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MANUAL DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PDF

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MANUAL DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

 

 

 

 

 

 

 

UMA PUBLICAÇÃO DA CORREGEDORIA-GERAL DA UNIÃO | CGU

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Brasília • janeiro de 2021

 

CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO – CGU

Setor de Autarquias Sul (SAS), Quadra 1, Bloco A, Edifício Darcy Ribeiro, Brasília/DF CEP: 70070-905 [email protected]

 

WAGNER DE CAMPOS ROSÁRIO

Ministro da Controladoria-Geral da União

 

JOSÉ MARCELO CASTRO DE CARVALHO

Secretário-Executivo

 

ANTÔNIO CARLOS BEZERRA LEONEL

Secretário Federal de Controle Interno

 

CLÁUDIA TAYA

Secretária de Transparência e Prevenção da Corrupção

 

GILBERTO WALLER JÚNIOR

Corregedor-Geral da União

 

VALMIR GOMES DIAS

Ouvidor-Geral da União

 

JOÃO CARLOS FIGUEIREDO CARDOSO

Secretário de Combate à Corrupção

 

 

Edição da Corregedoria-Geral da União

Atualizada pela Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos.

 

 

 

 

Atualizada até janeiro de 2021

 

 

 

 

Diagramação: Assessoria de Comunicação Social – Ascom / CGU Copyright © 2021 Controladoria-Geral da União

Permitida a reprodução desta obra, de forma parcial ou total, sem fins lucrativos, desde que citada a fonte ou endereço da internet (http://www.cgu.gov.br/atividade-disciplinar) no qual pode ser acessada integralmente em sua versão digital.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Corregedoria-Geral da União registra a contribuição dos seguintes servidores neste trabalho

 

 

 

COORDENAÇÃO GERAL DOS TRABALHOS:

Alexandre Cordeiro Macedo • Gilberto Waller Junior • Marcelo Pontes Vianna

 

 

EQUIPE TÉCNICA:

Aderson Mendes Matos • Alexandro Mariano Pastore • Anderson Teixeira do Carmo André Luis Schulz • André Luiz Silva Lopes • Antônio Carlos Vasconcellos Nóbrega Armando de Nardi Neto • Daso Teixeira Coimbra • Darcy de Souza Branco Neto

Edson Leonardo Dalescio Sá Teles • Elza Flávia de Pinheiro Teixeira • Érica Bezerra Queiroz Ribeiro Gilberto França Alves • Gustavo Henrique de Vasconcellos Cavalcanti • Isabela Silva Oliveira João Marcelo Neiva Pedatella • João Victor Iosca Viero • Jônia Bumlai Freitas Sousa

Larissa Samara Almeida de Carvalho • Laurent Nancym Carvalho Pimentel • Leandro José de Oliveira Leone Napoleão de Sousa Neto • Lúcia Noriko Hanasiro • Luis Augusto Pacheco de Araújo Luiz Henrique Pandolfi Miranda • Márcio de Aguiar Ribeiro • Marcus Vinicius Pinto Schtruk

Paula Araújo Côrrea • Raoni Parreira Maciel • Rodrigo Vieira Medeiros • Rafael Amorim de Amorim Ricardo Carvalho Gomes • Roberta Cariús Siqueira • Stefanie Groenwold Campos • Walter Godoy Neto

 

REVISÃO FINAL:

Alan Lacerda de Souza • Aline Cavalcante dos Reis • Christiane de Castro Gusmão Renata Ferreira da Rocha • Ricardo Augusto Panquestor Nogueira

 

ATUALIZAÇÃO:

Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NOTA À EDIÇÃO DE JANEIRO DE 2021

 

 

Nesta nova edição do Manual de Processo Administrativo Disciplinar estão contempladas duas alterações importantes ocorridas nos meses finais do ano de 2020, expressas no Parecer

JL – 06 e no julgamento da ADI 2295.

O Parecer nº JL – 06, de 10 de novembro de 2020, vinculante, revê entendimento anterior da AGU em relação à aplicabilidade do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/1990.

Já a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2295, julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal em 7 de dezembro de 2020, declara a inconstitucionalidade do disposto no

parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112/1990.

 

CONTEÚDO                                                   

 

  1. O SISTEMA DE CORREIÇÃO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL 11

 

  1. NOÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR 14

 

  1. RESPONSABILIZAÇÃO 19

 

 

  1. RESPONSABILIDADE  DISCIPLINAR       24

 

  1. DEVER DE APURAR 36

 

 

  1. PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES       47

6.1.2. Investigação Preliminar Sumária (IPS)            57

 

  1. PROCEDIMENTOS  ESPECIAIS       68

 

 

  1. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – RITO ORDINÁRIO 82

 

 

  1. INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR 89

 

 

  1. INSTRUÇÃO  PROCESSUAL       124

 

 

 

  1. DEFESA 266

 

  1. RELATÓRIO FINAL 278

 

 

  1. JULGAMENTO 294

 

 

  1. RITO SUMÁRIO     308

14.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS    308

 

 

  1. PRESCRIÇÃO 313

 

 

 

  1. INVALIDADES 334

 

 

BIBLIOGRAFIA       366

 

 

A Controladoria-Geral da União (CGU) foi criada no dia 2 de abril de 2001, pela Medida Provisória n° 2.143-31. Inicialmente denominado Corregedoria-Geral da União (CGU), o órgão teve como propósito original o de combater, no âmbito do Poder Executivo Federal, a fraude e a corrupção e promover a defesa do patrimônio público.

Quase um ano depois, o Decreto n° 4.177, de 28 de março de 2002, integrou a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) e a Comissão de Coordenação de Controle Interno (CCCI) à estrutura da então Corregedoria-Geral da União. O mesmo Decreto transferiu para a Corregedoria-Geral da União as com- petências de Ouvidoria-Geral, até então vinculadas ao Ministério da Justiça.

A Medida Provisória n° 103, de 1° de janeiro de 2003, posteriormente convertida na Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, alterou a denominação do órgão para Controladoria-Geral da União, assim como atribuiu ao seu titular a denominação de Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União.O órgão teve outra alteração em sua nomenclatura, passando a ser intitulado Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), nos termos da Medida Provisória nº 782, de 31 de maio de 2017, convertida, por sua vez, na Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017, operando-se também, a partir desse novo marco normativo, a revogação da mencionada Lei nº 10.683, de 2003. A Lei nº 13.502/2017 foi revogada pela Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019, por meio da qual foi alterada a nomenclatura do órgão para Controladoria-Geral da União – CGU.

De sua parte, o Decreto n° 5.683, de 24 de janeiro de 2006, alterou a estrutura da CGU, trazendo à Corregedoria-Geral da União (unidade integrante da CGU) uma estrutura para acompanhamento, fisca- lização e orientação dos trabalhos correcionais. Além disso, também foi criada a Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI) – atualmente Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC) –, responsável por desenvolver mecanismos de prevenção à corrupção. Desta forma, o agrupamento das principais funções exercidas pela CGU – controle, correição, prevenção da corrupção e ouvidoria – foi efetivado, consolidando-as em uma única estrutura funcional.

A estrutura regimental da CGU foi novamente alterada por meio dos Decretos nº 8.109, de 17 de setembro de 2013, nº 8.910, de 22 de novembro de 2016 e, mais uma vez, foi reestruturada por meio do Decreto nº 9.681, de 3 de janeiro de 2019. Dessa forma, aos órgãos específicos singulares da CGU mencionados acima foi acrescida a Secretaria de Combate à Corrupção. No âmbito da Corregedoria-Geral da União foram criadas a Diretoria de Gestão do Sistema de Correição do Poder Executivo federal, as Di- retorias de Responsabilização de Entes Privados e de Responsabilização de Agentes Públicos.

A Diretoria de Gestão do Sistema de Correição do Poder Executivo (DICOR) auxilia o Corregedor-

-Geral da União nas atividades de gestão do SISCOR, de que trata o Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005, supervisionando, diretrizes e programas voltados à atividade correcional. Constituem objetivos da DICOR/CRG:

  • garantir que o desempenho da atividade correcional pelos órgãos e entidades que compõem o Poder Executivo federal atenda aos padrões e às metas traçados pela CRG;
  • propiciar eficiência, eficácia e efetividade às ações correcionais;
  • promover o aperfeiçoamento da estrutura e da base normativa para o tratamento da matéria correcional;
  • garantir que as apurações correcionais sejam realizadas com abrangência e profundidade adequadas, e dentro de prazo razoável de duração;
  • buscar a regularidade formal das apurações, bem como a adequação das respectivas decisões;

 

  • promover a observância das orientações emanadas pela CRG;
  • avaliar da indicação dos titulares das unidades correcionais do

Para a realização destes objetivos, a DICOR é composta pelas seguintes coordenações: Coordena- ção-Geral de Admissibilidade Correcional – COAC; Coordenação-Geral de Acompanhamento de Pro- cessos Correcionais – COAP; e Coordenação-Geral de Promoção de Integridade do SISCOR – COPIS.

A apuração direta compreende as atividades desempenhadas pela CRG por meio de sua atuação subsidiária, na qualidade de Órgão Central do SISCOR, na instauração, avocação, condução e julgamento de processos que apuram supostas irregularidades praticadas em todo o Poder Executivo federal. Tanto na responsabilização de agentes públicos, quanto na responsabilização de entes privados, a apuração direta ocorre apenas em situações que se caracterizam rigorosamente pela relevância e complexidade da ma- téria. Tais funções são exercidas, respectivamente, pela Diretoria de Responsabilização de Agentes Públicos (DIRAP) e Diretoria de Responsabilização de Entes Privados (DIREP).

Para o cumprimento de suas diversas competências estabelecidas no Decreto nº 9.681/2019, a Cor- regedoria-Geral da União conta também com o Gabinete, a Coordenação-Geral de Modernização e Co- municação – CGMC; a Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos – CGUNE; e a Coorde- nação-Geral de Informações Correcionais – CGCOR.

Em relação especificamente ao Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, a criação se deu pelo Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005, o qual o constituiu de unidades voltadas às atividades de prevenção e apuração de irregularidades disciplinares, desenvolvidas de forma coordenada e harmônica.

A Corregedoria-Geral da União (CRG) exerce as competências de órgão central do sistema, con- forme Decreto nº 9.681, de 3 de janeiro de 2019. Há, ainda, as unidades seccionais, que atuam e fazem parte dos órgãos que compõem a estrutura dos Ministérios e suas entidades vinculadas (autarquias, funda- ções, empresas públicas e sociedades de economia mista), com supervisão técnica da CRG.

Nesse sentido, a atividade de correição tem atuação preventiva e repressiva. Preventivamente, às unidades da Corregedoria-Geral da União compete orientar os órgãos e entidades supervisionados – não só em questões pontuais, como também por meio de ações de capacitação na área correcional –, e realizar inspeções nas unidades sob sua ingerência – o que permite visualizar, de um modo geral, a qualidade dos trabalhos disciplinares na unidade inspecionada e as estruturas disponíveis (física e de recursos humanos). Repressivamente, a Corregedoria-Geral da União realiza atividades ligadas à apuração de possíveis irregu- laridades disciplinares, cometidas por servidores e empregados públicos federais, e à aplicação das devidas penalidades.

Ademais, ao órgão central compete padronizar, normatizar e aprimorar procedimentos atinentes à atividade de correição, por meio da edição de enunciados e instruções; gerir e exercer o controle técnico das ações desempenhadas pelas unidades integrantes do Sistema, com a avaliação dos trabalhos e propo- situra de medidas a fim de inibir e reprimir condutas irregulares praticadas por servidores e empregados públicos federais em detrimento do patrimônio público.

 

A CRG também possui competência para instauração de procedimentos disciplinares em situações de inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão ou entidade de origem, da complexi- dade e relevância da matéria, da autoridade envolvida e da participação de servidores de mais um órgão ou entidade.

Às unidades seccionais, por sua vez, compete propor medidas para padronizar e aprimorar proce- dimentos operacionais relacionados às atividades correcionais; instaurar ou determinar a instauração de processos disciplinares; supervisionar os órgãos e entidades a elas submetidas, com o registro de dados e informações essenciais à apresentação dos resultados alcançados.

Os titulares das unidades seccionais devem ser servidores públicos ocupantes de cargos efetivos, pre- ferencialmente da carreira de finanças e controle, com nível superior de escolaridade. A indicação do titular das unidades seccionais demandará análise prévia do órgão central, conforme dispõe o art. 8º, parágrafo 1º, do Decreto nº 5.480/05.

 

 

O Direito Administrativo Disciplinar é um ramo do Direito Administrativo, que tem por objetivo re- gular a relação da Administração Pública com seu corpo funcional, estabelecendo regras de comportamento a título de deveres e proibições, bem como a previsão da pena a ser aplicada.

O Direito Administrativo, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “é o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imedia- tamente os fins desejados pelo Estado”1. Ou seja, não compete ao Direito Administrativo tratar da concepção do Estado, sua atividade legislativa, judicial ou social, objeto de estudo de outros ramos do Direito. Sua função é a organização interna da Administração Pública, sua hierarquia, seu pessoal, o funcionamento dos seus serviços e suas relações com os administrados.

Para bem executar as atividades que lhe são incumbidas, a Administração precisa de meios para organizar, controlar e corrigir suas ações. Surge, portanto, a necessidade de meios hábeis a garantir a regu- laridade e o bom funcionamento do serviço público, a disciplina de seus subordinados e a adesão às leis e regras dele decorrentes, o que, no conjunto, denomina-se Direito Administrativo Disciplinar.

O Direito Administrativo Disciplinar, como ramo do Direito Administrativo, possui relações com outros ramos do Direito, notadamente o Direito Constitucional, o Penal, o Processual (civil e penal) e o do Trabalho. Importante destacar que, se por um lado o Direito Administrativo Disciplinar possui interface com outros ramos do Direito, por outro não se pode confundi-lo com os mesmos. Como exemplo, mesmo se uma infração disciplinar fosse também considerada como crime, não se poderia tratar o ilícito adminis- trativo da mesma forma que o penal, pois se aquele trata de um direito em regra disponível, este protege um direito indisponível, considerado mais relevante sob a luz do Direito, fundamentado em outras normas e princípios.

 

  • LEGISLAÇÃO FUNDAMENTAL

 

Na Administração Pública Federal, o processo administrativo disciplinar tem como base legal a Consti- tuição Federal, e como principal regulamento a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em seus Títulos IV (do Regime Disciplinar, arts. 116 a 142) e V (do processo administrativo disciplinar, arts. 143 a 182).

Entretanto, a Lei nº 8.112/90 apresenta lacunas relativas ao processo administrativo disciplinar, que demandam integração por meio de outras legislações aplicáveis, com destaque para as seguintes:

  1. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei de Processo Administrativo) – regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Conforme inteligência do art. 69 desta lei, a aplicação de suas regras aos processos administrativos disciplinares será subsidiária, pois, sendo uma lei geral, incidirá no caso de omissão e sempre que não houver disposição específica na Lei nº 8.112/90;
  2. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa) – além de trazer disposições para responsabilizar, na via judicial, agentes públicos por atos de improbidade, com a consequente cominação das sanções possíveis, agrega aspectos específicos para o processo administrativo disciplinar, conceituando os atos de improbidade administrativa;
  3. Lei nº 105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) – institui normas com a aplicação supletiva e subsidiária aos processos administrativos por força do art. 15 desse diploma;

 

 

 

1             MEIRELLES, 2011, p. 40.

 

  1. Decreto-Lei nº 657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) – estabelece normas em matéria de invalidação, interpretação e sanção para o direito administrativo nos arts. 20 a 30, que foram incluídos pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018.

Ademais, deve-se registrar que diversos diplomas infralegais também têm relevância para as atividades de correição. Nesta direção, é oportuno mencionar novamente o Decreto nº 5.480/05, que regulamentou o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, bem como o Decreto nº 5.483, de 30 de junho de 2005, que instituiu a sindicância patrimonial, instrumento processual que tem como escopo a apuração da eventual incompatibilidade entre o patrimônio do servidor e a renda por ele auferida.

 

  • PRINCÍPIOS APLICÁVEIS

 

Ao promover a responsabilização mediante processo administrativo disciplinar, se deve atentar não somente aos princípios básicos da Administração Pública, previstos no art. 37 da Constituição Federal, mas, também, aos demais princípios acautelados. Desta forma, aos princípios setoriais expressos na Carta Magna somam-se os de caráter mais amplo, ligados aos direitos individuais e aos processuais, seguindo destacados os de maior relevância:

 

  • Princípio do Devido Processo Legal

O princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, e é considerado o princípio fundamental do processo administrativo, eis que se configura a base sobre a qual os demais se sustentam. Representa, ainda, a garantia inerente ao Estado Democrático de Direito de que ninguém será condenado sem que lhe seja assegurado o direito de defesa, bem como o de contraditar os fatos em relação aos quais está sendo investigado.

Por esse princípio, nenhuma decisão gravosa a um determinado sujeito poderá ser imposta sem que, antes, tenha sido submetido a um processo cujo procedimento esteja previamente previsto em lei, ou seja, impõe-se o cumprimento dos ritos legalmente previstos para a aplicação da penalidade2. Nem mesmo uma falta considerada leve pode ter sua penalidade aplicada sem obediência aos ritos processuais estabelecidos, conforme se verifica na leitura do art. 143 da Lei nº 8112/90:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Da mesma forma, por se tratar de uma garantia constitucional, não pode a Administração Pública desobedecer aos ritos previstos em lei visando a uma maior agilidade. Esta eventual desatenção aos ditames legais não pode ocorrer nem mesmo a pedido do acusado, por se tratar de direito indisponível.

No mesmo sentido, quando se fala em rito sumário, previsto no art. 133 da Lei nº 8.112/90, a Ad- ministração somente poderá utilizá-lo para apuração das faltas de acumulação ilegal de cargos, empregos e funções públicas, abandono de cargo e inassiduidade habitual, não cabendo ao gestor a apuração neste rito de outra falta disciplinar.

Sobre o tema, cumpre consignar importante entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF):

O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destina- tário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, descon- siderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal. A jurisprudência do Supremo Tri- bunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível

2              MADEIRA, 2008, p. 54.

 

garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AgI nº 241.201. Relator: Ministro Celso de Mello, julgado em 27/8/2002, publicado em 20/9/2002)

 

  • Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório

Pilares do devido processo legal disciplinados no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal e art. 2º, caput, e parágrafo único, X, da Lei nº 9.784/99, facultam ao acusado/indiciado, durante todo o processo, a efetiva participação no apuratório, possibilitando-lhe a utilização de todos os meios de defesa admitidos pelo ordenamento jurídico.

O princípio da ampla defesa significa permitir a qualquer pessoa acusada o direito de se utilizar de todos os meios de defesa admissíveis em Direito. É imprescindível que ele seja adotado em todos os pro- cedimentos que possam gerar qualquer tipo de prejuízo ao acusado3. Portanto, deve ser adotado em todos os procedimentos que possam ensejar aplicação de qualquer tipo de penalidade (sindicância acusatória/ punitiva, PAD).

No processo administrativo disciplinar o princípio é expresso no art. 143 da Lei nº 8.112/90:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. (grifou-se)

No seu art. 156, a Lei nº 8.112/90 vem esmiuçar como poderia ser exercida a ampla defesa:

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por inter- médio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

O princípio do contraditório dispõe que a todo ato produzido pela comissão caberá igual direito de o acusado opor-se a ele, apresentar a versão que lhe convenha ou, ainda, fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pela acusação4. No curso da apuração dos fatos e após a notificação prévia, que comu- nica o servidor da decisão da comissão sobre a sua condição de acusado, deve haver notificação de todos os atos processuais sujeitos ao seu acompanhamento, possibilitando ao acusado contradizer a prova produzida.

Sobre o princípio em comento, segue posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Mandado de segurança. Processo administrativo disciplinar. Participação ou gerência em empresa privada. Demissão de servidor público. Alegação de cerceamento de defesa não configurado. Obser- vância aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Segurança denegada.

  1. O procedimento transcorreu em estrita obediência à ampla defesa e ao contraditório, com a comissão processante franqueando ao impetrante todos os meios e recursos inerentes à sua
  2. É cediço que o acusado deve saber quais fatos lhe estão sendo imputados, ser notificado, ter acesso aos autos, ter possibilidade de apresentar razões e testemunhas, solicitar provas, , o que ocorreu in casu. É de rigor assentar, todavia, que isso não significa que todas as providências requeridas pelo acusado devem ser atendidas; ao revés, a produção de provas pode ser recusada, se protelatórias, inúteis ou desnecessárias.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 9.076/DF. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa, pu- blicado em 26/10/2004)

 

3             MEDAUAR, 2009, p. 173.

4              Idem, p. 171.

 

  • Princípio do Informalismo Moderado

O princípio do informalismo moderado – também chamado por alguns de princípio do formalismo moderado – significa, no processo administrativo disciplinar, a dispensa de formas rígidas, mantendo apenas as compatíveis com a certeza e a segurança dos atos praticados, salvo as expressas em lei e relativas aos direitos dos acusados. Odete Medauar explicita que esse princípio “se traduz na exigência de interpretação flexível e razoável quanto a formas, para evitar que estas sejam vistas como um fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo”.5

A sua previsão legal está no art. 22 da Lei nº 9.784/99:

Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.

É importante recordar que o objetivo principal do processo é apurar a realidade material dos fatos ventilados nos autos. Desta forma, o conteúdo apresentado no lastro probatório acostado ao processo tem mais relevância do que a forma como foi produzido, desde que tenham sido observados os princípios já discutidos do contraditório e da ampla defesa.

  • Princípio da Verdade Real

Também chamado de princípio da verdade material, indica que a comissão disciplinar deve buscar, na medida do possível, o que realmente teria acontecido, não se contentando apenas com aquela versão dos fatos levada ao processo pelos envolvidos6. Não se admite, deste modo, a “verdade sabida” no processo administrativo disciplinar.

Desse princípio decorre que a Administração tem o poder-dever de tomar emprestado e de produzir provas a qualquer tempo, atuando de ofício ou mediante provocação, de modo a formar sua convicção sobre a realidade fática em apuração. Ainda que aquele que figura como acusado não tenha pedido a pro- dução de determinada diligência que poderia lhe beneficiar, afastando, por exemplo, sua autoria, cabe à comissão buscar a produção de tal prova.

Neste mesmo diapasão, temos que o único efeito da revelia no processo administrativo disciplinar

– tópico que será debatido adiante – é o da nomeação de defensor dativo, não se reputando como verda- deiros os fatos imputados ao acusado.

 

  • Princípio da Presunção de Inocência ou de não culpabilidade

O princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 5°, inciso LVII, da Constituição Federal, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal conde- natória”. Por reflexo desse princípio, durante o processo disciplinar e enquanto não houver decisão final condenatória, o acusado/indiciado deve ser considerado inocente. O ônus de provar a responsabilidade é da Administração7.

Em razão desse princípio não se pode tratar o acusado como condenado, impondo restrições desca- bidas, ou sem previsão legal.

A observância ao referido princípio, porém, não implica na impossibilidade de adoção de medidas acautelatórias como, por exemplo, o afastamento preventivo previsto no art. 147 da Lei nº 8.112/90, con- siderando que não se trata de medida de caráter punitivo:

 

5              Idem, p. 176

6              MADEIRA, 2008, p. 50.

7              Idem, p. 52.

 

Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregu- laridade, a autoridade instauradora do processo poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração.

Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.

De mesma forma, também é permitida a adoção das medidas restritivas do art. 172 daquele mesmo diploma legal:

Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.

 

  • Princípio da Motivação

O princípio da motivação surge como mais um instrumento de garantia da Administração e dos ad- ministrados quanto ao atendimento do interesse público, revestindo-se, de certo modo, em uma forma de publicidade da vontade da Administração estampada nos seus atos. Portanto, a razão e os fundamentos de qualquer decisão administrativa que implique restrições a direitos dos cidadãos devem obrigatoriamente ser explicitados8.

Nesse sentido, é válida a menção ao disposto no art. 50 da Lei nº 9.784/99:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

  • – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
  • – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
  • – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V – decidam recursos administrativos; VI – decorram de reexame de ofício;

  • – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
  • – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8              MELLO, 2006, p. 108.

 

 

O servidor público federal que exerce irregularmente suas atribuições poderá responder pelo ato nas instâncias civil, penal e administrativa (art. 121 da Lei n° 8.112/90). Essas responsabilidades possuem características próprias, sofrendo gradações de acordo com as situações que podem se apresentar como condutas irregulares ou ilícitas no exercício das atividades funcionais, possibilitando a aplicação de diferentes penalidades, que variam de instância para instância.

Dessa forma, o cometimento de condutas vedadas nos regramentos competentes ou o descumpri- mento de deveres funcionais dão margem à responsabilidade administrativa; danos patrimoniais causados à Administração Pública ou a terceiros ensejam a responsabilidade civil; e a prática de crimes e contravenções, a responsabilização penal.

 

  • RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA

 

A responsabilização do servidor público federal decorre da Lei nº 8.112/90, que lhe impõe obedi- ência às regras de conduta necessárias ao regular andamento do serviço público. Nesse sentido, o come- timento de infrações funcionais, por ação ou omissão praticada no desempenho das atribuições do cargo ou função, ou que tenha relação com essas atribuições, gera a responsabilidade administrativa (arts. 124 e 148), sujeitando o servidor faltoso à imposição de sanções disciplinares. Em geral, os deveres e proibições ao servidor público estão previstos nos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/909.

Ao tomar conhecimento de falta praticada pelo servidor, cabe à Administração Pública apurar o fato, aplicando a penalidade porventura cabível. Na instância administrativa, a apuração da infração disciplinar ocorrerá por meio de sindicância acusatória/punitiva ou de processo administrativo disciplinar (art. 143). Isso porque o processo disciplinar lato sensu é o instrumento de que dispõe a Administração para apurar a responsabilidade do servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo que ocupa (art. 148).

Importa registrar que ao servidor público investigado em sindicância acusatória/punitiva ou em pro- cesso administrativo disciplinar são assegurados todos os direitos constitucionais, especialmente os direitos ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, inciso LV, Constituição Federal).

Uma vez comprovada a infração disciplinar pela própria Administração Pública, em processo regular, será possível a aplicação das sanções previstas no art. 127 do Estatuto Funcional: I – advertência; II – sus- pensão; III – demissão; IV – cassação de aposentadoria ou disponibilidade; V – destituição de cargo em co- missão; ou VI – destituição de função comissionada.

 

  • RESPONSABILIDADE CIVIL

 

A responsabilidade civil do servidor público consiste no ressarcimento dos prejuízos causados à Ad- ministração Pública ou a terceiros em decorrência de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, no exercício de suas atribuições (art. 122 da Lei nº 8.112/90 e art. 37, § 6º, da Constituição Federal). A respon- sabilidade civil do servidor público perante a Administração é subjetiva e depende da prova da existência do dano, do nexo de causalidade entre a ação e o dano e da culpa ou do dolo da sua conduta. O dano pode ser material ou moral10.

 

 

9             MEIRELLES, 2011, p. 494.

10            DI PIETRO, 2006, p. 588-589.

 

A Lei nº 8.112/90 estabelece duas situações em que o servidor poderá ser chamado a ressarcir os prejuízos causados ao erário. Na primeira, quando causar danos diretamente à Administração Pública. Na segunda, quando causar danos a terceiros no exercício da função pública11.

Na hipótese de dano causado à Administração Pública, prevê o art. 46 da Lei nº 8.112/90 que a indenização do prejuízo financeiro causado pelo servidor poderá ocorrer ainda no âmbito administrativo, mediante desconto autorizado do valor devido em folha de pagamento, após regular processo administra- tivo cercado de todas as garantias de defesa do servidor, conforme prevê o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Conforme art. 46, caput e parágrafos, da Lei nº 8.112/90, a indenização ao erário será previamente comunicada ao servidor para pagamento, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, podendo ser parcelada. O valor de cada parcela não poderá ser inferior a 10% (dez por cento) da sua remuneração. Quando o pa- gamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em parcela única.

Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, tutela anteci- pada ou sentença que venha a ser revogada ou rescindida, haverá atualização até a data da reposição. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponi- bilidade cassada, terá o prazo de 60 (sessenta) dias para quitar o débito. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa para cobrança por meio de ação de execução judicial. O vencimento, a remuneração e o provento não serão objeto de arresto, sequestro ou penhora, exceto nos casos de prestação de alimentos resultante de decisão judicial (arts. 46 a 48).

A obtenção do ressarcimento poderá ocorrer, também, mediante Tomada de Contas Especial (TCE). A TCE, atualmente regulamentada pela Instrução Normativa do Tribunal de Contas da União (TCU) nº 71, de 28 de novembro de 2012 (com alterações introduzidas pela Instrução Normativa TCU nº 76, de 23 de novembro de 2016), é um processo administrativo destinado à apuração de responsabilidade pelos danos causados à Administração Pública Federal e à obtenção do respectivo ressarcimento.

Portanto, a TCE tem a finalidade de apurar os fatos, identificar os responsáveis e quantificar o prejuízo causado ao erário, estando seus pressupostos e elementos mínimos indicados no art. 5º da referida Ins- trução Normativa. A Portaria CGU nº 807, de 25 de abril de 2013, traz a Norma de Execução destinada a orientar tecnicamente os órgãos e entidades sujeitos ao Controle Interno do Poder Executivo Federal sobre a TCE.

No âmbito judicial, geralmente o débito regularmente apurado será inscrito em dívida ativa da União e constituirá título executivo passível de cobrança por intermédio de ação de execução fiscal proposta pela União perante o Poder Judiciário (Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980). Entretanto, existem outras formas de ressarcimento judicial dos prejuízos causados ao erário pelo servidor, tais como a ação inde- nizatória (de ressarcimento ou reparatória) e a ação de improbidade administrativa de que trata a Lei nº 8.429/92.

Destaque-se, pela relevância, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) , procedimento adminis- trativo voltado à resolução de conflitos, instituído por meio da Instrução Normativa CGU nº 4, de 21 de fevereiro de 2020, com o objetivo de solucionar os casos de infração disciplinar de menor potencial ofen- sivo, incluindo-se o necessário ressarcimento pelo investigado do eventual dano causado à Administração Pública.. O TAC será objeto de detalhamento mais adiante, no capítulo 7.3.

 

 

 

 

 

 

11            MEIRELLES, 2011, p. 496.

 

  • RESPONSABILIDADE PENAL

 

A responsabilidade penal do servidor público decorre da prática de infrações penais (art. 123) e sujeita o servidor a responder a processo criminal e a suportar os efeitos legais da condenação.

A responsabilidade do servidor na esfera penal deve ser definida pelo Poder Judiciário, com a apli- cação das respectivas sanções cabíveis, que poderão ser, conforme o caso, privação de liberdade, restrição de direitos ou multa (art. 32, incisos I, II e III, do Código Penal).

Para fins penais, o conceito de servidor público é mais amplo e, de acordo com o art. 327 do Código Penal, considera-se funcionário público “quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. Por sua vez, o parágrafo 1º do art. 327 do Código Penal equipara a funcionário público “quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Adminis- tração Pública”.

Os principais crimes funcionais contra a Administração Pública estão tipificados nos arts. 312 a 326, bem como nos arts. 359-A ao 359-H do Código Penal, cujas sanções variam de acordo com o grau de lesividade aos princípios e interesses administrativos, e são processados mediante ação penal pública incon- dicionada, proposta pelo Ministério Público perante o Poder Judiciário.

Embora a maioria das condutas delituosas contra a Administração Pública figure nos artigos supraci- tados do Código Penal, isso não significa que outras transgressões do tipo não possam se somar àquelas. Nesse sentido, cita-se a Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, como exemplo, que dispõe sobre o abuso de autoridade (ou abuso de poder) que configure crime. Nessa mesma esteira, merece menção a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (lei das licitações e contratos administrativos), tendo em vista que nos artigos 89 a 98 há tipificação de determinadas condutas consideradas criminosas.

O procedimento de responsabilização criminal dos servidores públicos está previsto nos arts. 513 a 518 do Código de Processo Penal, destacando-se nesse rito especial a possibilidade de resposta por escrito do servidor público antes de o juiz decidir quanto ao recebimento da denúncia (arts. 514 e 516). Recebida a denúncia pelo juiz, o processo seguirá seu curso pelo rito ordinário.

Quando a infração disciplinar estiver capitulada como crime, o respectivo processo deverá ser re- metido ao Ministério Público para instauração da ação penal cabível, conforme arts. 154, parágrafo único e 171 da Lei n° 8.112/90. Recomenda-se que a remessa do processo disciplinar ao Ministério Público Federal ocorra após a sua conclusão, em decorrência da observância dos princípios da legalidade, do devido pro- cesso legal e da presunção de inocência. Nada obstante, o processo disciplinar pode ser encaminhado pela comissão disciplinar a qualquer momento à autoridade instauradora, para que esta, se entender cabível, e o caso assim o exigir, remeta cópia ao Ministério Público Federal no curso do processo, sem prejuízo do andamento dos trabalhos da comissão.

De acordo com as circunstâncias do caso concreto, as sanções administrativas, civis e penais poderão ser aplicadas ao servidor (art. 125), sem que se considere dupla ou tripla punição para o mesmo fato irre- gular (princípio do “non bis in idem”).

Todavia, embora se consagre, em princípio, a independência das instâncias, há situações em que, uma vez decididas no processo penal, repercutem necessariamente nas instâncias civil e administrativa. Excepcio- nalmente, o resultado do juízo criminal produzirá efeitos no âmbito disciplinar.

 

Cabe registrar que o afastamento da responsabilidade administrativa ocorrerá nos casos de sentença penal absolutória que negue a existência do fato ou a autoria. Portanto, se inexistiu o fato não resta qualquer tipo de responsabilidade. Da mesma maneira, a decisão penal que afasta a autoria não deve ser contrariada nas demais instâncias.

A Lei nº 8.112/90 e o Código Civil brasileiro tratam a matéria da seguinte forma:

Lei nº 8.112/90

Art. 126: A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

Código Civil

Art. 935: A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

As provas produzidas no processo criminal podem ser insuficientes para a respectiva condenação, dadas as características próprias daquele juízo. Entretanto, o conjunto probatório pode ser plenamente adequado para a apenação nas instâncias administrativa e/ou civil, até porque serão produzidas independen- temente do andamento do processo penal.

A conclusão de que o fato não caracteriza um crime também não inviabiliza o processo administrativo disciplinar, tendo em vista que esse mesmo fato pode configurar um ilícito funcional. Em outros termos, ainda que não presentes todos os elementos da definição legal do crime, o fato pode ser considerado su- ficientemente grave para a Administração e estar enquadrado nas descrições mais abrangentes da Lei nº 8.112/90.

Dessa forma, o servidor público pode ser absolvido na esfera penal, mas serem encontrados nos autos elementos caracterizadores de uma infração disciplinar, que a doutrina denomina de falta ou conduta residual, conceito, inclusive, sumulado pelo STF (Súmula nº 18): “Pela falta residual não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”.

Nessa circunstância, se demitido após apurada sua responsabilidade administrativa, o servidor não deverá ser reintegrado caso o processo criminal conclua pela absolvição por insuficiência de provas. Tal orientação é corroborada nas seguintes decisões exaradas pelos Egrégios STF e STJ, respectivamente:

FUNCIONÁRIO PÚBLICO – DEMISSÃO – ABSOLVIÇÃO CRIMINAL. Embora possa ter sido absolvido o funcionário na ação penal a que respondeu, não importa tal ocorrência a sua volta aos quadros do serviço público, se a absolvição se deu por insuficiência de provas, e o servidor foi regularmente submetido a inquérito administrativo, no qual foi apurado ter ele praticado o ato pelo qual veio a ser demitido. A absolvição criminal só importaria anulação do ato demissório se tivesse ficado provada, na ação penal, a inexistência do fato, ou que o acusado não fora o autor.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. MS nº 20.814. Relator: Ministro Aldir Passarinho, julgado em 22/3/1991, publicado em 24/5/1991)

PAD. ABSOLVIÇÃO PENAL. Cinge-se a controvérsia à possibilidade de condenar servidor público na área administrativa, por infração disciplinar, após sua absolvição criminal pela imputação do mesmo fato. O entendimento do STJ é que, afastada a responsabilidade criminal do servidor por inexistência daquele fato ou de sua autoria, fica arredada também a responsabilidade administrativa, exceto se verificada falta disciplinar residual sancionável (outra irregularidade que constitua infração adminis- trativa) não abarcada pela sentença penal absolutória (Súm. n. 18-STF). No entanto, a Turma não conheceu do recurso em face do óbice da Súm. n. 7-STJ. Precedentes citados: REsp 1.199.083-SP, DJe 8/9/2010; MS 13.599-DF, DJe 28.05.2010, e Rcl 611-DF, DJ 04.02.2002.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.012.647/RJ. Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 23/11/2010)

 

Ainda é válido atentar que a transação penal, prevista na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para os casos de infração penal de menor potencial ofensivo, não inibe a apuração administrativa, tendo em vista justamente a independência de instâncias.

Registre-se, ainda, que nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, se a pena aplicada ao servidor for a privação da liberdade por tempo igual ou su- perior a um ano, um dos efeitos possíveis da condenação é a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo (art. 92, I, ‘a’, do Código Penal).

Caso haja condenação com aplicação de pena de privação da liberdade por crime que não tenha co- nexão com a sua função pública, duas hipóteses de penalização podem ocorrer: a) se a pena imputada for por tempo inferior a quatro anos, o servidor ficará afastado de seu cargo ou função, perdendo o seu venci- mento, sendo devido a seus familiares o auxílio-reclusão, conforme dispõe o art. 229 da Lei nº 8.112/90;

  1. b) se a pena for superior a quatro anos, o servidor poderá perder o cargo, a função pública ou o mandato eletivo (art. 92, I, ‘b’, do Código Penal). Segue transcrição do aludido 92:

Art. 92 – São também efeitos da condenação:

I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

  1. quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
  2. quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais

O parágrafo único do mesmo art. 92, porém, prescreve que os efeitos referidos não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. Ou seja, a produção de tais efeitos dependerá de estarem expressamente consignados na sentença penal transitada em julgado.

Em que pese não possuir natureza penal, cumpre mencionar que a condenação por prática de ato de improbidade administrativa também poderá ensejar a perda da função pública (Lei nº 8.429/92, art. 12, I, II e III), desde que cominada em sentença transitada em julgado.

 

  • RESPONSABILIZAÇÃO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

 

No tocante à separação da instância administrativa com o campo de atuação do Tribunal de Contas da União – TCU é válido ressaltar que a regularidade de contas julgada por aquela Corte não impede a responsabilização disciplinar do gestor, bem como o julgamento pela irregularidade das contas não neces- sariamente impõe a responsabilização disciplinar, conforme Parecer GQ-55 da AGU, de 30 de janeiro de 1995, vinculante:

Contraditório, ampla defesa, prescrição e consequências do julgamento da regularidade de contas pelo Tribunal de Contas da União no processo administrativo disciplinar. (…) 29. A decisão do TCU, adotada em vista de sua função institucional, repercute na ação disciplinar dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública na hipótese em que venha negar especialmente a existência do fato ou a autoria. 30. O julgamento da regularidade das contas, por si só, não indica a falta de tipificação de infração administrativa (…).

 

 

 

  • ABRANGÊNCIA OBJETIVA

 

Preliminarmente, cabe registrar que a Lei nº 8.112/90 estabelece o regime disciplinar entre os arts. 116 e 142, definindo os deveres e as infrações funcionais (arts. 116, 117 e 132), as penalidades administra- tivas (art. 127), a competência para aplicação das penalidades (art. 141) e o prazo prescricional (art. 142). Lado outro, o processo administrativo disciplinar corresponde ao rito, à sequência ordenada de atos que compõem o apuratório e encontra-se disciplinado nos arts. 143 a 182 da referida lei.

A clareza quanto ao alcance do processo disciplinar é de fundamental importância. A autoridade ins- tauradora, quando do juízo de admissibilidade, verificará a pertinência subjetiva e objetiva para determinar a instauração do processo. A comissão processante conduzirá as apurações dentro dos limites fixados. Do mesmo modo, a autoridade julgadora proferirá sua decisão atenta à demarcação legal em comento.

Antes de aprofundar nas abrangências objetiva e subjetiva do processo disciplinar, vale destacar que ato ilícito é aquele comportamento contrário ao ordenamento jurídico, podendo se revelar tanto na mo- dalidade comissiva (ação) quanto na omissiva (omissão), e enseja a produção de efeitos negativos (sanção). O ilícito administrativo-disciplinar, por sua vez, é toda conduta do servidor público que, no âmbito de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las, deixa de observar dever funcional ou transgrida proibição prevista em lei.

Cabe destacar que a apuração de responsabilidade disciplinar deve estar voltada para a suposta prá- tica de ato ilícito no exercício das atribuições do cargo do servidor público, salvo hipóteses previstas em legislação específica. Também é passível de apuração o ilícito ocorrido em função do cargo ocupado pelo servidor e que possua apenas relação indireta com o respectivo exercício. Ambas as hipóteses de apuração estão previstas no art. 148 da Lei nº 8.112/90, conforme transcrição abaixo:

Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

Extrai-se do artigo acima que a apuração recai sobre o quadro de servidores públicos e restringe-se às condutas listadas nos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90, bem como em leis específicas, no caso de determinadas carreiras.

 

  • Atos da vida privada

Os atos praticados na esfera da vida privada do servidor público, em princípio, não são apurados no âmbito da Lei nº 8.112/90 e só possuem reflexos disciplinares quando o comportamento se relaciona com as atribuições do cargo. Excetue-se dessa regra a previsão legal específica de irregularidade administrativa ínsita ao comportamento privado ou social do servidor, a exemplo da prevista no denominado Estatuto da Atividade Policial Federal (Lei nº 4.878, de 3 de dezembro de 1965, art. 43).

Naturalmente, o servidor público não escapa dos preceitos dos códigos de ética ou de conduta, mas não haverá necessariamente a incidência de normas disciplinares sobre os atos censurados naqueles regu- lamentos. No mesmo sentido, a depender da natureza do ato, poderá o agente ser responsabilizado nas esferas civil e/ou penal, sem que se cogite qualquer reprimenda disciplinar.

Conforme já mencionado, a Lei nº 8.112/90 evidencia que o servidor poderá ser processado por atos ou comportamentos praticados longe da repartição ou fora da jornada de trabalho, inclusive na sua vida privada, desde que guardem relação direta ou indireta com o cargo ocupado, com as suas atribuições ou com a instituição a qual está vinculado.

 

A este respeito, Di Pietro assevera que “a má conduta na vida privada, para caracterizar-se como ilícito administrativo, tem que ter, direta ou indiretamente, algum reflexo sobre a vida funcional, sob pena de tudo, indiscriminadamente, poder ser considerado ‘procedimento irregular’ (…)”12.

Não obstante a possibilidade trazida a lume, a repercussão disciplinar dos atos cometidos pelo ser- vidor em sua vida privada é uma exceção. Dito isto, resta-nos delimitar o alcance do regime disciplinar em relação a tais condutas, sem, contudo, afrontar as garantias de liberdade e de privacidade da pessoa consa- gradas pela Constituição Federal (art. 5º, inciso X).

O fundamento legal para eventual repercussão administrativa-disciplinar de atos da vida privada do servidor é extraído do art. 148 da Lei nº 8.112/90, que prevê a apuração de responsabilidade por infração “que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido”.

A redação não deixa dúvida acerca da abrangência de condutas cometidas fora do estrito exercício das atribuições do cargo, ou seja, os reflexos de eventual desvio de conduta do servidor ultrapassam os limites do espaço físico da repartição e as horas que compõem sua jornada de trabalho. Incluem-se aí a situação de teletrabalho, os períodos de férias, licenças ou afastamentos autorizados. Exige-se, porém, que as irre- gularidades tenham alguma relação, no mínimo indireta, com o cargo do servidor ou com suas respectivas atribuições, ou que, de alguma maneira, afetem o órgão no qual o infrator está lotado.

Antônio Carlos Alencar de Carvalho recomenda que muita ponderação e cautela presidam a apre- ciação concernente à repercussão administrativa da conduta da vida privada do servidor público. Defende o autor que só em casos inquestionáveis de prejuízo para a atividade funcional ou prestígio direto do fun- cionário em face das atribuições específicas de seu cargo, prejudicadas pela ação consumada no âmbito particular, é que se pode discutir eventual apenação disciplinar13.

Em sentido oposto, os atos cometidos pelo servidor que não tenham a mínima pertinência com o cargo não implicam repercussão disciplinar.

Percebe-se que há outras sanções no meio social a que está sujeito o indivíduo e não se pode pre- tender recorrer ao direito disciplinar pelo simples fato do responsável pelo ato censurável se tratar de um servidor público. Em resumo, a repercussão disciplinar sobre atos de vida privada é residual e excepcional, amparada pela parte final do art. 148 da Lei nº 8.112/90.

 

  • Irregularidades cometidas antes da aposentadoria, da exoneração ou da vacância decorrente de posse em outro cargo público

Firmada a noção de que o processo administrativo disciplinar é o instrumento legal para apurar res- ponsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido, infere-se que as supostas irregularidades ocorreram no período em que o infrator mantinha vínculo estatutário com a Administração.

Contudo, o eventual conhecimento tardio do suposto ilícito disciplinar poderá resultar em processo disciplinar instaurado para apurar a conduta de servidor já desvinculado do serviço público (ex-servidor), tais como o aposentado, o exonerado (a pedido ou de ofício, como no caso de não aprovação no estágio probatório), o demitido, ou aquele que tenha pedido vacância por posse em outro cargo, acumulável ou inacumulável.

Sobre a apuração de ilícito funcional cometido por ex-servidor assim se manifestou-se a Advocacia-

-Geral da União (AGU), no Parecer-AGU nº GM-1, de 15 de março de 2000, vinculante, ao apontar a manutenção do processo e do regime disciplinares inclusive nos casos de desvinculação do serviço público depois do cometimento da falta funcional:

 

12            DI PIETRO, 2006, p. 596.

13            CARVALHO, 2008, p. 136-137.

 

Ementa: Não é impeditivo da apuração de irregularidade verificada na Administração Federal e de sua autoria o fato de os principais envolvidos terem se desvinculado do serviço público, anteriormente à instauração do processo disciplinar. (…)

  1. Impõe-se a apuração se o ilícito ocorre ´no serviço público´, poder-dever de que a autoridade ad- ministrativa não pode esquivar-se sob a alegação de que os possíveis autores não mais se encontram investidos nos cargos em razão dos quais perpetraram as infrações (…).
  2. Embora a penalidade constitua o corolário da responsabilidade administrativa, a inviabilidade jurídica da atuação punitiva do Estado, advinda do fato de alguns dos envolvidos nas transgressões haverem se desligado do serviço público, não é de molde a obstar a apuração e a determinação de autoria no tocante a todos os envolvidos, inclusive em se considerando o plausível envolvimento de servidores federais, bem assim o julgamento do processo, com a consequente anotação da prática do ilícito nas pastas de assentamentos funcionais, por isso que, em derivação dessa medida: (…)
  1. no caso de reingresso e não ter-se extinguido a punibilidade, por força do decurso do tempo (pres- crição), o servidor pode vir a ser punido pelas faltas investigadas no processo objeto do julgamento ou considerado reincidente (…).

Sobre o assunto, destaque-se a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

Ementa: Mandado de segurança. Administrativo. Ministro dos Transportes. Ex-servidores do DNER. Procedimento administrativo. Apuração das irregularidades possivelmente cometidas quando no exercício das respectivas funções. Possibilidade. Ausência do alegado direito líquido e certo. Não se vislumbra o alegado direito líquido e certo, considerando que a Administração está, no exercício de seu direito, apurando as possíveis irregularidades dos impetrantes, quando no exercício de suas funções. Ordem denegada.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS no 9.497. Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca, jul- gado em 10/3/2004, publicado em 18/10/2004)

Enfrentando essa questão, a Comissão de Coordenação de Correição (CCC) da Controladoria-

-Geral da União aprovou o Enunciado CGU nº 2, de 4 de maio de 2011, nos seguintes termos:

EX-SERVIDOR. APURAÇÃO. A aposentadoria, a demissão, a exoneração de cargo efetivo ou em co- missão e a destituição do cargo em comissão não obstam a instauração do procedimento disciplinar visando à apuração de irregularidade verificada quando do exercício da função ou cargo público.

Enunciado CGU nº 2, publicado no DOU de 5/5/11, seção 1, página 22

Assim sendo, a exoneração, a aposentadoria ou a aplicação de penas capitais decorrentes de outro processo administrativo disciplinar não impedem a apuração de irregularidade praticada quando o ex-ser- vidor se encontrava legalmente investido em cargo público.

Insta destacar que a Lei n° 8.112/90 já previu tais situações conjuntamente com a viabilidade do pro- cesso disciplinar, assim dispondo sobre a penalidade cabível no caso de ex-servidores que tenham cometido falta disciplinar no exercício da função, a saber:

  1. o servidor faltoso que já se encontre aposentado está passível de ter sua aposentadoria cassada (art. 134); e
  2. aquele que foi exonerado do cargo poderá ter tal situação convertida em destituição do cargo comissionado ou em demissão (art. 135, parágrafo único e 172, parágrafo único).

Deve-se levar em conta, ainda, que eventual penalidade expulsiva aplicada ao ex-servidor, já apenado em processo administrativo anterior, poderá ter o condão de frustrar o seu retorno em caso de reintegração administrativa ou judicial no primeiro processo em que sofreu a pena capital, nas hipóteses de demissão por infração ao art. 117, incisos IX e XI, nos termos do art. 137 do Estatuto Funcional. Convém observar que a portaria que materializa a penalidade expulsiva deve ser formalmente publicada e a conclusão registrada nos

 

assentamentos funcionais do ex-servidor. A cautela visa tornar o ato jurídico perfeito e acabado, afastando eventual alegação de prescrição da segunda irregularidade no caso de anulação da primeira sanção.

Lado outro, quando um servidor comete um ilícito administrativo e recebe uma sanção de demissão com os efeitos do parágrafo único do art. 137, o seu afastamento permanente indica que, para aquelas ou- tras situações de irregularidades conhecidas pela autoridade administrativa, posteriormente ou até mesmo antes do seu desligamento, cujos os devidos processos disciplinares apuratórios não foram sequer instau- rados, a exigência de obrigatoriedade de instauração do art. 143 deve ser mitigada. Nestes casos o agente já se encontra fora do serviço público federal sem possibilidade de retorno por nova investidura no prazo legal estabelecido, carecendo, portanto, de eficácia e efetividade atos que visem a abertura de novos procedi- mentos disciplinares em seu desfavor, com a ocupação de pessoal em atividade não profícua, a ser melhor aproveitada em outras tarefas de maior efetividade para o órgão ou entidade pública.

Diante de tal cenário, em homenagem ao princípio da eficiência, poderá a autoridade instauradora priorizar outros casos que exijam atenção mais imediata, seja pela gravidade da suposta conduta, seja pela eminente prescrição.

Já em relação ao ex-servidor que tenha tomado posse em outro cargo, deve a Administração apurar a suposta infração funcional cometida no exercício das atribuições inerentes ao cargo inicialmente ocupado. A competência para a instauração e o julgamento do processo disciplinar nessa hipótese está circunscrita ao órgão ou entidade no qual ocorreu o suposto ilícito funcional (art. 141). Eventual penalidade será publicada e registrada nos assentamentos funcionais, gerando efeitos no novo cargo ocupado no serviço público fe- deral, apenas nas hipóteses de demissão por infração ao art. 117, incisos IX e XI, nos termos do art. 137 do Estatuto Funcional. Na hipótese de suspensão, deverá a penalidade ser cumprida caso ocorra a recondução do servidor ao cargo.

Cabe ressaltar a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2975, que declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 137 da Lei nº 8.112, de 1990, com determinação do encaminhamento da matéria ao Congresso Nacional, para deliberação sobre o prazo de proibição de retorno ao serviço público na hipótese de demissão por infração ao art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.

 

  • ABRANGÊNCIA SUBJETIVA

 

Em sede disciplinar, verifica-se que o polo passivo sofre uma restrição em comparação com as esferas civil e penal. O processo administrativo disciplinar da Lei nº 8.112/90 limita-se aos agentes referidos em seus arts. 1º, 2º e 3º, pelo que é relevante a sua leitura atenta, como ora se propõe:

Art. 1º: Esta Lei institui o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias, inclu- sive as em regime especial, e das fundações públicas federais.

Art. 2º: Para os efeitos desta Lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público.

Art. 3º: Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organi- zacional que devem ser cometidas a um servidor.

Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com deno- minação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.

Observe-se que a abrangência subjetiva no processo administrativo disciplinar não se confunde com o conceito de “funcionário público” oferecido pelo Código Penal, o qual abarca “quem, embora transito- riamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”, além de incluir quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividades típicas da Administração Pública.

 

A lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92) é ainda mais abrangente, considerando agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no art. 1º do referido diploma legal. E mais, a lei é aplicável, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Portanto, o grau de vinculação do agente com a Administração Pública revela se estará sujeito à res- ponsabilização na esfera administrativa, independentemente de figurar como réu segundo os amplos limites estabelecidos no Código Penal e na Lei nº 8.429/92.

Importante destacar também que o processo administrativo disciplinar da Lei nº 8.112/90 não alcança os empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista. Tais agentes, ainda que contratados mediante concurso público são regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT e não pelo regime estatutário dos servidores públicos. Isso não significa que os empregados públicos das Estatais fujam à responsabilidade disciplinar e administrativa, uma vez que se submetem aos normativos internos que tais entidades venham a adotar, podendo prever deveres e proibições a serem observadas por seus funcionários e dispondo das penalidades cabíveis no caso de conduta inadequada.

Dessa forma, os sujeitos que interessam ao presente estudo são os ocupantes de cargos públicos. Eis a abrangência subjetiva do processo disciplinar da Lei nº 8.112/90: servidores públicos federais.

Retornando aos dispositivos da Lei nº 8.112/90, o conceito de servidor público está ligado ao de cargo público, do qual sobressai a noção de que se trata de um conjunto de atribuições e deveres, a des- peito de algumas compensações e eventuais prerrogativas.

Nesta linha, Marçal Justen Filho apresenta o seguinte conceito de cargo público: “é uma posição jurídica criada e disciplinada por lei, sujeita a regime jurídico de direito público peculiar, caracterizado por mutabilidade por determinação unilateral do Estado e por inúmeras garantias em prol do ocupante”14.

O provimento dos cargos públicos pode ser efetivo ou em comissão, conforme se lê:

Art. 9º A nomeação far-se-á:

  • – em caráter efetivo, quando se tratar de cargo isolado de provimento efetivo ou de carreira;
  • – em comissão, inclusive na condição de interino, para cargos de confiança vagos. (Redação dada pela Lei nº 527, de 10.12.1997)

Parágrafo único. O servidor ocupante de cargo em comissão ou de natureza especial poderá ser no- meado para ter exercício, interinamente, em outro cargo de confiança, sem prejuízo das atribuições do que atualmente ocupa, hipótese em que deverá optar pela remuneração de um deles durante o período da interinidade. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.1997).

A Constituição Federal exige a aprovação em concurso público como requisito à nomeação para cargo efetivo e, ainda, prevê a possibilidade de que o ocupante de tal cargo adquira estabilidade após três anos de efetivo exercício. No entanto, poderá figurar como acusado tanto o servidor estável como aquele em estágio probatório. Não procede a restrição da garantia do processo disciplinar apenas ao primeiro. O inciso II do parágrafo 1º do art. 41 da Constituição Federal deve ser interpretado em harmonia com os incisos LIV e LV do art. 5º da Carta Maior, restando assegurado a todos o devido processo legal e aos acu- sados em geral, mesmo em sede administrativa, o contraditório e a ampla defesa.

Assim sendo, grife-se que o processo disciplinar é obrigatório para a apuração de faltas disciplinares imputadas a servidor em estágio probatório e, por conseguinte, é plenamente cabível, em sendo o caso, aplicar-lhe a penalidade de demissão. A pena expulsiva não se confunde com a exoneração decorrente de

 

14            JUSTEN FILHO, 2005, p. 580.

 

reprovação no estágio probatório. Na segunda hipótese, o servidor será exonerado (não demitido) por não ter satisfeito as condições do estágio probatório e esse ato não possui natureza de sanção disciplinar.

Ao lado dos cargos efetivos, estão os cargos em comissão (no qual se incluem os cargos do Grupo de Direção e Assessoramento Superiores – DAS), cujo provimento é transitório e a nomeação é livre, porém a exoneração também pode ocorrer a qualquer tempo, ao arbítrio da autoridade competente (ad nutum).

Sem adentrar em pormenores da diferenciação entre cargo em comissão e função de confiança, anote-se a previsão do art. 37, inciso V, da Constituição Federal:

Artigo 37, inciso V- as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998).

Depreende-se do dispositivo constitucional que os postos de direção, chefia e assessoramento po- derão ser atribuídos a ocupantes de cargo efetivo (função de confiança ou cargo comissionado) ou providos por pessoas estranhas aos quadros do órgão (cargo comissionado).

De qualquer forma, tanto os servidores públicos ocupantes de cargos efetivos como em comissão es- tarão sujeitos a processo administrativo disciplinar. A diferença é que a eventual penalidade expulsiva contra ocupante de cargo em comissão (que não possui vínculo definitivo com a Administração) consiste na desti- tuição do cargo em comissão (inciso V do art. 127 da Lei nº 8.112/90), reservando-se a figura da demissão (inciso III do art. 127 da Lei nº 8.112/90) aos servidores ocupantes de cargos efetivos.

Questão interessante refere-se à repercussão da destituição de cargo em comissão quando o agente ocupa cargo efetivo em outro órgão. O entendimento dominante é de que se ambos os órgãos perten- cerem ao mesmo ente federado (por exemplo, dois órgãos federais, independentemente se do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário) e forem disciplinados pelo mesmo Estatuto, a transgressão disciplinar perpetrada no exercício de cargo em comissão repercutirá no cargo efetivo originário. Ressalvem-se os casos em que os cargos em comissão e efetivo são de diferentes entes federados, em virtude da autonomia que caracteriza a federação. Alerte-se sobre a exceção quando o ato cometido no cargo em comissão de outro ente federado configura infração apenada com expulsão em lei de aplicação nacional, a exemplo dos ilícitos previstos na lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92).

Diante das considerações trazidas acerca da abrangência subjetiva do processo disciplinar, pode-se afirmar que o polo passivo será ocupado por servidor público lato sensu, estável ou em estágio probatório em cargo efetivo, ou ocupantes de cargo em comissão e função comissionada.

 

  • Manutenção das vinculações estatutárias do servidor público em férias, licenças ou outros afastamentos e conflito de interesses

Durante os períodos de férias, licenças e outros afastamentos, o servidor público mantém o vínculo funcional com a Administração Pública, razão pela qual deve observar os deveres, obrigações e impedi- mentos consignados no respectivo Estatuto.

Conforme visto anteriormente, o art. 148 da Lei nº 8.112/90 abarca os atos irregulares indiretamente associados às atribuições do cargo do servidor faltoso. Assim, eventual falta disciplinar cometida nos perí- odos em tela será passível de apenação.

Neste ponto, merecem realce a licença para tratar de interesses particulares (art. 91 da Lei nº 8.112/90) e a licença incentivada (Medida Provisória nº 2.174-28, de 24 de agosto de 2001). Em ambas as hipóteses se tem a inaplicabilidade da proibição fixada no inciso X do art. 117 da Lei nº 8.112/90, que im- pede o servidor de participar de gerência ou de administração de empresas e de exercer atos de comércio. O parágrafo único acrescentado pela Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008, ao referido dispositivo estatutário, estendeu ao servidor licenciado para tratar de assuntos particulares o mesmo tratamento antes

 

conferido pela citada Medida Provisória ao servidor que aderiu à licença incentivada. Colocou-se um ponto final na discussão sobre a falta de isonomia entre as duas espécies de licença. Segue o art. 117 com a alte- ração referida:

Art. 117. Ao servidor é proibido:

(…)

X – participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personifi- cada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (Redação dada pela Lei nº 11.784, de 22.09.2008)

(…)

Parágrafo único: A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica nos seguintes casos: (Todo o parágrafo acrescentado pela Lei nº 11.784, de 22.09.2008)

  • – participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa cons- tituída para prestar serviços a seus membros; e
  • – gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 desta Lei, observada a legislação sobre conflito de

Todavia, observe-se que, na parte final do inciso II do parágrafo único do art. 117 da Lei nº 8.112/90, o legislador preocupou-se em rechaçar eventual conflito de interesses. Vale dizer, a gerência ou adminis- tração de empresas e comércio não podem resultar na prática de conflito de interesses entre o público e o privado.

O tema do conflito de interesses será tratado adiante, porém, desde logo, se deve registrar que o art. 5º da Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013, prevê um elenco de situações que podem gerar o conflito de interesses no exercício do cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo Federal, sendo que o art. 10 do mesmo diploma estende diversas disposições a todos os agentes públicos do Poder Executivo Federal.

Por fim, cumpre assinalar que a licença médica não constitui óbice à demissão. De fato, independen- temente de seu motivo, tal licença não obstaculiza a aplicação da penalidade que foi precedida de proce- dimento disciplinar regular, no qual, naturalmente, o servidor acusado teve oportunidade de se defender pessoalmente ou por intermédio de procurador.

 

  • Situação de servidores e empregados públicos cedidos

Da leitura do art. 143 da Lei nº 8.112/90 verifica-se que a autoridade competente deve promover a imediata apuração de fatos supostamente irregulares cometidos no exercício do cargo público e que lhe cheguem ao conhecimento. Ou seja, a apuração da responsabilidade administrativa está ligada de forma indissociável ao fato de o infrator exercer um cargo público à época do cometimento da infração. Segue transcrição da citada norma:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Dessa feita, partindo-se da indisponibilidade do interesse público, questiona-se como deve a Admi- nistração agir nas hipóteses de servidores públicos federais cedidos para Estatais e de empregados públicos federais cedidos para a Administração Direta, autárquica ou fundacional que cometem irregularidades fun- cionais contra a Administração Pública.

  1. Servidores Públicos Federais cedidos para Estatais

 

O servidor público federal que comete irregularidade funcional enquanto cedido à entidade Estatal pode ser responsabilizado pela Lei nº 8.112/90. A aplicação de penalidade disciplinar que tenha impacto na relação estatutária existente entre o servidor e a União está condicionada à prévia apuração da falta come- tida por meio de processo administrativo disciplinar, o qual, entre outros requisitos, é instaurado por auto- ridade administrativa competente e conduzido por comissão composta por servidores estatutários estáveis, conforme preveem os arts. 143 e 149 da Lei nº 8.112/90. Dessa forma, cumpre à entidade Estatal apurar internamente os fatos, sem prejuízo de encaminhar desde logo a notícia da irregularidade para o Órgão de origem, a fim de que este instaure o competente processo administrativo disciplinar.

  1. Empregados Públicos Federais cedidos para a Administração Direta, autárquica ou fundacional

O empregado público de estatal que comete irregularidade funcional enquanto cedido à União, suas autarquias ou fundações, para ocupar cargo em comissão, se sujeita ao processo administrativo disciplinar previsto na Lei nº 8.112/90, uma vez que se encontra investido em cargo público. O processo deverá ser instaurado pela autoridade competente do local do fato e conduzido sob observância dos requisitos da lei. Ao seu fim, competirá igualmente à autoridade do local do fato julgar o feito, uma vez que o empregado ocupa cargo público vinculado àquela unidade e, portanto, nessa condição, submete-se à sua estrutura hie- rárquica. De se frisar que, a depender da gravidade da infração, a autoridade competente poderá impor a pena de destituição do cargo em comissão a teor do que dispõe o art. 135 da Lei nº 8.112/90.

O resultado deste processo disciplinar deve ser encaminhado a sua empresa estatal de origem, para adoção das medidas cabíveis, especialmente no que toca à verificação dos reflexos no contrato de trabalho existente. Isto porque, ainda que cedido, o empregado público mantém sua relação de emprego com a estatal da qual se origina, devendo observância aos seus regulamentos internos, inclusive no que diz respeito aos deveres e proibições a ele impostos.

Acerca de tais reflexos, cumpre consignar o que foi decidido no âmbito da Comissão de Coorde- nação de Correição:

REPERCUSSÃO DA DESTITUIÇÃO DO CARGO EM COMISSÃO NO VÍNCULO CELETISTA. A penali-

dade de destituição de cargo em comissão aplicada ao empregado público cedido a órgão da Admi- nistração Pública Direta, Autárquica e Fundacional poderá repercutir no vínculo empregatício, sendo desnecessária a instauração de novo processo disciplinar no âmbito da empresa estatal. (Enunciado CGU nº 13, publicado no DOU de 02/05/16, seção 1, página 8).

Cumpre ainda apontar que existem possibilidades nas quais o empregado público é cedido a outras entidades de Direito Público sem a ocupação de cargo em comissão, mas por existir previsão legal ou con- vênio entre a estatal e o ente público. De se ressaltar que, no caso de notícia de irregularidade envolvendo tal agente, impera, nessa situação, o dever da autoridade local de apurar as irregularidades das quais venha a ter conhecimento, a fim de elucidar a veracidade dos fatos e verificar o possível envolvimento de outros agentes no caso. Sustenta-se ainda que, além do dever de apurar, a autoridade do local dos fatos é aquela que melhor reúne condições de determinar a produção das provas necessárias para a comprovação ou não dos fatos tidos por irregulares.

 

Tal entendimento vai ao encontro de manifestação da Consultoria-Geral da União quando da análise do caso de servidores cedidos a outros órgãos. O assunto foi abordado pela Nota-Decor/CGU/AGU nº 16/2008-NMS, na qual resta firmado o entendimento de que os processos de apuração de irregularidade devem ser preferencialmente instaurados no local de ocorrência dos fatos e, ao seu fim, encaminhados para decisão da autoridade à qual se vincula o cargo originário do servidor.

De modo que, pelos mesmos fundamentos, a autoridade competente deverá determinar a apuração de todo indício do cometimento de irregularidades por parte de empregado público não ocupante de cargo em comissão que está cedido à unidade sob sua responsabilidade. A apuração deverá ocorrer mediante processo administrativo em que seja assegurado ao empregado público acusado os meios aptos para se defender.

A conclusão do apuratório deverá ser remetida à empresa pública à qual se vincula o empregado público, para julgamento e/ou adoção das providências cabíveis, à luz dos seus normativos internos e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aplicando, sempre que for o caso, a penalidade cabível. Repisa-se aqui o dito anteriormente acerca do empregado público dever observância aos regulamentos internos de sua empresa, independente de se encontrar cedido.

Necessário destacar a responsabilidade da autoridade competente para apuração dos fatos, de sempre comunicar a empresa estatal da existência de indícios de irregularidades envolvendo empregado público a ela vinculado, independentemente da decisão que venha se adotar acerca de sua lotação funcional (permanência na entidade ou devolução à estatal de origem).

 

  • Agentes Públicos que não se sujeitam à abrangência da Lei nº 112/90

Demarcou-se no início do presente capítulo a abrangência subjetiva do processo administrativo dis- ciplinar. Reitere-se: servidor público estável ou em estágio probatório em cargo efetivo, bem como ocu- pantes de cargo em comissão e de função comissionada.

Com o intuito de afastar qualquer dúvida, convém uma breve menção aos agentes que não se su- jeitam à Lei nº 8.112/90, notadamente Agentes Políticos, Militares, Particulares em colaboração com o Poder Público, Temporários (sindicância – Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993), Terceirizados, Cele- tistas, Estagiários e Consultores de Programas Internacionais (ex.: PNUD).

  1. Agentes Políticos e Vitalícios

Os agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, constituem-se nos formadores de vontade superior do Estado15. Nesta categoria, incluem-se os Chefes de Poder Execu- tivo (Presidente da República, Governadores, Prefeitos e respectivos vices) e membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados e Vereadores), além de Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação.

Em face da natureza do vínculo que estabelecem com o Estado, não se sujeitam aos ditames da Lei nº 8.112/90. Neste sentido, confira-se o Parecer AGU nº GQ-35, vinculante:

  1. A Lei nº 8.112, de 1990, comina a aplicação de penalidade a quem incorre em ilícito adminis- trativo, na condição de servidor público, assim entendido a pessoa legalmente investida em cargo público, de provimento efetivo ou em comissão, nos termos dos arts. 2º e 3º. Essa responsabilidade de que provém a apenação do servidor não alcança os titulares de cargos de natureza especial, providos em caráter precário e transitório, eis que falta a previsão legal da punição. Os titulares dos cargos de Ministro de Estado (cargo de natureza especial) se excluem da viabilidade legal de responsabilização administrativa, pois não os submete a positividade do regime jurídico dos servidores públicos federais aos deveres funcionais, cuja inobservância acarreta a penalidade administrativa.

 

 

15            MELLO, 2006, p. 230.

 

O Presidente da República, o Vice-Presidente e os Ministros de Estado, agentes políticos no âmbito do Poder Executivo Federal, não são responsabilizados por meio de processo administrativo disciplinar. O Presidente da República responde por crime de responsabilidade ante o Senado Federal e, nas infrações pe- nais comuns, perante o STF (art. 86, da Constituição Federal). Os Ministros de Estado respondem também por crime de responsabilidade perante o STF (Lei nº 1.079/50).

Não há que se incluir dentre este rol os detentores de cargo de Natureza Especial, tais como os Secretários-Executivos de Ministério. A respeito de tais agentes, não resta dúvida quanto à sujeição aos di- tames da Lei nº 8.112/90, inclusive no que diz respeito ao regime disciplinar. A única ressalva que deve ser observada diz respeito aos atos praticados pelo Secretário-Executivo quando estiver exercendo as funções de Ministro de Estado. Isso porque é uma prática regular que o Secretário-Executivo seja o substituto do Ministro em seus impedimentos legais. Nessa situação, o Secretário-Executivo deverá ser responsabilizado tal como se Ministro fosse.

Ademais, parte da doutrina inclui entre os agentes políticos os detentores de cargos vitalícios, como membros da magistratura, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Independentemente da diver- gência doutrinária sobre a classificação de tais agentes, é certo que a Constituição da República lhes garante a vitaliciedade após dois anos de exercício e impõe que a perda do cargo depende de sentença judicial tran- sitada em julgado (arts. 95, inciso I; 128, § 5º, inciso I, alínea “a”; e 73, § 3º). Trata-se de garantia exclusiva dos membros, não extensível aos serventuários das atividades-meio das referidas instituições, os quais se sujeitam a processo administrativo disciplinar.

Merece ressalvar, por fim, a situação dos agentes políticos que já ocuparam cargo ou emprego público federal e, na época desta situação, cometeram irregularidades. A seu respeito, a Comissão de Coordenação de Correição (CCC) da Controladoria-Geral da União aprovou o Enunciado CGU nº 23, de 31 de outubro de 2018, segundo o qual:

INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE AGENTES POLÍTICOS.

São passíveis de apuração administrativa disciplinar as infrações cometidas por agentes políticos em razão do exercício de cargo ou emprego público federal.

Enunciado CGU nº 23, publicado no DOU de 5/11/18, seção 1, página 76

  1. Militares

De acordo com Di Pietro, os militares abrangem as pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e às Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios, com vínculo estatutário e sujeitos a regime jurídico próprio, me- diante remuneração paga pelos cofres públicos16.

Os militares não estão abrangidos pela Lei nº 8.112/90, conforme prevê o art. 1º do Estatuto dos Servidores Públicos Civis. Portanto, no caso de envolvimento de algum militar em ilícito disciplinar, a apu- ração do fato não segue os moldes da Lei nº 8.112/90, devendo a autoridade civil que tiver conhecimento de algum ilícito funcional encaminhar o assunto à autoridade militar superior hierárquica do militar17.

  1. Particulares em colaboração com o Poder Público

São aqueles que exercem eventualmente funções públicas sem estarem, política ou profissionalmente, vinculados ao Estado, com ou sem remuneração, e não são responsabilizados por meio de processo admi- nistrativo disciplinar, haja vista que não estão abrangidos pela Lei nº 8.112/90.

 

 

 

 

 

16            DI PIETRO, 2006, p. 505.

17            MADEIRA, 2008, p. 25.

 

  1. Agentes Temporários – Lei nº 745/93

A Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, dispõe sobre a contratação de pessoal por tempo de- terminado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, por órgãos da Admi- nistração Pública Federal direta ou indireta, regulamentando o inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, que determina o seguinte: “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público”.

O art. 10 do diploma legal em comento estabelece que as infrações disciplinares atribuídas aos refe- ridos agentes devem ser apuradas mediante sindicância, concluída no prazo de até 30 (trinta) dias e asse- gurada a ampla defesa. O art. 11 faz referência a dispositivos da Lei nº 8.112/90 aplicáveis a esse pessoal, incluindo deveres, proibições, responsabilidades e penalidades, mas não lhes estende a prerrogativa do rito previsto para os servidores estatutários.

Tendo em vista a ausência de referência aos arts. 143 a 182 da Lei nº 8.112/90, conclui-se que não se exige a observância do rito correspondente. Porém, partindo do mínimo legal, que foi a estipulação da apuração por meio de sindicância, a Instrução Normativa nº 14 de 14 de novembro de 2018, da CGU18, trouxe alguns parâmetros a serem observados, os quais serão mencionados no item 6, ao se tratar dos Procedimentos Disciplinares.

  1. Terceirizados

Os terceirizados são empregados de empresas privadas contratadas pela Administração Pública para prestarem serviços gerais que não sejam atividade-fim do órgão público. Portanto, não possuem relação jurídica com a Administração Pública e não são responsabilizados por meio de processo administrativo disciplinar na forma da Lei nº 8.112/90. No caso de praticarem algum ilícito ou causarem prejuízo à Admi- nistração caberá ao Administrador solicitar a substituição da pessoa à empresa e eventualmente encaminhar o caso à polícia, ao Ministério Público ou à Advocacia-Geral da União19.

  1. Empregados Públicos de Empresas Estatais – Regime da CLT

Os empregados públicos, que também ingressam por meio de concurso público, são aqueles cuja re- lação jurídica é regida pelas normas da CLT e ocupam emprego público em empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado e, portanto, não estão abrangidos, em regra, pela Lei nº 8.112/9020.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

18            Publicada no Diário Oficial da União de 16 de novembro de 2018, regulamenta a atividade correcional no âmbito do Sistema de Correição do Poder Execu- tivo Federal e revoga a Portaria CGU nº 335, de 30 de maio de 2006.

19            MADEIRA, 2008, p. 26.

20            Idem, p. 25.

 

  1. Empregados Públicos da Administração Direta, Indireta e Fundacional – Lei nº 962/00

Mesmo fora da abrangência subjetiva da responsabilidade disciplinar, cabe registro sobre os empre- gados públicos contratados ao amparo da Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000, para trabalharem na Administração Pública direta, autarquias e fundações públicas de direito público, sob o regime da CLT. Mesmo não sendo servidores públicos, a rescisão do contrato de trabalho, por ato unilateral da Adminis- tração Pública, apenas poderá ocorrer nas hipóteses expressamente previstas no art. 3º, incisos I, II, III e IV, da Lei nº 9.962/00. Portanto, por estarem abrangidos pela CLT, não respondem a processo administrativo disciplinar nos moldes da Lei nº 8.112/9021.

  1. Estagiários

Os estagiários não são responsabilizados por meio de processo administrativo disciplinar, haja vista que não estão abrangidos pela Lei nº 8.112/90. De fato, não há liame de natureza estatutária vinculando tais pessoas à Administração.

  1. Consultores Programas Internacionais (ex.: PNUD)

Os consultores contratados por meio do Projeto das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que geralmente trabalham na sede do Ministério, também não se submetem ao processo admi- nistrativo disciplinar nos moldes da Lei nº 8.112/90, haja vista que não são considerados servidores públicos efetivos nem em comissão. Contra eles cabe processo civil, por perdas e danos, e processo criminal, no caso de cometimento de alguma conduta criminal22.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  • Idem, 25.
  • Idem, 26.

 

 

Como é cediço, os serviços públicos não podem sofrer solução de continuidade. Para impedir even- tuais interrupções, capazes de trazer prejuízos à sociedade, a Administração Pública desfruta de inúmeras prerrogativas constitucionais e legais (a exemplo dos poderes administrativos) sem as quais seria árduo asse- gurar os objetivos institucionais, consubstanciados, primordialmente, na garantia do bem-estar social. Sobre esses poderes especiais, preleciona Alexandre de Moraes:

Para que seja possível a realização de suas atividades e, consequentemente, a satisfação do bem comum, o ordenamento jurídico confere à Administração uma gama de poderes, a fim de instrumen- talizar a realização de suas tarefas administrativas. São os chamados poderes da administração ou poderes administrativos.23

Dotada desses privilégios, de caráter irrenunciável e limitado em lei, a Administração Pública tem o poder-dever de exercê-los de forma efetiva, eficiente e em benefício da coletividade.

Para o que aqui interessa, convém referir especificamente ao poder disciplinar, derivado do poder hierárquico, por cujo intermédio a Administração aplica o regime disciplinar aos seus servidores, acaso ve- rificado o cometimento de infrações funcionais ligadas ao exercício do cargo.

Quanto ao tema, o saudoso e conceituado administrativista Hely Lopes Meirelles assim definiu o poder disciplinar:

(…) faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordi- nando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento a que se passam a integrar definitiva ou transitoriamente.24

De fato, através desse poder sancionador, o Estado tem à sua disposição um mecanismo eficaz para, diante de comportamento contrário aos normativos regentes da atividade administrativa, apurar eventuais irregularidades e, se comprovada a participação de servidor público, aplicar a devida sanção disciplinar. Tal punição deve se pautar na relação entre a gravidade da falta cometida e a sanção efetivamente imposta, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Importa destacar, ainda, que ao servidor, em razão do exercício do cargo, é conferida a execução de certas atribuições legais, voltadas para o atendimento das necessidades coletivas, em estrito cumprimento aos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

Essas atribuições estão devidamente delimitadas em lei, razão que torna exigível dos agentes públicos a utilização normal e adequada das prerrogativas que a lei lhes confere. Não obstante, ao tempo em que a lei outorga poderes aos servidores, impõe-lhes, por outro lado, o seu regular e eficiente exercício, vedan- do-lhe a omissão, sob pena de responsabilização.

Por conseguinte, ao não desempenhar correta e satisfatoriamente suas atividades, praticando ou con- correndo para a prática, no exercício de suas funções, de alguma falta prevista na Lei nº 8.112/90, ficará o servidor faltoso sujeito às sanções disciplinares ali colimadas, surgindo o que usualmente se denomina “dever de apurar”. Esta obrigação é justamente aquele dever insculpido no art. 143 do Estatuto (Lei nº 8.112/90), o qual obriga a autoridade pública a promover a apuração imediata dos atos e fatos supostamente irregulares que chegarem ao seu conhecimento.

 

 

 

23            MORAES, 2009, p. 93.

24            MEIRELLES, 2011, p. 126.

 

  • CONHECIMENTO DO FATO SUPOSTAMENTE IRREGULAR

 

Diversos são os caminhos para se levar ao conhecimento da Administração Pública notícia de irre- gularidade envolvendo agente público. Sem a intenção de taxar em lista exaustiva as diversas formas de se comunicar desvio de conduta de servidores, os exemplos a seguir mencionados são os mais usuais para comunicar a existência de irregularidades no serviço público, a envolver servidores no exercício de suas atribuições legais.

Inicia-se com aquela possibilidade prevista expressamente na Lei nº 8.112/90, decorrente do dever conferido ao servidor de levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ci- ência, bem ainda de representar contra ilegalidades, omissões ou abuso de poder, nos termos do art. 116, incisos VI e XII:

Art. 116. São deveres do servidor:

(…)

VI – levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo;

(…)

XII – representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

Parágrafo único. A representação de que trata o inciso XII será encaminhada pela via hierárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual é formulada, assegurando-se ao represen- tando ampla defesa.

Espécie do gênero “denunciar”, a expressão “representação funcional”, ou apenas “representação”, refere-se à peça escrita apresentada por servidor público, que – ao tomar conhecimento de suposta irre- gularidade cometida por servidor ou de ato ilegal omissivo ou abusivo por parte de autoridade, associados, ainda que indiretamente, ao exercício de cargo –, é obrigado, por força do mencionado dispositivo legal, a dar ciência à autoridade competente.

Conforme parágrafo único acima transcrito, essa representação segue pela via hierárquica. Não obs- tante, vale mencionar discussão havida na 15ª Reunião da Comissão de Coordenação de Correição, sobre a necessidade de um Enunciado sobre a impossibilidade de responsabilizar o servidor que representa sobre irregularidades fora da via hierárquica, como seria o caso de representar diretamente à CGU. Na ocasião decidiu-se pela desnecessidade de um enunciado a respeito, mas, por outro lado, houve aprovação25 do relatório26 feito sobre o tema, o qual conclui no sentido de que não há cometimento de ilícito disciplinar por parte do servidor que representa aos órgãos de controle, ainda que não obedecida a via hierárquica.

Essa peça deve conter a identificação do representante e do representado, bem ainda a indicação precisa da suposta irregularidade (associada ao exercício do cargo) e das provas já disponíveis, sob pena de não ser admitida.

Outra forma muito utilizada é a denúncia apresentada por particular. Trata-se de peça escrita, por meio da qual o particular leva ao conhecimento da Administração suposto cometimento de irregularidade associada ao exercício do cargo. E quanto à formalidade, na regra geral utilizada no âmbito da Administração Pública Federal, exige-se apenas que as denúncias sejam identificadas e apresentadas por escrito – não obs- tante também ser admitida a denúncia anônima, conforme será ventilado adiante. É isso que prescreve o art. 144 da Lei nº 8.112/90:

 

 

 

 

Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a iden- tificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.

Essa denúncia requer critérios similares aos relativos à representação funcional, com destaque para a indispensável exigência de que a denúncia se materialize em documento por escrito. Caso a denúncia seja apresentada verbalmente, deverá ser reduzida a termo pela autoridade competente.

Resultado de auditoria, de investigação preliminar ou de sindicância meramente investigativa e não contraditória também são formas que detectam irregularidades e, portanto, meios aptos de se fazer chegar ao conhecimento da autoridade pública a ocorrência de suposta irregularidade.

Ademais, citem-se as representações oficiadas por outros órgãos públicos (Ministério Público Federal, Departamento de Polícia Federal, TCU, CGU, Comissão de Ética Pública ou demais comissões de ética, etc.), além das notícias veiculadas na mídia e até denúncias anônimas. Todas constituem formas possíveis de se levar ao conhecimento da Administração a notícia de cometimento de suposto ato infracional.

Para concluir, frise-se que, quanto ao momento do conhecimento do fato supostamente irregular, tal tópico será aventado quando discutirmos as questões atinentes à prescrição no processo disciplinar, tendo em vista a relevância da identificação de tal ocasião para verificar em que instante teve início a marcha do fenômeno prescricional.

 

5.1.1. Denúncia anônima

Tema até pouco tempo polêmico, a denúncia anônima, como já asseverado, constitui um dos meios de se levar ao conhecimento da Administração Pública a ocorrência de pretensa irregularidade no serviço público, a envolver servidor no desempenho de suas prerrogativas legais, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

Os debates, as divergências, as polêmicas, ocorriam em função da redação dada ao art. 144 da Lei nº 8.112/90: “As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a iden- tificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade”, bem ainda em razão do teor do art. 5º, inciso IV da Constituição Federal: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. A interpretação literal e não sistêmica desses dispositivos conduzia a autori- dade competente a não admitir a figura da denúncia anônima, ante a ausência de qualificação do denun- ciante e a expressa vedação constitucional do anonimato.

Entendia-se, por força, principalmente, do princípio da legalidade, que a Administração Pública era compelida a verificar a presença dos critérios objetivos de admissibilidade das denúncias contra servidores públicos (peça escrita, com a necessária identificação e o endereço do denunciante, além da obrigatoriedade de confirmação da autenticidade das informações consignadas).

A ausência de um desses elementos resultaria no arquivamento sumário da denúncia, por desrespeito às normas acima referidas. Assim, a denúncia não poderia, sequer, ser recebida, menos ainda utilizada como instrumento apto a dar início à atividade correcional, materializada com a instauração de processo disciplinar formal.

A finalidade do entendimento ultrapassado era preservar a dignidade do serviço público contra de- núncias vazias, infundadas, perseguições, agressões à honra perpetradas por desafetos ou por pessoa de má-fé, de modo a evitar que, sob o manto do anonimato, terceiros irresponsáveis viessem manchar a imagem e a distinção dos agentes públicos, zeladores da coisa pública.

Contudo, e a despeito dos argumentos contrários à aceitação da denúncia anônima, com base no dever de zelar pela regularidade e continuidade do serviço público, bem ainda por força do disposto no art. 143 da Lei nº 8.112/90, a Administração Pública tem o poder-dever de promover a apuração imediata de

 

irregularidades que tiver ciência, não importando, a priori, se o fato chegou ao conhecimento da autoridade pública por meio de denúncia formal (presente todos os requisitos) ou por meio de peça anônima.

Isso porque o aludido art. 143 não faz essa distinção, mas apenas determina a apuração imediata dos fatos apontados como irregulares. Deste modo, não é condição indispensável para iniciar a averiguação a devida qualificação do denunciante, porquanto o que realmente importa é o conteúdo da denúncia (rele- vância e plausibilidade), que deve conter elementos capazes de justificar o início das investigações por parte da Administração Pública. Nesse contexto, somente se admite sua recusa quando se tratar de denúncia descabida, vazia, vaga, com total ausência de indícios de materialidade e autoria.

Mas, de qualquer forma, exige-se da autoridade pública a devida cautela quando se deparar com de- lação anônima, visto que, nada obstante a necessidade de promover a imediata averiguação, a Administração não deve reagir imediatamente com a instauração de processos disciplinares formais. Faz-se necessário, de início, avaliar a pertinência da notícia veiculada sob o manto do anonimato, averiguando a existência de indi- cativos mínimos de razoabilidade. A tal procedimento dá-se o nome de juízo (ou exame) de admissibilidade.

Feito isso, ou seja, constatada a existência de indícios de verossimilhança da denúncia, o passo se- guinte da autoridade é determinar a instauração de uma investigação preliminar, de caráter restrito, informal, a fim de recolher sinalizadores (provas de materialidade e autoria) aptos a respaldar o administrador público quanto à instauração de sindicância, de processo administrativo disciplinar ou mesmo de arquivamento da denúncia.

Essa providência prévia, sumária ou também denominada preparatória, deve ser a primeira reação da autoridade no momento em que se deparar com notícia de um ilícito funcional. Ela poderá ser informal e dispensar comissão, sendo que qualquer servidor poderá ser designado para realizar os atos de instrução voltados ao recolhimento dos subsídios necessários à ulterior tomada de decisão pela Administração (arqui- vamento da denúncia, ou a instauração de processo disciplinar formal – sindicância acusatória/punitiva ou PAD).

Promovida essa investigação inquisitorial e verificada a existência de indicativos básicos da ocorrência de irregularidades, a instauração de sindicância ou PAD será fundamentada no resultado desse procedi- mento prévio (diga-se, feita por servidor público devidamente identificado) e não na denúncia anônima.

Em sua obra, Vinicius de Carvalho Madeira27, de forma absolutamente pertinente, faz referência ao entendimento do então Advogado-Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, esposado quando da apro- vação do Despacho nº 396/200728, no qual acresceu considerações importantes sobre o tema, a exemplo da transcrição abaixo:

  1. c) O Poder Público, provocado por delação anônima (disque-denúncia, por exemplo) pode adotar medidas sumárias de verificação, com prudência e discrição, sem formação de processo ou pro- cedimento, destinadas a conferir a plausibilidade dos fatos nela denunciados. Acaso encontrados elementos de verossimilhança, poderá o Poder Público formalizar a abertura do processo ou pro- cedimento cabível, desde que mantendo completa desvinculação desse procedimento estatal em relação à peça apócrifa, ou seja, desde que baseada nos elementos verificados pela ação preliminar do próprio 29

Ademais, a jurisprudência do STJ e do STF, respectivamente, não deixa dúvida acerca da possibilidade de recepção da denúncia anônima:

Não enseja a nulidade do processo administrativo disciplinar o simples fato de sua instauração ser motivada por fita de vídeo encaminhada anonimamente à autoridade pública, vez que esta, ao ter ciência de irregularidade no serviço, é obrigada a promover sua apuração.

27            MADEIRA, 2008, p. 36 e 37.

  • Despacho do Consultor-Geral da União, Ronaldo Jorge Araújo Vieira Junior, datado de 23 de novembro de 2007, proferido nos autos do Processo nº 001054/2007-12.
  • Despacho do Advogado-Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, aprovando os termos do Despacho nº 296/2007.

 

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 12.429/DF. Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 23/5/2007, publicado em 29/6/2007)

A previsão do art. 144 busca dar maior segurança ao servidor público, evitando que possa vir a ser denunciado caluniosamente por colega ou terceiro protegido no anonimato. Mas isso também não significa que a denúncia anônima deva ser absolutamente desconsiderada, acarretando, inclusive, nulidade na raiz do processo. É possível que ela venha a ser considerada, devendo a autoridade pro- ceder com maior cautela, de modo a evitar danos ao denunciado eventualmente inocente.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 7069. Relator: Ministro Felix Fischer, publicado em 12/3/2001)

Súmula 611-STJ: Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração.

(STJ. 1ª Seção. Aprovada em 09/05/2018, DJe 14/05/2018)

Mandado de Segurança nº 24.369, do STF – Ementa: Delação anônima. Comunicação de fatos graves que teriam sido praticados no âmbito da Administração pública. Situações que se revestem, em tese, de ilicitude (procedimentos licitatórios supostamente direcionados e alegado pagamento de diárias exorbitantes). A questão da vedação constitucional do anonimato (CF, art. 5º, IV, “in fine”), em face da necessidade ético-jurídica de investigação de condutas funcionais desviantes. Obrigação estatal, que, imposta pelo dever de observância dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37, “caput”), torna inderrogável o encargo de apurar compor- tamentos eventualmente lesivos ao interesse público. Razões de interesse social em possível conflito com a exigência de proteção à incolumidade moral das pessoas (CF, art. 5º, X). O direito público sub- jetivo do cidadão ao fiel desempenho, pelos agentes estatais, do dever de probidade constituiria uma limitação externa aos direitos da personalidade? Liberdades em antagonismo. Situação de tensão dialética entre princípios estruturantes da ordem constitucional. Colisão de direitos que se resolve, em cada caso ocorrente, mediante ponderação dos valores e interesses em conflito.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. MS nº 24.369-MC/DF. Relator: Ministro Celso de Mello, publi- cado em 16/10/2002)

Nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”,

  1. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se, assim, com- pleta desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC nº 100042 MC/RO. Relator: Ministro Celso de Mello, publi- cado em 8/10/2009)

Por fim, Marcos Salles Teixeira traz à baila o teor da Convenção das Nações Unidas contra a Cor- rupção, publicada oficialmente em 31.10.2003, da qual o Brasil é signatário. Veja-se:

Mencione-se, por fim, que a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 31/10/03, foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.687, de 31/01/06 – sendo, portanto, admitida no ordena- mento nacional com força de lei – e reconhece a denúncia anônima.

Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – Promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31/01/06

– Art. 13.

  1. Cada Estado-Parte adotará medidas apropriadas para garantir que o público tenha conhecimento dos órgãos pertinentes de luta contra a corrupção mencionados na presente Convenção, e facilitará o acesso a tais órgãos, quando proceder, para a denúncia, inclusive anônima, de quaisquer inci- dentes que possam ser considerados constitutivos de um delito qualificado de acordo com a presente Convenção.

 

(Nota: O Supremo Tribunal Federal vaticinou, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480, que tratados, acordos ou convenções internacionais, após promulgados por decreto presidencial, “situ- am-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias”.)30

Destarte, se a denúncia anônima contiver elementos que justifiquem sua apuração, deverá ser averi- guada, sob pena de violação de princípios e normas que tratam do dever de apurar suposta irregularidade de que se tem conhecimento no âmbito da Administração Pública Federal, o que significa dizer que não é lícito arquivar denúncia plausível sob a simples alegação de que ela é anônima.

A CGU publicou, ainda, o Enunciado nº 3, de 4 de maio de 2011, nos seguintes termos:

DELAÇÃO ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO. A delação anônima é apta a deflagrar apuração preliminar no âmbito da Administração Pública, devendo ser colhidos outros elementos que a comprovem.

Enunciado CGU nº 3, publicado no DOU de 5/5/11, seção 1, página 22

Na IN CGU nº 14/2018, a denúncia anônima é referida nos seguintes termos:

Art. 10. As denúncias, as representações ou as informações que noticiem a ocorrência de suposta infração correcional, inclusive anônimas, deverão ser objeto de juízo de admissibilidade que avalie a existência de indícios que justifiquem a sua apuração, bem como a espécie de procedimento corre- cional cabível.

(…)

Art. 11. Presentes indícios de autoria e materialidade, será determinada a instauração de procedi- mento correcional acusatório, sendo prescindível a existência de procedimento investigativo prévio.

Parágrafo único. A informação anônima que noticie a ocorrência de suposta infração correcional poderá deflagrar procedimento correcional acusatório, desde que sejam colhidos outros elementos que a respaldem.

Pode-se concluir, portanto, que, embora a princípio, pela própria natureza e por previsão legal para a denúncia (art. 144 da Lei nº 8.112/90), se exija a formalidade da identificação do denunciante, tem-se que o anonimato, por si só, não é motivo para liminarmente se excluir uma denúncia de irregularidade cometida na Administração Pública e não impede a realização do juízo de admissibilidade e, se for o caso, a consequente instauração do processo disciplinar. Entretanto, diante do poder-dever conferido pelo art. 143 da Lei nº 8.112/90, a autoridade competente é compelida a verificar a existência de mínimos critérios de plausibilidade na delação anônima.

 

  • OBRIGATORIEDADE DA APURAÇÃO

 

A Administração Pública organiza-se de forma verticalizada, o que possibilita distribuir e escalonar os seus órgãos, bem ainda ordenar e rever a atuação de seus agentes. E o Estado faz isso por meio do estabe- lecimento da relação de subordinação entre os diversos órgãos e servidores, com distribuição de funções e gradação da autoridade de cada um.

