LIVRO: OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES = DOWNLOAD PDF
C H R I S T I A N G R E N I E R
CONTOS E LENDAS
OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES
Ilustrações de Carlos Fonseca Tradução de Eduardo Brandão
11ª reimpressão
Copyright do texto © 1997 by Éditions Nathan — Paris, França Copyright das ilustrações © 2003 by Carlos Fonseca
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
O selo Seguinte pertence à Editora Schwarcz S.A. Título original
Les douze travaux d’Hercule
Capa
Eliana Kestenbaum
Ilustração da capa
Carlos Fonseca
Preparação
Cacilda Guerra
Revisão
Ana Maria Barbosa Carmen S. da Costa
Atualização ortográfica
acomte
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Grenier, Christian
Os doze trabalhos de Hércules / Christian Grenier ; ilustrações Carlos Fonseca ; tradução de Eduardo Brandão.
— São Paulo : Companhia das Letras, 2003.
Título original : Les douze travaux d’Hercule
ISBN 978-85-359-0412-3
- Mitologia – Literatura infantojuvenil I. Coelho, Rogério. II. Título.
03-4454 CDD-028.5
Índices para catálogo sistemático:
- Mitologia : Literatura infantojuvenil 5
- Mitologia : Literatura juvenil 5
2014
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA SCHWARCZ S.A.
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Telefone (11) 3707-3500
Fax (11) 3707-3501
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SUMÁRIO
- UMA OU DUAS ARTIMANHAS DE JÚPITER……………………………………………………………… 7
- UMA INfÂNCIA DE HERÓI………………………………………………………………………………………… 33
- A PELE DO LEÃO DE NEMEIA OU O LEÃO DE NEMEIA………………………………… 69
- UM MONSTRUOSO fACE A fACES OU A HIDRA DE LERNA……………………………… 87
- UM JAVALI PARA EURISTEU OU O JAVALI DE ERIMANTO…………………………. 103
- EM BUSCA DA CORÇA SAGRADA OU A CORÇA DO MONTE MÊNALO……. 117
- O CAÇADOR QUE TOCAVA CÍMBALOS OU AS AVES DO LAGO
DE ESTÍNfALO…………………………………………………………………………………………………………. 133
- CARA A CARA COM O TOURO DO REI DOS MARES
OU O TOURO DO REI DE CRETA………………………………………………………………………….. 145
- A SANGRENTA HISTÓRIA DO REI QUE fAZIA SUAS ÉGUAS
DEVORAREM OS ESTRANGEIROS OU AS ÉGUAS DE DIOMEDES…………………… 155
- UM SERVIÇO SUJO OU OS ESTÁBULOS DE ÁUGIAS………………………………………. 169
- PELOS BELOS OLHOS DE UMA AMAZONA OU O CINTO DE HIPÓLITA………. 181
- MIL BOIS PARA UMA DEUSA OU OS BOIS DE GERÍON…………………………………. 201
- O APANHADOR DE fRUTAS OU OS POMOS DE OURO DO JARDIM
DAS HESPÉRIDES…………………………………………………………………………………………………….. 221
- UMA MISSÃO NO INfERNO OU O CÃO CÉRBERO…………………………………………… 239
GLOSSÁRIO……………………………………………………………………………………………………………….. 257
POSfÁCIO…………………………………………………………………………………………………………………… 263
MAPA – A PENÍNSULA EUROPEIA NA ANTIGUIDADE………………………………….. 268
BIBLIOGRAfIA………………………………………………………………………………………………………….. 269
MAPA – A GRÉCIA NA ANTIGUIDADE…………………………………………………………….. 271
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1
UMA OU DUAS ARTIMANHAS DE JÚPITER
Naquela noite, os soldados que monta- vam guarda às portas da cidade de Tebas ti-
nham adormecido. Um deles, Filo, apurou o ouvido.
- Acordem, companheiros, acordem! —
berrou.
Um segundo depois, estavam todos de pé, alertas.
Algumas semanas antes, um povo vizi- nho, os telebeus, havia declarado guerra a
Tebas. Anfitrião, rei da cidade, pôs-se à fren- te do seu exército e saiu para combatê-los. Privada dos seus mais valorosos combaten- tes, Tebas via-se agora quase desprotegida.
— Estão ouvindo esse galope ao longe?
- perguntou
O pânico se alastrou.
- .. São os telebeus!
- Eles vêm atacar de surpresa nossa ci- dade!
