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LIVRO: língua estrangeira

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Língua estrangeira

 

Ensino e aprendizagem

 

 

 

 

Vilson J. Leffa

 

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS

 

Chanceler

  1. Jacinto Bergmann

 

Reitor

José Carlos Bachettini Júnior

 

Pró-Reitora Acadêmica

Patricia Haertel Giusti

 

Pró-Reitor Administrativo

Eduardo Luis Insaurriaga dos Santos

 

EDUCAT – EDITORA DA UCPel

 

Editora Executiva

Ana Gertrudes Gonçalves Cardoso

 

CONSELHO EDITORIAL

Osmar Miguel Schaefer – Presidente Antonio Reges Brasil – UCPel

Cezar Augusto Burket Bastos – FURG Christiane Saraiva Ogrodowski – FURG Eduardo Antonio Cesar da Costa – UCPel Erico João Hammes – PUC/RS

Fábio Souza da Cruz – UFPel

Hiram Larangeira de Almeida Júnior – UCPel Luiz Antônio Bogo Chies – UCPel

Manoel Luis Cardoso Vasconcellos – UFPel Vilson José Leffa – UCPel

 

 

 

 

 

 

 

EDUCAT

Editora da Universidade Católica de Pelotas Rua Félix da Cunha, 412

Fone (53)2128.8297 – FAX (53)2128.8229 – Pelotas – RS – Brasil

 

 

 

Vilson J. Leffa

 

 

 

 

 

 

Língua estrangeira

 

Ensino e aprendizagem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Editora da Universidade Católica de Pelotas 2016

 

© 2016 Vison J. Leffa

Direitos desta edição reservados à

Editora da Universidade Católica de Pelotas Rua Félix da Cunha, 412

Fone (53)2128.8297 – Fax (53)2128.8229

Pelotas – RS – Brasil

 

Editora filiada

 

A revisão textual e de conteúdo é de inteira responsabilidade do(s) autor(es) e do(s) organizador(es).

 

PROJETO EDITORIAL

EDUCAT

 

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E CAPA

Ana Gertrudes G. Cardoso

Este livro usa a licença Creative Commons CC BY. O leitor pode distribuir, remixar e adaptar o texto, desde que atribua ao autor o devido crédito.

 

L493l        Leffa, Vilson J.

Língua estrangeira. Ensino e aprendizagem. Vilson J. Leffa. – Pelotas: EDUCAT, 2016.

 

324p.

 

ISBN 978-85-7590-180-9

 

  1. língua estrangeira – aquisição 2. língua estrangeira – estudo

e ensino. 3. língua estrangeira – ensino fundamental. I. Título. II.

 

CDD 418.40071

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Cristiane de Freitas Chim CRB 10/1233

 

 

 

Sumário

Introdução………………………………………………………….. 7

Primeira Parte – Ensino

  1. Do método ao pós-método: a evolução no ensino

de línguas……………………………………………………….. 21

  1. O ensino das línguas estrangeiras no Brasil……………… 49
  2. O professor ideal………………………………………………. 67
  3. Aspectos políticos da formação do professor de LE….. 81
  4. Como produzir materiais para o ensino de línguas…….. 105
  5. O ensino da LE na era da cibercultura……………………. 127
  6. O ensino da LE no futuro: da dicotomia para a convergência 147

Segunda Parte – Aprendizagem

  1. A perspectiva do aluno da escola fundamental…………. 169
  2. A perspectiva do aluno universitário……………………… 181
  3. A leitura da outra língua: uma crítica das estratégias . 195
  • Texto autêntico e interdisciplinaridade em língua instrumental: utopia ou realidade? 211
  1. O processo de autorrevisão na produção do

texto em LE…………………………………………………… 221

  • Escrevendo para a comunidade científica: o desafio

de ser original de acordo com as normas………………… 243

  1. Aspectos externos e internos da aquisição lexical……. 257
  2. A autonomia na aprendizagem de línguas………………. 287

Referências…………………………………………………………. 305

 

6                                         Vilson J. Leffa

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                           7

Introdução

 

A paixão de aprender uma língua estrangeira

 

Este livro foi escrito por alguém que sempre se sentiu seduzido pelo mistério da língua estrangeira (LE doravante). Não se trata de uma segunda língua, falada pelo vizinho que mora do outro lado da rua ou por colegas da sala de aula; e nem se trata de uma língua adicional, dada por acréscimo e sem mistério. No meu caso, eram línguas estrangeiras mesmo, estranhas no som e na combinação das palavras, prometendo mundos distantes que eu estava ansioso por conhecer.

Um dos prazeres de minha juventude era economizar uns trocados para poder passar numa boa banca de revistas e escolher um jornal em espanhol, uma revista em francês ou um livro de bolso em inglês. Muitas noites passei com o ouvido colado no rádio de ondas curtas, buscando estações do mundo inteiro e ouvindo noticiários em línguas diferentes. Quando ia ao cinema, buscava não só aqueles que apresentavam o filme que eu queria ver, mas também aqueles que tinham o melhor equipamento de som, para que eu pudesse entender o que as pessoas falavam. Não tinha preferência por uma ou outra língua; gostava de todas

– sem a mínima preocupação de saber se minha mente estava ou não sendo colonizada. Tinha não só os olhos e ouvidos abertos, mas também a mente e o coração.

Com essa abertura total, sem qualquer tipo de filtro ou proteção, é inevitável que eu tenha sido contaminado por algum vírus, provavelmente um “Cavalo de Tróia” – daquele tipo que entra disfarçado no organismo, carregando dentro de si o inimigo. Vou me esforçar para mostrar os conflitos e os perigos que enfrentamos ao aprender uma língua estrangeira, mas, como acabei ficando totalmente seduzido pelo que vou abordar neste livro – o ensino e a aprendizagem da língua estrangeira –, sinto que a visão, lá no fim, será pacificadora.

 

 

Do estranhamento ao entranhamento

 

Ao me deixar levar pela paixão das línguas estrangeiras, descobri também que sua aprendizagem não é fácil. Trata-se de uma façanha tão extraordinária que muitos não conseguem realizá- la por mais que se empenhem. Dominar uma língua com proficiência pode levar muitos anos ou mesmo uma vida inteira. Não conheço alguém que tenha se arrependido de ter aprendido uma língua estrangeira, mas conheço alguns que teriam desistido se soubessem que seria tão difícil.

Essa dificuldade surge, em primeiro lugar, da necessidade de modificar os automatismos básicos que construímos ao longo dos anos de uso da língua materna e, em segundo lugar, da própria complexidade do que é aprender uma LE. Em relação direta com a mudança dos automatismos, há os estranhamentos iniciais que devem ser vencidos, incluindo sons que precisam ser percebidos, mas que escapam ao nosso ouvido ou que precisam ser articulados, mas que nos parecem impronunciáveis.

A tarefa de aprender uma LE envolve também uma reestruturação múltipla, que repercute em diferentes domínios da nossa mente. No domínio cognitivo, as relações que tranquilamente acreditávamos existir entre as frases e o mundo, deixam de existir. Se em português dizemos “bom dia” antes do almoço e “boa tarde” depois, temos que aprender que em francês se diz “bom dia” de manhã e de tarde. No domínio afetivo, aquilo que amávamos pode tornar-se execrável e vice-versa. Nossa própria ideologia entra em rota de colisão com o mundo da LE em áreas que julgávamos insuspeitas, incluindo diferentes relações de poder, novas questões éticas, distanciamentos maiores e menores entre os corpos etc.

Descobrimos que o domínio de uma LE não é um conhecimento a mais que se adquire e que se soma ao que já temos, como se fosse uma mercadoria acrescentada ao patrimônio. O que é estrangeiro e, portanto, estranho a nós, precisa penetrar na nossa intimidade, provocando um entranhamento que mexe na nossa estrutura psicomotora, afetiva, cognitiva e social.

 

 

Essa passagem do estranhamento para o entranhamento é muito mais difícil do que faz acreditar a publicidade de alguns cursinhos e livros didáticos, às vezes prometendo o domínio da LE em menos de um ano, com uma hora de estudo por dia. Não há uma fórmula mágica que produza um resultado tão rápido, a não ser, talvez, a paixão.

 

Delimitando o território

 

A complexidade da LE abrange diferentes domínios do conhecimento, não só do ponto de vista individual, mas também do ponto de vista coletivo, como ciência interdisciplinar. São dois universos que se desdobram e que precisam ser estudados em dois planos diferentes: um que está dentro de nós, entranhado em nossa mente – envolvendo, como já vimos, os domínios cognitivo, afetivo e psicomotor –, e um outro, externo a nós, envolvendo áreas de conhecimento como a Linguística, Linguística Aplicada, Psicologia, Pedagogia, Antropologia etc.

Escrever um livro sobre o ensino e aprendizagem da LE é mapear esses dois universos: o interno, com endereço impreciso, mas residente em algum lugar do nosso cérebro; e o externo, disseminado por diferentes disciplinas, o que dá o caráter essencialmente transdisciplinar da área. Um mapeamento adequado exige, portanto, o estabelecimento de fronteiras para que se possa definir com alguma precisão o que pertence ou não pertence à LE.

Identificar as fronteiras de cada um desses universos já é, em si, uma tarefa desafiadora, mas é apenas o primeiro passo. O outro, mais importante e necessário pela extensão da área, é selecionar os tópicos que não podem faltar num livro sobre o ensino da LE, escrito numa determinada época e num determinado lugar. O desafio aqui é determinar a nacionalidade dos tópicos, principalmente quando fronteiriços, trazendo-os para a LE quando relevantes para a área, ou deixando-os do outro lado da fronteira quando não forem essenciais. Parto aqui do princípio de que é melhor abranger menos e aprofundar mais, saindo da superfície e

 

 

perfurando o terreno, do que abranger mais e aprofundar menos, ficando na superfície e não construindo uma base sólida.

Pretende-se fazer essa demarcação usando dois pontos de referência: o ensino e a aprendizagem. Mostra-se de um lado a perspectiva do professor, com ênfase no ensino, visto como a oferta de condições para que a aprendizagem ocorra; do outro, está a perspectiva do aluno e de como ele percebe essa aprendizagem que lhe é oferecida. Enquanto o professor tem um ponto de referência mais ou menos fixo, o aluno se caracteriza pela mobilidade, marcada pela sua evolução no processo de aprendizagem. O aluno da escola fundamental, por exemplo, não pode ser visto da mesma maneira que o aluno universitário.

 

A questão do ensino

 

Na primeira parte do livro, enfoco alguns problemas do ensino da LE, partindo da perspectiva do professor. A ideia, nestes sete capítulos iniciais, é situar o professor de línguas estrangeiras nos diferentes espaços que ele pode ocupar: do histórico ao geográfico e do metodológico ao político. Tento refletir sobre algumas questões essenciais, incluindo as opções metodológicas disponíveis ao professor, o que é um professor ideal, a formação política do professor, a produção de materiais de ensino e a evolução do ensino de línguas, procurando mostrar, essencialmente, de onde viemos, onde estamos e para onde vamos. O Capítulo 1, Do método ao pós-método: a evolução no ensino de línguas, trata da questão do método. Tento resgatar aí o essencial do que já foi feito e o que está sendo proposto sobre a ciência e a arte de se ensinar uma LE, mostrando o caminho percorrido pelos diferentes métodos. A meu ver, evoluímos da ideia do método único para uma convivência mais saudável de diferentes maneiras de ensinar e aprender. A verdade não está mais contida numa capela fechada, inacessível aos que não aderirem a uma determinada cartilha, mas transborda e se espalha por diferentes teorias. Considero este capítulo um texto de fundamentação teórica, abordando o que é básico para qualquer

reflexão sobre a área.

 

 

O Capítulo 2, O ensino das línguas estrangeiras no Brasil, aborda a questão do ensino da LE em nosso país em sua evolução histórica, mostrando o contorno de ascensão e queda da LE na escola. A história da LE no Brasil parece ser marcada por diferentes movimentos pendulares, indo de um extremo a outro. Tento resgatar aí algumas dessas dicotomias, mostrando os momentos de centralização e descentralização, os períodos de construção e destruição – e as difíceis reconstruções para recuperar os prejuízos causados por determinadas legislações. Inicio neste capítulo algumas questões que serão retomadas mais tarde, como a questão política do ensino de línguas e o uso das novas tecnologias.

O Capítulo 3, O professor ideal, enfoca a questão das qualidades desejáveis do professor de línguas estrangeiras. Inicialmente teço algumas considerações sobre teorias que aparentemente conspiram contra a ação do professor, diminuindo sua importância, como a ideia, por exemplo, de que o professor não sabe o que ensina ou de que a verdadeira aprendizagem não pode ser implementada pelo professor, na medida em que ocorre abaixo do nível da consciência. Tento mostrar que ao lado de uma ênfase no papel do inconsciente, existe um movimento contrário, de valorização da consciência, incluindo a ideia de que o professor deva ser um profissional reflexivo. Faço uma revisão da literatura sobre as competências desejáveis do professor, em termos do conteúdo, da metodologia e dos traços de personalidade que ele deve possuir para facilitar a aprendizagem. Finalmente, destaco e amplio dessa literatura algumas competências essências, com ênfase no domínio afetivo.

A que interesses deve servir o professor de línguas estrangeiras? Esta é a pergunta que tento responder no Capítulo 4, Aspectos políticos da formação do professor de línguas estrangeiras, destacando a importância da formação política do professor. Parto do pressuposto de que o ensino da língua estrangeira envolve um conflito de interesses que o professor precisa saber resolver – e proponho um novo paradigma de prioridades, usando como exemplo o ensino da língua inglesa

 

 

para alunos brasileiros. Tento argumentar que o inglês na atualidade – como é também, até certo ponto, o espanhol e como foi o francês no passado – não são línguas nacionais, mas multinacionais; e por isso requerem uma abordagem diferente. Essa abordagem diferente deve permitir, por exemplo, que se escolha uma determinada variedade da língua, até mesmo uma variedade local, quando disponível; como a opção pelo “inglês brasileiro”, por exemplo.

O professor não precisa estar sempre presente para atuar; ele pode também atuar na ausência, através de algum artefato, como um texto ou uma folha de exercícios. Este é o tópico do Capítulo 5, Como produzir materiais para o ensino de línguas, em que trato da produção de materiais de ensino pelo professor. A ideia é mostrar que, ao produzir seu próprio material, o professor tem mais condições de atender aos interesses e necessidade de seus alunos. Tenta-se oferecer ao professor um roteiro básico do que ele precisa fazer para ampliar sua ação didática, retomando alguns conceitos clássicos do ensino, como a taxionomia dos objetivos de Bloom, os eventos instrucionais de Gagné e o modelo clássico da motivação, envolvendo atenção, relevância, confiança e satisfação. Consideram-se também alguns aspectos básicos da produção de materiais como o ensino mediado pelo instrumento e o uso de materiais autênticos.

O Capítulo 6, O ensino da LE na era da cibercultura, é uma tentativa de descrever o ensino da língua estrangeira na era da globalização e da internet, retomando algumas questões que considero fundamentais, como a dicotomia entre realidade e virtualidade, a criação das comunidades virtuais, não mais baseadas em fronteiras geográficas, mas em fronteiras ocupacionais, e o impacto que tudo isso traz para o ensino da LE, na medida em que cria e aumenta a necessidade de aprender outras línguas. A virtualidade é apresentada aqui, não como oposição à realidade, mas como uma forma de materialização do virtual. Argumenta-se que, ao lado de uma “realidade virtual”, temos também uma “virtualidade real”. Todo esse contexto lança para o professor um desafio maior, que é preparar o aluno, não para o

 

 

mundo em que vivemos hoje mas para o mundo em que o aluno vai viver amanhã.

O Capítulo 7, O ensino da LE no futuro, encerra a primeira parte do livro. Analisando os dados que temos sobre o passado e do que sabemos sobre o presente, tento identificar alguns padrões recursivos para fazer uma projeção sobre o futuro do ensino da língua estrangeira. Entendo que estamos encerrando um período de dicotomias, finalmente vencendo a síndrome do pêndulo, para iniciar uma era de convergências, numa posição assumidamente otimista. Vislumbro para o futuro um processo generalizado de convergências, fundindo tecnologias, métodos e teorias. Entre as possíveis convergências destaco a união da pesquisa com o ensino, da inteligência com a emoção, do local com o global e do real com o virtual. A ideia é de que vivemos num mundo interdependente onde tudo e todos se relacionam.

 

A questão da aprendizagem

 

A segunda parte do livro enfoca a aprendizagem da LE da perspectiva do aluno, tentando descrever como ele vê essa aprendizagem, as estratégias que usa para resolver os problemas que encontra, como lê, como escreve e como administra sua própria aprendizagem.

O Capítulo 8, A perspectiva do aluno da escola fundamental, tenta descrever qual é a visão que o aluno tem da língua estrangeira antes de começar a estudá-la. É uma pesquisa de campo em que se analisam quatro aspectos: que conceito o aluno tem da LE, o que é um falante da LE, como se aprende uma LE e, finalmente, para que serve aprender uma determinada LE. A principal conclusão desse estudo é que os alunos veem a LE como uma disciplina do currículo, usada basicamente na sala de aula e não como um instrumento de comunicação usado na vida real por pessoas em situações autênticas de uso.

Enquanto o Capítulo 8 analisou a perspectiva do aluno antes de estudar a língua, o Capítulo 9, A perspectiva do aluno universitário, vai analisar a concepção de LE do aluno que passou

 

 

por vários anos de estudo. Selecionou-se um grupo de alunos que eram leitores proficientes da língua estrangeira e solicitou-se a esse grupo que individualmente ajudasse um colega menos proficiente a entender um texto em língua inglesa, escrevendo um diário sobre a experiência. A análise dos diários mostrou que os leitores proficientes da LE, nunca expostos a aulas de inglês instrumental, têm uma concepção de leitura muito próxima do que dizem os teóricos da área, incluindo o uso dos processos de inferenciação para resolver as dificuldades do léxico. Veem como fatores importantes da compreensão, no entanto, tanto a competência linguística como a competência estratégica, sem priorizar uma ou outra.