A obrigação de apurar notícia de irregularidade decorre justamente do sistema hierarquizado no qual é estruturada a Administração, com destaque para o poder de fiscalizar as atividades exercidas por seus ser- vidores e demais pessoas a ela ligadas, exigindo-lhes uma conduta adequada aos preceitos legais e morais vigentes.

Com efeito, diante de uma situação irregular, a envolver servidores públicos no exercício de suas atribuições legais, caberá à Administração, por intermédio das autoridades que a representam, promover,

 

30            TEIXEIRA, 2020, p. 326.

 

de pronto, a adequada e suficiente apuração, com a finalidade de punir o servidor faltoso e de restaurar a ordem pública, ora turbada com a prática de determinada conduta infracional.

Essa averiguação de suposta falta funcional constitui imperativo inescusável, não comportando dis- cricionariedade, o que implica dizer que ao se deparar com elementos que denotem a ocorrência de irregularidade fica a autoridade obrigada a promover sua apuração imediata, sob pena de cometer crime de condescendência criminosa, previsto no art. 320 do Código Penal. Isto é o que se denomina de “poder-

-dever de apuração”.

Essa resposta imediata parte da necessidade de se restaurar, o quanto antes, a regularidade, a efici- ência, o bom funcionamento do serviço público, que sofre abalo com comportamento censurável de quem a representa. Mas para que seja restabelecida a ordem, a eventual reprimenda disciplinar deve ser aplicada em tempo hábil, a fim de produzir os efeitos desejáveis (servir de exemplo e demonstrar a intolerância da autoridade pública com a prática de irregularidade). Diga-se, ainda, que a morosidade na apuração (muitas vezes tão nociva quanto a omissão) – e, consequentemente, na imposição de sanção a servidor faltoso – fulmina o caráter pedagógico, retributivo e neutralizador da pena.

Não se pode, todavia, confundir obrigatoriedade de apuração imediata com apuração precipitada. É verídico que, em boa parte das vezes, a notícia da prática de determinada irregularidade não se apresenta revestida de exposição detalhada do fato supostamente ilegal, bem ainda da indicação dos possíveis autores. Nesse caso, deve a autoridade promover, de pronto, uma investigação prévia do fato, por meio da qual se buscará maiores elementos.

Como já asseverado, a notícia de irregularidade deverá estar revestida de plausibilidade, ou seja, conter o mínimo de elementos indicadores da ocorrência concreta de um ilícito (materialidade) e se possível os indícios de autoria, de modo que notícias vagas podem ensejar o arquivamento sumário da denúncia, eis que não se afigura razoável movimentar a máquina estatal, por demais dispendiosa, para apurar notícia abstrata e genérica, em cujo teor não se encontram requisitos mínimos de plausibilidade.

Agora, no caso de a notícia conter os elementos mínimos, a autoridade competente deverá deter- minar a sua averiguação, não se precipitando, porém, em instaurar, desde logo, a sindicância ou o processo administrativo disciplinar previstos na Lei nº 8.112/90, instrumentos com maior rigor formal, que somente serão utilizados quando houver indícios concretos de materialidade e de autoria.

Na busca dessas informações tidas como essenciais, é recomendável que a autoridade determine a realização de procedimento disciplinar investigativo, medida inquisitorial, desprovida de maiores rigores formais, cujo objetivo primordial é respaldar o administrador público quanto à instauração de processo dis- ciplinar contraditório (sindicância acusatória/punitiva ou PAD).

Nesse sentido, tem-se que a reação mais adequada diante da notícia da ocorrência de irregularidade

– onde ainda não se tenha os elementos indispensáveis para a instauração de uma apuração rigorosa, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa –, é a instauração de um procedimento disciplinar de cunho meramente investigativo, de caráter restrito, a fim de levantar as informações que servirão como suporte para uma legítima instauração de processo disciplinar.

Ao agir dessa forma, terá a autoridade atuado em perfeita harmonia com os princípios reitores da ati- vidade administrativa, a exemplo dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da economicidade, não se quedando inerte frente à notícia de suposta irregularidade.

Isto posto, é dizer que, a menos que se tenha elementos plausíveis demonstrando a existência de ma- terialidade e autoria, não deve a autoridade recorrer imediatamente ao processo disciplinar contraditório, ou seja, aquele com rito previsto na Lei nº 8.112/90. Antes, é preciso avaliar a pertinência da notícia do ilícito funcional, verificar se existem indicativos mínimos de razoabilidade. Não existindo, far-se-á necessário proceder a uma investigação que seja capaz de fornecer os indícios elementares, a partir dos quais será possível a instauração de processo disciplinar.

 

  • AUTORIDADE COMPETENTE

 

Dentre os vários princípios reitores da atividade pública, o princípio da legalidade talvez seja o de maior relevância, na medida em que orienta todo o proceder dos órgãos e agentes públicos. Em razão dele, a Administração Pública só pode fazer aquilo que esteja devidamente autorizado em lei, diferentemente do que ocorre com o particular, que pode fazer o que bem entender, desde que não seja algo vedado em lei.

O respeito à legalidade é compulsório, intransponível e limita a atuação do administrador à conse- cução do interesse público, de modo que toda ação administrativa seja dirigida para o fim de satisfazer as necessidades coletivas.

Extrai-se do referido princípio que, no âmbito da Administração Pública, nenhum representante do Estado pode praticar ato administrativo sem a devida competência, que, via de regra, é definida em lei ou em atos normativos infralegais.

Assim sendo, e para o que aqui interessa, faz-se oportuno realizar o seguinte questionamento: qual seria, então, a autoridade a que se refere o art. 143 da Lei nº 8.112/90?

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Como se vê, a Lei nº 8.112/90 não tratou de especificar que autoridade seria essa, deixando um vácuo, uma lacuna, um vazio, que deve ser suprido com a edição de outra norma. Essa necessidade de se definir a autoridade competente surge para afastar eventuais interpretações de cunho amplo e genérico, que poderiam conferir a qualquer autoridade o poder de apreciar notícias de supostas práticas de irregularidades.

Logo, a autoridade com competência para instaurar a sede disciplinar será aquela especificamente designada pelos estatutos ou regimentos internos de cada órgão público, de modo a suprir a lacuna deixada no Estatuto que regula o regime jurídico dos servidores públicos civis da União.

Contudo, pode acontecer de não existir ato normativo definidor da autoridade competente. Nesse caso, deverá ser aplicado, de forma subsidiária, o art. 17 da Lei nº 9.784/99 que, conforme já mencionado, é a lei reguladora do processo administrativo (latu senso) no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 17. Inexistindo competência legal específica, o processo administrativo deverá ser iniciado pe- rante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir.

Ao aplicar tal dispositivo legal, tem-se que a autoridade com poderes para promover a apuração de irregularidade no serviço público federal, isto é, para instaurar o processo disciplinar, será o chefe da re- partição onde o fato irregular ocorreu. Reitere-se, todavia, que somente será utilizado o art. 17 da Lei nº 9.784/99 na situação de inexistência de lei ou outro instrumento normativo definidor da autoridade com- petente. Do contrário, a autoridade será aquela apontada no normativo específico (estatuto ou regimento interno).

Por óbvio, a regra geral vigente na Administração Pública define como autoridade competente para mover a sede correcional aquela hierarquicamente superior ao denunciado ou representado (normalmente a autoridade máxima do órgão ou da entidade), mas não necessariamente o seu superior imediato.

Todavia, em se tratando de órgãos e entidades nas quais existam unidades especializadas na matéria correcional (as denominadas “Corregedorias”), o dever de apurar pode ser transferido da autoridade hierar- quicamente superior ao denunciado à unidade específica de correição (detentora da competência exclusiva para averiguar as notícias de irregularidades envolvendo servidores públicos no desempenho direto ou indireto de suas atribuições).

 

Do exposto, pode-se concluir que a autoridade competente para instaurar o devido processo disci- plinar é aquela previamente designada nos estatutos ou regimentos internos de cada órgão ou entidade. Na inexistência de tais normativos, essa competência será exercida pelo chefe da unidade onde o fato irregular ocorreu, é o que se denomina de “regra geral da via hierárquica”, quebrada apenas quando o órgão ou entidade dispuser de unidade especializada.

Por oportuno, destaca-se que se aplica o disposto nos arts. 11 a 17 da Lei nº 9.874/99 em relação à competência da autoridade para apurar eventual irregularidade, ou seja, em hipóteses específicas, poderá ser delegada, assim como avocada em caso de omissão (aplicação do princípio da hierarquia).

 

  • JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

 

Colocada a questão da obrigatoriedade de apuração da irregularidade que chegar ao conhecimento da autoridade competente, é importante observar que tal obrigação não é absoluta, já que nem todas as notícias de irregularidade, após a devida análise, levarão a aludida autoridade a concluir pela existência de infração disciplinarmente censurável. Por outro lado, impende destacar que, havendo dúvida quanto a tal existência, deverá a autoridade determinar a apuração dos fatos. Aplica-se, portanto, neste caso, a máxima ‘in dubio, pro societate’.

Pode ocorrer, por exemplo, de uma denúncia ser muito vaga, como aquela que se refira ao órgão ou entidade como um “lugar onde impera a corrupção”, ou mesmo não ser objeto de apuração disciplinar, como a relativa à conduta que determinado servidor tenha adotado fora do horário de expediente e sem nenhuma relação com as atribuições do cargo público que ocupe. Esses tipos de notícia de irregularidade deverão ser arquivados sem necessidade de apuração, conforme orienta o parágrafo único do art. 144 da Lei nº 8.112/90, transcrito abaixo:

Art. 144 (…)

Parágrafo único. Quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto.

Por outro lado, também acontece de a notícia da eventual irregularidade ser pontual, mas incompleta, requerendo, assim, uma verificação mais aprofundada de seus elementos para delimitação inicial da mate- rialidade (fato supostamente irregular) e autoria (eventual autor do fato). Nessa situação, a autoridade com- petente deverá coletar informações com o objetivo de confirmar ou não a plausibilidade da notícia, ou seja, se de fato há indícios que apontem para a ocorrência da infração disciplinar relatada, conforme determina o art. 143 da Lei nº 8.112/90: “a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata (…)”.

Nesse contexto exemplificativo, percebe-se que é indispensável fazer uma análise prévia da notícia de irregularidade recebida, utilizando-se, caso necessário, dos procedimentos investigativos (conceituados no item 6.1), para que só então possa ser tomada a decisão adequada: cumprir o disposto no citado parágrafo único do art. 144, arquivando a denúncia ou representação inepta; ou cumprir o disposto no referido art. 143, quando esse estabelece a utilização da sindicância acusatória/punitiva ou do processo administrativo disciplinar para a apuração dos fatos.

A essa análise prévia da notícia de irregularidade exigida de forma indireta pela Lei nº 8.112/90, e à subsequente decisão adotada pela autoridade competente, denomina-se juízo de admissibilidade, concei- tuado pela IN CGU nº 14/2018 da seguinte forma:

Art. 9º O juízo de admissibilidade é ato administrativo por meio do qual a autoridade competente decide, de forma fundamentada, pelo arquivamento ou instauração de procedimento correcional, conforme previsto nos arts. 5° e 6° desta Instrução Normativa.

 

Parágrafo único. Caso sejam identificados indícios de irregularidade com repercussão não correcional, a matéria deverá ser encaminhada à autoridade competente para a respectiva apuração, indepen- dentemente da decisão adotada no juízo de admissibilidade.

A doutrina aborda o tema da seguinte maneira:

No juízo de admissibilidade do processo administrativo disciplinar devem ser empregados pela Auto- ridade administrativa competente critérios aprofundados e detalhados de análise do contexto fático, para cotejá-los com os possíveis documentos e provas que o instruem, objetivando que se evite a instauração de processos com falta de objeto, onde a representação ou denúncia que deram causa aos mesmos são flagrantemente improcedentes ou inoportunas.31

Nas hipóteses de mera suspeita da prática de delito penal ou infração disciplinar, a Administração Pública – com esteio nos princípios publicísticos da autotutela, do poder-dever e da indisponibilidade do interesse público – deverá aprofundar o desvendamento de tais suspeitas por meio de acautela- doras investigações preliminares, de cunho meramente inquisitorial.32

Reforçam a necessidade de realização dos procedimentos investigativos (conceituados no item 6.1) e de escorreito juízo de admissibilidade os seguintes crimes previstos na nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019):

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou admi- nistrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

(…)

Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa funda- mentada ou contra quem sabe inocente: (Promulgação partes vetadas) (…)

De certa forma ligado ao assunto aqui tratado, visto que revestido de algumas características próprias do juízo de admissibilidade, é o tema objeto do Enunciado CGU nº 4, de 4 de maio de 2011:

PRESCRIÇÃO. INSTAURAÇÃO. A Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar procedimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua instauração, devendo ponderar a utilidade e a importância de se decidir pela instauração em cada caso.

Enunciado CGU nº 4, publicado no DOU de 5/5/11, seção 1, página 22

Nesse ponto específico, caberá à autoridade competente ponderar, caso a caso, a utilidade (efeito pedagógico para os demais servidores, bem como eventuais repercussões cíveis ou penais, por exemplo) e a importância de se decidir pela instauração ou não do procedimento disciplinar para apurar irregularidade funcional já fulminada pela prescrição, ou seja, aquela que a Administração não pode mais punir o seu autor em razão do término do prazo legal estabelecido para tanto.

Observe-se que o Enunciado sob estudo não alcança as circunstâncias em que a prescrição venha a ocorrer durante o andamento do procedimento disciplinar. Nesse caso, verificado o transcurso do prazo prescricional no início da instrução processual, orienta-se à comissão processante que relate as circunstân- cias e as encaminhe à consideração da autoridade julgadora, a quem cabe decidir pela continuidade ou não da apuração. Tal providência traz maior economia ao Erário, uma vez que poderá ser evitada a realização desnecessária de atos instrutórios como a oitiva de testemunhas, quando se vislumbra desde já a impossibi- lidade de aplicação de penalidade ao final do processo.

31            MATTOS, 2010, p. 577.

32             COSTA, 2011, p. 292.

 

Lado outro, caso o processo já se encontre em fase final de apuração, restando somente as fases de defesa e produção de relatório final, recomenda-se que a comissão finalize seus trabalhos, pois já se verificou o dispêndio de recursos materiais e humanos, de modo que não se justificaria a não finalização do referido procedimento disciplinar.

Ressalte-se, contudo, que a não instauração ou o arquivamento de procedimento disciplinar – com base na prescrição da penalidade em tese cabível – exige justificativa adequada por parte da autoridade, explicitando todas as razões que levaram, naquele caso concreto, à não continuidade da apuração, não se admitindo, por exemplo, a mera menção genérica ao Enunciado CGU nº 4.

Enfim, o juízo de admissibilidade constitui-se em uma espécie de análise prévia da notícia de irregula- ridade funcional, cumprindo-se assim o que determina o mencionado art. 143 quanto ao dever de apurar, sem que, para isso, a autoridade competente precise instaurar açodadamente a sede disciplinar propria- mente dita, com o risco de descumprir princípios muito caros à Administração Pública, como os da eficiência e economicidade.

 

 

O art. 1º da IN CGU nº 14/2018 trouxe o conceito de procedimentos correcionais, englobando os procedimentos disciplinares, referentes à apuração de irregularidades cometidas por servidores ou empre- gados públicos federais e os procedimentos de responsabilização de entes privados33. Já os arts. 6º e 7º indicam quais procedimentos poderão ser utilizados no exercício da atividade correcional:

Art. 5º São procedimentos correcionais investigativos:

  • – a investigação preliminar (IP);
  • – a sindicância investigativa (SINVE); e III – a sindicância patrimonial (SINPA).

Parágrafo único. Os órgãos e entidades do Poder Executivo federal poderão normatizar internamente procedimentos disciplinares de natureza investigativa, observada a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e demais normas aplicáveis.

Art. 6° São procedimentos correcionais acusatórios:

  • – a sindicância acusatória (SINAC);
  • – o processo administrativo disciplinar (PAD);
  • – o processo administrativo disciplinar sumário;
  • – a sindicância disciplinar para servidores temporários regidos pela Lei nº 745, de 9 de dezembro de 1993;
  • – o procedimento disciplinar para empregados públicos regidos pela Lei nº 962, de 22 de fevereiro de 2000;
  • – o processo administrativo sancionador relativo aos empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista (PAS); e
  • – o processo administrativo de responsabilização (PAR).

Seguem os comentários sobre os procedimentos disciplinares específicos.

 

  • PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS

 

São procedimentos de cunho meramente investigativo, que não podem dar ensejo à aplicação de penalidades disciplinares e que são realizados apenas a título de convencimento primário da Administração acerca da ocorrência ou não de determinada irregularidade funcional e de sua autoria.

É interessante relembrar que, nesse tipo de procedimento, não são aplicáveis os princípios consti- tucionais do contraditório e da ampla defesa, até mesmo porque não há nenhum servidor público sendo formalmente acusado de ter cometido irregularidade, mas se trata tão-somente de um esforço por parte da Administração no intuito de coletar informações gerais relacionadas à suposta irregularidade então noticiada. Logo, não há a quem se possa conceder os referidos direitos garantidos pela Constituição Federal. Sobre esse assunto, interessa transcrever o entendimento do STF:

SERVIDOR PÚBLICO. PENA. DEMISSÃO. PENALIDADE APLICADA AO CABO DE PROCESSO ADMI- NISTRATIVO REGULAR. SUPOSTO CERCEAMENTO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO NA SINDICÂNCIA. IRRELEVÂNCIA TEÓRICA. PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO INQUISITIVO E

33            Os procedimentos para responsabilização de entes privados são a Investigação Preliminar (IP) e o Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), trata- dos em Manuais específicos, disponíveis em http://www.cgu.gov.br/assuntos/responsabilizacao-de-empresas/lei-anticorrupcao.

 

UNILATERAL. NÃO OCORRÊNCIA, ADEMAIS. SERVIDOR OUVIDO EM CONDIÇÃO DIVERSA DA TESTEMUNHAL. NULIDADE PROCESSUAL INEXISTENTE. MANDADO DE SEGURANÇA DENE- GADO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 143, 145, II, 146, 148, 151, II, 154, 156 E 159, CAPUT E §

2º, TODOS DA LEI FEDERAL Nº 8.112/90. A estrita reverência aos princípios do contraditório e da ampla defesa só é exigida, como requisito essencial de validez, assim no processo administrativo dis- ciplinar, como na sindicância especial que lhe faz às vezes como procedimento ordenado à aplicação daquelas duas penas mais brandas, que são a advertência e a suspensão por prazo não superior a trinta dias. Nunca, na sindicância que funcione apenas como investigação preliminar tendente a coligir, de maneira inquisitorial, elementos bastantes à imputação de falta ao servidor, em processo disciplinar subsequente.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. MS nº 22.791. Relator: Ministro Cezar Peluzo, julgado em 13/11/2003, publicado em 19/12/2003)

No entanto, orienta-se às comissões a não obstruir o acesso do investigado, ou de seu advogado (cf. art. 7º, § 10, da Lei nº 8.906/1994), desde que apresente a procuração, mesmo em procedimentos inquisitivos, ao acervo probatório já coligido sob o argumento de que essas informações constituiriam do- cumento preparatório para a instauração de processo apuratório de responsabilidade (art. 7, § 3º, da Lei nº 12.527/2011). Ocorre que a Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, estabeleceu direitos ao legítimo interessado, tais como ter vista dos autos, ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha tal condição, obter certidões e cópias de documentos nele contidos, e conhecer as decisões proferidas, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem (art. 3º, 9º e 46). Ademais, nos termos da nova Lei de Abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019), tal negativa de acesso aos autos poderá configurar crime:

Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preli- minar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. (…)

Aliás, recorda-se que o Enunciado CGU nº 14, de 31 de maio de 2016, estabeleceu acesso restrito aos procedimentos disciplinares para terceiros até o julgamento. Logo, a contrario sensu, o investigado tem direito de acesso à informação antes mesmo da conclusão da investigação, tendo em vista que o termo “procedimentos disciplinares” constante do mencionado Enunciado englobaria todas as modalidades de apuratório, inclusive os procedimentos investigativos (Vianna e Xavier34).

Enunciado CGU nº 14 de 31 de maio de 2016 (publicado no DOU de 1º/06/2016, Seção 1, página 48)

RESTRIÇÃO DE ACESSO DOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES

Os procedimentos disciplinares têm acesso restrito par terceiros até o julgamento, nos termos do art. 7º, parágrafo 3º, da Lei nº 12.527/2011, regulamentado pelo art. 20, caput, do Decreto nº 7.724/2012, sem prejuízo das demais hipóteses legais sobre informações sigilosas.

Ademais, O Supremo Tribunal Federal reconheceu que o advogado do investigado, igualmente, possui direito de acesso amplo aos procedimentos investigativos para o fim de exercer o direito de defesa, conforme Súmula Vinculante nº 14:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

 

De mais a mais, levando-se em conta o direito à ampla defesa e ao contraditório que todo acusado e investigado em qualquer espécie de processo deve ter por força da Constituição Federal (art. 5º, inciso LV); a Lei nº 12.527/2011 (Lei de acesso à informação), que reconheceu o princípio da publicidade dos atos administrativos como preceito geral e o sigilo como exceção; as alterações promovidas pela Lei nº 13.245/2016 no art. 7º do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994); e o sigilo em face de terceiros as- segurado pelo art. 150 da Lei nº 8.112/90 e pela Instrução Normativa CGU nº 14/2018; autoridades e comissões disciplinares devem se atentar às prerrogativas do advogado, especialmente no que diz respeito ao exame e ao acompanhamento não só de processos disciplinares essencialmente contraditórios, mas também de procedimentos investigativos, desde que exista nos autos referência à pessoa investigada que conferiu em procuração poderes de assistência ao profissional.

Art. 7º São direitos do advogado:

…………………………………………………………………………………

  • – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não esti- verem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos;
  • – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procu- ração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;
  • – ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;

…………………………………………………………………………………

XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos in- vestigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

  1. apresentar razões e quesitos;
  2. (VETADO).

………………………………………………………………………………..

  • 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV.
  • 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advo- gado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.
  • 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito sub- jetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.” (NR).

Dessa forma, considerando que o PAD e os procedimentos investigativos são de acesso restrito para terceiros, o advogado, desde que apresente à comissão ou autoridade competente a devida procuração fir- mada por envolvido na investigação de qualquer natureza, terá amplo e total acesso aos autos, em qualquer fase, inclusive após a emissão do relatório final ou do parecer jurídico seguinte, ainda que os autos estejam conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.

 

Ressalva-se que a autoridade competente poderá delimitar o acesso do investigado e do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências (§ 11). Entretanto, o denominado sigilo interno não afasta definitivamente o acesso à informação, somente pos- terga o exercício desse direito para momento ulterior, quando a disponibilidade da informação não mais seja capaz de prejudicar o interesse social de buscar a verdade e punir os infratores.

Vianna e Xavier35 abordam a excepcionalidade na restrição de acesso ao legítimo interessado, assi- nalando que a defesa do interesse social de apuração das infrações danosas a recursos públicos encontra fundamento no art. 5º, inciso LX, da Constituição da República, sendo possível que a autoridade estabeleça a restrição de acesso àinvestigação ao próprio investigado quanto a certos atos dentro do procedimento investigativo em curso, de forma fundamentada e excepcional.

No mesmo sentido também a nova Lei de Abuso de autoridade ressalva a impossibilidade de acesso a peças relativas a diligências em curso ou que indiquem a realização de diligências futuras, cuja restrição seja imprescindível.

Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preli- minar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de dili- gências futuras, cujo sigilo seja imprescindível: (grifou-se)

Destaque-se que estará sujeito à responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade o responsável pela inobservância aos direitos do advogado estabelecidos no inciso XIV, ou pelo fornecimento incompleto de autos; ou pelo fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no ca- derno investigativo.

A Advocacia-Geral da União, após consulta formulada pela Corregedoria-Geral da União acerca da interpretação jurídica das alterações e incrementos realizados pela Lei nº 13.245/2016 no Estatuto da Ad- vocacia, emitiu o Parecer nº 84/2016/ASJUR-CGU/CGU/AGU, por meio do qual bem orienta gestores de corregedorias e membros de comissões disciplinares no sentido de que a concessão de acesso e o forne- cimento de cópias dos autos a advogados, desde que possuam procuração e paguem pelas cópias quando for o caso, estende-se a: a) processos disciplinares contraditórios ainda não julgados, estejam eles em curso ou conclusos para julgamento; b) processos investigativos (Sindicâncias Investigativas e Patrimoniais) já jul- gados, mesmo enquanto os processos contraditórios deles originados ainda não tiverem sido julgados; e

  1. processos investigativos ainda não julgados, mesmo que ainda não tenha havido notificação do servidor acusado, mas desde que já haja no processo identificação de pessoas envolvidas que tenham conferido po- deres de assistência ao advogado

De acordo com o § 13 do art. 7º, acrescentado ao referido Estatuto Profissional por meio da Lei nº 13.793/2019, o disposto nos incisos XIII e XIV aplica-se integralmente a processos e a procedimentos eletrônicos, ressalvadas a necessidade de apresentação de procuração e a possibilidade de delimitação de acesso, pela autoridade competente, aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e não documentados nos autos (§§ 10 e 11).

Os procedimentos investigativos não estão expressamente dispostos na Lei nº 8.112/90. A IN CGU nº 14/2018, porém, delimitou os contornos desses procedimentos e os dividiu em sindicância investigativa (SINVE) e sindicância patrimonial (SINPA), ressalvando a possibilidade de que órgãos e entidades, por regu- lamentação interna, instituam outros procedimentos investigativos.

Soma-se a tais procedimentos investigativos a Investigação Preliminar Sumária (IPS), regulamentada pela IN CGU nº 8/2020, que objetiva adequar os trabalhos correcionais ao disposto no art. 27 da Lei de Abuso de Autoridade.

 

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou admi- nistrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

Importa dizer, ainda, que os procedimentos investigativos aqui mencionados não possuem a capaci- dade de interromper o transcurso do prazo legalmente concedido ao Estado para aplicação de penalidades administrativas (prazo prescricional). É o que também estabelece o Enunciado CGU nº 1, de 4 de maio de 2011, transcrito a seguir:

PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. O processo administrativo disciplinar e a sindicância acusatória, ambos previstos pela Lei nº 8.112/90, são os únicos procedimentos aptos a interromper o prazo prescricional.

Enunciado CGU nº 1 publicado no DOU de 5/5/11, seção 1, página 22

Apesar da importância de que se revestem os procedimentos em comento para a elucidação das eventuais irregularidades cometidas por servidores públicos, a Administração Pública não está obrigada a adotá-los antes de instaurar o processo disciplinar propriamente dita e, mesmo que os adote, não será obrigada a acolher as proposições dispostas em seus relatórios finais, haja vista que esses relatórios são de natureza meramente opinativa. Todavia, repisa-se a recomendação aqui já procedida quando da discussão a respeito da obrigatoriedade da apuração (item 5.2): a instauração dos procedimentos de natureza contra- ditória deve se dar nos casos em que já existem indícios de materialidade e autoria, a fim de se observar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da economicidade.

Nesse diapasão, ponto importante a ser considerado é se os procedimentos investigativos aqui tra- tados suprem a determinação de apuração imediata prevista no art. 143 da Lei nº 8.112/90, posto que o mencionado dispositivo afirma que tal apuração deve ser realizada mediante sindicância acusatória ou pro- cesso administrativo disciplinar.

Embora a norma não tenha se referido a outra forma de apuração que não a sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar, não se cogita, sob pena de afrontar os princípios da eficiência e economi- cidade, dentre outros, que toda investigação para apurar qualquer notícia de irregularidade que chegue ao conhecimento da Administração seja realizada exclusiva e diretamente através dos citados procedimentos, com todos os ônus que lhes são inerentes – financeiros e administrativos –, mesmo porque os procedi- mentos disciplinares investigativos, quando necessários para o deslinde do caso, podem ser vistos como elementos informativos prévios e, de certa forma, integrantes da futura sindicância acusatória/punitiva ou processo administrativo disciplinar, uma vez que se constituirão nas primeiras informações constantes de tais instrumentos disciplinares, devendo seus principais atos, quando necessário, ser refeitos a posteriori sob o manto do contraditório e da ampla defesa.

Assim, conclui-se que os procedimentos investigativos, em que pese o seu aspecto reservado e meramente inquisitorial, são perfeitamente aptos para comprovar que a autoridade cumpriu com o dever legal de apurar a suposta irregularidade que tenha chegado ao seu conhecimento. A propósito, esse é o entendimento prelecionado por Vinícius de Carvalho Madeira, senão veja-se:

Portanto, a autoridade que tiver ciência de uma irregularidade é obrigada a apurá-la imediatamente, mas não precisa necessariamente instaurar PAD ou Sindicância. Antes, pode ser feito um levanta- mento inicial de informações, o qual pode ser efetuado via procedimento de investigação preliminar

– também denominado de apuração prévia – ou outro procedimento escrito que comprove que a autoridade não se quedou inerte.

(…)

 

Esclareça-se que o art. 143 da Lei nº 8.112/90 determina a apuração imediata do fato irregular por PAD ou Sindicância. O que a autoridade faz ao utilizar a investigação preliminar é apurar imediata- mente o fato e, se descobre indícios de irregularidade e autoria, apura o fato por processo adminis- trativo disciplinar.36

Um aspecto também digno de nota é o relativo às possíveis consequências disciplinares de tais pro- cedimentos, basicamente resumidas nas três assertivas seguintes: a) arquivamento do feito pela autori- dade competente, caso não tenham sido encontrados indícios que sugiram a ocorrência de irregularidade funcional; b) instauração de sindicância acusatória ou processo administrativo disciplinar pela autoridade competente, em acolhimento da proposta contida no relatório resultante das investigações, caso tenham sido levantados indícios da configuração de irregularidade funcional e de sua autoria; ou c) proposta de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta, quando a conduta praticada for considerada de menor potencial ofensivo, assim consideradas as puníveis com advertência ou suspensão até 30 dias, e o agente tenha ressarcido ou se comprometido a ressarcir o dano causado à Administração Pública.

Os indícios a que se reporta a alínea “b” do parágrafo anterior não precisam ser robustos ao ponto de possibilitarem uma conclusão absoluta e definitiva acerca da materialidade e autoria. A conclusão definitiva, apta inclusive a lastrear a aplicação de penalidades administrativas, apenas se dará após os procedimentos disciplinares punitivos onde se observem os princípios da ampla defesa e do contraditório, procedimentos esses que serão devidamente analisados em tópicos próprios.

Como exemplos das ações a serem realizadas no decurso dos procedimentos investigativos em tela, podem ser citados: solicitação de documentos ou informações ao representante ou denunciante, consulta a sistemas informatizados, análise da legislação pertinente, análise da documentação relativa ao caso, con- sulta de informações pertinentes ao feito junto a outros Órgãos ou Entidades e, caso seja indispensável, até mesmo a solicitação de manifestação do próprio denunciado ou representado.

Recomendação relevante referente aos trabalhos realizados a título de procedimento investigativo é a de que os servidores que atuaram nesses feitos não integrem as eventuais comissões de processos punitivos instaurados para apurar os mesmos fatos, especialmente naqueles casos em que o relatório da comissão prévia tenha sido categórico em especificar as condutas tidas como irregulares.

Tal recomendação estende-se, inclusive, aos servidores que tenham atuado em auditorias e congê- neres relacionadas aos fatos a serem apurados, posto que já possuem suas convicções sobre a materialidade e autoria, as quais foram formadas sem o contraditório e a ampla defesa. Toda essa precaução é para evitar alegações de prejulgamento por parte dos membros das comissões disciplinares acusatórias.

Resta consignar que o relatório propositivo oriundo dos procedimentos sob exame também pode sugerir medidas de cunho eminentemente gerencial, como a realização de alterações na rotina de trabalho de determinada seção ou no sistema de controle interno, tudo com vistas a evitar futuras irregularidades.

Enfim, os procedimentos disciplinares investigativos não dão origem a punições disciplinares, portanto estão dispensados da observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Tam- pouco possuem o condão de interromper o prazo prescricional, não são de utilização obrigatória, possuem relatórios finais meramente opinativos e devem ser realizados de forma restrita.

  • Sindicância Investigativa (SINVE)

A SINVE, além do disposto na doutrina e jurisprudência, tem sua existência formal prevista no art. 5º II, da IN CGU nº 14/2018, c/c o art. 19, que assim a define:

Art. 19. A SINVE constitui procedimento de caráter preparatório, destinado a investigar falta disci- plinar praticada por servidor ou empregado público federal, quando a complexidade ou os indícios de autoria ou materialidade não justificarem a instauração imediata de procedimento disciplinar acusatório.

 

36            MADEIRA, 2008, p. 33 e 73.

 

Parágrafo único. Da SINVE não poderá resultar aplicação de penalidade, sendo prescindível a obser- vância aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Observando-se que o instrumento sob estudo é de suma importância e, por isso, bastante utilizado pela Administração em seus trabalhos investigativos – até mesmo antes do surgimento da sindicância acu- satória prevista na Lei nº 8.112/90 – e, ainda, observando-se a ausência de expressa referência a tal instru- mento no Estatuto dos Servidores, julga-se oportuno expor a posição da doutrina brasileira e dos tribunais superiores a respeito do tema:

Sindicância administrativa é o meio sumário de apuração ou elucidação de irregularidades no serviço para subsequente instauração de processo e punição ao infrator. Pode ser iniciada com ou sem sindi- cado, bastando que haja indicação de falta a apurar. Não tem procedimento formal, nem exigência de comissão sindicante, podendo realizar-se por um ou mais funcionários designados pela autoridade competente. Dispensa defesa do sindicado e publicidade no seu procedimento, por se tratar de simples expediente de apuração ou verificação de irregularidade, e não de base para punição, equi- parável ao inquérito policial em relação à ação penal.37

De efeito, concebe-se que a sindicância disciplinar, na espécie inquisitorial, além de não jungir-se ao esquema do contraditório, é realizada de forma sigilosa e discricionária. O perfil inquisitorial dessa espécie de sindicância retira-lhe a característica de processo. O que a torna imprópria para servir de base à imposição de qualquer reprimenda disciplinar, por mais branda que seja.

(…)

Nessa espécie de sindicância, impõe-se o sigilo com vistas a preservar a dignidade do serviço público. Bem como para tornar mais eficientes os trabalhos investigatórios. Já a discricionariedade assegura que as investigações sejam realizadas nos moldes definidos pelo sindicante. Sem sujeição a ritos preestabelecidos. O que não implica contemporizar arbitrariedades, prepotências e desmandos.38

Ementa: A estrita reverência aos princípios do contraditório e da ampla defesa só é exigida, como re- quisito essencial de validez, assim no processo administrativo disciplinar, como na sindicância especial que lhe faz às vezes como procedimento ordenado à aplicação daquelas duas penas mais brandas, que são a advertência e a suspensão por prazo não superior a trinta dias. Nunca, na sindicância que funcione apenas como investigação preliminar tendente a coligir, de maneira inquisitorial, elementos bastantes à imputação de falta ao servidor, em processo disciplinar subsequente.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. MS nº 22.791. Relator: Ministro Cezar Peluzo, julgado em 13/11/2003, publicado em 19/12/2003)

Ementa: 1. A sindicância que vise apurar a ocorrência de infrações administrativas, sem estar diri- gida, desde logo, à aplicação de sanção, prescinde da observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento inquisitorial, prévio à acusação e anterior ao processo administrativo disciplinar.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 7.983. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 23/2/2005, publicado em 30/3/2005)

Sobre o rito da SINVE, a IN CGU nº 14/2018, nos arts. 20 a 22, prevê as regras basilares, a saber:

  1. condução por um único servidor39 efetivo ou por comissão composta por dois ou mais servidores efe- tivos, dispensando-se o requisito da estabilidade; b) desnecessidade de publicação do ato instaurador; c) conclusão no prazo de até 60 (sessenta) dias, prorrogáveis, sendo admitida, ainda, a recondução dos tra- balhos; d) deverá culminar em relatório conclusivo, no sentido da instauração de processo contraditório ou do

 

 

37            MEIRELLES, 2011, p. 705.

38             COSTA, 2011, p. 322.

  • Empregado público, nas entidades que não tiverem quadros compostos por servidores estatutários.

 

Admitida a realização da SINVE por uma comissão, bem como pensando na hipótese de incon- tornável divergência nas conclusões dos membros quando da elaboração do relatório final, poderão ser proferidos votos em apartado (relatórios distintos), cabendo à autoridade competente avaliá-los quando de sua tomada de decisão, que poderá resultar no arquivamento do feito, na instauração de procedimento contraditório ou, excepcionalmente, na determinação de complementação das investigações.

 

  • Sindicância Patrimonial (SINPA)

A SINPA também é um procedimento inquisitorial, de acesso restrito, não contraditório e não puni- tivo, que visa colher dados e informações suficientes a subsidiar a autoridade competente na decisão sobre a deflagração de processo administrativo disciplinar. O seu escopo é delimitado, constituindo importante instrumento de apuração prévia de práticas corruptivas envolvendo agentes públicos, na hipótese em que o patrimônio destes aparente ser superior à renda licitamente auferida.

Nesse sentido, constitui a sindicância patrimonial um instrumento preliminar de apuração de infração administrativa consubstanciada em enriquecimento ilícito, tipificada art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92, pos- suindo previsão normativa no Decreto nº 5.483/05, e no art. 5º, III, da IN CGU nº 14/2018.

A SINPA é um relevante instrumento à disposição da Administração Pública, desempenhando papel de destaque na apuração das infrações administrativas potencialmente causadoras de enriquecimento ilícito do agente público, na medida em que, mediante a análise da evolução patrimonial do agente, poderão ser extraídos suficientes indícios de incompatibilidade patrimonial capazes de instruir a deflagração do processo administrativo disciplinar propriamente dito – que poderá culminar na aplicação da pena de demissão (art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90) e na propositura da ação de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/92.

Com efeito, o inciso VII do art. 9º da lei de improbidade administrativa estabelece que constitui enriquecimento ilícito “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”. Por outro lado, da leitura do art. 132, IV, da Lei nº 8112/90, depreende-se que o ato de improbidade administrativa praticado por servidor público federal constitui falta disciplinar e enseja a apli- cação da penalidade de demissão.

Assim, na medida em que o enriquecimento ilícito do servidor constitui ilícito administrativo, a de- núncia, notícia ou suspeita da prática dessa irregularidade deve ser apurada, ex vi do art. 143 da Lei nº 8.112/90. Entretanto, previamente à deflagração do processo administrativo disciplinar, poderá a autoridade competente valer-se da SINPA, na qual se procederá à análise da evolução patrimonial do servidor, com vistas a confirmar ou não o teor denunciativo e fundamentar a decisão pelo arquivamento ou pela instau- ração do processo contraditório.

Desta forma, consoante o parágrafo único do art. 7º e o art. 8º do Decreto nº 5.483/05, identificados indícios de enriquecimento ilícito, inclusive por evolução patrimonial incompatível do agente público, poderá ter lugar a instauração de sindicância patrimonial, pela CGU ou órgão ou entidade competente (de ofício ou por requisição da própria CGU).

A SINPA encontra-se regulamentada nos arts. 7º a 9º do Decreto nº 5.483/2005 e arts. 23 a 29 da IN CGU nº 14/2018.

A instauração da SINPA opera-se com a emissão de portaria pela autoridade competente, na qual deverão constar os servidores designados para compor a comissão sindicante, o número do processo no qual constam os fatos que serão objeto de apuração e o prazo para a realização dos trabalhos.

De acordo com o art. 9º, § 1º, do Decreto nº 5.483/05 e art. 24 da IN CGU nº 14/2018, a SINPA será conduzida por comissão composta, no mínimo, por dois servidores efetivos, com indicação do presi-

 

dente dos trabalhos. A estabilidade não é exigida e, conforme o quadro funcional das entidades, a comissão será composta por empregados públicos.

O prazo para a conclusão dos trabalhos será de trinta dias, contados da data da publicação do ato que constituir a comissão, prorrogáveis por igual período, admitindo-se, ainda, a recondução da comissão, para conclusão das investigações (cf. art. 9º, § 2º do Decreto nº 5.483/05 c/c art. 25 da IN CGU nº 14/2018).

A respeito da instrução da SINPA, veja-se o que estabelecem os arts. 26 e 27 da IN CGU nº 14/2018,

in verbis:

Art. 26. A comissão de SINPA poderá solicitar a quaisquer órgãos e entidades detentoras de dados, tais como cartórios, departamentos estaduais de trânsito e juntas comerciais, informações relativas ao patrimônio do servidor ou empregado sob investigação, e de outras pessoas físicas e jurídicas que possam guardar relação com o fato sob apuração.

Art. 27. A apresentação de informações e documentos fiscais ou bancários pelo sindicado ou pelas demais pessoas que possam guardar relação com o fato sob apuração, independentemente de so- licitação da comissão, implicará renúncia dos sigilos fiscal e bancário das informações apresentadas para fins da apuração disciplinar.

Da leitura, extrai-se que a comissão sindicante deve realizar todas as diligências postas ao seu alcance, no sentido de elucidar o fato sob investigação, inclusive tomando, se for o caso, o depoimento do sindicado e abrindo-lhe a oportunidade de apresentar justificativas para o eventual acréscimo patrimonial. Importa mencionar, porém, que tal providência não retira o caráter inquisitorial da SINPA.

Verifica-se, outrossim, que o escopo de apuração da comissão sindicante será eminentemente patri- monial, uma vez que deverá apurar, em termos qualitativo e quantitativo, a composição e o valor dos bens e direitos que integram o patrimônio do servidor, assim como as dívidas. E, para tanto, poderá se valer de fontes de consulta tais como Cartórios de Registros Imobiliários, Cartórios de Registros de Títulos e Docu- mentos, Departamentos de Trânsito, Juntas Comerciais, Capitania de Portos, inclusive de outros entes da Federação.

É possível, ainda, a obtenção de acesso aos dados fiscais e bancários do sindicado.

No que se refere ao sigilo fiscal, a Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, ao conferir nova redação ao art. 198 do Código Tributário Nacional, permitiu o seu afastamento pela via administra- tiva, não precisando a comissão sindicante recorrer ao Poder Judiciário para obter as informações fiscais do sindicado, as quais poderá solicitar, diretamente, aos órgãos fazendários40. Eis o que dispõe o citado artigo, in verbis:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situ- ação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

  • Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

  • 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade so-

 

  • Surgindo a necessidade no caso concreto, a comissão deverá verificar a regra vigente sobre a formalização do pedido à Receita Federal, pois, em alguns locais, admite-se o pedido formulado diretamente pela comissão e, em outros, a solicitação se dá via autoridade instauradora ou outra autoridade designada no órgão/entidade.

 

licitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (…) (grifou-se)

Impende esclarecer que o acesso aos dados fiscais não está restrito às declarações de imposto de renda, podendo ser avaliadas a declaração de operações imobiliárias, de imposto sobre operações finan- ceiras, dentre outras, conforme o caso.

Havendo, porém, a necessidade de obtenção dos dados protegidos por sigilo bancário, a prévia au- torização do Poder Judiciário é indispensável, nos termos do art. 3º, § 2º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, conforme se lê:

Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.

  • Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos solicitados por comissão de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. (grifou-se)

Nessa esteira, caberá à comissão solicitar ao órgão integrante da Advocacia-Geral da União compe- tente o ajuizamento de processo de afastamento de sigilo bancário perante o órgão judiciário, devendo, para esse fim, demonstrar a necessidade e a relevância da obtenção dessas informações para a completa elucidação dos fatos sob apuração no bojo da sindicância patrimonial.

Vale lembrar que, ao acessar os dados protegidos por sigilo fiscal e/ou bancário, os servidores inte- grantes da comissão assumem o dever de manutenção do sigilo, impondo-se, portanto, redobrada cautela.

Ressalva-se que em decorrência da incidência do princípio constitucional da publicidade não incide a proteção ao sigilo bancário nas seguintes situações: a) operação bancária em que a contraparte da instituição financeira é pessoa jurídica de direito público; ou b) operação bancária que envolva recursos públicos, ainda que parcialmente, independentemente da contraparte da instituição financeira. Foi o estabelecido pelo Pa- recer Vinculante AGU Nº AM – 06, que adotou o Parecer Plenário nº 5/2017/CNU/CGU/AGU, com a seguinte ementa:

EMENTA: Direito Administrativo. Acesso às informações protegidas por sigilo bancário pelos órgãos de controle. Princípio da publicidade. Extensão ou compartilhamento de sigilo. Prevalência do princípio constitucional da publicidade, nos termos deste parecer. Oponibilidade do sigilo, quando existente, a órgãos de controle.

  1. Além das hipóteses previstas no art. 1º, §§ 3º e 4º, da Lei Complementar nº 105, de 2001, não incide a proteção ao sigilo bancário, em decorrência da incidência do princípio constitucional da publi- cidade, ao menos nas seguintes situações: a) operação bancária em que a contraparte da instituição financeira é pessoa jurídica de direito público; ou b) operação bancária que envolva recursos públicos, ainda que parcialmente, independentemente da contraparte da instituição
  2. Para este fim, devem ser considerados recursos públicos aqueles previstos nos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, incluídos os orçamentos previstos no § 5º do 165 da Constituição.
  3. Por coerência, também devem ser considerados públicos os recursos titularizados não pela cole- tividade como um todo, mas por coletividades parciais (como os trabalhadores regidos pela CLT ou servidores públicos) que sejam administrados pelo poder público, tal como o FGTS e o Fundo PIS-

-PASEP, mas apenas em relação à sua aplicação pelas instituições financeiras, excluídas as operações bancárias realizadas entre o banco e o titular de contas individualizadas (cotista do fundo), que continuam protegidas pelo sigilo bancário.

 

  1. A exceção ao sigilo bancário decorrente do princípio da publicidade atinge apenas a operação ini- cial de transferência dos recursos públicos, e não as operações subsequentes realizadas pelo tomador dos recursos e decorrentes da disponibilização destes em conta corrente ou por outro meio.
  2. A exceção ao sigilo bancário, decorrente da incidência do princípio constitucional da publicidade, não implica a supressão de outros sigilos previstos em lei ou em norma regulatória editada pela auto- ridade competente, em especial o Banco Central do Brasil ou a CVM – Comissão de Valores Mobili- ários, cuja incidência sobre documentos apresentados à instituição financeira ou por ela produzidos deve ser verificada caso a
  3. Salvo na hipótese de celebração do convênio a que se refere o 2º, § 4º, I, da Lei Complementar nº 105, de 2001, o sigilo bancário, quando incidente, deve ser oposto inclusive ao Ministério Público, aos tribunais de contas e ao Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, sendo inaplicáveis o art. 26 da Lei nº 10.180, de 2001, e o art. 8º, § 2º, da Lei Complementar nº 75, de 1993.

Apurado pela comissão quais os bens e direitos que integram o patrimônio do servidor e o valor de cada um deles, os sindicantes deverão cotejar o resultado obtido com a renda auferida pelo servidor inves- tigado e a evolução do seu patrimônio declarado, com vistas a verificar se eventual acréscimo decorreu da evolução normal desse patrimônio, é dizer: se possui o devido lastro correspondente. Com o resultado obtido pela realização do fluxo de caixa e da análise patrimonial do servidor, a comissão estará apta a emitir o seu juízo de valor sobre o apurado, mediante a elaboração da peça denominada relatório.

O relatório, à luz do disposto no § 3º do art. 9º do Decreto nº 5.483/05 e consoante o previsto no art. 28 da IN CGU nº 14/2018, deverá ser conclusivo e apontar se o conteúdo denunciativo encontra, ou não, guarida na evolução patrimonial apurada do servidor, sugerindo, em consequência, a instauração de processo administrativo disciplinar ou o arquivamento da SINPA.

Vale registrar o entendimento administrativo consolidado no sentido da desnecessidade de compro- vação da origem ilícita do patrimônio do sindicado. Ou seja, se tal não é requisito para possível apenação, não poderá, por exemplo, servir de fundamento para uma sugestão de arquivamento da sindicância patri- monial. Tal entendimento encontra-se esposado no Enunciado CGU nº 8, de 9 de dezembro de 2014, in verbis:

Art. 132, IV, Lei nº 8.112/90 c/c art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92. ÔNUS DA ADMINISTRAÇÃO. DE-

MONSTRAÇÃO DA DESPROPORCIONALIDADE. Nos casos de ato de improbidade que importem em enriquecimento ilícito pelo agente público, cujo valor seja desproporcional à evolução do seu patri- mônio ou à sua renda, compete à Administração Pública apenas demonstrá-lo, não sendo necessário provar que os bens foram adquiridos com numerário obtido através de atividade ilícita.

Enunciado CGU nº 8, publicado no DOU de 10/12/14, seção 1, página 2

Conforme art. 29 da IN CGU nº 14/2018, em caso de confirmação dos indícios de enriquecimento ilícito, a autoridade julgadora comunicará os órgãos competentes, para as providências de sua alçada (MPF, TCU, CGU, SRFB, COAF, AGU).

 

6.1.2. Investigação Preliminar Sumária (IPS)

A IPS foi regulamentada pela IN CGU nº 8/2020 e constitui procedimento administrativo de caráter preparatório, informal e de acesso restrito, que tem por finalidade coletar elementos de informação acerca da autoria e materialidade de suposta irregularidade ocorrida na Administração Pública, com vistas à oferecer subsídios à decisão da autoridade competente quanto à necessidade de instauração de processo correcional acusatório.

Tal instrumento se coaduna com o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei n.º 13.869/2019, que estabelece não constituir crime a instauração de investigação preliminar sumária, devidamente justifi- cada, com vistas a investigar suposto ilícito funcional.

 

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou admi- nistrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

Por ter caráter informal, a instauração da IPS poderá ocorrer mediante simples despacho da autori- dade competente, sem a publicação em boletim interno ou D.O.U, e os trabalhos devem ser concluídos no prazo de até 180 dias.

Ademais, sua condução é feita pela unidade de correição e os atos instrutórios praticados por um ou mais servidores, possibilitando que cada ato seja praticado por servidor mais capacitado na matéria.

Os atos instrutórios da IPS se dividem em (i) exame inicial das informações e provas existentes. (ii) co- leta de evidências e informações necessárias para averiguação da procedência da notícia e (iii) manifestação conclusiva e fundamentada, indicando a necessidade de instauração do processo acusatório, de celebração de TAC ou de arquivamento da notícia.

Cabe à autoridade instauradora supervisionar os atos instrutórios, que devem observar o cronograma de trabalho estabelecido e os meios probatórios adequados,

 

  • PROCEDIMENTOS ACUSATÓRIOS

 

  • Sindicância Acusatória (SINAC)

Podemos conceituar sindicância acusatória, punitiva ou contraditória como o procedimento legal ins- taurado para apurar responsabilidade de menor potencial ofensivo, em que deverá ser respeitada a regra do devido processo legal, por meio da ampla defesa, do contraditório e da produção de todos os meios de provas admitidos em direito41.

As diferenças existentes entre a sindicância investigativa e a acusatória são de fundamental importância para a fase instrutória do procedimento e, consequentemente, para o regular desfecho do processo quando a comissão propuser seu relatório final.

Assim, com a instauração da sindicância, a comissão deve ater-se ao tipo de instrumento utilizado, investigativo ou acusatório. No caso do processo acusatório, a comissão é obrigada a respeitar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sob pena de invalidade e de sua posterior declaração de nulidade pela própria Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.

Consoante visto no item 6.1.1, a sindicância investigativa dispensa autoria e materialidade definidas, prescinde do contraditório e da ampla defesa, pode ser conduzida por um ou mais sindicantes, não possui etapas pré-definidas. Enfim, é um procedimento preparatório para a instauração de um processo adminis- trativo disciplinar ou mesmo de uma sindicância acusatória – caso haja materialidade e possível autoria – ou para a propositura de arquivamento da denúncia – no caso de inexistirem indícios de irregularidades ou de não se encontrar nenhum suspeito pela prática do fato.

Por outro lado, a sindicância acusatória deve ser conduzida por comissão composta por, no mínimo, dois servidores estáveis, e observar as etapas dispostas no rito ordinário do processo administrativo disci- plinar, ou seja, instauração, inquérito administrativo (instrução, defesa e relatório) e julgamento.

 

 

41            MATTOS, 2010, p. 550.

 

É importante frisar que o STF, ao julgar o RMS nº 22.789/DF, apontou a existência de duas moda- lidades de sindicância: preparatória, para servir de alicerce ao processo administrativo disciplinar e a ins- trutória (aqui denominada acusatória), sendo que desta última pode-se extrair punição aos agentes, com observância do contraditório e da ampla defesa.

É de se ressaltar, também, que a apuração de irregularidades no serviço público é feita por sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa, conforme dispõe o art. 143 da Lei nº 8.112/90. Logo, o processo disciplinar não pressupõe a existência de uma sindicância, mas, se esta for instaurada, é preciso distinguir que, se não forem observados os princípios da ampla defesa e do contraditório, será mero procedimento preparatório do processo administrativo disciplinar e, portanto, sin- dicância investigativa. E nesse processo administrativo disciplinar é que será imprescindível a obediência aos princípios da ampla defesa e do contraditório42 (vide Mandado de Segurança nº 22.791/MS, 19.12.2003, Plenário, STF).

Em certas ocasiões, o processo administrativo disciplinar é instaurado a partir das informações inicial- mente obtidas na sindicância. Neste caso, é de se observar que os eventuais defeitos que possam ter existido na sindicância não têm o poder de macular a posterior imposição da pena ao servidor, uma vez que esta terá sido infligida com base unicamente nas provas colhidas no inquérito integrante do processo administrativo disciplinar. Ademais, a legalidade do processo disciplinar independe da validade da investigação efetuada por meio da sindicância da qual adveio aquele apuratório. Acrescenta-se que os autos da sindicância constituem ele- mentos informativos do processo disciplinar, podendo ser apensados ao processo administrativo disciplinar, como peça informativa da instrução, conforme dispõe. o art. 154 do Estatuto Funcional.43

Art. 154. Os autos da sindicância integrarão o processo disciplinar, como peça informativa da instrução.

É salutar diferenciar as formas pelas quais as informações advindas das sindicâncias deverão ser tra- tadas no processo administrativo disciplinar. Nas sindicâncias investigativas ou patrimoniais que redundarem na instauração do PAD, todos os atos de instrução probatória deverão ser refeitos, pois não houve, a prin- cípio, a observância do contraditório e da ampla defesa. No caso de sindicância acusatória, se tiverem sido observados todos os princípios dispostos no inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal, a comissão pode ratificar os atos produzidos ou refazê-los.

As provas meramente documentais, colhidas em sindicância prévia, investigativa ou acusatória, pos- suem, em regra, validade plena no PAD, devendo apenas serem apensadas aos novos autos e ofertada vista delas ao acusado.

Todavia, na hipótese de utilização de provas testemunhais ou outras que demandem a participação do acusado na sua produção (tais como perícias e exames) para fundamentar eventual acusação, o cole- giado deverá determinar o refazimento do ato que não houver sido produzido, originalmente, com res- peito ao contraditório, como é o caso, por exemplo, de depoimento prestado em sindicância meramente investigativa.

Por fim, registre-se que o art. 30 da IN CGU nº 14/2018 prevê o cabimento da SINAC para os casos menos graves (sujeitos ao arquivamento ou apenação com advertência ou suspensão de até trinta dias), que não sejam passíveis de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

  • Fases da sindicância acusatória

A sindicância acusatória segue as mesmas fases dispostas na Lei nº 8.112/90 para o processo admi- nistrativo disciplinar, já que a lei não dispõe de forma explícita sobre os procedimentos específicos da sindi- cância e o princípio da legalidade exige observância a rito previsto em lei.44

  • BRASIL, Supremo Tribunal RMS nº 22.789-RJ. Relator: Ministro Moreira Alves, julgado em 4/5/1999, publicado em 25/6/1999.
  • BRASIL, Supremo Tribunal MS nº 22.103/RS. Relator: Ministro Moreira Alves, julgado em 24/11/1995. 44 MADEIRA, 2008, p. 66.

 

É importante frisar que a revogada Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952, que tratava do direito disciplinar, não dispunha da sindicância como procedimento autônomo. A doutrina e a jurisprudência resol- veram o problema não solucionado pela Lei nº 8.112/90, ao dividirem a sindicância em duas: investigativa e acusatória, sendo que, aquela, por não possuir caráter punitivo, nem observar os princípios do contraditório e da ampla defesa, não tem rito próprio definido.

O processo de sindicância acusatória se inicia com a publicação da portaria de instauração pela au- toridade responsável. Na portaria devem constar os nomes dos sindicantes, o prazo para conclusão dos trabalhos e o número do processo que contém os fatos a serem apurados. Deve-se abster de indicar expressamente quais são os fatos sob apuração, bem como o nome dos investigados, a fim de se evitar limitação inadequada ao escopo apuratório e garantir o respeito à imagem dos acusados

Após, inicia-se a fase instrutória do processo, sendo conduzida pela comissão, a qual deverá de ime- diato notificar o sindicado, em obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Na condução dos trabalhos da sindicância os membros devem exercer suas atividades com inde- pendência e imparcialidade, assegurando o sigilo necessário para a elucidação do fato cometido, o que é importante para, no decurso da apuração, evitar a aplicação de penalidade injusta e descabida ao acusado.45

Em seguida, a comissão deverá buscar provas (materiais ou testemunhais) para a elucidação dos fatos, tendo em vista o princípio da verdade material e em respeito ao art. 155 da Lei nº 8.112/90, segundo o qual, na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de provas, recorrendo quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

Atente-se para o fato de que as comissões deverão registrar suas deliberações em ata, assim como realizar as comunicações processuais observando as mesmas exigências dispostas no processo disciplinar. A fase instrutória se encerra com a entrega do termo de indiciação ao sindicado ou com o relatório final da comissão sugerindo o arquivamento do feito. No primeiro caso, se o processo tiver apenas um indiciado, o prazo será de dez dias para apresentação de defesa escrita. Sendo dois ou mais indiciados, o prazo será comum de 20 (vinte) dias. Essa etapa foi tratada pela Lei nº 8.112/90 nos arts. 165 e 166.

Assim, após a apresentação da defesa escrita, inicia-se nova fase, com a elaboração do relatório final, o qual deverá ser minucioso, mencionando as provas nas quais a comissão se baseou para formar sua con- vicção. Ademais, o relatório será sempre conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor sindicado.46 Neste ponto compete destacar que o art. 35 da IN CGU nº 14/2018 trouxe os elementos que deverão estar contidos no relatório final do PAD, extensíveis, no que couber, à Sindicância Acusatória.

A última etapa, de acordo com o art. 167 da citada lei, é a do julgamento do processo, na qual a autoridade terá o prazo de 20 (vinte) dias, contado do recebimento dos autos, para proferir decisão final sobre o feito.

Para exarar essa decisão, a autoridade levará em conta todos os elementos contidos no processo, o enquadramento dos fatos, a tipificação do ilícito, as provas testemunhais e documentais, entre outras, a defesa e o relatório. De modo geral, a autoridade acata o parecer da comissão, quer absolutório, quer condenatório. Entretanto, de acordo com o art. 168 da Lei nº 8.112/90, a autoridade julgadora, de acordo com o princípio do livre convencimento, pode divergir do relatório produzido pela comissão, caso seja contrário às provas dos autos.47

É importante destacar que o julgamento da sindicância proferiqdo pela autoridade competente po- derá sofrer revisão, conforme consta no art. 182 da Lei nº 8.112/90. Ademais, dessa revisão não poderá

 

45            MATTOS, 2010, p. 552 e 55.

46            LESSA, 2000, p. 109.

47            RIGOLIN, 2010, p. 344 a 347.

 

resultar agravamento da pena, segundo dispõe o parágrafo único do citado artigo (princípio da ne reformatio in pejus).

 

  • Composição da Comissão

A interpretação sistêmica do art. 149 da Lei nº 8112/90 poder levar, a princípio, à conclusão de que a comissão de sindicância acusatória seja composta por três membros estáveis. Entretanto, pode-se analisar o citado artigo de maneira contrária, sendo que apenas o processo administrativo disciplinar deva necessa- riamente ser conduzido por três integrantes.

De fato, tendo em vista a praxe administrativa e a escassez de servidores para comporem comissões de sindicância e de processo administrativo disciplinar, admitem-se comissões de sindicância acusatória com- postas por apenas dois integrantes.

A propósito, o art. 31, § 1º, da IN CGU nº 14/2018 sana definitivamente a questão. Com efeito, referido dispositivo estabelece que, no caso de sindicância acusatória, a comissão deva ser composta por dois ou mais servidores estáveis, exigindo-se, ainda, a observância da regra da hierarquia funcional, tratada na parte final do caput do art. 149 da Lei nº 8.112/90, segundo a qual o presidente da comissão deverá ocupar cargo efetivo de mesmo nível ou superior ou, ainda, ter nível de escolaridade igual ou superior ao do (s) servidor (es) sindicado (s).

 

  • Prazos da Sindicância

Os prazos da sindicância são diferentes do processo administrativo disciplinar. O art. 145, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90, dispõe que a sindicância deverá ser concluída em até 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogada por igual período, o que é corroborado no art. 31, § 2º, da IN CGU nº 14/2018.

Ressalte-se, por outro lado, que esses prazos não são fatais, ou seja, pode a comissão propor a re- condução para ultimar os trabalhos até a entrega do relatório final – fase última da etapa instrutória. Isso significa que, vencidos o prazo inicial e de prorrogação, pode a autoridade designar novamente a comissão, com os mesmos ou novos membros, e assim sucessivamente, enquanto necessário ao deslinde definitivo da questão (cf. art. 31, § 3º, da IN CGU nº 14/2018). Obviamente que a autoridade sempre deverá, no caso concreto, sopesar a necessidade de sucessivas prorrogações e reconduções, e sempre à luz de princípios como os da eficiência, economicidade, duração razoável do processo, sem ignorar, ainda, a previsão contida na Lei de Abuso de Autoridade acerca de se estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado (art. 31 da Lei nº 13.869/2019). Maiores explicações sobre a continuidade da apuração após o prazo inicialmente estabelecido serão fornecidas no item 8.2.3.

Ademais, ressalte-se que a instauração da sindicância acusatória, do mesmo modo que ocorre para o processo administrativo disciplinar, interrompe o prazo de prescrição até o período estabelecido em lei para sua conclusão, conforme será abordado no item 15.3.

 

  • Desnecessidade de instauração da sindicância acusatória previamente ao processo administrativo disciplinar

A expressão processo administrativo disciplinar (gênero), comporta as espécies: processo administra- tivo disciplinar (PAD) e sindicância acusatória. A Lei nº 8.112/90 não trata do rito específico da sindicância, sendo utilizadas, de maneira análoga, as fases dispostas no processo administrativo disciplinar.

O art. 145 da Lei nº 8.112/90 dispõe que da sindicância poderá resultar o arquivamento do processo, a aplicação de penalidade de advertência ou suspensão por até 30 (trinta) dias e a instauração de processo administrativo disciplinar.

 

Nesse aspecto, a proposta de arquivamento do processo e a sugestão de instauração de processo ad- ministrativo disciplinar (PAD) podem advir tanto da sindicância investigativa quanto da sindicância acusatória.

Porém, diferentemente da sindicância investigativa, cujo objeto é delimitar eventual autoria ou ma- terialidade, a sindicância acusatória, quando instaurada, advém de um juízo de admissibilidade no qual já se constataram indícios da materialidade do fato ou da possível autoria (acusado), no que se aproxima do PAD.

Nesse sentido, pode-se asseverar que para se investigar conteúdo denunciativo, etapa integrante do juízo de admissibilidade, o instrumento adequado a ser manejado é a sindicância investigativa (ou outro pro- cedimento investigativo), e não a sindicância acusatória estabelecida na Lei nº 8.112/90. Vale dizer: sempre que se quiser buscar elementos de convicção para fundamentar a instauração de sindicância acusatória ou de processo administrativo disciplinar, o instrumento adequado é algum dos procedimentos investigativos já tratados no item 6.1.

Superada, por qualquer meio já abordado, esta busca pelos indícios de autoria e materialidade, se pode afirmar que sindicância acusatória e PAD são procedimentos autônomos e a decisão pela utilização de um ou de outro deverá ser adotada segundo as circunstâncias do caso concreto. Isto significa dizer que não há necessidade de instauração de sindicância acusatória previamente à instauração do PAD.

Em linhas gerais, quando a infração disciplinar apurada for punível com advertência ou suspensão por até 30 dias, pode ser utilizada a sindicância acusatória, ex vi do art. 145, inciso II, da Lei nº 8.112/90. Por outro lado, se a punição aplicável for suspensão por mais de 30 dias, a demissão, a cassação de aposenta- doria ou disponibilidade, ou a destituição de cargo em comissão, a lei é impositiva ao determinar, no art. 146, a obrigatoriedade da instauração do PAD.

Assim, em que pese a possibilidade, inclusive legal, de adotar-se, no caso concreto, a sindicância acu- satória, é importante apontar as possíveis desvantagens na escolha deste procedimento.

A primeira delas seria, no curso ou ao final da sindicância acusatória, se verificar a ocorrência de situ- ação com maior gravidade que a inicialmente cogitada e para a qual o procedimento legalmente previsto seria o PAD o qual, nesta hipótese, deverá ser, necessariamente, instaurado.

Outra desvantagem é o fato de a Lei nº 8.112/90, apesar de prever a sindicância em si, não prever um rito diferenciado em relação ao PAD. Não há, por exemplo, pelo fato de ser possível apenas a aplicação de penalidades menos gravosas, qualquer possibilidade de abreviação de ritos, em contrariedade à obser- vância do contraditório e da ampla defesa.

Ainda, no que se refere aos prazos laborativos: no PAD a comissão processante goza inicialmente de até 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por igual período, o que poderá totalizar 120 (cento e vinte) dias para o desenvolvimento dos trabalhos, superando o máximo de 60 (sessenta) dias que pode ser atingido pela sindicância (até 30 iniciais, prorrogáveis por igual período).

Verifica-se desvantagem, ainda, no que se refere à prescrição. Embora tanto a sindicância acusatória/ punitiva quanto o PAD sejam processos aptos à interrupção da contagem, verifica-se diferença no que diz respeito à quando o prazo prescricional voltará a correr.

Quanto à interrupção do prazo prescricional, o § 3º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 estabelece que “a abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.” Além disso, segundo o § 4º do mesmo artigo, “interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção”.

Da leitura desse dispositivo, se pode concluir que, no PAD, a prescrição voltará a correr em até 140 (cento e quarenta) dias após a sua instauração (até 60 dias do prazo inicial + até 60 dias do prazo de pror- rogação + 20 dias do julgamento). Na sindicância acusatória, contudo, o fluxo prescricional será retomado em até 80 (oitenta) dias (até 30 dias do prazo inicial + até 30 dias do prazo de prorrogação + 20 dias do

 

prazo de julgamento). Assim, quando se instaura uma sindicância acusatória, a prescrição se configurará em até 60 (sessenta) dias antes da data em que ocorreria, caso o procedimento instaurado tivesse sido um PAD.

Finalmente, outro ponto que merece atenção especial é a hipótese em que a comissão sindicante propõe penalidade de suspensão para servidores públicos ocupantes apenas de cargos em comissão. No- ta-se do art. 135 da Lei nº 8.112/90 que o servidor sem vínculo efetivo pode ser destituído do cargo em comissão em razão de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão. Por outro lado, extrai-se da leitura do art. 146 da Lei nº 8112/90 que nos casos de aplicação das penalidades de suspensão superior a 30 (trinta) dias, de demissão, de cassação de aposentaria ou disponibilidade, ou de destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo administrativo disciplinar.

Dessa forma, pode-se concluir que a sindicância não é meio hábil para se propor destituição de cargo em comissão, mesmo que infração esteja sujeita, originariamente, à penalidade de suspensão inferior a 30 dias. Isso porque a própria lei já exige o processo administrativo disciplinar em sentido estrito para a impo- sição da penalidade de destituição de cargo em comissão, independentemente de a infração ser originaria- mente punível com suspensão ou demissão.

Assim, especialmente pelos motivos aqui elencados, haverá de ser feito um rigoroso juízo, em cada caso concreto, sobre a viabilidade/adequação da instauração de sindicância acusatória ou PAD, lembrando que, ambos sendo procedimentos que poderão resultar em penalidade, pressupõem a existência de indí- cios de autoria e materialidade e exigem a observância do contraditório e da ampla defesa.

Diante de todas estas considerações, a IN CGU nº 14/2018, veicula a recomendação de, em caso de dúvida, optar-se pela instauração de PAD, conforme se lê:

Art. 30. (…)

(…)

  • 2º Quando houver dúvida acerca da gravidade da infração a ser apurada, a autoridade competente deverá decidir pela instauração de PAD.

 

  • Sindicância Disciplinar para Temporários

Trata-se da Sindicância Disciplinar para apuração de possíveis irregularidades cometidas pelo pessoal contratado por tempo determinado (temporários), nos termos da Lei nº 8.745/1993.

Sobre o aspecto disciplinar, a Lei nº 8.745/1993 assim previu:

Art. 10. As infrações disciplinares atribuídas ao pessoal contratado nos termos desta Lei serão apu- radas mediante sindicância, concluída no prazo de trinta dias e assegurada ampla defesa.

Art. 11. Aplica-se ao pessoal contratado nos termos desta Lei o disposto nos arts. 53 e 54; 57 a 59; 63 a 80; 97; 104 a 109; 110, incisos, I, in fine, e II, parágrafo único, a 115; 116, incisos I a V, alíneas a e c, VI a XII e parágrafo único; 117, incisos I a VI e IX a XVIII; 118 a 126; 127, incisos I, II e III, a 132, incisos I a VII, e IX a XIII; 136 a 142, incisos I, primeira parte, a III, e §§ 1º a 4º; 236; 238 a 242, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Verifica-se, assim, a inexistência de previsões específicas sobre o rito. A IN CGU nº 14/2018 adi- cionou alguns contornos, nos seguintes termos:

Art. 38. As infrações disciplinares atribuídas a contratados nos termos da Lei nº 8.745, de 1993, serão apuradas mediante sindicância, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Parágrafo único. Da sindicância poderá resultar a aplicação de penalidade de advertência, de sus- pensão de até 90 (noventa) dias ou de demissão.

Art. 39. A sindicância de que trata este capítulo será conduzida por comissão composta por pelo menos dois servidores efetivos ou temporários regidos pela Lei nº 8.745, de 1993, designados pela

 

autoridade competente, por meio de publicação de ato instaurador, e será concluída no prazo de 30 (trinta) dias, admitidas prorrogações sucessivas quando necessárias à conclusão da instrução probatória.

  • 1º Não se exige o requisito da estabilidade para o servidor designado para atuar na sindicância.
  • 2º A sindicância disciplinar de que trata este capítulo será instaurada e conduzida nos termos da Lei nº 8.745, de 1993, observando, no que couber, as disposições aplicáveis ao PAD.

Art. 40. Para os casos de acumulação ilícita previstos no art. 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal, poderá ser aplicado, por analogia, o procedimento previsto no art. 133, caput, da Lei nº 8.112, de 1990.

Dos dispositivos destaca-se a necessidade de observância de contraditório e ampla defesa, ante a possibilidade de apenação, bem como a questão da composição da comissão, afastando-se, caso composta pelos servidores, a necessidade de estabilidade.

 

  • Procedimento Disciplinar para Empregados Públicos

Existem regras básicas para dois tipos de empregados públicos, aqueles regidos pela Lei nº 9.962/2000 e aqueles das empresas públicas e sociedades de economia mista.

As disposições comuns dizem respeito a: a) penalidades cabíveis48 – advertência, suspensão de até trinta dias ou rescisão do contrato de trabalho por justa causa; e b) inaplicabilidade do perdão tácito, quando em xeque o interesse público..

Em se tratando do rito da apuração, para os empregados regidos pela Lei nº 9.962/2000, deverá ser conduzido processo disciplinar com observância do contraditório e da ampla defesa, por intermédio de comissão “composta por pelo menos dois servidores efetivos ou empregados públicos regidos pela Lei nº 9.962, de 2000, designados pela autoridade competente, por meio de publicação de ato instaurador, e será concluída no prazo de 30 (trinta) dias, admitidas prorrogações sucessivas quando necessárias à conclusão da instrução probatória” (cf. art. 42, IN CGU nº 14/2018).

No caso de a comissão ser composta por servidores, não se exige o requisito da estabilidade. Quanto ao mais, há aplicação, no que couber, das regras previstas para o PAD.

Quanto aos empregados das sociedades de economia mista e empresas públicas, convencionou-se denominar de Processo Administrativo Sancionador (PAS), a ser conduzido nos termos das normas internas das estatais, com observância do contraditório e da ampla defesa, ante a possibilidade de aplicação de pe- nalidades. Na inexistência de normativo interno, servirão como parâmetro os procedimentos acusatórios previstos na Lei nº 9.784/1999.

 

  • Processo Administrativo Disciplinar Sumário

O rito sumário, não previsto inicialmente quando da publicação da Lei nº 8.112/90, foi acrescido posteriormente com a alteração promovida pela Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997. Assim, após esse novo disciplinamento legal, pode-se concluir que o processo administrativo disciplinar passou a com- portar três espécies: sindicância acusatória (art. 145, II), processo disciplinar ordinário (art. 146) e processo disciplinar sumário (arts. 133 e 140).

Saliente-se que o novel rito é aplicável apenas quando da apuração dos seguintes ilícitos administra- tivos: acumulação ilegal de cargos, abandono de cargo e inassiduidade habitual.

Em linhas gerais, o rito sumário possui as seguintes especificidades: os prazos são reduzidos em re- lação ao rito ordinário e a portaria de instauração deve explicitar a materialidade do possível ilícito. Como

48            No caso de empresas públicas e sociedades de economia mista, é possível que os regulamentos internos prevejam outros tipos de penalidade.

 

exemplo, no caso de abandono de cargo, a portaria deve trazer a indicação precisa do período de ausência intencional do servidor ao serviço por mais de 30 (trinta) dias consecutivos; no caso de inassiduidade ha- bitual, deve trazer a indicação dos dias de falta ao serviço sem causa justificada, por período igual ou supe- rior a 60 (sessenta) dias, interpoladamente, durante o período de 12 (doze) meses; por fim, no caso de acumulação ilegal de cargos públicos, deverá conter a descrição dos empregos, funções e cargos públicos ocupados, bem como o órgão de origem.

Assim, as provas a serem produzidas no processo sumário seriam, em tese, meramente documentais.

Ocorre que pode surgir a necessidade de o servidor produzir outras provas, como testemunhal ou pericial. Como exemplo, o servidor pode ter abandonado o cargo de forma justificada, em razão de se- questro, ou de alcoolismo, ou de doença mental, e pretender comprovar alguma dessas condições. Apesar de a própria sumariedade do rito indicar a intenção de que não haja dilação probatória, a instrução poderá ser aberta, tanto em atendimento aos princípios do contraditório e da ampla defesa49, quanto em razão do estabelecido no art. 133, § 8º, segundo o qual as normas relativas ao processo disciplinar ordinário, pre- vistas nos Títulos IV e V poderão ser aplicadas subsidiariamente à apuração pelo rito sumário. Nesta linha, veja-se o entendimento do STJ:

Ementa: (…) III – A intenção do legislador – ao estabelecer o procedimento sumário para a apuração de abandono de cargo e de inassiduidade habitual – foi no sentido de agilizar a averiguação das referidas transgressões, com o aperfeiçoamento do serviço público. Entretanto, não se pode olvidar das garantias constitucionalmente previstas. Ademais, a Lei nº 8.112/90 – art. 133, § 8º – prevê, expressamente, a possibilidade de aplicação subsidiária no procedimento sumário das normas rela- tivas ao processo disciplinar.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 7464/DF – 2001/0045029-6. Relator: Ministro Gilson Dipp, julgado em 12/3/2003, publicado em 31/3/2003)

Corroborando o entendimento do STJ, o Parecer GQ-193 da AGU dispõem no mesmo sentido, acrescentando que o rito sumário não elimina a necessidade de oportunizar ampla defesa ao indiciado.

De outra parte, de acordo com o disposto na Lei nº 8.112/90, as fases do PAD sob o rito sumário são diferentes do submetido ao rito ordinário, bem como os prazos para sua conclusão.

Nos termos do art. 133 da citada lei, a fase inicial do PAD sob o rito sumário denomina-se instauração e efetiva-se com a publicação do ato que, além de constituir a comissão, que será composta por dois servi- dores estáveis, indicará a respectiva autoria e materialidade do ilícito supostamente praticado. Esta particula- ridade do rito sumário justifica o teor do §5º, do art. 37 da IN CGU nº 14/2018, que prevê a necessidade de existência de prova pré-constituída, ou seja, é indispensável a instrução prévia.

Após a instauração, inicia-se a fase de instrução sumária do processo, que compreende: a indiciação do acusado, a defesa e o posterior relatório da comissão. Por fim, o processo é julgado pela autoridade competente, no prazo de 5 (cinco) dias, contado do recebimento dos respectivos autos, diferentemente do disposto no rito ordinário, para o qual é estabelecido o prazo de 20 (vinte) dias.

Veja-se que não há previsão de realização de Notificação Prévia. Vale lembrar que a notificação seria uma espécie de chamamento do acusado ao processo, para acompanhar e produzir provas. Não obstante, no rito sumário, a prova é pré-constituída, sendo que a comunicação ao acusado já é formalizada mediante sua indiciação, que comunica os fatos irregulares que lhe são atribuídos e abre o prazo para apresentação de defesa. Cabe apenas o registro de que a existência da prova prévia não quer dizer inexistência de contra- ditório e ampla defesa. Porém, a própria IN CGU nº 14/2018, no art. 37, §7º, recomenda que, havendo atos probatórios diferentes da prova documental, o rito seja convertido em ordinário.

A fase apuratória da comissão deve ser desenvolvida no prazo de até 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado por até 15 (quinze) dias, de acordo com o § 7º do art. 133, da Lei nº 8.112/90. Não obstante,

49            MADEIRA, 2008, p. 139.

 

havendo necessidade, será possível a recondução dos trabalhos, conforme previsto no §4º do art. 37 da IN CGU nº 14/2018.

Importa mencionar que a IN CGU nº 14/2018 colocou o PAD em rito ordinário como preferencial, quando houver dúvida sobre a natureza da infração a ser apurada (cf. art. 36, §2º). Como já dito, o rito sumário é reservado para as três hipóteses específicas e, assim, em tese, todas as demais deveriam ser apuradas por PAD em rito ordinário que admite ampla dilação probatória, embora a dilação, em si, não seja vedada no rito sumário.

 

  • Processo Administrativo Disciplinar (PAD)

Segundo dispõe o art. 151 da Lei nº 8112/90, as fases do processo administrativo submetido ao rito ordinário se dividem em três: instauração, inquérito administrativo e julgamento.

A primeira fase se materializa com a publicação do ato instaurador, pela autoridade competente, de- signando os membros para comporem a comissão, dispondo sobre o prazo de conclusão, o processo que contém o objeto de apuração. Não deverão ser indicados expressamente os fatos sob apuração, tampouco o nome dos investigados, a fim de se evitar limitação inadequada ao escopo apuratório e garantir o respeito à imagem dos acusados. Sobre essa específica questão, importa transcrever entendimento do STJ:

Na linha da jurisprudência desta Corte, a portaria inaugural do processo disciplinar está livre de des- crever detalhes sobre os fatos da causa, tendo em vista que somente ao longo das investigações é que os atos ilícitos, a exata tipificação e os seus verdadeiros responsáveis serão revelados.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS nº 16.815/DF. Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha, julgado em 11/4/2012, publicado em 18/4/2012)

A segunda fase, denominada de inquérito administrativo, é dividida nas subfases de instrução, defesa e relatório. Na subfase de instrução, a comissão promove a busca de provas necessárias ao esclarecimento da verdade material, dentre aquelas permitidas pelo ordenamento jurídico pátrio, como a documental e a testemunhal, assim como promove a indiciação ou forma sua convicção pela absolvição do acusado. No caso de a comissão entender pela indiciação do servidor, deverá citá-lo, momento a partir do qual se abre prazo legal para apresentação de defesa escrita (segunda subfase do inquérito). A última subfase do inquérito é a produção, pela comissão, de relatório final conclusivo quanto à inocência ou não do indiciado, apresen- tando, para tanto, as razões e justificativas para o enquadramento, ou não, no ilícito administrativo.

Ressalte-se que é na fase do inquérito administrativo e suas subfases de instrução e relatório que se concentra a atuação da comissão.

Por fim, segue-se a fase de julgamento do feito disciplinar, a qual pode ser realizada pela autoridade instauradora do processo, a depender da penalidade sugerida pela comissão processante, conforme consta no art. 141 da Lei nº 8.112/90. Não tendo a autoridade instauradora competência para proferir o julga- mento, deverá remeter o processo àquela que detém referida atribuição. Assim, a competência da autori- dade julgadora é fixada pela proposta de penalidade recomendada pelo colegiado.

Desse modo, importante destacar que não é permitido à autoridade instauradora, ao tomar conhe- cimento da proposta da comissão, decidir pelo abrandamento da penalidade sugerida de modo a inserir o feito em sua esfera de competência. Exemplificando: o PAD é instaurado por autoridade com competência para aplicação da penalidade de suspensão até 30 dias. A comissão, em seu relatório conclusivo, sugere a aplicação da pena de demissão, cuja competência para aplicação, em regra, é do Ministro de Estado. Nesse caso, o processo deverá ser entregue pela trinca processante à autoridade instauradora que, por sua vez, tomando conhecimento da sugestão, encaminhará o processo para julgamento do Ministro. Nessa hipó- tese, a autoridade instauradora não poderia simplesmente entender pela aplicação de suspensão de 5 dias, por exemplo, e julgar ela própria o processo. A remessa do processo torna-se obrigatória. Ainda diante da mesma suposição, necessário esclarecer que caso a autoridade competente, no caso o Ministro, entenda

 

pelo cabimento de uma pena mais branda, tal como a advertência, não será necessário que o processo retorne à autoridade instauradora. Diante de tal situação vigora a regra do “quem pode mais, pode menos”, ou seja, a competência para aplicação da pena de demissão necessariamente engloba a possibilidade de julgamento das penas de menor gravidade.

A autoridade competente deverá julgar o feito no prazo de vinte dias, a contar do recebimento do relatório final (art. 167 da Lei nº 8.112/90), podendo, inclusive, divergir do entendimento esposado pela comissão, caso seja contrário às provas dos autos. Nessa hipótese, poderá, motivadamente, agravar a pe- nalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade, de acordo com o disposto no art. 168 da Lei nº 8.112/90.

Na IN CGU nº 14/2018, as disposições sobre o PAD encontram-se nos arts. 32 a 35.

 

 

 

  • PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR NO ÂMBITO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

Embora o presente Manual tenha sua abordagem voltada para as atividades correcionais derivadas da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e seus servidores, vale mencionar, ainda que de forma sucinta, os desdobramentos das irregularidades ocorridas no âmbito das licitações públicas e con- tratos administrativos.

Sabe-se que o procedimento licitatório e a respectiva contratação pública estão a demandar a cons- tante interação entre servidores públicos e fornecedores privados. É praticamente impossível mencionar o tema corrupção sem que venham à lembrança escândalos envolvendo licitações e contratos públicos. Dada uma determinada licitação, a iniciativa corruptora pode partir tanto do agente público como do agente particular, ou de ambas as partes. As irregularidades cometidas por tais atores são passíveis de apuração por parte da Administração Pública, que deve instaurar o devido processo administrativo para, em se verificando a ocorrência de ilicitudes, aplicar a correspondente sanção.

As sanções administrativas passíveis de aplicação, pela Administração Pública, aos fornecedores, são aquelas estabelecidas no art. 87 da Lei nº 8.666/93, quais sejam: advertência; multa; suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração; e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública. O art. 7º da Lei nº 10.520/2002, o art. 47 da Lei nº 12.462/2011 e os arts. 82 a 84 da Lei nº 13.303/2016 preveem também punições aos fornecedores de maneira similar à Lei nº 8.666/93. Para ilustração, eis um rol com as sanções administrativas e os respectivos fundamentos legais:

  1. Advertência (art. 87, inciso I, da Lei nº 666/93 e art. 83, inciso I, da Lei nº 13.303/2016);
  2. Multa (art. 87, inciso II, da Lei nº 8.666/93, art. 7º da Lei nº 10.520/2002, art. 47 da Lei nº 462/2011, art. 6º, inciso I, da Lei nº 12.846/2013 e art. 83, inciso II, da Lei nº 13.303/2016);
  3. Suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração (art. 87, inciso III, da Lei nº 666/93, art. 7º da Lei nº 10.520/2002, art. 47 da Lei nº 12.462/2011 e art. 83, inciso III, da Lei nº 13.303/2016);
  4. Declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública (art. 87, inciso IV, da Lei nº 666/93);
  5. Publicação extraordinária da decisão condenatória à custa do infrator (art. 6º, inciso II, da Lei nº 846/2013);
  6. Descredenciamento50 do SICAF e de sistemas congêneres (art. 7º da Lei nº 520/2002).

Em estrita observância aos ditames do contraditório e da ampla defesa estabelecidos pela Constituição Federal (art. 5°, inciso LV), incidentes também na seara administrativa, cumpre notar que constitui requisito lógico e jurídico para a aplicação de sanção administrativa a instauração do devido processo administrativo.

Em relação às infrações administrativas cometidas por servidores públicos, o mencionado processo administrativo será regido pelas disposições constantes na Lei n° 8.112/90. Já em relação aos agentes parti- culares, aplicar-se-á os preceitos estabelecidos, em especial, pela Lei nº 8.666/93, sem prejuízo das demais legislações de contratação pública.

50            A despeito da previsão do art. 7º da Lei nº 10.520/2002, o descredenciamento do SICAF é consequência da imposição das penas de suspensão e impedi- mento de licitar e contratar ou de declaração de inidoneidade. Não se trata de sanção autônoma.

 

A lei de licitações foi bastante sucinta ao dispor sobre o rito apuratório necessário à aplicação de san- ções administrativas. Basicamente, conforme se depreende do § 2º do art. 86, caput do art. 87 e §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo, impôs a necessidade de instauração do devido processo administrativo, garantin- do-se, ainda, prévia defesa e acesso a recursos administrativos.

Em razão de tal peculiaridade, a Administração Pública não precisa seguir ritualística rígida e fechada, desde que sejam observados, de forma plena, os ditames do contraditório e da ampla defesa. Percebe-se, portanto, que nesta seara ganha maior relevo o princípio do formalismo moderado. Pode, também, a Administração se valer, por meio da regra da analogia ou subsidiariedade, de outros diplomas legais que disponham sobre normas de processo administrativo, tais como a Lei nº 9.784/99 e a Lei nº 12.846/2013. A propósito, o próprio art. 12 do Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta as disposições da Lei Anticor- rupção, autoriza a apuração conjunta “de atos previstos como infrações administrativas à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 , ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei nº 12.846, de 2013”. Por conseguinte, caso inexista a dupla tipicidade do ato ilícito, a apuração da infração à legislação de contratação pública conta com apoio das normas da LAC e do Decreto nº 8.420/2015, que se destinam à responsabilização de entes privados, a fim de suprir a even- tual insuficiência da Lei nº 9.784/99.

Atenta à realidade supra, foi instituída, por meio da Portaria nº 1.878/2007, a Comissão de Processo Administrativo de Fornecedores da CGU – CPAF, responsável pela condução de processos nos quais se tinha em causa a aplicação, pelo Ministro-Chefe da CGU (hoje denominado Ministro da Controladoria-

-Geral da União), das sanções previstas no art. 87 e no art. 88 da Lei nº 8.666/93.

Em que pese, à época, já haver expressa competência legal para aplicação da sanção de declaração de inidoneidade, no âmbito da CGU (artigos 18, § 4º, da Lei nº 10.683/03 – competência mantida no § 5º do art. 66 da então vigente Lei nº 13.502/17, que revogou aquela – e 2º, I, e 4º, § 3º, do Decreto nº 5.480/05), houve contestação por fornecedores punidos pela CGU, sob a alegação de que a competência para aplicar a referida sanção, ao teor do artigo 87, IV da Lei nº 8.666/93, seria do “Ministro de Estado” responsável pela pasta à qual subordinada a realizadora do certame em que ocorrera evento passível de punição.

Sobre o tema houve manifestação do STJ, nos autos do Mandado de Segurança n° 14.134-DF, cujas palavras do Ministro Relator, o Sr. Benedito Gonçalves, expõem o entendimento de que “os artigos 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição da República combinado com os artigos 18, § 4º, da Lei nº 10.683/2003 e 2º, inciso I, e 4º, § 3º, do Decreto n. 5.480/2005, conferem ao Ministro de Estado do Controle e da Transpa- rência a responsabilidade para determinar a instauração do feito disciplinar em epígrafe”.

A teor da importância do quanto decidido pelo STJ, vale colacionar a ementa do mencionado acórdão:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. FRAUDE CONFIGURADA. APLI- CAÇÃO DA PENA DE INIDONEIDADE PARA CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. ATO DA CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DO MINISTRO DE ES- TADO DO CONTROLE E DA TRANSPARÊNCIA. ALEGAÇÕES DE NULIDADES NO PROCESSO AD- MINISTRATIVO QUE CULMINOU NA APLICAÇÃO DA PENALIDADE AFASTADA. PROCEDIMENTO REGULAR.

  1. Hipótese em que se pretende a concessão da segurança para que se reconheça a ocorrência de nulidades no processo administrativo disciplinar que culminou na aplicação da pena de inidoneidade para contratar com a Administração Pública
  2. O Ministro de Estado do Controle e da Transparência é autoridade responsável para determinar a instauração do feito disciplinar em epígrafe, em razão do disposto no 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição da República combinado com os artigos 18, § 4º, da Lei nº 10.683/2003 e 2º, inciso I, e 4º, § 3º, do Decreto n. 5.480/2005. (grifou-se)

 

  1. A regularidade do processo administrativo disciplinar deve ser apreciada pelo Poder Judiciário sob o enfoque dos princípios da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório, sendo-lhe vedado incursionar no chamado mérito
  2. Nesse contexto, denota-se que o procedimento administrativo disciplinar não padece de nenhuma vicissitude, pois, embora não exatamente da forma como desejava, foi assegurado à impetrante o direito ao exercício da ampla defesa e do contraditório, bem como observado o devido processo legal, sendo que a aplicação da pena foi tomada com fundamento em uma série de provas trazidas aos autos, inclusive nas defesas apresentadas pelas partes, as quais, no entender da autoridade adminis- trativa, demonstraram suficientemente que a empresa impetrante utilizou-se de artifícios ilícitos no curso do Pregão Eletrônico n. 18, de 2006, do Ministério dos Transportes, tendo mantido tratativas com a empresa Brasília Soluções Inteligentes com o objetivo de fraudar a licitude do certame.
  3. Pelo confronto das provas trazidas aos autos, não se constata a inobservância dos aspectos rela- cionados à regularidade formal do processo disciplinar, que atendeu aos ditames
  4. Segurança

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS nº 14.134/DF. Relator: Ministro Benedito Gonçalves).

Frente a afirmação desta competência, o aumento da demanda pela atuação na área, as atribuições fixadas na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, dentre outros fatores, a CGU deu mais um importante passo e, por meio do Decreto nº 8.109, de 17 de setembro de 2013, promoveu a criação da Coordena- ção-Geral de Responsabilização de Entes Privados (COREP), a qual sucedeu a CPAF no desempenho da condução de processos administrativos de responsabilização de entes privados/fornecedores, além de atuar em vários outros assuntos correlatos.

Atualmente, o art. 15 do Anexo I do Decreto nº 9.681/2019 atribui à Diretoria de Responsabilização de Entes Privados (DIREP) da CGU a condução de apurações investigativas ou acusatórias em face de pes- soas jurídicas, inclusive relacionas à prática de suborno transnacional.

Outro grande avanço capitaneado pela CGU foi a instituição do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS, banco de dados que tem por finalidade consolidar e divulgar a relação de empresas ou profissionais que sofreram sanções que tenham como efeito a restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública, assim considerados os órgãos e enti- dades da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Constará no CEIS o registro das seguintes sanções: suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração (art. 87, III, da Lei nº 8.666/93); declaração de inidonei- dade para licitar ou contratar com a Administração Pública (art. 87, IV, da Lei nº 8.666/93); impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (art. 7º da Lei nº 10.520/02); proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios e incentivos (art. 12 da Lei nº 8.429/92); proibição de participar de licitações e de contratar com o Poder Público (art. 81, § 3º, da Lei nº 9.504/97); declaração de inidoneidade pelo TCU (art. 46 da Lei nº 8.443/92); e demais sanções previstas em legisla- ções específicas ou correlatas.

O CEIS representa um importante mecanismo para tornar mais transparente a situação das empresas que tencionam firmar contratos com a Administração Pública, alinhando-se, portanto, aos princípios da efi- ciência e moralidade, uma vez que facilitará que os entes públicos e demais interessados tenham condições de averiguar, de forma rápida e simples, a existência de eventuais restrições que poderiam impedir deter- minada pessoa de contratar com a Administração. Para além de ser importante instrumento de controle público, descortina, ainda, valoroso fomento ao controle social da Administração Pública, uma vez que suas informações estão disponíveis na internet.

No exercício desse mister, tem-se, ainda, que o CEIS confere importante concretude à previsão constante do art. 97 da Lei nº 8.666/93, que tipifica a conduta de admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarados inidôneos, bem como ao parágrafo único desse artigo, que esta-

 

belece igual repercussão penal àquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Admi- nistração Pública.

Assim, uma vez noticiada no CEIS a penalidade administrativa imposta à contratada, e considerando tratar-se de banco de dados de livre acesso, em ambiente web, de fácil consulta pelos órgãos e entidades da Administração Pública, pode-se concluir que o CEIS constitui, por um lado, eficiente mecanismo pre- ventivo da prática delituosa e, por outro, sinalizador de sua ocorrência, o que contribui para a diminuição da impunidade.