Filo ficou aflito. Antes de partir, Anfitrião tinha lhe recomendado: “Deixo Alcmene sob a sua proteção. Enquanto eu estiver au- sente, trate de que nada aconteça com ela”. Anfitrião tinha se casado havia pouco com a bela Alcmene, filha do rei de Mi- cenas. Os recém-casados sentiam um amor sereno e sincero, e Filo nem queria pensar na cólera de Anfitrião se a jovem rainha fosse ferida ou capturada durante a sua au-
sência.
- Depressa, vamos dar o alarme!
- Não — discordou Filo, tentando fazer que a razão dominasse o medo. — Espe- .. Não é um exército avançando: só ou- ço um cavalo!
Inquietos, eles esquadrinharam a noite sem lua e as sombrias colinas próximas. De repente, um cavalo ricamente arreado sur- giu rinchando na escuridão. Seu cavaleiro tinha um nobre aspecto. Vestia uma arma- dura deslumbrante, como se ela houvesse absorvido a claridade das estrelas sumidas do céu. Impressionados com sua aparição, os soldados recuaram. Somente Filo esbo- çou um passo à frente e gritou:
- Alto! Quem é você, estrangeiro, que ousa vir aqui a esta hora, como um ladrão? Poderíamos tê-lo liquidado. Estamos em guerra!
O cavaleiro tirou então o capacete. Sua voz, familiar e zombeteira, soou:
- Ora essa! Quem melhor que eu para
saber disso? É assim que se recebe o senhor desta terra?
Os guardas logo reconheceram o rei. En- vergonhados, prosternaram-se diante dele.
- Levantem-se! — disse Anfitrião. —
Vocês são bons soldados.
Tendo ficado de pé, Filo gaguejou:
- O senhor? Sozinho? A esta hora? Sem escolta?
O olhar que o rei lhe dirigiu era tão de- terminado que Filo teve de baixar os olhos.
- Leve-me à minha esposa! — As portas da cidade foram abertas às car- reiras. E o soldado guiou Anfitrião pelas ruas desertas. Tendo chegado diante do pa-
lácio, Filo ergueu a cabeça.
- Desculpe meu atrevimento, senhor… É que chegou de forma tão inesperada! A vitória dos nossos inimigos está próxima?
Uma sonora gargalhada respondeu ao sol- dado:
- Não há o que Minha visita não
tem nada a ver com a guerra. Sinto falta da bela Alcmene, Filo. Lembre-se: mal nos ca- samos, tivemos de nos separar. Esta noite, como eu não conseguia pegar no sono, re- solvi fazer uma surpresa a ela.
Filo sentia um mal-estar inexplicável. Ten- tou tapear o visitante, conduzindo-o por um corredor que levava à cozinha.
- E então, Filo? — ralhou Anfitrião. — Esqueceu onde ficam os aposentos da rainha?
Filo não hesitou mais: guiou seu amo até o quarto de Alcmene. Bateu na porta, espe- rou. Por um instante, temeu o pior: e se a rainha não estivesse sozinha? E se o rei, desconfiando que ela tinha um namorado, só tivesse vindo até ali para surpreendê-lo com ela?
Uma criada logo apareceu. De um gesto, Anfitrião expulsou-a do quarto. Filo perce- beu Alcmene levantando-se. A rainha esta- va sozinha. Alarmada, cobria apressada-
mente os ombros nus com um xale. Quando viu aquele guerreiro armado entrando, re- cuou assustada. Depois reconheceu o mari- do, e não pôde conter um grito de angústia:
- Anfitrião! Você aqui? Que catástrofe veio me anunciar?
- Nenhuma, minha amada. É que esta- va com tanta vontade de ver você…
A paixão fazia os olhos do rei brilharem.
- Alcmene — ele murmurou —, sua be- leza levaria os próprios deuses à perdição! Sempre tenho a impressão de que estou ven- do você pela primeira vez.
Só então a rainha relaxou. Em seu rosto sonolento abriu-se um sorriso radioso. No suspiro que ela deu misturavam-se o alívio, o desejo e a alegria.
Anfitrião virou-se para o soldado que o conduzira até ali.
- Filo, ainda está aí? — disse-lhe com um sorriso que parecia um desafio. — Não acha que já é hora de nos deixar a sós?
Filo fechou a porta do quarto. Guardaria por muito tempo na memória a deslumbran- te imagem da soberana, que ele havia aca- bado de despertar. Compreendia perfeita- mente que seu soberano tivesse feito aquela louca cavalgada.
Quando Filo voltou às portas da cidade, seus companheiros estavam bem acorda- dos. Um deles apontou para o céu.