O Capítulo 10, A leitura da outra língua: uma crítica das estratégias, retoma essa questão da necessidade maior ou menor da competência estratégica em contraponto com a competência linguística. Faço uma revisão de como as estratégias têm sido usadas pelos especialistas da área da leitura; desde o que chamo de abordagem quantitativa, em que o sucesso do leitor vai depender de sua proficiência no uso de diversas estratégias; passando por abordagens qualitativas, com ênfase na ideia de que há estratégias certas e erradas; até a hipótese da compensação de Stanovich (1980), segundo a qual o déficit que o leitor possa ter em alguma área de conhecimento (ex.: lexical) tem a possibilidade de ser compensado pelo domínio de uma outra área (ex.: conhecimento do tópico).

O Capítulo 11, Texto autêntico e interdisciplinaridade em língua instrumental: Utopia ou realidade? aborda a questão das línguas instrumentais, com os problemas que o seu ensino traz para o professor e para o aluno. Embora eu não defenda o uso de textos simplificados – e até concordo com a ideia de que se deva simplificar a tarefa e não o texto – mesmo assim sinto a necessidade de chamar a atenção para as dificuldades do texto autêntico quando usado na sala de aula, tanto para o professor como para o aluno. O professor porque precisa ler e entender um texto que normalmente não é de sua área de conhecimento; o aluno porque geralmente acaba lendo um texto que na realidade

 

 

não foi escrito para ele – e que por isso deixa de ser um texto autêntico. Algumas possíveis soluções são apresentadas, com suas respectivas vantagens e desvantagens.

No Capítulo 12, O processo de autorrevisão na produção do texto em língua estrangeira, procuro analisar como o aluno universitário escreve na língua estrangeira. O processo da revisão, importante na produção de texto em língua materna, é ainda mais importante na LE, pelas dificuldades maiores que apresenta, demandando mais esforço do aluno para superar os problemas encontrados, principalmente de ordem linguística. Embora os alunos aparentemente não revisem seus textos de modo espontâneo, ficando apenas no “passar a limpo”, com algumas alterações que se resumem a aspectos de apresentação gráfica e correção gramatical do texto, o estudo realizado aqui mostrou, que quando obrigados a reescrever novamente todo o texto, esses mesmos alunos introduzem mudanças significativas, principalmente na expressão das ideias – quer corrigindo incoerências, quer melhorando o estilo.

O Capítulo 13, Escrevendo para a comunidade científica: o desafio de ser original de acordo com as normas, abordo a questão da escrita no nível do mestrado, quando o aluno passa pelo “batismo de fogo”, ao ser obrigado a produzir uma dissertação e entrar na comunidade discursiva dos especialistas de sua área. Trata-se, portanto, de um processo de aculturação, que procuro descrever em 5 passos essenciais que o aluno precisa galgar: (1) adquirir competência na língua estrangeira, geralmente visto como um pré-requisito; (2) familiarizar-se com a terminologia privilegiada pela comunidade; (3) apropriar-se do conhecimento compartilhado pressuposto pelos especialistas da comunidade;

(4) adquirir as convenções que determinam o discurso específico da comunidade em questão; (5) identificar os objetivos da comunidade, que podem ter uma orientação mais teórica ou mais prática. Enfatizo no capítulo a importância da criação de comunidades solidárias de pesquisadores, em os alunos possam não só interagir com os mestres, mas também apoiar-se uns nos outros.

 

 

No Capítulo 14, Aspectos externos e internos da aquisição lexical, analiso a questão de como o aluno pode desenvolver o vocabulário, com ênfase na tensão que se estabelece entre a palavra, com seu significado pré-definido, e as forças do texto, ressignificando a própria palavra. Entender até onde vai o sentido da palavra e até onde predominam as restrições do texto é uma das competências que o aluno precisa adquirir para usar a língua adequadamente. Várias estratégias para o desenvolvimento do vocabulário são também apresentadas, ressaltando a importância da profundidade de processamento, o uso adequado do contexto, a necessidade de ser seletivo e as estratégias de fixação. A ideia geral do capítulo é de que o vocabulário é um aspecto importante na aprendizagem de uma língua, mas que só faz sentido quando se leva em consideração as restrições do texto.

Finalmente, no Capítulo 15, A autonomia na aprendizagem de línguas, abordo a questão do aluno autônomo, capaz de gerenciar sua própria aprendizagem. Parto do princípio de que o mundo atual conspira contra a autonomia. Teoricamente, tanto na Psicologia, como na Linguística e principalmente na Análise do Discurso, há a ideia generalizada de aniquilamento do sujeito. Além das restrições teóricas, há também as restrições práticas, tanto de parte do aluno, como do professor e da escola. Em que pese todas essas restrições, tento mostrar a necessidade que o aluno tem de ir além do que é dado na escola, o que só é possível com o exercício da autonomia.

 

A sedução da LE

 

Há mais coisas sobre o ensino e aprendizagem de uma LE do que está exposto neste livro. Como qualquer texto, há também aqui lacunas que o leitor precisa preencher para completar a obra. O que se oferece na realidade é um balizamento, colocando plataformas sobre um território que considero vasto, movediço e até perigoso. A aprendizagem de uma língua estrangeira mexe não apenas com nossa inteligência e sentimentos mais íntimos, mas também com relações de poder entre os países – envolvendo

 

 

amores e ódios, autonomia e submissão, conquistas e frustrações. A aprendizagem de uma língua estrangeira atravessa o indivíduo e a sociedade. Tudo isso é abordado neste livro, mas não pode ser feito de modo exaustivo. Por isso, optou-se pela construção de plataformas; a travessia entre uma plataforma e outra fica sob a responsabilidade do leitor.

Na imagem bíblica da Torre de Babel, as línguas estrangeiras foram criadas para castigar e confundir as pessoas. O objetivo secreto, ingênuo e quase inconfessável deste livro é fazer o contrário; destruir a torre, aproximar as pessoas e mostrar o fascínio de aprender a língua do outro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PRIMEIRA PARTE ENSINO

 

 

 

 

 

Capítulo 1

Do método ao pós-método:

a evolução no ensino de línguas1

 

Introdução

 

O objetivo deste capítulo é dar uma visão dos principais métodos de ensino de línguas, tanto do ponto de vista diacrônico (a sucessão histórica dos diferentes métodos) como sincrônico (a convivência de diferentes métodos numa época). A intenção não é doutrinar o professor no uso de um determinado método, mas informá-lo das opções existentes. Cabe a ele, partindo de sua experiência, das características de seus alunos, e das condições existentes, tomar a decisão final.

O que se pretende com uma revisão histórica dos métodos é fazer com que o professor comece onde os outros pararam, sem necessidade de reinventar a roda ou repetir os erros do passado. Sem uma visão histórica, a evolução se torna impossível.

 

O problema da terminologia

 

Para descrever os diferentes métodos pelos quais se pode aprender uma língua estrangeira, precisa-se de uma terminologia adequada. Devido à grande abrangência com que se usava o termo “método” no passado – desde a fundamentação teórica que sustenta o próprio método até a elaboração de normas para a criação de um determinado curso – convencionou-se subdividi- lo em abordagem (“approach” em inglês) e método propriamente dito. Abordagem é o termo mais abrangente e engloba os

1 Este capítulo é uma versão atualizada e ampliada de: LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In: BOHN, Hilário; VANDRESEN, Paulino. (Org.). Tópicos de linguística aplicada; o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis, 1988, v. 1, p. 211-236.

 

 

pressupostos teóricos acerca da língua e da aprendizagem. As abordagens variam na medida em que variam esses pressupostos. 0 pressuposto, por exemplo, de que a língua é uma resposta automática a um estímulo e de que a aprendizagem se dá pela automatização dessas respostas vai gerar uma determinada abordagem para o ensino de línguas – que será diferente da abordagem gerada pela crença de que a língua é uma atividade cognitiva e de que a aprendizagem se dá pela internalização das regras que geram essa atividade. O método tem uma abrangência mais restrita e pode estar contido dentro de uma abordagem. Não trata dos pressupostos teóricos da aprendizagem de línguas, mas de normas de aplicação desses pressupostos. O método, por exemplo, pode envolver regras para a seleção, ordenação e apresentação dos itens linguísticos, bem como normas de avaliação para a elaboração de um determinado curso.

A única dificuldade nessas definições de abordagem e de método está na imprecisão histórica do termo “método”, já consagrado tanto no sentido amplo como no restrito (Exemplo: o “método Direto”, que na verdade não é um método mas uma abordagem). A solução proposta aqui é usar o termo na acepção atual e fazer a necessária ressalva para cada caso.

Um outro refinamento atual é a distinção entre aprendizagem e aquisição. Entende-se por aprendizagem o desenvolvimento formal e consciente da língua, normalmente obtido através da explicitação de regras. Aquisição é o desenvolvimento informal e espontâneo da segunda língua, obtido normalmente através de situações reais, sem esforço consciente. Na aprendizagem, o enunciado tem origem na língua materna, podendo conscientemente passar para a segunda língua. Na aquisição, o enunciado já se origina diretamente na segunda língua.

Não existe um termo abrangente para as duas acepções, embora a palavra “desenvolvimento” tenha sido sugerida por alguns teóricos. Usar-se-á aqui o termo aprendizagem quando se precisar dessa abrangência, que assim valerá tanto para aquisição como para aprendizagem propriamente dita.

 

 

Uma distinção que também precisa ser feita refere-se aos termos segunda língua e língua estrangeira. Temos o estudo de uma segunda língua no caso em que a língua estudada é usada fora da sala de aula da comunidade em que vive o aluno (exemplo: situação do aluno brasileiro que foi estudar francês na França). Temos língua estrangeira quando a comunidade não usa a língua estudada na sala de aula (exemplo: situação do aluno que estuda inglês no Brasil). Para os dois casos usa-se aqui, como termo abrangente, a sigla L2.

Um último termo é necessário; este para descrever a pessoa que examina, critica e/ou propõe métodos de ensino de línguas. Essa pessoa pode ser um educador, um linguista aplicado, um teórico, um autor de livro didático a até um professor, mas não exerce nenhuma dessas funções quando assina um artigo sobre o ensino de línguas. Para essa pessoa usa-se aqui o termo metodólogo.

 

A abordagem da gramática e da tradução (AGT)

 

Conhecida tradicionalmente como “método”, a AGT tem sido a metodologia com mais tempo de uso na história do ensino de línguas, e a que mais críticas tem recebido. Surgiu com o interesse pelas culturas grega e latina na época do renascimento e continua sendo empregada até hoje, ainda que de modo bastante esporádico, com diversas adaptações e finalidades mais específicas.

Basicamente a AGT consiste no ensino da segunda língua pela primeira. Toda a informação necessária para construir uma frase, entender um texto ou apreciar um autor é dada através de explicações na língua materna do aluno. Os três passos essenciais para a aprendizagem da língua são: (a) memorização prévia de uma lista de palavras, (b) conhecimento das regras necessárias para juntar essas palavras em frases e (c) exercícios de tradução e versão (tema). É uma abordagem dedutiva, partindo sempre da regra para o exemplo.

 

 

A ênfase está na forma escrita da língua, desde os exercícios iniciais até a leitura final dos autores clássicos do idioma. Pouca ou nenhuma atenção é dada aos aspectos de pronúncia e de entonação. A origem da maioria das atividades da sala de aula está no livro-texto, de modo que o domínio oral da língua por parte do professor não é um aspecto crucial. O que ele precisa mais é o domínio da terminologia gramatical e o conhecimento profundo das regras do idioma com todas as suas exceções. Saber responder prontamente a uma dúvida surgida em aula, ainda que usando a obscura exceção de uma regra, é mais importante do que saber pronunciar corretamente a mais simples das frases. (O Anexo 1 mostra atividades desenvolvidas na sala de aula em que se utiliza a metodologia AGT).

O objetivo final da AGT é – ou era – levar o aluno a apreciar a cultura e a literatura da L2. Na consecução desse objetivo, acreditava-se que ele acabava adquirindo um conhecimento mais profundo de seu próprio idioma, desenvolvendo sua inteligência e capacidade de raciocínio.

 

A abordagem direta (tradicionalmente “Método Direto”)

 

A Abordagem Direta (AD) é quase tão antiga quanto a AGT. Surgiu como uma reação a esta e evidências de seu uso datam do início do século XVI. O caso de Montaigne, o famoso ensaísta francês, que já na década de 1530 aprendeu latim pelo método direto, é citado pelos defensores da AD como um exemplo de seu sucesso.

Enquanto que a AGT sofreu sempre severas críticas, sem nenhum nome importante ligado a ela (é até mais fácil citar pessoas que se destacaram por ataques a abordagem, como Vietor no século XIX na Alemanha) – a AD teve grandes defensores (Harold Palmer, Otto Jespersen, Emile de Sauzé etc.). A primeira escola Berlitz, fundada nos Estados Unidos em 1878, é um exemplo do sucesso comercial da abordagem. A oficialização do método direto na Bélgica (1895), França (1902) e Alemanha (1902), obrigando seu uso nas escolas públicas, atesta o prestígio

 

 

de que gozava a abordagem no início do século. Harold Palmer, na Inglaterra, batizou-o de “Método Científico”, inaugurando um epíteto que mais tarde seria reivindicado por vários outros métodos. O Anexo 2 mostra como na prática a AD apresenta o material de ensino.

0 princípio fundamental da AD é de que a L2 se aprende através da L2; a língua materna nunca deve ser usada na sala de aula. A transmissão do significado dá-se através de gestos e gravuras, sem jamais recorrer à tradução. 0 aluno deve aprender a “pensar na língua”.

A ênfase está na língua oral, mas a escrita pode ser introduzida já nas primeiras aulas. 0 uso de diálogos situacionais (Ex.: “no banco”, “fazendo compras” etc.) e pequenos trechos de leitura são o ponto de partida para exercícios orais (compreensão auditiva, conversação “livre”, pronúncia) a exercícios escritos (preferencialmente respostas a questionários). A integração das quatro habilidades (na sequência de ouvir, falar, ler e escrever) é usada pela primeira vez no ensino de línguas.

A gramática, e mesmo os aspectos culturais da L2, são ensinados indutivamente. 0 aluno é primeiro exposto aos “fatos” da língua para mais tarde chegar a sua sistematização. 0 exercício oral deve preceder o exercício escrito. A técnica da repetição é usada para o aprendizado automático da língua. 0 uso de diálogos sobre assuntos da vida diária tem por objetivo tornar viva a língua usada na sala de aula. 0 ditado é abolido como exercício.

A AD foi introduzida no Brasil em 1932 no Colégio Pedro II, através de uma “reforma radical no método de ensino” (turmas de 15 a 20 alunos, seleção rigorosa de professores, escolha de material adequado etc.).

A AD, em que pese seu prestígio e apoio oficial (inclusive no Brasil) teve sempre dificuldade em se expandir. Ou por não ter os pré-requisitos linguísticos exigidos (fluência oral e boa pronúncia) ou por não possuir a resistência física necessária para manter a ênfase na fala durante várias horas diárias, o professor, após o entusiasmo inicial com a AD, acabava sistematicamente regredindo a uma versão metodológica da AGT.

 

 

0 antagonismo entre a AD, defendida pelos metodólogos e a AGT, empregada pela maioria dos professores na prática, parece mostrar uma luta constante que perpassa todo o ensino de línguas através das mais diferentes abordagens e métodos.

O desabafo de Gatenby, um dos mais recentes defensores da AD, atesta, do lado dos metodólogos essa batalha aparentemente inglória com os professores:

 

A recusa de gerações de professores e administradores escolares em se beneficiar dos experimentos bem sucedidos e das teorias comprovadas do passado é em parte um exemplo da perversidade humana: as pessoas negam-se a escolher o certo, o melhor ou o que é bom quando isso lhes é mostrado (GATENBY, 1972:45).

 

 

Abordagem para a leitura (tradicionalmente “Método da Leitura”)

 

Um dos poucos países que não deu apoio oficial à Abordagem Direta foram os Estados Unidos da América. Ao examinar a AD em 1892, a “Comissão dos Doze”, composta de autoridades educacionais americanas, concluiu que o desenvolvimento da língua oral não era o objetivo principal do ensino de línguas nas escolas secundárias americanas. A habilidade da fala era apenas um objetivo secundário, que mesmo assim parecia contrariar a natureza e função da escola, já que em condições normais só seria atingido num grau modesto. O ensino de línguas deveria antes visar o gosto pela cultura e literatura do povo estudado, o que seria melhor conseguido em versões atualizadas da Abordagem da Gramática e da Tradução (MACKEY, 1965:148).

Na verdade o que faltava era um estudo comparativo entre a AD e a AGT. As vantagens e desvantagens de cada abordagem precisavam ser avaliadas não só em termos absolutos, mas também relativos a uma determinada realidade e aos objetivos para o qual se estuda uma determinada língua. Este estudo foi feito através

 

 

de uma das maiores pesquisas já realizadas sobre o ensino de línguas, o Modern Foreign Language Studies (MFLS).

O MFLS começou nos Estados Unidos em 1923 e terminou no Canadá em 1927, depois de investigar, entre outros estabelecimentos de ensino, 647 centros de ensino superior, 128 faculdades de educação e 1980 departamentos de línguas estrangeiras.

Os resultados foram publicados entre 1927 a 1932 em dezessete volumes, envolvendo os mais diferentes aspectos do ensino de línguas. De acordo com Valnir Chagas:

 

Tudo como se vê, foi feito pacientemente, objetivamente, estatisticamente. Cientificamente, em suma. Nada, até onde possível, se deixou á mercê do acaso ou das soluções improvisadas, não raro personalíssimas, que haviam caracterizado a renovação didática dos idiomas estrangeiros nos últimos cinquenta anos (CHAGAS, 1957:75).