 

  • Sanções Administrativas Aplicáveis a Licitantes e Contratados

Em conclusão à temática abordada no item 7.1, far-se-á breve síntese das sanções estabelecidas no artigo 87 da Lei nº 8.666/93 aplicáveis a licitantes e contratados. A lei alude a quatro espécies de sanções administrativas, que podem ser divididas em duas categorias. Há sanções internas ao contrato, ditas sanções contratuais, uma vez que exaurem seus efeitos no âmbito da contratação (advertência e multa), e sanções que produzem seus efeitos além da relação contratual, também denominadas de sanções externas ou ge- néricas (suspensão temporária e declaração de inidoneidade).

Grande parte da doutrina critica a insuficiente tipificação na lei de regência das condutas hábeis a jus- tificar a punição administrativa de licitantes e contratados. Por tal aspecto, defende Eduardo Dias Rocha51 a possibilidade de o edital e o contrato colaborarem com a lei na determinação dos pressupostos de sancio- namento e na definição de critérios de aplicação de sanção.

 

  • Advertência

A advertência se apresenta como a sanção mais branda entre as elencadas na lei de licitações, de- vendo ser aplicada, proporcionalmente, às condutas de inexecução parcial de deveres de diminuta monta e inobservâncias contratuais de menor importância, que se apresentem como fato isolado.

Conforme leciona Marçal Justen Filho52, decorrem da advertência dois efeitos peculiares. O primeiro implica a maior incidência da atividade fiscalizatória por parte da Administração sobre o particular, obser- vando que “não se trata de alterar as exigências impostas, que continuam as mesmas. Haverá, porém, um acompanhamento mais minucioso da atividade do particular, tendo em vista haver anteriormente descumprido seus deveres”. O outro efeito mencionado consiste na cientificação de que em caso de reincidência, o par- ticular sofrerá punição mais severa.

 

  • Multa

Trata-se de penalidade de natureza pecuniária, que se destina a punir o licitante ou contratado que deixou de cumprir suas obrigações. A sanção em tela pode assumir feição moratória ou indenizatória. A multa moratória é aplicada em razão da demora no cumprimento das obrigações contratuais, ou seja, o atraso injustificado por parte do contratado acarreta a aplicação da multa de mora. Já a multa indenizatória tem por finalidade compensar a parte prejudicada pelos danos que lhe foram causados pela inadimplência do licitante ou contratado.

Conforme expressa disposição legal (arts. 86, caput e 87, II, da Lei de Licitações), é indispensável que a multa tenha sido fixada no instrumento convocatório ou no contrato, sob pena de inviabilizar sua aplicação. Aliás, o STJ já exarou o entendimento de que é “inviável a aplicação de penalidade de multa ao adjudicatário que se recusa a assinar o contrato (Lei nº 8.666/93, art. 81) sem que ela tenha sido prevista no edital” (Resp. nº 709.378/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, em 21.10.2008).

 

51            ROCHA, 1997, p. 78.

52            JUSTEN FILHO, 2005, p. 821.

 

Outro aspecto a ser observado é que a previsão das multas em instrumento convocatório deve atuar como fator inibidor da conduta ilícita. Assim, estabelecidas elas em percentual ínfimo, cujo montante seja inexpressivo, teremos que as multas não cumprirão suas finalidades, uma vez que, em certas ocasiões, será mais vantajoso ao licitante ou ao contratado o inadimplemento da obrigação estabelecida.

 

  • Suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração

A penalidade em epígrafe opera o efeito de impedir o infrator penalizado de participar de certames licitatórios, bem como contratar com a Administração. A lei estabelece o prazo máximo de dois anos para que a referida sanção produza seus efeitos. Logo, conclui-se que a Administração poderá, observados os preceitos da proporcionalidade, estabelecer um prazo menor do que o previsto em Lei. A imposição desta sanção é uma providência abrangida nas atribuições de gestão do órgão contratante.

Em relação à abrangência da penalidade em análise, faz-se mister destacar que o tema não é pacífico na doutrina, que aborda o assunto sob duas perspectivas distintas.

A primeira corrente, capitaneada por Jessé Torres Pereira Junior53, defende que a Lei de Licitações, em seu artigo 6º, inciso XII, define Administração como “o órgão, entidade, ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente”, e o inciso XI a conceitua como “a Administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Dessa forma conclui que o legislador quis com a suspensão obstar a empresa penalizada de participar de certames ou contratar com órgão ou entidade que aplicou a penalidade.

Já a segunda corrente doutrinária, capitaneada por Marçal Justen Filho54, entende que a suspensão temporária surte seus efeitos perante toda a Administração Pública, ou seja, toda a Administração direta e indireta, das três esferas de governo. Nas palavras do mencionado autor “não haveria sentido em circuns- crever os efeitos da suspensão temporária a apenas um órgão específico. Se um determinado sujeito apresenta desvios de conduta que o inabilitaram para contratar com a Administração Pública, os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão”.

O TCU consolidou a jurisprudência segundo a corrente restritiva, determinando aos órgãos públicos que se abstivessem de incluir em seus editais a vedação à participação de empresas que tivessem sido ape- nadas por outros órgãos somente com a suspensão do direito de licitar (art. 87, III, da Lei nº 8.666/93), exceto nos casos em que a suspensão tivesse sido imposta pelo próprio ente realizador da licitação.

Em julgados isolados, identificam-se divergências em decisões do TCU (Acórdão nº 2.218/2011 – 1ª Turma) que sugeririam uma revisão do entendimento outrora consolidado, suscitando o acatamento da posição interpretativa mais ampla, que se coaduna com as decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que o efeito da suspensão temporária para licitar e contratar deve ter alcance subjetivo amplo.

Contudo, não se pode afirmar que houve alteração substancial do entendimento anteriormente con- sagrado na Corte de Contas, uma vez que, ante a suscitada divergência, o Plenário voltou a examinar recen- temente o assunto, reafirmando então o seu posicionamento tradicional, sintetizado da seguinte maneira: “As sanções de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Ad- ministração, previstas no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, alcançam apenas o órgão ou a entidade que as aplicaram.” (Acórdão nº 3.439/2012-Plenário. Rel. Min. Valmir Campelo, 10/12/2012). Vide também:

“Em jurisprudência predominante, mais recentemente o TCU tem conferido abrangência limitada às suspensões temporárias de licitar, coerentemente com as definições insculpidas no próprio texto legal (Acórdãos 1.457/2014, 2.556/2013, 2.242/2013, 1.017/2013, 3.243/2012, todos do Plenário):

(…)

  • PEREIRA JÚNIOR, 2009, 860.
  • JUSTEN FILHO, 2005, 823.

 

Segundo os julgados relacionados, quando se aplica a punição baseada no art. 87, inciso III, da Lei de Licitações, a proibição de contratar adstringe-se à entidade sancionadora” (Acórdão nº 2.081/2014, Plenário, rel. Min. Augusto Sherman).

No outro extremo, encontra-se o posicionamento firmado reiteradamente pelo STJ, segundo o qual, em interpretação consentânea com o princípio da moralidade, ao entender que a Administração Pública é una, irrelevante se torna a distinção de vocábulos “Administração Pública” e “Administração”, de sorte que ambas as figuras sancionadoras – “suspensão temporária” e “declaração de inidoneidade” – acarretam ao fornecedor punido administrativamente a impossibilidade de participar de licitações e contratações futuras, pois “a limitação dos efeitos da ‘suspensão de participação de licitação’ não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Admi- nistração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública” (REsp nº 151.567/RJ, rel. Min. Francisco Peçanha, julgado em 25/02/2003). A posição foi reafirmada pelo STJ na ocasião do Recurso em Mandado de Segurança nº 32.628/SP (rel. Min. Mauro Campbell, julgado em 06/09/2011).

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO SOMENTE DA MATRIZ. REALIZAÇÃO DO CON- TRATO POR FILIAL. IMPOSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. SANÇÕES. PRO- PORCIONALIDADE. ADMINISTRAÇÃO X ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DISTINÇÃO. AUSÊNCIA.

(…)

  1. Por fim, não é demais destacar que neste Tribunal já se pontuou a ausência de distinção entre os termos Administração e Administração Pública, razão pela qual a sanção de impedimento de contratar estende-se a qualquer órgão ou entidade daquela. Precedentes.

(STJ. RMS nº 32.628/SP, rel. Min. Mauro Campbell, julgado em 06/09/2011)

A princípio, a Advocacia-Geral da União (AGU), após analisar a divergência tanto na doutrina quanto na jurisprudência, curvou-se ao entendimento do STJ, publicando o Parecer nº 87/2011/DECOR/CGU/ AGU, para externar o entendimento de que a penalidade de suspensão temporária ou impedimento de contratar “afasta o sancionado das licitações e contratações promovidas por toda a Administração Pública bra- sileira”. O Parecer nº 02/2013/GT/Portaria nº 11, de 27/02/2013, todavia, altera radicalmente o entendi- mento anteriormente consagrado e filia-se à posição restritiva do TCU, adotando-se a tese de que os efeitos impeditivos alcançam somente licitações ou contratos da entidade ou do órgão que cominou a sanção ao ente privado.

Nesse diapasão, o art. 40, inciso III e § 1º, da Instrução Normativa MPOG/SLTI nº 2/2010 acolhe o posicionamento da corrente restritiva ao estabelecer normas para funcionamento do Sistema de Cadastra- mento Unificado de Fornecedores – SICAF.

Art. 40. São sanções passíveis de registro no SICAF, além de outras que a lei possa prever: I – advertência por escrito, conforme o inciso I do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993;

  • – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato, conforme o inciso II do 87 da Lei nº 8.666, de 1993;
  • – suspensão temporária, conforme o inciso III do 87 da Lei nº 8.666, de 1993;
  • – declaração de inidoneidade, conforme o inciso IV do artigo 87 da Lei nº 666, de 1993; e
  • – impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, con- forme o 7º da Lei nº 10.520, de 2002.
  • 1º A aplicação da sanção prevista no inciso III deste artigo impossibilitará o fornecedor ou interes- sado de participar de licitações e formalizar contratos, no âmbito do órgão ou entidade responsável pela aplicação da sanção.

 

Vale destacar que o art. 7º da Lei nº 10.520/2002 e o art. 47 da Lei nº 12.462/2011 estabelecem o impedimento de licitar e contratar com “União, Estados, Distrito Federal ou Municípios”, desde que o ente privado cometa alguma das transgressões previstas nos dispositivos, o que se aplica aos pregões e aos certames sob o regime diferenciado de contratações públicas (RDC). A eficácia da penalidade é extensiva ao Poder Público na íntegra à semelhança da disciplina reservada à declaração de inidoneidade, porquanto abrange a Administração Pública, nos termos do art. 87, inciso IV, c/c art. 6º, inciso XI, da Lei nº 8.666/93.

Entretanto, em razão da conjunção “ou” presente na redação do art. 7º da Lei nº 10.520/2002 e do art. 47 da Lei nº 12.462/2011, instalou-se dissenso hermenêutico a respeito dos dispositivos. De um lado, defende-se que a norma subentende a alternatividade, o que cinge o efeito da sanção ao ente político que a infligir (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) perante os órgãos e as entidades da Adminis- tração respectiva. De outro, existe a tese de que a abrangência da pena é equivalente à da declaração de inidoneidade.

Novamente, a tese da corrente restritiva tem arrimo no art. 40, inciso V e § 3º, da IN MPOG/SLTI nº 2/2010.

Art. 40. São sanções passíveis de registro no SICAF, além de outras que a lei possa prever: (…)

V – impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, con- forme o Art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002.

(…)

  • 3º A aplicação da sanção prevista no inciso V deste artigo impossibilitará o fornecedor ou inte- ressado de participar de licitações e formalizar contratos no âmbito interno do ente federativo que aplicar a sanção:
  • – da União, caso a sanção seja aplicada por órgão ou entidade da União;
  • – do Estado ou do Distrito Federal, caso a sanção seja aplicada por órgão ou entidade do Estado ou do Distrito Federal; ou
  • – do Município, caso a sanção seja aplicada por órgão ou entidade do Município.

Cumpre registrar que o STJ destoa outra vez, à semelhança da suspensão temporária, para projeção mais ampla dos efeitos do impedimento, que alcançariam qualquer órgão ou entidade da Administração Pública no sentido abrangente em razão de seu caráter uno. Para o órgão jurisdicional, equiparam-se as suspensões temporárias do art. 7º da Lei nº 10.520/2002, art. 47 da Lei nº 12.462/2011 e art. 87, inciso III, da Lei nº 8.666/93, exceto quanto à duração da pena (cinco anos no pregão e RDC; dois anos no regime geral).

O art. 83, inciso III, da Lei nº 13.303/2016 adota, por sua vez, a textualidade da interpretação restritiva sobre o art. 87, inciso III, da Lei nº 8.666/93: “suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a entidade sancionadora, por prazo não superior a 2 (dois) anos”. Com a substituição do vocábulo “Administração” por “entidade sancionadora”, o legislador elege a vertente restri- tiva, coarctando os efeitos impeditivos apenas às licitações e contratações da empresa estatal que cominou a sanção ao ente privado.

 

  • Declaração de Inidoneidade

Trata-se da mais gravosa das penalidades administrativas previstas no Diploma de Licitações, que consiste em impedir o infrator de licitar e contratar com a Administração Pública, assim considerada em seu sentido mais amplo, ou seja, a Administração direta e indireta das três esferas de governo. Diferentemente da suspensão, a presente sanção produz seus efeitos enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade.

 

Percebe-se, portanto, que a extinção dos feitos da sanção de declaração de inidoneidade não se perfaz pelo simples decurso do tempo, de forma instantânea. Determina a Lei a produção de um ato admi- nistrativo formal, de cunho desconstitutivo, denominado reabilitação. Frise-se que a reabilitação do sujeito infrator somente será concedida após decorrido o prazo de dois anos e mediante ressarcimento à Adminis- tração dos prejuízos eventualmente causados.

A aplicação da sanção em epígrafe é de competência exclusiva de Ministro de Estado, no âmbito fe- deral, de Secretário de Estado ou Distrital, no âmbito de Estados e Distrito Federal, e Secretário Municipal, no âmbito dos Municípios. Vale ressaltar, mais uma vez, que a jurisprudência do STJ tem admitido a aplicação da sanção de inidoneidade, em nível federal, pela CGU, em relação a contrato pactuado por outra pasta.

ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO – INIDONEIDADE DECRETADA PELA CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO – ATO IMPUGNADO VIA MANDADO DE SEGURANÇA.

  1. Empresa que, em processo administrativo regular, teve decretada a sua inidoneidade para licitar e contratar com o Poder Público, com base em fatos
  2. Constitucionalidade da sanção aplicada com respaldo na Lei de Licitações, Lei 666/93 (arts. 87e 88). (grifou-se)
  3. Legalidade do ato administrativo sancionador que observou o devido processo legal, o contraditório e o princípio da
  4. Inidoneidade que, como sanção, só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em
  5. Segurança

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS nº 13.101/DF. Relatora: Ministra Eliana Calmon, julgado em 14/5/2008)

 

 

  • PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO – PAR

 

Com o advento da Lei nº 12.846/13, denominada por “Lei da Empresa Limpa” ou “Lei Anticor- rupção”, inaugura-se no ordenamento brasileiro novo marco legal de responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira. Com escopo de responsabilização bastante amplo, as disposições da legislação em tela aplicam-se às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário ado- tado, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras que tenham sede, filial, ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

No que concerne especificamente à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, con- siderando que a Lei nº 12.846/13 não a previu expressamente dentre as pessoas jurídicas sob sua égide normativa, havia dúvidas quanto à possibilidade de que tal pessoa jurídica pudesse ser responsabilizada com base no referido diploma.

Com vistas à definitiva resolução do questionamento em tela, a Comissão de Coordenação de Cor- reição aprovou em 11 de setembro de 2017 o Enunciado nº 17, nos seguintes termos: “A empresa indi- vidual de responsabilidade limitada (EIRELI) está sujeita à responsabilização administrativa prevista na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013” (DOU em 12/09/17).

Até o advento desse diploma legal, existia verdadeiro vácuo no ordenamento brasileiro com relação à responsabilização de empresas pela prática de atos corruptores, uma vez que o crime de corrupção, tanto na modalidade ativa como na passiva, atingia tão somente a conduta de pessoas naturais (pessoas físicas). Tal lacuna explicava-se, dentre outros fatores, pela resistência de parcela substancial da doutrina penalista à

 

possibilidade de imputar responsabilidade criminal a pessoas jurídicas, fundamentada, sobretudo, no dogma da culpabilidade e da indispensabilidade do elemento subjetivo.

Por outro lado, restava na seara administrativa apenas a possibilidade de utilizar a Lei nº 8.666/93 para sancionar atos relativos à corrupção praticados por empresas, desde que diretamente relacionados ao processo licitatório ou à execução contratual, os quais poderiam redundar em declaração de inidoneidade. Outros atos de corrupção, como, por exemplo, o pagamento de propina a um servidor público fora do contexto de uma licitação ou de um contrato administrativo, não eram passíveis de gerar a responsabilização administrativa de uma pessoa jurídica, dependendo assim da intervenção judicial para sua punição, o que muitas vezes ocorria tardiamente e não atendia aos anseios sociais por uma relação mais transparente entre o setor público e o setor privado.

Ao elencar o rol de atos lesivos à Administração Pública, foram contemplados tanto ilícitos diretamente relacionados ao desenvolvimento de licitações e contratos administrativos, quanto ilícitos relacionados à prá- tica de atos de corrupção em sentido amplo, para além, portanto, do estrito âmbito das licitações públicas e contratos administrativos. Buscou-se um enfrentamento mais global à problemática da corrupção, dando-se maior ênfase à responsabilização não-criminal (administrativa e civil) da pessoa jurídica corruptora.

Na esfera administrativa, restou consignado que a responsabilização da pessoa jurídica infratora seria verificada no bojo de um processo administrativo de cunho sancionador, denominado de “Processo Admi- nistrativo de Responsabilização – PAR”. Por meio do Capítulo IV da Lei nº 12.846/13, foram estabelecidas regras específicas que conformam todo o desenvolvimento do rito processual, desde a instauração do processo, com a definição da autoridade instauradora, passando pela fase de instrução, com a designação da comissão processante e exercício do direito de defesa, chegando à fase de deslinde do feito, julgamento, estabelecendo-se nuances do ato de julgamento a ser proferido pela autoridade julgadora, cuja regra de competência encontra-se expressamente prevista.

Dentre as penalidades administrativas passíveis de aplicação por meio do PAR estão a) a pena de multa no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e b) a publicação extraordinária da decisão condenatória. Ambas poderão ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações.

Como já referido, no âmbito da CGU, com a finalidade de dar melhor cumprimento ao que deter- mina a Lei nº 12.846/2013, foi instituída na estrutura orgânica da Corregedoria-Geral da União a Diretoria de Responsabilização de Entes Privados – DIREP, área específica para atuar na responsabilização administra- tiva de pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção, inclusive em relação àqueles não estritamente vinculados a licitações e contratos administrativos, por meio da atuação de uma equipe especializada no assunto e com dedicação exclusiva ao tratamento da matéria.

Neste tema comporta mencionar, ainda, o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), que consolida a relação das empresas que sofreram qualquer das punições previstas na Lei nº 12.846/13, as quais, como já referido, podem envolver desde a publicação de decisão extraordinária e a aplicação de multas, na esfera administrativa, até a perda de bens, a suspensão de atividades e a dissolução compulsória, na esfera civil, além da proibição de receber incentivos, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos e entidades públicas.

Ao dar transparência a todas as punições aplicadas, o CNEP funciona como um importante instru- mento de controle pela sociedade quanto ao cumprimento da Lei. No CNEP também são registrados os acordos de leniência firmados pelas empresas com o poder público, inclusive aqueles que eventualmente sejam descumpridos.

No tema responsabilização de entes privados, compensa mencionar, por fim, que a IN CGU nº 14/2018 previu, como procedimento investigativo, a Investigação Preliminar (IP) e, como punitivo, o PAR

 

aqui referido. Os arts. 15 a 18 e 49 e 50 reúnem as principais normas sobre IP e PAR, apontando, ainda, os demais normativos que deverão ser examinados para a adequada condução dos processos.

 

  • TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC)

 

A instauração da seara administrativa punitiva não deve ser banalizada no âmbito da Administração Pública, requerendo, conforme estudado no tópico sobre juízo de admissibilidade, escorreito exame de prudência e moderação. No âmbito dos procedimentos administrativos, a instância disciplinar deve ser idea- lizada, em analogia aos institutos da Ciência Criminal, como a ultima ratio do Direito Administrativo. Ou seja, apenas quando outros instrumentos não forem mais suficientes à recondução da normalidade administrativa é que deve a instância correcional ser acionada, afinal, o direito punitivo da Administração sempre deve ser visto como área de aplicação residual, excepcional e sem excessos.

Sabe-se que a instauração dos instrumentos punitivos traz consigo onerosos custos a serem su- portados pela Administração e seus agentes. Tais custos descortinam reflexos tanto materiais, como, por exemplo, gastos financeiros, resultados negativos na produtividade da atividade-fim do órgão ou entidade, entre outros, quanto imateriais, como o desconforto causado no âmbito da repartição, repercussões na imagem e segurança jurídica da instituição, etc. Reforça-se, portanto, que a custosa e reservada sede disci- plinar somente deve ser inaugurada quando os demais instrumentos gerenciais não punitivos não surtirem o efeito restabelecedor da ordem interna ou inibidor da desordem administrativa.

Atenta à realidade supramencionada e em observância aos princípios da eficiência e do interesse público por meio da racionalização dos procedimentos administrativos, bem como em consideração à necessidade de desburocratização da Administração Pública por meio da simplificação de procedimentos, eliminação de controles cujo custo de implementação seja manifestamente desproporcional em relação aos benefícios porventura auferidos, e observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos admi- nistrados, a CGU, na qualidade de órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, em conformidade com suas competências constitucionais, legais e regimentais, instituiu, por meio da Instrução Normativa CGU n° 4, de 21 de fevereiro de 2020, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), procedi- mento destinado à resolução consensual de conflitos disciplinares de reduzida lesividade.

O TAC se apresenta assim como um desdobramento de princípios de estatura constitucional com cunho normativo, bem como do mandamento legal contido no artigo 14 do Decreto-Lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967, que impôs que o trabalho administrativo fosse racionalizado mediante a simplificação de processos e supressão de controles cujos custos sejam evidentemente superiores aos riscos enfrentados.

Nesse sentido, foi estabelecida uma apuração simplificada para os casos de infração disciplinar de menor potencial ofensivo, a cargo da autoridade competente para a instauração do respectivo processo disciplinar. Os contornos essenciais do instituto são abordados nos primeiros dispositivos da norma, trans- critos a seguir.

Instrução Normativa CGU nº 4, de 21 de fevereiro de 2020 (publicada no Diário Oficial da União de 26 de fevereiro de 2020, Seção 1, p. 155)

O CORREGEDOR-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 13, incisos I, e V do Anexo I do Decreto nº 9.681, de 3 de janeiro de 2019, o art. 4º, incisos I e II, do Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005 e o art. 45, incisos I e XI, do Anexo I, da Portaria nº 3553, de 13 de novembro de 2019, e tendo em vista o disposto no art. 14 do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, e no art. 2º, caput, e parágrafo único, incisos VI, VIII e IX, da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, resolve:

Art. 1º Os órgãos do Poder Executivo Federal, pertencentes à Administração Pública direta, as au- tarquias, as fundações, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, compreendidas na Administração Pública indireta, ainda que se trate de empresa estatal que explore atividade eco- nômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, poderão celebrar, nos

 

casos de infração disciplinar de menor potencial ofensivo, Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, desde que atendidos os requisitos previstos nesta instrução normativa.

  • 1º O TAC consiste em procedimento administrativo voltado à resolução consensual de conflitos.
  • 2º Considera-se infração disciplinar de menor potencial ofensivo a conduta punível com advertência ou suspensão de até 30 dias, nos termos do artigo 129 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ou com penalidade similar, prevista em lei ou regulamento interno.
  • 3º No caso de servidor público não ocupante de cargo efetivo e de empregado público o TAC so- mente poderá ser celebrado nas infrações puníveis com a penalidade de advertência.

Art. 2º O TAC somente será celebrado quando o investigado:

  • – não tenha registro vigente de penalidade disciplinar em seus assentamentos funcionais;
  • – não tenha firmado TAC nos últimos dois anos, contados desde a publicação do instrumento; e
  • – tenha ressarcido, ou se comprometido a ressarcir, eventual dano causado à Administração Pública.

Parágrafo único. O eventual ressarcimento ou compromisso de ressarcimento de dano causado à Administração Pública deve ser comunicado à área de gestão de pessoas do órgão ou entidade para aplicação, se for o caso, do disposto no artigo 46 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Art. 3º Por meio do TAC o agente público interessado se compromete a ajustar sua conduta e a ob- servar os deveres e proibições previstos na legislação vigente.

Art. 4º A celebração do TAC será realizada pela autoridade competente para instauração do respec- tivo procedimento disciplinar. (…)

Por meio do TAC, as autoridades competentes encarregadas da instauração de processos discipli- nares nos órgãos e entidades tomarão dos responsáveis por infrações disciplinares de menor potencial ofensivo o compromisso de que adequarão sua conduta aos deveres e proibições previstos na legislação, reparando o eventual dano caudado e, por conseguinte, restabelecendo-se a normalidade da atividade administrativa, necessária ao aperfeiçoamento progressivo do serviço público sob pena de instauração ou continuidade do respectivo procedimento disciplinar, sem prejuízo da apuração relativa à inobservância das obrigações previstas no Termo de Ajustamento de Conduta celebrado (art. 6º, § 4º).

A observância dos requisitos e das restrições constantes da IN nº. 4/2020 é fundamental para a vali- dade da celebração do acordo, uma vez que o TAC firmado sem os requisitos do referido normativo é nulo, de acordo com o art. 10 da norma. Portanto, o instrumento deve ser utilizado com estrita observância às regras para sua aplicação, ficando a autoridade que conceder irregularmente o benefício sujeita a ser res- ponsabilizada na forma do Capítulo IV, do Título IV, da Lei n° 8.112, de 1990. Desta forma, protege-se o interesse público contra eventual má utilização do TAC.

(…)

Art. 10. É nulo o TAC firmado sem os requisitos do presente normativo.

Parágrafo Único. A autoridade que conceder irregularmente o benefício desta instrução normativa poderá ser responsabilizada na forma do Capítulo IV, do Título IV, da Lei n° 8.112, de 1990. (…)

Um requisito essencial a ser observado para a celebração do TAC é quanto ao tipo de irregulari- dade cometida pelo infrator. O Termo de Ajustamento de Conduta só poderá ser celebrado em casos de infração disciplinar de menor potencial ofensivo, ou seja, quando a conduta do infrator for passível de punição com advertência ou suspensão de até 30 dias, nos termos do art. 129 da Lei nº 8.112/9055

. No caso de servidor público não ocupante de cargo efetivo e de empregado público o TAC somente po-

 

  • 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.

 

derá ser celebrado nas infrações puníveis com a penalidade de advertência. Portanto, quando o caso sugerir majoração dessas penalidades, , esse instrumento não poderá ser utilizado.

Outros requisitos constam do art. 2º da referida IN nº 4/2020, segundo os quais o TAC somente será celebrado quando o investigado não tenha registro vigente de penalidade disciplinar em seus assenta- mentos funcionais; não tenha firmado TAC nos últimos dois anos; e tenha ressarcido, ou se comprometido a ressarcir, eventual dano causado à Administração Pública. O eventual ressarcimento ou compromisso de ressarcimento de dano causado à Administração Pública deve ser comunicado à área de gestão de pessoas do órgão ou entidade para aplicação, se for o caso, do disposto no artigo 46 da Lei nº 8.112/90.

(…) Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

  • 1o O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remu- neração, provento ou pensão. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
  • 2o Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
  • 3o Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001) (…)

A proposta para celebração de TAC poderá ser feita de ofício pela autoridade competente para a instauração do processo disciplinar ou ser sugerida pela comissão responsável pela sua condução ou ainda, constar de pedido do agente público interessado (art. 5º).

(…) Art. 5º A proposta de TAC poderá:

  • – ser oferecida de ofício pela autoridade competente para instauração do respectivo procedimento disciplinar;
  • – ser sugerida pela comissão responsável pela condução do procedimento disciplinar; III – ser apresentada pelo agente público
  • 1º Em procedimentos disciplinares em curso, o pedido de TAC poderá ser feito pelo interessado à autoridade instauradora em até 10 dias após o recebimento da notificação de sua condição de acusado.
  • 2º O pedido de celebração de TAC apresentado por comissão responsável pela condução de proce- dimento disciplinar ou pelo interessado poderá ser, motivadamente, indeferido.
  • 3º O prazo estabelecido no parágrafo 1º deste artigo, se aplica às hipóteses de oferecimento de ofício do TAC pela autoridade competente para instauração do respectivo procedimento disciplinar, que fixará no mesmo ato o prazo para a manifestação do investigado. (…)

Acerca do momento de instauração do TAC, há duas possibilidades: pode ser efetivada antes da instauração de um procedimento disciplinar; ou quando o procedimento disciplinar já estiver em curso, observados os prazos acima.

Conforme já trabalhado nos itens 5.2. e 5.4., havendo notícia de cometimento de irregularidades por parte de agente público, a autoridade competente deverá determinar a sua averiguação; porém, não se precipitando em instaurar, desde logo, a sindicância ou o processo administrativo disciplinar, previstos na Lei nº 8.112/90.

 

A medida a ser adotada, no caso, é o competente juízo de admissibilidade, que servirá para deter- minar se há indícios suficientes de autoria e materialidade, e, ainda, analisar a gravidade do fato a partir de suas circunstâncias.

Restando claro no juízo de admissibilidade que o caso se caracteriza como de menor potencial ofen- sivo, pode a autoridade competente, de ofício, decidir pela instauração de TAC.

Caberá à autoridade, então, oferecer ao investigado a proposta de celebração de TAC, fixando o prazo de 10 dias para a manifestação (art. 5º, § 3º). Caso o investigado não se manifeste no prazo ou não aceite por qualquer motivo celebrar o TAC, a autoridade competente instaurará de imediato o processo administrativo disciplinar. Por outro lado, recebida a resposta afirmativa do investigado, celebrar-se-á o Termo de Ajustamento de Conduta a ser assinado por ambos, contendo, de acordo com o art. 6º, a qua- lificação do agente público envolvido; os fundamentos de fato e de direito para sua celebração; a descrição das obrigações assumidas; o prazo e o modo para o cumprimento das obrigações; e a forma de fiscalização das obrigações assumidas.

Em seguida, extrato do TAC será publicado em boletim interno ou no Diário Oficial da União e re- gistrado nos assentamentos funcionais e no sistema CGU-PAD. Cópia do TAC será encaminhada à chefia imediata para acompanhamento de seu efetivo cumprimento, bem como, ao final do prazo acordado, para a comunicação à autoridade celebrante acerca do cumprimento do acordo ou, a qualquer momento, no caso de descumprimento do acordo.

O pedido de adoção do TAC poderá ser realizado pelo próprio acusado à autoridade instauradora, no prazo de até 10 (dez) dias contado do recebimento da notificação de sua condição de acusado no processo administrativo disciplinar. Após os 10 dias, há perda de tal faculdade (preclusão administrativa temporal).

Contudo, sobrevindo ao PAD pedido do acusado baseado em informação ou prova consistente pro- duzida, que descaracterize a suposta infração de maior lesividade para de menor potencial ofensivo, poderá a comissão deliberar no sentido de sugerir a adoção do TAC à autoridade instauradora. Isso porque, além do interessado, a adoção do TAC pode também ser sugerida pela comissão apuratória, com base em novas informações ou provas colhidas durante a instrução do processo disciplinar (e não com fundamento na mera discordância quanto ao juízo de admissibilidade realizado com base na averiguação antecedente), situação na qual dará continuidade à apuração até ciência da concessão do benefício. Ciente do benefício concedido, a comissão deliberará o encerramento dos trabalhos em virtude da celebração do TAC publicado no bo- letim interno ou Diário Oficial, e a consequente devolução dos autos à autoridade instauradora.

Em ambas as situações, a concessão do benefício poderá ser motivadamente indeferida pela autori- dade competente.

O TAC deve ser protocolizado na forma de um processo administrativo lato sensu, não se exigindo formalismo de publicar ato referente à sua abertura. O extrato do acordo será publicado em boletim interno ou Diário Oficial da União, contendo, ao menos, o número do processo, o nome do servidor celebrante e a descrição genérica do fato (art. 7º).

As obrigações estabelecidas pela administração devem ser proporcionais e adequadas à conduta prati- cada, visando mitigar a ocorrência de nova infração e compensar eventual dano, e compreender, conforme o caso: reparação do dano causado; retratação do interessado; participação em cursos visando à correta compreensão dos seus deveres e proibições ou à melhoria da qualidade do serviço desempenhado; acordo relativo ao cumprimento de horário de trabalho e compensação de horas não trabalhadas; cumprimento de metas de desempenho; e sujeição a controles específicos relativos à conduta irregular praticada.

O TAC terá acesso restrito até o seu efetivo cumprimento ou até a conclusão do processo disciplinar decorrente de seu descumprimento (Art. 7, §3º)

 

Declarado o cumprimento das condições do TAC pela chefia imediata do agente público à autoridade celebrante, encerra-se a possibilidade de ser instaurado procedimento disciplinar pelos mesmos fatos objeto do ajuste (art. 8º).

Já no caso de descumprimento do TAC, a autoridade competente adotará imediatamente as provi- dências necessárias à instauração ou continuidade do respectivo procedimento disciplinar, sem prejuízo da apuração relativa à inobservância das obrigações previstas no ajustamento de conduta (art. 8º,§ 2º).

Destaque-se, também, que o art. 9º da IN nº 4/2020, determina que assim que celebrado o TAC, o mesmo deverá ser registrado no CGU-PAD, competindo aos órgãos e entidades manter registro atualizado sobre o cumprimento das condições estabelecidas no TAC.

Um tema que merece atenção especial é o prazo estabelecido pela IN nº 4/2020 para o cumpri- mento do TAC. Delimitou-se um período de até 2 (dois) anos.

Finalmente, é importante assentar que a celebração do TAC Suspende, a partir de sua publicação, o curso do prazo da prescrição até a cessação de condição suspensiva, qual seja, o recebimento pela au- toridade celebrante da declaração de cumprimento das condições do TAC a cargo da chefia imediata, nos termos do artigo 199, inciso I, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Institui o Código Civil (…)

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição: I – pendendo condição suspensiva;

  • – não estando vencido o prazo;
  • – pendendo ação de evicção. (…)

 

  1. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – RITO ORDINÁRIO

 

  • FASES: INSTAURAÇÃO, INQUÉRITO (INSTRUÇÃO, DEFESA E RELATÓRIO) E JULGAMENTO

 

O rito ordinário do processo administrativo disciplinar – que é o procedimento, o ritmo de condução dos trabalhos – está previsto nos arts. 148 a 166 da Lei nº 8.112/90, os quais estabelecem as fases de instauração, inquérito e julgamento, sendo que, dentro da fase de inquérito encontram-se as subfases de instrução, defesa e relatório.

De forma a melhor visualizar as fases e subfases citadas acima, transcreve-se o dispositivo que as estabelece:

Art. 151. O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:

  • – instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;
  • – inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; III –

Em tempo, esclareça-se que o tema será abordado neste momento à maneira de breve introdução, em vista do devido aprofundamento que a matéria receberá em tópico específico do manual.

Dito isso, passa-se à conceituação da primeira fase em tela – a instauração. A instauração do PAD no rito ordinário é um ato exclusivo daquela autoridade com competência regimental ou legal para tanto, e se realiza mediante a publicação de Portaria que designa a comissão disciplinar que atuará no apuratório.

A mencionada Portaria deve conter os dados funcionais dos membros da comissão (três servidores efetivos estáveis), a indicação de qual deles exercerá a função de presidente e o processo que será objeto de análise.

A publicação em comento, que oficialmente inicia o processo administrativo disciplinar e interrompe a contagem do prazo prescricional de que trata o § 3º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, deve ser realizada em boletim interno do próprio Órgão ou Entidade (Boletim de Serviço ou no Boletim de Pessoal), já que a Lei nº 8.112/90 não exige a publicação deste ato no Diário Oficial da União.

A publicação da portaria no Diário Oficial da União é recomendada nas hipóteses de se ter o apura- tório transcorrendo fora do órgão instaurador ou envolvendo servidores de diferentes órgãos ou Ministé- rios, quando a portaria será ministerial ou interministerial, a depender do caso. Nesse sentido, destacam-se as previsões contidas na Portaria nº 283, de 2 de outubro de 2018, que dispõe sobre normas para publi- cação e pagamento de atos no Diário Oficial da União.

PORTARIA Nº 283, DE 2 DE OUTUBRO DE 2018 (…)

Atos da Seção 2

Art. 4º São publicados na Seção 2 do Diário Oficial da União os atos relativos a pessoal da União, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das socie- dades de economia mista, cuja publicação decorra de disposição legal.

(…)

 

Vedação

Art. 8º É vedada a publicação no Diário Oficial da União de:

  • – atos de caráter interno ou que não sejam de interesse geral;
  • – atos concernentes à vida funcional dos servidores dos Poderes da União, que não se enquadrem nos termos do 4º desta portaria, incluindo-se:
  1. designação de grupos de trabalho, salvo se interpoderes, interministerial, entre ministérios e órgãos vinculados, entre ministérios e suas extensões regionais, ou se composto por membros sem vínculo com a Administração Pública;
  2. designação de comissões de constituição ou atuação interna;

Saliente-se que as páginas de internet de órgãos e entidades não reúnem as características de certeza, precisão e autenticidade suficientes para se enquadrar como fonte documental, por isso não podem substi- tuir a publicação do ato instaurador.56 A fase do inquérito, por sua vez, é aquela em que o trio processante designado irá apurar os fatos utilizando-se de todos os meios de prova admitidos pelo direito, ou seja, é nesse momento que a comissão, obedecendo aos princípios do contraditório e da ampla defesa, produzirá ou colherá todos os elementos que lhe permitam formar e exprimir a convicção definitiva acerca da mate- rialidade e autoria dos fatos irregulares ou mesmo da sua inexistência.

Ainda na fase do inquérito, convém fazer expressa referência às três subfases que a constituem: instrução, defesa e relatório. Essas subfases correspondem, respectivamente e em apertada síntese, à pro- dução de provas, apresentação de defesa escrita pelo servidor indiciado pela comissão como possível autor de condutas irregulares e manifestação da decisão final do colegiado disciplinar.

A subfase de instrução é aquela em que, sob o manto do contraditório e da ampla defesa, são produ- zidas pela comissão disciplinar as provas necessárias ao esclarecimento dos fatos (por meio de investigação, diligência, análise documental, perícia, aquisição de prova emprestada, oitiva de testemunhas, acareação e interrogatório de acusados). Dessa forma, a partir de uma Notificação Prévia, o servidor cuja conduta esteja sob exame é convidado, desde o início, a participar do andamento dos trabalhos apuratórios desenvolvidos pela comissão disciplinar, passando a ser denominado de acusado.

Ao final da subfase de instrução, e caso se conclua pela culpa do servidor acusado, será elaborado o termo de indiciação, documento mediante o qual serão elencados os fatos irregulares imputados a de- terminado servidor e as provas de que se utilizou para chegar a tal conclusão. Esse termo de indiciação é oficialmente encaminhado ao acusado através de outro documento chamado mandado de citação.

Uma vez recebido o mandado de citação, inicia-se a subfase de defesa, na qual o servidor indiciado tem o prazo legal de dez dias para apresentar sua Defesa Escrita, nos termos do § 1º do art. 161 da Lei nº 8.112/90. Na hipótese de haver dois ou mais indiciados, esse prazo será comum e de 20 (vinte) dias. Nessa peça, o indiciado apresentará sua versão, sua defesa em relação aos fatos que lhe foram imputados no termo de indiciação. Lembrando que esse prazo poderá ser prorrogado pelo dobro, no caso de diligências julgadas indispensáveis (§ 3º do mesmo art. 161).

A mencionada defesa, após devidamente apreciada, será objeto de um Relatório Final, mediante o qual a comissão irá se pronunciar pela última vez no feito, apresentando sua convicção pela eventual trans- gressão legal ou regulamentar que entenda ter ocorrido ou pela inocência do servidor indiciado.

Tal documento – que deve ser sempre conclusivo pela culpa ou inocência do servidor indiciado ou pela inocência do servidor que não tenha sido indiciado – é enviado à autoridade instauradora dos trabalhos disciplinares, dando início à fase do julgamento. Sendo a autoridade instauradora competente para infligir a penalidade porventura aplicável e havendo ainda prazo legal para tanto, deverá fazê-lo, a não ser que a proposta do relatório esteja contrária às provas presentes nos autos.

  • Conforme Parecer nº 17/2019/CONJUR-CGU/CGU/AGU (Processo SEI nº 105057/2018-41).

 

No caso de a autoridade instauradora não ser competente para a aplicação da pena, deverá providen- ciar o encaminhamento para quem o seja. Registre-se também que, dentre outros, nos casos das penas de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade, a autoridade julgadora deverá, antes de aplicá-las, ouvir seu órgão de assessoramento jurídico, por força do inciso I do art. 1º do Decreto nº 3.035, de 27 de abril de 1999.

 

  • PRAZOS: CONTAGEM E PRORROGAÇÃO

 

A Lei nº 8.112/90 estabeleceu, em seu art. 152, o prazo para a conclusão dos trabalhos da comissão de processo administrativo disciplinar, além de prever, nesse mesmo dispositivo, a possibilidade de prorro- gação de tais trabalhos pelo mesmo prazo inicialmente concedido. Segue a norma citada:

Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, con- tados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.

O prazo foi delineado de forma geral para todos os processos administrativos disciplinares instau- rados, o que não implica dizer que, independente da dificuldade do caso sob apuração, esse prazo deva ser considerado como absoluto. Trata-se de um balizador dos trabalhos da comissão disciplinar que venha a atuar em uma apuração mais complexa e, nos casos mais simples, há de ser tomado como um período razoável para a real e definitiva solução do feito.

Todavia, isso não pode servir de escudo para a indefinida postergação dos trabalhos apuratórios nos casos mais complexos, sob pena de se descumprir ordenamento constitucional que estabelece como di- reito de todos, tanto no âmbito judicial quanto no administrativo, a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII), além de poder configurar crime a procrastinação do encerramento do processo (art. 31 da Lei nº 13.869/2019). E, ainda, até mesmo em função da existência do instituto da prescrição que, com a sua incidência, pode retirar da Administração Pública o direito de infligir qualquer punição a um eventual servidor autor de infração disciplinar.

 

  • Contagem

Por contagem se entende a maneira como o intervalo de tempo conceituado no item anterior será efetivamente aplicado no calendário civil, ou seja: em que dia começa a ser contado o prazo concedido na portaria instauradora do processo administrativo disciplinar; se esse prazo, após o início de seu transcurso, é contado somente em dias úteis ou corridos; e qual a data de seu término.

A forma de contagem do prazo em tela explica-se pelo disposto tanto na Lei nº 8.112/90, quanto na Lei nº 9.784/99, conforme se lê:

Lei nº 8.112/90:

Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, con- tados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.

Art. 238. Os prazos previstos nesta Lei serão contados em dias corridos, excluindo-se o dia do co- meço e incluindo-se o do vencimento, ficando prorrogado, para o primeiro dia útil seguinte, o prazo vencido em dia em que não haja expediente.

Lei nº 9.784/99:

Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da con- tagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento.

 

  • 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal.
  • 2º Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo.

A primeira conclusão da análise dos dispositivos acima é que, após iniciado o transcurso do prazo, não importa se se trata de dia útil ou não; todos entrarão no cômputo porque o prazo é contado em dias “corridos” ou de “modo contínuo”.

No concerne à questão do início e do término do prazo, a forma de contagem dá-se a partir da seguinte interpretação: a) o art. 152 da Lei nº 8.112/90 estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias e que o início da contagem desses dias se dá a partir da publicação do ato que constitui a comissão de processo administrativo disciplinar; b) por sua vez, o art. 238 da mesma norma, acompanhado pelo art. 66 da Lei nº 9.784/99 (e até pelo art. 224, caput, do CPC), excluem da contagem o dia do começo, logo se exclui o dia da publicação do ato para a contagem do prazo de 60 dias estabelecido pelo art. 152; c) ainda por força do art. 238, Lei nº 8.112/90, art. 66, § 1º da Lei nº 9.784/99 e art. 224, §1º, do CPC, será incluído na contagem o dia do vencimento (60º dia), sendo automaticamente prorrogado para o próximo dia útil, caso tenha caído em dia que não o seja.

Harmonizando as normas, e de maneira a exemplificar o sobredito, imagine-se uma comissão de processo administrativo disciplinar cuja portaria instauradora tenha sido publicada em uma sexta-feira (9 de outubro). A contagem do prazo de 60 dias para o término dos trabalhos da dita comissão será iniciada no sábado seguinte à publicação da portaria em estudo (10 de outubro).

Ainda a título de exemplo, e agora com vistas à análise da data final de um prazo de 60 dias, imagi- ne-se que o 60º dia desse prazo seja um sábado (11 de dezembro). Logo, o término efetivo do prazo da comissão será segunda-feira (13 de dezembro) – perceba-se que o término do prazo seria no próprio dia 11 de dezembro se ele fosse um dia útil.

É importante ressaltar que a forma de contagem dos prazos está expressa na Lei nº 8.112/90 e na Lei nº 9.784/99, que é a primeira fonte que se busca para possível aplicação subsidiária, quando necessária. Por esta razão não se aplica, no processo disciplinar, a previsão do art. 224, § 1º do CPC, no sentido de postergar o início da contagem de prazo até o próximo dia útil.

A matéria, contudo, comportará interpretação diversa quando se tratar de prazos estabelecidos em face de acusados/indiciados, tais como aqueles impostos pela comissão para apresentação de manifestação, defesa, ou para comparecimento na produção de prova, os quais não deverão começar a ser contados em dias não úteis (art. 224, CPC), a fim de possibilitar ao máximo o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Frise-se, trata-se de uma exceção, uma interpretação em favor do pleno exercício de ampla defesa, que vai ao encontro de orientação normalmente fornecida pela CGU no sentido de que, no curso da apu- ração, as manifestações da defesa não deverão ser rejeitadas unicamente por conta de eventual intempes- tividade (observados, sempre, no caso concreto, os limites necessários a não inviabilizar o próprio deslinde eficaz dos trabalhos).

 

  • Prorrogação

Como já tratado no início deste tópico, o art. 152 da Lei nº 8.112/90 prevê a possibilidade de pror- rogação dos trabalhos da comissão disciplinar pelo mesmo período concedido inicialmente, qual seja, até 60 dias.

Assim, é de se observar que a autoridade competente não é obrigada a conceder o prazo de 60 dias para que a comissão disciplinar leve a cabo os seus trabalhos apuratórios, mas, caso não o faça, determi- nando, por exemplo, o período inicial de 45 dias para tal mister, estará obrigada a estabelecer os mesmos 45 dias para a efetiva conclusão dos referidos trabalhos se por acaso surgir a necessidade de sua prorrogação.

 

Isso posto, sugere-se que a autoridade sempre estabeleça o prazo inicial máximo permitido pela lei, ou seja, 60 dias, uma vez que poderá conceder eventual prorrogação dos trabalhos pelo mesmo período e, caso a comissão conclua sua tarefa antes do término desse prazo, não há nenhum impedimento a que entregue de imediato o respectivo Relatório Final para o competente julgamento.

Para que seja realizada a prorrogação do prazo, a comissão disciplinar deverá formular o respectivo pedido à autoridade competente com antecedência e de forma a esclarecer as justificativas dessa prorro- gação (podem ser citados, por exemplo, os trabalhos já realizados e aqueles ainda por realizar).

Registre-se, ainda, que não é aconselhável haver lapso de tempo entre o término do prazo inicial- mente estabelecido e a publicação do ato de prorrogação no boletim interno (Boletim de Serviço ou no Boletim de Pessoal), e muito menos deve a comissão realizar qualquer ato nesse eventual e inconveniente intervalo de dias, sob pena de ser tal ato questionado e até mesmo anulado. Para evitar problemas dessa natureza, é de boa praxe que a autoridade competente publique o ato de prorrogação no dia do término do prazo inicial.

Um último ponto digno de nota é a possibilidade de eventualmente não figurar no ato constituidor da comissão disciplinar o prazo concedido para a conclusão dos seus trabalhos. Nessa situação, considera-se o prazo máximo de 60 dias concedido pelo ordenamento legal.

 

  • Continuidade da Apuração

Questão de relevo é a atinente ao término do prazo para a conclusão dos trabalhos a cargo da co- missão de processo administrativo disciplinar, ou seja, vencido, nos termos do art. 152 da Lei nº 8.112/90, o prazo inicial de 60 dias somado ao de prorrogação por mais 60 dias, qual a solução a ser adotada?

A resposta a essa indagação não é encontrada diretamente na leitura da lei, mas é extraída da sua interpretação sistemática e teleológica, bem como dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que já se encontram consolidados sobre o tema.

De início, o que se deve ter como certo é que o esgotamento do prazo legal conferido ao trio pro- cessante sem que esse tenha concluído o seu munus público com a apresentação do relatório final, não significa o perdimento do poder disciplinar apuratório e punitivo da Administração.

Com efeito, turbada a regularidade do serviço público com a eventual prática de irregularidade ad- ministrativo-disciplinar por servidor público, e sendo esse fato conhecido pela Administração, tem-se por imposto, à luz do estabelecido pelo art. 143 da Lei nº 8.112/90, o dever de apuração.

O exercício desse dever, consoante já exposto no tópico respectivo, pode dar-se, inicialmente, com a realização do juízo de admissibilidade e a deflagração de algum dos procedimentos investigativos. Ou ainda, pode ocorrer com a instauração direta de alguma das medidas disciplinares contraditórias, conceito no qual se insere o processo administrativo disciplinar, quando já verificados indícios suficientes de autoria e materialidade.

Nessa esteira, conhecido pela Administração o suposto fato irregular, emerge o dever de apuração e, a partir desse momento, inicia-se a contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva da Administração.

Nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, e considerando o disposto no Enunciado CGU nº 1, a instauração do processo administrativo disciplinar interrompe a marcha do fluxo prescricional, o qual voltará a correr, desde o seu início, a partir do término do prazo legal estabelecido para a apuração,

o qual, consoante anteriormente abordado, perfaz 140 dias, haja vista que se refere à soma dos 60 dias iniciais, acrescido dos 60 dias de prorrogação e dos 20 dias conferidos para o julgamento – tal assunto será novamente discutido em 15.3.

 

Vê-se, assim, que a única repercussão prevista na Lei nº 8.112/90 para a inconclusividade da apu- ração no prazo ordinariamente estabelecido é a retomada da contagem do prazo previsto inicialmente para a prescrição da pretensão punitiva da Administração, o qual, consoante os incisos I a III do art. 142 da Lei nº 8.112/90 poderá ser 180 dias, se a penalidade cabível for de advertência, 2 anos, se a pena for de suspensão, ou 5 anos, quando a penalidade for de demissão, destituição do cargo em comissão e cassação de aposentadoria.

Conclui-se, portanto, que após vencido o prazo legalmente estabelecido para os trabalhos da co- missão, não se dá a extinção do poder disciplinar da Administração, de modo que, passado esse prazo, ne- cessária se faz a concessão de novos e subsequentes prazos para a elucidação dos fatos sob apuração, com espeque na busca da verdade material, e à luz de princípios como os da eficiência, moralidade e duração razoável do processo.

Nesse sentido, poderá a autoridade competente, sempre ponderando no caso concreto a utilidade e necessidade da continuidade do procedimento, e com esteio nos princípios mencionados, conferir novo prazo de trabalho à comissão disciplinar

Acrescente-se que a possibilidade de concessão de novos prazos de trabalho para a comissão pode ser extraída, também, da leitura do parágrafo único do art. 147 da Lei nº 8.112/90, ao determinar o es- gotamento do prazo do afastamento preventivo ainda que não finalizado o processo. Eis o que dispõe o referido dispositivo:

Art. 147. (…)

Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.

Nessa linha, o STJ já se manifestou no sentido de que a não conclusão do processo administrativo disciplinar no prazo de 120 dias (prazo originário de 60 dias mais a prorrogação por igual período), na forma do art. 152 da Lei nº 8.112/90, não constitui nulidade. Eis o excerto que traduz esse entendimento (Idem: STF, Mandados de Segurança nº 7.015, 21.494 e 22.656; e STJ, Mandados de Segurança nº 7.066, 7.435 e 8.877; e Recursos em Mandado de Segurança nº 6.757 e 10.464):

Ementa: Esta Colenda Corte já firmou entendimento no sentido de que a extrapolação do prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar não consubstancia nulidade susceptível de invalidar o procedimento.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS nº 7.962/DF)

Por outro lado, para a concessão de novo prazo, a autoridade deverá emitir novo ato designatório da comissão, para que, no prazo de até 60 dias contados da publicação da nova portaria no boletim interno (Boletim de Serviço ou Boletim de Pessoal), continue ou ultime a apuração deflagrada pela portaria de ins- tauração inicial. Esse prazo poderá, assim como o originário, sofrer única prorrogação por igual período, consoante se depreende do art. 152 da Lei nº 8.112/90. Nessa toada, esgotado o prazo de prorrogação, a autoridade poderá novamente realizar o juízo de ponderação e decidir, no caso concreto, segundo as circunstâncias que o permeiam, por designar ou reconduzir novamente o trio processante, e assim sucessi- vamente, até o término dos trabalhos.

 

Com o intuito de subsidiar a decisão da autoridade instauradora sobre os pedidos de recondução ou nova designação, formulados pelo trio processante, é imperioso que este sempre justifique a solicitação, demonstrando de forma sucinta os atos e diligências já realizados e quais ainda são indispensáveis, indicando o novo prazo necessário à sua realização. Trata-se referida justificativa do cumprimento do dever de prestar contas, inerente ao servidor público, bem como de fundamento necessário para a decisão de prorro- gação ou recondução do processo disciplinar, tendo em vista que constitui crime de abuso de autoridade estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado (art. 31 da Lei nº 13.869/2019).

Ademais, considerando que se trata de nova designação do trio processante, pode a autoridade, nesse momento, decidir pela substituição de algum ou de todos os membros.

Finalmente, deve ser observado o que já foi exposto no tópico sobre prorrogação, no que se refere à recomendação no sentido de que inexista lapso temporal entre o término da contagem do prazo anterior- mente previsto e o novo prazo decorrente da portaria que determinar a continuidade da apuração. Ainda, se houver esse lapso temporal, deve a comissão abster-se de praticar qualquer ato nesse período, vez que não estará amparada em ato delegante emitido pela autoridade competente que lhe confira competência apuradora.

 

  1. INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

O processo administrativo disciplinar – PAD está regulado nos artigos 148 a 182 da Lei nº 8.112/90 e desenvolve-se nas fases de instauração, inquérito administrativo (instrução, defesa e relatório) e julgamento (cf. art. 151 da Lei nº 8.112/90).

A primeira fase do processo, a cargo da autoridade instauradora, após o exame ou juízo de admissi- bilidade, inaugurando a sede disciplinar propriamente dita, é chamada de instauração. É pontual e não com- porta contraditório. O art. 153 da Lei nº 8.112/90 garante o direito ao contraditório somente na segunda fase do processo, ou seja, na fase do inquérito administrativo.

PARECER-AGU Nº GQ-55, vinculante: “6. O comando constitucional para que se observem o con- traditório e a ampla defesa, no processo administrativo, é silente quanto à fase processual em que isto deve ocorrer (cfr. o art. 5º, LV). É tema disciplinado em norma infraconstitucional: a Lei nº 8.112, de 1990, assegura a ampla defesa no curso do processo disciplinar e, o contraditório, no inquérito administrativo (v. os arts. 143 e 153), que corresponde à 2ª fase do apuratório (art. 151, II).”

A instauração do processo disciplinar se dará através da publicação da portaria baixada pela autoridade competente, que designará seus integrantes e indicará, dentre eles, o presidente da comissão de inquérito (art. 151, I, c/c art. 149, Lei nº 8.112/90).

A mencionada portaria deve conter os dados funcionais dos membros da comissão (nome, cargo e matrícula), a indicação de qual deles exercerá a função de presidente, o procedimento do feito (PAD ou Sindicância), menção ao prazo concedido e ao objeto da análise do processo.

Portanto, a instauração do processo disciplinar só existe e se aperfeiçoa com a publicação do ato que constituir a comissão (portaria inaugural).

Em reforço a tal entendimento, transcreve-se, a seguir, os ensinamentos de Ivan Barbosa Rigolin:

Instaura-se, ou abre-se, o processo pela fase de comunicação do ato que constituir a comissão pro- cessante, ato esse de responsabilidade da autoridade competente para nomear os membros de cada qual (que é sempre especial para cada caso).57

A publicação do ato que oficialmente inicia o processo administrativo disciplinar e interrompe a con- tagem do prazo prescricional de que trata o § 3º do art. 142 da Lei nº 8.112/90, deve ser realizada em boletim interno do próprio Órgão ou Entidade (Boletim de Serviço ou no Boletim de Pessoal), já que a Lei nº 8.112/90 não exige a publicação deste ato no Diário Oficial da União.

A publicação da portaria no Diário Oficial da União é recomendada nas hipóteses de se ter o apura- tório transcorrendo fora do órgão instaurador ou envolvendo servidores de diferentes órgãos ou Ministé- rios, quando a portaria será ministerial ou interministerial, a depender do caso. Nesse sentido, destacam-se as previsões contidas na Portaria nº 283, de 2 de outubro de 2018, que dispõe sobre normas para publi- cação e pagamento de atos no Diário Oficial da União.

PORTARIA Nº 283, DE 2 DE OUTUBRO DE 2018 (…)

Atos da Seção 2

Art. 4º São publicados na Seção 2 do Diário Oficial da União os atos relativos a pessoal da União, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das socie- dades de economia mista, cuja publicação decorra de disposição legal.

(…)

57            RIGOLIN, 2010, p. 323.

 

Vedação

Art. 8º É vedada a publicação no Diário Oficial da União de:

  • – atos de caráter interno ou que não sejam de interesse geral;
  • – atos concernentes à vida funcional dos servidores dos Poderes da União, que não se enquadrem nos termos do 4º desta portaria, incluindo-se:
  1. designação de grupos de trabalho, salvo se interpoderes, interministerial, entre ministérios e órgãos vinculados, entre ministérios e suas extensões regionais, ou se composto por membros sem vínculo com a Administração Pública;
  2. designação de comissões de constituição ou atuação interna;

Saliente-se que as páginas de internet de órgãos e entidades não reúnem as características de certeza, precisão e autenticidade suficientes para se enquadrar como fonte documental, por isso não podem substi- tuir a publicação do ato instaurador no Diário Oficial da União ou no Boletim Interno.58

 

  • MOMENTO DA INSTAURAÇÃO

 

O momento para a instauração do feito disciplinar pela autoridade competente, seja de ofício ou por provocação, é aquele imediatamente após o conhecimento dos fatos que impliquem a necessária apuração (art. 143 da Lei nº 8.112/90). Nesse ponto, deve-se ressaltar cautela no trato do assunto, considerando a possível repercussão nos prazos de prescrição. Oportuno citar o PARECER Nº AGU/LS-1/98 (Anexo ao PARECER-AGU GQ-149):

  1. Desse modo, a autoridade competente, isto é, aquela a quem couber, por força legal, determinar a apuração da responsabilidade do servidor público denunciado, deverá, de imediato, nomear a comissão processante, tudo na conformidade do que estabelecem os arts. 148 usque 173, da Lei 8.112/90.

Repise-se que nada impede que, antes da instauração do devido processo acusatório, a autoridade competente determine a instauração de processo de caráter investigativo, com o escopo de identificar a autoria do ilícito ou obter lastro probatório mais robusto relativo à materialidade do delito.

 

  • LOCAL DA INSTAURAÇÃO

 

No aspecto espacial, o processo disciplinar será instaurado, preferencialmente, no âmbito do órgão ou instituição em que supostamente tenha sido praticado o ato antijurídico.

Essa regra geral tem o propósito de facilitar a coleta de provas e a realização de diligências necessárias à elucidação dos fatos controversos.

No julgado abaixo, o STJ, fundamentando-se no art. 173, I da Lei nº 8.112/90, entende não ter ha- vido vício no aspecto formal, visto que o processo foi instaurado no local onde os fatos ocorreram, apesar de ser lugar diverso da lotação do servidor (irregularidades cometidas fora da unidade de lotação do servidor).

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. IRREGULARIDADES. INOCORRÊNCIA.

ORDEM DENEGADA. I – A legislação prevê (Lei n. 8.112/90, art. 173, I) a hipótese de o processo administrativo ter curso em local diverso da repartição do servidor indiciado. No caso, o PAD foi ins- taurado no local onde os fatos ocorreram, inexistindo qualquer vício nesse aspecto.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS nº 13111/DF – 2007/0230465-5. Relator: Ministro Félix Fischer, julgado em 27/2/2008, publicado em 30/4/2008)

58            Conforme Parecer nº 17/2019/CONJUR-CGU/CGU/AGU (Processo SEI nº 00190.105057/2018-41).

 

No caso de infrações cometidas por servidores cedidos a outros órgãos, a competência é do órgão onde ocorreu a irregularidade para a instauração do processo disciplinar. Todavia, como o vínculo funcional do servidor se dá com o órgão cedente, apenas a este incumbiria o julgamento e aplicação da penalidade, nos termos inclusive esposados na Nota DECOR/CGU/AGU Nº 016/2008-NMS:

A competência para julgar processo administrativo disciplinar envolvendo servidor cedido a outro órgão ou instituição só pode ser da autoridade a que esse servidor esteja subordinado em razão do cargo efetivo que ocupa, ou seja, da autoridade competente no âmbito do órgão ou instituição cedente.

Essa competência decorre do princípio da hierarquia que rege a Administração Pública, em razão do qual não se pode admitir que o servidor efetivo, integrante do quadro funcional de um órgão ou instituição, seja julgado por autoridade de outro órgão ou instituição a que esteja apenas tempora- riamente cedido.

É fato que o processo administrativo disciplinar é instaurado no âmbito do órgão ou instituição em que tenha sido praticado o ato antijurídico. Entretanto, tão logo concluído o relatório da comissão processante, deve-se encaminhá-lo ao titular do órgão ou instituição cedente para julgamento.

Aliás, ressalte-se que, neste caso, para a realização do julgamento, a autoridade competente do órgão cedente não precisará designar uma nova comissão de inquérito.

Na hipótese de servidores cedidos para outro ente da Federação, a Assessoria Jurídica da CGU-PR emitiu o seguinte parecer:

As irregularidades cometidas pelo agente no curso da cessão poderão ser objeto de apuração tanto pelo órgão cedente, federal, como pelo órgão cessionário, estadual, competindo a cada um instruir seu respectivo processo disciplinar, na forma procedimental prevista em seus respectivos estatutos, bem como julgar e aplicar a penalidade, nos termos, novamente, de seus respectivos diplomas. Os efeitos da penalidade, caso aplicada, tampouco poderão atingir o vínculo mantido com o outro ente federativo (Parecer nº 41/2011/ASJUR/CGU-PR).

Ademais, sobre o tema, José Armando da Costa esclarece:

Como a cada esfera de governo compete legislar sobre o regime jurídico dos seus respectivos servi- dores, não poderá, em tal matéria, haver incursão de uma esfera sobre outra, havendo, por conse- guinte, total independência entre essas entidades federativas59.

Em outra hipótese, contrária à regra geral, poderia ocorrer do servidor investido em cargo público federal na Administração Direta ocupar, à época do cometimento das supostas irregularidades, um cargo em comissão em empresa pública (entidade da Administração Indireta), cujo quadro de pessoal é regido pela Consolidação das Leis Trabalhista – CLT. Este fato não retira sua condição de servidor público estatutário regido pela Lei nº 8.112/90. Logo, por expressa previsão legal, só poderia ser processado por comissão de PAD ou sindicância acusatória/punitiva constituída por servidores públicos estáveis.

Dessa forma, considerando a necessidade de se designar servidores estáveis para comporem a co- missão, verifica-se a impossibilidade de o presidente da empresa pública o fazer. É que seu poder hierár- quico é, em princípio, restrito aos empregados de sua empresa. Assim, em situações como esta, de forma excepcional, o PAD deverá ser instaurado pela autoridade do órgão ou entidade em que o servidor possua um vínculo efetivo, ou seja, a Administração Direta. Eis um exemplo de caso de exceção à regra geral, em que as apurações de irregularidades são realizadas no órgão ou entidade diverso daquele onde os fatos ilícitos teriam supostamente ocorrido, ou ainda, pela própria CGU.

 

 

 

 

 

 

 

59            COSTA, 2011, p. 468

 

Uma outra exceção à regra geral é estabelecida no parágrafo 3º, do art. 143, da Lei nº 8.112/90, em que se cogita da possibilidade de delegação da apuração do fato ilícito por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que tenha ocorrido a irregularidade:

Art. 143. (…)

  • 3º. A apuração de que trata o caput, por solicitação da autoridade a que se refere, poderá ser promovida por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que tenha ocorrido a irregula- ridade, mediante competência específica para tal finalidade, delegada em caráter permanente ou temporário pelo Presidente da República, pelos presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, no âmbito do respectivo Poder, órgão ou entidade, preservadas as competências para o julgamento que se seguir à apuração (incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97).

Nesses termos, sobre o tema, transcreve-se, abaixo, a doutrina de Ivan Barbosa Rigolin60:

O § 3º, incluído pela Lei nº 9.527/97, prescreve que a apuração da irregularidade de que tenha tido ciência a autoridade poderá dar-se não pela autoridade do órgão na qual ocorreu, porém pela de outro órgão, que exercerá esse poder por competência expressamente delegada, seja em caráter permanente, seja em caráter temporário ou apenas para aquele ensejo, pelas autoridades que o dispositivo elenca, conforme cada caso.

Essas autoridades são o Presidente da República, os presidentes de cada casa do Congresso Na- cional, o presidente de cada tribunal federal e o Procurador-Geral da República, sempre dentro de cada respectivo âmbito, porém fica sempre preservada a competência da autoridade hierárquica originária para o julgamento que se seguir àquela apuração.

Mencione-se ainda o Agravo de Instrumento nº 64934-PE interposto perante o TRF da 5ª Região, que rejeitou a alegação de que o processo administrativo disciplinar estaria eivado de vício, visto que a comissão disciplinar veio a ser formada por servidores de outro(s) Estado(s), quando já existia comissão permanente naquele em que instaurado o PAD:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMISSÃO DISCIPLINAR. FOR- MAÇÃO. SERVIDORES DE OUTRAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO. LEGALIDADE. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS EM OUTRO ESTADO. PAGAMENTO DE DIÁRIAS E DESPESAS AO INVESTIGADO E SEU DEFENSOR. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À AMPLA DEFESA. DENE- GAÇÃO DE OITIVA DE TESTEMUNHA ARROLADA PELA DEFESA. NÃO OFENSA AO CONTRA- DITÓRIO. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PAD. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PRE- JUÍZO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.

  1. Nos termos do art. 143, § 3º, e 149 da Lei nº 8.112/90, os requisitos para a regularidade da formação da comissão processante são apenas a (i) estabilidade dos seus membros, (ii) a compati- bilidade do seu grau de escolaridade e (iii) a sua designação pela autoridade competente, podendo os fatos a serem investigados ter ocorrido tanto no próprio Estado em que trabalham ou quanto em outro Estado em que o órgão ou entidade tenha representação.
  2. Não há qualquer ilegalidade na designação de comissão disciplinar de outro Estado, ainda que exista no lugar do processo administrativo disciplinar comissão permanente designada para esse fim, ao contrário com essa designação prestigia-se ainda mais o disposto no art. 150 da Lei nº 8.112/90 (imparcialidade dos membros). (…)

(TRF 5ª Região – AI 64934-PE, 2005.05.00.036436-8, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, Data Julgamento: 17.03.2009)

 

 

 

 

 

 

60            RIGOLIN, 2010, p. 312.

 

Explicitando o caso, trasladam-se fragmentos do voto do Relator, acatado por unanimidade:

(…) 2. No que concerne à possibilidade de formação de Comissão Disciplinar por membros de outros Estados, quando há comissão permanente formada no local da tramitação do processo, é de se frisar que inexiste vedação legal nesse sentido.

  1. Com efeito, a Lei nº 8.112/90, em seu art. 143, § 3º, estabelece que a autoridade que tiver ciência de qualquer irregularidade no serviço público é obrigada a apurá-la mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, podendo essa apuração, a critério da aludida autoridade, ser feita por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que ocorrida a suposta irregu- laridade, desde que essa última possua competência específica para essa finalidade, a ela delegada em caráter permanente ou temporário pela autoridade máxima do Poder a que submetido o órgão ou a
  2. Significa, portanto, que, num órgão de abrangência nacional, como o é a Superintendência da Polícia Federal, a Comissão Disciplinar Permanente (ou a temporariamente formada para determi- nada apuração de irregularidade) de um Estado da Federação pode desempenhar suas funções na averiguação de irregularidades ocorridas em outro Estado da Federação.
  3. Nos termos do artigo 149 da Lei 8.112/90, ademais, o processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocu- pante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do
  4. Como se vê, os requisitos para a regularidade da formação da comissão processante são apenas a (i) estabilidade dos seus membros, (ii) o seu grau de escolaridade e (iii) a sua designação pela au- toridade competente, podendo os fatos a serem investigados ter ocorrido no próprio Estado em que trabalham ou em outro Estado em que o órgão ou entidade tenha representação.
  5. Demais disso, é de acrescentar-se que uma Comissão formada por servidores de outro Estado provavelmente será até mesmo mais imparcial nas apurações do que se formada por servidores do mesmo local de trabalho do investigado, servindo ainda mais aos ditames do art. 150 da Lei n 112/90, segundo o qual ‘A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração’.
  6. Não se questionando a estabilidade ou grau de escolaridade dos membros da Comissão e inexis- tindo mácula em serem eles servidores do mesmo órgão, mas lotados em outra Unidade da Fede- ração, não há falar-se em qualquer ilegalidade na formação da Comissão.
  7. A jurisprudência pátria não dissente dessa conclusão, como se confere da emenda de julgado da Terceira Turma deste Tribunal, a seguir ementada:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR ENGENDRADA CONTRA PORTARIA QUE DETERMINOU A CONSTITUIÇÃO DE COMISSÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCI- PLINAR COMPOSTA POR SERVIDORES LOTADOS EM BRASÍLIA, PARA APURAÇÃO DE FALTA FUN- CIONAL DE SERVIDOR LOTADO EM SERGIPE. CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO. AUSÊNCIA DE LESÃO AOS COFRES PÚBLICOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DOS MEMBROS DA COMISSÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA, IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

(…)

  1. Inexiste ilegalidade ou imoralidade no ato administrativo que constitui comissão de inquérito com- posta por membros residentes em Brasília, para apuração de falta disciplinar de servidor lotado em Sergipe, por conveniência administrativa, pois tal critério é de cunha essencialmente discricionário: tal circunstância confere, inclusive, maior imparcialidade ao procedimento, tendo em vista que os fatos serão apurados por pessoas estranhas, e, em tese, mais isentas do que servidores lotados na mesma localidade, com quem o acusado poderia manter laços de amizade ou inimizade, beneficiando, assim, o próprio acusado.

 

(…)

  1. Apelação improvida.
  2. Destarte, rejeito a alegação de nulidade do processo administrativo disciplinar pela formação da Comissão respectiva mediante membros de outra Unidade da Federação.

(TRF – 5ª REGIÃO. Apelação Cível – 122326. Processo: 9705297606 UF: SE Órgão Julgador: Ter- ceira Turma. Data da decisão: 10/12/1998. Fonte DJ – Data: 14/07/2000 – Página: 318. Relator(a): Desembargador Federal Geraldo Apoliano. Decisão UNÂNIME).

 

  • COMPETÊNCIA PARA INSTAURAR O PAD/SINDICÂNCIA

 

Diante do silêncio da Lei nº 8.112/90, a competência para instaurar os procedimentos disciplinares, no âmbito da Administração Pública Federal, depende de regulamentação da matéria que deve ser feita de acordo com a estrutura de cada órgão.

Em regra, é o regimento interno de cada órgão público federal que soluciona tal lacuna, definindo a autoridade competente para instaurar a sede disciplinar. De um modo geral, tal competência é da autori- dade a que os servidores faltosos estejam subordinados.

Segundo Marçal Justen Filho:

A competência para instauração do processo disciplinar recai, em princípio, sobre a autoridade ti- tular da competência para impor a sanção administrativa. Mas é possível que a lei ou o regulamento dissociem as duas competências, respeitando-se a regra do art. 141 da Lei nº 8.112/90 (que dispõe genericamente sobre o assunto).61

Caso a irregularidade ocorra em unidades diferentes de um mesmo órgão/entidade, ensejando su- perposição hierárquica de comandos distintos, o procedimento disciplinar deverá, em regra, ser instaurado pela autoridade que tenha ascendência funcional comum sobre as unidades envolvidas.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CARGO EM COMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULIDADES. OFENSA AO DEVIDO PRO- CESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. IM- POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. “WRIT “ IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PRO-

CESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. I – Consoante entendimento dou- trinário e jurisprudencial, em regra, a autoridade administrativa é competente para determinar a instauração do processo administrativo disciplinar que vise a apurar faltas de seus subordinados. Entretanto, se o caso a ser apurado envolve pessoas de diferentes níveis hierárquicos, a competência para instauração do processo será deslocada para a autoridade que tenha ascendência hierárquica sobre todos os servidores envolvidos. II – Nos termos da Lei nº 8.112/90 – art. 167, § 2º – havendo mais de um indiciado e diversidade de sanções o julgamento caberá à autoridade competente para a imposição da pena mais grave. (…)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS nº 6078/DF – 1998/0093552-5. Relator: Ministro Gilson Dipp, julgado em 9/4/2003, publicado em 28/4/2003)

Pode acontecer, ainda, de estarem envolvidos servidores de vários órgãos na mesma irregularidade. Nesses casos, recomenda-se a instauração da comissão de processo administrativo disciplinar por ato con- junto entre os dirigentes máximos de cada órgão, ou ainda, diretamente pela CGU.

Enfim, complementando, no que diz respeito à competência para instaurar cada uma das espécies de processo disciplinar, sugere-se, de acordo com a doutrina de Adriane de A. Lins e Debora V. S. B. Denys, que seja dada:

61            JUSTEN FILHO, 2005, p. 1.012.

 

  1. à autoridade máxima do órgão (presidente da autarquia ou da fundação), competência para instaurar as sindicâncias investigatórias e punitivas, com o fim de apurar as irregularidades ocorridas:
  2. no âmbito da Administração Central; e
  3. no âmbito das demais unidades da Federação, quando a natureza e a gravidade dos fatos e os envolvidos exigirem;
  4. à autoridade máxima do órgão (presidente da autarquia ou da fundação) competência para ins- taurar os processos disciplinares e os ritos sumários, com o fim de apurar as irregularidades ocorridas em todo o território nacional;
  5. aos chefes das regionais (gerentes executivos, superintendentes regionais, delegados regionais) competência para instaurar as sindicâncias investigatórias e punitivas, com o fim de apurar as irregu- laridades ocorridas no âmbito de suas respectivas jurisdições.62

Vale ressaltar que a eventual instauração de processo disciplinar por autoridade incompetente poderá ser objeto de convalidação. Nesse sentido, cite-se a jurisprudência do STJ, que entende incabível a anulação do ato de demissão por mero vício formal, desde que tenham sido devidamente observados os princípios da ampla defesa e do contraditório:

EMENTA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARANÁ. DEMISSÃO. PROCESSO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO PELO CORREGEDOR-GERAL. AUTORIDADE INCOMPETENTE. CONVALIDAÇÃO DO ATO PELO CONSELHO DA POLÍCIA CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-CONFIGURAÇÃO. PARTICIPAÇÃO DE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E DE PROCURADOR DO ESTADO NO CONTROLE DE ATOS DISCIPLINARES. ART. 6º, INCISOS IV E VII, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. PROVA ACUSATÓRIA. DESCONSTITUIÇÃO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDENTES. RECURSO IMPROVIDO. 1. A cir-

cunstância de ter sido determinada a abertura do processo disciplinar por ato do Corregedor-Geral da Polícia Civil do Estado do Paraná, e não pelo Conselho da Polícia Civil, conforme previa a Lei Complementar Estadual 89/01, não enseja nulidade, porquanto o órgão deliberativo acabou por convalidar aquele ato ao julgar o relatório da comissão processante, concluindo pela aplicação da pena de demissão”.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, RMS 20631/PR – 2005/0152297-0. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 10/5/2007, publicado em 28/5/2007)

 

  • AFASTAMENTO PREVENTIVO

 

O afastamento preventivo é ato de competência da autoridade instauradora, formalizado por meio de portaria, quando se vislumbrar que o servidor acusado, caso mantido seu livre acesso à repartição, po- derá trazer qualquer prejuízo à apuração, seja destruindo provas, seja coagindo demais intervenientes na instrução probatória63.

O instituto afasta o servidor de suas tarefas e impede seu acesso às dependências da repartição como um todo (e não apenas de sua sala de trabalho)64. O afastamento se dará a pedido da comissão ou de ofício pela própria Autoridade Instauradora, sendo possível ocorrer no momento da instauração do processo ou após o início dos trabalhos:

Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregu- laridade, a autoridade instauradora do processo disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração.

62            LINS, 2007, p. 187 e 188.

63            TEIXEIRA, 2020, p. 804.

64            TEIXEIRA, 20202, p. 801

 

Parágrafo único. O afastamento poderá ser prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.

Necessário destacar que, ao contrário da comissão, que poderá ser reconduzida após o transcurso do prazo e de sua prorrogação, o afastamento do servidor acusado só poderá ocorrer pelo prazo de até 60 dias, admitida uma única prorrogação. Desse modo, só se admite o afastamento preventivo pelo prazo máximo de 120 dias.

 

  • PORTARIA DE INSTAURAÇÃO

 

A portaria65 é o instrumento de que se utiliza a autoridade administrativa para formalizar a instauração do procedimento apuratório. Além dessa função iniciatória do processo, a portaria instauradora constitui a comissão, designa o seu respectivo presidente e estabelece os limites da apuração. Mas somente adquire tal valor jurídico pontualmente com a publicação, nem antes e nem depois. A portaria é elemento processual indispensável e, portanto, deverá ser juntada aos autos.

Nesses termos, o julgamento do STJ:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ATO DE DEMISSÃO IMINENTE E ATUAL. JUSTO RECEIO EVIDENCIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. (…)

  1. A portaria inaugural tem como principal objetivo dar início ao Processo Administrativo Disciplinar, conferindo publicidade à constituição da Comissão Processante, nela não se exigindo a exposição de- talhada dos fatos imputados ao servidor, o que somente se faz indispensável na fase de indiciamento, a teor do disposto nos arts. 151 e 161, da Lei nº 8.112/1990.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS nº 8030/DF, 2001/0158479-7. Relatora: Ministra Laurita Vaz, julgado em 13/6/2007, publicado em 6/8/2007)

 

  • Requisitos formais essenciais

A portaria instauradora do processo administrativo disciplinar deverá conter os seguintes elementos:

  1. autoridade instauradora competente;
  2. os integrantes da comissão (nome, cargo e matrícula), com a designação do presidente;
  3. a indicação do procedimento do feito (PAD ou sindicância);
  4. o prazo para a conclusão dos trabalhos;
  5. a indicação do alcance dos trabalhos, reportando-se ao número do

Não constitui nulidade do processo a falta de indicação, na portaria inaugural, do nome do ser- vidor acusado, dos supostos ilícitos e seu enquadramento legal (não é demais ressalvar, contudo, que as infrações apuradas mediante rito sumário possuem tratamento legal diferenciado). Ao contrário de confi- gurar qualquer prejuízo à defesa, tais lacunas na portaria preservam a integridade do servidor envolvido e obstam que os trabalhos da comissão sofram influências ou seja alegada a presunção de culpabilidade, ou até mesmo a ocorrência de crime de abuso de autoridade, devido à conduta de antecipar, por meio de comunicação, a atribuição de culpa antes de concluída a apuração e formalizada a acusação (art. 38 da Lei nº 13.869/2019).

 

 

65            A IN CGU nº 14/2018 adotou a terminologia “ato instaurador”, pois há órgãos e entidades que utilizam outros tipos de ato administrativo para instauração de processos, tais como Resoluções, Despachos, etc. Assim, no presente manual, onde houver referência a portaria, se deve estender a estes outros tipos de ato instaurador.

 

A indicação de que contra o servidor paira uma acusação é formulada pela comissão na notificação para que ele acompanhe o processo como acusado; já a descrição da materialidade do fato e o enquadra- mento legal da irregularidade (se for o caso) são feitos pela comissão em momento posterior, somente ao final da instrução contraditória, com a indiciação.

Tal posicionamento já vinha sendo assinalado pela AGU em seus pareceres: GQ-12 (vinculante, itens 16 e 17), GQ-35 (vinculante, item 15), GQ-37 (item 24), GQ-100 (item 4).

GQ-100 – Essas conotações do apuratório demonstram a desnecessidade de consignarem, no ato de designação da c.i., o ilícito e correspondentes dispositivos legais, bem assim os possíveis au- tores, medidas não recomendáveis até mesmo para obstar influências no trabalho da comissão ou presunção de culpabilidade. Efetua-se a notificação dos possíveis autores para acompanharem o desenvolvimento do processo, pessoalmente ou por intermédio de procurador, imediatamente após a instalação da c.i., para garantir o exercício do direto de que cuida o art. 156 da Lei nº 8.112, cujo art. 161, de forma peremptória, exige a enumeração dos fatos irregulares na indiciação. (Pareceres nº AGU/WM-2/94 e AGU/WM-13/94, adotados pelo Sr. Advogado-Geral da União, mediante os Pareceres nº GQ-12 e GQ-37, e sufragados pelo Senhor Presidente da República, in D.O. de 10/2/94 e 18/11/94).

Ademais, é também esse entendimento que vem prevalecendo na jurisprudência atual:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ATO DE DEMISSÃO. PRO- CEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES AFASTADAS. ORDEM DENEGADA.

(…) 4. A Portaria inaugural de processo administrativo disciplinar está dispensada de trazer em seu bojo uma descrição minuciosa dos fatos a serem apurados pela Comissão Processante, bem como a capitulação das possíveis infrações cometidas, sendo essa descrição necessária apenas quando do indiciamento do servidor, após a fase instrutória. Precedentes.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 14836/DF – 2009/0231373-9. Relator: Ministro Celso Limongi, julgado em 24/11/2010, publicado em 3/12/2010)

EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRANCAMENTO. DESCABIMENTO. SER- VIDOR PÚBLICO ESTADUAL APOSENTADO POR INVALIDEZ (ESQUIZOFRENIA) NO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA. EXERCÍCIO ATUAL DO CARGO DE PROCURADOR JURÍDICO MUNI- CIPAL. APURAÇÃO DE IRREGULARIDADE NO ATO DE APOSENTADORIA. INSTAURAÇÃO DO

REGULAR PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. Somente após a fase instrutória – onde são apurados os fatos, com a colheita das provas pertinentes – se mostra necessária a descrição pormenorizada do fato ilícito, assim como a sua devida tipificação, procedendo-se, conforme à hipótese, ao indi- ciamento. Assim, a portaria inaugural, bem como a notificação inicial, prescindem de minuciosa descrição dos fatos imputados. Precedentes.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 23274/MT – 2006/0268798-1. Relatora: Ministra Laurita Vaz, julgado em 18/11/2010, publicado em 13/12/2010)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRO- CESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PORTARIA INAUGURAL. DESCRIÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO RELATIVO AO DOLO OU À CULPA QUANDO DA PRÁTICA DA CONDUTA FUNCIONAL. DESNECESSIDADE. SERVENTUÁRIA DA JUSTIÇA. LEI DE REGÊNCIA DO PROCESSO DISCIPLINAR. CÓDIGO DE ORGANIZAÇÃO E DIVISÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO E ACÓRDÃO Nº 7.556, DO CONSELHO DE MAGISTRATURA. LEI ESTADUAL Nº 6.174/70. APLICAÇÃO ANALÓGICA. IMPOS-

SIBILIDADE. 1. É firme o entendimento nesta Corte Superior de Justiça no sentido de que a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que, tão somente, na fase seguinte o termo de indiciamento que se faz necessário especificar detalhadamente a descrição e a apuração dos fatos. Com maior razão, portanto, não implica em nulidade a ausência de descrição dos elementos relativos à culpa ou ao dolo quando da prática da conduta infracional.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 24138/PR – 2007/0107695-0. Relatora: Ministra Lau- rita Vaz, julgado em 6/10/2009, publicado em 3/11/2009)

 

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INCRA. PROCESSO ADMI- NISTRATIVO. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. REQUISITOS. COMISSÃO DISCIPLINAR. INTEGRANTE

DE OUTRA ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. Não se exige, na portaria de instauração de processo disciplinar, descrição detalhada dos fatos investigados, sendo considerada suficiente a delimitação do objeto do processo pela referência a categorias de atos possivelmente relacionados a irregularidades.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RMS nº 25.105-4/DF. Relator: Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 23/5/2006)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULIDADES. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INO- CORRÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. PORTARIA INAUGURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JU- DICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. “WRIT” IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DE-

NEGADA. III – Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que a expo- sição pormenorizada dos acontecimentos se mostra necessária somente quando do indiciamento do servidor. Precedentes. IV – Aplicável o princípio do “pas de nullité sans grief”, pois a nulidade de ato processual exige a respectiva comprovação de prejuízo. In casu, a servidora teve pleno conhecimento dos motivos ensejadores da instauração do processo disciplinar. Houve, também, farta comprovação do respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, oca- sião em que a indiciada pôde apresentar defesa escrita e produzir provas.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 8834/DF – 2002/0175923-7. Relator: Ministro Gilson Dipp, julgado em 9/4/2003, publicado em 28/4/2003)

Tal orientação tem sido reiterada nos vários julgados do STJ: MS 13188/DF, 13763/DF, 12927/DF, RMS 22128/MT, MS 14836/DF, MS 12457/DF, 23274/MT, MS 14578/DF, MS 13518/DF, RMS 22134/DF, AgRG no REsp 901622/DF.

Mauro R. G. de Mattos resume da seguinte forma a composição de uma portaria inaugural66:

Desse modo, posiciona-se a Administração Pública no sentido de que a Portaria inaugural do processo administrativo disciplinar poderá ser lacunosa, informando apenas o número do processo, com a narrativa sumária dos fatos, sem nominar o servidor investigado, bem como sem a descrição circuns- tanciada e detalhada da infração disciplinar cuja prática é imputada ao servidor público acusado, com a respectiva definição jurídica, ou seja, a atribuição da sua exata qualificação jurídico-disciplinar (tipicidade), além de outros requisitos legais.

Em suma, não é demais ressaltar que na portaria inaugural deve a especificação dos fatos (irregulari- dade) se dar por meio de menção ao processo ou documento que ensejou sua abertura.

 

  • Publicação da portaria

A Portaria de instauração, como regra, deverá ser publicada no Boletim Interno (Boletim de Ser- viço ou no Boletim de Pessoal) do órgão instaurador . Após, recomenda-se juntar aos autos a cópia dessa publicação.

A publicação da portaria no Diário Oficial da União é recomendada nas hipóteses de se ter o apura- tório transcorrendo fora do órgão instaurador ou envolvendo servidores de diferentes órgãos ou Ministé- rios, quando a portaria será ministerial ou interministerial, a depender do caso.

Nesse sentido, destacam-se as previsões contidas na Portaria nº 283, de 2 de outubro de 2018, que dispõe sobre normas para publicação e pagamento de atos no Diário Oficial da União.

 

 

66            MATTOS, 2010, p. 582.

 

PORTARIA Nº 283, DE 2 DE OUTUBRO DE 2018 (…)

Atos da Seção 2

Art. 4º São publicados na Seção 2 do Diário Oficial da União os atos relativos a pessoal da União, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das socie- dades de economia mista, cuja publicação decorra de disposição legal.

(…)

Vedação

Art. 8º É vedada a publicação no Diário Oficial da União de:

  • – atos de caráter interno ou que não sejam de interesse geral;
  • – atos concernentes à vida funcional dos servidores dos Poderes da União, que não se enquadrem nos termos do 4º desta portaria, incluindo-se:
  1. designação de grupos de trabalho, salvo se interpoderes, interministerial, entre ministérios e órgãos vinculados, entre ministérios e suas extensões regionais, ou se composto por membros sem vínculo com a Administração Pública;
  2. designação de comissões de constituição ou atuação interna;

No que se refere às arguições de vícios por ausência de publicação no Diário Oficial da União, o STJ entende que uma vez que a portaria de instauração do processo administrativo disciplinar seja publicada no Boletim de Serviço, o princípio constitucional da publicidade não será violado. Ademais, a Lei nº 8.112/90, em seu artigo 151, I, ao dispor sobre a publicação do ato que constitui a comissão processante, não exige a publicação da portaria instauradora no Diário Oficial.

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. REGULARIDADE. COMISSÃO PROCESSANTE. COMPOSIÇÃO. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. PUBLICAÇÃO EM BO- LETIM DE SERVIÇO. NOME DOS INDICIADOS. PRÉVIA SINDICÂNCIA. DESNECESSIDADE. REE- XAME DE PROVAS. MÉRITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. (…) 2. Conforme jurispru-

dência assentada, é legal a publicação do ato constitutivo da comissão disciplinar em boletim de serviço. (…)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS nº 9421/DF – 2003/0222784-3. Relator: Ministro Paulo Gallotti, julgado em 22/8/2007)

INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ – INFORMATIVO 248.

  1. DEMISSÃO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. APRESENTAÇÃO. CARTEIRA FUNCIONAL EM PRO-

VEITO PRÓPRIO. Trata-se de mandado de segurança contra portaria que demitiu motorista oficial do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça por ter infringido o art. 117, IX, da Lei n. 8.112/1990 (…). Outrossim, não constitui ilegalidade a publicação do ato constitutivo da comissão de processo administrativo disciplinar em boletim de serviços em vez do Diário Oficial da União. E ainda, para uma eventual nulidade de processo administrativo seria necessária a compro- vação de prejuízo, o que não ocorreu nesse caso a justificar o mandamus. Ressalvou-se, entretanto, que ao impetrante cabe direito ao acesso às vias ordinárias. Precedentes citados: MS 7.863-DF, DJ 16/12/2002; MS 7.370-DF, DJ 24/9/2001; MS 6.853-DF, DJ 2/2/2004; MS 7.351-DF, DJ 18/6/2001, e MS 7.157-DF, DJ 10/3/2003.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, MS nº 10.055/DF. Relator: Ministro Gilson Dipp, julgado em 25/5/2005)

 

Saliente-se que as páginas de internet de órgãos e entidades não reúnem as características de certeza, precisão e autenticidade suficientes para se enquadrar como fonte documental, por isso não podem substi- tuir a publicação do ato instaurador no Diário Oficial da União ou no Boletim Interno.67

Necessário enfatizar que os trabalhos da comissão somente poderão ser iniciados a partir da data da publicação da portaria designadora da respectiva comissão, sob pena de nulidade dos atos praticados antes desse evento.

Da mesma forma, os prazos da comissão começam a correr com a publicação da portaria inaugural, nos termos já referidos anteriormente, no que diz respeito à forma de contagem.

PARECER-AGU Nº GQ-87 – 7. A Lei nº 8.112, de 1990, art. 152, considera a publicação do ato de designação da comissão de inquérito como sendo o marco inicial do curso do prazo de apuração dos trabalhos, porém não exige que seja feita no Diário Oficial; é acorde com o preceptivo a divulgação desse ato em boletim interno ou de serviço.

Assim, atendendo ao princípio da publicidade, expresso no art. 37, caput, da CF, a portaria será pu- blicada no órgão de divulgação da repartição, devendo o acusado tomar conhecimento da instauração do processo disciplinar por meio de notificação, visando a resguardar o direito da ampla defesa e do contradi- tório, garantido no art. 5º, LV, da Constituição Federal, e arts. 153 e 156 da Lei nº 8.112/90.

Portanto, especial atenção deve ser dada para a efetiva publicação de portarias de instauração, pror- rogação e recondução de procedimentos disciplinares, evitando que atos sejam praticados sem a sua cober- tura. Após a publicação, deve-se cuidar para que cópias sejam juntadas aos autos, em ordem cronológica, de modo a evitar dúvidas sobre o amparo legal dos feitos do processo.

Por fim, conforme sugestão das autoras Adriane de A. Lins e Debora Vasti S. B. Denys, quando da análise do aspecto formal do processo, as portarias de instauração, prorrogação e continuidade devem ser verificadas, observando que68:

  1. a portaria inaugural tem que conter todos os requisitos essenciais para sua validade;
  2. a prorrogação da portaria inaugural tem que ocorrer, preferencialmente, dentro do prazo vigente;
  3. os atos praticados na vacância entre uma comissão e a comissão seguinte, instaurada com o fim de dar continuidade aos trabalhos da anterior, são nulos, uma vez que não há comissão formalmente constituída; e
  4. o relatório final e o encerramento dos trabalhos da comissão têm que ocorrer dentro do prazo da comissão.

 

  • Alcance dos trabalhos da comissão

A Portaria delimita o alcance das acusações, devendo a comissão ater-se aos fatos ali descritos. To- davia, não há impedimento para o alcance de outros fatos quando estes forem vinculados com as irregula- ridades descritas na Portaria.