- Olhe, parece que o dia já vai
- Não — replicou outro — São as nuvens que se dissipam e deixam enfim as estrelas aparecerem.
- Não é nada disso — murmurou Filo, arrepiando-se todo.
Um silêncio incomum enchia a noite ilu- minada. Começou a cair do céu uma chuva estranha: suas gotas eram de ouro! Elas caíam sobre as colinas dos arredores e so- bre Tebas adormecida. Estupefatos, os sol- dados erguiam a cabeça e esticavam os bra- ços para a chuva milagrosa, esperando pegar um pouco daquele prodígio.
- Não é uma noite como as outras —
disse um dos soldados.
O cavaleiro visitante apareceu às portas da cidade, vestido com sua armadura pra- teada. Sem dizer palavra, pulou no seu ca- valo branco e saiu galopando noite adentro.
No exato instante em que a escuridão o engoliu, a chuva de ouro parou de cair.
Pouco tempo depois, Anfitrião voltou vi-
torioso para Tebas com seu exército. De noi- te, foi ter com Alcmene no quarto dela.
- Querida — exclamou —, esses meses longe de você foram intermináveis.
- Apesar disso — respondeu a rainha —, você deu um jeito de vir me ver às escon- Sabe que, desse último encontro, es- tou esperando um filho?
Anfitrião empalideceu.
- De que encontro está falando?
Perturbada, Alcmene contou como, se- manas antes, ela tinha recebido seu rei.
- Que história é essa? — explodiu An- fitrião. — Não saí de perto do meu exérci- to! Quem é esse homem que você confun- diu comigo?
- Era você, meu rei, tenho certeza! Pro- cure se Como eu poderia tê-lo con- fundido com outro?
- Você acha que eu teria me esquecido dessa visita? Que mentira é essa que está in- ventando para desculpar suas infidelidades?
Alcmene caiu de joelhos, apavorada. An- fitrião mandou chamar Filo. Tremendo de medo, o fiel soldado confirmou:
- Meus companheiros poderão testemu- nhar, senhor: nós o reconhecemos. Naque- la noite, o senhor estava Pediu-me que o conduzisse aos aposentos da rainha…
- É uma conspiração! — berrou o rei, puxando a espada. — Vocês todos estão mancomunados para me trair!
Alcmene e Filo acharam que iam morrer. Mas naquele instante um forte clarão ilu- minou o quarto. Ofuscado, Anfitrião re- cuou. Diante dele acabava de aparecer um deus envolto em luz. A princípio, Filo pen- sou reconhecer o cavaleiro daquela noite: trajava a mesma armadura de prata, mas desta vez seu rosto estava coberto por uma barba encaracolada. Na mesma hora, os hu- manos identificaram Júpiter, que comanda todos os outros deuses do Olimpo.
- Acalme-se, Anfitrião! — —
Alcmene não traiu você. Fui eu, Júpiter, que assumi suas feições para vir visitá-la. Sim, agora ela traz no ventre um filho que será um herói. Um ser cuja força e cujas faça- nhas serão lendárias e que livrará os huma- nos dos males que os afligem!
O rei de Tebas já ia protestar timidamen- te, mas Júpiter interrompeu-o:
- Ora, Anfitrião, você não pode ficar com ciúme de um deus! Alcmene e você criarão meu filho para que ele cumpra seu glorioso destino. E chamarão esse filho de Hércules.
E desapareceu, num novo clarão seguido de uma enorme trovoada.
Quando reapareceu no alto do monte Olimpo, onde morava no mais lindo de to- dos os palácios, Júpiter deu de cara com sua mulher, Juno. Nada, ou quase nada, escapa da vigilância dos deuses. E se Júpiter tinha
conseguido, com alguma artimanha, escon- der de Juno sua breve noite com a bela Alc- mene, não pôde evitar a cólera da esposa, que não perdera uma palavra da confissão do seu infiel esposo.
- Quer dizer que você me traiu de novo!
- Juno, desta vez, eu juro, foi por uma boa causa. Você sabe dos flagelos que afli- gem os Pois meu filho vai livrá-
-los deles!
- Não me venha com desculpas esfarra- padas, Júpiter. Mercúrio, seu cúmplice, de- ve ter lhe falado da beleza de Alcmene e vo- cê não resistiu.
Juno estava bastante zangada com as re- petidas infidelidades do marido.
- Que mania desagradável você tem, de visitar as humanas para lhes fazer filhos. Não bastaram Europa e Leda?1
- Europa e Leda eram duas mortais que Júpiter seduziu, transfor- mando-se em touro para uma e em cisne para a outra.