 

A conclusão de todo este estudo foi de que o objetivo da aprendizagem de línguas na escola secundária deveria ser essencialmente prático. Para isso propõe-se uma combinação da Abordagem da Tradução com a Abordagem Direta; da primeira adotava-se a ênfase na língua escrita com a reformulação das regras de gramática, fixando-se no essencial para a compreensão; da AD adotava-se o princípio de que o aluno deveria ser exposto diretamente à língua. A praticidade estava, em primeiro lugar, no fato de que, dentro das condições existentes na escola secundária, não era possível o desenvolvimento equilibrado das quatro habilidades da língua. Em segundo lugar, defendia-se a premissa de que as necessidades dos alunos, na sua grande maioria, não envolviam conhecimento da língua oral.

O objetivo principal da Abordagem para Leitura (AL) era obviamente desenvolver a habilidade da leitura. Para isso procurava-se criar o máximo de condições que propiciassem a leitura, tanto dentro como fora da sala de aula. Como o desenvolvimento do vocabulário era considerado essencial, tentava-se expandi-lo o mais rápido possível. Nas primeiras lições

 

 

era cuidadosamente controlado, uma média de seis palavras novas por página, baseadas em estatísticas de frequência.

Embora houvesse a preocupação de ensinar a produzir e reconhecer os sons da língua, a ênfase na pronúncia era mínima. Predominavam os exercícios escritos, principalmente os questionários baseados em textos.

A gramática restringia-se ao necessário para a compreensão da leitura, enfatizando os aspectos morfofonológicos e construções sintáticas mais comuns. Os exercícios mais usados para aprendizagem da gramática eram os de transformação de frases. Ocasionalmente, exercícios de tradução eram também empregados.

A AL expandiu-se pelas escolas secundárias dos Estados Unidos na década de 1930, tendo permanecido até o fim da Segunda Guerra Mundial.

Críticos não faltaram contra a AL, dentro e fora dos Estados Unidos. De acordo com o Professor Carneiro Leão:

 

O ensino das línguas vivas é a parte fraca do sistema norte- americano de educação. Não há um só educador, um só crítico de educação nos Estados Unidos que assim não pense. As escolas norte-americanas não deram ainda às línguas vivas a situação a que elas têm direito (LEÃO, 1935:235).

 

A premissa de que se pudesse desenvolver uma só habilidade para fins específicos foi o ponto mais atacado. Segundo Gatenby:

 

Não se concebe que um professor de matemática decida evitar a multiplicação e a divisão devido a sua dificuldade, e dedique sua atenção ao desenvolvimento da adição e da subtração entre seus alunos; no entanto um procedimento muito semelhante é adotado pelo professor de línguas que, exasperado pela incapacidade de seus alunos em aprender, ou de si mesmo em ensinar, abandona o ouvir, o falar, o escrever e se concentra somente na leitura (GATENBY, 1972:43).

 

 

Segundo o Professor Valnir Chagas:

 

Há uma interdependência tão íntima dos quatro aspectos instrumentais do ensino dos idiomas – ouvir, falar, ler e escrever que nenhum deles poderá ser atingido isoladamente, sem que se dê justo relevo aos demais. Treinados exclusivamente para a leitura, os escolares americanos terminaram por não aprender nem mesmo a ler. Não se altera impunemente a ordem natural das coisas (CHAGAS, 1957:420).

 

Abordagem audiolingual

 

AAbordagem Audiolingual (AAL) é a reação dos próprios americanos contra a AL. Surgiu durante a Segunda Guerra Mundial quando o exército americano precisou de falantes fluentes em várias línguas estrangeiras e não os encontrou. A solução foi produzir esses falantes da maneira mais rápida possível. Para isso nenhum esforço foi poupado: linguistas e informantes nativos foram contratados, as turmas de aprendizagem foram reduzidas ao tamanho ideal, e o tempo, apesar da urgência, foi dado com liberalidade: nove horas por dia por um período de seis a nove meses.

Embora nada houvesse de novo no método usado pelo exército – uma reedição da Abordagem Direta, anteriormente rejeitada pela Comissão dos Doze – seu sucesso foi tão grande que as universidades se interessaram pela experiência. Depois, as escolas secundárias seguiram na adoção do método, provocando um aumento significativo no número de matrículas. Devido à existência de linguistas no projeto, o ensino de línguas adquiria agora o status de ciência. Com o tempo o Método do Exército foi refinado e se desenvolveu no que hoje é conhecido como Abordagem Audiolingual. As premissas que sustentavam o método foram reformuladas com clareza a formaram uma doutrina coesa que por muitos anos dominou o ensino de línguas. Essas premissas são as seguintes:

 

 

Língua é fala, não escrita

 

Estava restabelecida a ênfase na língua oral. No momento em que se equiparava a fala com a língua, o que não fosse fala também não era língua. Daí que ensinar a leitura não era ensinar a língua, já que a escrita era uma fotografia muito mal feita da fala.

A implicação pedagógica dessa premissa era de que o aluno deveria primeiro ouvir e falar, depois ler e escrever; como acontece individualmente na aprendizagem da língua materna e como acontece com os povos em geral, que só aprendem a escrever muito depois de terem aprendido a falar. 0 aluno só deveria ser exposto à língua escrita quando os padrões da língua oral já estivessem bem automatizados. A apresentação precoce da escrita prejudicava a pronúncia. A forma preferida de apresentação era o diálogo, justamente por representar a língua viva do dia-a-dia. 0 laboratório de línguas, pela possibilidade de apresentar gravações de falantes nativos, possibilitando assim uma pronúncia perfeita, tornou-se um importante recurso audiovisual.

 

Língua é um conjunto de hábitos

 

O behaviorismo de Skinner foi o suporte da AAL em termos de aprendizagem. A língua era vista como um hábito condicionado que se adquiria através de um processo mecânico de estímulo e resposta. As respostas certas dadas pelo aluno deveriam ser imediatamente reforçadas pelo professor.

Havia uma grande preocupação em evitar que os alunos cometessem erros. Para isso o ensino era feito através de pequenos passos, com a aprendizagem gradual das estruturas, que eram apresentadas uma a uma. No audiolingualismo não se aprendia errando. Acreditava-se que quem errava acabava aprendendo os próprios erros.

As estruturas básicas da língua deveriam ser praticadas até a automatização, o que era conseguido através de exercícios de repetição. A aprendizagem só ocorria quando o aluno tivesse

 

 

realizado a superaprendizagem, isto é, quando tivesse automatizado a resposta; menos do que isso não era aprendizagem.

 

Ensine a língua não sobre a língua

 

A premissa era de que se aprendia uma língua pela prática, não através de explicitações ou explicações de regras. Perguntas por parte dos alunos eram desencorajadas. A gramática era ensinada através da analogia indutiva. Como na abordagem direta, o aluno era exposto aos fatos da língua.

 

A língua é o que os falantes nativos dizem, não o que alguém acha que eles deveriam dizer.

 

O que a gramática normativa muitas vezes apontava como errado era, no entanto, sistematicamente usado pelos falantes da língua padrão. Em vez de certo e errado preferiu-se usar os termos aceitável e não aceitável. Se os falantes cultos do inglês, por exemplo, usavam em situações informais a expressão “it’s me” em vez do prescrito “it’s I”, o professor deveria ensinar nos diálogos a forma “it’s me”. Do mesmo modo, em cursos de português para estrangeiros, sugeria-se a expressão “vi ele” em vez do tradicionalmente correto “vi-o”.

 

As línguas são diferentes

 

O audiolingualismo defendia uma versão forte da análise contrastiva. Pela comparação dos sistemas fonológicos, lexicais, sintáticos a culturais entre duas línguas podia-se prever os erros dos alunos. A tarefa primordial do planejador de cursos era detectar as diferenças entre a primeira e a segunda línguas e concentrar aí as atividades, evitando assim os erros que seriam causados pela interferência da língua materna.

O audiolingualismo dominou o ensino de línguas até o início da década de 1970. Bloomfield, no campo da linguística, Skinner, no da psicologia, Nida, Fries e Lado, no da metodologia, são alguns dos grandes nomes do movimento.

 

 

As objeções que foram surgindo contra a AAL, tímidas na década de 1960 e cada vez mais frequentes na década seguinte, eram tanto de ordem teórica como prática. Teoricamente começou- se a questionar o embasamento linguístico e psicológico da abordagem. A primazia da fala cedeu lugar a uma visão da língua em que a fala e a escrita eram formas paralelas de manifestação. Devido à capacidade do ser humano de gerar frases novas, a língua não podia ser um conjunto de hábitos. 0 professor não devia só ensinar a língua, mas também sobre a língua. Competência na língua é mais importante que a performance dos indivíduos com todos os erros e hesitações. Finalmente os aspectos universais da língua sobrepujavam de longe as pequenas diferenças entre uma língua a outra.

Na prática, havia também problemas sérios. Os alunos que aprenderam pela abordagem audiolingual pareciam apresentar as mesmas falhas de aprendizes de métodos anteriores: no momento em que se defrontavam com falantes nativos, em situações reais de comunicação, pareciam esquecer tudo o que tinham aprendido na

sala de aula. As repetições intermináveis para desenvolver a superaprendizagem tornavam as aulas cansativas para os alunos e professores. A ênfase na forma, em detrimento do significado, faziam os alunos papaguear frases que não entendiam. (O Anexo

3 apresenta alguns exercícios que exemplificam esta “mecanização” no ato de “aprender”)

O humanismo e o cognitivismo que predominavam agora na psicologia não aceitavam a fragmentação da aprendizagem em pequenas etapas. A ideia de que uma teoria de aprendizagem humana pudesse se basear em automatismos passou a ser rejeitada:

 

Até recentemente [início da década de 70], considerava- se uma heresia sugerir que seres humanos eram de algum modo interessante diferente de ratos. Acreditava-se que uma pessoa aprendia uma língua, tanto a primeira como a segunda, como ela e os ratos aprendiam qualquer outra coisa: através da repetição, do exercício e da assimilação de coisas novas sobre uma estrutura antiga já aprendida.

 

 

(…) Achava-se que era perigoso deixar uma pessoa pensar sobre as frases que elas estavam aprendendo (LAKOFF, 1972:60-1).

 

O ensino de línguas tinha entrado em uma de suas crises mais sérias. 0 que tinha acontecido até então, quando se rejeitava uma abordagem, era porque se tinha outra supostamente melhor para oferecer. Com a rejeição do audiolingualismo, no entanto, isso não acontecia; os linguistas gerativo-transformacionais, ao contrário dos linguistas de escolas anteriores, não traziam uma solução pronta para o ensino de línguas.

 

Período de transição

 

Obviamente o ensino de línguas não morreu com o audiolingualismo; ao lado de um ecleticismo generalizado que seguiu seu desaparecimento, floresceram vários métodos, geralmente ligados a um nome, às vezes envoltos numa aura de misticismo, e com propostas pouco convencionais para o ensino de línguas.

Entre esses métodos destacam-se:

 

Sugestologia de Lozanov

 

Enfatiza os fatores psicológicos da aprendizagem, que devem ser favorecidos até pelo ambiente físico. A sala deve ser confortável – poltronas macias, luz indireta, música de fundo suave – a fim de proporcionar o ambiente mais agradável possível. Para reduzir a ansiedade e inibição, os alunos podem receber pseudônimos e adquirir uma nova personalidade.

O desenvolvimento maciço do vocabulário é o aspecto linguístico mais enfatizado. As quatro habilidades são ensinadas ao mesmo tempo, principalmente através de longos diálogos lidos pelo professor com constantes variações de entonação.

 

 

Método de Curran -Aprendizagem por Aconselhamento

 

Método de aprendizagem centrado no aluno que consiste no uso de técnicas de terapia de grupo para o ensino de línguas. Os alunos são colocados em círculos, confrontando-se, enquanto que o professor circula pelo lado de fora. Quando alguém deseja dizer alguma coisa, o professor se aproxima e traduz em voz baixa, na língua estrangeira, a frase do aluno. 0 aluno, usando um gravador, repete em voz alta a frase traduzida pelo professor. No fim da sessão, a gravação com todas as frases dos alunos é reproduzida e transcrita para comentários e observações, incluindo reações pessoais dos alunos ao processo de aprendizagem da língua. Com o tempo, os alunos começam a criar frases diretamente na segunda língua, e podem assumir o papel do professor do lado de fora do círculo.

 

Método silencioso de Gattegno

 

Consiste fundamentalmente no ensino da língua através de pequenos bastões coloridos, que o professor usa para criar as mais diferentes situações de aprendizagem, juntamente com gráficos, também coloridos, para o ensino da pronúncia. A segunda língua é adquirida à medida que o aluno vai manipulando os bastões e consultando o gráfico. 0 professor permanece calado a maior parte do tempo.

 

Método de Asher – Resposta física Total

 

Basicamente consiste no ensino da segunda língua através de comandos emitidos pelo professor e executados pelo aluno. No começo, estes comandos são simples (exemplo: “levante-se”, “sente-se”), mas tornam-se mais complexos à medida que se avança no curso (ex.: “Carlos, vá ao quadro e desenhe uma cadeira com giz amarelo, uma mesa com giz branco e um armário com giz vermelho”).

 

 

A premissa fundamental do método é de que se aprende melhor uma língua depois de ouvi-la e entendê-la. Daí que a prática oral por parte do aluno só começa mais tarde, quando ele estiver interessado em falar.

 

Abordagem Natural

 

É a abordagem que tenta aplicar na sala de aula a teoria de Stephen Krashen, conhecida como Modelo do Monitor ou Modelo do Input. Visa desenvolver a aquisição da língua (uso inconsciente das regras gramaticais) em vez da aprendizagem (uso consciente). A premissa básica é que o aluno deve receber um input linguístico quase totalmente compreensível, de modo a ampliar sua compreensão da língua. A fala deve surgir naturalmente, sem pressão do professor.

 

Abordagem Comunicativa

 

Enquanto que nos Estados Unidos, quer na linguística estruturalista de Bloomfield ou na gramática gerativo- transformacional de Chomsky, os linguistas se concentravam no código da língua, analisada ascendentemente até o nível da frase, na Europa os linguistas mantinham a tradição dos estudos semânticos e sociolinguísticos, enfatizando o estudo do discurso. Esse estudo pressupunha não apenas a análise do texto – oral ou escrito – mas também as circunstâncias em que o texto era produzido e interpretado.

A língua era analisada não como um conjunto de frases, mas como um conjunto de eventos comunicativos.

Essa nova visão da língua, aliada a um grande interesse pelo seu ensino – que não existia na escola gerativo- transformacional veio preencher o enorme vazio deixado pelo declínio do audiolingualismo. Os metodólogos do ensino de línguas, após vários anos de abandono, reencontraram o apoio que lhes tinha sido negado pelos linguistas da escola de Chomsky.

 

 

Nascia dessa nova união, com grande impacto para o ensino de línguas, a Abordagem Comunicativa (AC).

Enquanto que no audiolingualismo o ensino da língua se concentrava no código, amplamente descrito durante os vários anos do estruturalismo, a nova abordagem enfatizava a semântica da língua, descrita fragmentariamente em alguns estudos esparsos. Dai que o primeiro desafio dos metodólogos foi elaborar um inventário das noções e funções que normalmente se expressam através da língua. 0 objetivo não era descrever a forma da língua, mas aquilo que se faz através da língua.

Não faltaram as chamadas taxionomias, tentativas de classificação sistemática das noções e funções. As duas mais citadas são as de Wilkins (1976) e van Ek (1976)

Wilkins dividiu as noções em duas categorias: categorias semântico-gramaticais e categorias de funções comunicativas. As categorias semântico-gramaticais expressam noções gerais de tempo, espaço, quantidade, caso etc. As categorias de funções comunicativas expressam o propósito para o qual se usa a língua.

Van Ek dividiu as funções da língua em seis grandes categorias, cada uma subdividida em funções menores: (1) expressando e descobrindo informações factuais (exemplo: identificando, perguntando etc.) (2) expressando e descobrindo atitudes intelectuais (exemplo: concordando, negando etc.), (3) expressando e descobrindo atitudes emocionais (exemplo: expressando ou inquirindo sobre prazer, surpresa, gratidão etc.),

(4) expressando e descobrindo atitudes morais (exemplo: pedindo desculpas, expressando aprovação etc.), (5) suasão (exemplo: pedir a alguém para fazer alguma coisa), (6) socialização (exemplo: cumprimentar, despedir-se etc.).

O uso de elementos dessas taxionomias na elaboração de material didático foi uma das características mais salientes da AC. Até os títulos das unidades eram muitas vezes expressos em termos funcionais: “perguntando e dizendo o nome”, “oferecendo, aceitando e recusando ajuda”, “perguntando e dizendo o que as pessoas fazem todos os dias” etc. Como essas funções podem ser expressas não só em diferentes graus de complexidade sintática, mas também em diversos níveis de formalidade, elas são

 

 

apresentadas várias vezes durante o curso, partindo geralmente do uso de expoentes linguísticos mais simples para os mais complexos; é a chamada abordagem espiral.

O fato de que a mesma função pode ser expressa através de um grande número de expoentes linguísticos demonstra que as palavras não têm apenas significado imediato, aquele registrado no dicionário, mas adquirem um valor especifico relativo ao contexto em que são usadas. Há por exemplo inúmeras maneiras de se pedir para que alguém deixe o recinto em que a gente se encontra. Pode ser um simples “sai”, um “preciso me concentrar neste artigo”, um “não quer brincar lá fora com a bola nova?”, um jocoso “vai ver se estou lá na esquina”, ou até uma expressão altamente contextualizada como “meu marido vai chegar daqui a pouco”. A função, a força ilocucionária, ou o valor de todas essas expressões é o mesmo: o interlocutor é solicitado a se retirar do recinto. É o contexto, o relacionamento entre os participantes e até as características intelectuais e afetivas do falante que vão determinar a escolha do expoente linguístico.