Os fatos novos que não tenham relação direta com os que motivaram a instauração do processo disci- plinar devem ser objeto de apuração isolada, em outro procedimento. Essa é a orientação exarada pelo STJ:

EMENTA: ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – TITULAR DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – PENA DE SUSPENSÃO

– APURAÇÃO DE NOVAS FALTAS DISCIPLINARES – NOVO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

– PENA DE DEMISSÃO – VALIDADE – RETORNO ÀS FUNÇÕES – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA

DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. (…) 3 – Ademais, se na investigação dos fatos ensejadores do

67            Conforme Parecer nº 17/2019/CONJUR-CGU/CGU/AGU (Processo SEI nº 00190.105057/2018-41).

68            LINS, 2007, p. 106.

 

Procedimento Administrativo que resultou na suspensão do recorrente foram apuradas outras faltas disciplinares, possível é a instauração de novo Processo Disciplinar. Com efeito, não há como sustentar a afronta à Súmula 19/STF, pois os processos versaram sobre fatos distintos. Assim, a pena decorrente do segundo procedimento, qual seja, a de demissão, é válida. Ausência de liquidez e certeza a am- parar o alegado direito do recorrente de retorno às suas funções.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, RMS nº 14.117-SP – 2001/0189677-6. Relator: Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 14/10/2003, publicado em 19/12/2003)

 

  • COMISSÃO DE INQUÉRITO

 

  • Constituição da comissão de inquérito

Dando início aos trabalhos, o processo administrativo disciplinar será conduzido por comissão com- posta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente (instauradora), que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do (s) acusado (s) (art. 149 da lei nº 8.112/90).

A comissão disciplinar é considerada designada com a publicação da portaria inaugural, ou seja, a mesma portaria de instauração do feito disciplinar. A partir daí a comissão passa a existir e o prazo começa a correr.

Adriane de A. Lins e Débora V. S. B. Denys enfatizam que:

A composição da comissão também é requisito essencial para a validade da portaria inaugural, con- siderando que as Comissões de Processo Disciplinar e de Sindicância Punitiva têm que ser composta por ‘três servidores estáveis designados pela autoridade competente, observado o disposto no § 3º do art. 143, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo, superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado”, conforme preceitua o art. 149 da Lei nº 8.112/90.69

Abaixo, acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMISSÃO DISCIPLINAR. FOR- MAÇÃO. SERVIDORES DE OUTRAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO. LEGALIDADE. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS EM OUTRO ESTADO. PAGAMENTO DE DIÁRIAS E DESPESAS AO INVESTIGADO E SEU DEFENSOR. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À AMPLA DEFESA. DENE- GAÇÃO DE OITIVA DE TESTEMUNHA ARROLADA PELA DEFESA. NÃO OFENSA AO CONTRA- DITÓRIO; EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PAD. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PRE- JUÍZO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.

  1. Nos termos do art. 143, §3º, e 149 da Lei n.º 8.112/90, os requisitos para a regularidade da formação da comissão processante são apenas a (i) estabilidade dos seus membros, (ii) a compati- bilidade do seu grau de escolaridade e (iii) a sua designação pela autoridade competente, podendo os fatos a serem investigados ter ocorrido tanto no próprio Estado em que trabalham ou quanto em outro Estado em que o órgão ou entidade tenha representação.

(BRASIL, Tribunal Regional Federal da 5ª Região – AGTR 64934-PE – 2005.05.00.036436-8. Re- lator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, julgado em 24/3/2009)

 

  • Competência para designação dos membros da comissão de inquérito

O ato de nomeação dos membros da comissão é de competência da autoridade administrativa ins- tauradora do processo administrativo disciplinar, conforme devidamente assentado pelo STF:

 

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INCRA. PROCESSO ADMI- NISTRATIVO. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. REQUISITOS. COMISSÃO DISCIPLINAR. INTEGRANTE

DE OUTRA ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. (…) Entende-se que, para os efeitos do art. 143 da Lei 8.112/1990, insere-se na competência da autoridade responsável pela instauração do processo a indicação de integrantes da comissão disciplinar, ainda que um deles integre o quadro de um outro órgão da administração federal, desde que essa indicação tenha tido a anuência do órgão de origem do servidor.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RMS nº 25.105-4/DF. Relator: Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 23/5/2006, publicado em 20/10/2006)

A comissão designada pela autoridade instauradora é o instrumento legalmente competente para conduzir o apuratório na segunda fase do processo disciplinar, denominada inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório (art. 151, II, Lei nº 8.112/90).

As comissões de processo disciplinar são autônomas e independentes, sendo vinculadas, apenas no que tange aos aspectos gerenciais, às suas respectivas autoridades instauradoras. Dessa forma, a autoridade que instaura o procedimento correcional não deve exercer qualquer influência no andamento dos trabalhos e nas conclusões do colegiado, o qual deverá ter a liberdade necessária para apresentar, ao final do pro- cesso, suas próprias convicções acerca do caso.

Não obstante, admite-se o acesso aos autos do processo disciplinar, documentos e informações, a autoridade instauradora, seu substituto eventual, e demais agentes públicos que atuam como longa manus daquela no tratamento dessas informações, inclusive registros nos sistemas correcionais CGUPAD/CGU-PJ no âmbito do respectivo ministério, órgão ou entidade70.

Pode, ainda, a autoridade instauradora solicitar relatórios genéricos das atividades executadas pela comissão de forma a verificar o regular e bom andamento dos trabalhos, especialmente quando da formu- lação de pedidos de eventuais prorrogações de prazo/recondução dos trabalhos.

Ademais, ressalte-se que a autoridade instauradora deve providenciar local condigno para a comissão desenvolver seus trabalhos, bem como fornecer recursos humanos e materiais necessários ao desempenho de suas atividades.

 

  • Estabilidade dos integrantes da comissão

Não podem integrar as comissões de processo administrativo disciplinar e sindicância punitiva/acusa- tória os servidores que não tenham estabilidade no serviço público, sob pena de se ter declarada a nulidade da portaria inaugural e, consequentemente, de todos os atos subsequentes, o que implicaria na necessidade de repetição, por nova comissão de inquérito, dos atos praticados na vigência da comissão anulada.

Portanto, um dos requisitos legais exigidos para que o servidor integre essas comissões é a estabili- dade, garantia conferida pelo art. 41, da Constituição Federal, um atributo pessoal do servidor, resultante de: a) nomeação em caráter efetivo, em decorrência de concurso público, após ter cumprido o estágio probatório no cargo de ingresso nos quadros federais; ou b) ter cinco anos de exercício em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal71.

O caráter efetivo que se requer do ocupante de cargo público, é o que se opõe ao provimento em comissão, para cargos de confiança de livre nomeação, exonerável ad nutum.

 

 

 

 

  • Vide Nota Técnica nº 324/2020/CGUNE/CRG, disponível em: https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/44051/11/Nota_Tecnica_324_2020.pdf
  • CF, ADCT – Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

 

Reforçando as afirmações acima, Maria S. Z. Di Pietro alega que “… tem-se entendido, inclusive na jurisprudência, que os integrantes da comissão devem ser funcionários estáveis e não interinos ou exone- ráveis ad nutum”.72

Nesse sentido, Adriane de A. Lins e Débora V. S. B. Denys comentam a importância do requisito da estabilidade com o seguinte exemplo: “Se uma comissão de processo disciplinar ou de sindicância punitiva for composta por dois membros estáveis, e um membro instável, a portaria instauradora dessa comissão é nula, já que não observou um requisito formal essencial para a validade do ato”73.

Da mesma forma, firmando a necessária estabilidade dos integrantes da comissão, a Nota Decor/ CGU/AGU Nº 306/2007-PCN, assim estabelece:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADE. PARTICIPAÇÃO DE OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO SEM ESTABILIDADE. NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 167/2005-ACMG E A INFORMAÇÃO Nº 244/2006-CGAU/AGU. LEI Nº 8.112/90, ART. 149. DIVERGÊNCIA. 1. O

entendimento firmado na aludida Nota é que, de acordo com o art. 149 da Lei nº 8.112/90 resta prejudicada não somente a liberação de servidora como também os trabalhos anteriormente efetu- ados no processo disciplinar em razão de sua não estabilidade no cargo que ocupa. 2. Em sentido oposto, a Corregedoria-Geral, por meio da referida Informação, entende que o Processo Administra- tivo Disciplinar só é anulado quando há ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 3. Prevalece o disposto na NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 167/2005, ou seja, a comissão processante deverá ser composta por servidores estáveis a teor do que dispõe o já referido art. 149 da Lei nº 8.112/90, e também do que impera na jurisprudência do STJ (RMS 6007/DF), sob pena de nulidade do procedimento administrativo disciplinar.

O STJ assentando jurisprudência quanto à nulidade de processo administrativo disciplinar composto ou presidido por funcionário não estável, assim proferiu:

EMENTA. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRA- TIVO DISCIPLINAR. MÉRITO ADMINISTRATIVO. REAPRECIAÇÃO. LEGALIDADE. SANÇÃO DIS- CIPLINAR. APLICAÇÃO. ASPECTO DISCRICIONÁRIO. INEXISTÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. INTEGRANTE. SERVIDOR PÚBLICO NÃO ESTÁVEL. NULIDADE. I – Descabido o argumento de

impossibilidade de reapreciação do mérito administrativo pelo Poder Judiciário no caso em apreço, pois a questão posta diz respeito exclusivamente a vício de regularidade formal do procedimento disciplinar, qual seja, defeito na composição da comissão processante. (…)

  • – É nulo o processo administrativo disciplinar cuja comissão processante é integrada por servidor não estável (art. 149, caput, da Lei 8.112/90). Ordem concedida.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 12.636/DF – 2007/0031419-4. Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 27/8/2008, publicado em 23/9/2008)

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO.

É nulo o processo administrativo disciplinar cuja comissão processante é composta por servidor não estável. Precedentes – Recurso provido.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 10.392/PE – 1995/0034947-7. Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 9/12/1997, publicado em 18/10/1999)

Há que se mencionar, porém, decisão do STF, em caso concreto, que relativizou a nulidade pela não estabilidade e não a decretou, mantendo a integridade do processo, conforme se lê:

EMENTA: Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança. Alegação de des- cumprimento de decisão proferida no MS nº 2009.34.00.037833-8. Não ocorrência. Processo dis- ciplinar. Comissão processante. Participação de servidor não estável. Ausência de comprovação de

 

72            DI PIETRO, 2006, p. 635.

 

eventual prejuízo. Essencialidade da demonstração de prejuízo concreto para o reconhecimento da nulidade do ato. Princípio do pas de nullité sans grief. Precedentes. Agravo regimental não provido.

VOTO: […] Assim, no que diz respeito a argumentação de que a comissão integrada por servidor não estável praticou ato relevante no processo administrativo, incluindo como acusado Jorge Alberto Girão de Souza Barros, agravante nos presentes autos, refuto, novamente, a tese, reiterando, conforme consignado na decisão agravada, que o referido servidor adquiriu estabilidade 15 dias após a instau- ração da comissão sindicante, não tendo praticado ato de instrução processual antes disso. Ademais, não houve demonstração pelos agravantes de prejuízo à instrução de seu processo disciplinar pelo fato de servidor que integrou a comissão processante ter adquirido a estabilidade funcional alguns dias após a instauração daquela.

Segundo o princípio do pas de nullité sans grief, o reconhecimento de nulidade exige a demonstração de prejuízo. Essa regra, ressalte-se, foi plenamente recebida no âmbito do direito administrativo (in- clusive em sua vertente disciplinar). Sobre o tema, Marçal Justen Filho assinala que

“[a] nulidade deriva da incompatibilidade do ato concreto com valores jurídicos relevantes. Se certo ato concreto realiza os valores, ainda que por vias indiretas, não pode receber tratamento jurídico equivalente ao reservado para atos reprováveis. Se um ato, apesar de não ser o adequado, realizar as finalidades legítimas, não pode ser equiparado a um ato cuja prática reprovável deve ser banida. A nulidade consiste num defeito complexo, formado pela (a) discordância formal com um modelo nor- mativo e que é (b) instrumento de infração aos valores consagrados pelo direito. De modo que, se não houver a consumação do efeito (lesão a um interesse protegido juridicamente), não se configu- rará invalidade jurídica. Aliás, a doutrina do direito administrativo intuiu essa necessidade, afirmando o postulado de pas de nullité sans grief (não há nulidade sem dano)” (JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 323/324).

Esta Corte, inclusive, já decidiu inúmeras vezes pela aplicação do princípio em tela aos processos disciplinares, mesmo em casos de nulidade absoluta. Vide: “DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE

SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não é impedido para integrar a Comissão de processo administrativo disciplinar servidor que tenha atuado na investigação judicial ou administrativa de possíveis fatos tidos por irre- gulares (MS nº 21.330/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão). 2. É consolidado, também, o entendimento de que o indeferimento fundamentado do pedido de produção de provas consideradas impertinentes, em processo administrativo disciplinar, não caracteriza cerceamento de defesa (RMS 30.881, Rel. Min. Cármen Lúcia e RMS 24.194, Rel. Min. Luiz Fux). 3. Conforme o princípio pas de nulitté sans grief, é necessária demonstração de prejuízo acerca das nulidades suscitadas, o que não ocorreu no caso em exame. 4. Agravo a que se nega provimento por manifesta improcedência, com aplicação de multa no valor de dois salários mínimos, ficando a interposição de qualquer recurso condicionada ao prévio depósito do referido valor, em caso de decisão unânime (CPC/2015, art. 1.021, §§ 4º e 5º, c/c art. 81, § 2º)” (RMS 28.490/DF-AgR, Relator o Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe de 24/8/17).

“Agravo regimental em mandado de segurança. Ato do Conselho Nacional de Justiça. 2. Competência originária e concorrente do CNJ para apreciar, até mesmo de ofício, a legalidade dos atos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, bem como para rever os processos disciplinares contra juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano (art. 103-B, § 4º, da CF). Precedente: ADI4638-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, Dje 30/10/2014. 3. Instauração, de ofício, de processo de revisão disciplinar. Aplicação da pena mais gravosa de aposentadoria compulsória do magistrado. Possibilidade. Sobreposições de sanções administrativas. Inocorrência. 3. Falta de intimação pessoal do impetrante para a sessão de julgamento do REVDIS. Ausência de nulidade, caso não demonstrado prejuízo à defesa. Precedentes. 4. Plena participação do impetrante nos atos processuais. Inexis- tência de afronta à garantia do contraditório e da ampla defesa. 5. Dosagem e proporcionalidade da sanção aplicada. Necessidade de reexame de fatos e provas do processo de revisão disciplinar. Impossibilidade em sede de mandado de segurança. 6. Agravo regimental a que se nega provimento” (MS 32581/DF-AgR, Relator o Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe de 1/4/16).

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RMS 35.056/DF-AgR. Relator: Dias Toffoli, DJe de 18/12/17)

 

É importante ter em conta, porém, que este entendimento do STF ficou circunscrito às peculiaridades do caso concreto (por exemplo, tempo de duração da não estabilidade e atos instrutórios produzidos neste período), não devendo ser utilizado como “salvo-conduto” para a composição inadequada das comissões, afinal, a estabilidade é um requisito previsto expressamente na lei.

 

  • Pré-requisitos do presidente da comissão

No momento da composição da comissão de PAD ou de sindicância acusatória devem ser observadas as regras positivadas no art. 149 da Lei nº 8.112/90, que exige a condução do processo por comissão com- posta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, sendo que dentre eles, apenas o presidente precisa ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do acusado.

Nessa orientação, atente-se ao julgado do STJ:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULIDADES. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INO- CORRÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. PORTARIA INAUGURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JU- DICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. “WRIT” IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DE-

NEGADA. (…) II – O artigo 149 da Lei 8.112/90 é claro ao exigir que somente o Presidente da Comissão Disciplinar deverá ocupar cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de esco- laridade igual ou superior ao do indiciado. No caso em questão, o Presidente da Comissão atendeu ao comando legal. O fato de haver servidor ocupante de cargo médio não maculou a portaria de instauração do processo administrativo. (…)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 2002/0175923-7. Relator: Ministro Gilson Dipp, julgado em 9/4/2003, publicado em 28/4/2003)

Acrescentem-se, também, os ensinamentos de Francisco Xavier da Silva Guimarães e acórdão do STJ, quanto à definição de nível de escolaridade exigida, o qual não leva em consideração os cursos de aperfeiçoamento, de extensão e de especialização:

“No tocante ao nível de escolaridade que a lei, agora, passa a exigir como requisito alternativo para o servidor presidir comissão de processo disciplinar, há de ser entendido o alcançado pela conclusão de cursos regulares (1º, 2º, 3º graus, ou seja, fundamental, médio e superior), não sendo levado em consideração, portanto, os cursos de aperfeiçoamento, os de extensão universitária, como mestrado, doutorado ou os de especialização, que apenas qualificam, aprimoram e enriquecem o conheci- mento, sem, todavia elevar ou interferir no nível de escolaridade”74.

Voto. 9. (…) Todos os três membros da comissão Processante também ocupam cargos que exigem 3º grau completo (…) sendo dois Assistentes Jurídicos e um Administrador. 10. A circunstância de um (ou alguns) dos impetrantes possuir pós-graduação na respectiva área (…) não provoca qualquer alteração no aspecto do cargo ocupado, que é o que interessa para os efeitos do art. 149 da lei nº 8.112/90, que continua sendo o de professor, no mesmo nível hierárquico, portanto, dos cargos de assistente jurídico e administrador, todos restritos aos que possuem terceiro grau completo.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 5636/DF)

Demais julgados sobre o assunto: Mandados de Segurança nº 9.421 – DF (2003/0222784-3); Recurso Especial nº 152.224-Paraíba (1997/0074907-0); Mandado de Segurança nº 5636-DF (reg. 98/0006309-9).

Outrossim, julgado do STJ em que se declara a não verificação de irregularidade na substituição da presidência da comissão, pois se manteve os requisitos exigidos no art. 149 da Lei nº 8.112/90.

 

74            GUIMARÃES, 2006, p. 108.

 

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL EX- TINTA SUDAM. DEMISSÃO. COMPETÊNCIA DO MINISTRO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. INEXISTÊNCIA, NO CASO, DE QUALQUER VÍCIO CAPAZ DE MACULAR O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR QUE RESULTOU A DEMISSÃO DO IMPETRANTE.

(…) 2. A alteração no comando dos trabalhos da comissão processante não importou em qualquer irregularidade, porquanto, a teor do art. 149 da Lei nº 8.112/90, o colegiado permanecia composto por servidores estáveis, cujo presidente ocupava cargo de nível igual ou superior ao impetrante. (…)

(BRASIL: Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 8.213/DF, 2002/0021576-8, Rela- tora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgamento em 15/12/2008, publicado em 19/12/2008)

Outra observação a fazer sobre este tema e que Marcos Salles Teixeira ressalta é transcrito logo abaixo:

Pode, por exemplo, um servidor detentor de cargo de nível superior e posicionado no padrão inicial da primeira classe presidir comissão em que o acusado seja detentor também de cargo de nível superior e posicionado no mais alto padrão da última classe. Tampouco a complexidade das atribuições do cargo se reflete nessa condição legal.75

Dessa forma, diante do exposto, é recomendável que, no momento da designação das comissões, tenha-se especial cuidado quanto à observância aos requisitos exigidos no artigo 149 da Lei nº 8.112/90, a fim de se evitar posteriormente qualquer possibilidade de arguição de nulidade em processo disciplinar, tendo em vista os recentes julgados dos Tribunais Superiores.

Enfim, lembre-se que os membros integrantes da comissão disciplinar também devem preencher exigências, ou seja, pré-requisitos para poderem ser nomeados.

 

  • Qualificações pessoais dos integrantes da comissão de inquérito

Sobre o assunto, como mera recomendação, não exigida em lei, o Parecer-AGU nº GQ-12, vincu- lante, opinou que:

São meras qualidades pessoais que devem possuir os servidores a serem designados para compor a comissão, prescindindo de autorização de lei, nesse sentido.

Da mesma forma, estabelecem os ensinamentos do Adriane de A. Lins e Débora V. S. B. Denys: “Ressaltamos que o servidor que integrará uma comissão de PAD, na condição de membro, deverá pre- encher os requisitos legais, bem como ter o perfil ideal para o caso concreto (bom senso + conhecimento técnico + experiência + capacitação)76.

Diante desse contexto, com o objetivo de assegurar uma adequada composição das comissões dis- ciplinares com servidores qualificados e capacitados para bem conduzir os processos disciplinares, suge- re-se aos órgãos e entidades públicas que incentivem seus servidores a participarem de treinamentos em processo administrativo disciplinar, tendo como uma das opções os programas de capacitação oferecidos pela CGU, favorecendo-se assim a formação de um maior número de servidores para o desempenho de atividades disciplinares.

  • Designação de servidores

Para compor a comissão de inquérito devem ser designados servidores da unidade onde tenham ocorrido as irregularidades que devam ser apuradas, exceto quando motivos relevantes recomendem a designação de servidores de outros órgãos.

A designação de servidores de outro órgão para integrar comissão de inquérito deverá ser precedida de prévia autorização da autoridade a que estiverem subordinados.

75            TEIXEIRA, 2020, p. 1618

76             Lins, 2007 p. 36.

 

Observe-se que a Lei nº 8.112/90 não definiu que os integrantes da comissão disciplinar sejam do mesmo órgão e sede do acusado. Nesse sentido, no que se refere a questionamento de irregularidade na composição da comissão, cujo presidente teria sido nomeado “fora da área de competência do signatário da portaria”, o STF proferiu a seguinte orientação:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INCRA. PROCESSO ADMI- NISTRATIVO. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. REQUISITOS. COMISSÃO DISCIPLINAR. INTEGRANTE

DE OUTRA ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. (…) Entende-se que, para os efeitos do art. 143 da Lei nº 8.112/1990, insere-se na competência da autoridade responsável pela instauração do pro- cesso a indicação de integrantes da comissão disciplinar, ainda que um deles integre o quadro de um outro órgão da administração federal, desde que essa indicação tenha tido a anuência do órgão de origem do servidor”.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RMS nº 25.105-4/DF. Relator: Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 23/5/2006, publicado em 20/10/2006)

Explicitando o assunto, o voto do Ministro Joaquim Barbosa assim estabelece:

Na ausência de disposição legal que restrinja o campo de escolha da autoridade competente para a formação da comissão – pois, nos termos do art. 149, tanto na redação anterior como na atual, não há obrigatoriedade de serem os integrantes da comissão todos pertencentes ao mesmo órgão de lotação dos acusados –, não é de se presumir, como afirmam os recorrentes, a vedação de ou- tras opções não expressamente previstas (designação de servidores de outros órgãos). Na verdade, a interpretação correta é a de que a lei deixou ao administrador margem de escolha dentro de um universo a priori não definido, mas definível (servidores estáveis).

Observe que o STJ, também, já vinha se manifestando nesse sentido:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CARGO EM COMISSÃO. PROCESSO ADMINIS- TRATIVO DISCIPLINAR. INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE. NULIDADES. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. “WRIT” IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PRO- CESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. (…) III – O art. 149 da Lei nº

8.112/90 exige a condução do processo disciplinar por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, sendo certo que dentre eles, apenas o presidente deve ser ocupante de cargo efetivo de superior ou de mesmo nível hierárquico, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado. Ademais, não há qualquer vedação legal relativa à parti- cipação de servidor de outro órgão na referida Comissão. (…) VII – Ordem denegada.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 6078/DF – 1998/0093552-5. Relator: Ministro Gilson Dipp, julgado em 9/4/2003, publicado em 28/4/2003)

 

  • Designação do secretário

A comissão terá como secretário servidor designado pelo seu presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros (§ 1º do art. 149 da Lei nº 8.112/90).

Caso seja escolhida pessoa estranha à comissão, deverá o seu presidente, antes da indicação, solicitar permissão ao chefe imediato do servidor a ser designado.

A designação de secretário externo à comissão pode ser feita por simples termo de compromisso nos autos do processo disciplinar; sendo um dos membros, a designação em ata deliberativa é suficiente.

 

  • Início dos trabalhos da comissão

Os trabalhos da comissão somente poderão ser iniciados a partir da data da publicação da portaria designadora da respectiva comissão, sob pena de nulidade dos atos praticados antes desse evento (art. 152 da Lei nº 8.112/90).

As reuniões e audiências das comissões terão caráter reservado (parágrafo único do art. 150 da Lei nº 8.112/90).

A comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo neces- sário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da Administração (art. 150 da Lei nº 8.112/90).

 

  • Atribuições dos integrantes da comissão

Ressalte-se que dentro da comissão não existe relação de hierarquia, tampouco coordenação do desenvolvimento dos trabalhos da apuração sob responsabilidade exclusiva do presidente da comissão, tanto que os votos dos três integrantes têm o mesmo valor, mas apenas uma distribuição não rigorosa de atribuições e uma reserva de competência de determinados atos ao presidente.

De acordo com o voto do Ministro relator Joaquim Barbosa, constante do RMS 25.105/DF:

(…)as atribuições dos membros de comissão de processo administrativo disciplinar não se inserem no rol de competência de nenhum cargo específico. Ser membro de comissão de processo administrativo não é cargo nem função. Certamente é atribuição legal excepcionalmente conferida na esfera de atribuições de servidores estáveis, que, ao integrarem a comissão, não se afastam de seus cargos nem de suas funções. Tanto é assim que o art. 152, § 1º, da Lei 8.112/1990, dispõe: ‘Sempre que neces- sário, a comissão dedicará tempo integral aos seus trabalhos, ficando seus membros dispensados do ponto, até a entrega do relatório final’.

Assim, de forma genérica, abaixo, apresentam-se as atribuições de cada integrante da comissão, reti- radas das lições de Francisco Xavier da Silva Guimarães77:

Atribuições do presidente da comissão

  1. Receber o ato de designação da comissão incumbida da sindicância ou do processo disciplinar, tomando conhecimento do teor da denúncia e ciência da sua designação, por escrito. Providenciar o local dos trabalhos e a instalação da comissão.
  2. Verificar se não ocorre algum impedimento ou suspeição quanto aos membros da comissão (§ 2º, do 149 da Lei nº 8.112/90).
  3. Se for o caso, após a ciência da designação, formular expressa recusa à incumbência, indicando o motivo impeditivo de um ou de todos os membros (§ 2º, do 149 da Lei nº 8.112/90).
  4. Verificar se a portaria está correta e perfeita, sem vício que a inquine de
  5. Providenciar para que a autoridade determinadora da instauração de procedimento disciplinar, por despacho, faça constar que os membros da comissão dedicar-se-ão às apurações, com ou sem prejuízo das suas funções normais, em suas respectivas sedes de exercício (§ 1º, do 149 da Lei nº 8.112/90).
  6. Formalizar a designação do secretário.
  7. Verificar se foi lavrado o termo de compromisso de fidelidade do secretário.
  8. Notificar o acusado para conhecer a acusação, as diligências programadas e acompanhar o pro- cedimento disciplinar (arts. 153 e 156 da Lei nº 112/90).

 

77            GUIMARÃES, 2006, p. 119 a 123.

 

  1. Intimar, se necessário, o denunciante para ratificar a denúncia e oferecer os esclarecimentos
  2. Intimar as testemunhas para prestarem
  3. Intimar o acusado para especificar provas, apresentar rol de testemunhas e submeter-se a inter- rogatório (art. 159).
  4. Citar o indiciado, após a lavratura do respectivo termo de indiciamento para oferecer defesa escrita (art. 161 e seus parágrafos da Lei nº 112/90).
  5. Exigir e conferir o instrumento de mandato, quando exibido, observando se os poderes nele con- signados são os
  6. Providenciar para que sejam juntadas as provas consideradas relevantes pela comissão, assim como as requeridas pelo acusado e pelo
  7. Solicitar a nomeação de defensor dativo, após a lavratura do termo de revelia (§ 2º, do art. 164 da Lei nº 112/90).
  8. Presidir e dirigir, pessoalmente, todos os trabalhos internos e os públicos da comissão e representá-la).
  9. Qualificar, civil e funcionalmente, aqueles que forem convidados e intimados a
  10. Indagar, pessoalmente, do denunciante e das testemunhas, se existem impedimentos legais que os impossibilitem de participar no
  11. Compromissar os depoentes, na forma da lei, alertando-os sobre as normas legais que se aplicam aos que faltarem com a verdade, ou emitirem conceitos falsos sobre a questão.
  12. Solicitar designação e requisitar técnicos ou peritos, quando necessário.
  13. Assegurar ao servidor o acompanhamento do processo, pessoalmente ou por intermédio de pro- curador, bem assim a utilização dos meios e recursos admitidos em direito, para comprovar suas alegações (art. 156 da Lei nº 112/90).
  14. Zelar pela concessão de vista final dos autos, na repartição, ao denunciado ou seu advogado, para apresentação de defesa escrita (§ 1º do 161 da Lei nº 8.112/90).
  15. Obedecer, rigorosamente, os prazos legais vigentes, providenciando sua prorrogação, em tempo hábil, sempre que comprovadamente necessária (parágrafo único dos arts. 145 e 152 da Lei nº 112/90).
  16. Tomar decisões de urgência, justificando-as perante os demais
  17. Reunir-se com os demais membros da comissão para a elaboração do relatório, com ou sem a declaração de voto em separado (§§ 1º e 2º, do 165 da Lei nº 8.112/90).
  18. Zelar pela correta formalização dos

Atribuições dos membros da comissão

  1. Tomar ciência, por escrito, da designação, juntamente com o presidente, aceitando a incumbência ou recusando-a com apresentação, também, por escrito, dos motivos
  2. Preparar, adequadamente, o local onde se instalarão os trabalhos da comissão.
  3. Auxiliar, assistir e assessorar o presidente no que for solicitado ou se fizer necessário.
  4. Guardar, em sigilo, tudo quanto for dito ou programado entre os sindicantes, no curso do processo (art. 150 da Lei nº 112/90).

 

  1. Velar pela incomunicabilidade das testemunhas e pelo sigilo das declarações (§ 1º, do 158 da Lei nº 8.112/90).
  2. Propor medidas no interesse dos trabalhos a comissão.
  3. Reinquirir os depoentes sobre aspectos que não foram abrangidos pela arguição da presidência, ou que não foram perfeitamente claros nas declarações por eles
  4. Assinar os depoimentos prestados e juntados aos autos, nas vias originais e nas cópias.
  5. Participar das deliberações e da elaboração do relatório, subscrevê-lo e, se for o caso, apresentar voto em

Atribuições do secretário

  1. Aceitar a designação, assinando o Termo de Compromisso (se não integrante da comissão apura- dora), ou recusá-la, quando houver impedimento legal, declarando, por escrito, o motivo da
  2. Atender às determinações do presidente e aos pedidos dos membros da comissão, desde que relacionados com a sindicância.
  3. Preparar o local de trabalho e todo o material necessário e imprescindível às apurações.
  4. Esmerar-se nos serviços de datilografia, evitando erros de grafismo ou mesmo de redação.
  5. Proceder à montagem correta do processo, lavrando os termos de juntada, fazendo os apensa- mentos e desentranhamento de papéis ou documentos, sempre que autorizado pelo
  6. Rubricar os depoimentos lavrados e
  7. Assinar todos os termos determinados pelo
  8. Receber e expedir papéis e documentos, ofícios, requerimentos, memorandos e requisições refe- rentes à sindicância.
  9. Efetuar diligências pessoais e ligações telefônicas, quando determinadas pelo
  10. Autuar, numerar e rubricar, uma a uma, as folhas do processo, bem como as suas respectivas cópias.
  11. Juntar aos autos as vias dos mandados expedidos pela comissão, com o ciente do interessado, bem como os demais documentos determinados pelo
  12. Ter sob sua guarda os documentos e papéis próprios da apuração.
  13. Guardar sigilo e comportar-se com discrição e prudência.

 

  • Impedimento e suspeição dos membros integrantes da Comissão de Inquérito

A designação de servidor para integrar comissão de inquérito constitui encargo de natureza obriga- tória, de cumprimento do dever funcional, exceto nos casos de suspeições e impedimentos legalmente admitidos.

Suspeições e impedimentos são circunstâncias de ordem legal, individual, íntima, de parentesco (con- sanguíneo ou afim) que, envolvendo a pessoa do acusado com os membros da comissão, testemunhas, peritos e autoridade julgadora, impossibilitam estes de exercerem qualquer função no respectivo procedi- mento disciplinar.

Para Pontes de Miranda, citado por Marcelo Neves78, “Quem está sob suspeição está em situação de dúvida de outrem quanto ao seu bom procedimento. Quem está impedido está fora de dúvida, pela enorme probabilidade de ter influência maléfica para sua função”.

78            NEVES, 2008.

 

Ademais, Antônio Carlos Alencar Carvalho ressalta o seguinte:

Autoridades e servidores impedidos ou suspeitos para exercerem suas atribuições, em virtude de ostentarem algum tipo de circunstância pessoal ou motivo que lhes subtraia a plena isenção para apreciar a responsabilidade disciplinar do acusado, seja com a tendência de inocentar ou de culpar imotivadamente, não podem compor comissões processantes ou sindicantes, nem instaurar ou julgar processos administrativos punitivos ou sindicâncias.79

Note-se que os preceitos relativos ao regime do impedimento e suspeição estão intrinsecamente li- gados ao princípio da imparcialidade no processo disciplinar. Para Iuri Mattos de Carvalho80, a imparcialidade é uma exigência normativa em qualquer processo administrativo em sentido estrito. Todos os servidores competentes para instruir ou decidir o processo devem ser imparciais, sob pena de se tornarem incompe- tentes para atuar diante do caso concreto.

Assim, ao iniciar o processo disciplinar, já na primeira fase, é possível questionar a designação dos integrantes da comissão, o que poderá ser feito por meio das hipóteses legais de impedimento e suspeição.

 

  • Impedimento

O impedimento deriva de uma situação objetiva e gera presunção absoluta de parcialidade, não ad- mitindo prova em contrário. Uma vez configurada uma das hipóteses de impedimento, não há possibilidade de refutação pelo próprio impedido ou pela autoridade a que se destina a alegação, devendo aquele se afastar ou ser afastado do processo. Portanto, o integrante da comissão fica proibido de atuar no processo, devendo obrigatoriamente comunicar o fato à autoridade instauradora.

Segundo José Armando da Costa81, os impedimentos são arguíveis somente em relação aos mem- bros da comissão e à autoridade julgadora, não obstante ser possível a eventual alegação de impedimento em relação também à autoridade instauradora.

O defeito provocado pelo impedimento sobrevive mesmo após a decisão final tomada, podendo ser alegado após a decisão ter sido ultimada.

Conforme Iuri Mattos de Carvalho82, “Mesmo que a exceção não seja oposta, a incompetência per- siste. Portanto, nos casos de impedimento, o agente administrativo deve ser reconhecido como absoluta- mente incompetente”.

Assim, com o objetivo de assegurar a isenção e a imparcialidade da comissão nas apurações, a Lei nº 8.112/90 dispôs sobre o estado de quem, por união de fato ou de direito ou por relação de parentesco, até o terceiro grau, se acha impedido de ser designado para integrar procedimento apuratório de irregularidade (sindicância ou PAD) ocorrida no serviço público.

Nesse sentido, prescreve o art. 149, § 2º da Lei nº 8.112/90, que não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau (outros esclarecimentos sobre as relações de parentesco serão abordados no item 9.6.11).

Outra hipótese de impedimento para o integrante da comissão, constante nessa mesma Lei, pode ser a condição de não estabilidade no serviço público (art. 149 da Lei nº 8.112/90).

Portanto, servidores ocupantes exclusivos de cargo ou função de confiança, demissíveis ad nutum, não poderão compor a comissão de PAD ou sindicância acusatória por estarem na situação de impedidos.

 

  • CARVALHO, 2007.
  • FIGUEIREDO, 2009, 128.

81            COSTA, 2011, p. 192.

82            FIGUEIREDO, 2009, p. 129.

 

Ademais, complementando a Lei nº 8.112/90, em caráter subsidiário, o art. 18 da Lei nº 9.784/99 determinou que são circunstâncias configuradoras de impedimento para atuar em processo administrativo o servidor (membro integrante da CPAD) ou autoridade que:

  1. tenha interesse direto ou indireto na matéria;
  2. tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau;
  3. esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou

Por conseguinte, a autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve, de ofício, indepen- dentemente de provocação do acusado, comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar no processo, sendo que a omissão no cumprimento do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave, para efeitos disciplinares (art. 19 da Lei nº 9.784/99). Deve-se alertar que, em regra, a alegação de impedimento não interrompe o andamento dos trabalhos. Todavia, a depender da situação concreta apresentada, pode o colegiado aguardar o pronunciamento final da autoridade instauradora para a prática de certos atos, tendo em vista que aqueles realizados com a participação de membro impedido serão ful- minados pelo efeito da nulidade.

Nos dizeres dos ensinamentos de Antônio Carlos Alencar Carvalho, “A autoridade administrativa que nomeou o acusado deve praticar ato vinculado de substituição do membro da comissão processante em situação de impedimento, sem margem para qualquer esfera discricionária de consideração sobre a conve- niência e oportunidade de o servidor nomeado continuar a atuar nessa condição”83.

Como consequência da inobservância do dispositivo citado acima, o referido autor descreve: “A participação de servidor impedido em colegiado disciplinar implica a invalidade de todos os atos processuais de que tenha participado, determinando a nulidade da pena imposta, o que pode redundar em prejuízos gravíssimos para o interesse público, em face do dever de reintegração, por exemplo, do servidor demitido e de pagamento de todos os seus vencimentos mensais e demais vantagens, desde a data do ato expulsório baseado em processo punitivo conduzido por agente incompetente, fora a possibilidade de o decurso de tempo verificado não mais permitir a punição administrativa, em virtude da superveniência da prescrição do jus puniendi da Administração”84.

Nesse sentido, tomando-se como exemplo de hipótese de impedimento, citem-se os julgados do STJ, transcritos logo abaixo:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR DEFLAGRADO POR REPRESENTAÇÃO DE DEPUTADO ESTADUAL QUE, DEPOIS, COMO MINISTRO DE ESTADO, EMITIU A PORTARIA DE- MISSÓRIA DO SERVIDOR. INADMISSIBILIDADE. ART. 18 DA LEI 9.784/99. PAD PRESIDIDO POR PROCURADOR FEDERAL QUE ANTES SE MANIFESTARA EM PARECER ESCRITO PELA NULIDADE DE PROCESSO DISCIPLINAR PRECEDENTE, SOBRE OS MESMOS FATOS E ENVOLVENDO OS MESMOS SERVIDORES. INADMISSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Processo Administrativo

Disciplinar se sujeita a rigorosas exigências legais e se rege por princípios jurídicos de Direito Proces- sual, que condicionam a sua validade, dentre as quais a da isenção dos Servidores Públicos que nele tem atuação; a Lei 9.784/99 veda, no seu art. 18, que participe do PAD quem, por ostentar vínculos com o objeto da investigação, não reveste as indispensáveis qualidades de neutralidade e de isenção. […]

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 14.958/DF – 2010/0006423-9, Relator: Ministro Napo- leão Nunes Maia Filho, julgado em 12/5/2010, publicado em 15/6/2010)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SINDICÂNCIA. ENVOLVIMENTO DA AUTORIDADE SINDICANTE NO FATO. ILEGALIDADE PARA PRESIDIR E DECIDIR. INEXISTÊNCIA DE ATO INDISCIPLINAR. 1. Envol-

83            CARVALHO, 2008, p. 347.

84            Idem, p. 346.

 

vida pessoalmente na suposta infração a ser apurada, encontra-se a autoridade sindicante impedida de presidir e decidir a sindicância. […]

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 6060/RS – 1995/0038442-6. Relator: Ministro Edson Vidigal, julgado em 10/11/1997, publicado em 1/12/1997)

 

  • Suspeição

A suspeição deriva de uma situação subjetiva e gera uma presunção relativa de parcialidade, admitindo prova em contrário. Portanto, ainda que haja indícios de configuração de uma das hipóteses de suspeição, há possibilidade de refutação pelo próprio suspeito ou pela autoridade instauradora.

Segundo José Armando da Costa85, consideram-se sujeitos passíveis de suspeição os membros da comissão processante, o denunciante, as testemunhas, os peritos, bem como a autoridade julgadora do procedimento, não obstante ser possível a eventual alegação de suspeição em relação também à autoridade instauradora.

Segundo Iuri Mattos de Carvalho86, “Não arguida a suspeição, o administrador-julgador se torna im- parcial e pode atuar no processo”.

De forma diversa ao impedimento, não há obrigatoriedade do servidor, integrante da comissão, de- clarar-se suspeito à autoridade instauradora. Assim, o vício fica sanado se não for arguido pelo acusado ou pelo próprio membro suspeito.

A exceção de suspeição pode ser arguida até a decisão final sobre a matéria, depois disso o defeito deixa de produzir qualquer consequência jurídica no processo disciplinar, convalidando-se o vício e conside- rando-se imparcial o membro da comissão supostamente suspeito.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. IMPEDIMENTO. HIPÓTESES TAXATIVAS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA. ART. 134, I A VI, DO CPC. INOCORRÊNCIA. SUSPEIÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA. PRECLUSÃO. RESPONSABILIDADE. ART. 138, § 1º DO CPC. ADMINISTRATIVO. TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA – TDA. RESGATE. PAR- CELA REMANESCENTE. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA. SÚMULA 269.

  1. As causas de impedimento do magistrado estão enumeradas taxativamente nos incisos I e VI do 134 do CPC. Enquadrando-se o julgador em qualquer dessas hipóteses, há presunção absoluta de parcialidade, que pode ser arguida em qualquer grau de jurisdição.
  2. Nas hipóteses de suspeição há presunção relativa de parcialidade, sujeita à preclusão. Se o inte- ressado deixa de argui-la na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos (art. 138, § 1º do CPC), convalida-se o vício, tendo-se por imparcial o

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RMS nº 24.613-1 – AgR/DF, Relator: Ministro Eros Grau, julgado em 22/6/2005, publicado em 12/8/2005)

As alegações de suspeição apresentadas pelo próprio membro da comissão são apreciadas pela au- toridade instauradora e as apresentadas pelo acusado, representante ou denunciante são avaliadas pela comissão e remetidas à autoridade instauradora.

Embora a Lei nº 8.112/90 tenha sido silente quanto à questão da suspeição, limitando-se tão-so- mente ao regime de impedimento, a Lei nº 9.784/99, em seu art. 2087 regulou a matéria de forma subsi- diária, apontando-se como principal causa de suspeição de integrante de comissão, com relação tanto ao acusado quanto ao representante ou denunciante, ter com eles, ou com seus cônjuges, parentes ou afins até o 3º grau, relação de amizade íntima ou de inimizade notória.

85            COSTA, 2011, p. 192.

  • FIGUEIREDO, 2009, 129.
  • 20. Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

 

Mas o que se entende por amizade íntima ou inimizade notória? “Amizade íntima é aquela notoria- mente conhecida por todos ou por um grande número de pessoas, em virtude de permanente contato, de frequência conjunta a lugares, de aproximação recíproca de duas pessoas, com ostensividade social. […] Mal-entendidos, divergências eventuais, posições técnicas diversas, antipatia natural, nada disso se incluirá como fundamento da suspeição. Para esta, é necessário que haja reconhecido abismo ou profundo ódio entre os indivíduos, de modo a considerar-se suspeita a atuação da autoridade”, por José dos Santos Car- valho Filho, citado por Antônio Carlos Alencar Carvalho88.

Exemplificando o caso, cite-se excerto do STJ em decisão monocrática em que se negou provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança:

Não existe qualquer prova pré-constituída de vínculo de amizade entre as autoridades em questão. A alegação de que o juiz federal presidente da comissão processante e o juiz federal denunciante utilizam o mesmo meio de transporte para o trajeto das suas residências para o trabalho, ainda que provada na forma exigida pela ação mandamental, não tem o condão de denotar amizade íntima entre os dois magistrados. (STJ – RMS 015881, Relator: Ministro Humberto Martins, Data do Julga- mento: 14.05.2009, Data da Publicação: 20.05.2009)

No entanto, na hipótese de indeferimento da alegação de suspeição, caberá recurso sem efeito sus- pensivo (art. 21 da Lei nº 9.784/99).

Também, é possível observar, no que se refere às alegações de impedimento e suspeição, que a juris- prudência do STJ tem decidido pela nulidade processual, por cerceamento de defesa, quando as arguições do acusado em seu depoimento ou na defesa escrita são ignoradas ou não apreciadas devidamente pela comissão processante e autoridade competente (instauradora ou julgadora).

Comentando o assunto, assinala Antônio Carlos Alencar Carvalho:

… não é dado ao conselho processante nem ainda menos à autoridade julgadora deixar de apreciar a impugnação em torno da falta de imparcialidade logo do presidente da comissão de processo admi- nistrativo disciplinar, figura decisiva para influir sobre o ânimo dos outros dois integrantes do conselho instrutor no que tange à conclusão pela culpabilidade do acusado, o qual tem o direito de ter sua responsabilidade cotejada – é esse o desiderato legislativo (art. 150, Lei 8.112/90)89 – por uma trinca acusadora formada por servidores absolutamente isentos90.

No mesmo sentido seguem decisões do Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PORTARIA INAUGURAL. NULIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. SUSPEIÇÃO. ART. 20 DA LEI Nº 9.784/99. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. NULIDADE. SUS- PENSÃO DO PRAZO PARA A DEFESA. DESTITUIÇÃO DE DEFENSOR. NOMEAÇÃO DE DE- FENSOR DATIVO. NULIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. […] II. O art. 20 da Lei nº

9.784/99 prevê a possibilidade do acusado arguir a suspeição em relação à autoridade participante da comissão processante. Logo, não poderia a referida comissão, principalmente na pessoa do pró- prio presidente, abster-se de processar, examinar e julgar a questão, simplesmente alegando que a matéria “é incidental a este Processo e, (…) não tem qualquer relação com os fatos que estão sendo apurados.” Precedente. […] IV. A decisão indeferitória da produção de provas refere-se à suspeição do presidente da comissão, ato esse já reconhecido como viciado face à ausência de motivação.

  1. Recurso conhecido e provido.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 19225/PR – 2004/0162930-1, Relator: Ministro Gilson Dipp, julgado em 13/2/2007, publicado em 19/3/2007)

 

88            CARVALHO, 2008, p. 348.

  • 150. A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da Administração.
  • CARVALHO, 2007.

 

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. PROCESSO DISCIPLINAR. ATO INAUGURAL. LEGALIDADE. SUSPEIÇÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. NULIDADE. AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

RECURSO PROVIDO. […] II. A apreciação, sem a devida motivação, de questão levantada pelo servidor quanto à suspeição do presidente da comissão de processo disciplinar, caracteriza-se como cerceamento de defesa do acusado, ensejando a anulação do processo. (…)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 19409/PR – 2004/0184848-6, Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 7/2/2006, publicado em 20/3/2006)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

DEMISSÃO. NULIDADE. OMISSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. A ausência de apreciação, de maneira injustificada, da questão preliminar levantada pelo servidor quanto à suspeição e impe- dimento do presidente da comissão de inquérito, caracteriza-se como cerceamento ao direito de defesa do acusado, ensejando a anulação do processo. Segurança concedida.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 7181/DF, 200/0102019-6 – Relator: Ministro Felix Fis- cher, julgado em 14/3/2001, publicado em 9/4/2001)

Conforme decisão do STJ, as alegações de imparcialidade da autoridade instauradora e da comissão de processo disciplinar devem estar fundadas em provas, não bastando meras conjecturas ou suposições desprovidas de qualquer comprovação.

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. DEMISSÃO. PROPORCIONALIDADE. I – A alegação de imparciali-

dade da autoridade que determinou a abertura do processo administrativo, bem como da comissão processante deve estar comprovada de plano, não bastando sugestivas afirmações desprovidas de qualquer suporte fático. O simples indeferimento de produção de prova testemunhal e documental não é suficiente para caracterizar a perda da imparcialidade dos julgadores. […]

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 8877/DF – 2003/0008702-2, Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 11/6/2003, publicado em 15/9/2003)

Portanto, recomenda-se muito cuidado no trato do assunto, tendo em vista que, segundo as autoras Adriane de A. Lins e Débora V. S. B. Denys91, um dos vícios que mais afeta os procedimentos disciplinares, tisnando-os com a eiva da nulidade, decorre, exatamente, de inobservância da “não apreciação de inci- dentes de impedimento e suspeição do presidente da comissão (cerceamento de defesa)”.

Por fim, é relevante destacar que, conforme mencionado para a hipótese de impedimento, a alegação de suspeição não tem aptidão para interromper o andamento do processo. De fato, utilizando-se analo- gicamente a regra positivada no art. 111 do Código de Processo Penal, evidencia-se que aquele incidente processual corre em autos apartados dos autos principais onde os fatos estão sendo discutidos, não impe- dindo a regular marcha processual.

 

  • Relações de Parentesco

Considerando que nos pontos anteriores foram referidos dispositivos das Leis n° 8.112/90 e 9.784/99, que mencionam as relações de parentesco, entende-se necessária uma breve explanação a respeito do assunto. Com efeito, a matéria é regulada pelo Código Civil que, nos arts. 1.591 a 1.595 estabelece as diferentes formas de parentesco entre as pessoas.

Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

91             LINS, 2007, p. 284.

 

Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na cola- teral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e des- cendo até encontrar o outro parente.

Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.

  • 1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do côn- juge ou companheiro.
  • 2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

Inicialmente, a lei civil dispõe que o parentesco pode ser consanguíneo, por afinidade ou civil. Con- sanguíneo é o relacionamento existente em função da descendência natural, ou seja, o existente entre os pais, filhos, netos, avôs, tios, sobrinhos, etc. O relacionamento por afinidade decorre do casamento ou da união estável pelos quais o cônjuge ou companheiro passa a ser aliado aos parentes do outro, valendo ressaltar que, por ordem expressa da lei, o parentesco por afinidade, em linha reta, não se extingue mesmo com a dissolução da união civil. Por fim, o parentesco civil decorre de alguma outra forma disposta em lei, tal como a adoção.

Em todas as espécies de vínculo, a relação de parentesco é contada em graus, podendo ser em linha reta e colateral ou transversal. O parentesco em linha reta existe pela descendência ou ascendência direta, como no caso de pais e filhos. Já o parentesco em linha colateral está presente quando a ligação entre dois parentes ocorre por meio de um ancestral comum. Importante destacar que o parentesco em linha cola- teral só se estende até o quarto grau.

Nos quadros abaixo, busca-se melhor exemplificar a situação.

 

2º GRAU 1º GRAU 1º GRAU 2º GRAU
AVÔ PAI             EU             FILHO             NETO

 

PARENTESCO EM LINHA RETA

 

 

 

2º GRAU                                      3º GRAU

 

 

PARENTESCO EM LINHA RETA

 

1º GRAU

 

FILHO
PAI

4º GRAU

 

 

 

  • Obrigações de imparcialidade e independência dos membros integrantes da comissão disciplinar

A comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo neces- sário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da Administração. É o que preceitua o art. 150 da Lei nº 8.112/90.

Fixa esse dispositivo nada mais que princípios de Administração, sobressaindo: imparcialidade, ou ob- servância do princípio da isonomia ou da igualdade (ou ainda da impessoalidade), e independência funcional, segundo os quais os membros das comissões, no curso de seus trabalhos de apuração92, ficarão isentos de pressões hierárquicas ou mesmo políticas.

Assim, uma vez nomeados os integrantes da comissão disciplinar, estariam eles necessariamente obri- gados a respeitar os princípios da imparcialidade e independência em busca da verdade real. Nesses termos, vale ressaltar a questão da necessidade de imparcialidade de membros de comissão processante que teriam participado anteriormente de sindicância disciplinar com emissão de juízo preliminar de valor.

Nesta hipótese Antônio Carlos Alencar Carvalho argumenta que

(…) não se tem admitido que quem tomou parte das investigações e exarou um juízo preliminar acerca da possível responsabilidade disciplinar do sindicado, considerando patentes a autoria e ma- terialidade de infração administrativa, venha depois compor a comissão que irá conduzir o processo administrativo disciplinar, porque teria vulneradas sua isenção e plena independência/imparciali- dade (art. 150, caput, L. 8.112/90), requisitos indispensáveis dos componentes do trio instrutor e acusador.93

Assim, caso contrário, se não houver qualquer emissão de juízo de valor acerca de suposta respon- sabilização funcional, é possível que membro da comissão de sindicância disciplinar faça parte da comissão de inquérito do PAD decorrente.

Em suma, desaconselha-se a designação para participar de comissão de processo administrativo disci- plinar dos mesmos membros que integraram a comissão sindicante e que concluíram pelo cometimento da infração pelo servidor investigado. Nessa orientação, seguem-se as decisões do STJ:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AGÊNCIA REGULADORA. SER- VIDOR. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SUSPEIÇÃO DE MEMBRO SIN- DICANTE PARA ATUAR NA COMISSÃO DO PAD. OCORRÊNCIA. VÍCIO DE MOTIVO NO ATO DE DEMISSÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA. (…)

  • – Dispõe o art. 150 da Lei n 8.112/1990 que o acusado tem o direito de ser processado por uma comissão disciplinar imparcial e
  • – Não se verifica tal imparcialidade se o servidor integrante da comissão disciplinar atuou também na sindicância, ali emitindo parecer pela instauração do respectivo processo disciplinar, pois já formou juízo de valor antes mesmo da produção probatória.
  • – O próprio Manual da Controladoria Geral da União de 2010, obtido na página eletrônica daquele órgão, afirma não ser recomendada a participação de membro sindicante no posterior rito contraditório. (…)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 2009/0022404-2, Relator: Ministro Haroldo Rodrigues, julgado em 25/8/2010, publicado em 15/9/2010)

 

 

92            RIGOLIN, 2010, p. 322.

93            CARVALHO, 2007

 

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. PENALIDADE DE DISPONIBILIDADE, COM VENCIMENTOS PRO- PORCIONAIS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE IM- PEDIMENTO DOS DESEMBARGADORES QUE PARTICIPARAM NO PROCESSO DISCIPLINAR. DE- SEMBARGADOR RELATOR DA SINDICÂNCIA E DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. IMPARCIALIDADE E IMPEDIMENTO EVIDENCIADOS. NULIDADE DO ATO IMPETRADO. PRECE-

DENTE. […] 3. Há impedimento de desembargador para relatar processo administrativo disciplinar instaurado em face de magistrado se, ao se manifestar também como relator na sindicância prévia à abertura do feito disciplinar, não se restringe a uma análise superficial e perfunctória das infra- ções imputadas ao recorrente, mas se pronuncia de forma conclusiva em desfavor do magistrado. Precedente.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 19.477/SP – 2005/0010118-0. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17/12/2009, publicado em 22/2/2010)

O acima citado autor conclui que:

A jurisprudência dos tribunais pátrios, destarte, tem encarecido a indispensabilidade de plena im- parcialidade dos integrantes do conselho disciplinar investigativo e processante, de modo que quem já emitiu seu convencimento em desfavor do acusado, na sindicância, não pode, após isso, ser rede- signado para apreciar o mesmo quadro fático e probatório, agora na etapa processual, sob pena de irreparável prejuízo ao direito do servidor público imputado de ter suas razões e provas cotejadas por colegiado instrutor e acusador isento, não previamente vinculado a juízos de valor sobre o mérito da responsabilidade do funcionário antes mesmo da coleta de provas em regime contraditorial, sob pena de o feito punitivo servir-se como um simulacro de ampla defesa, em face da orientação predetermi- nada em prejuízo do imputado. 94

Outra hipótese que tem gerado arguição de nulidade do PAD pela defesa do acusado refere-se à suposta suspeição da comissão processante designada para conduzir processo disciplinar, instaurado em decorrência da anulação do primeiro procedimento por cerceamento de defesa. Neste caso, argui-se a suspeição pelo fato de a mesma comissão, ou um dos membros, ter participado da instrução anulada ante- riormente, o que macularia sua isenção e imparcialidade, indispensáveis à garantia do livre convencimento do julgador.

De forma divergente, o STJ tem entendido não haver irregularidade para estes casos. Ao contrário, é mesmo salutar, de vez que aqueles servidores já conhecem, em boa medida, os fatos objetos de investigação.

Sobre o assunto, transcrevem-se abaixo as decisões mais recentes proferidas pelo STJ:

EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO EM RAZÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OPERAÇÃO EUTERPE. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PARCIALIDADE (SUSPEIÇÃO) NÃO COMPROVADA. LEGÍTIMA UTILIZAÇÃO DA PROVA. AUSÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. INDEFERIMENTO LIMINAR MANTIDO. AGRAVO REGI-

MENTAL NÃO PROVIDO. […] 3. Não foi demonstrado interesse direto ou indireto de membro de Comissão Processante no deslinde do PAD. Respeitados os aspectos processuais em relação ao im- pedimento e suspeição, não há prejuízo na convocação de servidores que tenham integrado anterior- mente uma primeira Comissão Processante cujo relatório conclusivo fora anulado por cerceamento de defesa. Precedente do STJ. […]

  1. Não houve reformatio in Após ter sido o agravante punido em PAD anulado, não se vislumbra contrariedade ao teor do art. 65 da Lei 9.784/99, visto que a hipótese não é de revisão de sanção disciplinar, mas sim de apreciação dos fatos como se nunca tivesse existido o primeiro procedimento.
  2. Agravo Regimental não

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg em MS nº 15463/DF – 2010/0121563-2. Relator: Mi- nistro Herman Benjamin, julgado em 9/2/2011, publicado em 15/3/2011)

94             Idem.

 

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ANALISTA TRIBUTÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. OPERAÇÃO PLATA DA POLÍCIA FEDERAL. LIBERAÇÃO DE VEÍCULO COM MERCADORIA IRREGULAR. FACILITAÇÃO DE CON- TRABANDO OU DESCAMINHO. MEMBROS DA COMISSÃO PROCESSANTE REGULARMENTE DESIGNADOS. AUSÊNCIA DE SUSPEIÇÃO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. DEGRAVAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA LEGALMENTE CO- LHIDA EM INSTRUÇÃO CRIMINAL. OBSERVÂNCIA CRITERIOSA DO RITO PROCEDIMENTAL PRE- VISTO NAS LEIS 8.112/90 E 9.784/99. SEGURANÇA DENEGADA. […] 3. Respeitados todos os

aspectos processuais relativos à suspeição e impedimento dos membros da Comissão Processante previstos pelas Leis 8.112/90 e 9.784/99, não há qualquer impedimento ou prejuízo material na convocação dos mesmos servidores que anteriormente tenham integrado Comissão Processante, cujo relatório conclusivo foi posteriormente anulado (por cerceamento de defesa), para compor a segunda Comissão de Inquérito. (…)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 13.986/DF – 2008/0260019-8. Relator: Ministro Napo- leão Nunes Maia Filho, julgado em 9/12/2009, publicado em 12/2/2010)

O STJ, em voto do Sr. Ministro Relator, acatado unanimemente, justifica a decisão (AgRg no Mandado de Segurança nº 15.463-DF, 2010/0121563-2):

Tampouco se mostra verossímil a afirmativa de que o simples fato de um servidor participar de ins- trução anulada anteriormente é suficiente para inquinar de imparcial a autoridade processante. O caso presente evidencia estrito cumprimento de dever da autoridade, não se afigurando plausível que o primeiro Processo Administrativo Disciplinar tenha sido anulado para fins de prejudicar o im- petrante, tão somente pelo fato de ter sido absolvido naquela etapa. Nesse sentido já decidiu esta Corte Superior:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DIS-

CIPLINAR. NULIDADES. NÃO OCORRÊNCIA. […] 6. Não configura o impedimento previsto no artigo 18 da Lei nº 9.784/1999 quando a atuação de quem se tem por impedido decorre do estrito cumprimento de um dever legal e não evidencia qualquer interesse direto ou indireto no deslinde da matéria. […]

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 585.156-RN – 2003/0158109-3. Relator: Ministro Paulo Gallotti, julgado em 2/10/2008, publicado em 24/11/2008).

No que tange à alegada reformatio in pejus na aplicação da pena de demissão, após ter sido a parte impetrante punida em Processo Administrativo Disciplinar anulado com a pena de advertência, não se vislumbra contrariedade ao teor do art. 65 da Lei nº 9.784/99, visto que a hipótese não é de re- visão de sanção disciplinar, mas sim de apreciação dos fatos como se nunca tivesse existido o primeiro procedimento.

Revela-se portanto, que o mandamus é manifestamente inadmissível por não preencher os requisitos legais.

Ivan Barbosa Rigolin, em comentário ao art. 169 da Lei nº 8.112/90, esclarece: “Deve a autoridade substituir a comissão, parece-nos, apenas quando denote traços inequívocos de má-fé, ou desonestidade de propósito, ou desvio de finalidade no trabalho que realizou, ou ainda por absoluto despreparo para a missão que lhe foi atribuída, ou algo tão grave quanto isso”95.

Nesta outra hipótese, também, desaconselha-se a designação para participar de comissão revisora os mesmos membros que integraram a comissão processante do PAD originário e que tomaram parte pela condenação do servidor requerente.

 

 

 

95            RIGOLIN, 2010, p. 349.

 

Sobre o tema Ivan Barbosa Rigolin assim expõe:

  1. Guimarães Menegale entende que para garantir a imparcialidade na apreciação do pedido revi- sional não se devem incluir na comissão de revisão servidores que trabalharam naquela processante, ainda que não se lhes ponha em dúvida a honestidade pessoal, porque não é possível ignorar ‘a dupla influência da validade, que induz o homem a resistir à mudança de suas convicções ou a confessar ou admitir que errou’.

Natural, assim, pareceu àquele ilustre administrativista que a autoridade nomeie comissões dife- rentes, para o processo e para a revisão, porque é certo que mesmo em processo civil a instância revisora é sempre diferente da instância proferidora da decisão revisanda.

Assim também nos parece, pelas razões sintéticas e sabiamente alinhadas por Menegale. Se um dia o homem for reconhecidamente infalível nos julgamentos que fizer de seus semelhantes, então nem mesmo revisão a lei precisará conceder a ninguém.96

Para finalizar a questão acerca da imparcialidade dos membros de comissões apuradoras, interessa registrar o posicionamento da Comissão de Coordenação de Correição sobre a possibilidade de partici- pação de membros de colegiados disciplinares em mais de um procedimento correcional com um mesmo acusado ou investigado, como segue:

A atuação de membro da comissão em outro procedimento correcional, em curso ou encerrado, a respeito de fato distinto envolvendo o mesmo acusado ou investigado, por si só, não compromete sua imparcialidade (Enunciado nº 16, de 11 de setembro de 2017 (DOU em 12/09/17)).

 

  • PUBLICIDADE DO PROCESSO

 

Nos termos do que foi ventilado no item 2.2.2 acima, para que o acusado possa exercer os direitos ao contraditório e à ampla defesa, é necessária a ciência do conteúdo dos autos do procedimento corre- cional e o conhecimento das deliberações da comissão responsável pela condução dos trabalhos. Neste diapasão, é certo que, além da comunicação dos atos processuais – tópico que será debatido adiante –, a vista do processo é providência indispensável para assegurar a presença dos dois direitos citados, os quais possuem vocação constitucional.

Inclusive, acerca do acesso integral aos autos por parte dos acusados em determinado procedimento correcional, a Comissão de Coordenação de Correição emitiu o seguinte enunciado:

Havendo conexão a justificar a instauração de procedimento correcional com mais de um acusado, a todos eles será garantido o acesso integral aos documentos autuados (Enunciado nº 19, de 10 de outubro de 2017 (DOU em 11/10/17)).

Contudo, a possibilidade de terceiros terem acesso ao conteúdo do processo disciplinar pode gerar dúvidas na comissão. Para responder a tal questionamento, é mister discorrer sobre o princípio da publici- dade, bem como acerca da Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei nº 12.527/2011).

Pois bem, o princípio da publicidade tem inspiração constitucional, encontrando-se positivado no caput do art. 37 da Carta Maior. Assim, a regra é que os atos praticados pela Administração sejam de co- nhecimento público, com o escopo de garantir a transparência necessária e indispensável em um regime democrático de direito.

Como decorrência natural deste princípio na seara correcional, no item 9.5.2 foi mencionada a ne- cessidade de que as portarias de instauração, prorrogação e recondução de procedimentos disciplinares sejam devidamente publicadas, em boletim interno do órgão ou entidade ou, quando for o caso, no Diário Oficial da União. Ademais, também deve ser dada a publicidade necessária para o julgamento do feito.

 

 

96             Idem, p. 360.

 

A LAI incorporou ao arcabouço normativo nacional um relevante e robusto conjunto de regras rela- tivas à publicidade dos atos praticados pela Administração Pública. Com efeito, buscou-se garantir a trans- parência na gestão da res publica, com a possibilidade de maior participação e monitoramento por parte da sociedade civil. Todavia, o fez sem prejuízo de cláusulas específicas de sigilos legais, como por exemplo, as informações protegidas por sigilo fiscal (art. 198 do Código Tributário Nacional – CTN) ou bancário (art. 3º do Código Tributário Nacional).

O art. 150 da Lei nº 8.112/90 também é um desses casos, pois determina que “a Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração”.

Seguindo este preceito, a LAI prevê no § 3º do art. 7º que “o direito de acesso aos documentos ou às informações neles contidas, utilizados como fundamento da tomada de decisão e do ato administrativo será assegurado com a edição do ato decisório respectivo”. Considerando que todo processo disciplinar em anda- mento consubstancia uma sequência de atos que culminarão na tomada de decisão em relação à responsa- bilidade administrativa sobre determinado fato, entende-se que os procedimentos dessa natureza, quando em curso, incluem-se na hipótese ali prevista.

Desse modo, não se deve conceder acesso a terceiros à documentação constante de processo administrativo disciplinar que ainda esteja em curso. Por outro lado, o dispositivo determina que uma vez concluído, ou seja, com a edição de seu julgamento, deixa de subsistir a situação que justifica a negativa de acesso a seu conteúdo. Ressalte-se que não há restrição de acesso ao acusado e seu procurador, em ne- nhuma fase do processo.

Assim, instaurado o procedimento disciplinar, o art. 150 da Lei nº 8.112/90 continua a acobertá-lo como restrito para acesso de terceiros durante todo o seu curso. No entanto, atendendo aos comandos de publicidade contidos na LAI, assim que concluído, ele passa a ser acessível a terceiros, com exceção dos dados que sempre serão protegidos por cláusulas específicas de sigilo (fiscal, bancário, imagem/honra).

Nesta direção, cita-se como exemplo, a Portaria CGU nº 1.335, de 21 de maio de 2018, que tratou, dentre outras matérias, da restrição de acesso aos documentos relativos à atividade de correição. Ainda que tal normativo possua alcance limitado à CGU, é certo que as regras lá estatuídas servem como diretriz para os demais órgãos e entidades integrantes do sistema:

Art. 24. Consideram-se informações e documentos preparatórios relativos a processos em curso no âmbito da CGU, cuja divulgação irrestrita pode trazer prejuízo a sua adequada conclusão:

  • – documentos que evidenciem os procedimentos e as técnicas relativas a ações de controle e de inspeção correcional, gestão de riscos ou de qualquer espécie de ação investigativa; e
  • – relatórios, pareceres e notas técnicas decorrentes de investigações, auditorias e fiscalizações, e outros documentos relativos às atividades de correição e de controle, bem como outras ações de competência da CGU, quando ainda não concluídos os respectivos
  • 1º A restrição de acesso às informações previstas no inciso I do caput deste artigo se extinguirá quando o método ou o procedimento adotado nas respectivas ações de controle, de inspeção corre- cional, de gestão de risco ou ação investigativa não for mais utilizado, salvo quando:
  • – haja perspectiva de utilização; ou
  • – seu conteúdo componha outros documentos de acesso
  • 2º A restrição de acesso às informações previstas no inciso II do caput deste artigo se extinguirá a partir da conclusão do procedimento, salvo subsistam outras restrições.
  • 3º Consideram-se concluídos, no âmbito da CGU, os procedimentos relativos a: I – ação correcional:

 

  1. procedimento correcional contraditório e eventual processo de acompanhamento: com a publi- cação da decisão definitiva do procedimento contraditório pela autoridade competente;
  2. procedimento investigativo: com o arquivamento do processo ou a publicação do julgamento do procedimento disciplinar contraditório decorrente da investigação; e
  3. procedimento de inspeção correcional: com a aprovação final do relatório pela autoridade competente;

II – ação de apuração de denúncias:

  1. após o encerramento da ação de controle ou do procedimento que a denúncia instruir;
  2. após seu expresso arquivamento; ou
  3. após o transcurso de 5 anos sem a adoção de providências; […]
  • 4º As informações oriundas ou resultantes de procedimentos correcionais, denúncias ou ações de controle, que possam resultar no prosseguimento de investigação em outros órgãos da Administração Pública, administrativa ou judicialmente, terão seu acesso condicionado à prévia consulta aos órgãos parceiros na investigação quanto à sua restrição de acesso.
  • 5º A restrição de acesso decorrente da natureza preparatória de documentos não será aplicada a interessados formalmente acusados em procedimentos de natureza contraditória, nem a seus repre- sentantes legais, quando necessários ao exercício do contraditório e da ampla defesa.
  • 6º Não integram os fundos documentais da CGU nem constituem documentos preparatórios à to- mada de decisão documentos que registrem simples anotações, esboços ou minutas descartados ao longo da atividade da CGU que não constituam achados ou dos quais não se haja derivado conclusão.
  • 7º O denunciante, por essa única condição, não terá acesso às informações e documentos preparatórios.

Os §§ 1º e 2º do art. 24 transcritos deixam claro que todos os documentos relativos à atividade de correição têm acesso restrito até à conclusão dos respectivos procedimentos, ainda que não estejam clas- sificados. Por sua vez, a alínea “b” do inciso I do § 3º do art. 24 traz relevante definição do que se entende por conclusão no caso de procedimento investigativo, com a menção de que a publicidade só ocorre após a publicação do julgamento do procedimento disciplinar contraditório decorrente da investigação.

Com relação ao processo de acompanhamento e ao procedimento correcional contraditório, a alínea “a” do inciso I do § 3º do art. 24 estabelece, de modo similar, o termo final da restrição de acesso na publicação da decisão definitiva – julgamento – do procedimento contraditório – PAD ou sindicância punitiva

  • pela autoridade

Registre-se, ainda, o teor do Enunciado CGU nº 14 a respeito:

RESTRIÇÃO DE ACESSO DOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES. Os procedimentos disciplinares têm acesso restrito para terceiros até o julgamento, nos termos do art. 7º, parágrafo 3º, da Lei nº 12.527/2011, regulamentado pelo art. 20, caput, do Decreto nº 7.724/2012, sem prejuízo das demais hipóteses legais sobre informações sigilosas.

Enunciado CGU nº 14, publicado no DOU de 1/6/2016, seção 1, página 48.

Entretanto, não se pode olvidar a publicação da Súmula Vinculante nº 14/STF, em que se estabelece: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documen- tados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”.

 

A Ouvidoria-Geral da União, em sede recursal, manifestou-se acerca de litígio instalado entre o Mi- nistério da Fazenda e servidor que lhe requerera acesso às peças constantes dos autos de sindicância patri- monial, que não é informada pelas garantias constitucionais à ampla defesa e ao contraditório, em razão da denegação da pasta ao pleito com fulcro nos arts. 3º, inciso IV, e 6º, inciso I, do Decreto nº 7.724/2012. A OGU/CGU emitiu parecer (Processo nº 16853.008638/2017-44), esclarecendo que

[…] conforme a Súmula n. 14 do STF e as jurisprudências decorrentes, entende-se que o sigilo legal abrange tão somente as informações constantes de sindicância, cujo procedimento apuratório de colheita de provas esteja em curso por competência da polícia judiciária e quando a finalidade do próprio procedi- mento assim o exigir. A despeito de o procedimento investigativo requerido se tratar de competência do poder da polícia administrativa do órgão, é possível fazer analogia à Súmula 14 do STF de que a informação é pública a partir do momento em que não se identifica mais possibilidade de frustrar a finalidade da investi- gação, dada a conclusão do procedimento investigatório em apreço.”.

A despeito da perda de objeto em razão da disponibilização dos autos da sindicância patrimonial finda ao interessado, entrevê-se claramente que não se deve obstruir o contato do investigado, mesmo em procedimentos inquisitivos, ao acervo probatório já coligido sob o pretexto do caráter preparatório do rito. É necessário haver risco efetivo à instrução concreta da matéria com a frustração de diligências em curso. As provas produzidas são passíveis de franqueamento ao interessado, descabendo a oposição com o espeque no art. 23, inciso VIII, da Lei nº 12.527/2011, sob pena de violação da autoridade da referida súmula vinculante.

 

 

 

  • COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS

 

A comunicação dos atos processuais surge diante da necessidade de cientificar as partes sobre os atos a serem praticados. Para o prosseguimento dos processos administrativos disciplinares e sindicâncias acusatórias é imprescindível que os atos sejam comunicados às partes envolvidas, ao que se denomina “co- municações processuais”.

Inicialmente, e de forma resumida, serão apresentadas as três formas mais comumente empregadas pelas comissões disciplinares para dar conhecimento da marcha processual aos envolvidos. Nos próximos tópicos, serão abordadas as particularidades essenciais de cada uma delas, indicando os fundamentos legais, doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores.

  1. Notificação prévia: Comunicação processual pela qual o acusado é informado da propositura de um processo contra a sua pessoa, consistindo em instrumento hábil para possibilitar o exercício do contraditório e ampla defesa desde o início dos trabalhos da comissão. É ato oficial, expedido pelo presidente da comissão processante, pelo qual o acusado é chamado ao processo, podendo realizar os atos de defesa que
  2. Intimação: Comunicação de atos processuais que tenham sido praticados ou a serem praticados no curso do Portanto, comunicam-se atos ao acusado, às testemunhas, aos informantes, ao defensor, ao perito etc.97
  3. Citação: Esta comunicação processual, na esfera administrativa, consiste no chamamento para apresentação de defesa escrita, ocorrendo, assim, após o

Os atos de comunicação são, em regra, assinados pelo presidente da comissão disciplinar e aqueles para cumprimento por meio pessoal são extraídos em duas vias, para que uma delas seja entregue ao des- tinatário e a outra juntada ao processo como comprovante de entrega.

Vale, desde já, consignar que a IN CGU nº 14/2018, nos parágrafos 5º, 6º, 8º e 9º, do art. 33, posi- tivou os entendimentos até então adotados acerca dos atos de comunicação processual, tais como a possi- bilidade da citação por hora certa, o procedimento quando houver recusa no recebimento, a comunicação por edital, etc.

Ressalta-se, ainda, a publicação da IN CGU nº 9/2020, que regulamenta a utilização de recursos tec- nológicos, a exemplo do correio eletrônico e aplicativos de mensagens instantâneas.

Assim, as comunicações processuais poderão ser encaminhadas para o e-mail ou para o tele- fone móvel pessoal, funcional ou particular do servidor. A confirmação de leitura deve ser juntada aos autos, ou, alternativamente, ser juntado termo no qual constem o dia, o horário e o número de telefone para o qual a comunicação foi enviada, bem como o dia e o horário em que ocorreu a confirmação da leitura pelo destinatário.

A confirmação de leitura da comunicação enviada poderá ocorrer com a manifestação expressa do destinatário; com a confirmação automática de leitura; com o sinal gráfico característico do aplicativo; com o encaminhamento para o e-mail ou número de telefone móvel informados ou confirmados pelo interes- sado (ciência ficta); ou com o atendimento da finalidade da comunicação.

 

97             Necessário esclarecer que é praxe de alguns órgãos adotar a denominação “notificação” para aquelas comunicações direcionadas ao acusado, a fim de es- tabelecer distinção das demais intimações. O posicionamento deste manual segue o que dispõe a Lei n° 9.784/99 que, em seu art. 26, apenas previu a intimação como ato de comunicação processual. Todavia, em vista da aplicação do princípio do informalismo moderado, a denominação aplicada aos atos processuais da Comissão não os invalidam, independente do nome que se escolha, desde que respeitadas as demais previsões legais, tal como a observância ao prazo de sua realização.

 

Com a confirmação da leitura, terá início no dia útil seguinte a contagem do prazo processual, quando for o caso.

Caso a leitura da comunicação não seja confirmada, o procedimento de envio deve ser cancelado e repetido, por qualquer meio.

 

  • Notificação prévia

Inicialmente, registre-se que os termos “acusado” e “indiciado” serão empregados seguindo a regra presente na Lei nº 8.112/90. Isso porque, na fase inicial da instrução do processo disciplinar, quando pre- sentes somente indícios contra o servidor e ainda não se fez nenhuma acusação formal, a lei o define como acusado. Na fase final da instrução, caso a comissão formalize a acusação contra o servidor na indiciação, a lei passa a designá-lo como indiciado. Para melhor entendimento, Madeira98 é bem didático neste ponto:

(…) o termo acusado não significa condenado nem culpado. É apenas um termo técnico que deixa claro que aquela pessoa precisa se defender da acusação que contra ela está sendo lançada. No processo penal a pessoa que responde ao processo criminal é chamada de réu e ninguém contesta este termo. Aqui, no processo disciplinar, chamamos de acusado, não há nenhum problema nisso. Aliás, é muito bom que se use esse termo porque o indigitado servidor irá se preocupar com o processo e irá buscar realmente se defender. Se ele é chamado de envolvido pode pensar que a situação não é tão perigosa e negligenciar sua defesa.

Em que pese a inexistência de previsão expressa na Lei nº 8.112/90, a notificação prévia dos acusados é ato indispensável ao início do exercício da ampla defesa e do contraditório. Assim, com o início da fase de instrução, a comissão deve notificar pessoalmente o servidor da existência do processo no qual figura como acusado, a fim de que possa realizar os atos de defesa que desejar, exceto se ainda não houver no processo elementos que justifiquem a realização de tal ato.

Junto com a notificação, a comissão deve indicar o endereço de acesso ou link do servidor on-line onde o processo esteja armazenado ou, alternativamente, fornecer cópia integral dos autos, podendo ser em mídia digital, tendo o cuidado de tarjar eventuais dados sigilosos de terceiros, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.784/99, in verbis:

Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem.

Atualmente, o art. 33, §4º da IN CGU nº 14/2018 prevê a notificação prévia, como comunicação acerca da existência do processo e da possibilidade de ser acompanhado, pessoalmente, ou por procurador.

A decisão quanto à notificação do servidor acusado deve ser precedida de ata de deliberação. Assim, após a ata de instalação, pela qual a comissão registra o início de seus trabalhos, ela se reunirá para analisar o processo e deliberar pela notificação do acusado.

A comissão também deverá comunicar a notificação prévia ao titular da unidade de lotação do acu- sado, e também à unidade de Recursos Humanos a qual estiver vinculado, em atendimento ao art. 172 da Lei nº 8.112/90, fato que impossibilitará sua aposentadoria99 e exoneração voluntárias. Além disso, férias, deslocamentos, remoção, licenças e afastamentos, também podem impactar negativamente no desenvol- vimento dos trabalhos apuratórios das comissões, sendo possível, de forma justificada, suspender a fruição ou indeferir os pedidos relacionados a tais benefícios.

98             MADEIRA, 2008, p. 102.

99             A Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, por meio da Nota Técnica nº 26453/2018-MP, acatou entendimento da Consultoria Jurídica daquele Ministério (Parecer n. 01460/2018/ACS/CGJRH/CONJUR-MP/CGU/AGU, aprovado em 7 de novembro de 2018) que, repisando as decisões do STJ, recomendou, ao final, a aplicação do Enunciado nº 17 do Manual de Boas Práticas em Matéria Disciplinar, da Advocacia-Geral da União, segundo o qual: “Ultrapassado o prazo legal de 140 (cento e quarenta dias) para a apuração e conclusão do processo administrativo disciplinar , a Administração Pública não poderá obstar , apenas com fundamento no art. 172 da Lei ns 8.112, de 1990, a concessão de aposentadoria voluntária requerida pelo servidor acusado no curso do processo, salvo a demonstração inequívoca de ter sido ele o único responsável pela demora na realização da fase de instrução processual, impedindo, por conseqüência, o julgamento pela autoridade competente em prazo razoável.

 

Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.

A notificação deve atender aos arts. 153 e 156 da Lei nº 8.112/90100, sendo que cabe à comissão fazer constar no documento as seguintes informações:

  1. a instauração do processo contra o servidor por suposto cometimento de ilícito administrativo, indicando resumidamente o motivo da instauração ou menção que os fatos se encontram descritos em determinado processo, sem a menção ao enquadramento legal da suposta irregularidade (evitando com isto uma possível alegação de prejulgamento do caso);
  2. os direitos e meios assegurados para acompanhar o processo, contestar provas e de produzi-las a seu favor; e
  3. local e horário de funcionamento da comissão

A notificação do servidor deve ser providenciada logo após as primeiras deliberações da comissão e análise do processo, quando já estiverem presentes os elementos que apontem o possível autor ou responsável.

Deve-se ressaltar que, na hipótese de iniciado o processo sem nenhum acusado ou no caso de sur- girem novos elementos que indiquem a participação de outros servidores, deve a comissão promover, de imediato, os trâmites de notificação e as comunicações à autoridade instauradora e à unidade de Recursos Humanos.

Também é relevante atentar que, caso alguma prova testemunhal ou outra que demande a parti- cipação do acusado na sua produção (tais como perícias e exames) tenha sido feita anteriormente e seja necessária para o esclarecimento do ilícito, deve ser dada oportunidade para o exercício do contraditório por meio do refazimento do ato.

Em relação à indicação exata, na notificação prévia, dos fatos que serão apurados no processo, não há necessidade de tal providência. Seguem entendimentos, extraídos, respectivamente, do Parecer AGU nº GQ-55, vinculante, e de julgado do STJ acerca do tema:

Parecer AGU GQ-55

Em virtude dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o servidor que responde a processo disciplinar deve ser notificado da instauração deste imediatamente após a instalação da comissão de inquérito e, em qualquer fase do inquérito, cientificado dos atos processuais a serem praticados com vistas à apuração dos fatos, de modo que, tempestivamente, possa exercitar o direito assegurado no art. 156 da Lei nº 8.112, de 1990 (…)

  1. Não se coaduna com o regramento do assunto a pretensão de que se efetue a indi- cação das faltas disciplinares na notificação do acusado para acompanhar a evolução do processo, nem essa medida seria conveniente, eis que seria suscetível de gerar presunção de culpabilidade ou de exercer influências na apuração a cargo da comissão de inquérito. (grifou-se)

Inexiste nulidade no fato da notificação decorrente de processo administrativo disci- plinar não indicar, de forma precisa, os fatos imputados aos notificados, pois, nessa fase, os mesmos ainda dependem de apuração, de modo que, concluída a fase instrutiva, procede-se através de termo próprio, à indicação das irregularidades apuradas e seus respectivos responsáveis, como meio de propiciar-lhes a efetiva defesa escrita, consoante determina o art. 161 da Lei nº 8112/90. (grifou-se)

 

  • 153. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito. / Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

 

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 4.147. Relator: Ministro Anselmo Santiago, julgado em 23/9/1998, publicado em 7/12/1998)

A notificação prévia poderá ser encaminhada para o endereço de correio eletrônico ou para o nú- mero de telefone móvel pessoal do acusado, seja funcional ou particular, na forma de mensagem escrita e acompanhada de arquivo de imagem do ato administrativo, nos termos da IN CGU 9/2020.

Necessário que a comunicação e a confirmação de seu recebimento sejam incorporadas aos autos, com a juntada da mensagem de correio eletrônico ou de aplicativo de mensagem instantânea ou, ainda, por termo, no qual conste dia, horário e número de telefone móvel para o qual a comunicação foi enviada, bem como dia e horário em que ocorreu a confirmação do recebimento pelo destinatário, com a imagem do ato administrativo.

A confirmação do recebimento da notificação poderá ocorrer mediante a) resposta do acusado, b) notificação de confirmação automática de leitura, c) sinal gráfico característico do aplicativo de mensagem instantânea que demonstre a leitura por parte do destinatário, d) o atendimento da finalidade pelo interes- sado (p.ex., ao encaminhar o rol de testemunhas solicitado na notificação prévia).

Não ocorrendo qualquer dessas hipóteses no prazo de 5 dias, o procedimento poderá ser repetido ou realizado pelos meios convencionais de notificação. Ademais, também deverão ser utilizados os meios convencionais de comunicação de atos processuais quando não identificado endereço de correio eletrônico ou número de telefone móvel, funcional ou pessoal.

Para a entrega física da notificação prévia o documento deverá estar em duas vias, sendo que uma delas será entregue pessoalmente ao acusado, e na outra ele deverá apor sua assinatura e data de rece- bimento, para posterior juntada aos autos. Em caso de mais de um servidor acusado, a comissão deverá providenciar mandado de notificação para cada um.

Quando o servidor a ser notificado estiver em local distinto do funcionamento da comissão, há a pos- sibilidade do deslocamento de membro do colegiado para efetivação do ato, mediante autorização da auto- ridade instauradora e disponibilidade de recursos materiais. Ainda há possibilidade de serem encaminhadas cópias da notificação e dos autos para que um servidor designado realize o ato, com posterior devolução à comissão de uma via do documento devidamente assinado e datado.

Recomenda-se, como alternativa às possibilidades acima, a designação de secretário no local onde se encontra o acusado, para prestar apoio à comissão na realização das comunicações processuais ao longo de todo o procedimento.

A efetivação das comunicações processuais nem sempre é fácil, podendo ocorrer situações onde o servidor acusado, por exemplo, se recusa a receber a notificação ou se encontra em lugar incerto e não sa- bido. Como a notificação prévia, por si, não está prevista expressamente na Lei nº 8.112/90, essa também não tratou de todas as situações de embaraço ao cumprimento da referida comunicação processual e, assim, pode se fazer necessário recorrer às previsões legais sobre a citação ou mesmo à utilização de ana- logia a outros diplomas legais.

No caso de servidor que se recusa a receber a notificação, pode-se fazer analogia com a citação prevista na Lei nº 8.112/90. Assim, o membro da comissão responsável pela notificação deve registrar o incidente em termo próprio e com assinatura de duas testemunhas. Frise-se que o art. 161 da Lei nº 8.112/90 não faz nenhuma exigência quanto à qualidade das testemunhas, podendo ser qualquer pessoa que presencie a recusa do recebimento. Entretanto, em razão da fé pública que possui o servidor, melhor que o ônus recaia sobre este – ressalte-se que se deve excetuar os membros das comissões, pois aí não será “testemunha”, mas interessado em que a formalidade tenha sido adequadamente tomada.

 

Art. 161. (…)

  • 4º. No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de 2 (duas) testemunhas.

Outra situação ocorre quando o acusado se encontra em lugar incerto e não sabido, cuja solução, de acordo com o art. 163 da Lei nº 8.112/90, será efetuar a notificação do acusado por edital, publicado no D.O.U e também em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido. Assim, cumpre-se a necessidade de notificar o servidor de sua condição como acusado no processo.

Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.

O cuidado que a comissão deve ter antes da utilização do edital é empreender tantas diligências quantas forem necessárias para localização do acusado nos endereços conhecidos, sejam de trabalho ou re- sidenciais. Tais diligências, naturalmente, deverão ser certificadas no processo, como forma de demonstrar a tentativa de cumprimento da notificação por meio pessoal, que é o preferencial neste caso.

No caso em que o acusado ainda estiver ativo no serviço público e a comissão não conseguir notifi- cá-lo em seu local de lotação, haverá a possibilidade de instauração de novo procedimento disciplinar. Tal situação ocorrerá caso o acusado deixe de comparecer intencionalmente ao serviço por mais de 30 dias consecutivos, o que caracterizaria possível abandono de cargo, sendo necessária a comunicação desse evento à autoridade instauradora.

A Lei nº 8.112/90 também não cuidou da hipótese do acusado estar preso. Contudo, o Código Civil, especificamente no art. 76, reza que “têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso”. Deste modo, estando o acusado preso, o seu paradeiro é sabido, então deve a co- missão proceder à notificação pessoal, observando alguns cuidados, tais como pedidos de autorização às autoridades competentes para ingresso nos estabelecimentos prisionais ou delegacias.

Cumprida a Notificação Prévia, o processo terá curso normal, procedendo-se às demais comunica- ções processuais de interesse do (s) acusado (s), de modo a ser adequadamente oportunizado o direito ao exercício do contraditório. Nesta linha importa mencionar que é muito relevante o acompanhamento do processo pelo (s) acusado (s), por si ou seu (s) procurador (es), sendo que, somente excepcionalmente, a marcha processual será interrompida. Por oportuno, registre-se o entendimento seguinte, da Comissão de Coordenação de Correição:

ATESTADO MÉDICO PARTICULAR. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. O atestado médico

particular não tem, necessariamente, o condão de sobrestar o processo disciplinar. Inexistindo dúvida razoável acerca da capacidade do acusado para o acompanhamento do processo, com base no conjunto probatório carreado aos autos, poderá a prova pericial ser indeferida.

Enunciado CGU nº 12, publicado no DOU de 14/1/16, seção 1, página 10

 

  • Intimação

Não menos importante que a notificação, a intimação tem a relevante função de dar conhecimento dos atos processuais que serão praticados ou que já tenham sido praticados pela comissão processante. O objetivo é promover a comunicação daqueles a qualquer pessoa que, de algum modo, deva participar do processo, ou seja, acusados, procuradores, servidores ou particulares (testemunhas, peritos, etc.).

Os membros da comissão processante precisam atentar que os seus atos devem ser objeto de de- liberação em conjunto e da necessidade de serem registrados por meio de atas que, por sua vez, serão juntadas aos autos do processo. Durante a fase de instrução probatória, as decisões da comissão precisam ser comunicadas aos acusados ou aos seus procuradores, principalmente se as decisões são relativas à for-

 

mação do conjunto probatório, ainda que o pedido de formação da prova seja de iniciativa dos acusados. Evidencia-se, assim, que as intimações que informam aos acusados ou procuradores sobre a realização de atos para a formação de provas são essenciais para o exercício do contraditório e da ampla defesa, o que afasta possíveis alegações de nulidade.

Uma das principais utilizações da intimação é a convocação de testemunhas para prestar depoimento. O mandado de intimação, em sua forma, basicamente segue as regras da notificação, pois a intimação deve ser expedida pelo presidente da comissão, em duas vias, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento. O meio previsto na Lei nº 8.112/90 é o pessoal, sendo que uma das vias deve ter assina- tura e data da intimação para posterior juntada aos autos do processo, conforme se lê:

Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexada aos autos.

Deve-se ressaltar que o Enunciado nº 10 da Controladoria-Geral da União, debatido na Comissão de Coordenação de Correição determina que a intimação seja entregue por escrito e com a comprovação de ciência por parte do interessado. Assim, permite-se, por exemplo, que a intimação seja encaminhada por mensagem eletrônica, sendo necessário o aviso de leitura da mensagem, para que seja gerada a presunção de que o interessado tomou conhecimento de seu teor:

VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO DE ATOS PROCESSUAIS. A validade de uma intimação ou notificação real fica condicionada a ter sido realizada por escrito e com a comprovação da ciência pelo interes- sado ou seu procurador, independentemente da forma ou do meio utilizado para sua entrega.

Enunciado CGU nº 10, publicado no DOU de 16/11/2015, seção 1, página 42

Ressalta-se, ainda, que a intimação poderá também ser encaminhada para o número de telefone móvel pessoal do destinatário, seja funcional ou particular, na forma de mensagem escrita e acompanhada de arquivo de imagem do ato administrativo, nos termos da IN CGU 9/2020.

Necessário que a comunicação e a confirmação de seu recebimento sejam incorporadas aos autos, com a juntada da mensagem de correio eletrônico ou de aplicativo de mensagem instantânea ou, ainda, por termo, no qual conste dia, horário e número de telefone móvel para o qual a comunicação foi enviada, bem como dia e horário em que ocorreu a confirmação do recebimento pelo destinatário, com a imagem do ato administrativo.

A confirmação do recebimento da intimação poderá ocorrer mediante a) resposta do destinatário, b) notificação de confirmação automática de leitura, c) sinal gráfico característico do aplicativo de mensagem instantânea que demonstre a leitura por parte do destinatário, d) o atendimento da finalidade, e) o enca- minhamento da mensagem para o correio eletrônico ou número de telefone móvel informados ou confir- mados pelo interessado (ciência ficta).

Não ocorrendo qualquer dessas hipóteses no prazo de 5 dias, o procedimento poderá ser repetido ou realizado pelos meios convencionais de notificação. Ademais, também deverão ser utilizados os meios convencionais de comunicação de atos processuais quando não identificado endereço de correio eletrônico ou número de telefone móvel, funcional ou pessoal.

Outro ponto que merece destaque é que a intimação, dado o caráter público do processo, poderá ser utilizada para particulares, terceiros e administrados em geral, conforme se depreende da leitura do art. 157 da Lei nº 8.112/90, juntamente com os artigos 4º, IV, 39 e 28 da Lei nº 9.784/99, esses últimos au- torizando a intimação dos administrados para prestarem informações perante a Administração e colaborar para o esclarecimento dos fatos.

Art. 4º São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:

(…)

 

IV – prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos.

Art. 39. Quando for necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos inte- ressados ou terceiros, serão expedidas intimações para esse fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento.

Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.

Portanto, com fundamento nesses dispositivos da Lei nº 9.784/99, não cabe ao cidadão negar-se a atender a intimação das comissões disciplinares com a simples alegação de que não há interesse seu no processo administrativo disciplinar.

Caso a testemunha a ser intimada seja servidor público, deve-se expedir comunicado da intimação ao chefe da repartição de sua lotação, com a indicação do dia, horário e local marcados para a sua oitiva, de acordo com o parágrafo único do art. 157, da Lei nº 8.112/90101. Ressalte-se que o servidor é obrigado a comparecer, sob pena de ser responsabilizado administrativamente, sendo irrecusável a sua liberação para prestar o depoimento na data e horário fixados no mandado.

Para as testemunhas convocadas para prestar depoimento fora da sede de seu local de trabalho, a Lei nº 8.112/90, em seu artigo 173, garantiu transporte e diárias, a fim de custear o seu deslocamento até o local de funcionamento da comissão disciplinar. Recomenda-se, contudo, a avaliação da via menos onerosa, podendo ser o próprio deslocamento da comissão ou ainda, preferencialmente, a realização do ato por meio de videoconferência.

