nº 645-2. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Diário da Justiça, p. 1693. 21 fev. 1992; ver também, ADIn nº 665. Relator: Ministro Octavio Gallotti. Diário da Justiça, p. 5376. 24 abr. 1992.
44 BVerfGE 1, 184.
45 BVerfGE 1.396, 413.
46 Cf., principalmente, as ações movidas pelo Partido Social-Democrata contra a política exterior do Governo Adenauer: 1.396 (Serviço militar obrigatório e Comunidade Européia de Defesa – Wehrpflicht, EVG); 4.157 ( Estatuto do Sarre – Saar- Statut); as ações movidas pelo Estado de Hesse contra o sistema de financiamento dos partidos políticos (Parteienfinanzierung) (8, 51; 20, 56) e contra a disciplina do Estado de Necessidade (30, 1); as ações dos Senados de Bremen e Hamburgo e do Governo da Renânia do Norte-Vestfália contra a lei que disciplinava a recusa à prestação do serviço militar (Kriegsdienstverweigerungs-Neuordnungs- gesetz – KDVNG) (69, 1); as ações dos cristãos- democratas (CDU/CSU) contra a lei que descrimi- nalizava o aborto (Fristenlösung) (39, 1) e contra a reforma da lei sobre o serviço militar obrigatório (Wehrpflichtnovelle) (48, 127); a ação do Governo da Baviera contra o Tratado Fundamental entre as duas Alemanhas (Grundvertrag) (36, 1); a ação do governo da Baixa-Saxônia contra o § 10, b, da Lei de Imposto de Renda (Einkommensteuergesetz) de 5-12-77 (53, 63); a ação dos cristãos-democratas (CDU-CSU) contra o § 2, I, da Lei de Orçamento 1981 (BVerfGE 79, 311); Ver, também, BRYDE, Brunn-Otto, Verfassungsentwicklung : stabilität und dynamik im verfassungsrecht der bundesrepublik deutschland. 1980.
47 BVerfGE 2, 307; BVerfGE 6, 104; BVerfGE 12, 205, 217; Cf. também BVerfGE 2, 143, 158.
48 ADEC nº 1. Relator: Ministro Moreira Alves.
Diário da Justiça, 16 jun. 1995.
49 Diário da Justiça, 4 set. 1970. p. 3.971.
50 BUZAID, Alfredo. Da ação direta de decla- ração de inconstitucionalidade no Direito brasileiro. São Paulo : Saraiva, 1958, p. 107; MOREIRA, Barbosa. As Partes na ação declaratória de incons- titucionalidade. Revista de Direito da Procuradoria- Geral do Estado da Guanabara, n. 13, p. 67, 75- 76; CAVALCANTI, Themístocles. Do controle. p. 115.
51 LEAL, Victor Nunes. Representação de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal : um aspecto inexplorado. Revista de Direito Público, v. 13 n. 53-54 p. 25 jan./jun. 1980.
52 O Professor Haroldo Valladão exerceu o cargo de Procurador-Geral da República no período de 19-4-67 a 13-11-67.
53 LEAL, op. cit. p. 25, 33.
54 Reclamação nº 849, Relator: Ministro Adalício Nogueira. Revista Trimestral de Jurisprudência, 59, p. 333.
55 Registros da discussão travada no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em março de 1971. Arquivos do Ministério da Justiça, n. 118, p. 23, 1971.
56 MARINHO, Josaphat. Inconstitucionalidade de lei : representação ao STF. Revista de Direito Público, 12, p. 150; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Voto proferido no Conselho Federal da OAB. Arquivos do Ministério da Justiça, n. 118, p. 25; CAVALCANTI, Themístocles. Arquivamento de representação por inconstitucionalidade da lei. Revista de Direito Público, n. 16, p. 169; CARDOSO, Adaucto Lucio. Voto na Reclamação. n. 850. Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 50, p. 347-8; BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. 1982. p. 69.
57 Embargos na Representação nº 1.092. Rela- tor: Ministro Néri da Silveira, Revista Trimestral
de Jurisprudência, n. 117, p. 921.
58 Embargos na Representação nº 1.092. Rela- tor: Ministro Néri da Silveira. Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 117, p. 921, 944-945.
59 Rp nº 1349. Relator: Ministro Aldir Passarinho.
Revista Trimestral de Jurisprudência, n. 129, p. 41.
60 Dentre outras, ADIN nº 716-5. Relator: Ministro Marco Aurélio. Diário da Justiça, 29 abr. 1992, p. 5.606.
61 MENDES, Gilmar Ferreira. Ação Declaratória de Constitucionalidade : a inovação da Emenda nº 3, de 1993. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva, MENDES, Gilmar Ferreira (org.). Ação Declaratória de Constitucionalidade. São Paulo, 1994. p. 56.
62 KELSEN, Hans. Il controllo di constituzio-
nalitá delle leggi: La Giustizia Costituzionale, Milão, 1981. p. 295, 306.
63 RE 91.740-RS. Relator: Ministro Xavier de Albuquerque. Revista Trimestral de Jurisprudência. v. 93, n. 1, p. 161-2.
64 Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 103, n. 3, p. 1.115.
65 RE 92.169-SP. Relator: Ministro Cunha Peixoto. Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 103, n. 3, p. 1.116-17.
66 BUZAID, Alfredo. “Juicio de amparo” e mandado de segurança : contrastes e confrontos. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo. v. 5, p. 30-78, jan./jun. 1962, Cf., também, ZAGRE- BELSKY, La giustizia costituzionale. Bologna : Mulino, 1979. p. 84.
67 BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1968. p. 36-7 e 46.
68 BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitu- cional. 5. ed. atual. São Paulo : Saraiva, 1982, cit.,
- 59; BUZAID, op. cit. p. 69.
69 O ordenamento constitucional de 1988 manteve inalterada essa orientação (CF 1988, art. 52, X).
70 RMS 17.976. Relator: Ministro Amaral Santos. Revista de Direito Administrativo, n. 105, p. 111, 113.
71 KOCH, Harald. Prozessführung im öffentli- chen Interesse. Frankfurt am Main, 1983. p. 1.
72 Reclamação nº 434. Relator: Ministro Francisco Rezek. Diário da Justiça, 09 dez. 1994.
73 Ibidem.