O uso de linguagem apropriada, adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel desempenhado pelos participantes, é uma grande preocupação na Abordagem Comunicativa. Os diálogos artificiais, elaborados para apresentarem pontos gramaticais são rejeitados. A ênfase da aprendizagem não está na forma linguística, mas na comunicação. As formas linguísticas serão ensinadas apenas quando necessárias para desenvolver a competência comunicativa e poderão ter mais ou menos importância do que outros aspectos do evento comunicativo. O desenvolvimento de uma competência estratégica

– saber como usar a língua para se comunicar – pode ser tão ou mais importante do que a competência gramatical.

O material usado para a aprendizagem da língua deve ser autêntico. Os diálogos devem apresentar personagens em situações reais de uso da língua, incluindo até os ruídos que normalmente interferem no enunciado (conversas de fundo, vozes distorcidas no telefone, dicções imperfeitas, sotaques etc.). Os textos escritos não devem se restringir aos livros ou artigos de revista, mas

 

 

abranger todas as formas de impressos: jornais (notícias, manchetes, fotos com legendas, propagandas, anúncios classificados, etc.), cartas, formulários, contas, catálogos, rótulos, cardápios, cartazes, instruções, mapas, programas, bilhetes, contratos, cartões, listas telefônicas, tudo enfim ao que o falante nativo está exposto diariamente. 0 uso de textos simplificados deve ser evitado, porque prejudicaria a autenticidade do material; simplificar a tarefa, se necessário, mas não simplificar a língua. Não existe ordem de preferência na apresentação das quatro habilidades linguísticas nem restrições maiores quanto ao uso da língua materna. Em cursos gerais as quatro habilidades são apresentadas de modo integrado, mas dependendo dos objetivos, pode haver concentração em uma só. 0 desenvolvimento do vocabulário passivo é defendido. 0 uso da língua materna é permitido, principalmente no início do curso ou quando se deseja criar um contexto para o uso e aprendizagem da L2. (0 Anexo 4 mostra algumas das diferenças entre a Abordagem Audiolingual

e a Abordagem Comunicativa.)

Um dos aspectos mais criticados pela Abordagem Comunicativa em relação às abordagens anteriores foi a falta de objetivos específicos no ensino de línguas. O pressuposto, anteriormente defendido de que, independente do objetivo final, há sempre um núcleo comum, inicial, a ser aprendido por todos é questionado pela AC. Os cursos devem ser planejados a partir das necessidades e interesses dos alunos. Um curso de L2 preparado para um bancário pode não servir para um comerciário e vice-versa. Os inúmeros cursos existentes atualmente para os mais diversos fins atestam a importância do que em inglês se convencionou chamar de ESP (English for Specific Purposes).

A Abordagem Comunicativa defende a aprendizagem centrada no aluno não só em termos de conteúdo mas também de técnicas usadas em sala de aula. 0 professor deixa de exercer seu papel de autoridade, de distribuidor de conhecimentos, para assumir o papel de orientador. O aspecto afetivo é visto como uma variável importante e o professor deve mostrar sensibilidade

 

 

aos interesses dos alunos, encorajando a participação e acatando sugestões. Técnicas de trabalho em grupo são adotadas.

O entusiasmo dos metodólogos pela Abordagem Comunicativa foi avassalador na teoria e na prática do ensino de línguas, produzindo uma safra fecunda de manuais nocionais- funcionais para professores e de material comunicativo para alunos. Publicações anteriores, oriundas de uma abordagem estruturalista, ou eram abandonadas, ou transvestidas numa roupagem comunicativa. A ideia generalizada entre metodólogos, autores de livros didáticos e professores era de que a AC tinha vindo para ficar; o entusiasmo inicial se transformaria na consolidação definitiva.

Há, no entanto, alguns problemas. No âmbito da teoria persiste a grande dificuldade em se definir categorias semânticas, tanto nocionais como funcionais, de modo distinto e abrangente. O verbo “solicitar”, por exemplo, foi proposto por Dobson (1979) como uma categoria maior que engloba, entre outras, as seguintes subcategorias: perguntar, indagar, solicitar e interrogar (em inglês: to ask, to inquire, to request, to question). 0 problema é, de um lado, como fazer a distinção entre os dois verbos “solicitar”, que aparecem em duas categorias de níveis diferentes e, do outro lado, como estabelecer os limites de abrangência dos verbos perguntar, indagar e interrogar, que aparecem na mesma categoria?

Embora a abordagem comunicativa tenha produzido na teoria várias tentativas de taxionomias, na prática parece impossível aplicar os princípios taxionômicos de modo que uma unidade de ensino forme um todo integrado pelas suas partes. O fato de que uma função independe da realidade física em que se encontram os participantes (uma pessoa pode discordar numa loja, num restaurante ou numa aula) torna difícil ou impossível encapsular uma série de funções menores numa função maior. Um dos problemas, por exemplo, com materiais comunicativos é identificar o conteúdo de cada unidade, normalmente expresso através de listas de funções simultaneamente repetitivas, incompletas e sem qualquer relação entre si. A compartimentalização da língua em funções corre o risco de atomização da aprendizagem.

 

 

O pós-método

 

Numa época em que predomina o prefixo “pós” (pós- graduação, pós-modernidade, pós-humano) seria de se esperar que esse prefixo chegasse também ao ensino de línguas, o que realmente aconteceu com a cunhagem do termo “pós-método”, proposto e desenvolvido por Kumaravadivelu (1994, 2001, 2003, 2006a, 2006b). Há três aspectos que caracterizam, de modo especial, o pós-método: (1) a busca da autonomia do professor, (2), a aprendizagem baseada em projetos e tarefas e (3) a proposta de uma pedagogia crítica.

Em relação ao professor, a ideia é de que ele deve guiar sua ação não por aquilo que os teóricos dizem que ele deve fazer, mas pelo que emerge de sua prática no contexto em que atua; ninguém conhece sua realidade melhor do que ele, principalmente quando vista e analisada por sua própria reflexão e pesquisa (SCHÖN, 1995; TRIP, 2005; THIOLLENT, 2005; LEFFA, 2008c).

Durante o longo período da história de línguas, o professor sempre esteve submisso ao que determinavam os teóricos da área; agora, pela primeira vez, cria-se uma situação nova, em que ele tem a possibilidade de exercer sua autonomia, tomar suas decisões e até investigar sua ação pedagógica.

Já a aprendizagem baseada em projetos e tarefas torna o aluno responsável e agente de sua aprendizagem, saindo do modelo passivo de “aprender sentado” para ingressar no paradigma dinâmico de “aprender fazendo”, envolvendo-se mais com os colegas, recursos de aprendizagem e comunidade, dentro e fora da sala de aula (HERNÁNDEZ, 1998; MACHADO, 2000;

ALMEIDA, 2002; PRADO 2009). Um exemplo de aprendizagem baseada em projetos, com o uso de textos autênticos e relevantes para o aluno, pode ser encontrado em Schlatter e Garcez (2012). Também as propostas baseadas nos recursos da internet, como a Webquest (ABAR; BARBOSA, 2008), estão ganhando espaço, com apelo motivacional significativo para os jovens (SANTOS, 2012), por priorizar o trabalho em grupo e o uso de diferentes mídias.

 

 

Por fim, a pedagogia crítica tenta alertar o professor e os alunos para o fato de que não basta o conhecimento contemplativo da língua, vista apenas como o domínio de uma habilidade individual; é também preciso vê-la e saber usá-la como um instrumento coletivo de mudança, visando o bem comum e a cidadania. A língua é um instrumento de poder na nossa relação com o outro; por meio dela podemos ser mentalmente colonizados e manipulados, mas podemos também, junto com o outro, tentar construir um mundo melhor, mais fraternal e solidário (PENNYCOOK, 1994, 1995; COX & ASSIS-PETERSON, 2001).

 

Conclusão

 

Um fator ainda não estabelecido no ensino de línguas é até que ponto a metodologia empregada faz a diferença entre o sucesso e o fracasso da aprendizagem. Às vezes dá-se à metodologia uma importância maior do que ela realmente possui, esquecendo-se de que o aluno pode tanto deixar de aprender como também apreender apesar da abordagem usada pelo professor. As inúmeras variáveis que afetam a situação de ensino podem sobrepujar a metodologia usada, de modo que o que parece funcionar numa determinada situação não funciona em outra e vice-versa.

As abordagens que dão origem aos métodos são geralmente monolíticas e dogmáticas. Por serem uma reação ao que existia antes, tendem a um maniqueísmo pedagógico sem meio-termo: tudo estava errado e agora tudo está certo. Abordagens pedagógicas, que pela experiência do professor deveriam conviver na prática, tornam-se preceitos antagônicos e irredutíveis: indução versus dedução, escrita versus fala, significado versus forma, aprendizagem versus aquisição, material autêntico versus material adaptado – são apenas alguns exemplos. Daí que a história do ensino de línguas tem sido comparada por alguns metodólogos aos movimentos de um pêndulo, balançando sempre de um lado a outro; uma constante sucessão de tese e antítese sem jamais chegar à síntese.

 

 

A solução proposta por alguns metodólogos é a do ecleticismo inteligente, baseado na experiência da sala de aula: nem a aceitação incondicional de tudo que é novo nem a adesão inarredável a uma verdade que, no fundo, nunca é para todos os contextos. Nenhuma abordagem contém toda a verdade e ninguém sabe tanto que não possa evoluir. A atitude sábia é incorporar o novo ao antigo; o maior ou menor grau de acomodação vai depender do contexto em que se encontra o professor, de sua experiência e de seu nível de conhecimento.

 

ANEXO 1

 

Abordagem da Gramática e da Tradução (COLEÇÃO FTD, s. d. p. 12-14)

Fragmentos mostrando as principais características da abordagem: estudo do vocabulário e explicações gramaticais com longos exercícios de tradução (“versão”) e versão (“tema”).

 

Table, (tê’boel), meza.

Box, (bo’ks), caixa.

Chalk, (tcho´lk), giz.

Duster, (does´ter), escova para pedra.

Curtain, (koer´tin), cortina.

Easel, (i´zoel), cavallete.

Picture, (pik´tchoer), quadro, pintura.

Gas-lamp, (gas´lamp), bico de gaz.

Electric-lamp, (ilek´triklamp),

lampada electrica.

Grammar:

  1. 8. A forma affirmativa do “partitivo inglez” é some (soe’m). Não se traduz geralmente em vernaculo. Emprega-se diante de qualquer substantivo, evocando idéia de Ex.:

She had some ink, ella tinha tinta.

 

 

 

 

Versão IV                                          Thema IV

 

 

ANEXO 2

 

Abordagem Direta (ROBIN & BERGEAUD, 1941, P. 6-7)

 

Montagem mostrando o uso da ilustração para a transmissão do significado e alguns exercícios característicos da abordagem. Note o uso exclusivo da L2.

 

 

 

LA CHAMBRE

 

Le garçon est dans la chambre. – Voilà la porte. Voilà la fenêtre. Voilà la porte et la fenêtre. – Voilà le plafond, le mur et le plancher.

– Voici la table, la lampe et la chaise. – Voici l’encrier, le papier buvard et le plumier. – L’encrier est ici, la fenêtre est , la maison est bas. – Le cahier est dans le sac de classe.

 

 

 

La question:                             La réponse:

 

  1. Où est le garçon?
  2. Où est la chambre?
  3. Où est le professeur?
  4. Où est l’encre (une encre)?
  5. Où est le porte-plume?
  6. Où est le cahier?
  7. Où est la craie?

Le garçon est dans la chambre. La chambre est dans une maison. Le professeur est dans la salle de classe.

L’encre est dans l’encrier.

Le porte-plume est dans le plumier. Le cahier est dans le sac de classe. La craie est dans la boîte.

 

 

 

ANEXO 3

 

Abordagem Audiolingual (YÁZIGI, s. d. , p. 18)

 

Note a ênfase nos padrões lingüísticos (“patterns”) que devem ser automatizados pelos alunos.

 

 

dialogue II

 

Mr. Pep – I like to drink coffee. Pepita – Do you drink milk?

Mr. Pep – Yes, I do. I like milk with coffee. Pepita – Don’t you like tea?

Mr. Pep – No, I don’t.

Pepita – You like tea, don’t you Zip? Zip – No, I don’t.

Pepita – What do you like to drink, Zip? Zip – I like to dink wine; don’t you?

 

pattern drill

 

I drink beer.            I don’t drink wine. I drink milk.         I don’t drink water.

 

I like beer.              You don’t like beer.            You like wine.

I like English.         You don’t like English.       You like French. I like Spanish.        You don’t like Spanish.                  You like Italian.

I like tennis.           You don’t like tennis.         You like basketball. I like soccer.    You don’t like soccer.                     You like baseball.

 

 

I like to drink beer water.       I don’t like to drink milk.

I like to speak English.           I don’t like to speak French. I like to speak German. I don’t like to speak Italian. I like to play tennis.           I don’t like to play soccer.

I like to play soccer.               I don’t like to play basketball.

 

 

ANEXO 4

 

Abordagem Audiolingual versus Comunicativa

 

O primeiro sumário (ABBS & FREEBAIRN, 1977, p. 5) mostra a ênfase no uso, enquanto que o segundo (ALEXANDER, 1976,

  1. v) mostra a ênfase na forma.

 

 

Ênfase no uso:

 

Contents

 

UNIT 1. My name’s Sally

Set 1. Ask somebody’s name and say you name Set 2. Ask and say where places and people are

 

UNIT 2. I’m a Journalist

Set 1. Greet people formally and introduce yourself Set 2. Ask and say what somebody’s job is (1)

Sat what your job is

 

UNIT 3. Hello and Goodbye!

Set 1. Introduce people (1) and greet informally Set 2. Ask and say what somebody’s job is (2) Set 3. Ask and say somebody’s name

 

 

Ênfase na forma:

 

  • This is (Alice)

She is (she’s) French He is (he’s) German It’s a (French) car It’s (French)

It’s an (English) car It’s (English)

His/her name is (name’s) … He’s/she’s a (French) student Yes, she is / No, she isn’t Yes, he is / No, he isn’t

 

  • Are you (French), too?

Yes, I am / No, I am (I’m) not. I’m a (typist)

I’m an (engineer) What’s you his/her job?

 

48                                       Vilson J. Leffa

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                         49

Capítulo 2

O ensino das línguas estrangeiras no Brasil2

 

Introdução

 

O objetivo deste capítulo é descrever o lugar das línguas estrangeiras no contexto educacional do Brasil. Pretende-se mostrar de onde viemos, resgatando parte da nossa história, e tentar descrever onde estamos, mostrando o contexto metodológico e político da questão. Na medida em que ensinar é tocar o futuro, pretende-se também sugerir alguns possíveis caminhos, usando-se para isso não algum exercício de futurologia, mas a trajetória percorrida até aqui.

Entende-se que há uma complexidade crescente no desenvolvimento desta tarefa: enquanto é relativamente fácil mostrar o caminho percorrido, já que se olha para o conhecido, é mais difícil descrever o presente, e extremamente mais complexo tentar prever o futuro, na medida em que se procura tornar conhecido o que ainda é desconhecido. Esse, no entanto, é nosso grande desafio como professores: preparar os alunos não para o mundo em que nós vivemos hoje, mas para o mundo em que eles vão viver amanhã. Trata-se, na verdade, de uma questão de sobrevivência. A história tem demonstrado que um povo incapaz de usar o passado para prever o futuro não está apenas condenado a repetir os erros do passado, mas fadado à extinção.

Os brasileiros somos muitas vezes criticados por copiar aqui dentro o que acontece lá fora, numa imitação servil de outras culturas e violação da nossa identidade. É óbvio que um país não pode viver fechado dentro de si mesmo, mas parece que ao invés de incorporar aspectos de outras culturas à nossa, o que fazemos

2 Este capítulo é uma versão atualizada e ampliada do texto publicado em: LEFFA, Vilson J. O Ensino de línguas estrangeiras no contexto nacional. Contexturas, São Paulo, v. 4, n. 4, p. 13-24, 1999.

 

 

muitas vezes é submeter nossa cultura às outras. Isso fica mais evidente no caso da língua estrangeira, uma questão extremamente delicada, onde nem sempre fica claro se estudamos uma língua para servir ao nosso país ou servir aos interesses dos outros.

Historicamente o que aconteceu com o ensino de línguas no Brasil tem sido um eco do que aconteceu em outros países, geralmente com um retardo de alguns decênios, tanto em termos de conteúdo (línguas escolhidas) como de metodologia (método da tradução, método direto etc.). O método direto, por exemplo, foi introduzido no Brasil em 1931, ou seja, 30 anos depois de sua implementação na França.

Este capítulo pretende mostrar o ensino das línguas estrangeiras no contexto nacional, resgatando parte de sua história e mostrando os movimentos de centralização e descentralização de seu ensino, os períodos de ascensão e declínio da língua estrangeira, os momentos de construção e de destruição – e das trabalhosas reconstruções para tentar recuperar os estragos feitos por certas legislações.

 

Durante o império e antes dele

 

Deixando de lado os primórdios da catequização dos índios, quando o próprio português era uma língua estrangeira, e começando com as primeiras escolas fundadas pelos jesuítas, pode-se dizer que a tradição brasileira é de uma grande ênfase no ensino das línguas, inicialmente nas línguas clássicas, grego e latim, e posteriormente nas línguas modernas: francês, inglês, alemão e italiano (O espanhol só muito recentemente, considerando a perspectiva histórica, foi incluído no currículo). Durante o período colonial, antes e depois da expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, o grego e o latim eram as disciplinas dominantes. As outras, incluindo o vernáculo, história e geografia, eram normalmente ensinadas através das línguas clássicas, nos exercícios de tradução e nos comentários dos autores lidos (Franca, 1952). Foi só muito lentamente, a princípio com a chegada da Família Real, em 1808, posteriormente com a criação

 

 

do Colégio Pedro II, em 1837, e finalmente com a reforma de 1855, que o currículo da escola secundária começou a evoluir para dar ao ensino das línguas modernas um status pelo menos semelhante ao das línguas clássicas.