Com a intimação das testemunhas devidamente realizada, deve a comissão providenciar a intimação do servidor acusado ou do seu procurador, caso existente, acerca da realização das oitivas. Insta salientar que, em caso de mais de um acusado, deve-se intimar todos eles ou seus respectivos procuradores, com antecedência mínima de três dias úteis, de acordo com o art. 41 da Lei nº 9.784/99.

Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

A ausência do acusado e/ou do seu procurador no dia, hora e local da realização do ato, desde que um deles tenha sido devidamente intimado, não impede que se realizem as oitivas. Esta situação não gera nenhum vício ou cerceamento de defesa que poderia suscitar possível alegação de nulidade do processo. Todavia, a falta da intimação poderá viciar o ato, conforme menciona Reis102:

O acusado, se o desejar, a tudo poderá estar presente, pessoalmente ou por intermédio de seu pro- curador. A sua presença não é, porém, obrigatória, nem invalida o depoimento, se ausente, desde que para o evento tenha sido notificado adequadamente. A ausência da notificação, esta sim, é que viciará o ato.

A presença do acusado ou do seu procurador no ato supre qualquer irregularidade ou falha, ainda que as intimações não tenham respeitado as prescrições legais. Contudo, a ausência daqueles gera nulidade das intimações e dos atos que derivarem delas, devendo a comissão repetir todos os atos necessários para atender o contraditório e a ampla defesa.

Não restando mais nenhum outro tipo de ato de instrução probatória, cabe à comissão deliberar pelo interrogatório do acusado. A intimação do acusado ou do seu procurador deve respeitar o prazo do art. 41 da Lei nº 9.784/99103, ou seja, três dias úteis de antecedência da data marcada para o interrogatório. No caso específico do interrogatório, estando o acusado representado por advogado, entende-se que a

  • 157, Parágrafo único: Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados para inquirição.

102           Idem, p. 145.

103           Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

 

intimação deverá ser feita a ambos, no prazo legal, em vista do disposto no art. 7º, XXI, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94):

Art. 7º São direitos do advogado:

(…)

XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos in- vestigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016)

Depreende-se, pois, que, em regra, as intimações deverão ser feitas ao acusado ou ao procurador regularmente constituído, nos limites da procuração. Frise-se que, sendo o procurador um advogado, a procuração geral abarca poderes para recebimento das comunicações processuais em geral, salvo aquelas que forem, expressamente, excepcionadas na procuração. A validade das intimações fica condicionada à comprovação da ciência pelo interessado, independentemente da forma utilizada para cumprimento do ato.

Assim, ainda que o procurador do acusado seja membro da Defensoria Pública, poderá a comuni- cação ser encaminhada para o endereço de correio eletrônico ou número de celular informados ou confir- mados, nos termos da IN 9/2020 e do art. 183, § 1º, do Código de Processo Civil.

Alerta-se, no entanto, que, nesse caso, caberá à comissão observar o prazo em dobro para todas as manifestações processuais, nos termos do art. 186 do Código de Processo Civil.

Acerca do tema, registre-se que o STJ, no MS nº 10.404, manifestou-se no sentido de que a ausência de intimação dos procuradores não gera nulidade, haja vista a intimação pessoal do acusado. Aquele mesmo tribunal, no RO nº 19.741, também afirmou que inexiste vício no fato das intimações terem sido feitas apenas ao procurador nomeado pelo servidor:

(…) 2. A ausência de intimação dos procuradores dos impetrantes não acarreta nulidade destes atos, haja vista a intimação pessoal dos acusados”.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 10.404/DF. Relator: Ministro Paulo Geraldo de Oliveira Medina, julgado em 25/5/2005, publicado em 29/6/2005)

(…) IV – Inexiste vício a macular o processo administrativo disciplinar no fato de as intimações terem sido feitas apenas ao advogado nomeado pelo servidor indiciado.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 19.741/MT. Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 11/3/2008, publicado em 31/3/2008)

Não obstante, vale repisar que, em se tratando do interrogatório, quando o procurador do acusado for um advogado, a intimação deverá ser feita a ambos.

Por fim, além do mandado de intimação, poderá o ofício ser utilizado pelas comissões disciplinares durante o desenvolvimento das suas atividades para solicitar informações, prestá-las ou realizar pedidos/ requerimentos a autoridades ou órgãos.

 

  • Citação

Após a realização de todas as diligências, oitivas, perícias e interrogatório do (s) servidor (es) acusado (s), a comissão processante possivelmente já terá condições de avaliar se o conjunto probatório acostado aos autos indica a existência de infração funcional. Neste momento, e de acordo com o que foi carreado ao processo, o colegiado irá deliberar pelo indiciamento ou não do (s) acusado (s). Caso ocorra o indicia- mento, o meio de dar conhecimento de tal decisão é a citação.

 

Assim, caberá à comissão a elaboração do mandado de citação, com o escopo de permitir ao (s) indiciado (s) a oportunidade de apresentação de defesa escrita. Para tanto, será garantido o acesso ao processo disciplinar na repartição, conforme prevê a Lei nº 8.112/90 no art. 161, § 1º, sem prejuízo da disponibilização de acesso aos autos do processo eletrônico, da remessa de cópia digitalizada ou mesmo do fornecimento de cópias reprográficas, a pedido do (s) indiciado (s) e conforme normativos próprios sobre taxas devidas.

Art. 161. (…)

  • 1º O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição.

Alerta-se que, caso o acusado esteja representado pela Defensoria Pública, deve a comissão observar o prazo em dobro para todas as manifestações processuais, nos termos do art. 186 do Código de Processo Civil.

O mandado de citação, da mesma forma que as outras formas de comunicação já debatidas, será emitido em duas vias iguais, com assinatura do presidente, para que seja encaminhado com a utilização de recursos tecnológicos ou entregue fisicamente ao indiciado ou ao seu procurador.

A procuração geral para o foro basta para receber a citação em PAD, pois, quando o art. 105 do CPC excepciona a citação, tem em vista o contexto do processo civil. Isso significa que a citação a que alude consiste no ato que aperfeiçoa a relação processual no início do procedimento ao cientificar o réu da demanda. O ato que recebe o nome de “citação” no processo civil é chamado de “notificação prévia” costumeiramente no PAD. Portanto, os poderes especiais servem para atribuir ao advogado encargo de receber o ato inaugural dos procedimentos, a fim de afastar o cliente do incômodo de ser provocado a cada processo judicial ou administrativo e agilizar a correspondente resposta às pretensões.

Na ocasião da citação em PAD, a relação processual está aperfeiçoada, assim como o advogado já tem conhecimento do eventual ônus de responder à indiciação, não havendo, por conseguinte, similaridade entre a citação do PAD e a citação do processo civil, salvo a homonímia dos atos, pois diferem quanto à natureza jurídica.

Enfim, deve o servidor responsável pelo ato de citação juntar a confirmação eletrônica ou coletar em uma das vias o ciente do indiciado ou do procurador, com a respectiva assinatura e a data de recebimento, para posterior juntada ao processo. Não é demais advertir, porém, que a comissão deverá atentar-se ao conteúdo da procuração, buscando identificar se não há alguma exceção, pois é possível que o outorgante restrinja os poderes e exclua, por exemplo, exatamente o recebimento da citação.

Para que cumpra seu objetivo, o mandado de citação deve obrigatoriamente informar local e prazo para apresentação da defesa escrita e o direito que tem o indiciado de consultar o processo na repartição. A comissão deve ter o cuidado de encaminhar cópia do termo de indiciação e, preferencialmente, o endereço eletrônico de acesso ao processo, ou, alternativamente, cópia dos autos (em meio digital), podendo deixar de fazê-lo quanto ao conteúdo que já tenha sido entregue no ato da notificação.

Cabe ressaltar que a citação encaminhada para o correio eletrônico ou número de telefone móvel pessoal do destinatário, seja funcional ou particular, deve ocorrer na forma de mensagem escrita e estar acompanhada de arquivo de imagem do ato administrativo, nos termos da IN CGU 9/2020.

Necessário que a comunicação e a confirmação de leitura sejam incorporadas aos autos, com a jun- tada da mensagem de correio eletrônico ou de aplicativo de mensagem instantânea ou, ainda, por termo, no qual conste dia, horário e número de telefone móvel para o qual a comunicação foi enviada, bem como dia e horário em que ocorreu a confirmação do recebimento pelo destinatário, com a imagem do ato administrativo.

A confirmação do recebimento da citação poderá ocorrer mediante a) resposta do destinatário, b) notificação de confirmação automática de leitura, c) sinal gráfico característico do aplicativo de mensagem

 

instantânea que demonstre a leitura por parte do destinatário, d) o atendimento da finalidade, e) o enca- minhamento da mensagem para o correio eletrônico ou número de telefone móvel informados ou confir- mados pelo interessado (ciência ficta).

Não ocorrendo qualquer dessas hipóteses no prazo de 5 dias, o procedimento poderá ser repetido ou realizado pelos meios convencionais de notificação. Ademais, também deverão ser utilizados os meios convencionais de comunicação de atos processuais quando não identificado endereço de correio eletrônico ou número de telefone móvel, funcional ou pessoal.

No caso de entrega da citação de forma física e estando o servidor a ser citado em local distinto do funcionamento da comissão, há a possibilidade, mediante autorização da autoridade instauradora e dis- ponibilidade de recursos materiais (transporte e diárias), do deslocamento de membro da comissão para efetivação do ato. Repise-se, porém, a possibilidade de designação de servidor no local do indiciado, como forma de auxiliar a comissão na execução dos atos de comunicação processual.

No caso do indiciado que se recusa a receber a citação, o responsável pelo cumprimento do ato deve registrar o incidente em termo próprio e com assinatura de duas testemunhas. Importa frisar que o § 4º do art. 161 da Lei nº 8.112/90 não faz nenhuma exigência quanto à qualidade das testemunhas, podendo ser qualquer pessoa que presencie a recusa do recebimento. Entretanto, em razão da fé pública que possui o servidor, melhor que o ônus recaia sobre este (pessoa diversa daquela que está cumprindo o ato).

Art. 161. (…)

  • 4º No caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa con- tar-se-á da data declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de 2 (duas) testemunhas.

Outra situação que merece destaque ocorre quando o indiciado se encontra em lugar incerto e não sabido. Neste caso, cabe ao colegiado registrar, em termos de ocorrências, as infrutíferas tentativas de lo- calizar o servidor na unidade de lotação e no seu endereço residencial ou outros endereços conhecidos. A solução para a situação retratada é a prevista no art. 163 da Lei nº 8.112/90, que será efetuar a citação do indiciado por edital, publicado no DOU e também em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para que apresente sua defesa:

Art. 163. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.

No caso em que o acusado ainda estiver ativo no serviço público e a comissão não conseguir citá-lo em seu local de lotação, é relevante atentar para a possibilidade de instauração de novo procedimento disciplinar para apurar possível falta disciplinar consubstanciada na ausência intencional por mais de 30 dias consecutivos ao serviço. Deste modo, caso presentes indícios da prática deste ilícito funcional, deve-se fazer a comunicação dessa situação à autoridade instauradora, para que determine a instauração do devido procedimento correcional.

Como já mencionado anteriormente, não é muito comum a necessidade de realizar algum tipo de comunicação a servidor preso, mas, caso a comissão se depare com esta situação, deve proceder com a citação pessoal do agora indiciado, nos termos do art. 76 do Código Civil. Nessa situação, alguns cuidados são necessários para a realização do ato, tais como o pedido, às respectivas autoridades, de autorização para ingresso nos estabelecimentos prisionais ou delegacias.

Por último, pode também ocorrer de o indiciado estar em local certo e conhecido, mas se ocultar para não receber a citação. As tentativas frustradas da comissão devem ser registradas nos autos em termos de ocorrência, com elementos que possibilitem comprovar as tentativas de citação. Além disso, há a pos- sibilidade de recorrer-se, por analogia, à citação por hora certa, nos termos do Enunciado nº 11 da CGU, abaixo transcrito. Sobre este tema se retomará na parte própria sobre citação, no tópico sobre defesa.

 

CITAÇÃO POR HORA CERTA NO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. No âmbito do Processo Disci-

plinar, a citação poderá ser realizada por hora certa, nos termos da legislação processual civil, quando o indiciado encontrar-se em local certo e sabido, e houver suspeita de que se oculta para se esquivar do recebimento do respectivo mandato.

Enunciado CGU n º 11, publicado no DOU de 16/11/2015, seção 1, página 42

 

  • SÚMULA VINCULANTE N° 5

 

Em maio de 2008, o Plenário do STF, após julgar o Recurso Extraordinário 434.059/DF, editou, por unanimidade, a Súmula Vinculante nº 5 com a seguinte redação:

A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

A proposta de edição da Súmula Vinculante foi feita pelo Ministro Joaquim Barbosa, em atenção à de- cisão do Plenário do STF que julgara Recurso Extraordinário fixando entendimento diametralmente oposto àquele do STJ. Com efeito, vigia até então a Súmula 343 do STJ, que expressava o seguinte entendimento daquele Tribunal: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”.

É oportuno registrar, não obstante tal entendimento não ser pacífico no âmbito do STJ, a opção pela edição, em 2007, da mencionada Súmula 343 foi na esteira de diversos julgados daquela corte, que estavam propugnando que a ausência do advogado em qualquer das fases do processo administrativo disciplinar inquinava-o de nulidade.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, garante aos acusados em geral o direito ao con- traditório e ampla defesa. Tal garantia dirige-se não apenas aos processos judiciais, mas também aos admi- nistrativos. A mesma Constituição Federal, no artigo 133, diz que o advogado é indispensável à manutenção da justiça. Os julgados que embasaram a Súmula 343 do STJ interpretavam essas disposições no sentido de que, sem a presença do advogado no processo administrativo disciplinar, a ampla defesa não teria sido garantida ao acusado o que geraria a presunção da violação de garantia lapidada na Carta Maior.

As súmulas editadas pelo STJ, embora não sejam de obediência obrigatória, manifestam uma ten- dência jurisprudencial para tribunais e juízes de primeira instância. O antagonismo inconciliável entre o entendimento expresso pela súmula 343 do STJ, e o entendimento que o STF fixava, levaria a um grande número de Recursos Extraordinários repetitivos, decorrentes da insegurança jurídica no assunto. A Admi- nistração Pública ficaria em difícil situação, considerando-se a possibilidade de anulação de processos admi- nistrativos em virtude da falta da presença de defensor.

Essa insegurança jurídica levou o Plenário do STF a editar a Súmula Vinculante nº 5.

Deve-se ressaltar que o instituto jurídico da súmula vinculante foi positivado pela Emenda Consti- tucional nº 45/2004, que acrescentou à Constituição Federal o artigo 03-A. Muito discutida antes de sua criação, a súmula vinculante tem por escopo justamente propiciar segurança jurídica a temas controversos, bem como reduzir o número de recursos repetitivos sobre temas já decididos em última instância.

Quando há controvérsia acerca da aplicação, interpretação ou eficácia de determinadas normas, o STF, após fixar seu entendimento, pode elaborar súmula. Aprovada por pelo menos 2/3 do Plenário, essa súmula terá efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e para a Administração Pública. Essa é a Súmula Vinculante.

Isso quer dizer que uma vez editada a Súmula Vinculante nº 5, todos os juízes e tribunais, no âm- bito do Poder Judiciário; bem como toda a Administração Pública, devem obedecer a seu comando. Ao contrário das demais súmulas sem efeito vinculante, cuja consequência restringe-se a um direcionamento jurisprudencial. Desobedecida a Súmula Vinculante, seja pela Administração Pública, seja por algum órgão

 

do Poder Judiciário, cabe Reclamação ao STF, que então anula o ato ou cassa a decisão que esteja em des- conformidade com seu enunciado.

 

 

A edição da Súmula Vinculante nº 5, portanto, acarretou a revogação da súmula 343 do STJ.

Entendidos os seus efeitos vinculantes, é importante determinar a extensão e, por conseguinte, os limites da aplicação da Súmula Vinculante nº 5. Para tanto, devem ser analisadas as circunstâncias em que se deu sua edição, bem como os fundamentos invocados pelos Ministros. Conforme foi adiantado acima, a questão gira em torno do direito de defesa no processo administrativo disciplinar, interpretado à luz da Constituição Federal.

O Recurso Extraordinário nº 434.059-3/DF foi interposto pela União, em litisconsórcio com o Instituto Nacional do Seguro Social, contra decisão do STJ que havia declarado a nulidade da Portaria 7.249/2000, da lavra do Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social. Tratava-se de Mandado de Segurança impetrado por servidora demitida, em que foi julgada nula a demissão, tendo em vista que o processo administrativo disciplinar que lhe imputara as faltas funcionais desenvolveu-se sem que sua defesa fosse feita por advogado.

A questão da defesa técnica no processo administrativo disciplinar é regida pela Lei nº 8.112/90, que em seu artigo 156 diz expressamente:

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por inter- médio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

Nos termos do dispositivo acima mencionado, a defesa do servidor no processo administrativo dis- ciplinar pode ser feita pessoalmente ou por procurador, que poderá ou não ser advogado. Como se vê, a lei deferiu ao servidor a opção de, segundo seu entendimento do que lhe seja mais oportuno, acompanhar o processo pessoalmente, constituir um advogado, para que seja feita uma defesa técnica jurídica ou, ainda, profissional de outra área. Trata-se de prerrogativa deferida ao acusado: escolher como quer se defender.

A liberdade do servidor em escolher como se dará sua defesa é inerente ao processo administrativo disciplinar brasileiro. A Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 já dispunha da mesma forma, permitindo a defesa pessoal pelo servidor. A Lei nº 8.112/90, nascida sob a égide da Constituição Federal, apenas seguiu a mesma sistemática. Ocorre que a Constituição Federal de 1988 prevê expressamente o direito de defesa aos acusados em geral, o que inclui aqueles que respondem à processo administrativo disciplinar. Está pre- visto no artigo 5º:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Surgiu, então, a questão da abrangência do direito à ampla defesa e quais os meios que lhe seriam inerentes. Especificamente, questionou-se se o patrocínio da causa disciplinar administrativa deveria estar restrito ao profissional habilitado junto a Ordem dos Advogados do Brasil, sob pena de não ser observada a garantia à ampla defesa.

Os fundamentos que sustentaram a posição da Súmula 343 do STJ podem ser sintetizados nas pala- vras do Ministro Hamilton Carvalhido:

É que o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República, estabelece que ‘aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O artigo 133, também da Carta Magna, por sua vez, preceitua que ‘O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

 

(…)

A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo, por óbvio, é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os liti- gantes, mas também os acusados em geral.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 7.078. Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, publicado em 9/12/2003)

Vê-se que os argumentos favoráveis à exigência do advogado eram vigorosos. A prevalência do entendimento expresso na Súmula 343 do STJ poderia ter consequências gravosas aos trabalhos desenvol- vidos durante toda uma década pelo Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, notadamente em razão da necessidade de proporcionar defesa técnica a todos os acusados que deixassem de nomear um advogado para exercer sua defesa em qualquer fase do processo disciplinar.

Era evidente a necessidade de que tal entendimento fosse alterado por aquela corte e pelo STF. Viní- cius de Carvalho Madeira narra a mobilização para subsidiar o STF de elementos acerca do tema, de modo a contribuir com a Corte Suprema no deslinde da questão:

Desde o início, a CGU se articulou – eu tive a honra de participar dessa mobilização – com o INSS e a AGU, para que esse processo tivesse acompanhamento especial. Foram feitos memoriais e pedido de preferência de julgamento que culminaram com a colocação do processo em pauta (DJ n 178, de 14/09/2007, pág. 27) e a sustentação oral no dia do julgamento pelo próprio Advogado-Geral da União, José Antônio Dias Toffoli. A questão era tão importante que o relator do processo, Min. Gilmar Mendes, o levou a julgamento no Plenário da Corte Suprema e todos os Ministros teceram consi- derações em relação à matéria e foram unânimes em afirmar que a defesa técnica por advogado é dispensável no processo disciplinar, pois é uma faculdade que o acusado exerce se quiser104.

Dessa maneira, o STF restabeleceu a validade jurídica da Portaria que havia demitido a servidora do INSS. Alertados os demais Ministros pelo Ministro Joaquim Barbosa acerca da existência da Súmula 343 do STJ, o Plenário, por unanimidade, aprovou a Súmula Vinculante nº 5. A partir daí, toda a Administração Pública passava a laborar com segurança jurídica de que, o só fato de não haver o acusado se defendido por meio de advogado não significava tolhimento ao seu direito de defesa. Ou seja, o advogado não é indispen- sável nos processos disciplinares.

Os limites dessa Súmula Vinculante devem ser bem entendidos, tendo em vista que, embora o só fato de o acusado não se fazer representar por advogado no processo disciplinar não acarrete a nulidade, isto não quer dizer que o advogado sempre será dispensado, tampouco que a ampla defesa não seja um direito assegurado ao acusado.

O Ministro Gilmar Mendes, relator do Acórdão no Recurso Extraordinário 434.059/DF, delineia bem os fundamentos da decisão da Suprema Corte. Recorrendo à consagrada doutrina alemã a respeito da ampla defesa, o Ministro define analiticamente a ampla defesa como o exercício de três prerrogativas: (i) direito de ser informado da acusação, bem como dos atos do processo; (ii) direito de se manifestar, e; (iii) direito de que seus argumentos sejam levados em conta.

Ora, se devidamente garantido o direito (i) à informação, (ii) à manifestação e (iii) à consideração dos argumentos manifestados, a ampla defesa foi exercida em sua plenitude, inexistindo ofensa ao art. 5º, da CF. Por si só, a ausência de advogado constituído não importa nulidade de processo ad- ministrativo disciplinar.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE nº 434.059/DF, Relator: Ministro Gilmar Mendes, julgado em 7/5/2008)

 

 

 

104           MADEIRA, 2008, p. 148.

 

Assim, infere-se que, no curso do procedimento correcional, pode ocorrer situação excepcional em que a presença do advogado seja necessária para que um desses direitos que compõem a ampla defesa seja garantido.

 

 

Deste modo, diante de um caso excepcional, a comissão deve ter sensibilidade e, se for o caso, provi- denciar ao acusado defesa técnica. Isso pode dar-se de duas formas: quando o próprio acusado se manifesta nesse sentido perante a comissão, alegando e provando que são lhe imputados fatos dos quais ele sequer consegue se defender – tendo em vista, por exemplo, a complexidade técnica envolvida –; ou quando o acusado apresenta sua defesa e esta é inepta (para uma conceituação de defesa inepta, ver item 11.3).

No caso específico da defesa inepta, na maioria das vezes essa situação é contornável com a simples devolução do prazo para o acusado, com a recomendação de que se defenda de forma adequada. Todavia, acontecendo de o acusado apresentar nova defesa inepta, a solução é designar defensor apto a apresentar nova peça defensiva.

O próprio Ministro relator faz essa ressalva, quando da discussão da Súmula Vinculante. A Ministra Carmen Lúcia, de forma bastante clara, expôs:

Se analisarmos as obras e monografias, veremos que este é um capítulo muito especificado hoje. A doutrina tem entendido que só em dois casos o servidor poderia falar: quando alega e comprova que a questão é complexa, exige certo conhecimento que escapa ao que lhe foi imputado, vindo a manifes- tar-se como inapto para exercer a autodefesa; e nos casos especificados, em que essa facultatividade não seria bastante para não se ter mais do que um simulacro de defesa.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE nº 434.059/DF. Relator: Ministro Gilmar Mendes, julgado em 7/5/2008)

 

  • INSTRUÇÃO PROBATÓRIA

 

  • Introdução

Relembre-se, inicialmente, que o rito do processo administrativo disciplinar é dividido em três fases: Instauração, Inquérito e Julgamento. A fase de Inquérito, por sua vez, compõe-se de três subfases: Ins- trução, Defesa e Relatório.

Embora o texto legal não formule a distinção a seguir, é comum identificarmos na subfase de Ins- trução, para fins didáticos, as Providências Iniciais, consistentes nas comunicações abordadas anteriormente, e a Instrução Probatória, cerne dos esforços levados a efeito pela comissão processante para a coleta de prova e a consequente elucidação dos fatos, como reza a lei.

Com efeito, o art. 155 da Lei nº 8.112/90 explicita que:

Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

É sabido que o estudo da prova ocupa posição de destaque no Direito Administrativo Disciplinar (à semelhança do que se verifica em outros ramos da Ciência Jurídica). Sem a pretensão de abordar com profundidade a Teoria Geral da Prova, como se denomina essa parte da Teoria Geral do Direito – serão ex- postos alguns aspectos essenciais para a compreensão da importância da prova no processo administrativo disciplinar.

 

Nesse sentido, interessa não perder de vista que os atos e fatos que tenham alguma repercussão ju- rídica geralmente devem ser provados no processo, isto é, não basta que sejam simplesmente alegados ou mencionados. Tampouco é suficiente que sejam conhecidos, se não forem trazidos aos autos.

A prova visa à reconstrução dos atos e fatos que estejam compreendidos no objeto do processo. Busca-se, com ela, determinar a verdade, estabelecendo, na medida do possível, o que aconteceu e como aconteceu, em determinado tempo e lugar, fundamentando a convicção dos destinatários da prova.

Enquanto no processo judicial as provas dirigem-se à formação do convencimento do juiz, no pro- cesso administrativo disciplinar o papel de destinatário das provas recai, no primeiro momento, sobre a comissão apuradora e, em seguida, sobre a autoridade julgadora.

Sem prejuízo dos comentários específicos que se seguirão, importa mencionar os comandos trazidos na IN CGU nº 14/2018, acerca dos meios de prova, conforme se lê:

Art. 12. Nos procedimentos correcionais regulamentados nesta Instrução Normativa poderão ser utilizados quaisquer dos meios probatórios admitidos em lei, tais como prova documental, inclusive emprestada, manifestação técnica, tomada de depoimentos e diligências necessárias à elucidação dos fatos.

Art. 13. Para a elucidação dos fatos, poderá ser acessado e monitorado, independente- mente de notificação de investigado ou acusado, o conteúdo dos instrumentos de uso funcional de servidor ou empregado público, tais como, computador, dados de sistemas, correio eletrônico, agenda de compromissos, mobiliário e registro de ligações.

Art. 14. Sempre que as circunstâncias assim o exigirem, poderá ser solicitado, com fundamento no art. 198, §1º, inciso II, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, o acesso às informações fiscais de investigado, acusado ou indiciado, ficando o órgão solicitante obrigado a preservar o sigilo fiscal das informações recebidas.

Parágrafo único. As solicitações de informações fiscais direcionadas à Secretaria da Receita Federal do Brasil e demais órgãos de administração tributária serão expedidas pela autoridade instauradora ou aquela que tenha competência nos termos de regulamentação interna, devendo estar acompa- nhadas dos elementos comprobatórios para o atendimento do previsto no art. 198, § 1º, inciso II, da Lei nº 5.172, de 1966.

(grifou-se)

 

  • Valoração Probatória

A relação de congruência entre o arcabouço probatório reunido nos autos e as conclusões da co- missão e da autoridade julgadora norteará a atuação dos agentes que eventualmente vierem a exercer o controle dos resultados dos trabalhos, notadamente os órgãos específicos dentro da estrutura correcional do Poder Executivo Federal e ainda o Poder Judiciário.

Deve, pois, haver nexo causal entre as provas entranhadas nos autos (causa) e as conclusões que sus- tentarem o desfecho processual (efeito). Enfatize-se que é sob esse prisma que será examinada a correção do procedimento e a eventual necessidade de desfazimento ou reforma dos atos processuais conclusivos.

Diz-se que os destinatários das provas são livres para sua apreciação, que é a atribuição de valor aos elementos de convicção carreados aos autos. Compreenda-se que, no entanto, não basta a sua íntima persuasão: é preciso que o resultado do seu convencimento seja racionalmente demonstrado, com funda- mentos claros e lógicos. Daí a denominação de livre convicção motivada, lembrando-se, a propósito, que a exigência de motivação é a regra para os atos decisórios administrativos e judiciais.

Desse modo, salvo algumas exceções (notadamente quando a causa não envolver matéria fática, mas apenas jurídica), o conjunto probatório municiará a argumentação das partes e determinará o resultado do processo.

 

Em matéria disciplinar, a Lei nº 8.112/90 reconhece o caráter decisivo da prova, conforme se percebe na regra positivada no art. 168 daquele estatuto legal:

Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.

Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julga- dora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

A necessidade de congruência entre o conjunto probatório e o resultado da apuração deve ser harmonizada com a livre convicção motivada, da qual já se tratou. O aparente impasse foi resolvido pela própria Lei nº 8.112/90, no art. 150, ao preceituar que “a comissão exercerá suas atividades com indepen- dência e imparcialidade”. Desta forma, muito embora a eventual incongruência possa ensejar a reforma ou a nulidade dos atos processuais, não se concebe que a independência da comissão quanto às provas e sua valoração possa sofrer interferência, notadamente da autoridade instauradora.

Esta poderá, por exemplo, designar outra comissão, se entender que o colegiado originário não apresenta justificativa plausível para o pedido de prorrogação/recondução. Mas não poderá determinar à comissão que produza esta ou aquela prova, ou, ainda, que defira ou indefira determinado pedido apresen- tado pelo acusado, ou mesmo que se atenha a uma ou outra conclusão sobre a matéria apurada.

Além da independência da comissão, vê-se que a lei também assegura a imparcialidade. Para mais acurada compreensão desse atributo, é preciso lembrar que o processo jurídico, em sentido estrito, carac- teriza-se pela existência de partes em litígio, por conflito de interesses.

No processo disciplinar, as partes são a Administração Pública e os seus agentes envolvidos, em tese, nas irregularidades apuradas. Como a mesma Administração Pública participante do processo é a respon- sável pela sua condução, mediante a comissão designada, é claro que esta haverá de ser isenta, imparcial, sob pena de inexistir, na verdade, um processo que garanta o contraditório e a ampla defesa ao acusado.

Nessa esteira, pode-se concluir que a independência e a imparcialidade da comissão são, em essência, garantias voltadas ao acusado de que a condução dos trabalhos não lhe seja desfavorável. Assim, os esforços da comissão deverão concentrar-se na produção probatória para a elucidação dos fatos e, especialmente, das responsabilidades administrativas que estejam sendo imputadas ao acusado.

  • Objeto e Indeferimento

Em razão da exposta relevância que as provas ostentam no processo administrativo disciplinar, o indeferimento de sua produção ou juntada aos autos poderá comprometer a validade jurídica dos esforços apuratórios, caso afrontados os princípios garantidores da ampla defesa e do contraditório. Afinal, é justa- mente em torno das provas que, em grande medida, orbitam as garantias veiculadas por esses princípios.

Por outro lado, é preciso ter em mente que as provas se referem a atos e fatos jurídicos que sejam, cumulativamente, pertinentes, relevantes e controvertidos.

Não preenchidos esses requisitos, a produção de provas deverá ser indeferida por ato motivado do presidente da comissão, após deliberação devidamente registrada em ata (art. 152, § 2º da Lei nº 8.112/90), conforme preceitua o art. 156, § 1º da mesma Lei: “o presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclareci- mento dos fatos”.

Não precisam ser objeto de prova as matérias notórias e aquelas sobre as quais incida presunção legal: as primeiras porque de conhecimento da generalidade das pessoas, as outras por expressa vontade legislativa.

As disposições que comportam presunção legal podem ser classificadas em duas espécies: as relativas (juris tantum), que admitem prova em contrário, e as absolutas (jure et de iure), contra as quais não pros-

 

pera prova adversa. É exemplo do último caso o art. 133, § 5º da referida lei, que erige a presunção de boa-fé do servidor que, até o último dia do prazo para defesa, manifestar a opção por um dos cargos, em tese, irregularmente acumulados.

 

  • Ônus Probatório

O ônus probatório, que corresponde à distribuição da responsabilidade pela produção de provas entre as partes, varia de acordo com o ramo jurídico de que se trate e os princípios que o presidam.

No processo administrativo disciplinar, o ônus probatório diverge, em certa medida, da lógica jurídica segundo a qual essa produção cabe à parte que alega.

Isso porque, na sistemática administrativo-disciplinar, como já abordado, há prevalência do princípio da presunção de inocência (ou não-culpabilidade) do acusado. Logo, recai sobre a comissão o encargo de provar a responsabilidade do agente público acusado, tal como ocorre em matéria penal. Registre-se, contudo, que, como a Administração Pública busca a verdade real dos acontecimentos, deve diligenciar para obter quaisquer provas que auxiliem no devido esclarecimento dos fatos, ainda que tais provas tenham como escopo afastar a materialidade ou autoria do ilícito disciplinar.

 

  • Cuidados Práticos

Uma vez que a Lei nº 8.112/90 não discriminou os cuidados práticos que a comissão deve observar para preservar a regularidade formal dos autos, remete-se à Lei nº 9.784/99, que abrange a generalidade dos procedimentos administrativos na órbita federal. Nos termos daquele estatuto normativo, deve-se adotar “formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos di- reitos dos administrados” (Lei nº 9.784/99, art. 2º, parágrafo único, inciso IX).

Esse critério é reforçado no art. 22 do mesmo diploma legal, ao estipular que “os atos do processo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente o exigir”. Logo, vige o informa- lismo moderado, conforme se expôs no tópico próprio, onde a ausência de formas determinadas é a regra; o contrário, é exceção.

Resta, então, examinar as formalidades que, todavia, devem ser observadas pela comissão proces- sante, porque contempladas em lei (em sentido amplo).

A própria Lei nº 9.784/99, art. 22, § 1º, estabelece que os atos processuais deverão ser produzidos por escrito, em língua portuguesa e com informação de data e local de sua realização, e com assinatura da “autoridade responsável”, isto é, de todos os integrantes da comissão condutora dos trabalhos.

O parágrafo seguinte desse dispositivo – ao dispensar o reconhecimento de firma, salvo nas hipóteses de imposição legal ou de dúvida – guarda semelhança com o art. 5º, inciso IX, da Lei nº 13.460/2017, e com o art. 9º do Decreto nº 9.094/2017, muito embora este último se aplique desde que o documento seja assinado perante o servidor público a quem deva ser apresentado.

Note-se que a Lei nº 9.784/99 apenas menciona que os atos processuais deverão observar a forma escrita e redação em língua portuguesa, sem fazer referência às provas, sobretudo documentais, que es- tejam em outro idioma.

Como tampouco a Lei nº 8.112/90 traz orientação a respeito, cumpre observar, subsidiariamente, o Código de Processo Penal, segundo o qual a tradução somente será realizada quando necessária (art. 236): “os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário, tradu- zidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade”.

 

Finalmente, e em que pese a revogação da Portaria MPOG/SLTI nº 5, de 19 de dezembro de 2002, pela Portaria SEGES/MP nº 80, de 15 de abril de 2016, podem ser mencionadas as seguintes boas práticas de organização processual então previstas naquele normativo:

  1. Impedimento de juntada aos autos de mensagens e documentos transmitidos via fax, em vista da qualidade precária do material (recomendando-se a cópia do documento em papel de maior durabilidade);
  2. Numeração das folhas em ordem crescente, sem rasuras, com aposição de carimbo próprio para colocação do número, no canto superior direito da página;
  3. Correção de numeração de qualquer folha dos autos registrada mediante inutilização da anterior, com aposição de um “X” sobre o carimbo incorreto e renumeração das folhas seguintes, sem rasuras e com certificação da ocorrência; e
  4. Volumes dos autos com até 200 folhas cada, observada a distância, na margem esquerda, de cerca de 2 cm para fixação dos
  • Diligências
    • Disposições gerais

A Lei nº 8.112/90105 prevê, de forma exemplificativa, as medidas que podem ser adotadas pela co- missão disciplinar na fase de inquérito, a saber: tomada de depoimento, acareações, investigações, consulta a peritos, entre outras diligências possíveis.

Para COSTA, a comissão pode se utilizar de todos os meios de prova admitidos pelo direito, havendo, portanto, outros legalmente reconhecidos, tais como reprodução simulada dos fatos, reconhecimento de pessoas ou coisas, etc.106

É muito comum as comissões disciplinares utilizarem o termo diligência no sentido de adoção de providências para otimizar o andamento do processo. Nesse sentido, as comissões “efetuam diligências para localizar o acusado para fins de notificação prévia”, “diligenciam junto à Justiça federal para iden- tificar quais documentos seriam trazidos para os autos disciplinares”, etc. Mas tais providências diferem da prova denominada diligência

A prova chamada diligência consiste no deslocamento da comissão para apuração da verdade material subjacente ao processo disciplinar.

  • Deslocamentos

Buscando esclarecer os fatos do processo, a comissão pode realizar deslocamentos a locais de inte- resse para verificação, avaliação genérica ou vistoria que não exija o conhecimento de um perito.

Há quem utilize o termo “diligência” para referir-se aos deslocamentos feitos pela comissão a esses locais, definidos como as “(…) verificações ou vistorias no local do fato ou em outros locais de interesse para o esclarecimento do ocorrido e que podem ser realizadas pelos próprios integrantes da Comissão, não requerendo a especialidade de um perito (…)” 107.

Na diligência não é apenas o resultado que interessa aos autos, mas a confecção dele em si. A prova é a própria elaboração do resultado. Dessa forma, recomenda-se formalizar a realização da referida diligência através das seguintes providências: I – lavrar ata de deliberação, através da qual os membros decidem pela realização do deslocamento; II – intimar o acusado, com antecedência mínima de três dias úteis à data de

105            Art. 155 – Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

106           COSTA, 2011, p.226.

107           MADEIRA, 2008, p.109.

 

realização do deslocamento108, para que este compareça ao ato, se assim o desejar, e; III – registrar a re- alização da diligência em ata, assinada por todos os membros da comissão, com descrição fiel daquilo que ocorreu durante o deslocamento109.

Caso seja necessário o deslocamento da comissão à repartição em que ocorreu o fato, deve-se também comunicar à chefia da referida unidade. Nesse caso, admite-se a realização de diligências na sede da repartição, tais como busca e apreensão de documentos, que deverão ser previamente comunicadas à autoridade instauradora para que esta comunique a autoridade competente da repartição administrativa onde se realizará a diligência, não havendo necessidade de recurso à seara judicial110.

Excepcionalmente, a comissão poderá realizar diligências sem a prévia notificação do interessado111 112, quando o sigilo for absolutamente necessário para garantir o êxito da empreitada, o que não ofende a garantia do contraditório, uma vez que o acusado terá acesso posteriormente àqueles elementos probató- rios constantes dos autos do processo.

 

  • Perícias

É recomendável que a autoridade instauradora, ao eleger determinados servidores para constituírem comissão processante, busque garantir que pelo menos um deles detenha conhecimento na área de atu- ação em que estiver contida a matéria objeto de apuração.

Todavia, nem sempre a observância dessa cautela será viável no caso concreto, da mesma forma que, em algumas situações, mesmo que o membro da comissão detenha conhecimento do assunto, poderá ser necessária a colaboração de profissional que seja especialista no assunto. Nesses casos, terão lugar a perícia e a assistência técnica, que constituem meios de prova em que a convicção sobre determinada verdade pro- cessual resultará do emprego de conhecimento científico, ou seja, aquele que ultrapassa o senso-comum.

O perito e o assistente técnico são, assim, profissionais (servidores ou não) que detêm habilitação legal em determinado ramo científico que guarda pertinência com a matéria aventada no procedimento correcional. Deste modo, as mais diversas áreas de estudo e pesquisa fornecem importantes subsídios para aproximar as partes e o julgador da elucidação dos fatos, que é o desiderato do Direito Administrativo Disciplinar. Frise-se que, embora não haja rol taxativo das especialidades científicas que sejam contempladas, geralmente as perícias dizem respeito à tecnologia da informação, engenharia ou medicina.

Atente-se, contudo, que o art. 155 da Lei nº 8.112/90, ao exemplificar os meios de prova utilizados para elucidação da matéria apurada, prevê que a comissão contará, quando necessário, com técnicos e peritos.

Já o artigo seguinte, no seu parágrafo segundo, complementa que o pedido de prova pericial será indeferido, quando a comprovação do fato independer de conhecimento especial de perito. Logo, é nítido que a perícia pleiteada pela parte deverá ser avaliada pela comissão, e não preenchido o requisito legal, deverá ter sua produção motivadamente indeferida.

Tanto o perito quanto o assistente técnico, como interventores do processo administrativo disciplinar, submetem-se às hipóteses de impedimento e suspeição endereçadas aos membros da comissão.

Considerando as diferenças existentes entre a perícia e a assistência técnica, esses meios de prova serão, a seguir, tratados separadamente, sobretudo porque – na sistemática do Direito Administrativo Dis- ciplinar – essas figuras não deveriam ser tomadas por equivalentes.

  • Lei nº 9.784/99, Artigo 41 – Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.
  • TEIXEIRA, 2020

110           Idem, p. 249.

  • Lei nº 784/99, Artigo 45 – Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.
  • TEIXEIRA,

 

Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Salles113:

(…) enquanto o perito emite juízo de valor sobre fatos ou dados pré-existentes acerca dos quais seja especialista ou detenha específico conhecimento, por meio de laudo que, ao final, consubstancia-se como prova, o assistente técnico apenas provê subsídios à comissão, por meio dos conhecimentos ou informação repassados, para que ela mesma forme seu juízo de valor acerca dos fatos ou dados pré-existentes, não laborando uma prova.

De qualquer forma, a mera confusão terminológica entre perícia e assistência técnica nos autos do processo não tem, por si só, o condão de atrair sobre ele a pecha da nulidade, considerando-se o já men- cionado princípio do formalismo moderado.

Uma vez que a comissão entenda preenchido o requisito legal para a produção de prova pericial (ne- cessidade de conhecimento técnico, científico), ela deverá registrar em ata a deliberação. Observe-se que, neste momento, é recomendável que a comissão motive as razões pelas quais será necessário o conheci- mento especializado, consignando os quesitos (questionamentos que deverão ser objeto do laudo pericial).

Também deverá, em seguida, proceder à intimação do acusado, para que este tenha prévia ciência da decisão e tenha a faculdade de formular os seus quesitos, como forma de garantir-lhe o contraditório.

Será então necessário fazer a escolha do perito ou do órgão ou entidade responsável pela elaboração do laudo pericial (sempre com adequação à área de conhecimento especializado que o caso requeira). Para tanto, o presidente da comissão deverá providenciar o encaminhamento dos dados necessários à autori- dade instauradora (assunto, área de conhecimento técnico necessário para o caso e, claro, os quesitos da comissão e do acusado).

O laudo pericial é o documento que materializa as conclusões do perito sobre a matéria levada a seu exame e que responde aos quesitos da comissão e do acusado (caso este tenha feito uso da faculdade legal de apresentá-los, na forma explicada acima). Tal documento é, por si mesmo, a prova processual, e, deste modo, deverá ser juntada aos autos.

Após essa providência, o acusado deverá ser intimado para que novamente exercite o contraditório e a ampla defesa, eventualmente se insurgindo no tocante às conclusões estampadas no laudo pericial.

Nessa oportunidade, o acusado (ou seu procurador) também poderá requerer à comissão a oitiva do perito, a fim de que preste esclarecimento sobre determinados pontos do laudo ou que complemente algum dos quesitos que foram objeto do seu trabalho.

Caso a comissão repute descabida a requisição do acusado, o presidente deverá indeferi-la, moti- vando a decisão, conforme os critérios constantes no art. 156, § 1º, da Lei nº 8.112/90.

Por outro lado, não só em razão da requisição a que se aludiu no parágrafo anterior, como também por iniciativa própria, a comissão pode entender necessário buscar junto ao perito esclarecimento ou com- plementação das conclusões constantes no laudo.

Em ambas as hipóteses, o perito deverá ser intimado e será ouvido pela comissão.

Em princípio, a participação do acusado para a formação da prova pericial cinge-se às manifestações já expostas: I) requerer a produção desse meio de prova, II) formular quesitos, após ser intimado para tal fim,

  • contestar elementos do laudo pericial, depois de notificado sobre a sua juntada aos autos e, finalmente,
  1. requerer a oitiva do perito, e nessa ocasião inquiri-lo.

Não há previsão legal de que o acusado possa acompanhar, diretamente ou por assistente técnico privado, a realização dos exames que subsidiarão a feitura do laudo pericial (a exceção é a possibilidade de acompanhamento da perícia médica, nos termos do Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal, aprovado pela Portaria MPOG nº 19, de 20 de abril de 2017). É facultado, no entanto, valer-se de

113           Idem, p. 249.

 

assistente técnico privado para contestação de elementos do laudo pericial ou então para a inquirição do perito.

Observe-se, a respeito, que a contratação de assistente técnico é apenas mais uma faculdade do acu- sado, isto é, não há qualquer obrigatoriedade da intervenção desse profissional no feito disciplinar.

Preferencialmente, as perícias ficarão a cargo de entidades ou órgãos públicos, sem prejuízo de que recaiam sobre particulares, quando for o caso de não haver condições de realização no setor público.

No caso de perícias conduzidas por particulares, o ônus econômico será assumido pela Administração Pública, à semelhança do que ocorre em relação à generalidade das despesas processuais. Já o assistente técnico privado é profissional contratado diretamente pelo acusado e será por ele custeado.

A designação do assistente técnico, do perito, órgão ou entidade responsável pela perícia poderá ser formalizada por termo do presidente da comissão, uma vez que também nesse ponto não há especificação na Lei nº 8.112/90.

  • Testemunhas

A prova testemunhal representa um dos meios de produção de provas previstos pelo rol exemplifi- cativo constante do artigo 155 da Lei nº 8.112/90, transcrito a seguir:

Artigo 155 – Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

A prova testemunhal é disciplinada de forma escassa pela Lei nº 8.112/90, que regula a matéria nos artigos 157 e 158. Diante da escassez da disciplina legal, a doutrina defende a aplicação analógica dos artigos 202 a 225 do Código de Processo Penal e dos artigos 442 a 463 do Código de Processo Civil ao processo administrativo disciplinar114.

Conceitua-se testemunha como aquela pessoa, distinta das partes do processo, que é chamada a juízo para dizer o que sabe sobre o fato objeto do processo115.

Costuma-se classificar as testemunhas nas seguintes categorias: a) testemunha presencial: aquela que presenciou o fato; b) testemunha de referência: aquela que soube do fato a partir do relato de terceira pessoa; c) testemunha referida: aquela cuja existência foi apurada a partir de outro depoimento; d) teste- munha judiciária: aquela que relata em juízo o conhecimento do fato; e, por último, e) testemunha instru- mentária: aquela que presenciou a assinatura do instrumento de ato jurídico e o firmou116.

Importa destacar que, no processo administrativo disciplinar, vigora o princípio da verdade material, o que significa que tanto a comissão disciplinar quanto o acusado podem arrolar testemunhas consideradas indispensáveis para o esclarecimento dos fatos ventilados no processo.

De praxe, quando a comissão notifica o acusado para dar-lhe ciência da instauração de um processo disciplinar em seu desfavor, deve também alertá-lo acerca do teor do artigo 156 da Lei nº 8.112/90, trans- crito a seguir:

Art. 156 – É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por in- termédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

  • 1º – O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos.

114            Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

115           BRAGA, 2008, p.187.

116           Idem, p.187.

 

  • 2º – Será indeferido o pedido de prova pericial, quando a comprovação do fato independer de co- nhecimento especial de perito.

Isso significa que, desde a sua notificação até o encerramento da fase de instrução do processo, que ocorre com a designação da data do interrogatório (artigo 158 da Lei nº 8.112/90), o acusado pode apresentar requerimento com o rol de testemunhas que deseja ouvir. Tal requerimento será submetido à apreciação do colegiado, que poderá motivadamente indeferi-lo, quando se tratar de pedido impertinente, meramente protelatório ou de nenhum interesse para esclarecer os fatos, na hipótese do artigo 156, § 1º, Lei nº 8.112/90117.

Nesse ponto, o Estatuto Funcional não estabelece número mínimo ou máximo de testemunhas que podem ser requeridas,, contudo, a comissão poderá limitar esse número, com fundamento no § 6º do art. 357 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária e supletiva ao processo administrativo disciplinar (art. 15 do CPC).

Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil. (…) Art. 357. […]

  • 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no má- ximo, para a prova de cada fato.

Por fim, deve-se esclarecer que, no processo administrativo disciplinar, não existe a distinção entre testemunhas da defesa e da acusação, tal como ocorre no processo civil e no processo penal. Todas são consideradas testemunhas do processo, de igual importância para o esclarecimento dos fatos investigados e na busca pela verdade real, princípio que move a máquina pública na sua seara correcional.

 

  • Capacidade para

A Lei nº 8.112/90 não traz regras específicas sobre a capacidade de testemunhar, razão pela qual se recorre às regras previstas pelo Código Civil e de Código de Processo Civil118.

De acordo com o artigo 228 do Código Civil de 2002, não podem ser admitidas como testemunhas: os menores de dezesseis anos; o interessado no litígio, o amigo íntimo ou inimigo capital das partes; e os cônjuges, ascendentes, descendentes e colaterais, até terceiro grau de alguma das partes, por consanguini- dade ou afinidade.

O Código de Processo Civil, no artigo 447, por sua vez, traz a seguinte disciplina:

Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.

  • 1º. São incapazes:
    • – o interdito por enfermidade ou deficiência mental;
    • – o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;
    • – o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;
    • – o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes

Aqui é necessário fazer uma ressalva. O Código Civil, no mesmo art. 228, incisos II e III, trazia a in- capacidade dos que, por enfermidade ou retardamento mental, não tivessem discernimento para a prática

117           MADEIRA, 2008, p.103.

118           BRAGA, 2008, p.192.

 

dos atos da vida civil e dos cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quisesse provar dependesse dos sentidos que lhes faltam, comandos reproduzidos no art. 447, II e IV do Código de Processo Civil. Ocorre que aquelas disposições do Código Civil foram expressamente revogadas pela Lei nº 13.146/2015, que estabeleceu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, tendo sido acrescido, ainda, o § 2º ao art. 228, segundo o qual “A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sen- do-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva”.

Por fim, deve-se destacar que tanto o art. 228, § 1º do Código Civil, quanto o art. 447, § 4º, do Código de Processo Civil, admitem o depoimento de incapazes, especialmente sobre fatos que só estas pessoas conhecem, ressalvando-se a necessidade de que, como em qualquer outra prova, a comissão de processo disciplinar valore adequadamente o quanto coletado.

 

  • Dever de depor

Verificada a capacidade para testemunhar, passa-se à análise daquelas hipóteses em que, embora de- tenha capacidade, a testemunha não possui obrigação de depor ou ainda quando ela é proibida de fazê-lo.

De pronto, deve-se ressaltar que a Lei nº 8.112/90 não disciplina as hipóteses de suspeição e im- pedimento das testemunhas, razão pela qual parte da doutrina recorre à aplicação subsidiária da Lei nº 9.784/99119, que estabelece nos artigos 18 e 20 as hipóteses de impedimento e de suspeição que se aplicam aos servidores e autoridades que atuam no processo administrativo.

O artigo 18 do referido diploma estabelece que há impedimento para atuar em determinado pro- cesso quando: o sujeito possui interesse direto ou indireto na matéria; já tenha participado do processo na qualidade de perito, representante ou no caso de participação de seu cônjuge ou parente até terceiro grau, e; estiver litigando administrativa ou judicialmente com o interessado no processo ou com seu cônjuge/ companheiro120.

Por sua vez, o artigo 20 da Lei nº 9.784/99 dispõe que há suspeição quando o indivíduo possua relação de amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados no processo, ou com seus respectivos cônjuges/companheiros e seus parentes até o terceiro grau121.

 

 

No Código de Processo Civil, cujas normas são aplicáveis ao processo administrativo disciplinar de forma supletiva e subsidiária, são as seguintes as hipóteses de incapacidade, impedimento, suspeição e não obrigação de depor:

Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.

(…)

  • 1º São incapazes:
  • – o interdito por enfermidade ou deficiência mental;
  • – o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;
  • – o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;
  • 69 – Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.
  • Lei nº 784/99, Art. 18 – É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que: I – tenha interesse direto ou indireto na matéria; II – tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III – esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro.
  • 20 – Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

 

  • – o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes
  • 2º. São impedidos:
  • – o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
  • – o que é parte na causa;
  • – o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as
  • 3º. São suspeitos:

I – o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo; II – o que tiver interesse no litígio.

  • 4º Sendo necessário, pode o juiz admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas.
  • 5º Os depoimentos referidos no § 4º serão prestados independentemente de compromisso, e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer.

Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:

  • – que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau;
  • – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar

Assim, a pessoa incapaz, impedida ou suspeita não pode ser testemunha, entretanto, com base nos

  • § 4º e 5º do artigo 447 do Código de Processo Civil permite-se à comissão de PAD admitir excepcio- nalmente o depoimento, por exemplo, quando é a única pessoa a ter presenciado o fato em apuração. O depoimento do incapaz, impedido ou suspeito será prestado na condição de informante, ou seja, sem o compromisso com a verdade, e seu conteúdo será avaliado pela comissão em cotejo com as demais provas produzidas.

Da mesma forma, nada impede que tais pessoas relacionadas à parte acusada prestem depoimento ao trio processante, se assim o desejarem, mas seus depoimentos devem evidentemente ser analisados à luz de sua vinculação afetiva e familiar com o acusado.

Já no caso das pessoas que guardam sigilo profissional ou funcional, exceto se desobrigadas pelo acu- sado e desejarem prestar o depoimento, a comissão não poderá de qualquer modo as constranger para que revelem segredos ou informações sigilosas.

Importa salientar que de acordo com a nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) constitui crime constranger a depor pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo ou resguardar sigilo, ameaçando-os de prisão (art. 15, caput, da Lei nº 13.689/2019).

Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:

Por depender da ação do agente público a caracterização desse delito e, diante da necessidade de distinguir o agente público que comete mero erro daquele que intencionalmente abusa de suas prerroga- tivas funcionais, a lei exige, além da comprovação da vontade livre e consciente de constranger a vítima a depor, revelando segredo ou informação sigilosa ameaçando-a de prisão (dolo), a intenção deliberada de

 

prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, mero capricho ou satisfação pessoal (art. 1º, §1º).

A testemunha que ocupar cargo ou função pública está obrigada a depor, uma vez convocada pela comissão para prestar depoimento acerca de fatos do seu conhecimento. Tal dever é extraído do teor do artigo 116, inciso II, Lei nº 8.112/90122, que impõe ao servidor público verdadeiro dever de lealdade para com a Administração Pública. Corroborando esse entendimento de que o servidor público está obrigado a depor, destaca-se o teor do artigo 173, inciso I, Lei nº 8.112/90, que assegura o pagamento de transporte e diárias àquele servidor convocado para prestar depoimento em localidade diversa daquela onde se encontra sua repartição, seja na condição de testemunha, denunciado ou indiciado.123

 

  • Regularidade da intimação da

A realização do ato de instrução deve ser comunicada a todos os envolvidos, a saber: I – a própria testemunha e seu chefe imediato, no caso de se tratar de servidor público ou militar; II – o acusado ou seu procurador, e; III – o advogado da testemunha, quando houver.

Tais comunicações devem ser feitas nos moldes previstos pelo artigo 157 da Lei nº 8.112/90:

Artigo 157 – As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexado aos autos.

Parágrafo único – Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será imediata- mente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados para inquirição.

Assim, o presidente da comissão deverá expedir mandado de intimação para comunicar à testemunha acerca da realização do ato de inquirição, no qual deverão constar, de forma inequívoca, a data, horário, local e respectivo endereço em que o ato será realizado. Quando a testemunha convocada for servidora pública, a comunicação à sua chefia imediata poderá ser feita através de ofício ou memorando expedido pela comissão124, podendo a comunicação ser realizada por via eletrônica.

Deve-se destacar que a intimação do acusado ou de seu procurador, quando houver, deve ser feita por escrito e com a comprovação da ciência por parte do interessado, sem a necessidade de que seja en- tregue pessoalmente. De fato, nos termos do Enunciado nº 10 da Controladoria-Geral da União (já men- cionado no item 10.1.2) e da Instrução Normativa CRG nº 9/2020,, basta que sejam preenchidos esses dois requisitos para que seja válida a intimação, o que permite, inclusive, que a intimação ocorra por e-mail ou aplicativo de mensagem instantânea, desde que conste nos autos o respectivo comprovante de leitura. Ressalte-se que é uma prerrogativa do acusado acompanhar a realização dos atos de instrução, para que possa exercer o seu direito fundamental ao contraditório.

Nesse sentido, transcreve-se lição doutrinária que comprova a importância da atuação do defensor durante a produção de prova testemunhal:

Além de formular perguntas à testemunha ao lhe ser franqueada a palavra para isso, durante os depoimentos pode e deve o defensor prontamente intervir sempre que, por erro de interpretação ou por omissão, o presidente do colegiado fizer consignar no termo algo substancialmente diferente do que disse a testemunha, podendo até exigir, caso não cheguem a consenso, que seja consignado ipsis literis o que foi falado pelo depoente. Igualmente pode solicitar o registro em ata, conforme previsão no parágrafo segundo do art.152 da Lei nº 8.112/1990, de qualquer incidente ocorrido durante a audiência, ou a juntada de documento que julgue de proveito para a defesa.125

 

  • 116 – São deveres do servidor: (…) II – ser leal às instituições a que servir;

123           COSTA, 2011, p. 227.

124           MADEIRA, 2008, p.104.

125           LESSA, 2000, p. 277.

 

Tal dever de intimação para acompanhamento das oitivas não significa que a comissão não possa realizar o ato sem a presença do acusado e/ou de seu procurador. Pelo contrário, comprovada a regular intimação do acusado ou de seu procurador, o ato poderá ser realizado, não sendo necessária a designação de nova data em seu favor126. Esse entendimento, inclusive, está em consonância com o teor da já mencio- nada Súmula Vinculante nº 05 do STF, a qual comprova que a presença do advogado não é imprescindível à realização dos atos do processo disciplinar.

Ainda, cumpre relembrar que, mesmo a testemunha que não pertence aos quadros da Administração Pública, tem a obrigação de comparecer, nos termos do artigo 4º, IV da Lei nº 9784/99.

Não obstante, conforme já referido no item anterior, caso a testemunha faltosa seja servidora pública, sua ausência pode ensejar responsabilização disciplinar pelo descumprimento dos deveres elencados pelo artigo 116, Lei nº 8.112/90.127

 

  • Inquirição

Após a regular intimação das testemunhas, na data, horário e local previamente indicados, a comissão disciplinar deve realizar as oitivas. O artigo 158 da Lei nº 8.112/90 traz algumas prescrições acerca desse ato:

Artigo 158 – O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não sendo lícito à teste- munha trazê-lo por escrito.

  • 1º – As testemunhas serão inquiridas separadamente.
  • 2º – Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á à acareação entre os depoentes.

Antes do início do depoimento propriamente dito, a comissão deve adotar as seguintes medidas: I – solicitar documento de identificação do depoente, para confirmar sua identidade; II – registrar os dados pessoais da testemunha em ata (nome, idade, estado civil, profissão); III – indagar acerca da existência de relação de parentesco, amizade íntima ou inimizade notória com o acusado, em vista das disposições da Lei nº 9.784/99, do Código de Processo Penal e Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, já referidas anteriormente; e IV – compromissar a testemunha, alertando-a quanto ao teor do artigo 342 do Código Penal128, no sentido de que, ao depor na qualidade de testemunha, está obrigada a dizer a verdade e não omitir a verdade, sob pena de incorrer nas penas do crime de falso testemunho129.

A doutrina aponta para a possibilidade de que, antes de prestar o compromisso, a testemunha possa se recusar a depor sobre fatos que possam lhe acarretar grave dano, ou ao seu cônjuge ou parente, bem como sobre fatos que deva guardar sigilo em razão de estado ou profissão130, consagrando verdadeiro “direito ao silêncio” acerca de tais matérias131. Neste caso, o testemunho será possível, desde que o pro- fissional seja desobrigado do dever de sigilo pela parte interessada e, ainda, deseje dar o seu testemunho.

Após tais providências iniciais, a comissão deve iniciar a tomada de depoimento propriamente dita, com a realização de perguntas relacionadas ao objeto do processo. Normalmente, o presidente formula as perguntas à testemunha, que as responde verbalmente, para posterior transcrição no termo de depoimento.

 

126           MADEIRA, 2008, p. 108.

127           LESSA, 2000, p. 156.

128            Art. 342 – Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou adminis- trativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

129           MADEIRA, 2008, p. 106.

130           Código de Processo Civil, Art. 406 – A testemunha não é obrigada a depor de fatos: I – que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau; II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

131           BRAGA, 2008, p. 203.

 

Destaque-se que não existe forma pré-determinada de como reduzir a termo as perguntas e res- postas feitas durante um depoimento. Pode-se tanto registrar as perguntas e respostas exatamente como foram formuladas, ou registrar somente a resposta, de forma que seja possível deduzir a pergunta que foi feita. Deve-se, contudo, adotar as cautelas necessárias para não ocorrer deturpação do sentido daquilo que foi dito pela testemunha132.

A lei determina que as testemunhas prestem depoimento em separado, para evitar que a versão dos fatos apresentados por uma delas possa influenciar as respostas das demais133, bem como para impedir o prévio conhecimento das perguntas que serão feitas pela comissão disciplinar.

Nesse mesmo sentido, a lei proíbe à testemunha trazer seu depoimento por escrito, admitindo-se tão somente que faça consulta a breves apontamentos, para facilitar a lembrança de detalhes de difícil me- morização, a exemplo de nomes, datas, eventos, etc.

Após o presidente do colegiado processante realizar todas as perguntas que julgava pertinentes à testemunha, deve dar oportunidade aos demais integrantes da comissão para que realizem seus questiona- mentos. Registre-se que tais questionamentos serão formulados pelo presidente ao depoente.

Encerradas as perguntas da comissão, passa-se a palavra ao acusado ou ao seu procurador para que formulem seus questionamentos, os quais também são feitos pelo presidente. Necessário frisar que a co- missão deve obrigatoriamente registrar em ata que foi oportunizado à defesa reinquirir a testemunha, como prova de observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Antes do encerramento do depoi- mento, costuma-se perguntar à testemunha se ela gostaria de acrescentar algo àquilo que já foi relatado, o que será registrado na ata.

Tal protagonismo do presidente da comissão também se revela em sua incumbência de exercer o poder de polícia durante a realização da oitiva, de forma a garantir que o trabalho do colegiado se desen- volva regularmente, sem tumulto ou desordem. Para tanto, o presidente pode se utilizar de meios coerci- tivos quando for necessário, podendo inclusive retirar pessoas do recinto quando sua presença atrapalhar o bom andamento dos trabalhos134.

É possível que a parte deseje formular determinada pergunta que não seja admitida pela comissão, por se tratar de pergunta impertinente ou protelatória135. Nesse caso, a parte pode requerer que o texto da pergunta indeferida conste da transcrição do termo do depoimento, nos termos do artigo 459, § 3º, Código de Processo Civil136. Caso o presidente da comissão indefira tal pedido de inserção, o acusado pode requerer que tal incidente conste também da ata, nos termos do artigo 152, § 2º, Lei nº 8.112/90137 138.

Encerrado o depoimento, todos aqueles presentes durante a realização do ato deverão assiná-lo (membros da comissão, testemunha, acusado e procuradores), atestando sua realização naquela data e horário, bem como a veracidade de seu conteúdo.

A doutrina destaca a importância de se prezar pela fiel transcrição de tudo aquilo que foi relatado pela testemunha durante seu depoimento, pois há a possibilidade de que ela se recuse a assinar o depoimento, sob alegação de que o termo não condiz com aquilo que foi declarado. Nesse momento, recomenda-se que o colegiado realize as alterações solicitadas para não causar indisposição desnecessária com a teste- munha, desde que essas não importem em falseamento daquilo que verdadeiramente foi dito.

 

132           MADEIRA, 2008, p. 107.

133           COSTA, 2011, p. 226.

134           Idem, p. 229.

  • Lei nº 112/90, Art.156, § 1º – O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos.
  • 459, § 3º – As perguntas que o juiz indeferir serão transcritas no termo, se a parte o requerer.
  • 152, § 2º – As reuniões da comissão serão registradas em atas que deverão detalhar as deliberações adotadas. 138 LESSA, 2000, p. 155.

 

No caso de a oitiva ser gravada, o registro audiovisual gerado e juntado aos autos dispensa a redução a termo, conforme estabelece o art. 7º da Instrução Normativa n.º 12, de 1º de novembro de 2011, alte- rada pela Instrução Normativa n.º 5, de 21 de fevereiro de 2020. Nesse caso, basta que o presidente da comissão assine a Ata de Audiência, na qual deverá constar, ao menos, a data, os locais e os participantes do ato.

 

  • Contradita

Embora não prevista expressamente pela Lei nº 8.112/90, a doutrina recorre ao regramento pro- cessual penal para admitir a possibilidade de contradita de testemunha em sede de processo administrativo disciplinar, nos termos do artigo 214 do Código de Processo Penal:

Art. 214 – Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou arguir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou arguição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não Ihe deferirá com- promisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.

Trata-se de incidente em que o acusado ou seu procurador pode contestar a negativa de impedi- mento ou suspeição feita pela testemunha, no momento em que esta é inquirida pela comissão acerca das situações previstas pelo artigo 208 do Código de Processo Penal, conforme mencionado no item anterior. Para tanto, devem comprovar a existência de tal causa impeditiva de atuação como testemunha.

Acatada a contradita pelo colegiado, o depoimento será registrado como de mero informante, pois a testemunha não poderá prestar compromisso nos termos do artigo 342 do Código Penal. Não obstante, caso sejam insuficientes as razões apresentadas, a comissão não está obrigada a aceitar a contradita, devendo justificar em ata as razões de tal indeferimento e prosseguir normalmente com a tomada de depoimento139.

A comissão irá igualmente qualificar o depoente como informante quando ela própria entender que existe causa de impedimento ou suspeição, independente de contradita levantada pela defesa.

 

  • Acareação

Por sua vez, a possibilidade de realização de acareação entre testemunhas encontra expressa previsão no artigo 158, § 2º, da Lei nº 8.112/90, que assim dispõe: “Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á à acareação entre os depoentes”.

Conforme já mencionado, as testemunhas são inquiridas em separado, porém ao se deparar com versões diametralmente opostas sobre um determinado acontecimento, fato este considerado relevante para o deslinde do processo disciplinar, a comissão pode delimitar quais foram os pontos de divergência entre os depoimentos contraditórios e colocá-las frente a frente para dirimir a controvérsia. Nesse sentido discorre a doutrina:

As divergências sobre fatos juridicamente relevantes, decorrentes do confronto dos depoimentos prestados, deverão ser esclarecidas por intermédio de acareação na qual cada um dos depo- entes, a seu tempo, oferecerá as explicações sobre os pontos controvertidos, sendo tudo reduzido a termo.140

A matéria é regulada também pelos artigos 229141 e 230 do Código de Processo Penal, que prevê, inclusive, que a acareação pode ser feita não somente entre testemunhas, como também entre acusado e testemunha, acusado ou testemunha e pessoa afetada por sua conduta.

 

139           Idem, p. 105.

140           GUIMARÃES, 2006, p. 150.

141           Art. 229 – A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.

 

Parte da doutrina processual entende que se trata de medida de pouca valia, pois, via de regra, os acareados mantêm suas declarações anteriores; enquanto outros recomendam aos membros da comissão que prestem especial atenção nas reações fisionômicas dos acareados, para flagrar possíveis inverdades142.

 

  • Influência do acusado durante a colheita do depoimento

Já se destacou a fundamental importância de a comissão comprovar, no bojo do processo disciplinar, que regularmente intimou o acusado ou seu procurador para que estes possam exercer, ou não, seu direito de acompanhar a realização das oitivas.

Apesar disso, sabe-se que, na prática, a efetiva presença do acusado durante a tomada de depoi- mento da testemunha pode causar-lhe embaraço, constrangimento e até mesmo receio de relatar tudo aquilo que sabe perante o colegiado responsável pela condução dos trabalhos.

Cabe à comissão minimizar a possibilidade de que tal intimidação possa ocorrer, devendo preocu- par-se com a organização física da sala de oitiva, de forma que a testemunha preste seu depoimento sentada de frente para o trio processante, sem poder vislumbrar o semblante do acusado ou de seu advogado, que deverão estar posicionados atrás na sala143.

Mesmo com tal disposição física da sala, caso a testemunha se recuse a depor em razão da presença do acusado durante a realização da oitiva, a comissão deve, munida de bom senso, verificar se existem indícios de que o acusado esteja atuando de forma concreta para coagir a testemunha. Sendo negativa a resposta, deverá convencer a testemunha a prestar depoimento, sem qualquer receio. No entanto, caso verifique que o acusado efetivamente constrange a testemunha, através de sua atitude, gestos ou insinua- ções, deve o presidente do colegiado atuar conforme o disposto pelo artigo 217 do Código de Processo Penal144, mandando retirá-lo da sala e registrando o incidente no termo de depoimento ou na ata (cf. art. 152, § 2º, Lei nº 8.112/90).

 

  • Demais formalidades

Conforme já mencionado acima, a Lei nº 8.112/90 disciplina a matéria sobre testemunhas em apenas dois dispositivos – artigos 157 e 158 – de forma que a doutrina recorre a outros diplomas legais para suprir as hipóteses não mencionadas pela legislação administrativista.

O Código de Processo Penal se refere, no artigo 220145, àquelas pessoas impossibilitadas de com- parecer perante a comissão para depor em razão de idade avançada ou enfermidade. Nesses casos, a comissão pode inquiri-las no local onde se encontrarem.

Por sua vez, o artigo 221 do Código de Processo Penal se refere à tomada de depoimento daquelas autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função, as quais possuem o direito de ajustar previa- mente o local, dia e horário em que prestarão depoimento, enquanto estiverem exercendo seus cargos ou enquanto durarem seus mandatos146. No caso de Presidente e Vice-Presidente da República e Presidentes

 

 

 

 

 

 

142           TOURINHO FILHO, 2001, p. 497.

143           MADEIRA, 2008, p. 108.

  • 217 – Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
  • 220 – As pessoas impossibilitadas, por enfermidade ou por velhice, de comparecer para depor, serão inquiridas onde estiverem. 146 BRAGA, 2008, p. 198.

 

do Senado Federal, Câmara dos Deputados e STF, tais autoridades poderão optar pela prestação de depoi- mento por escrito, após envio das perguntas formuladas pela comissão e pelo acusado mediante ofício147.

Ainda, o artigo 223 do mesmo diploma estabelece que, no caso de testemunha não fluente na língua nacional, o colegiado deverá providenciar um intérprete para traduzir as perguntas e as respostas148. Já a tomada de depoimento de mudo, surdo ou surdo-mudo, observará o procedimento descrito pelo artigo 192149: o surdo receberá as perguntas por escrito e as responderá oralmente; o mudo será inquirido oral- mente e responderá por escrito; e o surdo-mudo, receberá e responderá as perguntas por escrito.

Por fim, o parágrafo único do artigo 192 do Código Processual Penal disciplina a situação de teste- munha não alfabetizada e acometida por uma dessas deficiências, hipótese em que intervirá no processo pessoa habilitada a entendê-la, a qual assumirá a qualidade de intérprete e deverá prestar compromisso de transmitir fielmente aquilo que a testemunha lhe relatou.

 

  • Interrogatório

O interrogatório é a fase da instrução que permite ao suposto autor da infração disciplinar esboçar a sua versão dos fatos, exercendo a autodefesa, ou, ainda, se lhe for conveniente, invocar o direito ao silêncio, sem nenhum prejuízo à culpabilidade.

Segundo Francisco Xavier da Silva Guimarães, o interrogatório:

(…) é, sem dúvida, um dos mais importantes da fase instrutória, por meio do qual ouvem-se os es- clarecimentos do acusado sobre a imputação que lhe é feita ao tempo em que são colhidos dados fundamentais para a formação do convencimento. 150

Não obstante a nítida importância do interrogatório nas apurações disciplinares, verifica-se, pela lei- tura abaixo, que a Lei nº 8.112/90 pouco tratou do instituto.

Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acu- sado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158.

  • 1º No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente, e sempre que di- vergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles.
  • 2º Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á à acareação entre os depoentes.

Por essa razão, a Controladoria-Geral da União recomendava às comissões adotar como parâmetro as regras dispostas nos artigos 186 a 196 do Código de Processo Penal151. Porém, desde a entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil), a matéria merece especial atenção, em razão do disposto no art. 15, determinando a aplicação das normas do referido diploma, de modo supletivo e subsi- diário, aos processos administrativos, dentre outros.

 

 

  • Código de Processo Penal, Art. 221 – O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governa- dores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembleias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o § 1o O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, Ihes serão transmitidas por ofício. (…)
  • Código de Processo Penal, Art. 223 – Quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete para traduzir as perguntas e respostas. Parágrafo único. Tratando-se de mudo, surdo ou surdo-mudo, proceder-se-á na conformidade do 192.
  • Código de Processo Penal, Art. 192 – O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte: I – ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente; II – ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito; III – ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as respostas. Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

150           GUIMARÃES, 2006, p. 154.

151           Idem, p. 155 e 156.

 

Por ser um ato personalíssimo, o interrogatório não pode ser realizado por interposta pessoa, de forma que nem a presença do procurador supre a ausência do acusado.

A comissão deve conduzir o interrogatório de forma que não haja pressões ou constrangimentos. Se a comissão advertir que o silêncio será interpretado em prejuízo do interrogado ou compromissá-lo, poderá ser arguida a nulidade do interrogatório e atos subsequentes.

Ademais, de acordo com a nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), constitui crime de abuso de autoridade prosseguir com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio (art. 15, parágrafo único, inciso I). Assim, a comissão de PAD deve encerrar o interrogatório sem novos questionamentos ao acusado tão logo este tenha manifestado sua decisão pelo exercício do direito ao silêncio.

Assim em atenção ao princípio constitucional da ampla defesa, permite-se ao acusado o direito de se manifestar após o conhecimento de todos os fatos a si imputados, sendo, assim, o último a se manifestar antes de eventual indiciação. Deste modo, o interrogatório é o ato final a ser realizado pela comissão antes de formar sua convicção acerca do indiciamento do servidor acusado ou da sugestão de arquivamento do feito disciplinar.

Entretanto, caso a opção pelo exercício do direito ao silencio seja encaminhada formalmente à co- missão antes da realização do interrogatório agendado e informado ao acusado, poderá a comissão deli- berar o cancelamento do ato, sem que da sua falta resulte qualquer nulidade por cerceamento de defesa.

Não obstante o art. 159 da Lei nº 8.112/90 dispor que, após a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, é de se registrar que o interrogatório não necessariamente deverá ser realizado logo após a oitiva das testemunhas, mas certamente após a realização de todas as provas.

Importante registrar que é plenamente possível a realização de vários interrogatórios do acusado, inclusive em outros momentos da instrução, como, por exemplo, antes mesmo da oitiva das testemunhas. Todavia, para que não haja nulidade, deve haver um novo interrogatório ao final.

Nesse sentido, assim ensina Vinícius de Carvalho Madeira:

(…) pode acontecer de a comissão entender ser interessante ouvi-lo logo no início do processo, ou mesmo antes do fim. Nada impede que ela faça isso. Entretanto, por segurança jurídica, se o acu- sado for interrogado antes da produção de outras provas, deve ser colhido novo interrogatório ao final da instrução para ficar assentado que a lei foi cumprida e o interrogatório do acusado o último ato da instrução.152

O STJ, por sua vez, ao julgar o Mandado de Segurança nº 7.736, assim se manifestou:

(…) IV. A oitiva do acusado antes das testemunhas, por si só, não vicia o processo disciplinar, bas- tando, para atender a exigência do art. 159 da Lei nº 8.112/90, que o servidor seja ouvido também ao final da fase instrutória.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 7736/DF – 2001/0082331-0. Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 24/10/2001, publicado em 4/2/2002)

Esse é o entendimento também acolhido pela AGU, conforme se verifica nos pareceres vinculantes nºs GQ-37 e GQ-177, conforme trechos abaixo transcritos:

Parecer-AGU nº GQ-37, vinculante. Ementa: (…) É insuscetível de eivar o processo disciplinar de nulidade o interrogatório do acusado sucedido do depoimento de testemunhas, vez que, somente por esse fato, não se configurou o cerceamento de defesa. (…)

 

 

 

152           MADEIRA, 2008, p. 110.

 

Parecer-AGU nº GQ-177, vinculante: Ementa: (…) Não nulifica o processo disciplinar a providência consistente em colher-se o depoimento do acusado previamente ao de testemunha. (…)

  • Procedimento

Lei nº 8.112/90

Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acu- sado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158.

  • 1º No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente, e sempre que di- vergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles.

Art. 157. As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexada aos autos.

Parágrafo único. Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados para inquirição.

Art. 158. O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito.

  • 1º As testemunhas serão inquiridas separadamente.
  • 2º Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á a acareação entre os depoentes.

Art. 173. Serão assegurados transporte e diárias:

  • – ao servidor convocado para prestar depoimento fora da sede de sua repartição, na condição de testemunha, denunciado ou indiciado; (…)

Lei nº 9.784/99

Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

Código de Processo Penal – CPP

Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte: I – ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente;

  • – ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito;
  • – ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as

Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

Código de Processo Civil – CPC Art. 385. (…)

  • 2º É vedado a quem ainda não depôs assistir ao interrogatório da outra parte.

 

Lei nº 13.869/2019

Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório: I – de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou

Para que o servidor seja interrogado, é necessária sua prévia notificação para acompanhar o processo na qualidade de acusado. Assim, caso o servidor conste nos autos como simples testemunha, não poderá ser intimado para o interrogatório. Nesta hipótese, deverá antes ser notificado da sua condição de acusado para que possa exercer seu direito à ampla defesa, além de ser necessário questionar se deseja o refazi- mento, observando o princípio do contraditório, das provas já carreadas aos autos.

Nos termos do art. 41 da Lei nº 9.784/99, o acusado deve ser intimado pela comissão no prazo hábil de três dias úteis antes da realização do interrogatório, lembrando que, caso o seu procurador seja um ad- vogado, este também deverá ser intimado acerca do interrogatório. Nessa oportunidade, é recomendável que a intimação seja entregue juntamente com a indicação do endereço eletrônico de acesso aos autos ou da cópia do processo, ou parte necessária a complementar as outras já entregues durante o seu curso.

Insta destacar que, conforme a redação do Enunciado nº 10 da CGU (vide item 10.1.2) e da Ins- trução Normativa nº 9/2020, basta que a intimação seja feita por escrito e com a comprovação da ciência por parte do interessado para que possa ser considerada válida. Não há necessidade de seja entregue pes- soalmente. Deste modo, é possível, inclusive, que a intimação ocorra por e-mail ou aplicativo de mensagem instantânea, desde que conste nos autos o respectivo aviso de leitura.

O titular da unidade, a quem se encontra subordinado o acusado, deve ser comunicado da data e hora de realização do interrogatório, podendo ser remetido por via eletrônica. Caso o local do interroga- tório seja diverso da sede de sua repartição, serão assegurados transporte e diárias para seu deslocamento, nos termos do que determina a redação lapidada no art. 173 da Lei nº 8.112/90, sem prejuízo da possibi- lidade de realização do ato por videoconferência.

Após o início dos trabalhos, o presidente da comissão realizará a identificação do acusado, por meio de dados como nome, filiação, estado civil, endereço, naturalidade, RG, CPF, data de nascimento, cargo e lugar onde exerce a sua atividade. Sendo o caso, registrará ainda a presença de seu procurador.

Na sequência, a comissão cientificará o acusado do teor da acusação que pesa contra si, informan- do-o do direito de ficar calado, não tendo obrigação de responder as perguntas que lhe forem dirigidas. Caso seja manifestada pelo acusado a intenção de permanecer em silêncio durante o interrogatório, ou seja, não responder às perguntas da comissão, o ato deverá ser encerrado, com o registro do exercício do direito ao silêncio no termo e assinatura deste pelos presentes.

No caso de o interrogatório ser gravado, o registro audiovisual gerado e juntado aos autos dispensa a redução a termo, conforme estabelece o art. 7º da Instrução Normativa n.º 12, de 1º de novembro de 2011, alterada pela Instrução Normativa n.º 5, de 21 de fevereiro de 2020, bastando que o presidente da comissão assine a Ata de Audiência, na qual deverá constar, ao menos, a data, os locais e os participantes do ato.

O interrogado não deve trazer suas respostas por escrito, mas sim prestar seu depoimento oral- mente, o que é reforçado pelo art. 387 do Código de Processo Civil. Há exceções nos casos de surdos, mudos ou surdos-mudos, conforme disposto do art. 192 do CPP.

A condução do interrogatório se dá pelo presidente da comissão, a quem compete se dirigir ao acu- sado, interrogando-o acerca dos fatos e circunstâncias objeto do processo, bem como sobre os fatos a ele imputados. Quando não utilizado equipamento de gravação em audiovisual, cabe também ao presidente

 

reduzir a termo, o mais fielmente possível, as respostas apresentadas, as quais serão digitadas pelo secre- tário ou outro membro da comissão.

Também devem constar do termo todos os fatos ocorridos durante o interrogatório, como inci- dentes, advertências verbais, interferências, ausência de resposta por parte do acusado (valendo-se do direito de ficar calado) etc.

É recomendável que as perguntas já tenham sido previamente elaboradas pela comissão. Contudo, nada impede que durante o curso do interrogatório outras perguntas sejam incluídas ou modificadas.

Terminada a realização das perguntas pelo presidente da comissão, será aberta a palavra aos dois membros. Após o término das perguntas da comissão e das eventuais perguntas formuladas pelos demais acusados ou procuradores presentes, deferidas pela comissão, passa-se a palavra ao acusado, para que acrescente o que entender cabível acerca dos fatos trazidos à baila no procedimento correcional.

Caso ocorra de o acusado solicitar retificação substancial de alguma resposta, seja durante o interro- gatório ou após seu término, deve a comissão registrar ao final a nova resposta, não realizando a alteração por cima da resposta anteriormente prestada.

As perguntas e respostas ficarão consignadas no termo de interrogatório. O texto será revisado e impresso e uma única via, que será assinada pelo acusado e por todos os presentes.

Conforme orientação do autor Marcos Salles:

Não havendo outros interrogatórios a serem coletados, tira-se cópia reprográfica do termo para o interessado (recomenda-se que seja impressa apenas uma via original e dela se extraia cópia). Por outro lado, caso ainda haja interrogatório a se coletar, convém que a comissão autue o termo e, caso seja solicitado, forneça sua cópia para o acusado somente após a realização de todos os interrogató- rios, de forma a diminuir a possibilidade de prévio conhecimento das perguntas, buscando preservar ao máximo a prova oral. 153

 

  • Direito do acusado ao silêncio e não autoincriminação

Constituição Federal – CF Art. 5º (…)

LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Código de Processo Penal – CPP

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Lei nº 13.869/2019 (crimes de abuso de autoridade)

Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório: I – de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou

153           TEIXEIRA, 2020, p.1151.

 

O presidente da comissão deverá cientificar o servidor acerca dos fatos a ele atribuídos, informando-

-lhe da garantia constitucional de ficar calado e da impossibilidade de haver prejuízo em razão do exercício de tal direito. Diante dessa garantia, é inexigível do acusado o compromisso com a verdade, bem como o silêncio de sua parte não pode ser interpretado em seu desfavor e muito menos ser considerado como confissão.

O STF, ao julgar o Habeas Corpus nº 68.929, assim decidiu:

Ementa: “(…) Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. ´Nemo tenetur se dete- gere´. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de perma- necer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal”.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC nº 68.929/SP. Relator: Ministro Celso de Mello, julgado em 22/1/1991, publicado em 28/8/1992)

Optando o acusado por não responder a qualquer pergunta sobre os fatos e circunstâncias objeto do processo disciplinar, deve a comissão registrar no termo de interrogatório a opção do acusado pelo exer- cício do direito ao silêncio, e encerrar o ato, já que continuar com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercê-lo pode caracterizar crime de abuso de autoridade, previsto no art. 15, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 13.869/2019).

No tocante à ausência do aviso da supracitada garantia no início do interrogatório, é importante con- signar que tal fato somente ensejará nulidade caso se verifique, no caso concreto, efetivo prejuízo à defesa.

 

  • Interrogatório de vários acusados

Como visto, o § 1º do art. 159 da Lei nº 8.112/90 dispõe que, no caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente.

Ao dispor sobre as regras que devem ser observadas no interrogatório dos acusados na instância criminal, o Código de Processo Penal apresenta redação semelhante. Consta, no art. 191 daquele diploma legal, que “havendo mais de um acusado, serão ouvidos separadamente”. Na interpretação de tal disposi- tivo, o entendimento predominante é no sentido de que é legítima a participação das defesas dos corréus nos interrogatórios dos outros acusados. A jurisprudência vem apontando nesta direção:

É legítimo, em face do que dispõe o artigo 188 do CPP, que as defesas dos corréus participem dos interrogatórios de outros réus. Deve ser franqueada à defesa de cada réu a oportunidade de parti- cipação no interrogatório dos demais corréus, evitando-se a coincidência de datas, mas a cada um cabe decidir sobre a conveniência de comparecer ou não à audiência.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AgRg na AP 470. Relator: Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 6/12/2007, publicado em 13/3/2008)

Assim, a CGU já possuía o entendimento de que, na seara disciplinar, também deveria ser permitido, à defesa dos outros acusados, assistir ao ato do interrogatório e formular as perguntas que entendesse per- tinentes ao interrogado, como medida de garantia do exercício do direito ao contraditório.

O novo CPC, em seu art. 385, § 2º, transcrito em 10.3.14.1, impõe que se avance neste entendi- mento, no sentido de permitir a participação não somente das defesas, mas dos próprios acusados. Isto é o que se depreende da expressão “parte”, utilizada na referida lei. Assim, os acusados poderão participar dos interrogatórios uns dos outros, pessoalmente, ou por meio dos seus procuradores.

 

Não obstante, cumpre assinalar que, em se tratando do processo disciplinar, não há que se falar em participação nos interrogatórios segundo um critério cronológico, como sugere o dispositivo legal aplicável, primordialmente, aos processos de natureza cível.

Tal se justifica porque, como hoje resta assentado, o processo disciplinar não presume a existência de defesa técnica (vide item 10.2, onde se trata da Súmula Vinculante nº 5 do STF) ou mesmo representação por qualquer procurador que seja, havendo a possibilidade de acompanhamento pessoal pelo servidor acusado. De seu lado, o interrogatório, no processo disciplinar, não é meramente um meio de prova, mas também, e principalmente, um meio de defesa, por ser a oportunidade de verbalizar a versão particular acerca dos fatos investigados.

Assim, aplicar a literalidade do dispositivo legal em tela, implicaria em que o acusado a ser ouvido por último, de acordo com a agenda da comissão, somente poderia participar dos interrogatórios anteriores se constituísse procurador. Tal, contudo, repise-se, não é obrigatório e, em razão disso, a aplicação literal poderia resultar, no caso concreto, em cerceamento de defesa, por tratamento não isonômico entre os acusados que acompanham o processo pessoalmente e aqueles que se fazem representar.

Desta forma, assenta-se que, no caso de mais de um acusado, todos poderão assistir aos interro- gatórios, por si ou por seus procuradores, independentemente da cronologia dos atos e, caso se façam presentes, poderão, por meio da comissão, fazer as perguntas que julgarem oportunas, as quais estarão sujeitas ao juízo do colegiado, no que diz respeito à possibilidade de indeferimento de provas prevista no art. 156, § 1º da Lei nº 8.112/90.

Também o CPP dispõe sobre o procedimento para a realização de interrogatórios, consignando em seu art. 188 a possibilidade de participação das partes.

Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

Cabe ressaltar que, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a participação nos interro- gatórios é restrita aos procuradores dos coacusados. Nesse sentido é a decisão exarada em sede de Agravo Regimental na ação penal nº 470:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. EXPEDIÇÃO DE CARTAS DE ORDEM INDEPENDENTEMENTE DE PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DECISÃO DO PLENÁRIO DA CORTE. IMPUGNAÇÃO POR AGRAVO REGIMENTAL. NÃO-CONHE- CIMENTO. INTERROGATÓRIOS. ORGANIZAÇÃO DO CALENDÁRIO DE MODO QUE AS DATAS DAS AUDIÊNCIAS REALIZADAS EM DIFERENTES ESTADOS DA FEDERAÇÃO NÃO COINCIDAM. PAR- TICIPAÇÃO DOS CO-REUS. CARÁTER FACULTATIVO. INTIMAÇÃO DOS DEFENSORES NO JUÍZO

DEPRECADO. Não se conhece de Agravo Regimental contra decisão do relator que simplesmente dá cumprimento ao que decidido pelo Plenário da Corte. É legítimo, em face do que dispõe o artigo 188 do CPP, que as defesas dos co-réus participem dos interrogatórios de outros réus. Deve ser franqueada à defesa de cada réu a oportunidade de participação no interrogatório dos demais co-

-réus, evitando-se a coincidência de datas, mas a cada um cabe decidir sobre a conveniência de comparecer ou não à audiência. Este Tribunal possui jurisprudência reiterada no sentido da desneces- sidade da intimação dos defensores do réu pelo juízo deprecado, quando da oitiva de testemunhas por carta precatória, bastando que a defesa seja intimada da expedição da carta. Precedentes citados.

 

(AP 470 AgR, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 06/12/2007, DJe-047 DIVULG 13-03-2008 PUBLIC 14-03-2008 EMENT VOL-02311-01 PP-00001 RTJ VOL-00204-01 PP-00015 LEXSTF v. 30, n. 354, 2008, p. 314-344) (grifou-se)

É oportuno frisar que, além dos questionamentos que podem ser feitos no interrogatório dos outros servidores que também se encontram no polo passivo do processo, o direito ao contraditório também é

 

garantido no momento em que o acusado tem acesso a cópia do termo do mencionado ato, sendo possível tecer suas considerações por ocasião da apresentação da defesa.

 

  • Do não comparecimento do acusado

No dia do interrogatório, a comissão deve aguardar a chegada do acusado por, no mínimo, trinta minutos. Contudo, se devidamente intimado o acusado não comparecer, a comissão registrará o incidente em termo de não comparecimento, devendo tentar uma nova data para realização do ato.154

Caso o acusado opte por não exercer seu direito de defesa, ou deixe de comparecer novamente sem motivo, o processo disciplinar deverá prosseguir no seu curso normal, sem que haja o interrogatório, fato esse que não configura cerceamento de defesa, conforme entendimento da Advocacia-Geral da União e do Superior Tribunal de Justiça:

Parecer AGU nº GQ-102, não vinculante:

(…)17. A Lei nº 8.112, de 1990, não condicionou a validade do apuratório à tomada do depoimento do acusado, nem a positividade das normas de regência autoriza a ilação de que este configura peça processual imprescindível à tipificação do ilícito. A falta do depoimento, no caso, deveu-se à conduta absenteísta do servidor quando intimado a prestar esclarecimentos (…).

(…) De todo o exposto, resulta que o impetrante não foi interrogado pela comissão processante, porque recusou-se, por vinte vezes, a comparecer ao local designado, a despeito de estar gozando de perfeita saúde, em determinadas ocasiões. Em consequência, não há falar em cerceamento de defesa, sendo certo, ainda, que a eventual nulidade do processo, por esse motivo, não poderia ser aproveitada pela parte que lhe deu causa.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 7066/DF – 2000/0063355-0. Relator: Ministro Ha- milton Carvalhido, julgado em 27/11/2002, publicado em 16/12/2002)

A ausência do acusado ou de seu procurador ao longo da fase de instrução não gera a favor da Admi- nistração Pública presunção de verdade da acusação, uma vez que a ela cabe o ônus probante.

Não há determinação legal no sentido de que a comissão designe defensor ad hoc ou solicite à au- toridade instauradora designação de defensor dativo, mesmo porque, conforme já referido, se trata de ato personalíssimo.

 

  • Procurador do acusado

Lei nº 8.112/90:

Art. 159 (…)

  • 2º O procurador do acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à inquirição das testemu- nhas, sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente da comissão.

Segundo o dispositivo legal acima citado, verifica-se que o procurador poderá acompanhar o interro- gatório, não havendo que se falar, porém, em nulidade na hipótese de sua ausência quando da tomada do interrogatório, até porque tal ato tem caráter personalíssimo.

Sobre o assunto, assim se manifesta Vinícius de Carvalho Madeira:

O procurador do(s) acusado(s) pode acompanhar o interrogatório e apesar de ser possível interpretar o § 2º do art. 159 da Lei nº 8.112/90 no sentido de que o advogado só pode fazer perguntas às testemunhas, nos seus depoimentos, e não ao acusado, no seu interrogatório, entendo que não há problemas em permitir que o advogado do acusado, a quem a lei garante expressamente o direito

154           TEIXEIRA, 2020, p. 1141.

 

de participar do interrogatório faça perguntas ao seu cliente para ficarem registradas na ata de interrogatório com as respectivas respostas. Mas, repita-se, o § 2º do citado art. 159 garante ex- pressamente a participação do advogado do acusado em seu interrogatório. Portanto, para se evitar problemas futuros com alegações de nulidade, a Comissão deve sempre intimar o advogado do acusado para participar de seu interrogatório, assim como o advogado deve ter sido intimado para participar da oitiva das testemunhas. Entretanto, se o advogado foi pessoalmente intimado – cópia da intimação assinada e juntada ais autos – a sua ausência injustificada no interrogatório ou no de- poimento da testemunha não pode gerar nulidade do feito, não havendo necessidade de nomeação de defensor dativo pela Administração, pois isso seria a submissão à chicana do advogado, coisa que o Poder Judiciário – acredito – não chancelaria. 155

Tese contrária poderia alegar o disposto no art. 185 do CPP, segundo o qual o acusado que compa- recer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

Contudo, só é permitido trazer institutos do processo penal ao processo administrativo disciplinar em caso de lacunas, oriundas de omissão na Lei nº 8.112/90 e também na Lei nº 9.784/99. Nesse caso, a norma mais específica, qual seja, a Lei nº 8.112/90 abordou a matéria, ao prever apenas a possibilidade de acompanhamento do procurador.

Caso o acusado tenha interesse no assessoramento de um advogado, deve por ele ser providen- ciado, não cabendo à comissão designar defensor ad hoc ou solicitar designação de defensor dativo para acompanhar o acusado, e menos ainda deixar de realizar o ato sem o procurador.

A Advocacia-Geral da União assim se manifestou sobre a questão:

Parecer AGU nº GQ-99, não vinculante:

  1. O regramento do inquérito administrativo é silente quanto ao comprometimento do princípio da ampla defesa, advindo, daí, vício processual insanável, na hipótese em que o acusado seja ‘interro- gado (fls. 125/126) sem se fazer acompanhar de advogado por ele constituído ou dativo designado pela Presidente da Comissão Processante’. ‘De lege lata’, esse é cuidado de que deve cercar-se o servidor, a seu talante, sem que constitua qualquer dever da c.i., por isso que não dimanante de lei, como se faria necessário, dado o princípio da legalidade que deve presidir a atuação do colegiado, ‘ex vi’ do art. 37 da Carta.

Acerca da possibilidade de o procurador formular perguntas ao seu cliente interrogado, após as per- guntas do presidente e dos vogais, durante muito tempo entendeu-se que a redação do § 2º do art. 159 da Lei nº 8.112/90 não contemplaria tal possibilidade, haja vista que a redação do aludido dispositivo legal usou a expressão “reinquiri-las”, referindo-se, portanto, somente às testemunhas.

Todavia, atualmente, a novel jurisprudência em matéria criminal – cujo processo é o sancionador por excelência – permite a inquirição do réu por seu próprio advogado, e também que este participe e inquira os corréus em seus interrogatórios. Neste sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. INTERROGATÓRIO DO RÉU. FORMULAÇÃO DE PERGUNTAS DIRETAMENTE PELO DEFENSOR. INDEFERIMENTO. NÃO OCORRÊNCIA DE NULIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 118 DO CPP. RECURSO NÃO PROVIDO.

  1. O interrogatório, como ato de defesa do acusado e fonte de prova, submete-se ao princípio do contraditório, com direito de participação das partes no ato judicial. 2. A teor do art. 188 do CPP, o juiz, após proceder ao interrogatório, indagará da acusação e da defesa se restou algum fato a ser esclarecido, formulando ao réu as reperguntas que entender pertinentes e relevantes. (…) 5. Recurso ordinário não provido.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RHC nº 48.354/SP. Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 9/12/2014, publicado em 19/12/2014)

 

155           MADEIRA, 2008, p. 110.

 

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. INDEFERIMENTO DE REPERGUNTAS DE ADVOGADO DE UM DOS CORRÉUS AO OUTRO CORRÉU DURANTE O INTERROGATÓRIO. DECISÃO QUE VIOLA PRINCÍPIOS CONSTITU- CIONAIS. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES. DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO SOMENTE QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA ANULAR A INSTRUÇÃO A PARTIR DO INTERROGATÓRIO. 1. A decisão que impede que o

defensor de um dos réus repergunte ao outro acusado ofende os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da isonomia, gerando nulidade absoluta. 2. O princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, ainda que a sanção prevista seja a de nulidade absoluta do ato. Precedentes. 3. Prejuízo devi- damente demonstrado pela defesa quanto à imputação pelo crime de associação para o tráfico. Au- sência de prejuízo com relação ao crime de tráfico de drogas. 4. Ordem parcialmente concedida para anular a instrução a partir do interrogatório quanto ao crime de associação para o tráfico de drogas.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC nº 101648. Relatora: Ministra Carmem Lúcia, julgado em 11/5/2010, publicado em 8/2/2011)

Frise-se que cabe aqui a regra geral de que o presidente pode indeferir perguntas impertinentes e ir- relevantes, a teor do artigo 156, parágrafo 1º da Lei nº 8.112/90, que caminha no mesmo sentido do artigo 188 do CPP. Ademais, é relevante pontuar que o procurador não pode interferir nas perguntas da comissão e nem nas respostas do interrogado, sem prejuízo de eventuais intervenções para que sejam observados aspectos formais da regularidade do ato.

 

  • Confissão

Código de Processo Penal – CPP

Art. 190. Se confessar a autoria, será perguntado sobre os motivos e circunstâncias do fato e se ou- tras pessoas concorreram para a infração, e quais sejam.

Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

Art. 199. A confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos autos, obser- vado o disposto no art. 195.

Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.

Confessar é reconhecer a autoria da infração ou dos fatos objetos da investigação pelo acusado. Guilherme Nucci assim descreve a confissão:

(…) é apenas o ato voluntário (produzido livremente pelo agente, sem qualquer coação), expresso (manifestado, sem sobre de dúvida, nos autos) e pessoal (inexiste confissão, no processo penal, feita por preposto ou mandatário, que atentaria contra a segurança do princípio da presunção de inocência). 156

Só podem confessar as pessoas que tenham a devida capacidade de entender e querer.

A confissão é um meio de prova como qualquer outro, colaborando para a demonstração da ver- dade dos fatos. Contudo, não significa, por si só, o imediato encerramento da busca da verdade material; é preciso confrontá-la com as demais provas constantes dos autos. Ou seja, a confissão é somente mais um elemento que será avaliado pelo colegiado responsável pela condução dos trabalhos ao se debruçar sobre o lastro probatório acostado ao processo.

 

 

 

156           NUCCI, 2006, p. 410.

 

Pode ocorrer a confissão tanto no interrogatório quanto em outros momentos do processo. Neste último caso, deve haver sua confirmação por prova oral e redução a termo ou gravação em audiovisual.

A confissão é uma prova divisível, haja vista que seu teor pode ser desmembrado. Assim, a comissão, contrapondo-a com outros elementos de prova constante dos autos, pode se convencer de parte do que foi admitido e desconsiderar o restante, cabendo ao servidor comprovar a parte não acatada pela comissão.

É possível a retratabilidade da confissão, de forma que o acusado venha a desdizer o que afirmou como verdade anteriormente. Todavia, a retratação não vincula a comissão, possuindo valor relativo. Em razão da livre apreciação das provas, é possível que o colegiado não se convença da retratação, sendo pos- sível tomar como verdade a confissão anteriormente apresentada.

Com relação ao valor probatório da confissão, José Armando da Costa assevera que:

Na processualística moderna, a confissão tem validade apenas relativa, onde se constata, no dia-

-a-dia dos foros, que ela se robustece ou se definha, à medida que seu conteúdo discrepa ou não, respectivamente, das demais provas dos autos. 157

Destarte, tem-se que a confissão é mais um meio de prova, e na sua apreciação a comissão deverá confrontá-la com as demais provas do processo, para aferir se há compatibilidade entre as mesmas, caben- do-lhe a justa valoração.

 

  • Da Oitiva Fora da Sede

O art. 173 da Lei nº 8.112/90, em seu inciso I, somente assegura o pagamento de transporte e diárias ao servidor convocado para prestar depoimento fora da sede de sua repartição, na condição de testemunha, denunciado ou indiciado.

Por sua vez, o inciso II, do citado artigo, garante o pagamento de diárias e passagens aos membros da comissão e ao secretário, quando obrigados a se deslocarem da sede dos trabalhos para a realização de missão essencial ao esclarecimento dos fatos.

A redação legal não previu o pagamento de diárias e passagens ao acusado para acompanhar a pro- dução de prova fora da sede de sua repartição, na hipótese de deslocamento da comissão para tal fim, nem tampouco abriu possibilidade de pagamento de diárias e passagens a pessoa que não seja servidor público, caso esta não resida na sede da comissão e haja necessidade de ser ouvida.

Assim, se a testemunha for servidor público, a oitiva poderá ser realizada no município do acusado, já que tanto aquela quanto os membros do colegiado terão direito a diárias e passagens.

Caso a testemunha seja um particular, por não fazer jus a diárias e passagens, a comissão deverá, num primeiro momento, verificar se haveria a possibilidade de a própria testemunha arcar com os custos do seu deslocamento até a sede da comissão. Caso a testemunha não possua condições ou não se disponha a arcar com esses custos, havendo disponibilidade orçamentária, a comissão decidirá sobre a possibilidade de se deslocar até a testemunha, sendo que, nesse caso, ao acusado deverá ser dada a opção de custear o seu próprio deslocamento ou de constituir procurador no local da oitiva.

Havendo impossibilidade, seja qual for o motivo, tanto de o particular arcar com os custos do seu deslocamento, quanto de a comissão deslocar-se até o particular para ouvi-lo na condição de testemunha, a Administração poderá custear as despesas com o deslocamento do particular para ser ouvido na condição de “colaborador eventual”, com base na Lei nº 8.162, de 8 de janeiro de 1991 e no Decreto n° 5.992, de 19 de dezembro de 2006.

Nos termos do art. 4º, da Lei nº 8.162/91, correrão à conta das dotações orçamentárias próprias dos órgãos interessados, consoante se dispuser em regulamento, as despesas de deslocamento, de alimentação

 

157           COSTA, 2009, p. 104.

 

e de pousada dos colaboradores eventuais, inclusive membros de colegiados integrantes de estrutura regi- mental de Ministério e das Secretarias da Presidência da República, quando em viagem de serviço.

O Decreto nº 5.992/06, por sua vez, assegura, em seu artigo 10, que as despesas previstas no art. 4º da Lei nº 8.162/91, serão indenizadas mediante a concessão de diárias, correndo à conta do órgão interessado, imputando-se a despesa à dotação consignada sob a classificação de serviços, sendo que o di- rigente do órgão concedente da diária estabelecerá o nível de equivalência da atividade a ser cumprida pelo colaborador eventual com a tabela de diárias.

Mesmo diante de tais previsões legais, a comissão deverá sempre avaliar qual a opção mais eficaz e menos onerosa para a Administração Pública como, por exemplo, a realização do ato por meio de video- conferência, como se comentará na sequência.

Se de fato restar comprovada a impossibilidade de deslocamento tanto do depoente, quanto da comissão, haverá ainda a possibilidade de se proceder à oitiva por videoconferência ou ainda, excepcional- mente, por meio de carta precatória, em analogia ao processo penal, nos moldes do art. 222, do CPP158.

 

  • Realização de Videoconferência

A realização de atos processuais por meio de recursos de transmissão de sons e imagens, ao vivo e em tempo real, pode ser considerado um instrumento de cidadania a ser utilizado não apenas em defesa dos interesses da Administração e de toda a sociedade, mas em favor dos direitos dos próprios investigados.

Tratando-se do processo penal, a realização de atos processuais à distância passou a ser uma possibili- dade concreta desde a entrada em vigor da Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, que, alterando a redação do art. 217 do Código de Processo Penal – CPP, estabeleceu:

Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério cons- trangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

A Lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009, contudo, deu nova redação ao art. 222, do CPP, esten- dendo a possibilidade de realização de audiência à distância para colheita de prova testemunhal, não apenas em casos específicos, mas sempre que a testemunha morar fora da jurisdição do juiz.

Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.

(…)

  • 3º Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.

Note-se que, na esfera penal, quanto à possibilidade de realização de interrogatório do acusado por videoconferência, o legislador optou por limitá-la a casos excepcionais, conforme descrito no art. 185, CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.900/2009:

(…)

  • 2º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tec-

158           Art. 222, CPP. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta pre- catória, com prazo razoável, intimadas as partes. § 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal. § 2º Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será juntada aos autos. § 3º Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.

 

nológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

  • – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organi- zação criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
  • – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
  • – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do 217 deste Código;
  • – responder à gravíssima questão de ordem pública.

Como se percebe, no âmbito do Poder Judiciário, a possibilidade de realização de audiências e ou- tros atos processuais pelo sistema de videoconferência encontra-se bastante consolidada no ordenamento jurídico brasileiro.

Nas justificativas apresentadas pelo Relator do Projeto de Lei do Senado nº 736, de 2007159, que deu origem à Lei nº 11.900/2009, foi reconhecida a eficiência da utilização desse tipo de tecnologia em outras áreas do conhecimento humano (medicina, educação, engenharia), sendo ressaltada ainda a experiência positiva de outros países, que há muito encontraram na videoconferência um caminho para economia de tempo e recursos materiais em seus procedimentos, a exemplo dos Estados Unidos, Itália, França, Ingla- terra, Argentina e Portugal.

Outro argumento considerado pelo legislador foi o contato praticamente direto entre a autoridade e o réu proporcionada por esse sistema. Nas palavras do Senador Romeu Tuma, relator do mencionado Projeto de Lei do Senado nº 736, de 2007:

(…) todas as expressões faciais são visíveis, o sistema de som é adequado, o foco ampliado permite que todas as pessoas partícipes da cena judicial se inteirem da realidade e não tenham qualquer dúvida sobre a identidade do réu, ou a respeito das condições favoráveis em que ele se encontra no momento da realização do ato processual (…). Está preservada, portanto, a observância estrita do contraditório, pois esta é de índole constitucional (…).

Ou seja, apesar do comparecimento não ser físico, a nossa legislação reconheceu que, por meio do sistema de videoconferência, resta preservado o contato pessoal e direto entre as partes, não havendo que se falar em nulidade do ato.

Todas essas constatações, por analogia e pelos princípios gerais do direito, podem ser transportadas ao processo administrativo disciplinar. Em verdade, a utilização da teleconferência para a realização de atos processuais à distância, inclusive do interrogatório do acusado, coaduna-se com os princípios da legalidade, art. 5º, II, CF160; da eficiência, art. 37, CF161; da razoabilidade, art. 2º, parágrafo único, VI, Lei nº 9784/99162 e do formalismo moderado, art. 2º, parágrafo único, VIII e IX, Lei nº 9784/99163.

Ademais, nos termos do inciso LXXVIII, art. 5º, da Constituição Federal, assegura-se a todos, no âm- bito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e todos os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, dentre os quais, indubitavelmente, inclui-se a realização de atos por teleconferência.

 

  • Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=39147&tp=1
  • CF, 5º – (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
  • CF, art. 37. Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao (…)
  • Lei nº 9784/99, Art. 2° – A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…) VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
  • Lei nº 9784/99, art. 2º, Parágrafo Único, VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados; (…)

 

A Administração Pública não deve, assim, se ater a rigorismos formais que dificultem a defesa e o bom andamento processual, devendo adotar formas simples, suficientes para garantir adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos essenciais dos administrados.

Vale ressaltar que a segurança, praticidade, celeridade, economicidade e eficiência do sistema de vide- oconferência já foram reconhecidas pelo Conselho Nacional de Justiça na oitiva de testemunha nos autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 200910000032369, realizada pelo Conselheiro Walter Nunes, em Brasília, para inquirir testemunhas que estavam na seção judiciária da Justiça Federal de Manaus.

Nesses termos, por analogia à legislação processual penal, a oitiva de testemunha em processo admi- nistrativo disciplinar pelo sistema de videoconferência não encontra óbice legal, havendo a possibilidade de realizar-se sempre que a testemunha se encontrar fora da sede da comissão.

Nessa esteira, a CGU, no exercício das funções de órgão central do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal, editou a Instrução Normativa CGU n° 12, de 1º de novembro de 2011, por meio da qual regulamentou a adoção de videoconferência na instrução de processos e procedimentos disciplinares. E, para afastar qualquer possível arguição de irregularidade, a IN CGU nº 14/2018, no art. 33, §11, não só reconheceu a videoconferência, como a estabeleceu como meio preferencial.

 

  • Procedimento da videoconferência

A realização de atos processuais à distância deverá ser decidida de ofício ou a pedido da defesa. O colegiado deve motivar expressamente sua decisão, como dispõe o art. 3º da IN/CGU nº 12/11, realizando a videoconferência para assegurar a todos a razoável duração do processo e os meios que garantam a ce- leridade de sua tramitação e, logicamente, para viabilizar a participação da testemunha que residir em local diverso da sede dos trabalhos da comissão disciplinar.

A Instrução Normativa CGU nº 5, de 19 de julho de 2013, reduziu de dez para três dias o prazo para intimação da pessoa a ser ouvida em audiências pelo sistema de videoconferência. Desta forma, o art. 4º da IN/CGU nº 12/11 passou a vigorar com a seguinte redação: “O Presidente da Comissão Disciplinar intimará a pessoa a ser ouvida da data, horário e local em que será realizada a audiência ou reunião por meio de videoconferência, com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis”.

A medida objetiva atender à demanda das comissões disciplinares, que consideravam o prazo muito extenso, acarretando dificuldade na realização dos atos instrutórios e, ao mesmo tempo, desestimulando a utilização do sistema de videoconferência.

Deverá ser oportunizada aos acusados a faculdade de acompanhar pessoalmente ou por meio de procurador a audiência realizada por videoconferência, seja na sala em que se encontrar a comissão ou no local onde se localizar a pessoa a ser ouvida. O acusado ou seu procurador terá a possibilidade de arguir o depoente, por intermédio do presidente da comissão, se assim desejar.

Caso necessário, poderá ser solicitada a indicação de servidor para atuar como secretário ad hoc ao responsável pela unidade onde se encontrará o depoente, que desempenhará as atividades de apoio, tais como identificação dos participantes do ato, encaminhamento e recebimento de documentos, extração de cópias, colheita de assinaturas.

Conforme dispõe o art. 7º da IN nº 5/2020, que alterou a IN 12/2011, o registro audiovisual gerado em audiência será juntado aos autos, sem necessidade de transcrição ou redução a termo, sendo disponi- bilizado à defesa o acesso ao seu conteúdo ou à respectiva cópia.

O presidente da comissão assinará a ata de audiência, na qual registrará, pelo menos, a data, os locais e os participantes do ato.

 

  • Da realização do interrogatório por videoconferência

No que tange à realização de interrogatório à distância em sede disciplinar, o mesmo raciocínio utili- zado pela Exma. Min. Ellen Gracie ao proferir seu voto no julgamento do HC 90900 SP, pode ser aplicado, bastando considerar que:

(…) além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as características relativas à personalidade, condição sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a ideia da ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização do seu interrogatório. (litteris)

Ultrapassa-se, assim, a concepção de que o comparecimento físico seja elemento essencial para a re- alização do interrogatório. Mesmo que o fosse, com base no art. 572, Código de Processo Penal164, combi- nado com a Súmula STF nº 523165, tal nulidade seria apenas relativa, podendo ser considerada sanada, uma vez que, apesar de praticado de outra forma, o ato, desde que resguardados os direitos do interrogado, teria atingido o seu fim.

Neste sentido, tomadas as cautelas que atestem a livre manifestação do interrogado, assegurando-lhe inclusive o direito de permanecer calado, e cumpridas todas as demais formalidades legais, o interrogatório realizado por videoconferência pode ser considerado válido, não implicando em nulidade se do ato não resultar ocorrência de qualquer prejuízo ao exercício da ampla defesa.

As vantagens da realização de atos processuais na esfera administrativa pelo sistema de teleconferência são inúmeras, sendo dever da Administração Pública a busca constante pelo aprimoramento dos serviços prestados à sociedade, com o aumento da produtividade e da eficiência, garantindo uma prestação adminis- trativa justa, célere, efetiva e com o menor dispêndio possível, sem prejuízo da qualidade, em atenção aos princípios da economicidade e do interesse público.

Assim, quando de outro modo não se puder alcançar a adequada produção da prova, a comissão poderá realizar o interrogatório à distância, sempre observando os direitos do acusado. Neste sentido, é válido fazer alusão ao Enunciado nº 7 da CGU:

No âmbito do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância é possível a utilização de videocon- ferência para fins de interrogatório do acusado.

Enunciado CGU nº 7, publicado no DOU de 16/12/2013, seção 1, página 11

Vale dizer que, hoje, o art. 385, § 3º do Código de Processo Civil reforça esta possibilidade de reali- zação do interrogatório por videoconferência.

Considerando todo o exposto, é importante mencionar que, além da oitiva de testemunha e do interrogatório, todos os demais atos probatórios, a exemplo de acareações, investigações e diligências166, podem ser realizados por meio da videoconferência, , observados os direitos e garantias do acusado.

 

  • Carta Precatória

Diante da impossibilidade de deslocamento da comissão ou do depoente, por analogia ao disposto art. 222 do CPP, a comissão poderá solicitar a designação, pela autoridade competente local, de outra co- missão ou servidor público para realizar a oitiva, por meio da carta precatória específica para este fim.

  • Art. 564 – A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (…) IV – por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato; CPP. Art. 572 – As nulidades previstas no art. 564, III, d e e, segunda parte, g e h, e IV, considerar-se-ão sanadas: I – se não forem arguidas, em tempo oportuno, de acordo com o disposto no artigo anterior; II – se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido o seu fim; III – se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceito os seus efeitos.
  • Súmula nº 523. No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.
  • Lei nº 112/90, Art.155 – Na fase do inquérito, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivan- do a coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos.

 

Vale, contudo, atentar para os ensinamentos de José Armando da Costa, o qual recomenda:

(…) que as comissões não abusem do recurso à carta precatória, já que é discutível a validade plena dos atos processuais realizados fora do processo e por uma só pessoa. Processualmente, há muita diferença entre os atos de um colegiado e os que são realizados por uma só autoridade. Os primeiros são, obviamente, dotados de maior credibilidade jurídico-processual.167

A realização da oitiva por meio de carta precatória deverá ser deliberada em ata, devendo a comissão definir o que desejará indagar ao depoente, formulando as perguntas. Após, o colegiado deverá notificar o acusado da realização da oitiva por carta precatória, bem como do teor das perguntas, para que o acusado possa, caso entenda necessário, acrescentar outros questionamentos. Os quesitos complementares devem ser apresentados em 5 dias corridos, em observância aos artigos 24 e 41 da Lei 9.784/99168. Aqui se aplica novamente, a possibilidade de a CPAD indeferir as perguntas julgadas impertinentes, a teor do art. 156, § 1°, da Lei n° 8.112/90.

A comissão remeterá as perguntas por carta precatória à autoridade do local da realização do ato, solicitando a designação de servidor ou comissão para a coleta da oitiva. O depoente deverá ser intimado da realização do ato, especificando-se dia, hora e local.

Ao acusado e ao seu procurador será assegurada a prerrogativa de, caso prefiram, custear o próprio deslocamento, fazendo-se comparecer pessoalmente no local do depoimento.

O servidor/comissão designada deverá fazer as perguntas oralmente e reduzir a termo as respostas, devendo se limitar ao rol de perguntas previamente elaboradas pela comissão, não lhe sendo permitido elaborar novas perguntas. Após a realização da oitiva, o termo, devidamente assinado pelos presentes ao ato, é enviado à comissão para acostamento nos autos.

10.3.17.1. Interrogatório por Carta Precatória

Tendo em vista a necessidade de reduzir custo e tempo da apuração disciplinar, a comissão deverá sempre avaliar a possibilidade de realizar o interrogatório por meio de videoconferência, quando não estiver na mesma localidade do (s) acusado (s). Não sendo, por qualquer motivo, viável e/ou oportuno, a comissão deverá avaliar as demais possibilidades previstas na legislação, conforme se menciona abaixo.

Relembrando os termos do art. 173, I, da Lei nº 8.112/90, são asseguradas diárias e passagens ao servidor convocado para prestar depoimento fora da sede de sua repartição, na condição de testemunha, denunciado ou indiciado.

Por vezes, o acusado pode ser ex-servidor (seja aposentado, exonerado ou demitido) que responde por ato cometido à época do exercício do cargo. A Lei nº 8.112/90, neste caso, não lhe assegurará diárias e passagens, caso precise se deslocar até a sede da comissão para realização de atos.

Nessa hipótese, recusando-se o acusado em arcar com as despesas do seu comparecimento à sede da comissão, verifica-se a possibilidade de a Administração arcar com as diárias e passagens dos membros da comissão para a realização do ato no local em que o acusado estiver.

Havendo inviabilidade orçamentária, o acusado ex-servidor, tal como o particular testemunha, po- derá ser ouvido como colaborador eventual, com base no art. 4º, da Lei nº 8.162/91169 e no Decreto nº

 

 

167           COSTA, 2011, p. 242.

  • Lei nº 784/99 – Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior; Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização. Parágrafo único: O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação.
  • Lei nº 8.162/01, Art. 4º – Correrão à conta das dotações orçamentárias próprias dos órgãos interessados, consoante se dispuser em regulamento, as des- pesas de deslocamento, de alimentação e de pousada dos colaboradores eventuais, inclusive membros de colegiados integrantes de estrutura regimental de Ministério e das Secretarias da Presidência da República, quando em viagem de serviço. (Redação dada pela Lei nº 8.216, de 13/08/91)

 

5.992/06170. Contudo, se essa também não se mostrar uma opção viável, a comissão poderá interrogá-lo por teleconferência ou por carta precatória.

A comissão, ante a impossibilidade de realização do ato por outra forma, decidirá em ata pelo interro- gatório por carta precatória e definirá as perguntas que deverão ser realizadas. A relação das perguntas será remetida à autoridade deprecada do local onde o acusado se encontrar. Nesses casos, é recomendável que a autoridade deprecada seja o chefe da unidade local.

A autoridade deprecada designará servidor ou comissão para proceder ao interrogatório, que se limitará à leitura das perguntas e ao registro das respostas em termo que posteriormente será remetido à comissão deprecante, devidamente assinado pelos presentes ao ato. O servidor/comissão designado não poderá acrescer novas perguntas ao rol elaborado pela comissão deprecante.

Note-se que a intimação do acusado para comparecer ao interrogatório determinará data, hora e local de realização do ato e observará o prazo de três dias úteis do art. 41, da Lei nº 9.784/99.

 

  • Restrições à produção de provas no processo administrativo disciplinar
    • Provas ilícitas
      • Pertinência da prova requerida

O ordenamento jurídico abarca, mediante observância aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal, a confecção de todos os meios de provas lícitos, bem como os moralmente legítimos, em prol dos interesses a serem defendidos, garantindo, assim, a efetiva participação das partes no processo.

Nesse contexto, o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil disciplinam, a partir da garantia constitucional do art. 5º, LV, CF, a instrução probatória, seguidos pela legislação específica, como é o caso da Lei nº 8.112/90, que, subsidiariamente, estabelece em seu art. 155, de forma exemplificativa, os meios de provas para o processo administrativo disciplinar.

Assim, na apuração das transgressões disciplinares, utiliza-se o acervo dos meios probatórios admi- tidos em direito, como comprovado a seguir:

Essa abertura a todos os meios comprobatórios é uma consequência natural e lógica do princípio processual disciplinar que sacramenta o predomínio da verdade substancial sobre a formal. Se o inar- redável compromisso da processualística disciplinar é com a veracidade das ocorrências funcionais, não poderá o Direito Processual Disciplinar, de modo apriorístico, rechaçar esse ou aquele meio de comprovação dos fatos. 171

 

  • Da idoneidade probatória questionada

A prova tem um objetivo claramente definido no processo: a reconstituição dos fatos investigados. No entanto, a veracidade da pretensão, com a busca da construção da verdade, não contempla a intro- dução de provas cujos meios de produção não atentem ao limite imposto pela Constituição Federal – os direitos e as garantias fundamentais.

Assim preconiza o art. 5º, LVI, CF, “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilí- citos”. Tal regra se aplica a todos os procedimentos judiciais e administrativos.

 

 

  • Decreto n° 5.992/06, Art. 10 – As despesas de alimentação e pousada de colaboradores eventuais, previstas no art. 4 da Lei nº 8.162, de 8 de janeiro de 1991, serão indenizadas mediante a concessão de diárias correndo à conta do órgão interessado, imputando-se a despesa à dotação consignada sob a classificação de serviços. § 1º – O dirigente do órgão concedente da diária estabelecerá o nível de equivalência da atividade a ser cumprida pelo colaborador eventual com a tabela de diárias.

171           COSTA, 2011, p. 96.

 

O mesmo tema está disposto no art. 157 do Código de Processo Penal172, bem como no art. 30 da Lei nº 9.784/99173 e no art. 25 da Lei de Abuso de autoridade, que criminaliza a conduta de agentes públicos que atuam em procedimento de investigação ou fiscalização e nessa condição, com alguma das finalidades específicas dispostas no art. 1º §1º (prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal), procedem à obtenção de prova por meio manifestamente ilícito ou fazem uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.

A título de exemplo, são provas ilícitas as obtidas por violação de domicílio ou de correspondências, confissões alcançadas com a utilização de torturas e interceptações telefônicas sem observância ao procedi- mento legal específico. A propósito, também constitui crime de abuso de autoridade realizar, interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei (cf. art. 10 da Lei nº 9.296/96, com a redação dada pelo art. 41 da mencionada Lei nº 13.869/2019). Logo, as comissões disciplinares devem se atentar para não obter e utilizar prova sem a devida autorização judicial ou em desacordo com a lei.

Em decorrência, a vedação a tais provas pela Carta Magna tutela não só a qualidade do material pro- batório a ser valorado nos autos, mas também direitos e garantias individuais, sobretudo o direito à intimi- dade, à privacidade, à imagem, previstos no art. 5º, X, bem como direito à inviolabilidade do domicílio, art. 5º, XI, e sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas, art. 5º, XII.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi- leiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

  • – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
  • – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
  • – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comu- nicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual

Além disso, há normas de direito material ou substancial e de direito processual ou adjetivo. As pri- meiras estabelecem direitos, obrigações e responsabilidades, a exemplo da Constituição Federal, Código Civil, Código Penal, Lei de Abuso de Autoridade, dentre outras. As segundas referem-se ao direito proces- sual, que preconiza o rito, o procedimento persecutório no processo, como o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil e outros.

Dentro do ordenamento jurídico, as provas que, em princípio, são concebidas apenas com afronta a algum preceito estabelecido por uma norma de direito processual, são denominadas como ilegítimas. Sobre elas, obtidas com inobservância ao procedimento estabelecido pelo rito adequado, recairá uma sanção processual que poderá repercutir na declaração de nulidade absoluta e insanável ou na nulidade relativa e sanável. A valoração dessas provas no processo, mesmo com prejuízo decorrente da falta da formalidade estabelecida para o feito, não acarretará a exclusão destas do processo.

Já as provas produzidas com afronta a alguma norma de direito material terão o ingresso no processo comprometido desde o momento de sua admissão, uma vez que serão ilícitas. O art. 5º, LVI, CF, refere-se

 

  • Código de Processo Penal, Art.157 – São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou
  • Lei nº 9.784/99, Art. 30 – São inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos.

 

a essas provas específicas, produzidas sem observância aos critérios definidores de direitos, obrigações e responsabilidades, como inadmissíveis no processo.

Para esclarecer como ocorre o procedimento de construção da prova, pode-se descrever as se- guintes etapas do percurso de produção da prova:

  1. requerimento: ocorre com a indicação (ou proposta) da necessidade de produção daquela prova específica;
  2. admissão: juízo prévio de mera admissibilidade de produção da prova pela autoridade (judicial ou administrativa);
  3. produção: introdução da prova no Ex.: oitiva de testemunha, perícia, dentre outras; e
  4. valoração: avaliação do conteúdo da prova, juízo de mérito pela autoridade responsável.

Nesse contexto, quando o art. 5º, LVI, CF, estabelece que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos, está inviabilizando a prova no segundo momento de sua produção, uma vez que veda a prova ilícita no momento do juízo de sua admissibilidade pela autoridade administrativa ou judicial.

 

  • “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada”

A “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada”, cuja origem se atribui à jurisprudência norte-ameri- cana174, vem como reforço ao princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas.

Por essa Teoria, entende-se que a prova derivada exclusivamente de prova ilícita também estaria contaminada pela ilicitude, mesmo que o processo de construção da nova prova fosse isento de qualquer mácula – sem afronta às garantias constitucionais. Ocorre aqui a comunicabilidade das provas ilícitas com todas aquelas que dela derivarem, consoante prega o Código de Processo Penal:

Art. 157. (…)

  • 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
  • 2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação e da instrução criminal, seria capaz e conduzir ao fato.

A contaminação da prova derivada depende, sobretudo, da obtenção da prova a cuja existência so- mente se teria chegado a partir da prova ilícita, uma vez que, podendo haver outros meios de se chegar a essa prova secundária (provas lícitas), razão não há para aquela ser tida como prova ilícita por derivação.

O entendimento preponderante na doutrina e na jurisprudência pátria é o de que as provas ilícitas e as suas derivadas, não obstante sua inadmissibilidade no processo, não têm o poder de anulá-lo; devem, pois, ser desentranhadas dos autos, permanecendo válidos atos e provas já produzidos sem a mácula da contaminação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

174           STF- 2ª T. HC nº 74.116/SP, DJU de 14.3.1997, e HC nº 76.641/SP DJU de 5.2.1999

 

No julgamento abaixo, o STF afastou a nulidade processual, apesar de a prova ilícita ter facilitado as investigações, sem ser, contudo, indispensável ao contexto probatório:

Escuta Telefônica. Indeferido habeas corpus impetrado sob alegação de haver sido o paciente conde- nado com base em provas ilícitas (informações provenientes de escuta telefônica autorizada por juiz, antes da Lei nº 9296/96). A Turma entendeu que essas informações, embora houvessem facilitado a investigação – iniciada, segundo a polícia, a partir de denúncia anônima – não foram indispensáveis quer para o flagrante, quer para a condenação.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC nº 74.152/SP. Relator: Ministro Sydney Sanches, julgado em 20/8/1996)

Ainda nesse sentido, o mesmo Tribunal decidiu que:

(…) descabe concluir pela nulidade do processo quando o decreto condenatório repousa em outras provas que exsurgem independentes, ou seja, não vinculadas à que se aponta como ilícita.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC nº 75.892/RJ. Relator: Ministro Marco Aurélio, publicado em 17/4/1998)

Considera-se que, na prática, a depender do caso concreto, pode haver dificuldades em identificar a derivação de uma prova de outra tida como ilícita. Dessa forma, recomenda-se cautela na análise dessa derivação. Nesses termos, verifica-se a construção doutrinária abaixo:

Com efeito, interpretada em termos absolutos, alguns delitos jamais poderiam ser apurados, se a informação inicial de sua existência resultasse de uma prova obtida ilicitamente (por exemplo, escuta telefônica). Pode-se objetar: esse é um problema do Estado, que foi o responsável pela violação de direitos na busca de provas.

Ocorre, todavia, que, prevalecendo esse entendimento, ou seja, no sentido de que todas as provas que forem obtidas a partir da notícia (derivada de prova ilícita) da existência de um crime são também ilícitas, será muito mais fácil ao agente do crime furtar-se à persecução penal. Bastará ele mesmo produzir uma situação de ilicitude na obtenção da prova de seu crime, com violação a seu domicílio, por exemplo, para trancar todas e quaisquer iniciativas que tenham por objeto a apuração daquele delito então noticiado.

Impõe-se, portanto, para uma adequada tutela também dos direitos individuais que são atingidos pelas ações criminosas, a adoção de critérios orientados por uma ponderação de cada interesse en- volvido no caso concreto, para se saber se toda a atuação estatal investigatória estaria contaminada, sempre, por determinada prova ilícita. Pode-se e deve-se recorrer, ainda mais uma vez, ao critério da razoabilidade (ou proporcionalidade, que, ao fim e ao cabo, tem o mesmo destino: a ponderação de bens e/ou o juízo de adequabilidade da norma de direito ao caso concreto).175

 

  • Excludente de ilicitude da prova

O ordenamento jurídico forma um sistema intercomunicante, nele convivendo valores dispostos em sentidos distintos de modo que, em alguns casos, um princípio se sobrepõe a outro mais relevante para o caso concreto.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, à medida que declara os direitos e estabelece as garantias, consagra bens primorosos na esfera do indivíduo e da coletividade; essas garantias não podem, no entanto, ser utilizadas como pressuposto para a prática de atividades ilícitas, nem para afastar ou diminuir a respon- sabilidade civil ou penal por atos criminosos.

Dessa forma, a doutrina penalista dispõe acerca do aproveitamento de prova cuja ilicitude foi excluída, em razão de causas de justificação176. Se ocorrer, no caso concreto, situações que justifiquem o afastamento

175           OLIVEIRA, 2007, p. 316.

176           Idem, p. 321.

 

da ilicitude da prova, como a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito177, razão não há para que a produção daquela prova infringisse normas do direito material. Nesse sentido, o STF decidiu que:

(…) é lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autori- zação, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com sequestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC nº 75.3388/RJ, Relator: Ministro Nelson Jobim, julgado em 11/3/1998)

 

  • Princípios constitucionais e provas ilícitas

À Administração Pública atribui-se a observância aos princípios de legalidade, impessoalidade, mo- ralidade, publicidade e eficiência, consagrados no art. 37 da CF, cabendo ao agente público atuar em con- formidade com eles. Daí se conclui que, em face da diferença de valores a ser analisada no caso concreto, ponderando-se os princípios constitucionais, o interesse público sobressairá ao privado; não pode, então, o agente público, no exercício de sua função, alegar inviolabilidade da vida pessoal em detrimento da coisa pública.

Dessa forma, fala-se em relativização dos direitos e das garantias individuais e coletivas diante da probidade administrativa. Vejamos o comentário de Alexandre de Moraes, sobre um voto do Ministro Se- púlveda Pertence:

Como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, analisando hipótese de gravação clandestina de conversa de servidor público com particular, “ não é o simples fato de a conversa se passar entre duas pessoas que dá, ao diálogo, a nota de intimidade, a confiabilidade na discrição do interlocutor, a favor da qual, aí sim, caberia invocar o princípio constitucional da inviolabilidade do círculo de intimidade, assim como da vida privada”.

Portanto, as condutas dos agentes públicos devem pautar-se pela transparência e publicidade, não podendo a invocação de inviolabilidades constitucionais constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas, que permitam a utilização de seus cargos, funções e empregos públicos como verda- deira cláusula de irresponsabilidade por seus atos ilícitos, pois, conclui o Ministro Sepúlveda Pertence, inexiste proteção à intimidade na hipótese de “uma corrupção passiva praticada em Administração Pública.

 

  • Provas requeridas com o afastamento das cláusulas da reserva de sigilo

A CF discrimina a proteção às liberdades públicas, como o direito à vida, à intimidade, à privacidade, à honra, à imagem (inciso X, art. 5º), bem como ao sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados (primeira parte do inciso XII, art. 5º). Entretanto, essas garantias não são absolutas, a exemplo das exceções contidas no próprio texto constitucional, como é o caso do sigilo das comunicações telefônicas (parte final do inciso XII, art. 5º), e da inviolabilidade de domicílio (inciso XI, art. 5º), dentre outras.

Pode-se dizer, com isso, que no sistema constitucional brasileiro não existem direitos absolutos e em situações fáticas poderá haver o confronto entre dois ou mais valores protegidos pela Constituição, cabendo um juízo de proporcionalidade para a solução desse conflito. Como anota o STF no MS nº 23.452:

Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter abso- luto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas, individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

177           Código Penal, Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: I- em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III- em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

 

Nesse contexto, a legislação pertinente possibilita o afastamento das cláusulas de reserva de sigilo das comunicações telefônicas (art. 5º, XII, CF e Lei nº 9.296/96), do sigilo fiscal (art. 198 do CTN, modificado pela Lei Complementar nº 104/2001) do sigilo bancário (Lei Complementar nº 105/2001), tendo em vista a necessidade de aparelhar o Estado com informações que auxiliem no combate a ilícitos administrativos e penais, em que deve prevalecer o interesse público.

Em razão de se tratar de garantias constitucionais, o afastamento do sigilo só ocorrerá em situações excepcionais, diante da existência de fundados indícios de grave irregularidade, devendo os dados solicitados serem utilizados de forma restrita, de acordo com a finalidade que justificou o afastamento do sigilo pela autoridade competente. Dessa maneira, cabe aos agentes públicos a preservação do sigilo das informações recebidas em relação às pessoas estranhas ao processo.

 

  • Busca e apreensão

O inciso XI do art. 5º da CF diz que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia, por determinação judicial.

Logo, se no curso da apuração houver necessidade de ser colhida prova com diligências à casa do servidor, a busca desse material depende de sua autorização. Caso esta não ocorra, ou quando a requi- sição dessa autorização possa frustrar a coleta da prova (como a destruição da mesma, por exemplo), é necessário obter autorização judicial. Para isso, a comissão poderá solicitar à Advocacia-Geral da União ou à procuradoria do órgão ou entidade que requeira a busca e apreensão junto ao juízo competente.

Observa-se que a busca e apreensão é restrita às provas que instruam o processo em curso, não incluindo aqui as que extrapolam esse objeto e que invadam a intimidade ou vida privada do servidor, em afronta ao inciso IX do art. 5º da CF.

E se (…) houver a notícia de que a coisa buscada se encontra na residência ou domicílio de servidor ou de terceiro, pode a Comissão promover sua busca e apreensão?

A resposta é, em princípio, pela negativa. Poderá haver o pedido e se houver o consentimento do morador e a entrega pacífica da coisa, a questão está resolvida. No entanto, em havendo recusa, não tem a Comissão competência para promover esta diligência. Somente a autoridade judiciária é que poderá determinar esta providência. Mas, dependendo da relevância, pode a autoridade admi- nistrativa instauradora pedir esta providência ao Juiz competente.178

Vale lembrar que, existindo essa prova em outro processo (administrativo ou judicial) a comissão po- derá solicitar o compartilhamento dessa prova, a qual será considerada como prova emprestada.

 

  • Interceptação telefônica

O inciso XII do art. 5º da CF estabelece a vedação à interceptação de atos de correspondência ou de comunicação telegráfica ou de dados e das comunicações telefônicas, ressalvado para estas últimas a permissão de afastamento do sigilo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Considerou o legislador constitucional a necessidade de, no caso das comunicações telefônicas, a prova ser colhida no momento da conversa entre os dois interlocutores, em prol de interesses mais re- levantes do que o próprio direito à intimidade e à privacidade. Assim, previu a prova obtida mediante a interceptação telefônica, na forma e para os fins determinados na lei. Nesse sentido, a Corte Suprema ma- nifestou-se no Recurso Extraordinário nº 219.780:

(…) o inciso XII não está tornando inviolável o dado da correspondência, da comunicação, do tele- grama. Ele está proibindo a interceptação da comunicação dos dados, não dos resultados. Essa é

178           REIS, 1999, p. 136

 

a razão pela qual a única interceptação que se permite é a telefônica, pois é a única a não deixar vestígios, ao passo que nas comunicações por correspondência telegráfica e de dados é proibida a interceptação porque os dados remanescem; eles não são rigorosamente sigilosos, dependem da interpretação infraconstitucional para poderem ser abertos. O que é vedado de forma absoluta é a interceptação da comunicação da correspondência, do telegrama. Por que a Constituição permitiu a interceptação da comunicação telefônica? Para manter os dados, já que é a única em que, es- gotando-se a comunicação, desaparecem os dados. Nas demais, não se permite porque os dados remanescem, ficam no computador, nas correspondências, etc.

A regulamentação da parte final do inciso XII, art. 5º, CF, veio com a edição da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que tornou válida a interceptação telefônica para fins de instrução exclusivamente em sede penal, podendo ser determinada de ofício pelo juiz ou requerida por autoridade policial ou pelo Ministério Público Federal e autorizada por ordem judicial (art. 3º), seguido os trâmites estabelecidos naquele diploma legal regulamentador.

Ainda nos termos dos arts. 1º e 2º da Lei nº 9.296/96, a prova válida se refere à gravação de conversa telefônica (o ato em que duas pessoas conversam ao telefone) feita por terceiro, sem conhecimento dos dois interlocutores, sob segredo de justiça, com indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal punida com pena de reclusão. Ademais, registre-se que se deve demonstrar a impossibilidade de provar o delito por outros meios legalmente permitidos.

Em razão de a decretação de quebra do sigilo telefônico requerer a existência de investigação criminal ou instrução penal em curso, não há que se falar na autorização da violação da garantia à intimidade da comunicação telefônica no processo administrativo disciplinar. Diante de tal situação, havendo investigação criminal ou instrução penal com o compartilhamento do teor de conversa telefônica, a sede disciplinar, ao considerar a real necessidade de utilização dessa prova (não existindo outros meios de prova que a subs- titua), poderá se utilizar desse meio probatório como prova emprestada. Assim salientou o Ministro Cezar Peluso, no MS nº 26.249/DF:

(…) não é disparatado sustentar-se que nada impedia nem impede, noutro procedimento de inte- resse substancial do mesmo Estado, agora na vertente da administração pública, o uso da prova assim produzida em processo criminal.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. MC em MS nº 26.249/DF. Relator: Ministro Cezar Peluso, publi- cado em 14/3/2007)

Conforme decisão do STJ no Mandado de Segurança nº 17.732, a disponibilização do registro his- tórico das ligações (originadas ou recebidas) de uma linha telefônica, bem como o registro de dados, de horários e de duração das chamadas, fornecidas pelas operadoras de telefonia, não estão incluídas nos permissivos do inciso XII do art. 5º da CF e na Lei nº 9.296/96. No entanto, esses dados também estão protegidos por sigilo, e a sua disponibilização depende de autorização judicial: (…) a quebra do sigilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e os números das linhas chamadas e recebidas não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pela Lei nº 9.296/96 (…) (STJ – Mandado de Segurança nº 17.732.)

A interceptação telefônica que não atenda aos requisitos legais da Lei nº 9.296/96 será crime, me- diante previsão de seu art. 10, “realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemá- tica, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”.

Necessário ressalvar que, no caso de telefone de propriedade da Administração, não há que se falar em sigilo dos dados telefônicos, uma vez que se trata de instrumento de trabalho. Insta destacar, contudo, que nesses casos não serão obtidos o conteúdo dos diálogos, mas tão somente os registros das ligações

 

realizadas. Desse modo, tratando-se de telefone funcional, cedido ao servidor, a comissão poderá solicitar ao setor responsável os extratos das contas telefônicas, independente de autorização judicial.

 

  • O Correio eletrônico ou e-mail institucional e e-mail particular privado – critérios de utilização como prova

O correio eletrônico ou e-mail institucional utilizado pelos servidores é uma ferramenta de trabalho disponibilizada pela Administração Pública que poderá, ou não, ter seu uso discriminado em normas internas do órgão.

Assim, não constitui afronta à primeira parte do art. 5º, XII, CF o uso das informações contidas no e-mail institucional do servidor, não se justificando a alegação de preservação de intimidade. Isso se justifica em razão de o e-mail corporativo ter seu uso restrito a fins do trabalho, o que confere à Administração o acesso a ele ou o seu monitoramento, sem que seja necessária autorização judicial.

(…) entende-se que se o correio eletrônico de onde se retirou a prova é institucional, por ser ele do serviço público e não privativo do servidor, a prova poderá ser utilizada.179

Nesta direção, é válida a citação das duas decisões abaixo, as quais, apesar de tratarem de casos en- volvendo a esfera privada, apresentam relevantes fundamentos acerca do tema:

Dano moral. Não caracterização. Acesso do empregador a correio eletrônico corporativo. Limite da garantia do art. 5º, XII da CF.

  1. O art. 5º, XII, da CF garante, entre outras, a inviolabilidade do sigilo da correspondência e da comunicação de dados. 2. A natureza da correspondência e da comunicação de dados é elemento que matiza e limita a garantia constitucional, em face da finalidade da norma: preservar o sigilo da correspondência – manuscrita, impressa ou eletrônica – da pessoa – física ou jurídica – diante de terceiros. 3. Ora, se o meio de comunicação é o institucional – da pessoa jurídica -, não há de se falar em violação do sigilo de correspondência, seja impressa ou eletrônica, pela própria empresa, uma vez que, em princípio, o conteúdo deve ou pode ser conhecido por ela. 4. Assim, se o “e-mail” é fornecido pela empresa, como instrumento de trabalho, não há impedimento a que a empresa a ele tenha acesso, para verificar se está sendo utilizado adequadamente. Em geral, se o uso, ainda que para fins particulares, não extrapola os limites da moral e da razoabilidade, o normal será que não haja investigação sobre o conteúdo de correspondência particular em “e-mail” corporativo. Se o trabalhador quiser sigilo garantido, nada mais fácil do que criar seu endereço eletrônico pessoal, de forma gratuita, como se dá com o sistema “gmail” do Google, de acesso universal.

Empresa pode verificar e-mail corporativo de funcionário. O acesso da empresa ao correio eletrônico institucional do empregado não caracteriza violação de privacidade. Se o trabalhador quiser sigilo garantido, deve criar o próprio e-mail. O entendimento foi adotado pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que negou o pedido de indenização por dano moral feito por ex-empregado da Esso Brasileira de Petróleo Ltda. que teve o e-mail investigado pela chefia. O ex-analista de suporte ao cliente prestara serviços por quase 16 anos à Esso quando foi demitido, em março de 2002. Ele alegou, na Justiça Trabalhista, que a empresa só poderia verificar o conteúdo dos seus e-mails se tivesse uma autorização judicial. Por outro lado, a Esso afirmou que investigou o e-mail porque sus- peitava que o empregado enviava mensagens pornográficas e de piadas – o que não era compatível com o uso do correio eletrônico fornecido como instrumento de trabalho.

(BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. RR nº 9.961/2004-015-09-00.1, julgado em 11/3/2009)180

Diferentemente do que foi exposto em linhas anteriores, no caso do e-mail de uso particular do servidor, fornecido por provedor comercial de acesso à internet, a intimidade de suas informações está assegurada constitucionalmente, sendo seus dados invioláveis pela Administração.

179           MADEIRA, 2008, p. 114 e 115.

180           Fonte: TRT da 2ª Região – Boletim Informativo Nº 3-B/2009 – 6/3/2009 a 12/3/2009.

 

Ocorre que, havendo necessidade de utilização de informações provenientes do e-mail privado do servidor, para fins apuratórios, a disponibilização desses dados depende da autorização judicial, conforme previsão da Lei nº 9.296/96, que, no parágrafo único do art. 1º, estende o compartilhamento do sigilo à in- terceptação do fluxo das comunicações em sistemas de informática (a exemplo do e-mail pessoal) e telemá- tica (como modem e fac-símile). Daí ser aceito o mesmo procedimento discriminado para as comunicações telefônicas para o compartilhamento do sigilo desses fluxos de dados.

 

  • Gravações clandestinas (telefônica e ambiental)

As gravações clandestinas feitas por telefone ou as gravações ambientais, realizadas por um dos in- terlocutores ou com o consentimento de um deles, sem que haja conhecimento dos demais, não serão consideradas ilícitas se houver justa causa para sua divulgação. Ou seja, sua utilização deverá ser como meio de prova em defesa de direito ou interesse próprio ou de terceiro (nunca para acusação).

O STF reconheceu a repercussão geral dessa matéria e admite as gravações telefônicas clandestinas em hipóteses excepcionais, assim como as gravações entre presentes (ambientais). Tal entendimento restou consubstanciado nos seguintes julgados:

CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRA-

ORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279-STF. I. – A gravação de conversa entre dois interlo- cutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futu- ramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. (…)

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AI 503617 AgR/PR. Relator: Ministro Carlos Velloso, julgado em 1/2/2005)

Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a pro- duziu. Precedentes do Supremo Tribunal Federal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, Sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE 212081/RO. Relator: Ministro Octavio Gallotti, julgado em 5/12/1997)

Afastada a ilicitude de tal conduta – a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa te- lefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de consequência, lícita e, também consequentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o art. 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade.

O interesse público deve prevalecer sobre a manutenção do sigilo da conversação telefônica envol- vendo prática delitiva. (…) A Carta Magna não criou sigilo para beneficiar e privilegiar infratores e perturbadores da ordem na esfera dos direitos individuais e comuns. (…)

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC n° 74.678)

 

  • Afastamento do sigilo fiscal – 198, CTN e Lei Complementar nº 104/2001

Regra geral, é dever do agente do Fisco manter o sigilo dos dados de natureza fiscal a que tenha acesso em razão de seu ofício. A inobservância dessa regra pode gerar a incidência no descumprimento do dever funcional do art. 116, VIII, Lei nº 8.112/90, bem como resultar em penalidade mais grave, conforme previsão do art. 132, IX, Lei nº 8.112/90, sem prejuízo das sanções de natureza penal. No entanto, o art. 198 do Código Tributário Nacional, alterado pela Lei Complementar nº 104/2001, discrimina, em seu art. 1º, exceções a essa regra:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

  • 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da administração pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

  • 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da administração pública, será realizado me- diante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solici- tante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.
  • 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
  • – representações fiscais para fins penais;
  • – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; III – parcelamento ou moratória.

(Redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 10/01/01)

A princípio, o § 1º excetua a troca de informações entre os Fiscos dos diversos entes da Federação, com base no art. 199 do CTN. No inciso I do § 1º do art. 198, tem-se a exceção para o fornecimento de informações protegidas pelo sigilo fiscal no caso de requisição de autoridade judicial, restrito ao interesse da Justiça, ou seja, para auxiliar na apuração de ilícitos de natureza tributária, civil, penal, dentre outras.

Já no inciso II do § 1º do art. 198 do CTN, há um permissivo legal para o fornecimento de dados sigilosos, pelo agente do Fisco, para autoridades administrativas externas ao âmbito da Secretaria Federal da Receita do Brasil. No entanto, o atendimento a esta solicitação depende da observância aos requisitos elencados no mesmo dispositivo.

O primeiro requisito se refere à necessidade da solicitação dos dados sigilosos ser feita por autoridade administrativa. Essa autoridade pode ser do Poder Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, da Adminis- tração Direta ou Indireta, no exercício de sua função administrativa. A responsabilidade pela investigação instaurada é a ela atribuída, direta ou indiretamente, passando a ser responsável também pela preservação do sigilo dos dados fornecidos, com base no art. 198, § 2º, CTN.

A título de exemplo, no âmbito da CGU, a Ordem de Serviço nº 20, de 26 de agosto de 2010 al- terou o parágrafo único do art. 6º da Ordem de Serviço nº 265, de 8 de dezembro de 2006, que disciplina os procedimentos de investigação patrimonial preliminar e sindicância patrimonial. Com isso, a competência para solicitação de dados fiscais à Secretaria da Receita Federal do Brasil e demais órgãos da Administração

 

Tributária, que era do Secretário-Executivo do órgão, ficou a cargo do Corregedor-Geral da Corregedoria-

-Geral da União, via Subsecretário de Fiscalização da Receita Federal.

O segundo requisito disposto no inciso II do § 1º do art. 198 do CTN é o interesse da Administração Pública que deve justificar a solicitação dos dados fiscais protegidos. Verifica-se que a apuração de ilícitos disciplinares diz respeito à probidade administrativa, ao interesse público e da coletividade, o que atende a essa condição legal. Assim se manifestou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, como órgão consultivo do Ministério da Fazenda, a que se vincula a Secretaria da Receita Federal do Brasil:

Parecer-PGFN/CDI nº 1.433/2006:

  1. (…) não há dúvidas que os interesses envolvidos na apuração de ilícitos cometidos por agentes públicos dizem respeito a toda uma coletividade, devendo ser prestadas as informações porventura requeridas pelo órgão processante, mesmo sendo elas protegidas por sigilo fiscal, já que o interesse particular do investigado deve sempre ceder diante da necessidade de apuração da verdade, isto é, diante de um interesse público maior.

É necessária, ademais, a comprovação de instauração de regular processo administrativo para apurar ilícito disciplinar no órgão solicitante. Aqui o significado de processo administrativo é em sentido amplo, e pode ser o processo administrativo disciplinar, a sindicância acusatória, a sindicância investigativa e a sindi- cância patrimonial.

Quanto ao sujeito passivo, cujos dados fiscais estão sendo solicitados, se trata do servidor público submetido à investigação. Assim, a solicitação dessas informações deve se restringir à pessoa investigada no processo do órgão, o que não inclui terceira pessoa. Com o escopo de justificar o afastamento do sigilo, os dados fiscais devem ser essenciais para a apuração, devendo guardar direta relação com o servidor investi- gado e com o fato objeto da apuração.

Caso seja necessário o afastamento desse sigilo, no curso do processo administrativo, é recomen- dável que a comissão solicite esses dados ao Fisco por intermédio de autoridade destinada para o feito dentro do órgão (como é o caso do Corregedor-Geral da União na CGU), ou, inexistindo no órgão a deli- mitação dessa competência, que seja encaminhada por intermédio da autoridade instauradora do processo.

Importa ressaltar que se, no curso do procedimento administrativo, a comissão verificar a necessidade de obtenção de dados fiscais de terceiros (particulares envolvidos, a exemplo dos “laranjas”), cuja partici- pação guarde relação direta com o fato objeto da apuração, a solicitação desses dados não está acobertada pelo art. 198 do CTN, o que enseja a solicitação do afastamento do sigilo junto ao Poder Judiciário. Assim, a comissão deve, por intermédio da autoridade instauradora (ou outra autoridade responsável discriminada para o feito), solicitar junto à Advocacia-Geral da União ou à procuradoria do órgão ou entidade, que di- ligencie junto ao Poder Judiciário. Caso essas informações estejam disponibilizadas em outro processo, a comissão pode solicitar o compartilhamento desses dados a título de prova emprestada.

Vale lembrar que o juízo de conveniência e oportunidade da necessidade da solicitação dessa prova é da comissão, com base na independência lhe é atribuída pelo art. 150 da Lei nº 8.112/90, o que não obsta a verificação dos requisitos elencados na legislação específica (art. 198, CTN) por parte da autoridade administrativa ou da AGU e Procuradorias dos órgãos.

 

  • Afastamento do sigilo bancário

Da mesma forma que o sigilo fiscal, a cláusula de proteção do sigilo bancário está relacionada à pro- teção das garantias fundamentais asseguradas no art. 5º, X, CF. Deste modo, cabe à comissão a avaliação acurada da gravidade do fato que justifique o afastamento dessa garantia constitucional, bem como da rele- vância dos dados solicitados para a elucidação dos fatos investigados.

 

A Lei Complementar nº 105/2001 dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. Atente-se que o sigilo é sobre as informações pormenorizadas, como o titular, a origem, o destino e o valor da operação. Conforme previsão do § 1º, art. 3º dessa lei, a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos, para fins disciplinares, depende de prévia autorização do Poder Judiciário:

Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.

  • 1º Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o forne- cimento de documentos sigilosos, solicitados por comissão de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.
  • 2º Nas hipóteses do § 1º, o requerimento de quebra de sigilo independe da existência de processo judicial em curso.

Ainda, em conformidade com a Lei Complementar nº 105/2001 (§ 2º do art. 3º), a decretação de afastamento desse sigilo independe da existência de processo judicial em curso, quando solicitada em sede disciplinar.

Convém deixar claro que da mesma maneira que foi abordado para o afastamento do sigilo fiscal, deve-se entender o significado da expressão “comissão de inquérito administrativo” usada no texto do § 1º, do art. 3º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de2001, em sentido amplo, o que abarca pro- cesso administrativo disciplinar, a sindicância acusatória, a sindicância investigativa e a sindicância patrimonial.

Em razão da demora de obtenção desses dados, uma vez que dependem de ordem judicial e de intermédio da AGU ou das Procuradorias dos órgãos e entidades, a comissão deve restringir a hipótese de pedido desse afastamento de sigilo aos casos absolutamente essenciais e indispensáveis. Assim, é oportuno verificar sempre, antes de provocar a sede judicial, a disponibilização espontânea por parte do próprio acusado.

Registre-se que, caso tenha ocorrido o afastamento do sigilo bancário em outro processo (em sede administrativa ou judicial), a comissão pode solicitar o compartilhamento desses dados a título de prova emprestada.

Aqui também se aduz que o juízo de conveniência e oportunidade da necessidade da solicitação dessa prova é da comissão, com base na independência lhe é atribuída pelo art. 150 da Lei nº 8.112/90, o que não obsta a verificação dos requisitos elencados na legislação específica da AGU e procuradorias dos órgãos e entidades.

Ressalva-se que em decorrência da incidência do princípio constitucional da publicidade não incide a proteção ao sigilo bancário nas seguintes situações: a) operação bancária em que a contraparte da instituição financeira é pessoa jurídica de direito público; ou b) operação bancária que envolva recursos públicos, ainda que parcialmente, independentemente da contraparte da instituição financeira. Foi o estabelecido pelo Pa- recer Vinculante AGU Nº AM – 06, que adotou o Parecer Plenário nº 5/2017/CNU/CGU/AGU, com a seguinte ementa:

EMENTA: Direito Administrativo. Acesso às informações protegidas por sigilo bancário pelos órgãos de controle. Princípio da publicidade. Extensão ou compartilhamento de sigilo. Prevalência do princípio constitucional da publicidade, nos termos deste parecer. Oponibilidade do sigilo, quando existente, a órgãos de controle.

  1. Além das hipóteses previstas no art. 1º, §§ 3º e 4º, da Lei Complementar nº 105, de 2001, não incide a proteção ao sigilo bancário, em decorrência da incidência do princípio constitucional da publi- cidade, ao menos nas seguintes situações: a) operação bancária em que a contraparte da instituição financeira é pessoa jurídica de direito público; ou b) operação bancária que envolva recursos públicos, ainda que parcialmente, independentemente da contraparte da instituição

 

  1. Para este fim, devem ser considerados recursos públicos aqueles previstos nos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, incluídos os orçamentos previstos no § 5º do 165 da Constituição.
  2. Por coerência, também devem ser considerados públicos os recursos titularizados não pela cole- tividade como um todo, mas por coletividades parciais (como os trabalhadores regidos pela CLT ou servidores públicos) que sejam administrados pelo poder público, tal como o FGTS e o Fundo PIS-

-PASEP, mas apenas em relação à sua aplicação pelas instituições financeiras, excluídas as operações bancárias realizadas entre o banco e o titular de contas individualizadas (cotista do fundo), que continuam protegidas pelo sigilo bancário.

  1. A exceção ao sigilo bancário decorrente do princípio da publicidade atinge apenas a operação ini- cial de transferência dos recursos públicos, e não as operações subsequentes realizadas pelo tomador dos recursos e decorrentes da disponibilização destes em conta corrente ou por outro meio.
  2. A exceção ao sigilo bancário, decorrente da incidência do princípio constitucional da publicidade, não implica a supressão de outros sigilos previstos em lei ou em norma regulatória editada pela auto- ridade competente, em especial o Banco Central do Brasil ou a CVM – Comissão de Valores Mobili- ários, cuja incidência sobre documentos apresentados à instituição financeira ou por ela produzidos deve ser verificada caso a
  3. Salvo na hipótese de celebração do convênio a que se refere o 2º, § 4º, I, da Lei Complementar nº 105, de 2001, o sigilo bancário, quando incidente, deve ser oposto inclusive ao Ministério Público, aos tribunais de contas e ao Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, sendo inaplicáveis o art. 26 da Lei nº 10.180, de 2001, e o art. 8º, § 2º, da Lei Complementar nº 75, de 1993.

 

  • Prova Emprestada

Em observância aos princípios da economia processual, da isonomia e da segurança jurídica, o insti- tuto judicial da prova emprestada pode ser utilizado em sede disciplinar.

Segundo a doutrina, a prova emprestada no processo administrativo disciplinar tem que observar alguns requisitos de validade (subjetivos e objetivos), quais sejam:

  1. sua transcrição integral, desde o ato que a autorizou até a conclusão final, através de documentos legítimos;
  2. que tenha sido validamente realizada (contraditório, ampla defesa, devido processo legal );
  3. que no processo anterior se tenha concretizado a participação das mesmas partes do atual (especialmente aquele contra quem será utilizada a prova);
  4. observância das normas que permitem a juntada de documentos no processo atual; e
  5. a semelhança do fato que será objeto da 181

Em tese, o requisito subjetivo, que exige em ambos os processos (o de origem e o de destino) os mesmos interessados, é justificado em razão de se poder assegurar que a eles já foi dada oportunidade de defesa no momento da produção da prova. Nestes termos, franqueados o contraditório e a ampla defesa no processo de origem, a prova será conduzida para o processo de destino com todo o seu valor probante, mantendo integralmente sua força de convicção. Assim, o STF firmou posicionamento quanto à observância a essas garantias:

A garantia constitucional do contraditório – ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz natural – é o obstáculo mais frequentemente oponível à admissão e à valoração da prova emprestada contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem relevo, se se cuida

181           MOREIRA, 2010, p. 362

 

de prova que – não fora o seu traslado para o processo – nele se devesse produzir no curso da ins- trução contraditória, com a presença e a intervenção das partes.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC nº 78749/MS. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, publi- cado em 25/6/1999)

Caso não tenham sido assegurados o contraditório e a ampla defesa no momento da produção da prova, sua valoração restará prejudicada para o outro processo. Nesse caso, a prova passará a ser mera cópia documental com valor probante reduzido. Tal fato não obstará o seu uso, desde que esse prejuízo seja reparado, ao menos em parte, com a garantia do contraditório no momento da juntada dessa prova no processo secundário:

No processo administrativo, que se orienta no sentido da verdade material, não há razão para difi- cultar o uso da prova emprestada, desde que, de qualquer maneira, se abra possibilidade ao interes- sado de questioná-la (…). 182

De modo geral, a fim de evitar a inviabilização da prova emprestada no processo secundário, ou a minoração de seu uso, é recomendável notificar o acusado para se manifestar acerca da juntada dessa prova no processo de destino.

Acerca especificamente da utilização das interceptações telefônicas como prova emprestada no âm- bito do processo disciplinar, a Comissão de Coordenação de Correição pronunciou-se da seguinte maneira: “É lícita a utilização de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente para fins de instrução de procedi- mento correcional” (Enunciado nº 18, de 10 de outubro de 2017 (DOU em 11/10/17)).

A Comissão de Coordenação de Correição também tratou de tema relacionado a compartilhamento de provas entre procedimentos administrativos independentemente de apurarem fatos imputados a pessoa física ou a pessoa jurídica.

Asseverou o relator ser perfeitamente válida a comutatividade de provas entre procedimentos ad- ministrativos, sendo indiferente a natureza do sujeito no polo passivo (pessoa física ou jurídica), ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição e sigilo legal. Diante dessa conclusão, a CCC aprovou o seguinte enunciado:

ADMISSIBILIDADE DO COMPARTILHAMENTO DE PROVAS ENTRE PROCEDIMENTOS ADMINIS-

TRATIVOS. O compartilhamento de provas entre procedimentos administrativos é admitido, inde- pendentemente de apurarem fatos imputados a pessoa física ou a pessoa jurídica, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça.

Enunciado CGU nº 20, publicado no DOU de 28 de fevereiro de 2018, seção 1, p. 81

  • Procedimento

No processo administrativo disciplinar, a comissão poderá se utilizar de provas trazidas de outros processos administrativos e do processo judicial, observado o limite de uso da prova emprestada. A prova, nesse caso, poderá ser juntada por iniciativa do colegiado ou a pedido do acusado.

No caso da existência de prova já obtida com o afastamento do sigilo (interceptações telefônicas, sigilo bancário, e sigilo fiscal de terceiros estranhos à investigação) em outro processo, e havendo necessidade de juntada dessa prova no processo administrativo disciplinar, a comissão pode requerer diretamente à autori- dade competente pelo outro processo o compartilhamento dessa prova para fins de instrução probatória, com base na independência atribuída pelo art. 150 da Lei nº 8.112/90:

Art. 150. A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração.

 

 

182           FERRAZ, 2001, p. 135

 

Todavia, é certo que tal providência deverá ser analisada caso a caso, de modo que seja possível verificar se a decisão prolatada na esfera judicial permite ou não o compartilhamento de informações entre processos correcionais deflagrados no mesmo órgão. Caso, por exemplo, a quebra de sigilo bancário tenha sido deferida com o fim específico de instruir determinada apuração disciplinar, deverá ser realizado novo pedido na esfera judicial para o compartilhamento da respectiva documentação acobertada por sigilo.

Frise-se que com o compartilhamento da prova a comissão tem o compromisso de assegurar o seu sigilo, zelando para garantir o cuidado necessário para impedir sua divulgação, sob pena de incidir nas infra- ções estabelecidas nas legislações específicas, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

 

  • Envio de informações para órgãos externos

No envio de dados colhidos no curso do processo administrativo disciplinar e de procedimentos investigativos a outros órgãos, a comissão terá que observar a cautela necessária para o seu fornecimento adequado. Este envio poderá ocorrer quando houver requisição de autoridade judiciária, do Ministério Pú- blico, outras autoridades administrativas, ou mesmo de ofício. Em todos os casos, deverão ser observadas as cautelas referentes ao sigilo.

O fornecimento de documento cujo teor está sob a reserva de sigilo, como é o caso do sigilo fiscal, deve ocorrer com a observância aos ditames da legislação específica (Lei nº 8.159/91; Decreto nº 4.073/2002; Lei nº 12.527/2011; Decreto nº 7.724/2012; Decreto nº 7.845/2012), que prevê os proce- dimentos formais para preservação do sigilo.

Ressalte-se que, para o compartilhamento de dados que foram obtidos com o afastamento do sigilo bancário no curso do processo administrativo, deve haver autorização judicial. A par disso entende-se que a responsabilidade de preservação do sigilo, nesse caso, foi transferida para o agente recebedor dos dados, nos termos do que dispõe o art. 11 da Lei Complementar nº 105/2001:

Art. 11. O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial.

 

  • Prova Indiciária

A prova indiciária pode ser definida como o meio de prova obtido de um raciocínio indutivo, pelo qual se conclui que o fato principal da apuração ocorreu, devido à prova concreta da ocorrência de fato secundário.

Dispõe o art. 239, do Código de Processo Penal: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.

Normalmente, o raciocínio acima empregado parte da experiência de casos pretéritos, mostrando que, geralmente, tendo ocorrido o fato secundário (provado), também ocorre o fato principal (que se de- seja provar). Deve se considerar o nexo causal entre eles. Trata-se, portanto, de meio de prova essencial- mente probabilístico, pois dificilmente há uma relação de necessariedade entre os fatos.

 

O ponto principal da discussão se dá quanto à possibilidade de se fundamentar uma penalidade ad- ministrativa com base unicamente em uma prova indiciária, não obstante tal possibilidade ser, em regra, admitida na seara penal. Cite-se, como exemplo, as seguintes decisões do STF:

Condenação – Base. Constando do decreto condenatório dados relativos a participação em prática criminosa, descabe pretender fulminá-lo, a partir de alegação do envolvimento, na espécie, de sim- ples indícios.

(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 96.062. Julgado em 6/10/2009, publicado em 13/11/2009)

Ementa: Habeas Corpus. Processo Penal. Presunção Hominis. Possibilidade. Indícios. Aptidão para lastrear decreto condenatório. Sistema do livre convencimento motivado. Reapreciação de Provas. Descabimento na via eleita. Elevada quantidade de droga apreendida. Circunstância apta a afastar a minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, ante a dedicação do agente a atividades criminosas. Ordem Denegada. (…)

O julgador pode, através de um fato devidamente provado que não constitui elemento do tipo penal, mediante raciocínio engendrado com supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocor- rência de circunstância relevante para a qualificação penal da conduta.

(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 103.118, TJ/SP. Julgado em 20/3/2012, publicado em 16/4/2012)

No mesmo sentido, é também entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO. ARTS. 180 E 311 DO CP. AUTORIA COMPROVADA. FORTE CONJUNTO DE INDÍCIOS.

CONDENAÇÃO MANTIDA. Um conjunto de fortes indícios, todos apontando para a autoria por parte do réu, tanto da receptação quanto da adulteração, é suficiente para embasar um decreto condenatório. Quase impossível que o órgão acusador reúna prova direta, em tais casos. Recurso da defesa improvido.

(BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Criminal nº 70031638315. Relator: Gaspar Marques Batista, julgado em 22/10/2009)

Ao ventilar o tema, a doutrina demonstra bastante cautela quanto a utilização da prova indiciária:

A prova indiciária, desde que bem trabalhada, poderá colaborar bastante na elucidação dos fatos. Mas, tratando-se de prova que requer acusada operação de inteligência, aconselha-se muito cui- dado e prudência na sua adoção, uma vez que, por qualquer lapso, se poderá chegar a conclusões totalmente inexatas.183

Em muitos casos, a maneira como se pratica um ato disciplinarmente faltoso dificulta a obtenção de provas diretas (aquelas que apontam diretamente para o fato probando).

Tome-se, por exemplo, a dificuldade de se caracterizar a obtenção de proveito pessoal em razão do cargo ocupado enquanto servidor público (artigo 117, inciso IX, da Lei nº 8.112/90). Nesses casos, tal caracterização pode se dar de maneira indireta, por meio da prova de fato ou fatos que levem a crer que o servidor obteve o proveito pessoal, de maneira que a probabilidade de se estar diante de um caso de valimento de cargo seja bastante alta.

Destaque-se, ainda, a constatação do então Ministro do TCU Ubiratan Aguiar em um de seus julgados na Corte de Contas, ao afirmar que “a prova inequívoca de conluio entre licitantes é algo extremamente difícil de ser obtida, uma vez que quando acertos desse tipo ocorrem, não se faz por óbvio, qualquer tipo de registro escrito”. (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n° 57/2003, de 05/02/2003 -Plenário. Disponível em: www.tcu.gov.br. Acesso: 25/04/2014)

 

 

 

183           COSTA, 2011, p. 348.

 

E, mais à frente, conclui:

Dessa forma, percebe-se que é difícil e custosa a prova de conluios deste tipo já que, por sua própria natureza, o vício é oculto. Situação semelhante ocorre nos atos simulatórios onde as partes sempre procuram se cercar de um manto para encobrir a verdade. (Idem)

Portanto, apesar de ser admitido como meio de prova, o indício não pode ser utilizado de maneira desmesurada pela comissão processante, pois possui a probabilidade como característica, necessitando ser esta forte o suficiente para superar a dúvida razoável acerca da materialidade e autoria do fato principal.

 

  • INDICIAÇÃO

 

  • Introdução e Características da indiciação

A indiciação encerra a fase de instrução do processo disciplinar, consubstanciando-se em um “termo de indiciação” – termo formal de acusação –, cujo teor deve apontar os fatos ilícitos imputados ao servidor acusado, bem com as provas correspondentes e o respectivo enquadramento legal, de modo a refletir a convicção preliminar do colegiado.

Lei nº 8.112/90

Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas.

O termo de indiciação é precedido por ata, elaborada pela comissão processante, na qual se delibera pelo encerramento da fase instrutória em vista da colheita de material probatório suficiente ao indiciamento do servidor acusado.

O termo de indiciação irá imputar ao servidor a prática de uma ou mais infrações disciplinares. Em razão disso, para que o servidor passe à condição de indiciado, ele necessariamente deverá ter figurado como acusado no processo, ou seja, ter sido notificado como tal para acompanhar toda a produção de provas, assegurando-se que também tenha sido intimado para interrogatório, sob pena de serem violados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Logo, não há que se falar em indiciação de testemunha, que só figurou no processo nessa qualidade.

  1. Se à recorrente, arrolada como testemunha em Procedimento Administrativo instaurado contra outros servidores, não é garantido o direito a ser interrogada, após sua indiciação, agora na condição também de acusada, sendo-lhe facultada, apenas, a apresentação de defesa escrita após ter vista dos autos, configura-se violação à ampla defesa e ao contraditório, constitucionalmente (…)
  2. Precedentes (MS nºs 7.074/DF e 6.896/DF). (…)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS 14512/MT – 2002/0027183-4. Relator: Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 28/10/2003, publicado em 19/12/2003)

Apesar de externar juízo de convicção preliminar da comissão processante, o termo de indiciação é peça essencial para a defesa do indiciado. Isso porque ela formalizará a acusação e delimitará os termos da defesa escrita e do julgamento, como se verá adiante.

Justamente por ser o momento em que a comissão irá expor os motivos pelos quais se convenceu do cometimento da (s) irregularidade (s), o termo de indiciação, além de qualificar o indiciado com todos os seus dados, deve descrever suficientemente os fatos ocorridos e, de forma individualizada, a conduta por ele praticada, apontando nos autos as provas correspondentes. Não são admitidas indiciações genéricas dos envolvidos nos fatos, isto é, sem que seja apontada a conduta praticada por cada um dos indiciados.

 

É importante que sejam narrados claramente todos os fatos provados na fase de instrução, haja vista que, após a defesa escrita, não se poderá fazer qualquer acréscimo factual relacionado à conduta do indiciado. Ademais, o julgamento deverá ser baseado naquilo que tiver sido mencionado no termo de indiciação, sob pena de nulidade. Não é necessário, entretanto, a transcrição do inteiro teor das provas produzidas (por exemplo, a reprodução de todos os depoimentos colhidos), sendo suficiente a indicação daqueles trechos significativos para a convicção formada na indiciação.

(…)

  1. O delineamento fático das irregularidades na indiciação em processo administrativo disciplinar, fase em que há a especificação das provas, deve ser pormenorizado e extremamente claro, de modo a permitir que o servidor acusado se defenda adequadamente. Apresenta-se inaceitável a defesa a partir de uma conjunção de fatos extraídos dos (…)
  2. Assim, há flagrante cerceamento de defesa e, portanto, violação ao devido processo legal e aos princípios da ampla defesa e do contraditório, em razão da circunstância de que a iminente pena de demissão pode vir a ser aplicada ao impetrante pela suposta prática de acusações em relação as quais não lhe foi dada oportunidade de se defender. (…)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 13110/DF – 2007/0226688-6. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 14/5/2008, publicado em 17/6/2008)

Na presente fase do processo, a lei ainda não exige que seja indicada a hipótese legal na qual o acu- sado incidiu (dentre aquelas dos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90). Contudo, é usual e recomendado que já seja feito esse enquadramento, tendo em vista o auxílio para que o acusado possa se defender. Este enquadramento, entretanto, poderá ser alterado no Relatório Final, visando uma melhor adequação da conduta às definições legais do Direito Disciplinar, onde afinal também predomina o ensinamento de que o acusado se defende dos fatos e não da capitulação legal. Os critérios a serem seguidos para se estabelecer o adequado enquadramento serão tratados nos próximos tópicos.

Nesta fase do processo é relevante registrar que vige o princípio do in dubio pro societate. Este prin- cípio, em tradução livre, significa “a dúvida em favor da sociedade”. Preceitua que, após a instrução pro- batória, se há indícios ou provas consistentes da ocorrência de infração disciplinar, e bem assim de que o servidor que figurou no processo como acusado seja o autor destes fatos, ainda que exista uma dúvida que não pode ser sanada pela impossibilidade de coleta de outras provas além das que já constem do processo, a comissão deve concluir pela indiciação, e não pela absolvição sumária do (s) acusado (s).

Assim, no intuito de se resguardar o interesse público, eventual incerteza a respeito da conduta pra- ticada deve ser esclarecida na defesa escrita, com a posterior consolidação do entendimento da comissão no Relatório Final. É que, agindo de outro modo, a comissão acabará levando a mesma dúvida para a autoridade julgadora, que, discordando da absolvição, terá que reabrir o processo para nova instrução. Melhor, nestes casos, que se permita ao acusado apresentar a defesa escrita, que poderá dirimir a dúvida e demonstrar claramente sua inocência.

Um erro bastante comum nesta fase ocorre quando o acusado deixa de ser indiciado porque a co- missão entende que a infração cometida está sujeita à penalidade de advertência ou suspensão, já prescrita. No entanto, deve o colegiado atentar-se para o fato de que a autoridade julgadora pode discordar do relatório final, e concluir que a penalidade cabível seria a demissão. E neste caso, não tendo sido lavrado o termo de indiciação do acusado, a autoridade julgadora terá que designar nova comissão, tendo em vista que a anterior não fez a indiciação, ato essencial à defesa.

Além destas considerações, o momento da indiciação exige um prévio estudo do Direito Disciplinar material, a fim de realizar o correto enquadramento da conduta do indiciado entre aquelas infrações disci- plinares descritas nos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90.

Visando a auxiliar esse estudo, os próximos tópicos versarão sobre os requisitos que deverão ser atendidos para que determinada conduta possa ser considerada uma das infrações disciplinares previstas

 

na lei, as circunstâncias que poderão isentar o servidor de responsabilização e a forma de se determinar o enquadramento legal.

 

  • Elementos da infração disciplinar

Antes de se definir em qual hipótese legal incorreu o acusado, é necessário examinar se a conduta por ele praticada, nas circunstâncias em que foi externada, efetivamente pode ser considerada uma infração disciplinar.

Em razão da proximidade de objetos, a análise dos elementos da infração disciplinar busca subsídios no Direito Penal. Tendo em vista o grande desenvolvimento que aquele ramo jurídico já alcançou na ava- liação da conduta dos responsáveis pela prática de ilícitos, é oportuno recorrer à chamada Teoria do Crime, utilizada pela doutrina e jurisprudência como metodologia comparativa para esta finalidade. Em virtude dessa correlação, são em regra aceitos como parâmetros para a verificação dos elementos da infração dis- ciplinar aqueles mesmos apontados para o crime.

De acordo com a corrente doutrinária predominante entre os penalistas contemporâneos, o crime é uma conduta típica, antijurídica e culpável184. Isto é, para que uma conduta humana seja considerada crime, ela deve conter os elementos descritos na lei como caracterizadores de crime (tipicidade), não ter sido praticada sob uma justificativa admitida por lei (antijuridicidade), e cujo autor tinha a ciência de que a conduta era vedada pelo ordenamento jurídico, mas mesmo assim a cometeu, ou seja, deveria se comportar de modo diverso (culpabilidade).

Esta descrição analítica da conduta humana possibilitou uma melhor compreensão do crime, e bem assim a solução de inúmeras questões no Direito Penal que também são úteis para o estudo da infração disciplinar. Desta forma, com as devidas adaptações, ressalta-se que se toma por empréstimo aqueles con- ceitos com o escopo de melhor desenvolvimento da literatura jurídica sobre o assunto.

Com efeito, pode-se dizer que a conduta será considerada infração disciplinar quando: i) estiverem presentes os elementos descritos em lei como caracterizadores de uma infração disciplinar; ii) o servidor não está acobertado por uma causa que exclua a ilicitude desta conduta; e iii) o servidor age de forma con- trária à lei, mesmo tendo a obrigação de se comportar de outro modo.

Para melhor compreensão destas ideias, pretende-se, nos itens a seguir, descrever sucintamente tais elementos, trazendo-os à realidade administrativa, sem adentrar demasiadamente nos debates proporcio- nados pelas inúmeras teorias penais que se desdobram a partir deles.

 

  • Primeiro Elemento: Tipicidade

Ao iniciar o estudo do conceito de tipicidade, Bitencourt afirma que

A lei, ao definir crimes, limita-se, frequentemente, a dar uma descrição objetiva do comportamento proibido, (…). No entanto, em muitos delitos, o legislador utiliza-se de outros recursos, doutrinaria- mente denominados ‘elementos normativos’ ou ‘subjetivos do tipo’, que levam implícito um juízo de valor.185

Depreende-se, por oportuno, que a tipicidade decorre do princípio da reserva legal: “não há crime sem prévia lei que o defina”. Ou seja, a tipicidade representa a conformação do fato praticado à moldura abstratamente descrita na lei penal, subsumindo-se a ela.

Esse modelo legalmente estabelecido é conhecido como “tipo” e representa um conjunto de ele- mentos do fato punível, descrito na legislação penal, com o objetivo de limitar e individualizar as condutas humanas penalmente relevantes.

184           ZAFFARONI, 2005, p. 345.

185           BITENCOURT, 2010, p.303

 

Dito isto, entende-se que a conduta humana praticada no caso concreto precisa ser típica. Isso sig- nifica que, no Direito Penal, ela deve se encaixar na definição de um dos tipos penais configuradores dos crimes e, no âmbito do Direito Disciplinar, corresponder à violação do disposto em pelo menos uma das hipóteses da Lei nº 8.112/90 (arts. 116, 117 e 132).

A tipicidade, por sua vez, está subdividida em duas espécies:

  1. Tipicidade objetiva: é a correspondência literal entre o ato praticado e aquilo que consta escrito em pelo menos uma das hipóteses da lei; e
  2. Tipicidade subjetiva: é o ânimo interno com o qual o acusado praticou a conduta, revelado mediante o dolo ou a

Vale dizer: para que uma conduta seja considerada típica, não basta a correspondência entre o que foi praticado e o que consta da lei como infração disciplinar. É necessário que o agente a tenha praticado com dolo ou culpa. Mostram-se indispensáveis, portanto, ainda que de modo sucinto, as definições destes conceitos.

O primeiro manifesta-se de duas formas:

  1. Dolo direto ou imediato: quando o acusado, agindo com intenção danosa, quis produzir o resultado previsto para a sua conduta; e
  2. Dolo indireto ou eventual: quando o acusado, mesmo prevendo o resultado, praticou a conduta aceitando o risco de produzi-lo.

De modo diverso do dolo, no tipo culposo, pune-se a conduta mal dirigida, geralmente destinada a atender a um fim lícito, consistindo na divergência entre a ação efetivamente realizada e a que deveria ter sido praticada, em virtude da inobservância do dever objetivo de cuidado. A culpa externa-se por meio de três modalidades, nas quais, embora o resultado da conduta fosse previsível, o acusado simplesmente não previu seu potencial ofensivo (culpa inconsciente) ou o previu – consciente da lesão ao dever de cuidado

–, mas nunca quis o resultado alcançado ou assumiu o risco pela sua ocorrência (culpa consciente). Senão vejamos as três modalidades de culpa:

  1. Negligência: é a displicência no agir, a falta de precaução do agente, que podendo adotar as cautelas necessárias, não o Implica em uma omissão, um não-agir por descuido, indiferença ou desatenção ocorrida em momento anterior à ação. Por isso, se diz que o autor do ato cometido por negligência não teria pensado na possibilidade do resultado, razão pela qual configuraria a culpa inconsciente;
  2. Imprudência: é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e com caráter comissivo. É caracterizada pela intempestividade, precipitação, insensatez ou moderação do agente. Neste caso, o agir descuidado não observa o cuidado objetivo que as circunstâncias fáticas exigem, resultando, portanto, na concomitância entre ação e culpa. Conclui-se que o agente tem consciência de sua ação imprudente, mas, ao acreditar que não produzirá o resultado, avalia mal e age, momento em que o resultado não desejado ocorre; e
  3. Imperícia: é a falta de capacidade, de aptidão, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício da arte, profissão ou ofício. Diferencia-se do erro profissional, pois este consiste em acidente escusável, justificável e, geralmente, imprevisível; ligando-se primariamente à imperfeição dos conhecimentos

Em sede penal, a regra é que a conduta somente configurará crime quando nela tiver sido empregada uma das formas de dolo, sendo expresso que a lei sempre irá determinar os crimes passíveis de serem co- metidos culposamente. Todavia, em se tratando de infrações disciplinares, isso não é válido, considerando que a Lei nº 8.112/90 não faz a mesma ressalva. Na maior parte dos casos, como as hipóteses são abertas,

 

as suas características próprias e a interpretação da gravidade de cada uma é que irão determinar quando haverá a exigência do dolo e quando bastará a culpa.

Frise-se que a sobrevinda ou não de dano para a Administração Pública não é fator determinante do ânimo subjetivo do acusado, pois uma conduta dolosa pode não implicar em prejuízo algum, ao passo em que um ato negligente pode vir a causá-lo.

 

  • Segundo Elemento: Antijuridicidade ou ilicitude

O jurista Eugênio Raúl Zaffaroni ensina que a antijuridicidade da conduta está no fato dela ser contrária ao disposto em uma norma do ordenamento jurídico, sem estar amparada por nenhuma outra que a auto- rize, nas condições em que fora praticada. Em suas palavras,

O método, segundo o qual se comprova a presença da antijuridicidade, consiste na constatação de que a conduta típica (antinormativa) não está permitida por qualquer causa de justificação (preceito permissivo), em parte alguma da ordem jurídica (não somente no direito penal, mas tampouco no civil, comercial, administrativo, trabalhista etc.).186

As causas de justificação nada mais são que causas legais de exclusão da antijuridicidade, as quais de- verão encontrar-se igualmente amparadas pelo elemento subjetivo da consciência de agir acobertado por uma excludente, ou seja, com vontade de evitar um dano pessoal ou alheio.

Porém, de outro lado, caso o agente exceda os limites da norma permissiva, de forma dolosa ou cul- posa, responderá pelo excesso. Essas hipóteses serão identificadas quando o agente impuser sacrifício maior do que o estritamente necessário à salvaguarda do seu direito ameaçado ou lesado.

O Direito Penal define três causas de justificação, quais sejam: estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento do dever legal.

Devendo o ordenamento normativo ser harmônico, primando pela segurança jurídica, tais exclu- dentes de ilicitude da conduta também afastarão a caracterização da infração quando presentes em sede disciplinar, já que a antijuridicidade também é um dos seus elementos. Assim estabelece o Código Penal:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Parágrafo único: o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Por serem situações que, eventualmente ocorridas, serão alegadas pela defesa, deverão ser inequivo- camente comprovadas no curso da instrução probatória, para que o acusado possa deixar de ser indiciado.

Conforme anteriormente anotado, os excessos dolosos ou culposos porventura praticados perma- necerão ilícitos. Ou seja, o acusado não estará a salvo da indiciação ou da penalidade disciplinar, no tocante aos atos que venham a extrapolar os limites da causa de justificação.

Aproveitando os conceitos expostos no Código Penal, apresenta-se em seguida uma breve noção de cada uma destas causas de justificação, que excluem a ilicitude da conduta, e, portanto, afastam a responsa- bilidade disciplinar.

 

 

 

186           Idem, p. 488.

 

  • Estado de Necessidade

Segundo o Código Penal:

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

  • 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

Para Bitencourt, “o estado de necessidade caracteriza-se pela colisão de interesses juridicamente pro- tegidos. Devendo um deles ser sacrificado em prol do interesse social”.187

Para a configuração do estado de necessidade, é necessária a demonstração de que o servidor corria perigo no momento em que praticou o fato previsto na lei como infração disciplinar. Não se fala em es- tado de necessidade quando o perigo já passou ou é provável de ocorrer no futuro. Ademais, se o pró- prio agente concorreu para a criação do perigo ou podia evitá-lo por outro meio, o estado de perigo é descaracterizado.

Fala-se em perigo quando o servidor está em situação tal que deixar de praticar a conduta tida por infração disciplinar coloque em risco qualquer bem (vida, patrimônio, intimidade, etc.), próprio ou alheio, desde que, nas circunstâncias, não fosse razoável que fosse sacrificado.

Não se confunde estado de necessidade e legítima defesa. Enquanto nesta a reação realiza-se contra bem jurídico pertencente ao autor da agressão injusta, naquela a ação dirige-se contra bem de terceiro não envolvido.

 

  • Legítima Defesa

Ainda de acordo com o Código Penal, a legítima defesa é assim conceituada:

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente os meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Conforme apontam os estudiosos, difere-se a legítima defesa e o estado de necessidade:

As principais distinções entre ambas estão em que na legítima defesa há reação contra agressão e, no estado de necessidade, existe ação em razão de um perigo e não de uma agressão. Só há legí- tima defesa contra agressão humana, enquanto o estado de necessidade pode decorrer de qualquer causa.188

 

  • Estrito Cumprimento de Dever Legal e Exercício Regular de Direito

Aqui impera a lógica da já mencionada harmonia do ordenamento jurídico, onde uma conduta não poderá ser um ilícito penal quando, em legislação extrapenal, ela é posta como um dever daquele servidor acusado ou apresenta-se como um direito regularmente exercido por ele.

A fim de caracterizar o estrito cumprimento do dever legal, devem ser observados dois requisitos: (i) estrito cumprimento – somente os atos rigorosamente necessários justificam o comportamento permitido; e (ii) de dever legal – é indispensável que o dever decorra da lei, não o caracterizando os deveres de cunho moral, religioso ou social.

 

 

187           BITENCOURT, 2010, p. 363.

188           DELMANTO, 2000, p. 47.

 

Quanto ao exercício regular de direito, a doutrina tradicional entende que este não poderá ser de qualquer forma antijurídico, bem como deverá constringir-se aos limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios fins do Direito. Fora desses limites, ocorre o que chamamos de abuso de direito, o qual não constitui causa de justificação válida.

Do mesmo modo, considerada um dever ou um direito por qualquer normativo, nos exatos termos em que foi levada a efeito, a conduta tampouco será uma infração disciplinar.

 

  • Terceiro Elemento: Culpabilidade

Por último, integrando a estrutura do crime, a culpabilidade é tratada pela doutrina como sendo a reprovabilidade atribuída à conduta do acusado. Estabelecendo-a de forma simplificada, a sua presença é a regra, uma vez que o Direito Penal determina algumas poucas circunstâncias sob as quais, praticada a con- duta típica e antijurídica, haverá ausência de culpabilidade.

Tais circunstâncias, quando comprovadas, fazem com que a conduta não seja considerada reprovável. Os motivos que podem levar ao afastamento da culpabilidade são os seguintes: inimputabilidade do acu- sado; inexigibilidade de conduta diversa ou incapacidade de compreender a potencial ilicitude da conduta no momento da sua prática.

A primeira causa excludente de culpabilidade surge em razão da pessoa que exerceu a conduta ser considerada não imputável pelo Direito Penal, pela redução da sua capacidade, sendo o caso do menor de dezoito anos, do indígena não aculturado e do doente mental, este último nas seguintes condições:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (…) (Código Penal)

Portanto, pode-se afirmar de forma genérica que será imputável aquele agente possuidor de con- dições de normalidade e maturidade psíquicas. Para tanto, para o reconhecimento da inimputabilidade é suficiente que o agente não detenha o entendimento ou autodeterminação.

Também é afastada a culpabilidade de quem não se podia exigir conduta diversa, por ter agido sob coação irresistível (submetido a força física ou grave ameaça) ou em estrita obediência a ordem, não mani- festamente ilegal, de superior hierárquico. No entanto, o autor da coação ou da ordem deverá ser punido.

A coação irresistível capaz de afastar a culpabilidade é tão-somente a moral, conhecida como grave ameaça, uma vez que a coação física exclui a própria ação, resultando em conduta atípica.

Entende-se como coação irresistível: “tudo o que pressiona a vontade impondo determinado compor- tamento, eliminando ou reduzindo o poder de escolha, consequentemente, trata-se da coação moral”.189

Acerca da obediência hierárquica, independentemente de ser originada de relação pública ou privada, aquela significa a estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal e deve ter como pressuposto a ine- xigibilidade de conduta diversa.