O ensino das línguas modernas durante o império parecia sofrer de dois graves problemas: falta de metodologia adequada e sérios problemas de administração. A metodologia para o ensino das chamadas línguas vivas era a mesma das línguas mortas: tradução de textos e análise gramatical. A administração, incluindo decisões curriculares, por outro lado, estava centralizada nas congregações dos colégios, aparentemente com muito poder e pouca competência para gerenciar a crescente complexidade do ensino de línguas. Segundo Chagas (1957), “subtraiu-se à escola a sua função primordial de ensinar, e educar, e formar, para relegá-la à burocrática rotina de aprovar e fornecer diplomas” (p. 88).

Foi também durante o império que se iniciou a decadência do ensino de línguas, junto com o desprestígio crescente da escola secundária, onde parecia predominar a ideia do ensino livre seguido de exames (os chamados exames de madureza, parcelados, preparatórios ou de Estado), geralmente realizados “às pressas e sem qualquer rigor científico” (CHAGAS, 1957, p. 89). Ainda que não se tenha estatísticas exatas sobre aspectos importantes do ensino de línguas desse período, muitos deles dependentes de decisões locais tomadas pelas congregações das escolas, tais como a carga horária semanal de cada língua ensinada, o que se tem, através de leis, decretos e portarias, mostra uma queda gradual no prestígio das línguas estrangeiras na escola. Somando os anos de estudo prescritos para cada língua, o número de línguas ensinadas e estimando uma carga horária semanal de 2 a 3 horas, chega-se, em termos aproximados, aos dados da Tabela 1. Esses dados mostram que os alunos, durante o império, estudaram no mínimo quatro línguas no ensino secundário, muitas vezes cinco e, às vezes, até seis, quando a língua italiana, facultativamente, era incluída. Embora o número de línguas ensinadas tenha permanecido praticamente o mesmo, o número de horas dedicadas

 

 

ao seu estudo foi gradualmente reduzido, chegando a pouco mais da metade no fim do império.

 

Tabela 1 – O ensino das línguas no império em horas de estudo

 

Ano Latim Grego Francês Inglês Alemão Italiano Total em

horas

1855 18 9 9 8 6 3(F) 50
1857 18 6 9 10 4 3(F) 47
1862 18 6 9 10 4 6F 47
1870 14 6 12 10 42
1876 12 6 8 6 6F 32
1878 12 6 8 6 4 36
1881 12 6 8 6 4 3F 36

Fonte: Chagas, 1957.

 

Nota: O número de horas é a soma das horas semanais em cada ano de estudo. Exemplo: uma carga horária de 2 horas semanais durante 5 anos equivale a uma soma de 10 horas.

 

Na primeira república

 

Durante a república, embora partindo de um ímpeto inicial bastante expressivo, principalmente com a reforma de Fernando Lobo em 1892, nota-se uma redução ainda mais acelerada na carga horária semanal dedicada ao ensino das línguas. Assim para 76 horas semanais/anuais em 1892, chega-se em 1925, a 29 horas, o que é menos da metade. O ensino do grego desaparece, o italiano não é oferecido ou torna-se facultativo e o inglês e alemão passam a ser oferecidos de modo exclusivo; o aluno faz uma língua ou outra, mas não as duas ao mesmo tempo.

A frequência livre permaneceu, de certa maneira “desoficializando” o ensino, que era substituído por uma prova de estudos “realizada por meio de um exame sumário, superficial e incompleto, como simples formalidade para o início do curso

 

 

superior” (FREITAS, apud CHAGAS, 1957, p. 89). A crítica de Chagas sobre o ensino neste período da república é bastante dura: “Se antes não se estudavam os idiomas considerados facultativos, a esta altura já não se aprendiam nem mesmo os obrigatórios, simplesmente porque ao anacronismo dos métodos se aliava a quase-certeza das aprovações gratuitas (p. 89)”.

 

Tabela 2 – O ensino das línguas de 1890 a 1931 em horas de estudo

 

Ano Latim Grego Francês   Inglês Alemão   Italiano Espanhol Total em

horas

1890 12 8 12 11 ou 11 –             – 43
1892 15 14 16 16   15 –             – 76
1900 10 8 12 10   10 –             – 50
1911 10 3 9 10 ou 10 –             – 32
1915 10 10 10 ou 10 –             – 30
1925 12 9 8 ou 8 2F          – 29
1931 6 9 8   6F –             – 23

Fonte: Chagas, 1957.

 

 

A reforma de 1931

 

Em 1930 foi criado o Ministério de Educação e Saúde Pública e em 1931 a reforma de Francisco de Campos propunha- se a “soerguer a educação de segundo grau do caos e do descrédito em que fora mergulhada” (CHAGAS, 1957, p. 89). Extinguiu-se a frequência livre e instituiu-se o regime seriado obrigatório, visando não apenas preparar o aluno para a universidade, mas proporcionar a formação integral do adolescente.

No que concerne ao ensino de línguas, a reforma de 1931 introduziu mudanças não apenas quanto ao conteúdo, mas principalmente quanto à metodologia de ensino. Em termos de conteúdo, foi dada mais ênfase às línguas modernas, não por um acréscimo em sua carga horária, mas pela diminuição da carga

 

 

horária do latim. A grande mudança, porém, foi em termos de metodologia. Pela primeira vez introduzia-se oficialmente no Brasil o que tinha sido feito na França em 1901: instruções metodológicas para o uso do método direto, ou seja, o ensino da língua através da própria língua.

O grande destaque da época foi a figura do Professor Carneiro Leão que, dentro do espírito da reforma, introduziu o método direto no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, em 1931, experiência relatada em detalhes no livro que publicou em 1935, O ensino das línguas vivas. O método estava baseado em 33 artigos, entre os quais destacamos, a título de ilustração, os seguintes:

 

  • A aprendizagem da língua deve obedecer à sequência ouvir, falar, ler e
  • O ensino da língua deve ter um caráter prático e ser ministrado na própria língua, adotando-se o método direto desde a primeira aula.
  • O significado das palavras deve ser transmitido não pela tradução mas pela ligação direta do objeto a sua expressão, usando-se para isso ilustrações e objetos do mundo real.
  • As noções gramaticais devem ser deduzidas pela própria observação e nunca apresentadas sob a forma teórica ou abstrata de
  • A leitura será feita não só nos autores indicados mas também nos jornais, revistas, almanaques ou outros impressos, que possibilitem aos alunos conhecer o idioma atual do país.

 

Além dessas instruções metodológicas, outras medidas também foram tomadas na reforma feita no Colégio Pedro II, incluindo a divisão das turmas, seleção de novos professores e renovação dos materiais de ensino. Nas palavras de Chagas, a reforma introduzida pelo Professor Carneiro Leão é “uma experiência magnífica que até hoje não achou continuadores no âmbito da escola brasileira de segundo grau” (CHAGAS, 1957, p. 92).

 

 

A reforma Capanema

 

A reforma Capanema, de 1942, teve o grande mérito de equiparar todas as modalidades de ensino médio – secundário, normal, militar, comercial, industrial e agrícola – de um lado democratizando o ensino, ao dar a todos os cursos o mesmo status, embora, de outro lado, tenha sido acusada por alguns de ser uma reforma fascista e de promover o classicismo aristocrático e acadêmico dos últimos dias do Império. O próprio ministro Capanema, na sua exposição de motivos, ao apresentar o projeto ao governo, reforça a ideia de que o ensino não deve ficar apenas nos aspectos instrumentais. A lei que propõe, segundo ele, deve “formar nos adolescentes uma sólida cultura geral, marcada pelo cultivo a um tempo das humanidades antigas e das humanidades modernas e, bem assim, de neles acentuar e elevar a consciência patriótica e a consciência humanística” (apud CHAGAS, 1957,

  1. 94). O ensino médio ficava dividido em um primeiro ciclo, denominado “ginásio”, com duração de quatro anos, e um segundo ciclo, com duas ramificações, uma denominada “clássico”, com ênfase no estudo de línguas clássicas e modernas, e outra denominada “científico”, com ênfase maior no estudo das ciências (física, química, biologia, matemática etc.).

Como a reforma de 1931, a reforma Capanema, com as instruções que a seguiram (Portaria Ministerial 114, de 29 de janeiro de 1943), preocupou-se muito com a questão metodológica. Recomendava-se o uso do método direto, com ênfase em “um ensino pronunciadamente prático”, embora deixando claro que o ensino de línguas deve ser orientado não só para objetivos instrumentais (compreender, falar, ler e escrever) mas também para objetivos educativos (“contribuir para a formação da mentalidade, desenvolvendo hábitos de observação e reflexão”) e culturais (“conhecimento da civilização estrangeira” e “capacidade de compreender tradições e ideais de outros povos, inculcando [no aluno] noções da própria unidade do espírito humano”).

 

 

Os instrumentos que deveriam ser usados para atingir esses objetivos, foram também detalhados até o nível da aplicação pedagógica na sala de aula. O vocabulário seria escolhido pelo critério de frequência; a leitura deveria iniciar-se por manuais “de preferência ilustrados” dentro e fora da sala de aula, começando com “histórias fáceis” e progredindo até a leitura de obras literárias completas; os recursos audiovisuais, desde giz colorido, ilustrações e objetos até discos gravados e filmes são amplamente recomendados.

A educação nacional ficou centralizada no Ministério de Educação, de onde partiam praticamente todas as decisões, desde as línguas que deveriam ser ensinadas, a metodologia a ser empregada pelo professor e o programa que deveria ser desenvolvido em cada série do ginásio e em cada ano do colégio, em todo o território nacional.

Algumas dessas decisões parecem ter sido mais facilmente seguidas do que outras. Não houve problema quanto às línguas a serem ensinadas, deve ter havido algumas dificuldades quanto ao programa a ser desenvolvido, mas a metodologia proposta, baseada ainda no método direto, parece não ter chegado à sala de aula. No caminho entre o Ministério e a escola, o método direto foi substituído por uma versão simplificada do método da leitura, usado nos Estados Unidos. Segundo Chagas

 

(…) não é o “método direto”. Não é nem mesmo o “método da leitura”, porque do sistema de Claude Marcel, ou do velho “reading method” americano, tomou apenas a forma exterior, captou simplesmente a “liturgia”, sem penetrar- lhe o verdadeiro e profundo sentido (CHAGAS, 1957, p.99).

 

A Reforma Capanema, ainda que criticada por alguns educadores como um documento fascista pela sua exaltação do nacionalismo, foi, paradoxalmente, a reforma que deu mais importância ao ensino das línguas estrangeiras. Todos os alunos, desde o ginásio até o científico ou clássico, estudavam latim,

 

 

francês, inglês e espanhol. Muitos terminavam o ensino médio lendo os autores nos originais e, pelo que se pode perceber através de alguns depoimentos da época, apreciando o que liam, desde as éclogas de Virgílio até os romances de Hemingway. Visto de uma perspectiva histórica, as décadas de 40 e 50, sob a Reforma Capanema, formam os anos dourados das línguas estrangeiras no Brasil.

 

LDB de 1961

 

A LDB de 1961, publicado no dia 20 dezembro, mantém os sete anos do ensino médio, ainda com a divisão entre ginásio e colégio, e inicia a descentralização do ensino. Cria para isso o Conselho Federal de Educação “constituído por 24 membros nomeados pelo Presidente da República, por seis anos, dentre pessoas de notável saber e experiência, em matéria de educação”. No artigo 35, parágrafo 1o. estabelece que “Ao Conselho Federal de Educação compete indicar, para todos os sistemas de ensino médio, até cinco disciplinas obrigatórias, cabendo aos conselhos estaduais de educação completar o seu número e relacionar as de caráter optativo que podem ser adotadas pelos estabelecimentos de ensino.”

Decisões sobre o ensino da língua estrangeira ficaram sob a responsabilidade dos conselhos estaduais de educação. O latim, com raras exceções, foi retirado do currículo, o francês quando não retirado, teve sua carga semanal diminuída, e o inglês, de um modo geral, permaneceu sem grandes alterações.

 

 

Tabela 3 – O ensino das línguas após 1931

Ano    Latim Grego Francês Inglês Alemão Italiano Espanhol Total em

horas

1942 8 –         13 12          –             – 2 35
1961 –         8 12          –             – 2 22
1971 –         – 9            –             – 9 9
1996 –         6 e/ou 12 e/ou –            – 6 18

Fonte: Autor.

 

Nota: 1) O número de horas nas reformas de 1961, 1971 e 1996 é estimativo, em valores aproximados, do que se considera a média nacional.

 

Comparada à Reforma Capanema e à LDB que veio em seguida, a lei de 1961 é o começo do fim dos anos dourados das línguas estrangeiras. Apesar de ter surgido depois do lançamento do primeiro satélite artificial russo, que provocou um impacto na educação americana, com expansão do ensino das línguas estrangeiras em muitos países, a LDB do início da década de 60, reduziu o ensino de línguas a menos de 2/3 do que foi durante a Reforma Capanema.

 

LDB de 1971

 

Menos de dez anos depois da LDB de 1961, era publicada a nova LDB, Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. O ensino é reduzido de 12 para 11 anos, introduzindo-se o 1o. grau com 8 anos de duração e o segundo com 3. Enfatiza-se a formação especial com ênfase na habilitação profissional. O Conselho Federal de Educação (artigo 4o., parágrafo 3o.) ficava encarregado de fixar “além do núcleo comum, o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações afins”. A redução de um ano de escolaridade e a necessidade de se introduzir a habilitação profissional provocaram uma redução drástica nas horas de ensino de língua estrangeira, agravada ainda

 

 

por um parecer posterior do Conselho Federal de que a língua estrangeira seria “dada por acréscimo” dentro das condições de cada estabelecimento. Muitas escolas tiraram a língua estrangeira do 1o. grau, e no segundo grau, não ofereciam mais do que uma hora por semana, às vezes durante apenas um ano. Inúmeros alunos, principalmente do supletivo, passaram pelo 1o. e 2o. graus, sem nunca terem visto uma língua estrangeira.

 

LDB de 1996

 

No dia 20 de dezembro de 1996, 25 anos da LDB anterior, é publicada a nova LDB (Lei nº 9.394). O ensino de 1o. e 2o. graus é substituído por ensino fundamental e médio. Continua existindo uma base nacional comum, que deve ser complementada “em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela” (Art. 26). O § 5º. desse mesmo artigo deixa bem clara a necessidade da língua estrangeira no ensino fundamental: “Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição” (Art. 26, § 5º). Também em relação ao ensino médio, a lei dispõe que “será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição” (Art. 36, Inciso III).

A ideia de um único método certo é finalmente abandonada, já que o ensino será ministrado com base no princípio do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” (Art.3º, Inciso III), dentro de uma grande flexibilidade curricular, conforme está previsto no Art. 23: “A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem

 

 

assim o recomendar”. O inciso IV, do Art. 24, corrobora essa disposição: “poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares”.

 

PCNs, OCEM e BNCC

 

Complementando a nova LDB, foram publicados diversos documentos legais, incluindo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental de Línguas Estrangeiras e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM): Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Está também em andamento a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Os PCNs, amplos em seus objetivos, estão baseados no princípio da transversalidade, destacando o contexto maior em que deve estar inserido o ensino das línguas estrangeiras e incorporando questões como a relação entre a escola e a juventude, a diversidade cultural, os movimentos sociais, o problema da violência, o tráfico e uso de drogas, a superação da discriminação, educação ambiental, educação para a segurança, orientação sexual, educação para o trabalho, tecnologia da comunicação, realidade social e ideologia.

Os Parâmetros não chegam a propor uma metodologia específica de ensino de línguas, mas sugerem uma abordagem sociointeracional, com ênfase no desenvolvimento da leitura, justificada, segundo seus autores, pelas necessidades do aluno e as condições de aprendizagem:

 

Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu próprio contexto social imediato. Além disso, a aprendizagem de leitura em LE pode ajudar o desenvolvimento integral do letramento do aluno. A leitura tem função primordial na escola e aprender a ler em LE pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua LM.

 

 

Deve-se considerar também o fato de que as condições na sala de aula da maioria das escolas brasileiras (carga horária reduzida, classes superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos professores, material didático reduzido ao giz e livro didático etc.) podem inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas. Assim, o foco na leitura pode ser justificado em termos da função social das LEs no país e também em termos dos objetivos realizáveis tendo em vista condições existentes. (Parâmetros Curriculares Nacionais para Línguas Estrangeiras)

 

Esta ênfase na leitura gerou muitas críticas por parte de muitos professores. Argumenta-se que enquanto a própria lei baseia-se no princípio do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (Art.3º, Inciso III), os Parâmetros restringem o espaço de ação do professor. Embora haja muitos argumentos a favor dessa ênfase, a escola não vai recuperar o ensino da língua estrangeira, “deslocado para os cursos de línguas”, como está explicitado nos próprios parâmetros, devido justamente à ênfase na leitura. Muito breve o aluno provavelmente perceberá que para “falar” uma língua estrangeira, só frequentando um “um curso de línguas”.

As OCEM, publicadas em 2006, trazem para o ensino de línguas, a perspectiva do letramento digital, associando educação com tecnologia, mas indo além da dimensão meramente operacional (saber operar a máquina), para chegar às dimensões cultural, intercultural e crítica da aprendizagem. O ensino da língua estrangeira na escola não visa apenas ao desenvolvimento da habilidade linguística, característica dos cursos de línguas, por exemplo: entre outros aspectos, põe ênfase maior na função educacional da língua, reafirmando a relevância da noção de cidadania; debate a relação exclusão/inclusão e o domínio de uma língua estrangeira no mundo globalizado atual; e chama a atenção de que os objetivos do ensino de LE na escola são diferentes dos objetivos dos cursos de línguas.

 

 

A proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)3, embora ainda em discussão no momento da elaboração deste capítulo, merece ser mencionada pelo impacto que pode trazer para a área do ensino de línguas, não tanto pela novidade do que propõe, já que fundamentalmente retoma propostas de outros documentos, mas pelo cuidado na sua elaboração, partindo de uma ampla consulta nacional. Das OCEM, inclui a necessidade de acesso ampliado do aluno a diferentes espaços, físicos e virtuais, incluindo o uso das TIC; da LDB de 1996, traz a pluralidade de ofertas de línguas, além do inglês e do espanhol, incluindo línguas de herança, de sinais etc.; dos documentos oficiais em geral retoma, com maior ênfase, o que podemos chamar de práticas cidadãs, incluindo a aceitação da diferença, questões de consumo, ética na publicidade e no trabalho, entre outras. Em relação aos PCNs, no entanto, há uma divergência clara: além da compreensão e produção escrita, propõe também a inclusão das habilidades de escuta e produção oral. Chama também a atenção a ideia de uma base comum, incluída no título (“Base Nacional Comum”), que sugere uma retomada da LDB de 1971, que propunha um núcleo comum para todo o território nacional.

 

Onde estamos

 

O momento atual é de um grande interesse na educação, de um modo geral, e de uma revitalização do ensino de línguas, de modo particular, em que pese alguns percalços, como as sugestões dos Parâmetros Nacionais. Há, a meu ver, uma percepção geral de que a riqueza de um país não está apenas no seu solo ou subsolo, nem mesmo nos seus recursos hídricos ou na sua biodiversidade, mas principalmente no conhecimento e no domínio da tecnologia para saber usar esses recursos. É óbvio que no momento em que se valoriza o conhecimento, cria-se um

 

 

3     Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio.

 

 

contexto favorável para a aprendizagem da língua estrangeira, veículo importante para a divulgação desse conhecimento.

A educação deixou de ser tratada apenas em reuniões de professores para ser tratada também em encontros de cúpula entre países. Na grande imprensa, inúmeras são as reportagens sobre a escola, a necessidade de se investir na educação, entrevistas com especialistas da área, as reformas que estão sendo propostas etc.

Parece haver um consenso de que a melhoria do ensino passa pelo investimento no professor, quer na sua formação, quer na melhoria de seu salário. As oportunidades de emprego no magistério, principalmente para professores de línguas, são maiores do que em muitas outras áreas. Há também melhores perspectivas de crescimento profissional, devido à necessidade de professores qualificados, principalmente nas universidades.

 

Para onde vamos

 

Língua é informação e a grande mudança que está ocorrendo atualmente no mundo da informação, conforme Negroponte (1995), é a substituição do átomo pelo bit. O bit oferece algumas grandes vantagens sobre o átomo, incluindo um custo baixíssimo, capacidade de ser teletransportável e uma camaleônica versatilidade. Um livro impresso em folhas de papel, por exemplo é átomo. Como tal é relativamente caro, seu transporte só é possível por meios físicos e sua apresentação é fixa. O mesmo livro, transposto para a internet, transforma-se em bits, configurando-se como arquivo digital. Como tal, seu preço pode ser reduzido em várias centenas de vezes, chegando a ser praticamente gratuito para quem já tem acesso à rede. Isso vale não só para livros mas para cursos completos de línguas, incluindo, além de texto verbal escrito, recursos de áudio e vídeo.

Por ser um arquivo digital, o livro eletrônico ou curso pode ser transportado para qualquer parte do mundo, na velocidade de transmissão das bandas largas da internet. Ao contrário de um livro impresso, o arquivo digital pode ser instantaneamente reproduzido e multiplicado em inúmeros computadores, sem

 

 

restrições geográficas ou alfandegárias, resguardando obviamente os princípios de autoria, com base nas licenças da Creative Commons.4

A apresentação gráfica do texto pode também ser modificada ao gosto e preferência de cada leitor, incluindo cor, tamanho e tipo de letra. Leitores com dificuldade de visão podem ter as letras ampliadas, ou mesmo ouvir o texto, se assim o desejarem. Buscas de determinadas palavras ou expressões podem ser feitas em segundos, por maior que seja a extensão do texto. Levantamentos de vocabulário em contextos de uso, que antes consumiam anos de trabalho, hoje poder ser feitos em minutos. O computador, na medida em que lida com bits, oferece uma versatilidade de usos cujo único limite parece ser a imaginação do leitor ou pesquisador.

Essa transformação do átomo para bits, do mundo analógico para o digital, acabará tendo um impacto na educação, com novos desafios para o professor. A máquina não poderá substituí-lo, mas poderá ajudá-lo na sua interação com o aluno. Acho equivocada a ideia de que no futuro estaremos interagindo com máquinas. A máquina servirá apenas como um instrumento para realçar a ação do professor, tanto para o aspecto positivo como negativo. Além da máquina, estará sempre o aluno. Se o professor for bom o benefício será grande para o aluno; se for ruim, o prejuízo também será enorme. O desafio, para o professor, será “encontrar novas maneiras de utilizar esses recursos tecnológicos para o benefício da aprendizagem” (CELANI, 1997, p. 161).

Durante o império e república, como na história geral do ensino de línguas com a ênfase no método, o grande problema foi sempre o professor, que em qualquer época e lugar, parece ter sempre atrapalhado a implementação da metodologia proposta – levando até à procura de um método à prova de professor. Uma máquina que seguisse à risca as instruções de uma determinada metodologia proposta seria, portanto, um excelente substituto.

 

4     ONG voltada para a distribuição de obras que permitam a cópia sem o tradicional “todos os direitos reservados”.

 

 

Com a chegada das máquinas ditas inteligentes, descobriu-se, no entanto, que uma metodologia que possa ser implementada por uma máquina não merece confiança e que o verdadeiro professor é insubstituível. Estamos descobrindo agora, no início de um novo milênio, que o professor não é o problema mas a solução e que há um retorno maior investindo no professor e no seu aperfeiçoamento do que na metodologia. As novas tecnologias não substituem o professor mas ampliam seu papel, tornando-o mais importante.

A máquina pode ser uma excelente aplicadora de métodos, mas o professor precisa ser mais do que isso. Para usar a máquina com eficiência, ele precisa ser aquilo que a máquina não é, ou seja, crítico, criativo e comprometido com a educação. Esse é, na minha percepção, o caminho apontado pela trajetória que percorremos até aqui.

 

66                                       Vilson J. Leffa

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                         67

Capítulo 3

O professor ideal5

 

 

Introdução

 

Neste capítulo, vou abordar a questão das qualidades desejáveis que o professor de línguas estrangeiras deve possuir. Estou dividindo o conteúdo em três partes. No primeiro momento abordo a questão do ensino versus aprendizagem, mostrando a necessidade de uma compatibilidade entre os dois; não há razão para se falar no trabalho do professor se não descobrirmos uma relação entre o que ele faz e o que o aluno aprende. Em seguida, faço um rápido levantamento dos infindáveis estudos que têm sido feitos para caracterizar o professor ideal de línguas estrangeiras. Finalmente na última parte, aprofundo o que considero o essencial no trabalho do professor e que pode ter um impacto na aprendizagem do aluno.

 

A questão ensino/aprendizagem revisitada

 

Há uma longa tradição no ensino de línguas de que ensinamos aos alunos uma coisa e eles aprendem outra. Cito aqui dois exemplos que, a meu ver, confirmam essa tradição. Um está relacionado à premissa histórica, já parcialmente abandonada, de que os alunos deveriam aprender sempre as quatro habilidades

– escutar, falar, ler e escrever – independente dos objetivos que tivessem no estudo da língua, independente de, em algumas circunstâncias, precisarem desenvolver proficiência em apenas uma habilidade.   O outro exemplo vem do debate que existiu

5 Uma versão anterior deste capítulo, em inglês, foi publicada em: LEFFA, Vilson J. Making ends meet in the classroom: The attributes of the good language teacher. CADERNOS DO IL, n. 12, p. 107-116, 1994.

 

 

entre aquisição versus aprendizagem, em que o professor conscientemente ensinava uma coisa ao aluno e o aluno inconscientemente adquiria outra.

Considerando o contexto histórico do ensino das quatro habilidades (veja abordagem audiolingual no Cap. 1), a ideia de que os professores pudessem focalizar apenas a habilidade da leitura, em vez de leitura e fala, criou um dilema teórico, já que a língua era definida como fala e não como escrita. A escrita, na melhor das hipóteses, seria uma mera e pobre representação da língua, uma fotografia desfocada, sem vida e sem cor do que era o objeto real da língua. E talvez não chegasse nem a isso. Uma foto pelo menos mostra semelhança com o objeto real; a escrita, nem isso. A qualidade de reprodução da escrita é tão pobre que qualquer semelhança possível com a língua falada era perdida. Quando, por exemplo, lemos uma palavra nunca ouvida, principalmente numa língua em que há pouca concordância entre fonemas e letras, como é o caso do inglês, não conseguimos pronunciar a palavra, ou seja, não sabemos a que se refere a forma escrita, não sabemos o que ela representa. Logo, seguindo esse raciocínio, é impossível aprender uma língua através de sua escrita.

A analogia da escrita com a fotografia do objeto real fornecia um argumento imbatível para os defensores da língua como fala. Vejamos um outro exemplo. Se vejo uma foto de minha mãe, eu imediatamente a reconheço na foto. Posso me lembrar de sua voz, ainda que a foto não seja sonora; da cor de seus olhos, ainda que a foto não seja colorida. Mas se olho para a foto de uma pessoa que nunca vi antes, a foto vai me dizer muito pouco. Não dá para saber como realmente é a pessoa e posso ser facilmente enganado pelo que penso ver na foto. A pessoa pode ser mais velha ou mais jovem do que parece. O que posso discernir sobre a personalidade da pessoa? Será entusiástica? Criativa? Inteligente? Ambiciosa? Generosa? Egoísta? Não posso obter todas essas informações apenas pelas informações da foto.

 

 

Há, portanto, uma grande diferença entre ver uma foto de alguém que já conhecemos e alguém que nunca vimos antes. Assim, seguindo a linha de raciocínio, se lemos uma palavra que já conhecemos, uma palavra que já ouvimos e falamos, podemos reconhecê-la imediatamente – e reconstruir todas as associações entre aquela desfocada representação da palavra impressa na página e a rica experiência de vida que está além dela. Por outro lado, se for uma palavra que nunca vimos não podemos saber como realmente é esta palavra. Temos uma experiência artificial, vicária da língua.

Tudo isso levou ao princípio pedagógico de que na aprendizagem da língua as habilidades não devem ser apresentadas ao mesmo tempo, mas em sequência, dentro de uma ordem de aprendizagem. Primeiro, ouvimos a língua, depois a falamos, depois a lemos e finalmente a escrevemos. Em nenhuma circunstância, independente de qualquer objetivo que se possa ter, essa ordem pode ser quebrada. “O princípio [fala antes da escrita] deve ser obedecido, mesmo quando o objetivo seja apenas ler.”

A ideia de que os alunos secundários deveriam adquirir apenas a habilidade da leitura em língua estrangeira teve uma aceitação muito grande nos Estados Unidos, como vimos no Capítulo 1. A hipótese de que compreensão oral seria necessária para a leitura foi testada várias vezes.

A primeira grande investigação (COLEMAN, 1929) foi realizada na década de 20, envolvendo milhares de escolas e centenas de universidades, tanto nos Estados Unidos como no Canadá. A conclusão deste estudo foi de que os alunos leem melhor uma língua estrangeira se a habilidade da leitura foi enfatizada na escola. O segundo estudo foi conduzido na década de 40 (AGARD; DUNKEL, 1948). Conclusão: os alunos leem melhor uma língua estrangeira se a habilidade da leitura for enfatizada na escola. O terceiro estudo, conhecido como The Pennsylvania Foreign Language Project (SMITH, 1970), foi conduzido na década de 60. Conclusão deste estudo: os alunos leem melhor uma língua estrangeira se a habilidade da leitura for

 

 

enfatizada na escola. Tudo isso sugere, em termos de escrita versus leitura, que os alunos aprendem aquilo que lhes for ensinado: ensine a ler e eles aprenderão a ler; ensine a falar e eles aprenderão a falar.

A ideia de uma correlação entre ensino e aprendizagem está desacreditada na pedagogia atual e tem o apoio de áreas afins como a Psicologia e a Linguística – em que pese algumas vozes tímidas de abordagens metacognitivas (COHEN, 1998; HOSENFELD, 1981; SOLÉ, 1998), que defendem o ensino consciente das estratégias de aprendizagem. É no mínimo ingênuo, se não perigoso, deixar o professor pensar que seu ensino possa gerar uma aprendizagem correspondente no aluno quando há tantas outras variáveis atuando na sala de aula

Na Linguística, e na aprendizagem de línguas em particular, a dicotomia deixou de ser entre ensino e aprendizagem; introduziu- se uma distinção mais complexa, dando mais crédito ao que é inconsciente. Refiro-me aqui à dicotomia aquisição/ aprendizagem. Pode-se até aceitar a ideia de que haja uma correspondência entre uma e outra, mas o que os alunos aprendem conscientemente não é importante. O que é importante é o que eles adquirem – e o que eles adquirem é diferente do que eles aprendem.

Retoma-se a ideia da ordenação (“learning order” em inglês), não mais no âmbito da aprendizagem, mas no próprio âmbito da aquisição. Passou-se a defender a ideia de que as pessoas adquirem uma segunda língua numa determinada ordem. No caso da aquisição do inglês, por exemplo, a forma _ING, o passado irregular e a terceira pessoa do singular são sempre adquiridos nessa ordem, independentemente de onde venham os sujeitos ou de qual seja sua língua materna. A ideia é de que a chamada “ordem natural de aquisição” é totalmente refratária a qualquer instrução formal da sala de aula; mesmo que o professor ensine ao seu aluno a terceira pessoa do singular antes da forma

_ING, o aluno não vai adquirir esses dois morfemas na sequência em que foram ensinados, mas na sequência oposta, de acordo com a ordem natural. Em outras palavras, o ensino não afeta a

 

 

aquisição. Na melhor das hipóteses pode acelerar a aquisição e talvez melhorar o desempenho do aluno em termos de correção gramatical, o que seriam considerados aspectos marginais. O aspecto crucial da ordem natural de aquisição é imune ao ensino. De certo modo, a ideia antiga de que era preciso ensinar os alunos a falar uma língua estrangeira para que eles aprendessem a ler nessa língua – o professor ensina uma coisa e o aluno aprende outra, na dicotomia ensino/aprendizagem – evolui para uma tricotomia: o professor ensina uma coisa, o aluno aprende outra e adquire uma terceira. A aquisição dá-se através de uma caixa preta, tecnicamente conhecida como Dispositivo de Aquisição da Língua (Language Acquisition Device – LAD – em inglês), que é ativada automaticamente, sem controle da consciência, quando ocorre input linguístico no ambiente em que se encontra o sujeito. A aquisição da língua dá-se, portanto, de modo incidental, onde o aluno conscientemente faz uma coisa e

inconscientemente adquire outra.

O objetivo – ambicioso – deste capítulo é propor uma abordagem que reduza a polaridade entre o que o professor ensina e o que o aluno aprende. A premissa – ainda mais ambiciosa – é de que embora muitas das atividades feitas pelo professor estejam abaixo do nível da consciência, algumas delas pelo menos possam ser trazidas para a arena aberta da consciência. Pode-se argumentar também que ao lado de uma ênfase no papel do inconsciente, existe um movimento contrário de valorização da consciência, incluindo aí o que tem sido proposto em termos de ensino de estratégias de aprendizagem (SOLÉ, 1998; OXFORD, 1989; COHEN, 1998); a ideia de que a consciência desempenha um papel mais importante na aquisição da língua do que originalmente aceita (SCHMIDT, 1990); o papel da conscientização no ensino de línguas estrangeiras e a ideia do professor como um profissional reflexivo (WALLACE, 1991).

O argumento principal, no entanto, talvez seja a ênfase dada ao aspecto afetivo; no fundo, defendo a ideia de que a paixão é o caminho mais curto para aproximar a ação do professor dos resultados desejados. Para isso proponho aqui como atributos

 

 

básicos do professor ideal três características: (1) criatividade,

(2) intuição e (3) paixão.

 

O professor como ele deveria ser

 

Antes de entrar nas três características básicas que estou propondo para o professor ideal de línguas estrangeiras, gostaria de fazer uma breve resenha do que diz a literatura nessa área.

O ensino de uma língua estrangeira exige do professor determinadas qualidades, umas mais óbvias do que outras. A mais óbvia de todas é que o professor deve conhecer o conteúdo daquilo que ensina; deve também possuir uma metodologia adequada para transpor esse conteúdo para o aluno e, finalmente, deve ter determinados traços de personalidade para facilitar todo esse processo de aprendizagem.

Segundo Lund & Pedersen (2001) não faltam sugestões de quais seriam essas qualidades. No domínio do conteúdo, por exemplo, podemos encontrar indicações de que o professor deve conhecer a língua que leciona e sua respectiva cultura. Dentro da língua, deve conhecer, idealmente, sua história, os diferentes registros de uso, desde a língua informal falada até a língua formal escrita, além de um bom domínio da gramática. Entre os aspectos culturais, é desejável que o professor tenha algum conhecimento da história do povo cuja língua ensina e que tenha lido pelo menos as principais obras de sua literatura,

Também não faltam indicações do que o professor deve saber em termos de abordagens, metodologias e técnicas de ensino. O que segue é a lista de um levantamento feito no estudo clássico de Politzer & Weiss (1971); o bom professor de línguas estrangeiras:

 

  • conhece psicologia educacional;
  • sabe motivar os alunos:
  • produz input adequado ao nível dos alunos;
  • estabelece objetivos claros;
  • envolve os alunos;

 

 

  • avalia com imparcialidade;
  • incentiva participação;
  • sabe dar feedback;
  • possui domínio de classe;
  • sabe preparar materiais de ensino;
  • tem uma filosofia de educação;

 

Finalmente, em termos de traços desejáveis de personalidade, os inúmeros levantamentos feitos junto aos alunos, têm demonstrado, entre outros aspectos, que o bom professor de línguas estrangeiras:

 

  • é paciente;
  • é flexível;
  • tem mente aberta;
  • é tolerante;
  • tem senso de humor;
  • gosta de ensinar;
  • tem entusiasmo;
  • é honesto;
  • é criativo;
  • é eficiente;
  • tem autodisciplina;
  • assume a autoridade quando necessário;
  • é prestimoso;
  • é humilde;
  • é organizado;
  • inspira os alunos;
  • é competente;
  • é sensível;
  • tem calor humano.