O art. 28, § 1º, do Código Penal ainda autoriza a exclusão da penalidade quando, no momento da ação ou omissão, o agente se encontrava em estado de embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, de tal forma que estivesse completamente incapaz de entender o caráter ilícito da conduta. Vale ressaltar que a embriaguez pode ser provocada pelo álcool, drogas e substâncias de efeito análogo e, para excluir a culpabilidade, o estado de embriaguez completa não pode ter sido atingido pelo acusado de forma voluntária ou culposa.

 

 

 

189           BITENCOURT, 2010, p. 420.

 

  • Classificação em função do resultado

Existem outros conceitos e classificações no Direito Penal que podem auxiliar no entendimento do Direito Administrativo Disciplinar.

 

 

Neste sentido, interessante também mencionar que, em função da produção de um resultado natu- ralístico, isto é, de uma modificação no mundo exterior produzida pelo autor da conduta, o crime poderá ser classificado em material, formal ou de mera conduta, classificação que também pode ser estendida à infração disciplinar:

  1. Crime material: para que seja configurado, exige que a conduta produza, no caso concreto, o resultado descrito na norma. Isto é, para a sua consumação é indispensável a produção de um dano Exemplo de infração disciplinar material é a hipótese prevista no art. 132, X, da Lei nº 8.112/90 (lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio), que exige a efetiva ocorrência do prejuízo para ser configurada;
  2. Crime formal: a conduta prevê a possibilidade da ocorrência de um resultado, mas este é apenas o exaurimento daquela, não precisando necessariamente ser alcançado para que o crime seja Neste tipo de crime, apesar do resultado ser descrito, a consumação independe da ocorrência de dano efetivo, sendo necessário tão-somente um dano potencial. Exemplo de infração disciplinar formal é previsto no artigo 117, IX, da Lei nº 8.112/90 (valimento de cargo). Para que seja configurado o valimento do cargo em proveito próprio ou alheio, basta que o acusado atue com a intenção de se valer do cargo que ocupa para obter algum tipo de benefício a si ou a terceiro, não se exigindo que da conduta decorra um resultado, como, por exemplo, o efetivo recebimento da propina exigida; e
  3. Crime de mera conduta: não prevê um resultado naturalístico para a conduta, bastando a sua prática para que o crime seja configurado, isto é, o legislador prevê somente o comportamento do agente, sem qualquer preocupação com o resultado decorrente da conduta ilícita. Exemplo de infração disciplinar de mera conduta pode ser identificado no artigo 132, III, da Lei nº 112/90 (inassiduidade habitual). Para sua caracterização, basta que o servidor se ausente do trabalho da maneira descrita na hipótese legal, não se exigindo qualquer consequência para a Administração, como, por exemplo, a descontinuidade do serviço público pelo qual era responsável.

Assim como no Código Penal, pode-se verificar que no texto dos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90 não é dito quais infrações disciplinares são materiais, formais ou de mera conduta, ficando essa tarefa a cargo da doutrina e da jurisprudência, em estudo detido de cada hipótese legal.

 

  • Erro de Tipo e Erro de Proibição

Por vezes, a despeito da correspondência entre a ocorrência do fato descrito no tipo ou hipótese legal e a conduta do agente, esta pode ter sido praticada em decorrência de algum equívoco. Tal equívoco pode recair sobre algum elemento descrito na norma que prevê a infração disciplinar (erro de tipo, porque incidente sobre o tipo infracional), eliminando assim a tipicidade dolosa, ou ainda sobre a ilicitude da conduta (erro de proibição, porque incidente sobre uma causa de justificação), excluindo a culpabilidade.

Em se tratando de condutas disciplinares, a ignorância acerca das normas, sejam proibitivas ou per- missivas, não pode ser alegada pelo servidor, uma vez que é seu dever conhecê-las. Dessa forma, o erro de proibição, que será uma hipótese de exclusão da culpabilidade, poderá ocorrer somente em eventual situação na qual o acusado tenha falsa percepção da realidade, fazendo-o supor que sua conduta esteja abrangida por uma causa de justificação (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito).

 

Por exemplo, incorre em erro de proibição o servidor que derrubou e, por isso, danificou diversos computadores recém-adquiridos, os quais estavam no caminho da saída de emergência, após ter atendido um telefonema onde o interlocutor afirmara que havia um incêndio no prédio, quando na verdade se tratava de um trote.

O erro de tipo, por sua vez, consiste em agir por engano em relação ao fato típico, o que exclui o dolo da conduta, pela falta de intenção do agente em realizar aquele tipo ou hipótese legal que acabou restando caracterizada. Pode-se diferenciar o erro vencível do invencível, o que será feito por meio do exemplo a seguir.

O servidor que entrega documento sigiloso a terceiro, acreditando tratar-se de um mensageiro auto- rizado do destinatário, incorre em erro de tipo, pois ignora um dos elementos da conduta típica: o fato de estar divulgando o documento sigiloso.

Suponha-se que o terceiro tenha chegado à repartição para buscar uma certidão pessoal anterior- mente solicitada, no mesmo horário no qual o mensageiro chegaria para levar o documento sigiloso; o servidor, ocupado com outros afazeres, e acreditando ser ele o tal mensageiro, entrega-lhe o documento si- giloso sem maiores questionamentos. Neste caso, o dolo em divulgar o documento sigiloso não existiu, mas tal divulgação poderia ter sido evitada com uma atitude mais cuidadosa do servidor, fator que caracteriza o erro de tipo vencível, e torna a conduta punível na forma culposa, se assim for possível (poderá responder, por exemplo, por descumprimento do dever de exercer com zelo suas atribuições – art. 116, inciso I).

Agora, imagine-se que o terceiro, ciente de que haveria a entrega do documento sigiloso ao men- sageiro, de alguma forma o intercepta e por ele se faz passar, identificando-se como tal na repartição, no horário combinado. Percebe-se que, nesta situação, o servidor não tinha como notar o engano, caracteri- zando-se o erro de tipo invencível e fazendo com que a conduta seja atípica, pois que ausentes tanto o dolo quanto a culpa.

Sem adentrar nas inúmeras discussões que existem no Direito Penal acerca da disciplina das consequ- ências do erro de tipo e do erro de proibição, o que importa na seara administrativa é que tendo o servidor praticado conduta que aparentemente se adeque a uma infração disciplinar (típica, antijurídica e culpável), verificado que o acusado assim agiu porque incorreu em erro relevante, seja porque não tinha consciência, no caso concreto, da existência de um elemento caracterizador da conduta típica (erro de tipo), ou porque acreditava agir de forma lícita (erro de proibição), cumpre investigar se este erro era evitável, isto é, se um servidor diligente não teria incorrido no mesmo erro.

Se o erro era evitável, cabe a responsabilização se existir uma modalidade culposa da conduta prati- cada. Se, por outro lado, mesmo o servidor diligente teria incorrido no mesmo erro, exclui-se a possibili- dade de responsabilização, seja por ausência de dolo ou culpa (erro de tipo), seja por exclusão da culpabi- lidade (erro de proibição).

 

  • Princípio da Insignificância ou da Bagatela

Viu-se que o primeiro requisito da infração disciplinar é que a conduta seja típica, conjugadas as tipi- cidades objetiva e subjetiva. Portanto, a ausência tanto do dolo quanto da culpa afasta toda a tipicidade da conduta, que então não deverá ser considerada uma infração disciplinar.

Certas condutas, entretanto, poderão ser atípicas no Direito Penal, em virtude da inexpressiva ofensa que tiverem causado ao bem jurídico tutelado. Este é o fundamento do Princípio da Insignificância ou da Bagatela, defendido por alguns doutrinadores sob o argumento de que a tipicidade também exige que o bem jurídico protegido pela norma que prevê a infração seja efetivamente afetado, e, assim, a irrelevância da lesividade material do ato o excluiria do âmbito de proibição da norma, deixando de existir a tipicidade.

Seria possível adaptar este princípio ao Direito Disciplinar, abarcando aquelas condutas que à primeira vista seriam enquadráveis legalmente, mas que devido ao ínfimo potencial ofensivo, não são capazes de

 

afetar o interesse público tutelado. Contudo, como ele não consta expressamente reconhecido no orde- namento jurídico administrativo, pode também ser considerado uma decorrência dos princípios da razoa- bilidade e da proporcionalidade.

Segundo Bitencourt, “é imperativa uma ‘efetiva proporcionalidade’ entre a ‘gravidade’ da conduta que se pretende punir e a ‘drasticidade da intervenção estatal’”190.

Obviamente, a aplicação do princípio da insignificância, externando-se em um não-indiciamento do acusado, dependerá do caso concreto, já que a conduta deve ser realmente irrelevante dentro do contexto em que se encontra, valorada de acordo com a percepção do senso comum. Logo, a comissão deve saber diferenciar um fato insignificante para a regularidade interna da Administração Pública daquele pouco grave, mas que mereça ser apenado, pelo menos com advertência.

Como exemplo de aplicação do princípio da bagatela, a comissão não indiciaria um servidor público contra o qual apenas restou provado o uso pessoal da máquina fotocopiadora para a reprodução de docu- mento de identidade que será utilizado pelo acusado em assuntos particulares. De outro lado, se o servidor responsável pela operação de máquina fotocopiadora cobra de particulares a reprodução de documentos, e retém a importância para si, ainda que se trate de valores ínfimos, a conduta do acusado demonstra falta de honestidade, o que caracteriza ofensa a bem jurídico protegido pela norma, afastando a aplicação do princípio da bagatela.

Com efeito, Carneiro191  conclui:

A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem, para o Supremo Tribunal Federal, requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância.

Por fim, vale relembrar a importância do princípio da insignificância no momento do juízo de admis- sibilidade para eventual instauração de procedimento disciplinar. Isto porque, conforme abordado no item 7.3, a Administração Pública dispõe do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de evitar a abertura de apuratórios disciplinares nos casos de infração de menor potencial ofensivo.

 

  • Enquadramento das infrações disciplinares

Como se viu no tópico anterior, entre os elementos que devem estar presentes na conduta do acu- sado para que se verifique a ocorrência de infração disciplinar, encontra-se a tipificação. Para verificar a pre- sença deste elemento, essencial identificar qual a norma transgredida pelo acusado dentre aquelas descritas na lei como infração disciplinar, o que consiste, sumariamente, em identificar, dentre as hipóteses dos arts. 116, 117 e 132 da Lei nº 8.112/90, aquela que melhor corresponde ao caso concreto.

Em alguns casos, porém, a conduta do acusado se enquadra em mais de uma das hipóteses previstas na lei, ou ainda o servidor pratica um conjunto de ações ou omissões que configuram várias condutas ti- pificadas como infração. No caso da prática de mais de uma conduta, onde cada uma tem seu respectivo enquadramento, independente um do outro, ocorre o que se chama de concurso material de infrações. Já quando o acusado através de uma única conduta viola mais de uma das hipóteses previstas na norma como infração, ocorre o concurso formal de infrações.

Tanto no concurso formal quanto no concurso material de infrações, na indiciação deverão constar ambos os enquadramentos da (s) conduta (s), sendo que a diferenciação será relevante para a aplicação da pena, que será tão somente agravada no concurso formal (aplica-se a pena prevista para a infração mais grave, majorada em função do concurso), e cumulada, se compatíveis, no concurso material (aplicam-se cumulativamente as penas previstas para cada uma das infrações, sendo compatíveis).

  • BITENCOURT, 2010, 51.
  • CARNEIRO,

 

Atente-se para a diferenciação entre concurso material ou formal de infrações e a reincidência, no intuito de se evitar a confusão de conceitos e o consequente erro no reflexo sancionatório. A condenação em mais de uma hipótese legal no mesmo processo administrativo disciplinar (concurso material ou formal de infrações) não torna o servidor público reincidente. Ele somente o será quando, uma vez condenado e apenado, sobrevier nova condenação em processo distinto, dentro do intervalo de tempo disposto na lei. A reincidência prevista na Lei nº 8.112/90 é a genérica e constitui objeto de estudo no capítulo 12.2.2.

 

  • Conflito aparente de normas

Existem ainda situações em que a única conduta praticada apenas aparenta configurar mais de uma infração, especialmente quando levamos em consideração que a descrição das infrações disciplinares, tal como previstas na Lei nº 8.112/90, não apresenta uma rigidez de conceitos como vemos no Direito Penal. Este “conflito aparente de normas”, como é chamado, é resolvido através da aplicação de critérios, também chamados de princípios, advindos do Direito Penal, que orientam o correto enquadramento da conduta.

Inicialmente, deve-se descartar as hipóteses de concurso formal ou material de infrações, conforme discutido no tópico acima. Em seguida, aplicam-se os princípios da alternatividade, consunção, subsidiarie- dade e especialidade, que auxiliam na exclusão daqueles enquadramentos inadequados para o caso.

Pelo princípio da alternatividade, o intérprete deve buscar verificar se a conduta do servidor efetiva- mente comporta os enquadramentos previstos em dois ou mais dispositivos, porquanto em vários casos há incompatibilidade entre as infrações, ou seja, se ocorre a infração “A”, incabível cogitar-se da infração “B”. Não é possível enquadrar um ato em duas hipóteses legais contraditórias, onde, por exemplo, uma delas exija a configuração do dolo, ao passo em que a outra tenha natureza culposa.

Para a compreensão do princípio da subsidiariedade, deve-se entender que o adjetivo “subsidiário” remete a algo que é secundário. Lança-se mão deste princípio quando a definição de uma hipótese legal abrange ou contém a outra, sendo possível perceber que ambas versam sobre a mesma espécie de con- duta. E o que irá diferenciá-las é justamente a gravidade da que fora praticada no caso concreto, graduada pelas circunstâncias dos fatos, pelo dano causado, e pelo ânimo subjetivo do acusado, dentre outros.

No conflito entre duas normas deste feitio, prevalecerá a mais grave quando puder ser demonstrada nos autos também a faceta mais grave da conduta. Portanto, daí advém a subsidiariedade: a hipótese legal de menor gravidade é secundária e somente irá figurar na indiciação quando não estiverem comprovados os elementos que autorizem o enquadramento na hipótese mais grave.

Esse princípio irá definir, por exemplo, qual das seguintes condutas previstas na Lei nº 8.112/90 será aplicada ao caso concreto: violação do dever de “guardar sigilo sobre assunto da repartição” (art. 116, VIII) ou “revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo” (art. 132, IX).

Por sua vez, aplica-se o princípio da consunção quando for possível observar que, para que uma das hipóteses legais tenha ocorrido, ela necessariamente “consumiu” a outra. Nesse sentido, presume-se que a infração “consumida” é menos grave, geralmente a violação de um dever, e o acusado tem que cometê-la para alcançar a infração principal, mais grave, fazendo com que esta prevaleça no momento da indiciação.

Dessa forma, a título de exemplo, o dever de ser leal às instituições a que servir (art. 116, II) é evi- dentemente violado quando o servidor aplica irregularmente o dinheiro público (art. 132, VIII) ou vale-se do cargo para beneficiar terceiro (art. 117, IX), todos eles dispositivos da Lei nº 8.112/90. No caso, prevale- cerão, em vista do princípio da consunção, estes enquadramentos em detrimento do art. 116, II, porquanto o descumprimento do dever de lealdade constitui tão somente etapa prévia à execução das condutas pre- vistas no art. 132, VIII ou no art. 117, IX.

Finalmente, o princípio da especialidade mostra-se útil em sede disciplinar principalmente quando o acusado for regido por estatuto próprio, além da Lei nº 8.112/90, uma vez que, por este critério, deve-se

 

procurar verificar se as infrações aparentemente em conflito guardam uma relação de gênero e espécie, sendo que a norma especial ou específica prevalece sobre as disposições gerais.

 

  • ENQUADRAMENTOS PREVISTOS NA LEI Nº 112/90

 

Nos itens que seguem, serão objetivamente analisadas todas as condutas que a Lei nº 8.112/90 carac- terizou como infrações disciplinares. De maneira geral, é possível classificá-las em quatro grupos, de acordo com a gravidade da penalidade correspondente:

  1. infrações leves: são aquelas que afrontam os deveres descritos no art. 116 da Lei nº 8.112/90 ou configuram as proibições descritas no art. 117, incisos I a VIII e XIX, da mesma Lei, às quais são aplicáveis as penalidades de advertência ou suspensão;
  2. infrações médias: são aquelas puníveis exclusivamente com suspensão, encontram-se elencadas no 117, incisos XVII e XVIII e no art. 130, § 1°.
  3. infrações graves: são aquelas descritas no 117, incisos IX a XVI, e art. 132, incisos II, III, V, VII,

IX e XII da Lei nº 8.112/90; e

  1. infração gravíssima: são aquelas descritas no art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI, da Lei nº 8.112/90, às quais é aplicável a penalidade de demissão, sendo que a lei proíbe o servidor expulso de retornar ao serviço público

Observa-se que o legislador intentou graduar as infrações e, por conseguinte, suas consequências disciplinares, criando um sistema de tipos abertos, dificultando a atividade sancionadora em razão da proxi- midade das irregularidades descritas na legislação.

  • Descumprimento de Deveres

Antes de adentrar a análise propriamente dita de cada um dos deveres contidos no art. 116 da Lei nº 8.112/90, importante destacar que, diante da realidade institucional de cada órgão ou entidade, estes poderão estabelecer, em seus normativos internos, detalhamento e/ou complementação desses deveres.

Dessa forma, conduta de servidor de autarquia que acarretar descumprimento de dever inscrito exclusivamente em seu Regimento Interno pode ensejar aplicação de penalidade disciplinar por ofensa ao disposto no art. 116, inciso III, com fulcro na parte final do artigo 129 da Lei nº 8.112/90. Senão vejamos:

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave. (grifou-se)

Convém relembrar que, ainda com fundamento na parte final do referido artigo, a transgressão aos deveres funcionais descritos no artigo 116 do Estatuto dos Servidores Públicos pode resultar em advertência ou suspensão, a depender das circunstâncias do caso concreto.

Isto porque a parte final do art. 129 autoriza o agravamento da penalidade de advertência nos casos de violação a dever funcional, desde que presentes elementos que justifiquem a imposição de penalidade mais gravosa, tal como dano financeiro de grande monta.

 

  • 116, inciso I (exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo)

O foco do dever acima descrito está na maneira como o servidor desempenha suas atividades dentro dos limites da função pública, sendo observados requisitos quantitativos e qualitativos, associando-se rendi- mento à eficiência na elaboração dos trabalhos.

 

Ressalte-se que, ao ser avaliada a conduta supostamente violadora de dever funcional, cumpre à comissão observar se as atividades desempenhadas pelos demais servidores se compatibilizam com aquela apurada em sede disciplinar. Por vezes, o colegiado entende que o servidor deveria ter sido mais diligente em suas atividades, sendo que esta exigência importaria em um desempenho extraordinário por parte do acusado, excedendo a conduta normal exigível.

O autor José Armando da Costa associa ao termo “zelo” à ideia de cuidado e desvelo, entendendo o termo “dedicação” como abnegação, consagração ou devotamento192.

Ressalte-se que não é necessário que o servidor habitualmente exerça de forma desleixada suas atribuições para a caracterização de ofensa ao dever acima descrito, uma vez que a infração se perfaz com conduta única, ainda que nos assentamentos funcionais do servidor constem elogios ou menções honrosas.

 

  • 116, inciso II (ser leal às instituições a que servir)

Entende-se por lealdade, para fins de cumprimento do dever aqui analisado, a observância das regras e princípios que norteiam o exercício das competências e atribuições da instituição à qual o acusado/inves- tigado está vinculado. Conforme bem apontado por José Armando da Costa, “(…) lealdade, aqui erigida em dever funcional, não é em relação à pessoa do chefe, e sim às instituições a que serve o funcionário público”193.

Tal dever pressupõe não só observância das regras e dos princípios regulamentadores da atividade administrativa, mas também, o respeito à hierarquia e subordinação inerentes ao poder hierárquico, como forma de lealdade à instituição. Ademais, não se pode olvidar que lealdade também é demonstrada pela postura colaborativa ao reportar à autoridade competente eventuais falhas detectadas passíveis de acarretar prejuízo à Administração, seja de cunho normativo ou técnico.

Do mesmo modo, este enquadramento veda a utilização indevida da imagem institucional quando desvinculada de interesse genuinamente público e afeto às atividades do órgão ou entidade a qual representa.

 

  • 116, inciso III (observar as normas legais e regulamentares)

O dever descrito no inciso III do art. 116 da Lei nº 8.112/90 implica observância de qualquer norma jurídica, seja constitucional, legal ou infralegal. Assim, é possível aplicar penalidade disciplinar a servidor que tenha descumprido lei, regulamento, decreto, regimento, portaria, instrução, resolução, ordem de serviço, bem como decisões e interpretações vinculantes e princípios neles inscritos. Dessa forma, a comissão deve indicar, no indiciamento, qual norma teria sido descumprida pelo servidor, a fim de lhe garantir o pleno exercício do direito à ampla defesa.

Cumpre destacar que não cabe ao servidor avaliar a legalidade da norma ou a conveniência de cumpri-la ou não; caso se depare com norma evidentemente ilegal ou inconstitucional, deve provocar a autoridade competente para que a mesma seja alterada ou excluída do ordenamento jurídico ou, em casos graves, para representar contra a autoridade que a editou. Dessa forma, mesmo que em cumprimento à norma ilegal ou inconstitucional, ao servidor não será aplicada penalidade disciplinar por essa conduta. Tampouco poderá o servidor alegar desconhecimento da norma ou falta de treinamento/capacitação para justificar sua inobservância, conforme o entendimento abaixo:

Parecer-Dasp. Abandono de cargo – ignorância da lei

A ignorância da lei não é cláusula excludente da punibilidade.

Uma vez que, na grande maioria dos casos, as infrações disciplinares se realizam por meio da inob- servância de alguma norma jurídica, recomenda-se que as comissões disciplinares, bem como a autoridade

192           COSTA, 2009, p. 327.

193           COSTA, 2009, p. 329.

 

julgadora, avaliem se a infração ao dever aqui discutido foi consumida por infração de maior gravidade ou especificidade.

Uma particularidade do dever aqui analisado refere-se às repercussões disciplinares do acesso imoti- vado a sistemas informatizados, isto é, para finalidade sem motivação legal. Convencionou-se realizar uma gradação da conduta, a depender da qualidade de quem recebe a informação acessada imotivadamente. Caso o servidor revele o conteúdo da consulta a outro servidor do órgão, ao qual ambos estão vinculados, tal conduta poderá caracterizar infração ao dever de guardar sigilo, inscrito no inciso VIII do art. 116 da Lei nº 8.112/90; quando o conteúdo é revelado a particulares, tal ato pode caracterizar a infração descrita no inciso IX do art. 132 da Lei nº 8.112/90 (revelação de segredo obtido em razão do cargo). Destaque-se, também, que o servidor tem o dever de guardar, proteger e utilizar a senha que lhe dá acesso aos sistemas, o que poderá implicar inobservância do dever inscrito no inciso I do art. 116 da Lei nº 8.112/90.

No que se refere ao sigilo de informações sobre operações financeiras, o art. 10 do Decreto 4.489, de 28 de novembro de 2002, expressamente determinou a caracterização da infração aqui comentada quando servidor público utilizar ou viabilizar a utilização indevida dessas informações. No art. 11 do mesmo diploma legal, determina-se a responsabilização administrativa pela indevida atribuição, fornecimento ou empréstimo de senha, bem como pelo uso indevido de senha restrita.

 

  • 116, Inciso IV (cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais)

Com fundamento na presunção de legalidade dos atos administrativos, bem como em virtude do poder hierárquico inerente à atividade estatal, os servidores públicos têm o dever de acatar as ordens superiores. Nessa linha, o poder hierárquico estabelece uma relação de subordinação entre os agentes públicos, exteriorizada pelo dever de obediência às ordens e instruções emanadas pelos respectivos supe- riores hierárquicos.

Contudo, à medida que a conduta pública se vincula precipuamente ao princípio da legalidade, as ordens manifestamente ilegais não merecem observância ou cumprimento por parte do servidor. Ressal- te-se, porém, que o servidor não pode fundar-se apenas na suspeita da ilegalidade da ordem para deixar de cumpri-la, sendo indispensável o flagrante descumprimento da lei na emissão do ato superior.

Desta forma, destaca-se que os agentes públicos têm o dever de acatar as ordens de seus superiores, desde que sejam legais, isto é, quando pautadas nos ditames da lei e emitidas de forma legítima (emanada de autoridade competente, respeito às formalidades exigidas e com objeto lícito).

No que tange à responsabilização pela emissão de ato ilegal, há de se ressaltar que o servidor deve possuir condições de perceber a ilegalidade da ordem a ele dirigida. Isto porque, caso o servidor não tenha condições de identificar a ilicitude da ordem – tendo conhecimento somente o superior hierárquico –, apenas este último sofrerá consequências disciplinares.

Do mesmo modo, conforme discutido no item 10.4.2.3, que trata das excludentes de culpabilidade, a coação moral irresistível impulsiona à inexigibilidade de conduta diversa por parte do servidor, o que afasta o terceiro elemento para caracterização da infração disciplinar.

CP – Coação irresistível e obediência hierárquica

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à ordem, não manifes- tamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

No caso de a ordem ser manifestamente ilegal, ou seja, notoriamente auferível como um manda- mento ilícito, o agente subordinado deve recusar seu cumprimento, em respeito à legalidade. Um exemplo disso é a hipótese de um servidor público federal receber ordem de seu superior hierárquico de nomear pessoa para ocupar determinado cargo público em que se exige legalmente provimento por concurso pú- blico (cargo público efetivo), sem que esta tenha prestado qualquer processo seletivo.

 

Na situação colocada, por ser manifestamente contrária ao que prevê a lei, o servidor não poderá cumprir a ordem, sob pena de também ser a ele imputada responsabilidade. Ao contrário, deverá repre- sentar contra a ilegalidade, na forma do dever previsto no art. 116, XII, da Lei nº 8.112/90 (“representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder”).

A propósito da discussão, vale relembrar que o descumprimento de ordem judicial por servidor não incorre em transgressão ao presente dispositivo, pois sua capitulação requer a desobediência a ordens de superiores com vinculação hierárquica. De outro lado, a independência entre as instâncias assegura que o servidor possa ser responsabilizado em qualquer outra seara do direito, mesmo que não haja configuração de ilícito administrativo pelo descumprimento da ordem judicial.

 

  • 116, inciso V (atender com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição

de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal; C) às requisições para a defesa da Fazenda Pública

O mandamento legal é o de que o servidor deve acolher com a máxima rapidez e agilidade às solici- tações emanadas dos Administrados, no exercício do direito constitucional de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal de 1988.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi- leiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

  1. o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
  2. a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; (grifou-se)

A Lei nº 8.112/90 regulamenta esta regra ao prever que deverão ser atendidos com celeridade e prontidão os pedidos de informações realizados por qualquer Administrado, desde que tais informações não se enquadrem no conceito de documentos sigilosos, as solicitações de certidões para a defesa de di- reito ou esclarecimento de interesse pessoal e as requisições da Fazenda Pública, pessoas jurídicas de direto público, para sua defesa em processos judiciais ou administrativos.

Nesse sentido, a morosidade ou injustificada lentidão do servidor em atender aos pedidos de direito configura o ilícito previsto neste dispositivo.

 

  • 116, inciso VI (levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo)

Os servidores têm o dever de lealdade às instituições a que servirem, de acordo com o art. 116, II, da Lei nº 8.112/90, bem como, de forma ampla, ao próprio serviço público e à legalidade dos atos prati- cados. Em atenção ao dever de lealdade e à observância à legalidade administrativa, a lei impõe ao servidor a obrigação de denunciar a ocorrência de quaisquer irregularidades de que tome conhecimento em razão do exercício do cargo público.

Um exemplo desta hipótese normativa é a situação de um servidor público que seja integrante de comissão de licitação de seu respectivo órgão que, presenciando fraude no curso do certame, praticada pelos outros servidores que compõem o colegiado, queda-se inerte e não representa à autoridade superior acerca do fato. Por ter silenciado em não cientificar a autoridade superior da ilicitude que teve ciência, o servidor fere o dever previsto no art. 116, VI, da Lei nº 8.112/90.

 

Deve-se ressaltar que somente será responsabilizado, por infringir este dever, o servidor que even- tualmente tomar conhecimento de irregularidade em virtude do exercício do cargo, não se aplicando à hipótese de ter sabido do fato em situações fora de suas atividades profissionais. Isto é, o dever somente se impõe quando a ciência da ilicitude decorre do exercício das atribuições do cargo.

Repise-se a necessidade de cautela no exercício da representação, pois o mau uso dessa prerrogativa pode incorrer em desvio de finalidade – porquanto represente mera perseguição pessoal –, capitulando no ilícito administrativo de descumprimento ao dever de lealdade.

Nesta hipótese, a comissão deve envidar todos os esforços no sentido de comprovar a má-fé do servidor cuja representação determinou real ou potencial prejuízo a terceiros, antes de impor-lhe sanção com fundamento neste fato isolado. Tal medida se impõe em vista da possibilidade de reparação penal ou civil em face do servidor causador de prejuízo a terceiros face à representação infundada.

De outro lado, vale lembrar que o Estatuto dos Servidores Públicos, em seu art. 126-A, trouxe es- pecial proteção ao servidor que revele atos ilícitos praticados no âmbito da esfera pública no estrito cumpri- mento da sua função pública de representação. Senão vejamos:

Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decorrência do exercício de cargo, emprego ou função pública.

  • 116, inciso VII (zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público)

Em princípio, o Estatuto prevê dois deveres diversos neste mesmo inciso. O primeiro é o zelo pela economia do material, o que nos remete à classificação de uma conduta culposa. Deve o servidor ter o devido cuidado e interesse em economizar, em gastar, com moderação e parcimônia, o material de expe- diente de sua repartição. A regra impõe a obrigação de que seja evitado, ao máximo, o desperdício dos materiais de consumo da unidade, bens de uso ordinário e habitual (Exemplo: papéis, canetas e os diversos materiais de pronto uso, necessários ao cumprimento das atividades públicas).

Além disso, o servidor deve conservar o patrimônio público. Este abrange o anterior, pois o termo “patrimônio público” alcança tanto os bens de uso diário (material de expediente), quanto os bens que com- põem o acervo permanente da unidade, os bens duráveis (Exemplo: veículo, imóvel, móveis catalogados, etc.). O servidor deve empreender esforços para preservar e defender o patrimônio público, evitando dilapidação gratuita e prejuízo ao erário.

Para caracterização da conduta disposta neste inciso, será necessária a comprovação de conduta ob- jetivamente aferível do servidor que indique o desleixo e o malbaratamento do patrimônio público, bem como a demonstração da presença do elemento culposo. Na hipótese de ato doloso, a conduta poderá ser subsumida nas condutas previstas no art. 117, XVI, ou no art. 132, X, ambos da Lei nº 8.112/90.

Recomenda-se que o processo disciplinar somente deva ser instaurado nos casos em que o prejuízo ao patrimônio público seja significativo, não ocorrendo infração disciplinar quando a conduta culposa do servidor atingir bens de valor ínfimo, como um grampeador ou uma caneta, em atenção ao princípio da in- significância. Ainda, quando a conduta caracterizar infração de menor potencial ofensivo deverá ser adotado, no âmbito do Poder Executivo Federal, o procedimento previsto na Instrução Normativa CGU nº 4/2020, que prevê o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), conforme já tratado neste Manual (item 7.3).

  • 116, inciso VIII (guardar sigilo sobre assunto da repartição)

A norma prevê o dever do servidor de não revelar a terceiros todo e qualquer assunto que diga res- peito às atividades internas da repartição em que exerce sua função.

 

Na lição de Léo da Silva Alves:

Guardar sigilo, como está nos estatutos, tem o sentido de evitar que os servidores espalhem informa- ções em prejuízo à segurança e à regularidade dos serviços. Aqui, o agente não está atendendo ao interesse objetivo de um cidadão, mas levando gratuitamente informações a terceiros, muitas vezes comprometendo a eficácia de ações públicas.194

Esta norma visa preservar os assuntos internos à repartição (afetos exclusivamente à repartição), que não podem ser divulgados para o público em geral.

Considerando a normatização mais gravosa trazida pelo art. 132, IX (conduta de revelar segredo do qual se apropriou em razão do cargo), é oportuno que a comissão avalie o elemento subjetivo da conduta.

Nas específicas hipóteses de quebra do sigilo dos documentos protegidos pelo regime de sigilo nos termos da Lei nº 12.527/2011, bem como dos dados protegidos por sigilo bancário, fiscal e telefônico, a eventual violação ao dever poderá configurar o crime contra a Administração Pública, previsto no art. 325 do Código Penal (Violação de sigilo funcional). Nessa esteira, o servidor incorrerá nas condutas previstas no art. 132, I, da Lei nº 8.112/90 (crime contra a Administração Pública) ou no art. 132, IX, do mesmo diploma, quando implicar em revelação de segredo de que se tenha apropriado em razão do cargo.195

A conduta em questão somente será configurada na modalidade culposa, quando por ato negligente ou imperito, o servidor venha a revelar segredo da repartição de que tenha conhecimento. Caso seja constatado o dolo do agente, má-fé na revelação ou divulgação do segredo de que devia guardar sigilo, o enquadramento legal passará a ser o previsto no citado art. 132, IX, da Lei nº 8.112/90 (conduta de revelar segredo do qual se apropriou em razão do cargo).

Ao passo que a conduta prevista no art. 116, VIII, do Estatuto refere-se ao dever de sigilo quanto a fatos que digam respeito ao ambiente da repartição, envolvendo assuntos formais ou mesmo informais do órgão, o tipo disciplinar insculpido no art. 132, IX, da Lei nº 8.112/90 é bastante específico, alcançando apenas a quebra de segredo de que se tenha apropriado em razão do cargo, como, por exemplo, a reve- lação indevida de dados protegidos por sigilo fiscal, bancário ou telefônico.

Ultrapassado o critério subjetivo, vale destacar a edição da Lei nº 12.527/2011 (lei de Acesso à In- formação), que regulamenta o tratamento a ser dado ao direito de petição constitucionalmente protegido diante das informações qualificadas como públicas.

Ao estabelecer as específicas hipóteses autorizadoras de quebra de sigilo documental, na mesma linha, a Lei nº 12.527/2011 prevê a configuração de conduta ilícita e consequente responsabilização do agente público que incorrer nos casos previstos em seu art. 32, sendo a ele aplicável, no mínimo, a penali- dade de suspensão. Senão vejamos:

Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar: (…)

II – utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conheci- mento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função pública; (…)

IV – divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal;

  • 1º. Atendido o princípio do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, as condutas descritas no caput serão consideradas: (…)

II – para fins do disposto na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e suas altera- ções, infrações administrativas, que deverão ser apenadas, no mínimo, com suspensão, segundo os critérios nela estabelecidos.

194           ALVES, 2008, p. 86.

195           COSTA, 2009, p. 331

 

  • 2º. Pelas condutas descritas no caput, poderá o militar ou agente público responder, também, por improbidade administrativa, conforme o disposto nas Leis nº 1.079, de 10 de abril de 1950, e nº 8.429, de 2 de junho de 1992. (grifou-se)

À luz do normativo em destaque, que trata especificamente de condutas ilícitas e as equipara às infrações administrativas encartadas na Lei nº 8.112/90, pode-se inferir, por meio de uma interpretação teleológica, que o legislador não teve a intenção de alterar o conteúdo do Estatuto dos Servidores Públicos, mas tão-somente “qualificar” atos infracionais relacionados à informação pública.

Ora, a Lei nº 12.527/2011 dispõe sobre o tratamento a ser dispensado às informações qualificadas como públicas pela autoridade competente. Ainda, define o modo por meio do qual o cidadão poderá exercer seu direito de petição e, por fim, obter acesso à informação de seu interesse.

Logo, para a caracterização das infrações capituladas na legislação em apreço, é pressuposto formal que tenha sido realizado pedido formal de acesso à informação por cidadão, recaindo o dever de proteção da informação tida como restrita em todos os níveis de apreciação da petição. Portanto, ao fazer referência às infrações descritas na Lei nº 8.112/90, entende-se que a comissão deverá, nos casos em que houve revelação de informação indevidamente, apreciar se esta ocorreu em decorrência de um pedido de acesso à informação.

Nessa esteira, havendo a revelação imprópria de informação no curso da análise do pedido de acesso, a comissão deverá aplicar, no mínimo, a penalidade de suspensão – mesmo que se enquadre no art. 116, VIII, da Lei nº 8.112/90.

 

  • 116, inciso IX (manter conduta compatível com a moralidade administrativa)

Os servidores devem pautar suas condutas por padrões éticos elevados. Não se trata de respeito à moralidade comum imposta pela sociedade atual, mas do atendimento a um padrão específico, denomi- nado de moralidade administrativa. Tal regra foi erigida ao status de princípio constitucional, em atenção à previsão disposta no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988.

O conceito de moralidade em sentido amplo abarca todas as condutas externas do indivíduo no grupo social no qual está inserido. Plácido e Silva conceitua nos seguintes termos o ato imoral no sentido mais genérico:

IMORAL. Formado de moral, regido pelo prefixo negativo in, quer o vocábulo qualificar tudo o que vem contrariamente à moral ou aos bons costumes ou que é feito em ofensa a seus princípios. Assim, em relação à moral, o imoral está na mesma posição do ilícito em relação à lei. O ato imoral diz-se imoralidade, o que representa toda ofensa ou atentado ao decoro ou à decência pública, bem como todo ato de desonestidade ou de improbidade196.

De outro lado, é oportuno trazer à baila a lição da professora Di Pietro, que conceitua especifica- mente moralidade administrativa:

Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Admi- nistração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em con- sonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa197. (grifou-se)

Nesse sentido, a moralidade a que o servidor deve alinhar-se é aquela interna à Administração Pú- blica, vinculada ao exercício de suas funções, isto é, associada ao exercício do cargo público, à função pública. Os atos da vida privada que não repercutam direta ou indiretamente na vida funcional do servidor não ferem a moralidade administrativa, apesar de, em tese, violarem a moralidade comum do seio social.

196           SILVA, 2010, p. 414.

197           DI PIETRO, 2006, p. 78.

 

Assim, possível descumprimento de regra da moral privada não significa, por si só, violação à moralidade administrativa. Ressalta-se que tais condutas privadas podem ser censuráveis nos códigos de ética funcional, mas não na via disciplinar.

Diversos tipos de conduta indisciplinar previstos na Lei nº 8.112/90, em seus arts. 116, 117 e 132, têm como um dos seus fundamentos a violação ao princípio da moralidade administrativa. Por conseguinte, a subsunção de determinada conduta do agente no inciso IX do art. 116 somente deverá ser realizada se o ato infracional não configurar enquadramento mais específico, posto ser este dispositivo de aplicação subsi- diária ou residual.

Uma vez que o dispositivo admite prática de ato doloso ou culposo, é necessária avaliação minuciosa da possível finalidade do ato praticado, visando ao enquadramento adequado às espécies legalmente defi- nidas. Tanto é que, na hipótese de a conduta configurar ato de improbidade administrativa, na esteira dos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, o enquadramento do ilícito disciplinar será o previsto no inciso IV do art. 132 da Lei nº 8.112/90.

Desse modo, as condutas da vida externa do servidor desvinculadas da função pública não são pas- síveis de sanção disciplinar, podendo receber censura apenas nos códigos de ética profissionais (no serviço público federal, vale o Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994 – Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal). De forma diversa, caso a conduta infracional ofenda ao princípio da moralidade administrativa, poderá ser enquadrada neste inciso IX do art. 116 do Estatuto ou em outras disposições disciplinares da lei, caso configure conduta específica do tipo.

 

  • 116, inciso X (ser assíduo e pontual ao serviço)

É o dever de comparecimento ao local de trabalho nos dias e horários preestabelecidos. Em geral, as normas que cuidam da jornada de trabalho em âmbito federal remetem o tema à regulamentação interna, de modo que os dirigentes máximos de cada órgão ou entidade são os responsáveis por estabelecer o horário de funcionamento das respectivas pastas, obedecidos os parâmetros traçados pela Lei nº 8.112/90.

O dispositivo especifica dois deveres autônomos, quais sejam, ser assíduo e pontual, o que significa que a infração disciplinar se consuma com a inobservância de qualquer um deles. No contexto da norma acima transcrita, ser assíduo é qualidade de quem comparece com regularidade e exatidão ao lugar onde tem de desempenhar suas funções198. Já a pontualidade está relacionada à precisão no cumprimento do horário de trabalho199.

A mera existência de faltas ou atrasos do servidor, desde que justificados, não configura o ilícito fun- cional em tela. Para que tais condutas produzam efeitos disciplinares, é necessário que o agente atrasado ou faltoso não apresente justificativa, ou que ela, uma vez apresentada, não seja acatada pela chefia imediata, que, neste caso, deverá expor os motivos da recusa.

A rigor, faltas e atrasos injustificados devem gerar os respectivos descontos na remuneração do ser- vidor e não autorizam compensação em dias ou horários posteriores. É o que dispõe o artigo 44 da Lei nº 8.112/90. Importante ressaltar que a efetivação de tais descontos não afasta a incidência da infração disci- plinar. Da mesma forma, falta ou atraso injustificado, ainda que seguido de compensação, não elide a ofensa ao dever de assiduidade/pontualidade.

Da literalidade da norma inscrita no inciso X do Estatuto Disciplinar, extrai-se que não existe tole- rância para a inassiduidade ou impontualidade do servidor público federal. Assim, ao menos em tese, uma única falta ou atraso injustificado autorizaria a incidência da norma, a depender da análise do caso concreto. Recomenda-se, todavia, que o enquadramento no inciso em questão seja reservado aos comportamentos reiterados, tendo em conta que o verbo “ser” sugere certa repetição de conduta.

 

 

  • FERREIRA,

 

O dever de assiduidade previsto no inciso X do artigo 116, da Lei nº 8.112/90, não se confunde com a inassiduidade habitual, infração grave, capitulada no artigo 132, III, da mesma lei, cujos requisitos de configuração constam do art. 139. Também não se deve confundir o dever de pontualidade com a proibição de ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato (art. 117, I, Lei nº 8.112/90). Embora se reconheça que o servidor que porventura incida nesta última proibição também estaria afrontando o dever de pontualidade, a distinção deve ser feita à luz da frequência em que os fatos são registrados. Se o comportamento for isolado, não havendo reiteração de atos, afasta-se a aplicação do inciso X do artigo 116, Lei nº 8.112/90, e o enquadramento deve ser feito no artigo 117, I, já que este não pressupõe reiteração de conduta.

Por fim, a inassiduidade do servidor, se verificada em razão da adesão deste a movimentos grevistas, não importa em ofensa ao artigo 116, X, a menos que a greve seja declarada ilegal pelo Poder Judiciário e o servidor se recuse a retornar ao trabalho. Sobre o tema “assiduidade e pontualidade” destacam-se as seguintes normas e orientações normativas:

  1. Decreto nº 590, de 10 de agosto de 1995 – Dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais;
  2. Decreto nº 867, de 17 de abril de 1996 – Dispõe sobre instrumento de registro de assiduidade e pontualidade dos servidores públicos federais da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional;
  3. Formulação-Dasp nº 147. Impontualidade: As entradas com atraso e as saídas antecipadas, legitimamente tais, não são conversíveis para nenhum efeito, em faltas ao serviço; e
  4. Lei nº 8.112/90 – Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais (artigos 19 e 44).

 

  • 116, inciso XI (tratar com urbanidade as pessoas)

O inciso exige dos servidores a adoção de postura compatível com o desempenho da função pública. É que uma vez no exercício das atribuições relativas ao seu cargo, os atos praticados pelo servidor são atribuídos ao próprio Estado, daí a exigência de observância de determinados padrões de comportamento.

Urbanidade é sinônimo de cortesia, afabilidade200. No âmbito do estatuto funcional, significa que os servidores devem agir de forma respeitosa no trato com as pessoas com quem tenham contato no exercício de suas atividades, aí abrangidos os colegas de trabalho, superiores, subordinados e os particulares.

Para que o ilícito funcional se consume, é necessário que a conduta seja praticada por servidor no exercício de suas atribuições. Assim, o inciso em questão não abarca o comportamento do servidor no âm- bito de sua vida privada. Também não se exige do servidor polidez excessiva, mas, conforme dito, apenas que cumpra suas atribuições com acatamento e respeito.

Não existe forma definida para a configuração do ilícito funcional em tela. Isso significa que a falta de urbanidade pode ocorrer de forma verbal, escrita ou até mesmo gestual, podendo alcançar, inclusive, os signatários de documentos oficiais.

Da literalidade do dispositivo, extrai-se que o dever em questão é incondicional, sendo que, a rigor, sua observância é obrigatória, ainda que o servidor tenha sido ofendido anteriormente, é dizer, não se tolera a falta de urbanidade, mesmo quando praticada a título de revide.

  • 116, inciso XII (representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder)

O dispositivo visa tutelar a probidade no serviço público, incumbindo os próprios servidores de fisca- lizar o uso regular dos poderes administrativos. Em muito se assemelha ao dever arrolado no inciso VI do

 

artigo 116 do estatuto funcional, mas com ele não se confunde. É que enquanto aquele dispositivo estabe- lece um dever genérico de representação, o inciso em tela trata especificamente do dever de o servidor representar contra autoridade que lhe seja hierarquicamente superior.

A representação é o instrumento que permite ao servidor viabilizar o cumprimento de tal dever e constitui-se em peça escrita, sem maiores exigências formais, bastando que dela conste a narrativa clara dos fatos que envolvam a suposta ilegalidade, omissão ou abuso de poder.

A norma em questão abrange três situações. A primeira delas é a ilegalidade, assim entendida como qualquer ato que desrespeite as normas legais e regulamentares a que os servidores estejam submetidos. Desse modo, o termo “ilegalidade” deve ser entendido em seu sentido amplo, abrangendo não apenas a ofensa às leis, mas também os atos administrativos normativos em geral (decretos, resoluções, portarias, regimentos, etc.).

Já a omissão é o não fazer aquilo que juridicamente se devia fazer. De se notar, pois, que, sob o ponto de vista disciplinar, a omissão do superior hierárquico só é relevante quando desrespeita normas e princípios jurídicos, o que significa que, a rigor, omissões relativas a deveres morais do superior hierárquico não geram o dever de representar.

Finalmente, o abuso de poder é o gênero que tem como espécies o excesso de poder (“quando o agente público exorbita de suas atribuições”201) e o desvio de finalidade (pratica ato com inobservância do interesse público ou com objetivo diverso daquele previsto explícita ou implicitamente na lei”202).

Ademais, forçoso observar que a consumação da infração disciplinar ocorre no momento em que o servidor, ao ter conhecimento do ato ilegal, omisso ou abusivo, abstém-se de representar em desfavor do seu superior hierárquico.

Por fim, entende-se haver a violação desse dever funcional apenas nos casos em que o servidor tenha consciência da ilegalidade, omissão ou abuso decorrente do ato praticado pelo superior hierárquico; e, mesmo diante da ciência da irregularidade de tal fato, abstenha-se de representar (dolo).

 

  • Infração às Proibições

O art. 117 da Lei nº 8.112/90 prevê uma série de condutas que são vedadas aos servidores públicos. Parte delas constituem as chamadas infrações leves, sujeitas que estão às penalidades de advertência ou suspensão (incisos I a VIII e XIX), conforme autoriza o art. 129. Já os incisos IX a XVI, por sua vez, são infra- ções sujeitas à pena de demissão (graves), e, por fim, os incisos XVII e XVIII são apenados com suspensão (médias).

Neste ponto, vale ressaltar que a atuação da autoridade administrativa na dosimetria da penalidade deve considerar o que informa o art. 128 do Estatuto dos Servidores Públicos:

Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou ate- nuantes e os antecedentes funcionais.

Logo, a autoridade julgadora deverá utilizar-se dos critérios previstos no art. 128 visando compatibi- lizar a reprimenda com a infração cometida, a fim de subsidiar o agravamento previsto na parte final do art. 129, o qual autoriza a aplicação de penalidade de suspensão mesmo nos casos em que houve a violação dos dispositivos correspondentes à pena de advertência.

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave. (grifou-se)

 

201           DI PIETRO, 2006, p. 239.

202           Idem, p. 242.

 

Isto posto, seguem breves comentários sobre cada uma das infrações previstas no art. 117.

  • 117, inciso I (ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato)

Conforme disciplina o art. 19 da Lei nº 8.112/90, regulamentado pelo Decreto nº 1.590/95, os servi- dores cumprirão a jornada de trabalho fixada para seu cargo, a qual, em regra, é de oito horas diárias, sendo que os ocupantes de cargos ou função de confiança se sujeitam ao regime de dedicação integral.

Com o objetivo de tutelar o cumprimento desta jornada de trabalho, e bem assim assegurar o res- peito à hierarquia e o bom funcionamento da atividade administrativa, a lei pune a conduta do servidor que deixa seu local de trabalho, abandonando o serviço durante a sua jornada diária, sem autorização de seu superior hierárquico.

O art. 117, inciso I, constitui um complemento em relação à previsão do art. 116, inciso X, que impõe aos servidores o dever de “ser assíduo e pontual ao serviço”, punindo, além do descumprimento do horário de trabalho (pontual) e faltas (assíduo), também as saídas injustificadas durante o expediente.

Diferentemente do art. 116, inciso X, é possível caracterizar a proibição prevista no art. 117, inciso I, mesmo diante de um único ato, não sendo necessário que as saídas injustificadas tenham sido reiteradas. Relembre-se, contudo, que o objetivo da norma é proteger a hierarquia e o funcionamento da repartição, não se configurando infração disciplinar quando não haja efetiva ofensa a estes preceitos, como no caso de pequenos incidentes normais no cotidiano da Administração Pública.

Ocorrendo ofensa ao art. 117, inciso I, deve o chefe imediato além de adotar as providências com vistas à responsabilização disciplinar do servidor, realizar o corte do ponto, a fim de que seja descontada a parcela da remuneração diária proporcional à ausência, nos termos do art. 44, inciso II, da Lei nº 8.112/90.

 

  • 117, inciso II (retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição)

A norma veda ao servidor público a retirada de qualquer bem da repartição sem prévia autorização, no intuito de manter os objetos e documentos públicos no ambiente de trabalho e à disposição daqueles legitimamente interessados (servidores e administrados), bem como de evitar o uso particular dos referidos bens.

Deve-se atribuir sentido amplo à expressão “qualquer documento ou objeto da repartição”, abran- gendo equipamentos, mobiliário, veículos e processos administrativos que estejam à disposição do serviço, entre outros.

Quando o servidor obtém anuência da autoridade competente para retirar o objeto da repartição, mas o intuito é de utilizar o bem com ofensa ao interesse público, ou sem a intenção de restituí-lo, pode-se configurar uma das infrações disciplinares previstas nos arts. 117, IX e XVI (valimento do cargo e utilização de recursos públicos para fins particulares) ou art. 132, IV e X (improbidade administrativa e dilapidação do patrimônio).

Assim, apesar de o inciso não esclarecer acerca do ânimo subjetivo (dolo ou culpa) necessário à sua configuração, resta ao responsável pelo enquadramento atuar com razoabilidade, especialmente diante de conduta culposa do agente. Pois, pela leitura do inciso, a retirada de documentos para a execução de tra- balhos em casa, sem anuência, e havendo restituição posterior, em tese, resultaria na subsunção à norma.

 

Neste sentido, vale citar a Formulação Dasp nº 82, que interpretando dispositivo idêntico previsto no antigo Estatuto do Funcionário (Lei nº 1.711/52), sustenta que “a infração prevista no item II do art. 195 do Estatuto dos Funcionários pressupõe a intenção de restituir”.

 

  • 117, inciso III (recusar fé a documentos públicos)

Nos termos do art. 19, inciso II, da Constituição Federal, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “recusar fé aos documentos públicos”. Dando efetividade ao disposto na Cons- tituição, a Lei nº 8.112/90 prescreve ser proibido a todo servidor negar a veracidade e legitimidade dos documentos públicos.

O dispositivo tutela tanto a relação entre Entes Federativos (que entre eles não haja distinções quanto à validade dos documentos emitidos), quanto a celeridade no atendimento dos interesses dos administrados.

É claro que se o documento público apresentar indícios de falsidade, como rasuras e alterações grosseiras, ou ainda se for apresentada cópia não autenticada, inviável a responsabilização do servidor que justificadamente recusou o documento, por suspeitar de que não se tratava de documento legítimo.

  • 117, inciso IV (opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço)

A partir da posse no cargo público, o servidor assume um conjunto de atribuições, as quais deve exercer sempre atento às normas e regulamentos vigentes, bem como aos princípios que informam a ati- vidade administrativa.

Nessa esteira, a primeira parte do dispositivo busca impedir que o servidor público, utilizando-se dessa condição, imponha obstáculos ao regular andamento de documento ou processo no âmbito da re- partição pública. Do mesmo modo, proíbe a imposição de requisitos os quais impeçam o administrado de exercitar seu direito de peticionar junto à Administração Pública.

Ainda, o inciso veda a atuação morosa do servidor – da qual resulte ou não prejuízo ao administrado

–, desde que não haja justificativa para a lentidão no cumprimento de suas obrigações em face do docu- mento ou processo.

A última parte do inciso refere-se ao exercício do poder hierárquico. Isto é, o servidor não pode opor-se injustificadamente à execução de serviço conferido a ele por seu superior hierárquico; remanes- cendo, contudo, destaque quanto ao dever de não cumprimento de ordem manifestamente ilegal previsto no art. 116, inciso IV, da Lei nº 8.112/90.

 

  • 117, inciso V (promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição)

Pune-se o servidor que, no local de trabalho, age de forma a perturbar a ordem da repartição, por meio de manifestações excessivas de admiração ou menosprezo em relação aos colegas ou demais pessoas com quem se relaciona no exercício do cargo.

Elogios ou críticas são normais no ambiente de trabalho, não sendo vedadas pela norma. O que o dispositivo protege é a boa ordem da repartição, e não a manifestação de opiniões ou a discussão de fatos e temas inerentes à repartição.

Por local de trabalho entende-se o recinto físico do órgão ou entidade, bem como o disponibilizado pelos meios digitais de comunicação online.

Por fim, cabe ressaltar que o inciso merece cuidado, para fins de enquadramento é importante ob- servar se a manifestação de que trata o dispositivo incorreu na obstrução do atendimento ao público, bem

 

como se a conduta foi praticada no exercício das atribuições, ou tem relação com as atribuições do cargo em que o agente público se encontre investido, conforme disposto no art. 148 da Lei nº 8.112/90

 

  • 117, inciso VI (cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado)

A norma proíbe o servidor de transferir tarefas próprias de agentes públicos – suas ou de seus subor- dinados – a terceiros que não integram os quadros da Administração Pública, excetuados os casos expres- samente previstos em lei.

A conduta prevista neste inciso é afastada diante da impossibilidade de cumprimento da obrigação pelo servidor de forma pessoal, momento em que pode necessitar do auxílio de terceiros para a conclusão da atividade.

Da mesma forma, , quando o servidor atribui à pessoa estranha à Administração encargo que não esteja na competência de cargo público, não se configura a infração.

 

  • 117, inciso VII (coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político)

O dispositivo veda a conduta do chefe que constrange os subordinados, por meio de ameaças, pro- messas de favorecimento, ou qualquer tipo de opressão envolvendo o uso irregular do poder hierárquico, a fim de que aqueles se filiem à associação profissional ou sindical, ou a partido político.

Da leitura do dispositivo, percebe-se que a infração só pode ser cometida pelo servidor que detém ascendência hierárquica em relação a outros agentes públicos. De outro lado, a norma não proíbe meros convites ou a exposição de opinião em relação à entidade profissional ou sindical, ou a partido político.

Deve-se tomar cuidado também para não caracterizar como infração atos da vida privada do servidor. Com efeito, esta infração pressupõe a utilização da hierarquia como forma de pressão para que o subordi- nado se sinta constrangido, afastando-se a infração se a conduta ocorreu de forma totalmente desvinculada do exercício do cargo público.

 

  • 117, inciso VIII (manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil)

Trata-se de norma que busca proteger a impessoalidade e a moralidade na relação entre chefes e subordinados, proibindo situações que possam ocasionar confusão entre assuntos da repartição e as rela- ções familiares (princípio da impessoalidade), e bem assim impedindo favoritismo, em especial o nepotismo (princípio da moralidade).

A esse respeito, mesmo antes da publicação do Decreto nº 7.203, de 4 de junho de 2010, que trata da vedação ao nepotismo na Administração Pública federal, a jurisprudência caminhava no sentido de repudiar a prática ilícita, inclusive a condenando como ato de improbidade administrativa. Senão vejamos:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – NEPOTISMO – VIO- LAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – OFENSA AO ART. 11 DA LEI 8.429/1992

– DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO. (…)

  1. Hipótese em que o Tribunal de Justiça, não obstante reconheça textualmente a ocorrência de ato de nepotismo, conclui pela inexistência de improbidade administrativa, sob o argumento de que os serviços foram prestados com ‘dedicação e eficiência’.

 

  1. O Supremo Tribunal, por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12/ DF, ajuizada em defesa do ato normativo do Conselho Nacional de Justiça (Resolução 7/2005), se pronunciou expressamente no sentido de que o nepotismo afronta a moralidade e a impessoalidade da Administração Pública.
  2. O fato de a Resolução 7/2005 – CNJ restringir-se objetivamente ao âmbito do Poder Judiciário, não impede – e nem deveria – que toda a Administração Pública respeite os mesmos princípios constitu- cionais norteadores (moralidade e impessoalidade) da formulação desse ato
  3. A prática de nepotismo encerra grave ofensa aos princípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 429/1992.
  4. Recurso especial

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.009.926/SC. Relatora: Ministra Eliana Calmon, pu- blicado em 10/2/2010)

Seguindo o clamor social pelo resgate à moralidade administrativa, em 2008, o STF editou a Súmula Vinculante nº 13203, ampliando as hipóteses de vedação ao nepotismo (direto ou cruzado) e vinculando toda a Administração Pública federal à obediência de sua aplicação.

Nessa esteira, visando regular a forma como seria tratada a matéria no âmbito do Poder Executivo Federal, editou-se o Decreto nº 7.203/10, o qual tratou do nepotismo no âmbito da Administração Pública federal.

Art. 3º. No âmbito de cada órgão e de cada entidade, são vedadas as nomeações, contratações ou designações de familiar de Ministro de Estado, familiar da máxima autoridade administrativa corres- pondente ou, ainda, familiar de ocupante de cargo em comissão ou função de confiança de direção, chefia ou assessoramento, para:

  • – cargo em comissão ou função de confiança;
  • – atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público, salvo quando a contra- tação tiver sido precedida de regular processo seletivo; e
  • – estágio, salvo se a contratação for precedida de processo seletivo que assegure o princípio da isonomia entre os
  • 1º. Aplicam-se as vedações deste Decreto também quando existirem circunstâncias caracteri- zadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal.
  • 2º. As vedações deste artigo estendem-se aos familiares do Presidente e do Vice-Presidente da República e, nesta hipótese, abrangem todo o Poder Executivo Federal.
  • 3º. É vedada também a contratação direta, sem licitação, por órgão ou entidade da administração pública federal de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção, familiar de detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela de- manda ou contratação ou de autoridade a ele hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão e de cada entidade.

Estabelecidos os critérios de vedação, em seu art. 4º, inciso I, o Decreto tratou da exceção aplicável aos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo. Senão vejamos:

Art. 4º Não se incluem nas vedações deste Decreto as nomeações, designações ou contratações:

 

  • Súmula Vinculante STF nº 13 – A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição

 

I – de servidores federais ocupantes de cargo de provimento efetivo, bem como de empregados fe- derais permanentes, inclusive aposentados, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo ou emprego de origem, ou a compatibilidade da atividade que lhe seja afeta e a complexidade inerente ao cargo em comissão ou função comissionada a ocupar, além da qualificação profissional do servidor ou empregado;

Interpretando-se o disposto no art. 4º do referido decreto, infere-se que a proibição contida no inciso VIII, do art. 117, da Lei nº 8.112/90, alcança somente os ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança, sendo legalmente aceitável a subordinação de familiar ou parente, desde que este ocupe cargo de provimento efetivo.

Vale ressaltar, ainda, que a redação do dispositivo limita a proibição aos casos de relações de paren- tesco entre chefe imediato e subordinado, não se aplicando quando há um chefe intermediário entre os servidores que sejam parentes, nem entre colegas do mesmo nível hierárquico.

Diante do exposto, cumpre-nos destacar que o dispositivo em questão estabelece como vínculo familiar, para os fins a que se destina, “cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil”.

Contudo, a Súmula Vinculante STF nº 13 e o Decreto nº 7.203/10 ampliam as hipóteses de vedação à subordinação nos termos do que define como familiar:

Art. 2º. Para os fins deste Decreto considera-se:

(…)

III – familiar: o cônjuge, o companheiro ou o parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau.

Nessa linha, a comissão deve se limitar ao “tipo” descrito na Lei nº 8.112/90 quando recomendar o enquadramento neste dispositivo, lembrando-se que, a sua transgressão somente poderá ensejar as pena- lidades de advertência ou suspensão.

Portanto, pode-se dizer que se aplica a casos nos quais seja verificada conduta culposa do chefe imediato, pois, segundo o entendimento da jurisprudência pátria, havendo o dolo genérico na prática de nepotismo, o servidor incorrerá, inclusive, em improbidade administrativa – acarretando pena de demissão.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. CÂMARA MUNICIPAL. FILHA DE VEREADOR. PRESIDENTE. DOLO GE- NÉRICO CARACTERIZADO. RESTABELECIMENTO DA CONDENAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU. ART. 11 DA LEI Nº 8.429/1992.

  1. O nepotismo caracteriza ato de improbidade tipificado no 11 da Lei nº 8.429/1992, sendo atentatório ao princípio administrativo da moralidade.
  2. Dolo genérico consistente, no caso em debate, na livre vontade absolutamente consciente dos agentes de praticar e de insistir no ato ímprobo (nepotismo) até data próxima à prolação da sentença.
  3. Não incidência da Súmula 7/STJ.
  4. Recurso especial conhecido em parte e provido também em

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.286.631/MG. Relator: Ministro Castro Meira, publi- cado em 22/8/2013)

Ademais, forçoso observar a viabilidade de se realizar o enquadramento no dispositivo que trata de “valimento de cargo” (art. 117, IX), ao passo que, a depender do caso concreto e do elemento subjetivo da prática (dolo), o ato de manter familiar sob a chefia imediata pode caracterizar e ensejar medida expulsiva.

A Lei nº 8.112/90 faz referência, exclusivamente, à vedação de manter familiar ou parente sob a chefia imediata. Contudo, não se pode esquecer das hipóteses de “nepotismo cruzado”, comumente ocor-

 

ridas no âmbito da administração pública, bem como as hipóteses de nomeação para funções de confiança (exclusivas de servidor efetivo).

Acerca desse item, o Decreto nº 7.203/10 é contundente:

  • 1º. Aplicam-se as vedações deste Decreto também quando existirem circunstâncias caracteri- zadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal.

Entende-se, porém, que, na ausência de previsão legal no Estatuto dos Servidores Públicos acerca dessa prática imoral, a comissão pode vincular o fato irregular a diversos enquadramentos – desde violação de dever funcional ao valimento de cargo –, a depender da existência ou não do dolo.

 

  • 117, inciso IX (valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública)

A proibição prevista neste dispositivo busca punir as condutas dos servidores públicos que agem de forma contrária ao interesse público, valendo-se do seu cargo ou da sua condição de servidor público para atender interesse privado, em benefício próprio ou de terceiro.

Este inciso prescreve um dever moral diretamente vinculado ao exercício da função pública. Portanto, para que seja definitivamente configurado o valimento de cargo (aqui tratado com esta nomenclatura para fins didáticos), a comissão deverá observar a intencionalidade e consciência do ato infracional, uma vez que é imprescindível a configuração da sobreposição do interesse particular ao público.

Ao analisarmos o “tipo”, observa-se que o servidor deverá valer-se do seu cargo, bem como das prerrogativas a ele inerentes, em busca de obter proveito próprio ou de outrem. Logo, a prática irregular aqui descrita vincula-se essencialmente ao cargo, pois somente servidor investido na função pública será capaz de utilizar-se dessa condição para auferir proveito próprio ou a outrem em detrimento do interesse público.

A conduta praticada pelo infrator tanto pode ser inerente às suas atribuições legais, caracterizando desvio de função, quanto o servidor pode se valer da sua posição de agente público e, simulando deter competência, praticar ato contrário ao interesse público.

A infração prevista no art. 117, inciso IX, tem natureza dolosa, isto é, só se configura se o agente age com consciência e vontade de estar se valendo do cargo para benefício próprio ou de terceiro. No caso de o agente praticar ato contrário ao interesse público de forma culposa, pode estar cometendo outra infração, como, por exemplo, o descumprimento do dever previsto no art. 116, inciso III, da Lei nº 8.112/90 (ob- servar as normas legais e regulamentares).

Importante frisar que o benefício perseguido pelo agente público tanto pode ser para si mesmo, quanto para terceiros. No caso de benefício a terceiros, não importa se este terceiro prometeu ou não re- tribuição ao favor, simplesmente porque o dispositivo assim não exige; o que importa em dizer que estamos diante de um ilícito de natureza formal.

Portanto, a infração ocorre independentemente de o servidor ter auferido o benefício para si ou para outrem, isto é, para a caracterização do ilícito não é necessário demonstrar o prejuízo da Administração ou o efetivo benefício do servidor, bastando que ele tenha praticado a irregularidade com este objetivo.

A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando a orientação de que o ilícito aqui repor- tado dispensa o recebimento de qualquer vantagem financeira por parte do servidor infrator, sedimentando a natureza formal do ilícito. Senão vejamos:

O ilícito administrativo de valer-se do cargo para obter para si vantagem pessoal em detrimento da dignidade da função pública, nos termos do art. 117, IX da Lei nº 8.112/90 é de natureza formal, de sorte que é desinfluente, para sua configuração, que os valores tenham sido posteriormente resti-

 

tuídos aos cofres públicos após a indiciação do impetrante; a norma penaliza o desvio de conduta do agente, o que independe dos resultados

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 14.621/DF. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, publicado em 30/6/2010)

Ademais, é forçoso observar que a desnecessidade de obtenção de vantagem financeira pelo servidor também alcança o terceiro cuja vantagem fora atribuída. Isto é, nesta hipótese de concessão de benefício a terceiro, a comissão deverá comprovar somente o liame entre a vantagem ilegítima – seja ela de qualquer espécie – e o uso irregular do cargo público pelo agente responsável.

Não obstante não seja tarefa fácil comprovar o auferimento de vantagem decorrente do exercício irregular da função pública, a comissão deve observar as regulamentações atinentes à atividade desenvol- vida pelo servidor. Ora, uma vez que o servidor somente pode atuar nos estritos limites da legalidade, a transgressão de normativos reguladores da sua função poderá indicar a violação deste dispositivo; desde que observados os elementos caracterizadores do valimento de cargo.

Logo, para fins de enquadramento, a comissão deverá observar a gravidade do ato tido como irre- gular, bem como as consequências dele decorrentes, para que, a depender desses elementos, possa pon- derar por capitulação mais gravosa como a improbidade administrativa, por exemplo.

 

  • 117, inciso X (participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário)

Ao servidor público federal é proibido atuar como gerente ou administrador de sociedade privada ou exercer o comércio, observadas as exceções legalmente admitidas. À luz do referido dispositivo, apon- tam-se dois objetos que são protegidos por esta norma:

  1. a dedicação e compromisso do servidor para com o serviço público; e
  2. a prevenção de potenciais conflitos de interesse entre os poderes inerentes ao cargo público e o patrimônio particular dos servidores, já que em muitas ocasiões poderá haver influência positiva do Poder Público na atividade empresarial (nomenclatura utilizada para fins didáticos).

Impende observar que a vedação prevista no aludido dispositivo pode ser segmentada em duas partes: (i) participação como gerente ou administrador em sociedade privada, personificada ou não e (ii) exercer o comércio.

Primeiramente, cumpre-nos esclarecer a abrangência dada pelo Código Civil à definição de pessoa jurídica de direito privado, nos termos do art. 44:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações;

  • – as sociedades;
  • – as fundações.
  • – as organizações religiosas; V – os partidos políticos.

VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.

Isto posto, passemos à análise da primeira parte do inciso.

 

Ao se referir à participação em sociedades, a Lei nº 8.112/90 afasta, por ora, a aplicabilidade do dis- positivo à atuação empresária individual prevista no inciso VI, art. 44, do Código Civil.

As sociedades, por sua vez, são aquelas pessoas jurídicas constituídas a partir de um contrato no qual os participantes se obrigam reciprocamente “a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de ativi- dade econômica”204, partilhando os resultados entre si.

As sociedades podem ser empresárias ou simples, conforme a atividade que desenvolvem. São con- sideradas empresárias aquelas que exercem “profissionalmente atividade econômica organizada para a pro- dução ou a circulação de bens ou de serviços”, e simples as demais, inclusive aquelas dedicadas ao exercício de “profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa” (art. 966, parágrafo único, do Código Civil).

Sociedades personificadas são aquelas cujos atos constitutivos (contrato social) estão inscritos no re- gistro próprio e na forma da lei (art. 985 do Código Civil), sendo que as sociedades empresárias devem registrar seus atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e as sociedades simples no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (arts. 985 e 1.150 do Código Civil).

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).

Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurí- dicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

As sociedades não personificadas são aquelas que não tiveram seus atos constitutivos inscritos no registro próprio, isto é, não possuem personalidade jurídica própria. Assim, são reguladas por contrato ou acordo firmado entre seus sócios, razão pela qual o ajuste torna-se não oponível a terceiros.

Regem-se pelas regras dispostas nos arts. 986 a 996 do Código Civil, e têm como principal diferença em relação às sociedades personificadas a responsabilização direta de seus sócios pelas dívidas contraídas pela sociedade.

O Código Civil vigente permite a organização da sociedade através de diversos modos, cada qual com regras próprias e consequências distintas para os sócios e as demais pessoas que se relacionam com a sociedade. Para este estudo, basta saber que todas estas formas de organização das sociedades (socie- dade em comum, em conta de participação, simples, em nome coletivo, comandita simples, limitada ou anônima), disciplinadas nos arts. 981 a 1.112 do Código Civil, estão abrangidas na expressão “sociedade privada” do art. 117, inciso X, da Lei nº 8.112/90, com a única exceção das cooperativas, constituídas para prestar serviços aos seus membros, conforme parágrafo único, inciso I, deste dispositivo.

Importante ressaltar que não estando abrangidas entre os conceitos legais de sociedade, a partici- pação dos servidores na gerência ou administração de associações, fundações, organizações religiosas ou partidos políticos não é vedada por este dispositivo.

De outro lado, o dispositivo não veda a participação do servidor em contrato de sociedade, à medida em que a proibição se dirige ao agente público que atua na administração ou gerência de sociedade – seja de fato ou de direito.

  • 981 da Lei nº 10.406/2002, Código Civil.

 

Assim, figurar como sócio em contrato social não configura, por si só, a infração disciplinar. É preciso verificar se o servidor participa da sociedade como gerente ou administrador. Da mesma forma, o simples fato de o servidor constar do contrato do social como mero sócio cotista, acionista ou comanditário205, como consta da parte final do inciso X do art. 117, não afasta por completo a possibilidade do enquadra- mento, em especial quando há indícios de que o servidor atua na administração ou gerência da sociedade (participação de fato).

É o caso do servidor que, não constando do quadro social, ou constando apenas como sócio, se uti- liza de um sócio-gerente ou administrador meramente formal, normalmente seu parente próximo, atuando o servidor de maneira oculta como o verdadeiro gestor da sociedade.

Sem a pretensão de uma conceituação rigorosa, administrador é aquele designado pelo contrato social ou outro ato societário com amplos poderes de coordenação e mando das atividades societárias; gerente, por sua vez, é o empregado da sociedade contratado para gerir os negócios, comprando insumos, contratando e dispensando mão de obra, assinando contratos, etc.

Portanto, não basta que o servidor, na qualidade de sócio ou acionista, participe das reuniões ou as- sembleias societárias, ou ainda fiscalize as atividades da sociedade, que são poderes intrínsecos à qualidade de participante do contrato de sociedade.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. NULIDADE DE PROCESSO DISCIPLINAR NÃO CONFIGU- RADA. REQUISITOS DA PORTARIA INSTAURADORA DA COMISSÃO E DO PAD. ATENDIMENTO. ELEMENTOS BALIZADORES DO ATO ADMINISTRATIVO NÃO DESCONSTITUÍDOS. PENALIDADE DE DEMISSÃO MANTIDA.

(…)

  1. O servidor demitido do serviço público não apresentou elementos de convicção que o eximisse da responsabilidade de infringir proibição de participar de gerência e administração de sociedade privada (art. 117, X, da Lei nº 112/90).
  2. Para a configuração da infração não é necessário que o servidor figure de direito no contrato social, estatuto ou perante órgãos tributários. O enquadramento é, precipuamente, fático e não apenas de Havendo prática de atos gerenciais ou de administração por parte do servidor, configura-se a vedação legal. E no caso, a prova é farta neste sentido.
  3. Não comprovada qualquer ilegalidade ou desvio de finalidade do ato administrativo que impôs a pena de demissão do serviço público à autora, uma vez que os elementos balizadores da decisão administrativa que gerou a Portaria de demissão não foram desconstituídos no processo judicial e não houve qualquer irregularidade no procedimento instaurado
  4. Apelação a que se nega (grifou-se)

(BRASIL, Tribunal Regional Federal da 1ª Região. AC nº 266/BA. Relatora: Desembargadora Ângela Catão, publicado em 14/9/2012)

Deste modo, ainda que o servidor esteja designado no contrato social como sócio-gerente ou ad- ministrador, cumpre comprovar efetivamente os atos de gerência e administração para que o servidor seja responsabilizado. Pois, por diversas vezes, observa-se a manutenção do servidor no contrato social da em- presa na qualidade de administrador ou gerente, função esta não exercida pelo agente público efetivamente.

Neste sentido, é oportuna a transcrição do Enunciado nº 9 da CGU:

ILÍCITO SÓCIO-GERÊNCIA – ATUAÇÃO FÁTICA E REITERADA. Para restar configurada a infração disciplinar capitulada no inciso X do art. 117 da Lei nº 8.112/90, é preciso que o servidor, necessa-

 

  • Estes conceitos estão ligados à participação do sócio no patrimônio da sociedade, ou seja, qual o percentual da sociedade que pertence ao sócio. Grosso modo, o sócio detém a propriedade da sociedade na proporção das ações ou cotas que possuir em relação ao total de ações ou cotas Sócios cotistas, acionistas ou comanditários, portanto, são aqueles que aportaram capital à sociedade, sem necessariamente participar da administração da sociedade.

 

riamente, tenha atuado de fato e de forma reiterada como gerente ou administrador de sociedade privada.

Enunciado CGU nº 9, publicado no DOU de 16/11/2015, seção 1, página 41

Convém ressaltar que a apuração da comissão abrange fatos pretéritos, isto é, o colegiado deve averiguar se o servidor realizou os atos de gerência e administração após sua nomeação ao cargo público, porquanto a infração não alcance momento anterior à posse na função incompatível.

Vale citar também entendimento segundo o qual um ou poucos atos de gestão não configuram a infração em comento, tendo em vista a interpretação que se extrai da palavra “participar de gerência ou administração de sociedade privada”. Neste sentido:

Parecer-PGFN/CJU/CED nº 1.237/2009 (…)

  1. É interessante notar que os verbos típicos que compõem a proibição administrativo-disciplinar, “participar” e “exercer”, no âmbito penal estão normalmente identificados àquilo que a doutrina e a jurisprudência qualificam como crime habitual, o qual é caracterizado por abalizada doutrina com os seguintes contornos:

(…)

  1. No caso da proibição administrativo-disciplinar em análise – embora a imprevisível realidade social possa eventualmente demonstrar o contrário – pode-se dizer que, ao menos em regra, um ato único ou mesmo os atos dispersos e esporádicos de gestão, distribuídos ao longo de cinco anos, dificil- mente atingiriam de maneira especialmente grave a regularidade do serviço e a indisponibilidade do serviço público, legitimando a aplicação da ultima ratio no âmbito administrativo.

Com o fim de oferecer diretrizes sobre a aplicação do art. 117, inciso X, da Lei nº 8.112/1990, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão editou a Portaria Normativa nº 6, de 15 de junho de 2018, que dispõe:

Art. 3º A caracterização do exercício de gerência ou administração de sociedade privada exige:

  • – que a sociedade privada, personificada ou não, esteja em atividade, ainda que irregularmente; e
  • – que exista atividade efetiva, direta, habitual e com poder de mando do servidor como gerente ou administrador da sociedade

Art. 4º Ao servidor público que estiver em gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 da Lei nº 8.112, de 1990, não se aplica a vedação de participação em gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não, observada a legislação sobre conflito de interesses.

 

 

Art. 5º Não se considera exercício de gerência ou administração de sociedade privada:

  • – a participação em sociedade privada, personificada ou não, na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;
  • – a participação em fundação, cooperativa ou associação;
  • – a inscrição do servidor no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ; IV – a mera indicação de servidor como sócio-administrador em contrato social; V – a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada;

 

  • – a constituição de pessoa jurídica para objetivos específicos, desconectados da atividade de em- presa em sentido estrito e sem a caracterização de atos de administração ou gerência; e
  • – as demais hipóteses indicadas no 117, parágrafo único, I e II, da Lei nº. 8.112, de 1990. […]

Art. 7º O disposto nesta Portaria Normativa não exime a autoridade competente de, verificados indícios de irregularidade, promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, observado o disposto no art. 143 da Lei n.º 8.112, de 1990, e demais normas especiais.

Além da já citada exceção de o servidor poder participar de cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros e das hipóteses arroladas no art. 5º da Portaria Normativa nº 6/2018 do MP, o parágrafo único do art. 117 também excepciona as situações em que o servidor participa dos “conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social”, ou quando o servidor participa da gerência ou administração de sociedade comercial ou exerce o comércio quando em “gozo de licença para o trato de interesses particulares”, na forma do art. 91 desta lei, observada a legislação sobre conflito de interesses (Lei nº 12.813/2013).

Lei nº 8.112/90 Art. 117. (…)

Parágrafo único. A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica nos seguintes casos:

  • – participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa cons- tituída para prestar serviços a seus membros; e
  • – gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 desta Lei, observada a legislação sobre conflito de

A temática do conflito de interesses retornará quando for tratado o enquadramento em improbidade administrativa. Porém, em razão do comando legal ora em apreço, já são cabíveis alguns comentários sobre seus reflexos para fins disciplinares.

Segundo o art. 3º, I, da Lei nº 12.813/2013, considera-se conflito de interesse “a situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública”, sendo que o diploma legal dispensa a ocorrência de lesão ao patrimônio público, tal como a percepção de qualquer vantagem pelo agente público ou terceiro para configuração do conflito de interesses.

O art. 5º, parágrafo único, do mesmo normativo, prevê que, para os ocupantes de cargos indicados no art. 2º, as situações de conflito podem se configurar ainda que “em gozo de licença ou período de afastamento”. Eventual mau uso da autorização para a prática de atos privativos de administrador e gerente durante a licença pode importar na capitulação descrita neste inciso.

 

 

A propósito da análise do conflito de interesses, é forçoso destacar que, sob o prisma daquele nor- mativo, o servidor que faça parte de sociedade cujo objeto social conflite com o interesse público incorre em infração disciplinar, mesmo que não necessariamente na prevista neste inciso.

É possível que o agente público tente se utilizar da legitimidade conferida pela lei aos acionistas, co- tistas e comanditários com o intuito de burlar a proibição insculpida na legislação estatutária e manter socie- dade cujo interesse privado seja diretamente conflitante com o público.

 

Acrescente-se, ainda, o cuidado a ser tomado pelos colegiados diante de situações nas quais pessoas próximas ao servidor são por ele utilizadas na composição de sociedades com objeto social incompatível com as atribuições de seu cargo a fim de afastar o conflito de interesses.

A teor do exposto, importante destacar que cumpre à comissão buscar elementos comprobatórios do envolvimento do sócio servidor na atividade da empresa – especialmente quando somente ele possui qualificação técnica para desenvolver o objeto social –, objetivando comprovar o exercício indireto da ativi- dade pelo agente público.

Nessas hipóteses, porém, não há se falar em configuração de violação da proibição prevista no inciso X do art. 117, porquanto não se trate de atuação como administrador ou gerente. Assim, caracterizado evidente conflito de interesses, mediado pela atuação indireta em sociedade empresária, a comissão pode ponderar pela capitulação do ato ilícito a depender da gravidade da afronta ao interesse público causado pelo exercício da atividade privada.

Como se observa, a comissão deve analisar minuciosamente as provas produzidas em sede de in- quérito a fim de delinear a natureza da atividade exercida pelo servidor e em que medida ela é incompatível com o munus público.

O dispositivo em comento proíbe ainda que o servidor atue no comércio, ainda que diretamente, ou seja, sem o intermédio de uma sociedade. A Lei nº 11.784/2008 perdeu a oportunidade de, ao modificar a redação do art. 117, inciso X, da Lei nº 8.112/90, atualizar a terminologia à luz do Código Civil de 2002. Isto porque, no atual diploma de Direito Privado, não se faz uso mais do conceito de ato de comércio, tendo este sido englobado na ideia de atividade empresarial.

Conforme visto linhas acima, empresário é todo aquele que “exerce profissionalmente atividade eco- nômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (art. 966 do Código Civil). Assim, a Lei nº 8.112/90, através do art. 117, inciso X, ao proibir que o agente público exerça atos de co- mércio, está vedando que todo servidor exerça atividade empresarial, ainda que de forma individual.

Quanto a esta proibição, são aplicáveis as ressalvas e observações feitas em relação à gerência ou ad- ministração de sociedade, isto é, é necessário que se comprove o efetivo exercício do ato de comércio, não bastando o mero registro do servidor como empresário individual, e bem assim deve-se afastar a incidência do dispositivo quando se tratar de um ato único ou poucos atos esporádicos.

Por fim, de acordo com o Código Civil de 2002, a atividade rural pode ser exercida de forma empre- sarial ou não, conforme detenha ou não as características comuns às atividades empresariais, não tendo o Código excluído esta do regramento comum às demais formas atividades econômicas.

Desta forma, atuando o servidor como gerente ou administrador de sociedade dedicada à atividade rural, ou exercendo o servidor diretamente a atividade, de forma profissional e organizada, visando a pro- dução ou circulação de bens ou serviços, incide na proibição do art. 117, inciso X.

 

  • 117, inciso XI (atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro)

Trata-se de infração disciplinar assemelhada àquela prevista no art. 117, IX (valimento do cargo), e que se caracteriza quando o servidor, valendo-se do prestígio, respeito ou especial relacionamento com os demais colegas, atua em nome de terceiro junto a órgãos ou entidades da Administração Pública, com ou sem instrumento de mandato, ou seja, como procurador ou intermediário.

O dispositivo visa proteger a impessoalidade e moralidade na Administração Pública, proibindo con- dutas que ponham em evidência favorecimentos e conflitos de interesse.

 

Desde já se afasta a configuração da infração quando o servidor não almeja nem obtém um trata- mento diferenciado em função da sua qualidade de agente público, porque sequer é reconhecido como tal, situação em que a conduta não tem a potencialidade lesiva exigida pela norma, tratando-se, convém frisar, de infração sujeita à pena expulsiva.

Entretanto, deve-se investigar com maior cuidado quando o servidor age como procurador ou in- termediário de terceiro na repartição em que trabalha, onde se presume seja conhecido e os laços de coleguismo ou amizade sejam mais fortes. Também merecem cuidados especiais os casos em que o ser- vidor atua como procurador ou intermediário de forma habitual, mesmo quando o faça em órgão distinto daquele em que exerce suas funções rotineiramente, porém em razão do cargo por ele ocupado.

Para se caracterizar a infração, dispensa-se a comprovação do sucesso do pedido ou interesse patro- cinado pelo servidor; da licitude deste interesse; ou mesmo da comprovação de que a atuação do servidor em nome de outrem tenha proporcionado vantagem indevida a este. Basta, para que a conduta infrinja o dispositivo, que haja a possibilidade de que a atuação do servidor possa proporcionar um tratamento dife- renciado do pleito do terceiro.

A infração não se configura, conforme prevê a norma, se o servidor atua como procurador ou inter- mediário de seu parente, até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro, pleiteando benefícios previ- denciários ou assistenciais.

Ainda, ao tempo da elaboração do Relatório Final, deve a comissão recomendar todas as medidas – sejam elas de cunho administrativo, civil ou penal – pertinentes a fim de garantir a ciência da totalidade das esferas envolvidas pelo ato ilícito. Nesse momento, há de se observar, inclusive, a possível prática do crime de advocacia administrativa, previsto no art. 321 do Código Penal, ensejando a sugestão de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público.

Vale lembrar que a penalidade prevista para esta infração é a de demissão. Nessa perspectiva, é importante ressaltar a necessidade de se atuar com razoabilidade à frente do caso concreto, ponderan- do-se em que medida o servidor atuou como procurador ou intermediário de interesse alheio amparado pelas prerrogativas da função pública; pois, a depender da gravidade, incorrerá em ato de improbidade administrativa.

 

  • 117, inciso XII (receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições)

O dispositivo prevê infração disciplinar no caso de o servidor receber qualquer tipo de vantagem, pecuniária ou não, para praticar ato regular que esteja dentro de suas atribuições funcionais.

Quando o servidor recebe propina para a prática de ato que excede sua competência (excesso de poder), ou seja, ilegal (desvio de poder), pode-se configurar outra infração, como por exemplo a proibição prevista no art. 117, inciso IX, aqui tratado como valimento de cargo. Neste sentido:

Parecer AGU nº GQ-139, não vinculante

  1. O contexto do regime disciplinar e a positividade do transcrito inciso XII, mormente o sentido que se empresta à expressão ´em razão de suas atribuições´, induzem ao entendimento de que o recebimento de propina, comissão, presente ou qualquer modalidade de vantagem é decorrente das atribuições regularmente desenvolvidas pelo servidor, sem qualquer pertinência com a conduta censurável de que resulte proveito ilícito.

Uma vez que o dispositivo sujeita o infrator à pena de expulsão, o enquadramento nesta proibição deve ser feito com cautela, afastando-se na hipótese de recebimento de presentes de valor irrisório como gratidão por bons serviços prestados pelo servidor, podendo-se cogitar do enquadramento em infração mais leve (art. 116, inciso IX – manter conduta compatível com a moralidade administrativa).

 

Forçoso relembrar que o valor irrisório do presente recebido pelo servidor, por si só, não afasta possível obtenção de vantagem em troca de favores a terceiros. Há de se comprovar que não houve atu- ação consciente do agente público no sentido de obter vantagem – mesmo que ínfima – em detrimento da função pública, conduta considerada grave dentro dos parâmetros legais e constitucionais exigidos para os representantes da Administração Pública.

Embora se trate de planos distintos de verificação da conduta dos servidores, não há como negar a influência do quantum previsto no Código de Conduta da Alta Administração Federal e na Resolução nº 3, de 23 de novembro de 2000, da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP), na interpre- tação deste dispositivo. Segundo preveem aqueles regulamentos, é permitida a aceitação de brindes que não tenham valor comercial, ou até o valor de R$ 100,00, que detenham determinadas características que afastam a presunção de pessoalidade ou imoralidade do ato, descaracterizando a potencialidade lesiva da conduta, e, por consequência, a própria infração disciplinar.

Código de Conduta da Alta Administração Federal

Art. 9º É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade.

Parágrafo único. Não se consideram presentes para os fins deste artigo os brindes que: I – não tenham valor comercial; ou

II – distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação ha- bitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Resolução nº 3/00, CEP:

  1. A proibição de que trata o Código de Conduta se refere ao recebimento de presentes de qualquer valor, em razão do cargo que ocupa a autoridade, quando o ofertante for pessoa, empresa ou enti- dade que:
  • – esteja sujeita à jurisdição regulatória do órgão a que pertença a autoridade;
  • – tenha interesse pessoal, profissional ou empresarial em decisão que possa ser tomada pela auto- ridade, individualmente ou de caráter coletivo, em razão do cargo;
  • – mantenha relação comercial com o órgão a que pertença a autoridade; ou
  • – represente interesse de terceiros, como procurador ou preposto, de pessoas, empresas ou enti- dades compreendidas nos incisos I, II e
  1. É permitida a aceitação de presentes:
  • – em razão de laços de parentesco ou amizade, desde que o seu custo seja arcado pelo próprio ofertante, e não por pessoa, empresa ou entidade que se enquadre em qualquer das hipóteses pre- vistas no item anterior;
  • – quando ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos protocolares em que houver reciproci- dade ou em razão do exercício de funções diplomáticas.
  1. Não sendo viável a recusa ou a devolução imediata de presente cuja aceitação é vedada, a autori- dade deverá adotar uma das seguintes providências:
    • – tratando-se de bem de valor histórico, cultural ou artístico, destiná-lo ao acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN para que este lhe dê o destino legal adequado;
    • – promover a sua doação a entidade de caráter assistencial ou filantrópico reconhecida como de utilidade pública, desde que, tratando-se de bem não perecível, se comprometa a aplicar o bem ou o produto da sua alienação em suas atividades fim; ou

 

  • – determinar a incorporação ao patrimônio da entidade ou do órgão público onde exerce a função.
  1. Não caracteriza presente, para os fins desta Resolução:
  • – prêmio em dinheiro ou bens concedido à autoridade por entidade acadêmica, científica ou cul- tural, em reconhecimento por sua contribuição de caráter intelectual;
  • – prêmio concedido em razão de concurso de acesso público a trabalho de natureza acadêmica, científica, tecnológica ou cultural;
  • – bolsa de estudos vinculada ao aperfeiçoamento profissional ou técnico da autoridade, desde que o patrocinador não tenha interesse em decisão que possa ser tomada pela autoridade, em razão do cargo que
  1. É permitida a aceitação de brindes, como tal entendidos aqueles:
  • –que não tenham valor comercial ou sejam distribuídos por entidade de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos ou datas comemorativas de caráter histórico ou cultural, desde que não ultrapassem o valor unitário de R$ 100,00 (cem reais);
  • – cuja periodicidade de distribuição não seja inferior a 12 (doze) meses; e
  • – que sejam de caráter geral e, portanto, não se destinem a agraciar exclusivamente uma deter- minada
  1. Se o valor do brinde ultrapassar a R$ 100,00 (cem reais), será ele tratado como presente, apli- cando-se-lhe a norma prevista no item 3
  2. Havendo dúvida se o brinde tem valor comercial de até R$ 100,00 (cem reais), a autoridade determinará sua avaliação junto ao comércio, podendo ainda, se julgar conveniente, dar-lhe desde logo o tratamento de

Por oportuno, convém à comissão apurar os fatos e, avaliadas a gravidade da infração e potencial lesivo do ato, analisar a configuração de ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 9º, I, da Lei nº 8.429/92:

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qual- quer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, em- prego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decor- rente das atribuições do agente público;

Ademais, nos casos em que a comissão entenda haver elementos configuradores do recebimento de propina, concomitantemente, o colegiado deverá analisar a conveniência quanto ao enquadramento no art. 132, XI, da Lei nº 8.112/90 (corrupção), em face do que dispõe a Convenção Interamericana contra a Corrupção da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre as condutas tipificadas como atos de corrupção. Senão vejamos:

a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade em troca da rea- lização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;

 

Vale lembrar que, havendo o enquadramento em hipóteses de crimes contra a Administração – se- gundo a definição do Código Penal –, a comissão deverá sugerir o encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público.

 

  • 117, inciso XIII (aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro)

O dispositivo veda que servidor público aceite trabalhar para estado estrangeiro, de forma a tutelar a lealdade e o compromisso do agente público com o Estado brasileiro.

Assim, a não ser que lei posterior crie hipótese de compatibilidade, é inadmissível, em qualquer caso, que servidor público federal estabeleça relação jurídica com Estado estrangeiro para recebimento de co- missão ou pensão, bem como vínculo de emprego.

  • 117, inciso XIV (praticar usura sob qualquer de suas formas)

Usura “não significa simplesmente o interesse devido pelo uso de alguma coisa. É o interesse exces- sivo, isto é, a estipulação exagerada de um juro, que ultrapasse ao máximo da taxa legal, ou a estipulação de lucro excessivo, ou excedente do lucro normal e razoável”206.

Não obstante o conceito doutrinário seja de correta interpretação do conceito de usura, destaque-se a definição trazida pela Lei nº 1.521/51, que trata dos crimes contra a economia popular.

Art. 4º Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:

  1. cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito;
  2. obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da pres- tação feita ou

Pratica a infração disciplinar prevista no art. 117, inciso XIV, portanto, o servidor que realiza negócio jurídico (compra e venda, empréstimo, etc.) com colegas de repartição ou administrados, obtendo lucro excessivo ou cobrando juros exorbitantes.

Frise-se que a conduta do servidor deve estar relacionada com o exercício do cargo, porquanto não constitui infração disciplinar atos praticados exclusivamente na vida privada do servidor.

 

  • 117, inciso XV (proceder de forma desidiosa)

Trata-se de infração disciplinar que visa proteger a eficiência do serviço público, punindo a conduta do servidor que age de forma desleixada, descuidada ou desatenta no desempenho de suas atribuições.

Em nome dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, levando-se em conta que se trata de infração sujeita à pena de demissão, o enquadramento da conduta do servidor como desídia exigirá certa gravidade nas consequências, isto é, a conduta desidiosa deve repercutir na esfera pública, de forma a caracterizar ofensa concreta ao interesse público.

Considerando a própria natureza da conduta desidiosa, qual seja a prática de atos negligentes, im- peritos ou imprudentes, não há meio de enquadrá-lo como ilícito de origem dolosa. Ora, caso o servidor público objetivasse finalidade específica de diminuir a eficiência administrativa em contraprestação a algum benefício pecuniário ou não, próprio ou de outrem, incorreria em capitulação diversa.