 

Deixando de lado os aspectos mais óbvios, como aqueles que se relacionam ao conhecimento do conteúdo e de uma metodologia de ensino, eu gostaria de retomar e aprofundar algumas das características psicológicas do professor, com ênfase

 

 

no domínio afetivo e fixando-me em três aspectos: (1)

criatividade, já citado na literatura como uma qualidade desejável;

(2) intuição, não diretamente citado mas que pode ser percebido na afirmação de que o professor deve ser “sensível”; e (3) paixão, também não citado diretamente mas percebível em termos como “gosta de ensinar”, “tem calor humano” e “mostra entusiasmo”. Vejamos cada um desses aspectos.

 

Criatividade

 

O ensino da língua estrangeira é mais uma arte do que uma ciência e o professor cria a partir daquilo de que dispõe na sala de aula. Um artista não precisa de muita coisa para criar uma obra- prima – às vezes nada mais do que um cinzel, um martelo e um bloco de pedra. Às vezes, quanto menos se tem, melhor é a obra, que pode sair mais densa e enxuta. Na sala de aula, portanto, podemos definir criatividade como a capacidade de explorar os recursos limitados de que se dispõe para criar um número ilimitado de condições de aprendizagem. Tal como o bloco de pedra, que oferece inúmeras possibilidades ao escultor, uma sala cheia de alunos pode ser uma fonte de inspiração para o professor como artista.

Como supervisor de estágio, tenho observado centenas de aulas e tenho assistido a algumas que são verdadeiras obras de arte – do mesmo modo que uma pintura, uma peça musical ou uma obra dramática. Sentado no fundo da sala, vi alguns professores produzindo com seus alunos o que realmente se poderia chamar de uma obra prima.

Uma aula tem componentes espaciais e temporais; não só acontece dentro de quatro paredes, como também acontece num espaço de tempo, envolvendo o encontro de pessoas que interagem entre si, exercendo diferentes papéis, falando como alunos e como professor. A aula como arte, pode estar centrada no professor, no aluno ou na tarefa que esteja sendo executada. Não privilegia necessariamente o aluno sobre o professor. Às vezes pode até estar centrada no professor.

 

 

Lembro de um professor que tinha uma grande capacidade de criar um ritmo em sua aula. Era um professor que se poderia classificar de tradicional, na medida em que todas as atividades de aula emanavam dele. Mas não agia como um sargento dando ordem unida; na verdade parecia mais um maestro conduzindo uma orquestra, fazendo com que todos os músicos participassem, uns mais outros menos, mas cada um tocando seu instrumento. O professor desenvolvia um conteúdo específico, e todas as perguntas dos alunos eram reconhecidas rapidamente e incorporadas ao conteúdo. Conseguia fazer com que os alunos dessem o melhor de si, talvez porque também desse a eles o melhor de si – de modo que parecia haver na aula um contrato implícito de que se aceitaria apenas o melhor de cada um. Não percebi qualquer sinal de angústia ou ansiedade entre os alunos. As atividades fluíam serenamente, como fluem as notas musicais de uma sinfonia. No final da aula, aquela sensação agradável de que tinham realizado alguma coisa.

Admito que a descrição oferecida acima seja extremamente subjetiva, mas espero que não seja inútil. Foi um rápido exemplo de aula como arte nas mãos de um professor experiente. Tal como o personagem Santiago em O Velho e o Mar, esse professor conhecia todos os truques de sua profissão e sabia usá-los para criar sua aula, como o compositor usa seu conhecimento dos instrumentos para criar uma música, como o escultor usa sua habilidade com o cinzel para criar uma estátua.

O ensino como uma arte não deve, no entanto, ser um atributo exclusivo do professor experiente. Vi também muitos professores principiantes usando muita criatividade em suas aulas. O que segue é apenas um exemplo.

Sexta série do ensino fundamental, cerca de 35 alunos na sala, uma tarde quente. A aula estava pela metade e os alunos trabalhavam em um diálogo sobre o que gostavam e não gostavam, com um foco gramatical no uso de pronomes. A professora, que parecia quase da mesma idade que os alunos, abre uma pasta e mostra um pôster de um cantor popular. Reação imediata dos alunos, uns aprovando e outros reprovando. Outro pôster é

 

 

apresentado, com uma reação semelhante, só que desta vez com resultados invertidos: os alunos que gostaram do primeiro pôster detestaram o segundo e vice-versa. Era exatamente o que a professora queria. Dividiu a aula em três grupos: os que preferiam um cantor, os que preferiam o outro e os que não tinham preferência.

Cada aluno em cada grupo deveria escrever duas frases relacionadas entre si, usando as preferências e rejeições em suas famílias, com o vocabulário da unidade em que estavam trabalhando. A professora deu alguns exemplos (no caso em língua inglesa):

 

My mother likes Roberto Carlos. I can’t stand him.

My sister likes the Ramones. She thinks they are terrific.

 

Com alguma supervisão da professora, os alunos foram solicitados a criar suas próprias frases, que eram recolhidas, dobradas e colocadas num caixa de sapato. A professora então explicou que eles iam fazer um jogo e demonstrou as regras. Um aluno de um dos grupos viria para a frente da aula, pegaria um pedaço de papel da caixa, leria as duas frases silenciosamente e deveria então interpretar a frase para os membros de seu grupo, usando apenas gestos. Os membros do grupo tentariam adivinhar o que estava escrito produzindo em voz alta diferentes frases durante até um minuto. Se conseguissem adivinhar qual era a frase, o grupo ganhava um ponto. Depois um outro aluno de um outro grupo viria para a frente e repetiria o procedimento para os membros do seu grupo. O jogo continuaria usando cada vez um aluno diferente. O grupo com o número maior de pontos seria o vencedor. Durante cerca de 20 minutos os alunos ficaram conversando naquela aula, gostando do que estavam fazendo e provavelmente aprendendo muitas coisas, incluindo os pronomes da língua inglesa.

Gostaria de terminar esta parte sobre criatividade, parafraseando Emily Dickinson, poetisa americana do Século XIX:

 

 

Para ser criativo na sala de aula o professor precisa de alunos e de uma lousa, mas se não tiver uma lousa, bastam os alunos.

 

Intuição

 

Vejamos agora o segundo dos nossos atributos desejáveis, que vou chamar de intuição.

Podemos definir intuição como a capacidade de fazer conexões; quanto mais conexões se fizer, mais intuição se tem. De certa maneira, a intuição implica a habilidade de reconstruir dentro de nós o mundo externo, de modo a maximizar nossas relações com este mundo. A habilidade de se adaptar às circunstâncias, de perceber as relações entre aspectos teóricos e o que acontece na sala de aula, de identificar num conjunto complexo de variáveis aquela que pode influir na aprendizagem de um determinado traço linguístico são, a meu ver, indícios da intuição.

Uma vez se acreditava que a língua era feita de palavras. Mais tarde, fomos informados de que a língua era feita de sons. Com Chomsky, recebemos a garantia de que a língua era feita de sentenças, que eram geradas e transformadas da estrutura profunda pela aplicação de certas regras. Com o advento da pragmática, nos disseram que a língua era feita de eventos comunicativos. Posteriormente suspeitamos que a língua seja feita de sintagmas lexicais; não adquirimos uma língua criando regras, mas absorvendo esses fragmentos pré-fabricados da língua. Como será no futuro?

Parece que precisamos de intuição não apenas para compreender o passado e relacioná-lo ao presente, mas principalmente para prever o futuro. Em termos da disciplina que lecionamos como será o futuro daqui a uma década? Será que nossos alunos querem ou precisam do que temos para lhes oferecer? Parece que o ensino da língua é sempre afetado pela tecnologia que temos ä disposição. Até agora a chegada de uma nova tecnologia – rádio, gravador de áudio, gravador de vídeo,

 

 

computador, correio eletrônico, máquina de fax, CD-ROMs – tem não apenas modificado a maneira como ensinamos a língua, mas também, permanentemente, aumentado a necessidade de aprender uma língua estrangeira. Cada vez mais alunos, a cada ano, sentem a necessidade crescente de reservar umas horas no meio de suas outras disciplinas para estudar uma língua estrangeira. A maioria deles não porque gosta, mas porque sente a necessidade de.

Como será no futuro? Seguiremos a mesma tendência? No caso do inglês, terá essa língua se tornado tão invasiva, tão onipresente que será usada por todos como uma língua franca, ou surgirá uma nova tecnologia, como a tradução automática e instantânea, que tornará desnecessária a aquisição de uma nova língua? Algumas atividades, relacionadas ao nosso campo de trabalho, provavelmente serão feitas por máquinas num futuro não muito distante, incluindo muitas tarefas de tradução, como cartas comerciais e boletins de previsão do tempo.

Outras atividades mais próximas do nosso campo de trabalho também serão afetadas pelas tecnologias emergentes. Até agora a interação professor/aluno só era possível com a atividade do professor. Até recentemente as tecnologias disponíveis podiam apenas apresentar conteúdo para os alunos, às vezes com a ajuda de som e animação, mas essas tecnologias em si não reagiam ou se transformavam para atender as necessidades específicas do aluno. Agora também isso está mudando. O vídeo interativo e programas de computador, com preços cada vez mais acessíveis, podem se adaptar ao estilo de aprendizagem do aluno e simular muitas das atividades do professor. Assim, provavelmente teremos que nos adaptar a este novo mundo. Muitas das coisas que ainda precisamos fazer talvez se tornem desnecessárias, o que poder ser bom porque nos dará tempo para outras coisas mais interessantes.

Na minha percepção, esses aspectos se relacionam à intuição porque chegamos a eles ligando um ponto com outro e fazendo projeções sobre o futuro. Podem parecer confusos e caóticos, mas devem ter um padrão recursivo – que poderá ser percebido através da intuição.

 

 

Paixão

 

Paixão é entusiasmo pelo que se faz, e entusiasmo, como todos sabemos, é uma palavra que em sua origem grega significa “ter Deus dentro de si”. Paixão é um estado de espírito ou, se preferirem, um estado de coração. Não é algo que vem de fora; é algo que está dentro de nós. Pode ser às oito horas de uma manhã de segunda-feira ou às duas horas de uma tarde quente e abafada. Quando temos paixão podemos mais facilmente mudar as coisas que nos cercam, e que não nos agradam, do que ser mudado por elas. Isso é assim porque não somos afetados pelas coisas que não vemos; se não vemos o fracasso e a derrota eles não existem para nós. Não podemos ser afetados por algo que nos é totalmente estranho. Não interagimos com o mundo como ele é, mas como nós o percebemos. Se percebo meus alunos agressivos como seres humanos e sensíveis, e os trato com toda delicadeza e respeito, minhas palavras tocarão esses alunos de um modo mais efetivo. É até provável que no fim sejamos, consciente ou inconscientemente, mudados pelo mundo que nos cerca, mas será

um mundo que já foi alterado pelo nosso desejo.

Admito que isso possa ser idealístico e talvez impraticável, se não ingênuo. De fato pode ser perigoso, porque na nossa ingenuidade podemos ser destruídos pelo mundo que não queremos aceitar. Não posso chegar ao ponto de adotar a filosofia de Hemingway em O Velho e o Mar, e afirmar que o homem pode ser destruído mas não vencido. Não vejo razão para destruir o professor, mesmo argumentando que suas ideias permanecerão vivas. Mas também não posso aceitar a ideia de que o professor seja ameaçado de destruição por tentar mudar o mundo. Acredito que não correrá este perigo, principalmente se combinar a paixão com os dois outros atributos apresentados: criatividade e intuição. O segredo da paixão é que ela afeta o sentimento das pessoas e por isso as envolve. As pessoas não aprendem se não forem envolvidas. A ideia do envolvimento como pré-requisito da aprendizagem vem de longe, aparentemente da Antiga China,

provavelmente de Confúcio:

 

 

Diga-me e eu esqueço Ensina-me e eu lembro Envolva-me e eu aprendo.

 

Conclusão

 

Meu principal objetivo neste capítulo foi argumentar que é possível diminuir a diferença entre o que o professor ensina e o que o aluno aprende se os professores possuírem o que considero os três atributos fundamentais de nossa profissão: criatividade, intuição e paixão.

Em termos de criatividade, meu argumento principal é de que as coisas não vêm prontas para as nossas circunstâncias; temos que criar as condições para que a aprendizagem ocorra, usando os recursos que temos num determinado momento numa determinada aula.

Em termos de intuição, enfatizei a ideia de que devemos tentar prever o futuro imediato. Devemos preparar os nossos alunos para o mundo em que eles vão viver amanhã, não para o mundo em que nós vivemos hoje.

E finalmente devemos usar a paixão para envolver nossos alunos. O domínio afetivo é muito importante e será atendido na medida em que trabalharmos com paixão.

 

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                         81

Capítulo 4

Aspectos políticos da formação do professor de LE6

 

Introdução

 

O ser humano possui algumas características que são exclusivas de sua condição humana. Nenhum outro ser, por exemplo, tem a capacidade da articulação linguística em termos de léxico e sintaxe; nenhum outro ser é capaz de pensar e refletir sobre sua própria condição; e nenhum outro ser é capaz de evoluir de uma geração para outra, como faz o ser humano. Dessas características exclusivas – e essenciais – do ser humano, duas precisam ser destacadas quando se fala em formação de professores de línguas estrangeiras. Uma é a capacidade da fala; o homem não é apenas um animal político; é um animal político que fala. A outra característica importante é a capacidade de evoluir. O ser humano não permanece o mesmo de uma geração para outra; ele se transforma, transforma o mundo e transforma a percepção que temos do mundo.

O professor de línguas estrangeiras, quando ensina uma língua a um aluno, toca o ser humano na sua essência, tanto pela ação do verbo ensinar, que significa provocar uma mudança, estabelecendo, portanto, uma relação com a capacidade de evoluir, como pelo objeto do verbo, que é a própria língua, estabelecendo aí uma relação com a fala. Mas, se lidar com a essência do ser humano é o aspecto fascinante da profissão há, no entanto, um preço a se pagar por essa prerrogativa, que é o longo e pesado investimento que precisa ser feito para formar um professor de

6 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em: LEFFA, Vilson J. Aspectos políticos da formação do professor de línguas estrangeiras. In: LEFFA, Vilson J. (Org.). O professor de línguas estrangeiras; construindo a profissão. 2. Ed. Pelotas, 2008d, p. 353-376.

 

 

línguas estrangeiras. Sem esse investimento não se obtém um profissional dentro do perfil que se deseja: reflexivo, crítico e comprometido com a educação.

A formação de um professor de línguas estrangeiras envolve o domínio de diferentes áreas de conhecimento, incluindo o domínio da língua que ensina, e o domínio da ação pedagógica necessária para fazer a aprendizagem da língua acontecer na sala de aula. A formação de um profissional competente nessas duas áreas de conhecimento, língua e metodologia, na medida em que envolve a definição do perfil desejado pela sociedade, é mais uma questão política do que acadêmica. A sala de aula não é uma redoma de vidro, isolada do mundo, e o que acontece dentro da sala de aula está condicionado pelo que acontece lá fora. Os fatores que determinam o perfil do profissional de línguas dependem de ações, menos ou mais explícitas, conduzidas fora do ambiente estritamente acadêmico e que afetam o trabalho do professor. Entre as ações mais explícitas temos as leis e diretrizes governamentais, o trabalho das associações de professores, os projetos das secretarias de educação dos estados, os convênios entre diferentes instituições etc. Entre as menos explícitas temos aquelas que resultam das relações de poder que permeiam os diferentes setores da sociedade, hoje globalizada. No caso das línguas estrangeiras, temos os fatores políticos e econômicos que influenciam a decisão por uma ou outra língua, incluindo, por exemplo, a questão da multinacionalidade da língua inglesa na atualidade. Todas essas questões afetam a formação do professor tanto em situações de pré-serviço (e.g. a definição de uma carga horária mínima para uma disciplina no curso de graduação) como em situações de serviço (e.g. a organização de um curso de atualização para professores do ensino médio).

 

O grande desafio

 

Um aspecto que tem sido muito enfatizado na preparação de professores é a necessidade de estabelecer de modo bem claro a diferença entre treinar e formar e, a partir dessa diferença, passar

 

 

a formar o professor e não apenas a treiná-lo. Tradicionalmente tem-se definido treinamento como o ensino de técnicas e estratégias de ensino que o professor deve dominar e reproduzir mecanicamente, sem qualquer preocupação com sua fundamentação teórica (Pennington, 1990; Wallace, 1991, ver também Celani neste volume). “Caracteriza-se por abordagens que concebem a preparação profissional como a familiarização dos alunos mestres com técnicas e habilidades para serem aplicadas em sala de aula” (Richards e Nunan 1990, p. xi). Por outro lado, formação tem sido descrita como uma preparação mais complexa do professor, envolvendo a fusão do conhecimento recebido com o conhecimento experimental e uma reflexão sobre esses dois tipos de conhecimento.

Neste capítulo, procura-se introduzir uma perspectiva temporal para distinguir treinamento de formação. Assim, define- se treinamento como a preparação para executar uma tarefa que produza resultados imediatos. A formação, por outro lado, é vista como uma preparação para o futuro.

Um exemplo clássico de treinamento são os cursos às vezes oferecidos pelas escolas particulares de línguas aos seus futuros professores e que visam simplesmente desenvolver a competência no uso do material de ensino produzido pela própria escola. O objetivo imediato é ensinar o professor a usar aquele material; no dia em que o material for substituído, o professor deverá fazer um outro curso. Geralmente não há condições de dar ao professor um embasamento teórico; buscam-se resultados imediatos que devem ser obtidos da maneira mais rápida e econômica possível.