Isto porque, nesta modalidade culposa de ilícito administrativo, o servidor público intenta a redução da sua carga laboral, ou ainda, das responsabilidades vinculadas ao cargo que ocupa; culminando com re-

206           SILVA, 2010, p. 748.

 

sultados ineficientes pela Administração Pública, diretamente associados à conduta negligente, imperita ou imprudente do agente público.

Desídia é negligência, incúria, falta de cuidado, desatenção, desleixo, desmazelo, desinteresse. É uma falta culposa e não dolosa. Negligência é falta de atenção no momento próprio. Se a desídia for efetivamente desejada, haverá dolo, e a falta deixa de ser desídia para ser improbidade. Em regra, a desídia é fruto da soma de vários atos sequenciais que denotam o perfil ou a intenção do faltoso, mas pode se configurar pela prática de um só ato, desde que grave. A desídia pode ocorrer no local de trabalho ou fora dele, mas sempre em função das atividades do faltoso.

(PADMag 34418820105010000 RJ, Relator José Geraldo da Fonseca, TRF – 1ª Região, Secretaria do Pleno, do Órgão Especial e da CEDISC, publicado em 27/04/2012)

Sobre a desídia, importante a discussão quanto à necessidade ou não de uma conduta reiterada para a configuração da infração. Em outras palavras, discute-se se uma única conduta desidiosa, em função de sua gravidade, pode dar ensejo à aplicação da pena de demissão pela ofensa à proibição prevista neste dispositivo.

Não há dúvidas que, via de regra, a desídia implica comportamento do servidor que age com descaso em relação ao trabalho, e, portanto, necessita de vários atos de desleixo para se configurar.

No entanto, não se deve descartar a possibilidade do enquadramento no art. 117, inciso XV, diante de conduta única, devendo-se ponderar a gravidade e circunstância do ato, conforme se observa do Parecer AGU GQ-164, vinculante, que reproduz citações doutrinárias neste sentido:

(…) Desídia (e). É falta culposa, e não dolosa, ligada à negligência: costuma caracterizar-se pela prática ou omissão de vários atos (comparecimento impontual, ausências, produção imperfeita); excepcionalmente poderá estar configurada em um só ato culposo muito grave; se doloso ou querido pertencerá a outra das justas causas. […] (Valentim Carrion – Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 18ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994, pp. 362/3).

Por um lado, se a reiteração da conduta é a regra para a caracterização da desídia, o mesmo não vale em relação a reincidência, ou seja, não é necessário que o agente tenha sido punido anteriormente por atos de desatenção ou desleixo para que se enquadre sua conduta neste dispositivo. A reincidência prevista na Lei nº 8.112/90 é a genérica e constitui objeto de estudo no capítulo 12.2.2.

Caso o servidor tenha se comportado de maneira desidiosa em função de alguma doença ou estado de incapacidade física ou mental, exclui-se a sua culpabilidade, uma vez que não se podia exigir dele, no caso concreto, conduta diversa, descaracterizando a infração.

Por fim, relevante observar que a desídia está ligada ao mau exercício das atribuições do cargo, não se aplicando no caso de ausência do servidor, ou mesmo quando o servidor se recusa a praticar ato de sua responsabilidade, podendo se cogitar, nestes casos, de outros enquadramentos, tais como os previstos nos arts. 116, incisos IV, X, 117, inciso I, ou 132, incisos I e II. Este o entendimento expresso no Parecer AGU GQ-87, não vinculante:

Parecer-AGU nº GQ-87, não vinculante: 14. O novo estatuto dos servidores públicos civis da União (Lei nº 8.112, de 1990) estatui a responsabilidade administrativa pelo exercício irregular das atri- buições e proíbe que se proceda de forma desidiosa, cominando a penalidade de demissão ao trans- gressor da norma (arts. 117, 121 e 132). Constitui pressuposto da infração o exercício de fato das atribuições cometidas ao servidor.

  • 117, inciso XVI (utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares)

O inciso protege a moralidade e impessoalidade no serviço público, proibindo os servidores de utilizar recursos materiais e humanos em atividades particulares. Os bens, recursos e a mão de obra con-

 

tratada pela Administração devem servir exclusivamente para as finalidades públicas disciplinadas em leis e regulamentos, sendo vedado ao servidor utilizar-se destes recursos fora destas hipóteses.

A previsão do inciso em destaque não determina os limites da utilização indevida de recursos hu- manos e materiais para finalidades particulares – interna ou externamente do ambiente de trabalho –, diver- gindo da disposição contida no inciso II do mesmo artigo (proibição da retirada não autorizada de objetos e documentos da repartição pública); razão pela qual impõe medida sancionadora mais severa.

Isto é, o que qualifica como gravosa a conduta tipificada neste inciso é a intenção do agente público em beneficiar-se em detrimento dos recursos públicos disponíveis em razão da atividade exercida, impli- cando necessariamente em conduta dolosa.

Deve-se atentar para o fato de que condutas ínfimas, de pequena repercussão no patrimônio ou na regularidade do serviço público não são enquadradas neste dispositivo, que sujeita o infrator à pena de de- missão, podendo-se cogitar de configuração de outras infrações (art. 116, inciso II, por exemplo).

Ao mesmo tempo, importante ressaltar a possibilidade de enquadramento em conduta com reper- cussões secundárias mais gravosas para o servidor, a depender da gravidade do prejuízo decorrente da prática ilícita, tal como a capitulação em improbidade administrativa (art. 132, IV).

  • 117, inciso XVII (cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias)

As atribuições de cada servidor público estão disciplinadas em leis e regulamentos, tudo com o obje- tivo de manter a ordem e a disciplina no serviço público, e bem assim garantir a observância dos princípios da impessoalidade e eficiência pela Administração.

Desse modo, considerando a vinculação do cargo público às atribuições regularmente previstas em normativos – sejam eles específicos ou gerais –, o servidor somente poderá atuar nos limites das compe- tências de sua função, sob pena da configuração de desvio de função.

O desvio de função, ou seja, atribuir a servidor público o exercício de atividades diversas daquelas previstas para seu cargo, constitui, segundo o disposto no art. 117, inciso XVII, infração disciplinar. Pune-se, pois, o superior hierárquico que ordena a subordinado a prática de atos que fogem às atribuições deste.

Há de se ressaltar que, durante o exercício de atribuições estranhas ao cargo, o servidor público po- derá cometer ilícitos administrativos passíveis de responsabilização na via disciplinar. Neste caso, o servidor cuja função fora desviada responderá administrativamente pela possível prática de atos infracionais, sem prejuízo da aplicação de sanção ao superior cuja conduta enquadre-se no inciso em questão.

De outro lado, o servidor cometido com atribuições não inerentes ao cargo por ele ocupado poderá opor-se à prática desses atos de excesso, mesmo quando determinados por superior hierárquico, haja vista a ilegalidade manifesta (fora das atribuições legal e regularmente previstas).

Entretanto, em vista de situações de excepcionalidade, o superior hierárquico poderá cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, mediante relevante interesse público e de forma motivada.

 

  • 117, inciso XVIII (exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho)

O dispositivo proíbe o exercício do cargo com a prática de atividades privadas que possam de forma concreta ou potencial causar conflitos de interesses, comprometendo a imparcialidade do servidor, ou, ainda, que sejam incompatíveis com o horário de trabalho.

 

Forçoso observar que a presente proibição não se confunde com a vedação de acumulação de cargos públicos (art. 132, XII), uma vez que o dispositivo em tela visa ao conflito entre cargo público e atividade pri- vada; ressaltando-se a limitação do entendimento aqui esposado às disposições contidas na Lei nº 8.112/90.

Importante delimitar os limites do conflito, haja vista o fato de que o acúmulo ilegal de cargos, em- pregos ou funções públicas requer procedimento sumário, com restrita instrução processual; diferente- mente do rito ordinário, requerido no caso da hipótese de incompatibilidade descrita nesse inciso.

Dito isto, em regra, os atos da vida privada do servidor não se desdobram em responsabilidade dis- ciplinar na seara administrativa, desde que não tenham qualquer vinculação com o cargo público por ele exercido. Todavia, a prática de atos privados fora do ambiente da repartição pública pode ser responsabili- zada administrativamente sob a égide deste dispositivo.

Ora, a parte final do artigo 148207 informa a necessidade de apuração de responsabilidade de servidor por infração que tenha relação com as atribuições do cargo, isto é, admite a submissão de atos privados ao poder punitivo do Estado quando estes forem praticados em detrimento da função pública.

De outro lado, a comissão deve analisar a gravidade do ato praticado, cotejando os eventuais preju- ízos causados e/ou possíveis benefícios recebidos em detrimento da função pública (financeiros ou não), a fim de analisar a real ofensividade do ato infracional. Tal medida se impõe por força da proporcionalidade exigida na mensuração da reprimenda disciplinar, porquanto um único ato em conflito com o interesse público pode acarretar consequências de grande monte, tal como a prática reiterada de atos incompatíveis.

Da mesma forma, a sanção máxima prevista para este delito (suspensão de noventa dias) não é compatível na hipótese da prática singular de ato incompatível, de baixa lesividade ao interesse público. Para esses casos, a Lei nº 8.112/90 arrola enquadramentos mais adequados e proporcionais, tais como: art. 117, I (ausência injustificada); art. 116, III (descumprimento de norma legal), entre outros.

A interpretação literal do inciso em questão demonstra a subsunção de duas condutas distintas à hi- pótese legal, quais sejam:

  1. a proibição de exercício de atividade privada incompatível com as atribuições inerentes ao cargo ou função, que visa proteger a imparcialidade do servidor; e
  2. a vedação de exercício de atividade privada incompatível com o horário de trabalho, que tutela a dedicação do servidor ao serviço público.
  • 117, inciso XIX (recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado)

Pune-se o servidor que, instado a atualizar seus dados cadastrais, recusa injustificadamente. Para a configuração, portanto, não basta que os registros de dados pessoais e funcionais do servidor estejam incor- retos ou incompletos, necessário que se notifique o servidor para atualizá-los, e este se negue.

Sobre o tema, vale citar o disposto no art. 162 da Lei nº 8.112/90, que obriga o servidor acusado em processo disciplinar (não somente o indiciado, como uma leitura meramente gramatical do dispositivo po- deria inferir) a comunicar à comissão o lugar onde pode ser encontrado, sempre que mudar de residência.

A princípio, a desobediência a este dispositivo pode configurar a infração ao art. 117, inciso XIX, de- vendo-se ponderar, entretanto, se o servidor não podia ser encontrado facilmente na repartição, ou ainda se não se omitiu dolosa ou culposamente, hipóteses em que se exclui a responsabilidade.

 

 

 

 

207           Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

 

  • Infrações sujeitas à pena de demissão previstas no 132

O art. 132 prevê um rol de condutas consideradas graves, todas sujeitas à penalidade máxima – vez que as sanções de cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão ou função comissionada equiparam-se à pena de demissão.

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

I – crime contra a administração pública; II – abandono de cargo;

  • – inassiduidade habitual;
  • – improbidade administrativa;
  • – incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; VI – insubordinação grave em serviço;

VII – ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; VIII – aplicação irregular de dinheiros públicos;

IX – revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; X – lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; XI – corrupção;

XII – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; XIII – transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Ante a gravidade das condutas descritas no referido artigo, em regra, requer-se que a comissão comprove o dolo do agente público, porquanto somente a conduta de desídia, prevista no art. 117, XV (referência ao inciso XIII do art. 132), é capitulada na forma culposa.

  • 132, inciso I (crime contra a administração pública)

Tal inciso possui aplicação bastante restrita, uma vez que exige condenação criminal transitada em jul- gado para sua caracterização. Dessa forma, somente após o trânsito em julgado da sentença penal, em face do cometimento de crime contra a Administração Pública, é que será possível aplicar penalidade disciplinar ao servidor com base no inciso I do art. 132 da Lei nº 8.112/90. Nesse sentido posicionou-se a AGU, em parecer vinculante:

Parecer AGU GQ-124, vinculante

18 (…) a demissão, com fundamento no inciso I do art. 132, deve ser precedida de decisão judicial transitada em julgado.

Dessa forma, a comissão deve evitar o enquadramento da conduta ilícita neste dispositivo, porquanto, caso haja processo criminal em andamento, os trabalhos apuratórios ficarão sobrestados até o proferimento de sentença definitiva pelo juízo competente.

Nessa situação, a comissão deve, prioritariamente, verificar se a conduta do servidor caracteriza outra infração disciplinar (valimento do cargo, por exemplo), deixando de caracterizá-la como crime contra a Administração Pública no indiciamento e no Relatório Final. Caso não seja possível tal enquadramento, a comissão deverá sobrestar o processo, a fim de aguardar pela decisão judicial.

 

Todavia, ressalte-se que a adoção de tal medida não importa na violação da independência entre as instâncias penal e administrativa, resguardada pelo STF, consoante o precedente que segue:

I – Ilícito administrativo que constitui, também, ilícito penal: o ato de demissão, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal instaurada contra servidor por crime contra a administração pública, tendo em vista a autonomia das instâncias.

(BRASIL, Supremo Tribunal Federal. MS nº 23.242. Relator: Ministro Carlos Veloso, julgado em 10/4/2002, publicado em 17/5/2002)

Os crimes contra a Administração Pública são aqueles descritos nos arts. 312 a 326 do Código Penal, bem como outros crimes descritos na legislação extravagante, de que são exemplos:

  1. Lei nº 137/90, art. 3º: crimes contra a ordem tributária praticados por servidores do Fisco;
  2. Lei nº 666/93, arts. 89 a 99: crimes contra a licitação; e
  3. Lei nº 898/65: crime de abuso de autoridade.

Sempre que, no curso do apuratório, a comissão se deparar com a existência de indícios de come- timento de crime contra a Administração Pública, é dever da comissão adotar as providências cabíveis para a cientificação da autoridade policial e do Ministério Público competentes, a fim de que sejam adotadas as medidas cabíveis no caso.

Importante destacar que a perda do cargo é efeito acessório da condenação por crime contra a Administração Pública; no entanto, tal efeito só ocorre se o servidor for condenado a um ano ou mais de reclusão ou detenção e, cumulativamente, se o juiz se manifestar expressamente sobre tal efeito, uma vez que se trata de uma prerrogativa do magistrado, não de uma obrigação, nos termos do art. 92 do Código Penal. Nesse caso, na prática, o servidor perde o cargo em decorrência de decisão judicial, a qual não é penalidade administrativa, mas tem o mesmo efeito prático.

Portanto, somente em duas situações o servidor poderá ser demitido, na via administrativa (em ambos os casos presumindo a existência de sentença condenatória, transitada em julgado), pelo cometimento de crime contra a Administração Pública: quando a condenação for a pena de reclusão ou de detenção inferior a um ano ou, quando igual ou superior a um ano, o efeito acessório não tiver sido expressamente aplicado pelo juiz.

 

  • 132, inciso II (abandono de cargo)

A conceituação jurídica de abandono de cargo para fins administrativos encontra-se insculpida nos arts. 138 e 140, ambos da Lei nº 8.112/90:

Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.

Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, observando-se especialmente que: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

I – a indicação da materialidade dar-se-á:

  1. na hipótese de abandono de cargo, pela indicação precisa do período de ausência intencional do servidor ao serviço superior a trinta dias; (Incluído pela Lei nº 527, de 10.12.97)

O texto legal deixa evidente três critérios para a materialização da infração de abandono de cargo, a saber: intencionalidade, continuidade e prazo mínimo.

 

No que tange à intencionalidade da conduta, cabe à comissão comprovar, além da ausência, a in- tenção de se ausentar (animus abandonandi), a qual pode ocorrer por dolo direto ou eventual, isto é, quando o servidor deseja se ausentar ou, não desejando, assume o risco de produzir o mesmo resultado. No entanto, não se exige a comprovação de que o servidor tencionava abandonar permanentemente o cargo. Nesse sentido:

Parecer PGFN/CJU/CED nº 1.498/2007

  1. Nesse diapasão, releva ponderar que, para a caracterização do animus abandonandi, não se exige que o servidor tenha a intenção de abandonar o cargo (o art. 138 da Lei nº 8.112, de 1990, apenas faz referência à ausência intencional do servidor, e não abandono intencional), o que impli- caria em caracterizar o abandono do cargo sob o ponto de vista subjetivo do autor. O que se requer é a configuração de sua vontade consciente (dolo direto) em ausentar-se do serviço (por mais de trinta dias consecutivos, como visto), ou pelo menos a previsão e assunção do risco de que seu comporta- mento leve a tal ausência (dolo indireto ou eventual), caracterizando, destarte, o abandono de cargo do ponto de vista da Administração Pública” (Parecer-PGFN/CJU/CED nº 1.498/2007).

A comissão deve envidar esforços para apurar eventual existência de justificativas para a ausência do servidor. Deve, inclusive, inquirir o setor de recursos humanos para verificar se foi protocolizado pedido de afastamento por motivos justificáveis, o que pode configurar infração diversa, como inobservância do dever funcional de ser assíduo e pontual ao serviço (art. 116, X, Lei nº 8.112/90), pela inexistência de motivos para o afastamento enquanto o pedido era apreciado.

No entanto, a ausência para atuar em projetos pessoais ou motivos de foro íntimo não afastam a intencionalidade da infração disciplinar; pelo contrário, demonstram indevida sobreposição de interesses pessoais sobre o público, reforçando a caracterização do abandono do cargo.

Dessa forma, motivos hábeis a afastar a intenção de abandonar o cargo são aqueles

(…) que se fundam em razões independentes de sua vontade. O motivo, assim, precisa ser relevante, já que a ausência injustificada faz pressupor o desinteresse do servidor na prestação do serviço público. Essa presunção só se afasta por motivo de força maior, entendido, como tal, o obstáculo intransponível, de origem estranha, liberatório da responsabilidade (…)208.

O tema em questão foi objeto de estudo pela Comissão de Coordenação de Correição – CCC, que em sua 19ª reunião aprovou o Enunciado n. º22, nos seguintes termos:

PRESUNÇÃO RELATIVA DE ANIMUS ABANDONANDI. As ausências injustificadas por mais de trinta dias consecutivos geram presunção relativa da intenção de abandonar o cargo.

Enunciado nº 22, publicado no DOU de 28 de fevereiro de 2018, seção 1, p. 81

No voto que fundamentou o enunciado aprovado, consta menção a ensinamento de José Armando da Costa, segundo o qual o que caracteriza o abandono de cargo é a ausência do funcionário ao serviço de sua repartição por mais de trinta dias consecutivos, sem que haja circunstâncias insuperáveis e legítimas que elidam a liberdade do agente na implementação da ação faltosa. Nessas circunstâncias, ainda que o servidor não haja alimentado a vontade direta de abandonar o cargo (dolo direto), ainda assim terá perpetrado essa transgressão disciplinar (dolo eventual).

Referidas “circunstâncias insuperáveis” seriam aquelas que impedem o comparecimento ao local de trabalho e que se fundam em razões que independem da vontade do servidor acusado.

Portanto, não seria admissível qualquer motivo para comprovar o elemento volitivo do abandono, só sendo aceitos aqueles que remetem a motivo de força maior ou ao estado de necessidade, entendidos, como tais, os obstáculos intransponíveis, de origens estranhas, liberatórios à responsabilidade (TRF 2 – Ape- lação Cível nº 200451010044891/RJ, Rel. Des. Paulo Espírito Santo, DJU de 19.12.2007, p. 314/315). 209

  • GUIMARÃES, 2006, 71.
  • TRF 2 – Apelação Cível nº 200451010044891/RJ, Des. Paulo Espírito Santo, DJU de 19.12.2007, p. 314/315.

 

Quanto a esse entendimento, vejamos a jurisprudência do STJ:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DELEGADO DA PO- LÍCIA CIVIL DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCOR- RÊNCIA. ATO DEMISSÓRIO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DE ANIMUS ABAN- DONANDI DO SERVIDOR. FALTA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA.

Afasta-se a alegação de cerceamento de defesa e de nulidade do ato impetrado se assegurado, no processo administrativo que resultou na demissão do servidor, o direito à ampla defesa e ao contradi- tório, bem como se devidamente fundamentado o ato demissório.

O servidor que se ausenta voluntariamente do serviço por duzentos e seis dias consecutivos sem apresentar qualquer justificativa à Administração e sem comprovar a existência de motivos de força maior ou de coação ilegal que embasem a sua longa ausência deve ser demitido por abandono de cargo, nos termos do artigo 63 da Lei Estadual n° 10.261/68. Recurso Ordinário improvido (STJ – RMS nº 19.781/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Tereza de Assis Moura, DJE de 09.11.2009).

Segundo a jurisprudência do STJ, cabe ao servidor faltoso a apresentação de motivos que o levaram a não comparecer ao local de trabalho por mais de 30 (trinta) dias. Vejamos:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR ES- TADUAL. DEMISSÃO. ABANDONO DE CARGO. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. ARTS. 166, 168, 169 E 185 DO CC/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. NÃO INDICAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA. INVIABILIDADE DA ANÁLISE DE DIREITO LOCAL. SÚMULA 280 DO STF. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO HOUVE ANIMUS ABANDONANDI NÃO COMPROVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

(…)

Entretanto, o elemento subjetivo que caracteriza o animus abandonandi terá de ser apreciado com cautela, não sendo suficiente a constatação do abandono do cargo, mas a razão que levou a tal atitude — e o ônus da prova incumbe ao funcionário —, é necessário que haja, quanto ao agente, motivo de força maior ou de receio justificado de perda de um bem mais precioso, como a liberdade, por exemplo (STJ – AgInt no REsp: 1653133 SC 2014/0216797-9, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Julgamento: 16/05/2017, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/06/2017. Precedente – AgRg no AREsp 111.032/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe 29/06/2016).

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO. NECESSIDADE PARA A CONFIGURAÇÃO DA IN- FRAÇÃO DE ABANDONO DE CARGO. ÔNUS DA PROVA DO SERVIDOR. INCIDÊNCIA DA SÚ- MULA N. 83/STJ. REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO DO ABANDONO DE CARGO REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA.

(…)

III – Para tipificação da infração administrativa de abandono de cargo exige-se o preenchimento do elemento objetivo e do subjetivo, sendo necessário cotejar as razões que levaram a tal atitude, cuja prova incumbe ao servidor (STJ – AgInt no REsp 1653133 / SC, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 02.06.2017.

Conforme jurisprudências do STJ, a Administração pública tem a responsabilidade de comprovar as faltas do servidor, cuja prova poderá ser contestada por ele mediante a apresentação de um fato ou de uma circunstância inevitável, insuperável e legítima que o tenha impedido de comparecer, naquele mesmo período, ao local de sua lotação funcional, a exemplo de um motivo de força maior ou o receio justificado da perda de um bem mais precioso, como a liberdade.

 

Assim, o elemento volitivo da conduta (o animus abandonandi) deve ser analisado objetivamente a partir das circunstâncias do caso concreto, em vista da existência, ou não, da justa causa apresentada pelo servidor para as ausências verificadas.

Não se deve indagar a respeito da intenção psicológica, mas sim analisar objetivamente as circuns- tâncias, a fim de apurar se houve justa causa na ausência do servidor. Do contrário, poder-se-ia cogitar a situação esdrúxula em que um servidor que não comparece ao trabalho sem motivo justificável – mas que também não quer perder o cargo – jamais poderia ser demitido. Nesse sentido, por “ausência intencional” se deve entender a ausência injustificada, não amparada por qualquer causa que pudesse justificar as faltas ao serviço210.

Os requisitos de continuidade e prazo caracterizam-se quando o servidor intencionalmente deixar de comparecer ao serviço por, no mínimo, 31 dias consecutivos, incluídos finais de semana, feriados e dias de ponto facultativo:

Formulação Dasp nº 116. Faltas sucessivas.

Na hipótese de faltas sucessivas ao serviço, contam-se, também, como tais, os sábados, domingos, feriados e dias de ponto facultativo intercalados.

No que se refere à contagem do prazo prescricional para que a Administração possa aplicar penali- dade por abandono de cargo, inicia-se no dia em que cessar a permanência do ilícito, nos termos do Parecer GMF-6, vinculante. Vejamos abaixo:

Parecer GMF-6, Vinculante

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. MATÉRIA DISCIPLINAR. ANALOGIA COM O DIREITO PENAL. ABANDONO DE CARGO. NATUREZA PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA.

  • – As condutas que são objeto de persecução na esfera administrativa poderão, ante a omissão le- gislativa administrativa, por analogia e conforme avaliação do caso concreto, obedecer aos mesmos critérios do direito criminal, inclusive quanto a natureza jurídica das infrações e suas implicações quanto à contagem do prazo
  • – A vontade do agente incide diretamente não apenas para a configuração do abandono de cargo, mas também para a situação de permanência que produz efeitos jurídicos, restando caracterizada, portanto, a prorrogação de sua base
  • – A infração funcional de abandono de cargo possui caráter permanente e o prazo prescricional apenas se inicia a partir da cessação da permanência.
  • – Deve-se ter a superação (overruling) das razões de decidir (ratio decidendi) sufragadas nos Pare- ceres GQ – 206, GQ – 207, GQ – 211 e GQ – 214, com eficácia prospectiva, com base nas recentes decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, na doutrina e na legislação ordinária

Além disso, o art. 140 da Lei nº 8.112/90 define que a comissão deverá delimitar precisamente o pe- ríodo de ausência, indicando as datas inicial e final em que o servidor não desempenhou o efetivo exercício na unidade.

De outro lado, caso o afastamento ininterrupto do servidor por mais de 30 dias não seja comprovado em sede de processo com rito sumário, há a possibilidade de o mesmo ser eficaz nas hipóteses em que se demonstre tão-somente a inassiduidade do agente público.

 

 

 

  • TRF 4 – Apelação Cível nº 71.00.047319-9/RS – Rel. Des. Valdemar Capeletti, publicado no DE 05.08.2008 STJ – Recurso Especial nº 1111560/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, publicado no DJe 16.11.2009

 

A apuração dos fatos se dará por meio de rito diferenciado, denominado sumário. A adoção do rito ordinário, todavia, não enseja nulidade tendo em vista que não traz prejuízo à defesa, por ser mais completo em relação ao sumário.

Para a configuração da infração, é necessário que o servidor esteja no exercício do cargo no qual foi empossado, vez que a infração requer o efetivo exercício do agente na unidade na qual fora lotado, con- forme Formulação Dasp 349:

Formulação Dasp nº 349. Abandono de cargo.

A pessoa nomeada e empossada, mas que não assumiu o exercício do cargo, não pode ser proces- sada por abandono, porquanto ainda não cometeu faltas ao serviço.

Ademais, o retorno do servidor ao posto de trabalho, transcorrido o período configurador de aban- dono de cargo, não tem o condão de desconfigurar o ilícito por ele cometido; não havendo discricionarie- dade para a remissão da falta cometida.

Formulação Dasp nº 83. Abandono de cargo.

Não constitui óbice à demissão a circunstância de haver o funcionário reassumido o exercício do cargo que abandonou.

Por fim, o Código Penal descreve tipo penal assemelhado à infração sob análise, definido como es- pécie de crime contra a Administração Pública:

Abandono de função

Art. 323 – Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

  • 1º – Se do fato resulta prejuízo público:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

  • 2º – Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira: Pena – detenção, de um a três anos, e multa.

Ocorre que, para a caracterização do crime descrito no caput do artigo acima transcrito, exige-se a comprovação de potencial prejuízo à regularidade do serviço público, o que não é elemento da infração disciplinar de abandono de cargo.

Importa destacar que por meio do Parecer Vinculante nº AM – 02, publicado na seção 1 do Diário Oficial da União de 9 de abril de 2019, consolidou a AGU novas orientações quanto ao prazo de prescrição do abandono de cargo que deverão ser seguidas por todos os órgãos e entidades da Administração Federal (cf. art. 40, § 1º, da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União – Lei Complementar nº 73/1993) no sentido de que, inexistindo apuração dos fatos na esfera criminal, o prazo prescricional para a infração disciplinar de abandono de cargo é de 5 (cinco) anos, na esteira do que dispõe o art. 142, inciso I, e art. 132, inciso II, ambos da Lei nº 8.112/90. Caso exista apuração do mesmo fato na esfera criminal, devido à possibilidade de caracterização do crime de abandono de função (art. 323 do CP), o prazo prescricional para a Adminis- tração aplicar a penalidade demissória ao servidor que abandonou intencionalmente o cargo será menor, de 3 (três) anos, na forma do § 2º do art. 142 do Estatuto, combinado com art. 109, inciso VI, e art. 323, ambos do Código Penal.

Outras informações relacionadas ao prazo prescricional do abandono de cargo constam do capítulo

15.6 deste Manual.

 

  • 132, inciso III (inassiduidade habitual)

A ausência injustificada do servidor não caracterizada como abandono de cargo possui definição e materialidade previstas nos arts. 139 e 140, I, alínea “a”, ambos da Lei nº 8.112/90, a saber:

Art. 139. Entende-se por inassiduidade habitual a falta ao serviço, sem causa justificada, por ses- senta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses.

Art. 140. Na apuração de abandono de cargo ou inassiduidade habitual, também será adotado o procedimento sumário a que se refere o art. 133, (…) (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)

I – a indicação de materialidade dar-se-á:

(…)

  1. no caso de inassiduidade habitual, pela indicação dos dias de falta ao serviço sem causa justi- ficada, por período igual ou superior a sessenta dias interpoladamente, durante o período de doze (Alínea acrescentada pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)

Conforme texto legal, tal infração caracteriza-se pela ausência ao serviço por 60 ou mais dias, em um período de 12 meses, sem causa justificada. Trata-se de dias em que o servidor deveria cumprir sua jornada de trabalho. Assim, considerando servidores que, por exemplo, trabalham em sistema de plantão, é possível que a falta ocorra em dia não útil, como sábado, domingo ou feriado. Portanto, a aferição levará em consideração os dias de trabalho daquele determinado servidor e as respectivas faltas. Os 12 meses nos quais ocorreram as ausências injustificadas não devem, obrigatoriamente, coincidir com o ano civil, uma vez que a Lei n° 8.112/90 não faz tal exigência.

No tocante ao quesito da ausência de justa causa, o Parecer AGU nº GQ-160 reforça a necessidade da comprovação da simultaneidade do critério temporal (60 dias, interpoladamente, no período de 12 meses) e do elemento objetivo (sem causa justificada). Senão vejamos:

Parecer AGU nº GQ-160, vinculante

  1. São, pois, elementos constitutivos da infração as sessenta faltas interpoladas, cometidas no pe- ríodo de um ano, e a inexistência da justa causa. Para considerar- se caracterizada a inassiduidade habitual é necessário que ocorram esses dois requisitos, de forma cumulativa. O total de sessenta faltas, por si só, não exclui a verificação da justa
  2. Incumbe ao colegiado apurar se a conduta do servidor se ajusta ou não a essas prescrições Para tanto, deve pautar sua atuação pelo objetivo exclusivo de determinar a verdade dos fatos (…).

Assim, a comissão deverá ater-se somente à impossibilidade de justificativa para as ausências indi- vidualmente, isto é, não é necessária a comprovação de qualquer elemento subjetivo do agente público em abandonar o serviço público; porquanto se trate de infração disciplinar associada ao nítido descaso do servidor.

Cada um dos dias em que o servidor faltou ao serviço deve ser individualizado, a fim de se oportu- nizar ao mesmo o pleno exercício do contraditório e da defesa. Assim, para fins de delimitação temporal, considera-se o primeiro dia de ausência como o primeiro dia do período de 12 meses estabelecido em lei.

Ao termo “interpoladamente” não se deve conferir interpretação restritiva, pois pode ocorrer inassi- duidade habitual caso o servidor não compareça ao serviço por 60 dias seguidos; a intenção do legislador foi garantir que 60 faltas injustificadas fossem caracterizadas como infração disciplinar, estivessem elas inter- caladas ou não, em contraposição à infração de abandono do cargo, a qual requer um plus em relação à inassiduidade habitual, isto é, a prova da intenção de abandonar o serviço por 31 dias. Dessa forma, assim se diferenciam as duas condutas infracionais:

 

ABANDONO DO CARGO INASSIDUIDADE HABITUAL
Exige comprovação da intenção do agente de se ausentar do serviço? Sim211 Não
Comprovação de justa causa afasta a infração? Sim Sim
Ausências consecutivas configuram infração? Sim

(30 dias consecutivos)

Sim

(60 dias consecutivos)

Ausências interpoladas configuram infração? Não Sim

(60 dias interpolados)

A diferenciação acima não inviabiliza que uma mesma conduta possa ser enquadrada nas duas infra- ções, uma vez que a intenção de abandonar o cargo é um requisito a mais para caracterização dessa infração disciplinar. Dessa forma, se o servidor se ausentar do serviço por 60 dias consecutivos sem causa justificada, também terá se ausentado por 30 dias consecutivos, sem justa causa, podendo ser apenado pelas duas infrações se restar comprovado que teve a intenção de se ausentar do serviço neste prazo.

Há de se ressaltar que, mesmo não sendo possível a configuração da inassiduidade habitual pela comissão, porém sendo comprovadas várias ausências injustificadas do servidor, o colegiado poderá reco- mendar o enquadramento da conduta na infração ao dever funcional de ser assíduo e pontual ao serviço, previsto no art. 116, X, da Lei nº 8.112/90.

Ainda, caso o colegiado não obtenha provas de quaisquer dos enquadramentos dispostos no Estatuto do Servidor Público, não se pode olvidar do que impõe o art. 44 da Lei nº 8.112/90:

Art. 44. O servidor perderá:

  • – a remuneração do dia em que faltar ao serviço, sem motivo justificado;
  • – a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subsequente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia

Parágrafo único. As faltas justificadas decorrentes de caso fortuito ou de força maior poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo exercício.

Por fim, caso ao servidor tenha sido aplicada penalidade disciplinar por faltas menos frequentes, estas poderão ser computadas para configuração da inassiduidade habitual, conforme entendimento do Dasp, que interpretava dispositivo semelhante previsto no antigo Estatuto do Funcionário (Lei nº 1.711/52):

Formulação Dasp nº 181. Inassiduidade habitual.

Para efeitos do art. 207, § 2º do Estatuto, contam-se, também, as faltas que tenham dado origem a repreensão ou suspensão.

 

  • 132, inciso IV (improbidade administrativa)
    • Tratamento Jurídico do Ato de Improbidade Administrativa

O legislador constituinte elegeu ao status de princípios constitucionais a moralidade e a probidade administrativa, ambas extraídas do art. 37 da Carta Magna. Consoante comentado no item 10.5.1.9., acerca do dever insculpido no art. 116, IX, da Lei nº 8.112/90, o ato de improbidade administrativa consiste em forma qualificada de ofensa ao princípio da moralidade.

Consoante o ensinamento de Plácido e Silva, o termo “improbidade” denota o seguinte significado:

 

  • Considerar presunção relativa tratada no item

 

Derivado do latim “improbitas” (má qualidade, imoralidade, malícia), juridicamente liga-se ao sen- tido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter. Desse modo, improbidade revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral. Improbidade é a qualidade do ímprobo. E ímprobo é o mau moralmente, é o incorreto, o transgressor das regras da lei e da moral. 212

O caput e o § 4º do art. 37 da Constituição Federal de 1988 estabelecem os princípios da moralidade e da probidade administrativa, nos termos abaixo:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, mora- lidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

  • 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gra- dação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (grifou-se)

O ato de improbidade foi inicialmente previsto no art. 482, I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como um dos fundamentos da rescisão do contrato de trabalho por justa causa, consistente no ato de desonestidade, falta de retidão e atuação maliciosa ou perniciosa. Mais à frente, o legislador federal previu, no art. 132, IV, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/90), o ilícito disciplinar consistente na prática de improbidade administrativa, sujeita à penalidade capital.

Nos mesmos moldes do princípio da moralidade, a prática de ato em desrespeito ao dever de pro- bidade somente será reconhecida quando vinculada ao cumprimento das funções públicas, isto é, associada ao exercício do cargo público. Ou seja, os atos da vida privada que não repercutam direta ou indiretamente na vida funcional do servidor não podem ser apontados como atos de improbidade administrativa, a des- peito de possivelmente imorais para os padrões sociais vigentes.

Posteriormente, foi editada a Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) com o objetivo de estabelecer os limites jurídicos ao conceito de improbidade administrativa e suas repercussões na esfera cível, independentemente das searas penais e administrativas. Frise-se que este diploma não exauriu as competências das entidades administrativas no que tange às apurações da prática de atos de improbidade administrativa. Ao contrário, delimitou as fronteiras das espécies de atos ímprobos, sancionando tais con- dutas em esfera diversa da estritamente disciplinar ou mesmo penal, mas preservando-as.

Assim, as apurações da prática de atos de improbidade administrativa poderão desenrolar-se admi- nistrativamente, por ensejar a conduta indisciplinar prevista no art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90, penalmente, quando implicar a prática de tipo criminal previsto na legislação penal, e, também, civilmente, nos moldes da própria Lei nº 8.429/92.

A lei de improbidade administrativa prevê, nos seus arts. 9º, 10 e 11, três espécies de atos de improbidade:

  1. os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º);
  2. os que causam prejuízo ao erário (art. 10); e
  3. os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11).

Em cada um dos dispositivos a lei cuidou por conceituar as espécies de forma genérica, passando posteriormente a exemplificá-las. Registre-se que o rol delineado em cada uma delas é meramente enun- ciativo, pois outras situações não previstas na norma poderão enquadrar-se no conceito geral dos caputs de referidos artigos.

212           SILVA, 2010, p. 420.

 

Conforme o art. 9º da Lei nº 8.429/92, constituirá ato de improbidade importando enriquecimento ilícito “auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente”:

  • – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decor- rente das atribuições do agente público;
  • – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1º por preço superior ao valor de mercado;
  • – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
  • – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
  • – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
  • – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das enti- dades mencionadas no 1º desta Lei;
  • – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
  • – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
  • – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
  • – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
  • – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no 1º desta Lei;
  • – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no 1º desta Lei.

Para ser enquadrado nesta hipótese legal não é necessária a comprovação de dano ao erário, basta que fique atestado o enriquecimento ilícito do agente, na forma do caput do art. 9º ou nos seus 12 incisos.

De acordo com o art. 10 da lei, constituirá ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, mal- baratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente”:

I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;

 

  • – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
  • – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencio- nadas no art.1º desta Lei, sem a observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
  • – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qual- quer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
  • – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
  • – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
  • – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regula- mentares aplicáveis à espécie;
  • – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
  • – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
  • – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à con- servação do patrimônio público;
  • – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
  • – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
  • – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou ma- terial de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas
  • – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Inciso incluído pela Lei nº 107, de 06/04/05)
  • – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na

Enquanto o art. 9º visa coibir o enriquecimento ilícito do agente público, o que pode reprimir indire- tamente o dano ao erário, o art. 10 cinge-se exclusivamente à tutela do prejuízo ao erário.

Por fim, o art. 11 do mesmo diploma prescreve as hipóteses de ato de improbidade administrativa por atentado aos princípios vertentes da Administração Pública, que consiste em “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente”:

  • – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento diverso daquele previsto, na regra de competência;
  • – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
  • – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva perma- necer em segredo;
  • – negar publicidade aos atos oficiais;

 

  • – frustrar a licitude de concurso público;
  • – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
  • – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Para aplicação deste dispositivo, basta a infringência a qualquer dos princípios que regem a Adminis- tração Pública insculpidos na norma, prescindindo do enriquecimento ilícito do agente público e do prejuízo ao erário. Todavia, na hipótese de configuração de qualquer destas duas últimas hipóteses, resta afastada a tipificação do ato no art. 11 da lei, por servir apenas de caráter residual, quando não incorrer nas hipóteses do arts. 9º e 10.

Com efeito, a lei prevê que as modalidades de ato de improbidade administrativa previstas nos arts. 9º e 11 (enriquecimento ilícito e atentar contra os princípios da Administração Pública) serão sempre na forma dolosa, no entanto, quanto à modalidade disposta no art. 10 (prejuízo ao erário), permite-se tanto a forma dolosa quanto a culposa.

É nesse rumo que se firma o entendimento da jurisprudência pátria, a saber:

Ementa: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. USO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA EM RAZÃO DO CARGO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. CONFIGURAÇÃO DE CULPA E DOLO GENÉRICO. ELEMENTO SUBJETIVO. DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO. COMINAÇÃO DAS SANÇÕES. DOSIME- TRIA. ART. 12 DA LIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. ART. 18 DA LEI 7.347/1985. INAPLICABILIDADE.

  1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da
  2. O posicionamento firmado pela Primeira Seção é que se exige dolo, ainda que ge- nérico, nas imputações fundadas nos 9º e 11 da Lei 8.429/1992 (enriquecimento ilícito e violação a princípio), e ao menos culpa, nas hipóteses do art. 10 da mesma norma (lesão ao erário). (grifou-se)
  3. A jurisprudência do STJ, quanto ao resultado do ato, firmou-se no sentido de que se configura ato de improbidade a lesão a princípios administrativos, o que, em princípio, independe da ocorrência de dano ou lesão ao erário público.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1320315/DF. Relatora: Ministra Eliana Calmon, publi- cado em 20/11/2013)

Nesse sentido, por expressa determinação, em sede de reparação cível, é aceitável o reconheci- mento da prática de ato de improbidade administrativa por lesão ao erário de forma culposa. No entanto, pelo menos na esfera disciplinar, somente é reconhecível a prática de ato de improbidade administrativa doloso, nunca culposo. As palavras do professor José Armando da Costa são precisas nessa direção, bem como a enunciação exarada pela Advocacia-Geral da União no Parecer nº GQ-200, não vinculante:

Conquanto o art. 10 da Lei nº 8.429/92 preveja a modalidade culposa para o delito disciplinar de im- probidade administrativa que implique lesão aos cofres públicos, entende-se, todavia, que o elo subjetivo da culpa em sentido estrito (negligência, imprudência e imperícia) não chega a integralizar e satisfazer o corpus delicti da infração disciplinar em apreço. Tal assertiva fundamenta-se no fato de que é de todo impossível conceber-se de modo desonroso, ímprobo ou desonesto. Se o comportamento culposo (em sentido es- trito) do agente danifica o patrimônio público, a falta disciplinar cometida poderá constituir qualquer outra transgressão, mas nunca a improbidade administrativa. 213

 

213           COSTA, 2009, p. 537.

 

Parecer-AGU nº GQ-200

Improbidade administrativa – Conceito – Dolo do agente.

I – Improbidade administrativa é ato necessariamente doloso e requer do agente conhecimento real ou presumido da ilegalidade de sua conduta.

 

  • Procedimento Administrativo

De acordo com o já colocado, poderá haver a concomitância entre as instâncias administrativa, civil e penal. Enquanto a administrativa apura a falta funcional (ilícito administrativo) pela prática de ato de improbi- dade administrativa, de um lado a instância civil vai apurar o mesmo ato e suas repercussões civis, aplicando as sanções previstas na Lei nº 8.429/92, e do outro, a instância penal vai apurar a eventual prática de crime, de acordo com o rito do processo penal.

Consequentemente, no âmbito administrativo, a apuração da prática de ato de improbidade adminis- trativa deve seguir o rito natural do processo administrativo disciplinar, previsto na Lei nº 8.112/90 e não o disposto na Lei nº 8.429/92, tendo em vista que este diploma trata do procedimento específico para apu- ração da responsabilidade civil e da aplicação das sanções especialmente nele elencadas, distintas da esfera disciplinar.

No plano prático, aconselha-se às comissões disciplinares a fazerem uso dos conceitos de improbi- dade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92, para o preenchimento do conceito do tipo indisciplinar previsto no art. 132, IV, mas com a recomendação de não enquadrarem a conduta tão-somente nos arts. 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429/92, posto ser norma voltada às sanções civis dos agentes públicos pela prática de ato de improbidade.

Enquadrar a conduta apenas nos referidos dispositivos poderia ensejar a necessidade de manifestação do Ministério Público ou do Poder Judiciário acerca da configuração ou não da prática de ato de improbi- dade administrativa, a despeito da efetiva independência das instâncias civil e administrativa.

A própria autoridade administrativa tem competência para definição do ilícito específico de impro- bidade administrativa, não dependendo de prévia apreciação externa. Esta independência de instâncias, especialmente no que concerne à própria definição do ato de improbidade, é extraída de interpretação sis- temática de dispositivos da Lei nº 8.429/92, conjugados com a previsão do art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90.

Lei nº 8.112/90

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:

(…)

IV – improbidade administrativa; Lei nº 8.429/92

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.

(…)

Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.

  • 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma pre- vista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares. (grifou-se)

 

Outrossim, a professora Di Pietro manifesta-se na mesma linha de raciocínio:

Mesmo que a autoridade administrativa represente ao Ministério Público, na forma dos artigos 7º (para pedir a indisponibilidade dos bens), e 16 (para solicitar o sequestro de bens), não pode deixar de ser instaurado e ter tramitação normal o processo administrativo, pois ele insere-se como mani- festação do poder disciplinar da Administração Pública, com a natureza de poder-dever e, portanto, irrenunciável.214

Ademais, a jurisprudência mais recente do STF e do STJ, garante a independência da seara adminis- trativa para apurar e aplicar sanção disciplinar pela prática de ato de improbidade administrativa.

(…). A Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) não revogou, seja de forma tácita ou expressa, dispositivos da Lei nº 8.112/1990. Ela apenas definiu atos de improbi- dade administrativa e lhes cominou penas que podem ser aplicadas a agentes públicos ou não. Daí que permaneceu incólume a independência entre as esferas penal, civil e administrativa, conforme previsto pela própria LIA em seu art. 12. Assim, diante dessa independência, conclui-se que a Administração pode impor pena de demissão ao servidor nos casos de improbidade administrativa. Precedentes citados: MS 10.220-DF, DJ 13/8/2007; MS 12.262-DF, DJ 6/8/2007; MS 10.987-DF, DJe 3/6/2008; MS 12.536-DF, DJe 26/9/2008; MS 7.253-DF, DJ 19/12/2002, e MS 4.196-DF, DJ 17/8/1998. (grifou-se)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 12.735/DF. Relator: Ministro Og Fernandes, julgado em 9/6/2010)

A comissão processante deverá, na capitulação do ato indisciplinar por improbidade, indicar como aplicável o disposto no art. 132, IV, combinado com o enquadramento especificamente apurado, com base nas definições previstas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, que subsidiam a definição do ato de im- probidade administrativa.

Além disso, caso a mesma conduta também viole outras disposições passíveis da penalidade de de- missão, previstas no art. 132 ou nos incisos IX a XVI do art. 117, indica-se que seja enquadrada também nestas outras hipóteses como forma de evitar o sobrestamento do feito administrativo, em decorrência de eventual discussão judicial sobre a prática de ato de improbidade administrativa e a necessidade de prévia manifestação do Poder Judiciário acerca do ato, de que dependeria o julgamento no âmbito administrativo.

A lei de improbidade administrativa, no art. 15, estabelece às comissões de processo administrativo o dever de comunicar ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas a instauração de apuratório no âmbito disciplinar pela prática de ato de improbidade administrativa, inclusive para que estes órgãos possam de- signar representante para acompanhar o processo.

Lei nº 8.429/92

Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurar a prática de ato de improbidade.

Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.

Ao STJ foi levada discussão acerca de eventual nulidade do PAD pela falta de ciência aos órgãos fisca- lizadores. O Ministro Relator do Mandado de Segurança nº 15.021-DF exarou decisão no sentido de que a mera irregularidade de procedimento em processo administrativo disciplinar (não comunicação ao MP e ao Tribunal de Contas) não é suficiente para anular a punição aplicada pela comissão processante.

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCI- PLINAR. MINISTÉRIO PÚBLICO. TRIBUNAL DE CONTAS. CIÊNCIA. ARTIGO 15 DA LEI 8.429/92. FALTA. MERA IRREGULARIDADE. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. DEMISSÃO. PROPORCIONALIDADE. SEGURANÇA DENEGADA.

 

214           DI PIETRO, 2006, p. 826.

 

  • Constitui mera irregularidade, incapaz de gerar nulidade, o fato de a comissão pro- cessante não ter dado ciência imediata ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da existência do procedimento administrativo disciplinar, para eventual apuração da prática de ato de
  • – Na espécie, ademais, o processo disciplinar somente foi instaurado após o recebimento de ofício oriundo do próprio Ministério Público Federal, que noticiava indícios de atos de improbidade adminis- (…) (grifou-se)

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS nº 15.021/DF. Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 25/8/2010)

 

  • Enriquecimento Ilícito por aquisição de bens desproporcional aos rendimentos ou à evolução patrimonial

Entre as hipóteses de ato de improbidade administrativa previstas na Lei nº 8.429/92, destaca-se a modalidade de enriquecimento ilícito disposta no art. 9º, VII, consistente na aquisição de bens, para si ou para outrem, desproporcionalmente à evolução do patrimônio ou da renda do agente público.

Caso o agente público adquira bens, de qualquer natureza (móveis, imóveis, direitos, etc.), para ele próprio ou para terceira pessoa, de forma desproporcional à sua renda regularmente auferida ou ao acrés- cimo patrimonial natural dos bens que já compõem seu acervo, incorrerá no ilícito mencionado.

Lei nº 8.429/92

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qual- quer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, em- prego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

(…)

VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; (grifou-se)

Em breve resumo, a compatibilidade patrimonial é verificada por meio da apuração dos rendimentos declarados pelo agente à Secretaria da Receita Federal do Brasil, subtraídos de suas despesas. Caso as despesas (gastos de toda ordem) superem as receitas declaradas, caracteriza-se, em tese, omissão de ren- dimentos (receitas não declaradas), que indicia possível variação patrimonial sem sustentação em rendas reveladas.

No apuratório disciplinar, caberá à Administração comprovar a evolução patrimonial desproporcional do agente, no exercício da função pública, para que fique caracterizada presunção relativa de veracidade. Isto é, sendo atestado pela Administração que houve aquisição de bens além do suportado pelos ren- dimentos legalmente declarados, constitui-se presunção juris tantum (relativa) contra o investigado, que poderá produzir elementos de prova em sentido contrário. Neste tocante, vale lembrar o já mencionado Enunciado CGU nº 8:

Art. 132, IV, Lei nº 8.112/90 c/c art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92. ÔNUS DA ADMINISTRAÇÃO. DE-

MONSTRAÇÃO DA DESPROPORCIONALIDADE. Nos casos de ato de improbidade que importem em enriquecimento ilícito pelo agente público, cujo valor seja desproporcional à evolução do seu patri- mônio ou à sua renda, compete à Administração Pública apenas demonstrá-lo, não sendo necessário provar que os bens foram adquiridos com numerário obtido através de atividade ilícita.

Enunciado CGU nº 8, publicado no DOU de 10/12/14, seção 1, página 2

Como já colocado, a prévia constatação de patrimônio desproporcional do agente não pode ser considerada sinal de locupletamento ilícito insuscetível de prova em contrário, apesar de configurada a pre-

 

sunção legal. Isto porque esta presunção a favor da Administração não é absoluta, admitindo contraprova. Cabe ao investigado demonstrar que sua evolução patrimonial foi lícita e dissociada de atividades afetas a suas funções públicas. Acaso devidamente atestada a aquisição dos bens por meios desvinculados às funções públicas, restará afastada a conduta insculpida no art. 9º, VII, da Lei nº 8.429/92, sendo considerada atípica para fins disciplinares.

Assinala-se que se mostra desnecessária a comprovação do nexo causal do enriquecimento ilícito com o exercício da função pública. Caso fosse imprescindível tal prova para a caracterização do ilícito co- mentado, a comissão apuradora teria uma tarefa hercúlea, quase impossível de ser cumprida. Ademais, o inciso VII do art. 9º da Lei nº 8.429/92 é um tipo disciplinar autônomo e específico, independente do caput do mesmo dispositivo. Com isso, não é necessária a comprovação do recebimento de efetiva vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, prevista no caput do art. 9º, para a capitulação da conduta no inciso VII, posto ser independente.

Além disso, exigir a comprovação do liame do enriquecimento ilícito com o cumprimento das fun- ções públicas tornaria sem efeito a própria previsão do inciso VII, esvaziaria seu conteúdo, já que a conduta deixaria de ser nele inserta para configurar os ilícitos previstos no art. 117, IX ou XII, da Lei nº 8.112/90.

Lei nº 8.112/90

Art. 117. Ao servidor é proibido:

(…)

IX – valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;

(…)

XII – receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;

Por seu turno, foi proposta a criminalização desta conduta no Projeto de Lei nº 5.586/05215, que su- gere o acréscimo do art. 317-A ao Código Penal, nos termos abaixo:

Projeto de Lei nº 5.586/05

Art. 317-A. Possuir, manter ou adquirir, para si ou para outrem, o funcionário público, injustificada- mente, bens ou valores de qualquer natureza, incompatíveis com sua renda ou com a evolução de seu patrimônio:

Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.

Além da existência de dolo do agente, questão relevante a ser verificada no caso concreto é o grau de desproporção na aquisição de bens para com os rendimentos auferidos. Deve-se levar em consideração os princípios da proporcionalidade e razoabilidade na formação do juízo da conformação ou não da conduta no ilícito em questão. Inconsistências de pequena relevância e vinculadas exclusivamente à seara fiscal não devem ser importadas para a seara disciplinar.

No plano prático, há infrações fiscais ou erros nas declarações prestadas ao fisco que não implicam em patrimônio a descoberto do agente, consistindo em mera infração tributária ou simples erro de pre- enchimento. Assim, recomenda-se evitar apressada imputação de irregularidades disciplinares indevidas, devendo a comissão apuradora agir com cautela no apontamento de referida infração, a partir da análise de indicadores precisos e elucidativos de possível variação patrimonial a descoberto (não declarada).

A deflagração de procedimento para aferir eventual enriquecimento ilícito por incompatibilidade com a renda pode ser realizada com base em pelo menos três vieses diversos: constatação de evolução patrimo-

215           Ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, tendo sido retirado do regime de urgência, a pedido do Poder Executivo, em 6 de julho de 2016. http:// www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=292771

 

nial desproporcional; sinais exteriores de riqueza (gastos além do suportado pelo padrão de rendimentos) e movimentação financeira incompatível.

De acordo com o relatado acerca da presunção relativa a favor da Administração, cabe ao investigado fazer prova em sentido contrário à constatação de enriquecimento ilícito. Deve-se destacar, com isso, que é plenamente possível ao agente demonstrar a licitude dos seus ganhos que dariam suporte ao acréscimo patrimonial evidenciado, como por exemplo, recebimento de heranças, prática de atividades privadas, va- lorização natural de bens que já compõem o patrimônio, etc. Ou seja, o agente precisa demonstrar que o acréscimo patrimonial obtido não decorreu do uso indevido do cargo.

De todo modo, a Administração apenas pode ter ciência da renda auferida pelo exercício da função pública ou, ao menos, a declarada ao Fisco. Nesse sentido, para verificação da compatibilidade de renda somente será levada em consideração a renda do agente formalmente conhecida, cabendo a ele comprovar a existência de outras receitas não reveladas, mesmo de origem ilícita. Neste particular aspecto, compro- vada a desvinculação do aumento patrimonial incompatível com o exercício do cargo público, mesmo que as rendas tenham origem ilícita (exemplo: produto do crime de tráfico de drogas) não restarão medidas de caráter disciplinar, sem prejuízo de investigação no âmbito criminal sobre a prática do suposto crime.

Vale frisar também a independência das instâncias fiscal e disciplinar. Caso o agente comprove rendi- mentos recebidos, mas não declarados à Secretaria da Receita Federal do Brasil, que sustentem a evolução patrimonial discutida, restará afastada no plano disciplinar qualquer repercussão punitiva. A despeito disso, o ilícito fiscal poderá configurar-se autonomamente. O Decreto nº 5.483/05 reforça esta independência ao prelecionar que, após a conclusão de sindicância patrimonial instaurada para apurar possível enriquecimento ilícito, deverá ser comunicada a Secretaria da Receita Federal do Brasil para providências de sua alçada.

Art. 8º Ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.429, de 1992, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial, destinada à apuração dos fatos.

Parágrafo único. A sindicância patrimonial de que trata este artigo será instaurada, mediante por- taria, pela autoridade competente ou pela Controladoria-Geral da União.

(…)

Art. 10. Concluído o procedimento de sindicância nos termos deste Decreto, dar-se-á ime- diato conhecimento do fato ao Ministério Público Federal, ao Tribunal de Contas da União, à Controladoria-Geral da União, à Secretaria da Receita Federal e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras. (grifou-se)

Ademais, não há que se falar em bis in idem (dupla punição) caso o agente responda concomitante- mente nas duas esferas, disciplinar e fiscal, resultando nas respectivas sanções. Ainda, se o agente tiver sido punido em uma esfera administrativa, tal fato não implica necessariamente em punição na outra, visto que o mesmo fato ecoa diferentes reflexos (disciplinar ou estatutário e fiscal). Na seara disciplinar busca-se averi- guar a compatibilidade patrimonial do agente com seus rendimentos, enquanto na fiscal visa-se tão somente à apuração da tributação legal sobre seus rendimentos.

Para concluir, é mister ressaltar que, encontrando-se o servidor em situação de acumulação lícita de cargos públicos, em conformidade com o artigo 37, inciso XVI, da Constituição Federal, caracterizado o enriquecimento ilícito por incompatibilidade patrimonial, a presunção de ilegitimidade do patrimônio adqui- rido deve ter reflexos em relação a todos os cargos acumulados, levando à inevitável conclusão de que essa incompatibilidade advém de ações ilícitas praticadas em todos eles.

De fato, o conjunto probatório indicador da ocorrência de enriquecimento ilícito, caracterizado pela aquisição de bens desproporcionais à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, serve de lastro, dada a presunção legal de que essa incompatibilidade é oriunda de irregularidades praticadas em razão das

 

atribuições inerentes a todos os cargos acumulados, à aplicação da penalidade de demissão em relação a cada um deles.

  • Declaração de Bens dos

A Lei nº 8.112/90 estatuiu o dever dos servidores públicos federais de apresentarem declaração de bens e valores que constituem o patrimônio particular de cada um no ato da posse.

Logo em seguida, a Lei nº 8.429/92, em seu art. 13, previu que a efetiva apresentação da declaração dos bens e valores do agente público é condição necessária para a posse e o exercício nos respectivos mandatos, cargos, empregos ou funções públicas. Observa-se que a lei estendeu tal obrigatoriedade a todo e qualquer agente público, não apenas aos servidores públicos federais. Esta declaração deve ser atualizada anualmente e na data em que o agente público deixar o exercício de sua função.

Ao invés de declaração especificamente preparada para entrega ao serviço pessoal, o servidor poderá utilizar-se de cópia da Declaração Anual de Bens apresentada à Secretaria da Receita Federal do Brasil, con- forme determina o art. 13, § 4º, da Lei nº 8.429/92.

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser ar- quivada no serviço de pessoal competente.

(…)

  • 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

(…)

  • 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo.
  • 5º No ato da posse, o servidor apresentará declaração de bens e valores que constituem seu patrimônio e declaração quanto ao exercício ou não de outro cargo, emprego ou função pú- blica. (grifou-se)

Destaca-se que a lei de improbidade administrativa prevê, no § 3º do art. 13, de forma independente da Lei nº 8.112/90 e dos estatutos de cada esfera dos entes federados, bem como da legislação trabalhista, pena de demissão, a bem do serviço público, para o agente público que se recusar a prestar a declaração dos bens ou que a prestar falsa.

  • 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo de- terminado, ou que a prestar falsa. (grifou-se)

Este dispositivo deve ser interpretado com ressalvas. Somente será aplicável caso o servidor se recuse a apresentar a declaração, mesmo depois de notificado para tanto, sendo assegurado o devido processo legal. Isto é, o simples fato de não ter entregue a declaração não é causa, por si só, de demissão, sendo imprescindível a sua reincidência dolosa (relutância em não a apresentar mesmo depois de regularmente solicitado).

Além disso, caso o servidor apresente dolosamente declaração de bens falsa, resta também confi- gurado o ilícito. A falsidade deve ser apurada no caso concreto, não se configurando na hipótese de erro culposo do agente.

Em acréscimo aos dois diplomas citados, mais à frente foi editada a Lei nº 8.730, de 10 de novembro de 1993, a qual determinou que os detentores de mandatos políticos dos Poderes Executivo e Legislativo,

 

membros do Poder Judiciário e do Ministério Público da União, bem como todos aqueles que exerçam cargos eletivos e cargos, empregos ou funções de confiança nos órgãos pertencentes à Administração direta ou indireta da União, devem entregar declaração de bens na entrada e na saída do exercício da função, como também no final de cada exercício financeiro (anualmente).

A declaração deverá ser apresentada ao setor de pessoal do seu órgão e cópia deverá ser remetida ao TCU.

Lei nº 8.730/93

Art. 1º É obrigatória a apresentação de declaração de bens, com indicação das fontes de renda, no momento da posse ou, inexistindo esta, na entrada em exercício de cargo, em- prego ou função, bem como no final de cada exercício financeiro, no término da gestão ou mandato e nas hipóteses de exoneração, renúncia ou afastamento definitivo, por parte das autoridades e servidores públicos adiante indicados:

(…)

VII – todos quantos exerçam cargos eletivos e cargos, empregos ou funções de confiança, na administração direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da União.

(…)

  • 2º O declarante remeterá, incontinenti, uma cópia da declaração ao Tribunal de Contas da União, para o fim de este: (…)

Art. 3º A não apresentação da declaração a que se refere o art. 1º, por ocasião da posse, implicará a não realização daquele ato, ou sua nulidade, se celebrado sem esse requisito essencial.

Parágrafo único. Nas demais hipóteses, a não apresentação da declaração, a falta e atraso de re- messa de sua cópia ao Tribunal de Contas da União ou a declaração dolosamente inexata implicarão, conforme o caso:

(…)

  1. b) infração político-administrativa, crime funcional ou falta grave disciplinar, passível de perda do mandato, demissão do cargo, exoneração do emprego ou destituição da função, além da inabili- tação, até cinco anos, para o exercício de novo mandato e de qualquer cargo, emprego ou função pública, observada a legislação específica. (grifou-se)

Em regulamentação dos dispositivos legais que impõem o dever de apresentar a declaração de bens, especialmente ao art. 13 da Lei nº 8.429/92, foi editado o Decreto nº 5.483/05, que prevê a possibilidade de o servidor autorizar o acesso à declaração anual apresentada à Secretaria da Receita Federal do Brasil. Ademais, foi também editada a Portaria Interministerial MPOG/CGU nº 298, de 6 de setembro de 2007, que prevê, expressamente, as duas possibilidades de apresentação da declaração de bens: autorizar acesso, por meio eletrônico, às cópias das declarações de ajuste anual do imposto de renda da pessoa física ou apresentar anualmente, em papel, declaração de bens e valores específicas ao setor de pessoal.

A CGU e os órgãos de controle interno e externo do Poder Executivo Federal terão acesso a tais dados com o fito de, eventualmente, analisarem a evolução patrimonial dos agentes públicos.

Decreto nº 5.483/05 Art. 3º.

(…)

  • 2º O cumprimento do disposto no § 4º do art. 13 da Lei nº 8.429, de 1992, poderá, a critério do agente público, realizar-se mediante autorização de acesso à declaração anual apresen- tada à Secretaria da Receita Federal, com as respectivas retificações.

 

(…)

Art. 7º A Controladoria-Geral da União, no âmbito do Poder Executivo Federal, poderá analisar, sempre que julgar necessário, a evolução patrimonial do agente público, a fim de verificar a compatibilidade desta com os recursos e disponibilidades que compõem o seu patri- mônio, na forma prevista na Lei nº 8.429, de 1992, observadas as disposições especiais da Lei nº 8.730, de 10 de novembro de 1993.

Portaria Interministerial-MPOG/CGU nº 298/07

Art.1° Todo agente público, no âmbito do Poder Executivo Federal, como forma de atender aos re- quisitos constantes no art. 13 da Lei n° 8.429, 2 de junho de 1992, e no art. 1º da Lei nº 8.730, 10 de novembro de 1993, deverá:

  • autorizar o acesso, por meio eletrônico, às cópias de suas Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física, com as respectivas retificações, apresentadas à Secretaria da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Fazenda; ou
  • apresentar anualmente, em papel, Declaração de Bens e Valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no Serviço de Pessoal

(…)

  • 3° Uma vez autorizado o acesso à Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física, na forma de inciso I deste artigo, não haverá necessidade de renovação anual da autorização.
  • 4° O agente público poderá cancelar a autorização prevista no inciso I deste artigo, passando a entregar a Declaração de Bens e Valores anualmente em papel, na forma do inciso II.

(…)

Art. 5° As informações apresentadas pelo agente público ou recebidas da Secretaria da Receita Fe- deral do Brasil serão acessadas somente pelos servidores dos órgãos de controle interno e externo para fins de análise da evolução patrimonial do agente público. (grifou-se)

Das análises realizadas nas declarações de bens e valores dos agentes públicos federais, poderá a CGU ou as unidades seccionais de correição de cada entidade federal identificar indícios de enriquecimento ilícito dos agentes públicos. Com isso, o Decreto nº 5.483/05 instituiu o procedimento denominado de Sindicância Patrimonial, que consiste em mais um mecanismo de apuração de supostos ilícitos disciplinares, especialmente no que tange à possível incompatibilidade patrimonial e que foi tratada neste manual no item 6.1.3.

Apenas para relembrar, em síntese, a sindicância patrimonial é um procedimento investigativo, de acesso restrito e sem caráter punitivo, tendo por finalidade apurar a compatibilidade patrimonial do agente público com sua renda. O procedimento deve ser conduzido por comissão composta de pelo menos dois servidores ou empregados públicos efetivos. Não há necessidade de os servidores serem estáveis, visto não possuir a sindicância caráter punitivo. O prazo para o término dos trabalhos é de 30 dias, prorrogável por igual período ou inferior. Ao final, a comissão de sindicância patrimonial emitirá relatório conclusivo opinando pelo arquivamento das peças processuais, caso não caracterizados indícios de enriquecimento ilícito do investigado, ou pela instauração de processo administrativo disciplinar (PAD), na hipótese de serem demonstrados sinais claros de desproporção entre a renda e a evolução patrimonial do agente público.

 

  • IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E CONFLITO DE INTERESSES

 

  • CONFLITO DE INTERESSES

O conflito de interesses, apesar de ter sido indiretamente mencionado na Lei nº 8.112/90 (art. 117, parágrafo único, inciso II), apenas ganhou conceituação conclusiva com a edição da Lei nº 12.813/13 (Lei

 

de Conflito de Interesses) que, no inciso I de seu art. 3º, assim o definiu: “situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública”.

A referida lei traz aspectos preventivos e repressivos das situações consideradas geradoras de conflito de interesses, demonstrando que, em primeiro momento, a intenção do legislador é que sejam cessadas ou não iniciadas as situações em si. Porém, no caso de sua ocorrência, consoante estabelece o art. 12 da Lei nº 12.813/13, o agente público estará sujeito à apuração disciplinar pela configuração, em tese, de ato de improbidade administrativa, conduta a ser apurada e, conforme o caso, sancionada nos termos da Lei nº 8.112/90, sem prejuízo da apuração e implicações previstas na Lei nº 8.429/92.

Assim, resta demonstrada a relevância do assunto para o presente manual, uma vez que a apuração e eventual apenação do agente público cujos atos venham a configurar conflito de interesses haverá de ser feita por meio de processo administrativo disciplinar, com a observância, dentre outros, dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

 

  • ABRANGÊNCIA SUBJETIVA

É importante abordar a abrangência subjetiva da Lei de Conflito de Interesses, para que não se incorra no erro de identificar como destinatários apenas grupos específicos de agentes públicos, embora, para al- guns grupos, a lei realmente traga previsões adicionais.

Assim, por força do art. 10, aplicam-se os arts. 5º e 6º, I a todo ocupante de cargo ou emprego no Poder Executivo federal, conforme se lê:

Art. 5º Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Exe- cutivo federal:

  • – divulgar ou fazer uso de informação privilegiada, em proveito próprio ou de terceiro, obtida em razão das atividades exercidas;
  • – exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe;
  • – exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas;
  • – atuar, ainda que informalmente, como procurador, consultor, assessor ou intermediário de inte- resses privados nos órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
  • – praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão;
  • – receber presente de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe fora dos limites e condições estabelecidos em regulamento; e
  • – prestar serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade seja controlada, fiscalizada ou regulada pelo ente ao qual o agente público está

Parágrafo único. As situações que configuram conflito de interesses estabelecidas neste artigo apli- cam-se aos ocupantes dos cargos ou empregos mencionados no art. 2º ainda que em gozo de licença ou em período de afastamento.

Art. 6º Configura conflito de interesses após o exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal:

 

  • – a qualquer tempo, divulgar ou fazer uso de informação privilegiada obtida em razão das atividades exercidas;

Art. 10. As disposições contidas nos arts. 4º e 5º e no inciso I do art. 6º estendem-se a todos os agentes públicos no âmbito do Poder Executivo federal.

A eles também se aplicam as medidas de natureza preventiva, previstas no art. 4º da Lei, que con- sistem em agir de modo a prevenir ou a impedir possível conflito de interesses e a resguardar informação privilegiada, consultando a Comissão de Ética Pública ou a CGU, em caso de dúvida.

Tais obrigações preventivas, fixadas no art. 4º, também são exigíveis do grupo de agentes destacado no art. 2º da Lei, que abrange os ocupantes de empregos e cargos: a) de ministro de Estado; b) de natu- reza especial ou equivalentes; c) de presidente, vice-presidente e diretor, ou equivalentes, de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista; d) do Grupo-Direção e Asses- soramento Superiores – DAS, níveis 6 e 5 ou equivalentes; e e) de cargos ou empregos cujo exercício proporcione acesso a informação privilegiada capaz de trazer vantagem econômica ou financeira para o agente público ou para terceiro. Estes, porém, obrigam-se, ainda, a não incorrer nas situações previstas no art. 6º, II.

Art. 6º Configura conflito de interesses após o exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal:

(…)

  • – no período de 6 (seis) meses, contado da data da dispensa, exoneração, destituição, demissão ou aposentadoria, salvo quando expressamente autorizado, conforme o caso, pela Comissão de Ética Pública ou pela Controladoria-Geral da União:
  1. prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço a pessoa física ou jurídica com quem tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou emprego;
  2. aceitar cargo de administrador ou conselheiro ou estabelecer vínculo profissional com pessoa física ou jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo ou emprego ocupado;
  3. celebrar com órgãos ou entidades do Poder Executivo federal contratos de serviço, consultoria, assessoramento ou atividades similares, vinculados, ainda que indiretamente, ao órgão ou entidade em que tenha ocupado o cargo ou emprego; ou
  4. intervir, direta ou indiretamente, em favor de interesse privado perante órgão ou entidade em que haja ocupado cargo ou emprego ou com o qual tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do cargo ou
    • PREVENÇÃO

Não obstante a previsão legal de a situação de conflito de interesses poder-se materializar em ilícito disciplinar, se observa que a lei tem um viés eminentemente preventivo, tanto ao colocar como obrigação genérica de todo ocupante de cargo ou emprego no Executivo Federal a fuga a tais situações, quanto ao prever as figuras da consulta e da autorização para o exercício da atividade privada. Quer dizer, o objetivo maior previsto na legislação é que não ocorram ou sejam cessadas as situações de conflito de interesses e, residualmente, a apuração disciplinar de tais situações, conforme se exporá mais adiante.

O entendimento sobre o fluxo das consultas passa pela interpretação conjunta da Lei nº 12.813/13 e da Portaria Interministerial nº 333, de 19 de setembro de 2013, dos então Ministros de Estado do Pla- nejamento, Orçamento e Gestão e Chefe da Controladoria-Geral da União, publicada no Diário Oficial da União de 20 de setembro de 2013, seção 1, página 80.

 

Assim, inicialmente, o §1º do art. 4º da Lei nº 12.813/13 prevê que, existindo dúvida, o agente público deverá consultar a Comissão de Ética Pública (agentes mencionados no art. 2º, I a IV) ou a CGU (demais agentes, conforme regulamento), em conformidade com o art. 8º, parágrafo único.

Em relação aos agentes submetidos à atuação da CGU, a regulamentação ocorreu por meio da Portaria já citada, a qual, em seu art. 2º, I, define consulta como o “instrumento à disposição de servidor ou empregado público pelo qual ele pode solicitar, a qualquer momento, orientação acerca de situação concreta, individualizada, que lhe diga respeito e que possa suscitar dúvidas quanto à ocorrência de conflito de interesses”.

Importa destacar que a Portaria prevê a necessidade de que sejam submetidos à apreciação casos concretos, não sendo possível a apreciação em tese.

Em termos de fluxo verifica-se que a Portaria prevê que, tanto a consulta quanto o pedido de auto- rização de exercício de atividade privada serão endereçados, inicialmente, para as unidades de Recursos Humanos, nos termos e condicionantes do art. 4º.

Inexistindo conflito de interesses, ou sendo irrelevante, a própria unidade de Recursos Humanos ou outra autoridade conforme regulamentação própria de cada órgão ou entidade, comunicará ao interessado, emitindo, se se tratar desta hipótese, autorização para o exercício da atividade privada especificamente consultada.

Somente nos casos de verificação do potencial conflito de interesses é que haverá encaminhamento da consulta ou do pedido de autorização à CGU216, que exercerá a sua competência legal, nos termos do art. 7º da Portaria nº 333/2013:

Art. 7º Cabe à CGU, nas consultas a ela submetidas pelas unidades de Recursos Humanos dos órgãos e entidades do Poder Executivo federal, analisar e manifestar-se sobre a existência ou não de conflito de interesses, bem como autorizar o servidor ou empregado público a exercer atividade privada, quando verificada inexistência de conflito de interesses ou sua irrelevância.

Parágrafo único. Caso entenda pela existência de conflito de interesses, a CGU poderá determinar medidas para sua eliminação ou mitigação, levando em conta a boa-fé do servidor ou empregado público, com a possibilidade, inclusive, de concessão de autorização condicionada

O sistema normativo construído permite, assim, afirmar que a CGU atua como uma instância deci- sória, ou seja, as respostas às consultas e pedidos de autorização inseridos em sua esfera de competência deverão ser acatadas pelos órgãos, entidades e agentes públicos a que digam respeito, nos termos e limites do quanto oferecido para análise (fato e circunstâncias do fato concreto), vez que a adição de novas situa- ções ou condicionantes podem mudar, completamente, a análise sobre a existência ou a relevância da situ- ação de conflito de interesses. Nesta mesma linha, deve ser considerada não somente a manifestação final, sobre a existência ou não da situação de conflito (ainda que potencial), mas, também, e principalmente, as razões que levaram a estas conclusões, pois é nas razões de decidir que se encontrará a descrição do fato e respectivas circunstâncias que levaram a determinada conclusão. Consistindo em verdadeiro ato adminis- trativo decisório, entende-se aplicável o art. 50 da Lei nº 9.784/99, mais especificamente:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

  • – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
  • – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; (…)

 

216           No âmbito da CGU, por força da Portaria CGU nº 1.911, publicada no DOU de 7 de outubro de 2013, seção 1, página 2, a unidade responsável pela análise das mencionadas consultas é a Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção – STPC.

 

  • 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concor- dância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

Como se tratará do aspecto disciplinar da situação de conflito de interesses é importante, desde já, evidenciar, porém, que esta manifestação em sede de consulta não necessariamente vinculará o resultado de uma apuração disciplinar, uma vez que esta sempre abordará o elemento subjetivo da conduta do agente enquanto que, na consulta, avaliam-se os fatos e circunstâncias apresentadas e a sua subsunção ou não à norma.

Vale registrar, por fim, que as consultas e pedidos de autorização referentes aos agentes públicos lis- tados nos incisos I a IV do art. 2º da Lei nº 12.813/13 deverão, se for o caso, ser encaminhadas à Comissão de Ética Pública.

 

  • APURAÇÃO DISCIPLINAR

A repercussão disciplinar das situações de conflito de interesses decorre das previsões dos arts. 12 e 13 da Lei nº 12.813/13, abaixo transcritos:

Art. 12. O agente público que praticar os atos previstos nos arts. 5º e 6º desta Lei incorre em im- probidade administrativa, na forma do art. 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, quando não caracterizada qualquer das condutas descritas nos arts. 9º e 10 daquela Lei.

Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput e da aplicação das demais sanções cabíveis, fica o agente público que se encontrar em situação de conflito de interesses sujeito à aplicação da pena- lidade disciplinar de demissão, prevista no inciso III do art. 127 e no art. 132 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ou medida equivalente.

Art. 13. O disposto nesta Lei não afasta a aplicabilidade da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, especialmente no que se refere à apuração das responsabilidades e possível aplicação de sanção em razão de prática de ato que configure conflito de interesses ou ato de improbidade nela previstos.

Da leitura depreende-se que a prática de conduta que implique em conflito de interesses configu- ra-se, em tese, como ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, conforme previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/92, ressalvada a hipótese de que a improbidade se materialize em condutas previstas nos arts. 9º e 10 da mesma Lei, quando, então, receberão este enqua- dramento mais específico.

Em todo caso, como a configuração é, teoricamente, improbidade administrativa, a penalidade pre- vista, nos termos do art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90 é a de demissão.

A apuração e eventual responsabilização serão processadas nos termos da Lei nº 8.112/90, inclusive no que se refere à competência da autoridade instauradora do processo.

Assim, pode-se dizer que o bem tutelado pela norma é a própria probidade administrativa e, por isso, a configuração das hipóteses não requer a ocorrência de lesão ao patrimônio público ou o recebimento de qualquer vantagem ou ganho pelo agente público ou terceiro (art. 4º, §2º, Lei nº 12.813/13). Tais cir- cunstâncias, portanto, não são elementares à configuração do ilícito, mas, se presentes, poderão ensejar enquadramento mais específico nos arts. 9º e 10 da Lei nº 8.429/92.

 

  • SEMELHANÇAS COM TIPOS ESTATUTÁRIOS

A legislação assimilou o conflito de interesses à improbidade administrativa, não se podendo, contudo, negar a semelhança entre condutas previstas na Lei nº 12.813/13 e descrição de ilícitos disciplinares trazida pela Lei nº 8.112/90, conforme pode ser verificar na compilação abaixo:

 

OBJETO CONDUTA SANÇÃO
LEI Nº 12.813/13 LEI Nº 8.112/90 LEI Nº 12.813/13 LEI Nº 8.112/90
 

Resguardo de informações

Divulgar ou fazer uso de informação privilegiada, em proveito próprio ou de

terceiro, obtida em razão das atividades exercidas (art. 5º, I).

Revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo (art. 132, inciso IX).  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Demissão e impedimento de retornar ao serviço público federal, sem prejuízo das demais cabíveis, em Ação Cível

de Improbidade Administrativa.

 

Demissão

 

 

Exercício de atividade

incompatível

Exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se

como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas (art. 5º, inciso III).

 

Exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho (art. 117, inciso XVIII).

 

 

 

Suspensão

 

 

 

Atuação como procurador/ intermediário

Atuar, ainda que informalmente, como procurador, consultor, assessor ou intermediário de interesses privados nos órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 5º, inciso IV). Atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários

ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro (art. 117, inciso XI).

 

Demissão e incompatibilização para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

 

 

Recebimento de presentes

Receber presente de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe fora

dos limites e condições estabelecidos em regulamento (art. 5º, inciso VI).

Receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições (art. 117, inciso XII).  

 

Demissão

Pela proximidade da descrição das condutas e sutileza dos detalhes de possível diferenciação, o mé- todo mais seguro de avaliar-se se se trata de revogação da Lei nº 8.112/90 ou se, realmente, é possível a coexistência das normas, é a análise do caso concreto. E, neste contexto, já é importante pontuar a dificul- dade de tratamento da matéria, haja vista a inexistência de estudos doutrinários ou mesmo posicionamentos jurisprudenciais que possam balizar entendimentos a serem tomados como paradigmas. Ou seja, até o pre- sente momento, ainda se verifica uma necessidade de análise casuística, até que se possa formular padrões de entendimento com maior segurança jurídica.

Não obstante a carência de referencial teórico, se pode mencionar, por exemplo, o entendimento de Marcos Salles Teixeira o qual, no entanto, é consonante com a linha já traçada, no sentido da necessidade de análise do caso concreto:

A chave de solução para elucidar se determinada conduta a priori enquadrável em algum daqueles enquadramentos da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e também atingida pela definição de conflito de interesses em algum dos sete incisos do art. 5º (e também do inciso I do art. 6º) da Lei nº 12.813, de 16/05/13, e, portanto, legalmente definidos como atos de improbidade administrativa por

MANUAL DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR • 2021                                                                                                                                                                                   249                                                                                                                                                                                  

 

afronta a princípios reitores da Administração, inafastavelmente, passa pela ponderação dinâmica se o fato concreto sob análise, primeiramente, amolda-se às especiais literalidades desta última Lei e, em segundo estágio, se, além da formal adequação à previsão legal, carregam em si carga de ânimo subjetivo, de gravidade e de repulsa social a ponto de merecerem o sancionamento como ímproba, nos termos combinados do art. 132, IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90, e do caput do art. 11 da Lei nº 8.429, de 02/06/92. Do contrário, caso não se amolde à literalidade em especial que reflete o instituto do conflito de interesses do art. 5º (e também do inciso I do art. 6º) da Lei nº 12.813, de 16/05/13, ou, ainda que se amolde, não comporte o ânimo subjetivo, a gravidade ou a repulsa social merecedores do enquadramento como ímproba, deve restar enquadrada em algum daqueles enquadramentos estatutários mais genéricos (…).

Conforme já mencionado anteriormente, se verifica a imprescindibilidade, em se tratando da apu- ração disciplinar, de que seja avaliado o elemento subjetivo da conduta do agente. Primeiramente, porque não existirá responsabilização disciplinar, de modo geral, se não se tratar de conduta, pelo menos, culposa, pois o ordenamento jurídico estabelece a necessidade de que a responsabilidade seja subjetiva. No caso específico, além de ser determinante para a própria responsabilização, o elemento subjetivo poderá nor- tear, inclusive, o enquadramento legal mais adequado, se houver mais de uma possibilidade nas normas sob análise.

Vale mencionar, ainda, que, em que pese a existência de entendimento no sentido de que, para as condutas delineadas no art. 10 da Lei nº 8.429/92, bastaria conduta culposa, esta CGU filia-se ao enten- dimento, conforme já exposto no item 10.5.3.4.1, de que, para fins disciplinares, o elemento subjetivo da improbidade administrativa é o dolo, entendido como intenção ou, minimamente, consciência da ilicitude da conduta.

Frise-se ainda que algumas das ilicitudes descritas na Lei de Conflito de Interesses, sobretudo aquelas descritas nos incisos II, III, IV e V do artigo 5º, não dependem de obtenção de resultado ou sequer de expectativa de resultado. A prática da conduta descrita na norma, por si só, já pode caracterizar o ilícito. Nestes casos, o dolo deve ser verificado como a consciência do agente de figurar na situação descrita como irregular.

Ainda em se tratando da semelhança entre os tipos, vale destacar que, inobstante essa ocorrência, a penalidade decorrente da subsunção à Lei nº 12.813/13, sempre é a mais gravosa – demissão por im- probidade administrativa, com o impedimento de retornar ao serviço público federal, além da possibilidade de cumulação das sanções previstas na Lei nº 8.429/92 (perda de bens ou valores, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil, a serem aplicadas conforme enquadramento e circunstâncias do caso concreto), por via da ação judicial própria, prevista na mesma lei.

Diante destas possibilidades dadas pelo próprio ordenamento jurídico, é oportuno relembrar a afir- mativa feita sobre o alcance da vinculação, seja das manifestações das unidades dos órgãos e entidades, ou mesmo da CGU, nas consultas sobre existência de conflito de interesses, ainda que potencial. Para correta avaliação, é preciso ponderar que:

  1. A resposta a uma consulta está cingida ao caso concreto apresentado pelo agente, com as circunstâncias que são por ele também indicadas;
  2. Na avaliação de uma consulta não há análise sobre o elemento subjetivo da conduta do agente;
  3. As comissões disciplinares têm que trabalhar com autonomia e independência e, observando os princípios da ampla defesa e do contraditório, devem buscar a verdade material dos fatos, para formar o convencimento sobre a existência de ilícito disciplinar, qual o enquadramento mais adequado e a respectiva sanção, valendo lembrar, ainda, que a última palavra, no processo disciplinar, será da autoridade competente para o julgamento, que deverá decidir em conformidade com a prova dos autos; e
  4. Havendo manifestação de qualquer autoridade competente sobre inexistência de conflito de

 

interesses e, posteriormente, havendo apuração disciplinar sobre o fato, o investigado poderá invocar a referida manifestação em sua defesa, porém, esta não terá valoração absoluta, devendo ser analisada, primeiramente, quanto ao seu alcance (fatos e circunstâncias informados na consulta) e delimitação (razões de decidir), além da necessidade de ser vista como mais uma prova, em busca da verdade material dos fatos. Assim, a consequência somente advirá do regular processamento da apuração, com a produção de todas as provas necessárias, não havendo como, a priori, eximir o agente de completa responsabilidade, por haver uma decisão favorável à prática da atividade consultada.

Assim, havendo demanda pela apuração disciplinar de situação de conflito de interesses, a comissão processante deverá levar em consideração as eventuais manifestações precedentes (dos órgãos/entidades, da CGU ou mesmo da Comissão de Ética Pública), porém, deverá avaliar tais manifestações no contexto dos autos, não podendo constituir-se em prova exclusiva, seja para condenar, seja para absolver. A comissão deverá avaliar todas as circunstâncias indicadas na denúncia ou representação, o alcance e as razões de decidir das manifestações precedentes, o conhecimento maior ou menor do investigado acerca da repro- vabilidade de sua conduta e todos os demais elementos que somente o caso concreto poderá apresentar.

  • 132, inciso V (incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição)

Incontinência é a falta de moderação, de comedimento. Como bem ilustra o professor Léo da Silva Alves “a incontinência de conduta é a maneira desregrada de viver. Trata-se da pessoa depravada, de procedi- mentos vulgares, escandalosos, que chocam os valores morais e os costumes”217.

Para a caracterização da infração funcional, o inciso exige que a incontinência seja pública, isto é, que seja praticada na presença de outras pessoas. Além disso, a incontinência deve ocorrer no âmbito da repartição, ou, pelo menos, estar relacionada com o exercício das atribuições do servidor. Assim, o com- portamento do servidor em sua vida privada não é alcançado pelo dispositivo em comento. Por outro lado, a incontinência praticada fora da repartição, mas relacionada ao exercício das atribuições do servidor, pode ocasionar a incidência da norma.

Outro comportamento condenado pelo dispositivo em tela é a conduta escandalosa, assim entendida como o desprezo às convenções ou a moral vigente. Conforme visto, os conceitos de “incontinência” e “conduta escandalosa” são semelhantes e estão relacionados a desvios comportamentais. Sob o ponto de vista do estatuto funcional, a principal diferença entre eles reside no fato de que a conduta escandalosa não precisa ser cometida publicamente para que caracterize a infração disciplinar, é dizer, os atos praticados às escondidas, desde que ofendam fortemente a moral, devem ser enquadrados como “condutas escanda- losas”, a exemplo dos atos de conotação sexual praticados de forma reservada. Da mesma forma do adu- zido quanto à incontinência pública, a conduta escandalosa, para que produza efeitos disciplinares, deve ser praticada no âmbito da repartição. As condutas praticadas fora daquele ambiente só serão alcançadas pela norma se estiverem relacionadas ao exercício das atribuições do servidor.

Ressalte-se que a infração disciplinar em questão se consuma no momento em que o servidor pratica o ato classificável como incontinência pública ou conduta escandalosa, sendo que, a rigor, não se exige a reiteração de atos para a configuração da falta funcional.

Por fim, forçoso observar a cautela com que a comissão deverá analisar as condutas previstas neste dispositivo, porquanto ensejam a penalidade máxima aplicável e, nesse contexto, devem ter a gravidade robustamente comprovada.

 

  • 132, inciso VI (insubordinação grave em serviço)

O inciso visa preservar a relação hierárquica da organização administrativa. Insubordinação é sinônimo de rebeldia, de indisciplina. Juridicamente, o termo “insubordinação” é utilizado para qualificar o comporta-

 

217           ALVES, 2008, p. 130

 

mento do servidor que desrespeite uma ordem direta e pessoal, não manifestamente ilegal, de seu superior hierárquico. Já a indisciplina é caracterizada pela inobservância de uma ordem geral.

Convém anotar que a ordem será manifestamente ilegal quando a ilegalidade for evidente, percep- tível para as pessoas de um modo geral. Neste caso, o não cumprimento da ordem não implicará em falta funcional.

De qualquer modo, para que a insubordinação caracterize infração punível com demissão, deve ser grave. Caso contrário, o enquadramento deve ser feito do artigo 116, IV da Lei nº 8.112/90 – cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais –, destinado a situações de menor repercussão. A gravidade da insubordinação é medida pelas consequências do ato, seja para o caso específico a que a ordem desobedecida se destinava, seja para o ambiente de trabalho. Via de regra, a insubordinação será grave quando comprometer seriamente o poder de direção do superior hierárquico perante os demais servidores.

Por fim, resta assinalar que, para a caracterização do ilícito funcional em tela, é necessário que o ato de insubordinação seja praticado em serviço, o que significa que as condutas realizadas em âmbito privado, desde que não relacionados às atribuições do servidor, ainda que contra o seu superior hierárquico, não são alcançadas pela norma.

 

  • 132, inciso VII (ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem)

Apenas em situações excepcionais, bem delineadas pelo legislador, é que o uso da força física se jus- tifica. E, ainda assim, desde que observados critérios específicos. Nesse sentido é que a norma em análise afasta expressamente o caráter infracional da conduta do servidor que utilize de força física em sua defesa ou na defesa de terceiros. Entende-se por “terceiros” qualquer pessoa que esteja sofrendo agressão injusta, aí abrangidos os colegas de trabalho, superiores hierárquicos, subordinados e particulares. Tal defesa, entre- tanto, deve ser exercida dentro dos parâmetros estabelecidos pela norma penal (art. 23, II, Código Penal), isto é, de forma moderada, por meio da utilização dos meios necessários para repelir uma injusta agressão.

Daí se extrai que o excesso cometido pelo servidor desvirtua a legítima defesa e faz incidir a falta funcional. O excesso se caracteriza pela utilização imoderada dos meios utilizados para a defesa, ou quando esses meios são desproporcionais à agressão sofrida. É o caso do servidor que após dominar completa- mente o agressor continua a agredi-lo.

O fato de o servidor ter sido previamente provocado ou ofendido verbalmente não autoriza o uso da força física. Se o fizer, o servidor não estará agindo em legítima defesa e, desse modo, estará incorrendo em falta funcional. Recomenda-se, nesses casos, dependendo da gravidade da ofensa verbal ou da provocação previamente lançadas contra o servidor, que este seja enquadrado em inciso de menor gravidade. Sobre a descaracterização da legítima defesa na hipótese do uso de agressão física para repelir agressão verbal, veja-se o acórdão abaixo transcrito, cujo entendimento pode ser transposto para o processo disciplinar:

  1. Merece confirmação a condenação pela prática do crime de lesões corporais (art. 129, caput, do P.), se, além de presentes os pressupostos caracterizadores do tipo penal, não houve comprovação da alegada legítima defesa, incabível, por sinal, na hipótese de agressão física oriunda de eventual ofensa verbal à honra do agente.

(TJPR – Apelação Crime: ACR 715935 PR Apelação Crime – 0071593-5)

Entende-se, por fim, que não incorre em infração disciplinar o servidor que pratica ofensa física, em serviço, para defender o patrimônio público da agressão de terceiros. É a legítima defesa do patrimônio, de reconhecida aplicação no âmbito do direito penal, e perfeitamente verificável no plano disciplinar, tendo em

 

vista, inclusive, o dever legal atribuído aos servidores de zelar pela conservação do patrimônio público (art. 116, VII, da Lei nº 8.112/90).

 

  • 132, inciso VIII (Aplicação irregular de dinheiros públicos)

O dispositivo visa garantir que os dinheiros públicos recebam o destino estabelecido em lei e, a rigor, é de aplicação restrita aos servidores que detenham poder para gerir recursos públicos, a exemplo dos ordenadores de despesas, assim entendidos os agentes de cujos atos resultem emissão de empenho, auto- rização de pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pelos quais responda.218

Ao contrário do que possa parecer, a finalidade da norma não é a proteção do dinheiro público, mas da lei que estabelece sua destinação.

Vale ressaltar que para a consumação do ilícito funcional em tela pouco importa o destino que se tenha dado ao recurso irregularmente aplicado. Assim, restará caracterizada a infração disciplinar sob exame, ainda que aplicação da verba pública tenha sido desviada para outra finalidade pública.

No âmbito do dispositivo em comento, a aplicação será “irregular” sempre que inobservar as normas legais que cuidam da destinação dos recursos públicos, em especial aquelas relacionadas ao orçamento pú- blico. Destaca-se, por fim, que o emprego irregular de verbas públicas é conduta condenada também pelo Direito Penal, onde é tratada como crime, consoante os termos do artigo 315 do Código Penal Brasileiro:

Emprego irregular de verbas ou rendas públicas

Art. 315 – Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

Considerando-se a potencial gravidade decorrente da aplicação irregular de recursos públicos, a co- missão deverá analisar a extensão do prejuízo oriundo da prática ilícita – não necessariamente financeiro

– e, a depender do caso concreto, analisar a viabilidade do enquadramento concorrente da conduta em improbidade administrativa, à luz da Lei nº 8.429/92.

 

  • 132, inciso IX (revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo)

É sabido que no exercício de suas atribuições os servidores lidam com informações de caráter sigi- loso. Atento a essa realidade, o legislador editou o dispositivo ora em exame, visando coibir a revelação de segredo obtido pelo servidor em razão do exercício da função pública.

Revelar é ação de quem declara, divulga. No caso do dispositivo em questão, tal divulgação refere-se a um segredo da Administração Pública. Sob a ótica de José Armando da Costa “o segredo aqui tutelado é o que se refere à seguran