Formação é diferente: busca a reflexão e o motivo por que uma ação é feita da maneira que é feita. Há, assim, uma preocupação com o embasamento teórico que subjaz à atividade do professor. Enquanto que o treinamento limita-se ao aqui e agora, a formação olha além.

A figura 1 tenta ilustrar a diferença entre treinamento e formação. Formação, por ser um processo contínuo, é representada por um círculo, onde a iniciação pode dar-se em qualquer um dos três pontos. Começando pela teoria, que

 

 

podemos definir também como conhecimento recebido, vai-se para a prática, que é o conhecimento experimental, ou experiencial, e chega-se à reflexão, que, por sua vez, realimenta a teoria, iniciando um novo ciclo. O treinamento já segue uma linha horizontal, serial e sequencial, onde não há retorno; inicia e termina com a prática.

A necessidade de prever o futuro é o maior de todos os desafios. Quando formamos um professor não o estamos preparando para o mundo em que vivemos hoje, mas para o mundo em que os alunos desse professor vão viver daqui a cinco, dez ou vinte anos. Como será esse mundo não temos condições de prever. Podemos aventar algumas hipóteses, mas não podemos garantir que essas hipóteses serão confirmadas. O que podemos fazer é alertar o futuro professor que o conteúdo que ele está recebendo agora através dos livros é um conteúdo de valor temporário, e que muito brevemente, como muitos outros produtos fabricados pelo homem, terá sua validade vencida.

Já está se desenvolvendo no meio acadêmico a consciência de que o conhecimento tem uma validade que prescreve depois de um certo período. Para a avaliação do currículo de um pesquisador, por exemplo, só interessa sua produção científica dos últimos cinco anos, sendo que em muitas circunstâncias, como na avaliação de cursos, por exemplo, só é considerado o que foi produzido nos últimos dois anos. Na verdade, um diploma de conclusão de curso deveria ter impresso, junto com a data, um termo de validade, deixando bem claro que um determinado conhecimento é um bem perecível. O conhecimento evolui e aquilo que é verdade hoje provavelmente não será verdade amanhã. O conhecimento não é apenas o armazenamento de fatos, mas também a reflexão de como esses fatos podem ser obtidos, avaliados e atualizados. Isso é formação.

 

 

Figura 1 – Diferença entre formação e treinamento

Fonte: Autor

 

 

O treinamento tem um começo, um meio e um fim. A formação, não. Ela é contínua. Um professor, que trabalha com um produto extremamente perecível como o conhecimento, tem a obrigação de estar sempre atualizado.

 

Representação e participação

 

Ao refletir sobre a questão dos aspectos políticos na formação do professor, parte-se do princípio de que nenhum ser humano tem a mínima possibilidade de existir sozinho. A ideia do herói solitário que vai enfrentar sozinho, sem qualquer ajuda, os bandidos que estão ameaçando a cidadezinha do Velho Oeste tem um apelo romântico muito grande, mas não é realidade; é ficção.

 

 

O grande escritor americano do Século XX e expoente máximo do individualismo exacerbado, Ernest Hemingway usou como título de um de seus livros o título de um poema de John Donne, poeta inglês que viveu na Inglaterra no Século XVII: Por quem os sinos dobram. Hemingway, na verdade, não usa apenas o título do poema para seu livro, mas, certamente para deixar bem claro o que ele quer dizer com o título, usa o próprio poema como epígrafe do livro. Um poema que, resumidamente, diz o seguinte: nenhum homem é uma ilha; todo homem é parte do continente – por isso, quando ouvirmos os sinos tocarem pela morte de alguém não devemos perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por nós.

Viver, portanto, é conviver – e a necessidade de convivência aumenta na medida em que evolui a humanidade. Cada vez mais a execução de uma tarefa depende da interação com os outros. A própria inteligência, que sempre foi vista como uma característica individual, passa a ser vista como uma característica social, distribuída entre os participantes de um determinado grupo, quer seja um time de futebol, a equipe da Nasa que enviou o homem à lua ou os responsáveis pela produção de um automóvel. Muitas atividades que há algum tempo ainda eram executadas individualmente – um sistema operacional para microcomputadores, um dicionário monolíngue, um projeto de lei – agora só podem ser realizadas coletivamente. Nomes como Webster, Aurélio ou Michaelis, indivíduos que deram origem aos dicionários que levam seus nomes, atualmente não seriam mais individualmente responsáveis pelas obras que idealizaram – hoje seus dicionários são obras coletivas, resultado de um trabalho de equipe.

É pertinente lembrar que a palavra “política”, que historicamente surgiu com a criação das cidades, tem em comum com a palavra “cidade” o mesmo radical “polis” em grego. As palavras “cidade” e “cidadania”, por sua vez, também têm o mesmo radical – o que mostra, em suma, que “política”, “cidade” e “cidadania” são palavras da mesma família – todas surgidas da intensificação da convivência entre os seres humanos. Essa

 

 

convivência, com o tempo, foi se tornando tão complexa que surgiu a necessidade de se regulamentar as relações entre as pessoas, basicamente estabelecendo uma série de direitos e obrigações para que cada indivíduo pudesse exercer na coletividade a sua cidadania.

Surgia assim a ciência da política, que no início tinha condições de ser totalmente participativa: todas as pessoas interessadas se reuniam num determinado local e estabeleciam sem intermediários a normas de convivência que deveriam seguir para poder sobreviver coletivamente. Com o crescimento da cidade e a complexidade das relações entre as pessoas, a participação foi substituída pela representação – o cidadão não participava mais diretamente das decisões que afetavam sua vida, mas escolhia um representante para defender seus direitos. Atualmente, com o avanço da tecnologia, que amplia a possibilidade de comunicação e interação entre as pessoas, há uma tendência de retorno à cidadania participativa, com maior ou menor grau, dependendo apenas da vontade política dos principais interessados. Assim como é possível, por exemplo, identificar em poucas horas, entre milhões de apostadores da Loto em todo o país, quem possui o cartão vencedor, seria também possível verificar diretamente o desejo de toda a população nas decisões que afetam a todos.

 

Não há razão para sermos consultados somente a cada eleição. na era digital o exercício da cidadania já não

será esporádico e direcionado pelos governos, mas sim exercido pró-ativamente pelos cidadãos digitais interconectados em poderosas redes virtuais (ROSSI, 2000, p. 34).

 

Se não é feito – numa época em que já estamos definitivamente entrando num sistema de governo digital (e- government) com grande possibilidade de participação (TAQUARI, 2000, p. 2) – é porque falta vontade política, tanto de representantes como de representados. A tradição liberal de que o ser humano estaria mais interessando na proteção de seus

 

 

interesses individuais do que no bem da coletividade (LEVINE, 1981), parece que ainda é muito forte.

Da parte dos representados é mais fácil delegar do que participar, já que participar exige não só inteirar-se dos problemas que ameaçam nossos direitos mas também trabalhar concretamente em sua defesa. O preço que se paga pela cidadania participativa é o tempo de que precisamos dispor para poder exercê-la, incluindo reflexão e ação.

 

A luz condutora da democracia participativa é a consciência de que as escolhas devem ser feitas dentro de qualquer contexto social sem o domínio da vontade de uma elite (mesmo de uma elite eleita…). Ao contrário da teoria liberal clássica, a democracia participativa reconhece a escolha como a essência da atividade de um ser humano moral, responsável e comprometido. A política não é uma atividade para ser exercida de modo superficial e ocasional em determinados momentos (BEYER, 1988, p. 265). (Tradução minha)

 

A legislação vigente

 

Do ponto de vista político, a formação do professor de línguas estrangeiras envolve não só questões ligadas estritamente à formação, incluindo aí as exigências legais para o exercício da profissão, mas também questões de política linguística. A legislação a respeito, começando pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), parece bem clara em todos esses aspectos, esclarecendo, por exemplo, quem deve estar legalmente habilitado para o ensino de uma língua estrangeira, onde a formação deve ser obtida, quais os conteúdos que devem ser desenvolvidos, incluindo até a carga horária mínima para a prática de ensino, quem e a partir de que série deve estudar línguas estrangeiras, a quem cabe decidir a escolha das línguas a serem ensinadas na escola etc.

Os dispositivos da LDB sobre o ensino da língua estrangeira têm sido recebidos, de um modo geral, com simpatia pelos

 

 

pesquisadores. No levantamento que fiz dos trabalhos apresentados no II Encontro Nacional sobre Políticas de Ensino de Línguas Estrangeiras, realizado em Pelotas, em setembro de 2000, não encontrei um único trabalho que criticasse negativamente o que estabelece a lei. Alguns eram explicitamente favoráveis (ex.: GONÇALVES, 2000; KUNDMAN, 2000)

enquanto que outros davam a entender que a lei deveria ser cumprida (ex.: CAIXETA, 2000; COSTA et al., 2000). Entre os pontos positivos mais citados está a obrigatoriedade do ensino da língua estrangeira a partir da quinta série e a determinação de no mínimo 300 horas para a prática de ensino na graduação.

Outro consenso entre os especialistas é de que a lei está certa quando estabelece que o ensino da língua estrangeira deva ser decidido pela comunidade onde está inserida a escola. Não é a lei, não é o estado quem vai decidir qual ou quais línguas deverão ser ensinadas; é a comunidade, a partir de seus interesses e necessidades.

O grande impacto da LDB está na habilitação para a docência. O trabalho do MEC, avaliando as condições dos cursos de graduação e futuramente aplicando exames nacionais de línguas estrangeiras para alunos da graduação, haverá de mexer com a formação do professor. As universidades, até agora, não têm sido capazes de formar profissionais competentes e suficientes para suprir as necessidades do mercado de trabalho. Embora seja talvez um exagero afirmar que a universidade, em vez de formar está deformando o professor (PAIVA, 1997), a verdade é que há um desequilíbrio entre a oferta e a procura, envolvendo aspectos quantitativos e qualitativos: a procura por professores é maior do que a oferta de profissionais competentes. O resultado é o surgimento de propostas e ações para formar o professor fora da universidade, em escolas de línguas ou instituições estrangeiras de divulgação de outras culturas que atuam dentro do Brasil – o que tem provocado a reação de muitos especialistas, que defendem a universidade como a instância responsável pela formação do professor (ex.: VOLPI, 2000).

 

 

Achar que um profissional de letras possa ser formado nos bancos da universidade é uma ilusão, necessária ou não (Será necessária na medida em que o professor formador vai precisar dessa ilusão para dar continuidade ao seu trabalho). Possivelmente não há tempo e nem condições para isso na universidade. A formação de um verdadeiro profissional – reflexivo, crítico, confiável e capaz de demonstrar competência e segurança no que faz – é um trabalho de muitos anos, que apenas inicia quando o aluno sai da universidade. A verdadeira formação, que incorpora não apenas aquilo que já sabemos, mas que abre espaço para abrigar também aquilo que ainda não sabemos – é mais ou menos como fizeram os gregos na antiguidade, que construíram altares não apenas para os deuses conhecidos, mas que já deixaram um altar pronto para venerar um possível deus que viesse a surgir no futuro. Entre as propostas específicas que têm surgido dos pesquisadores da área, destacam-se a necessidade da educação contínua (SILVA, 2000), a atualização dos professores (BOHN, 2000) e a criação de bancos de materiais nas escolas (PAIVA, 1997).

A legislação, por si só, não pode ter condições de garantir um ensino de qualidade. Sua própria implementação depende de muitos fatores, não só de ordem econômica, mas também da vontade política de governantes, alunos, pais e professores. A grande vantagem da LDB, em relação ao ensino de línguas estrangeiras, é que ela tem mais aspectos positivos do que negativos, fazendo com que a maior preocupação do professor esteja, não em modificar a lei, mas em fazer com que ela seja implementada e cumprida.

O problema maior da LDB pode ser a falta de condições para que ela seja efetivamente implementada, o que nos coloca na estranha situação de não estarmos à altura da lei que temos. Isso a princípio pode ser preocupante, mas talvez seja mais um aspecto positivo: na pior das hipóteses temos que evoluir, temos que melhorar para que possamos cumprir a lei. O que se deve fazer, portanto, não é tentar mudar a lei, mas criar condições, com urgência, para que ela possa ser cumprida.

 

 

O papel das associações de professores

 

As associações de professores podem desempenhar dois papéis importantes na formação do professor, um interno e outro externo. Internamente, a associação pode promover a interação entre seus associados, basicamente pondo os professores em contato uns com os outros para a troca de ideias e experiências. Externamente, espera-se que a associação contribua para a defesa dos interesses de seus associados.

Essa contribuição pode dar-se, com maior ou menor intensidade, através de diferentes iniciativas como eventos, publicações, formação de comissões, encaminhamento de moções junto às autoridades educacionais e governamentais. Entre os eventos, estão os inúmeros encontros regionais e nacionais de professores realizados anualmente em todo o Brasil, incluindo congressos, simpósios, fóruns de debates, cursos e jornadas de atualização, além de centenas de atividades menores como palestras, demonstração de materiais didáticos, relatos de experiências e de viagens (colegas que voltam de um estágio no exterior, por exemplo), oficinas de preparação de materiais. Alguns desses eventos às vezes têm sido realizados em convênio com as secretarias de educação, tanto do estado como do município. No caso de algumas línguas, incluindo aí o espanhol, francês e alemão, o apoio de órgãos estrangeiros tem sido bastante frequente.

As associações procuram também divulgar as informações entre seus associados através de diferentes formas de publicação, incluindo periódicos acadêmicos (Ex.: Contexturas da Associação dos Professores de Língua Inglesa do Estado de São Paulo), anais de congressos e principalmente boletins e informativos.

As associações, além de promover a interação entre seus associados, podem também agir junto às autoridades educacionais e governamentais, fornecendo subsídios para determinados projetos políticos na área da educação ou mesmo encaminhando outros.

 

 

As associações científicas e de professores, na medida em que conseguem dar ao professor a oportunidade de formar com outros colegas uma comunidade discursiva, com interesses comuns, para a troca de ideias, pode contribuir muito para a formação contínua do professor. O professor não deve apenas querer ouvir o que os especialistas têm a dizer, e muito menos esperar fórmulas prontas. Ele deve também ter a oportunidade de trazer suas ideias e trocar experiências com os colegas de sua profissão. As associações podem contribuir neste aspecto, continuando o trabalho de formação iniciado na universidade.

 

Questões de multinacionalidade

 

As questões político-econômicas, muitas vezes resultantes da multinacionalidade de uma língua, podem também afetar a formação do professor, influenciando desde decisões pessoais na escolha da língua (o aluno, por exemplo, pode gostar mais de francês mas resolve estudar inglês porque acha essa língua mais importante na hora de conseguir um emprego) até decisões coletivas, feitas pela comunidade escolar ou mesmo pelos sistemas municipais ou estaduais, provavelmente determinadas por fatores econômicos ou ideológicos, levando ou não em conta as preferências individuais dos alunos.

A língua estrangeira mais estudada no mundo é o inglês. Há uma série de fatos que contribuem para isso, entre os quais podemos destacar os seguintes: (1) o inglês é falado por mais de um bilhão e meio de pessoas; (2) o inglês é a língua usada em mais de 70% das publicações científicas; (3) o inglês é a língua das organizações internacionais. A razão mais forte, no entanto, é o fato de que o inglês não tem fronteiras geográficas. Enquanto que o chinês, por exemplo, também é falado por mais de um bilhão de pessoas, a língua chinesa está restrita à China e a alguns países vizinhos. O inglês, por outro lado, é não só declaradamente a língua oficial de 62 países, mas é também a língua estrangeira mais falada no mundo: para cada falante nativo há dois falantes não-nativos que a usam para sua comunicação. O inglês é

 

 

provavelmente a única língua estrangeira que possui mais falantes não nativos do que nativos.

A situação multinacional do inglês tem gerado muito protesto em todo o mundo, não só de países periféricos, mas também de países do primeiro mundo, que se veem na contingência de terem que estudar o inglês, como a França e o Japão, por exemplo. A oposição de muitos intelectuais franceses contra a multinacionalidade do inglês é notória e pode refletir os sentimentos de muitos alunos, tanto de países centrais como periféricos:

 

Eu penso, eu vivo, eu amo e eu … critico em francês. É nesta língua que eu faço as reflexões ‘mais sofisticadas, mais refinadas que eu consigo produzir. Escrever em inglês significa enfraquecer, mediocrizar meu trabalho. (GOUIN, 1998).

 

Há muitas diferenças entre estudar uma língua estrangeira multinacional e uma língua estrangeira nacional, envolvendo aspectos como obrigatoriedade versus deslumbramento, colonialismo mental versus consciência crítica, motivação instrumental versus motivação integrativa, entre outras.

Quando um aluno brasileiro escolhe estudar alemão, italiano ou mesmo francês, ele normalmente faz isso por gosto pessoal, envolvendo questões afetivas. O aluno, por exemplo, chega à faculdade e resolve estudar italiano porque essa era a língua falada em sua comunidade na infância. Essa busca pelas suas raízes é vista como algo que deve ser incentivado. Caso ele venha a se deslumbrar com a língua e a cultura italiana ou alemã, isso é também visto com bons olhos – pelo menos hoje quando tanto a Itália como a Alemanha não têm mais pretensões explicitamente colonialistas, como acontecia durante a II Guerra Mundial, por exemplo. O fascínio pela arquitetura veneziana ou mesmo pela filosofia alemã é visto como um deslumbramento lícito.

 

 

No entanto, se o aluno escolhe inglês, as hipóteses de sua motivação já são diferentes; ele pode estar escolhendo o inglês, não por gosto pessoal, mas por uma motivação instrumental, por uma imposição do mercado de trabalho. Vai estudar inglês porque precisa; não porque gosta. Há um interesse imediato, menos nobre, que se sobrepõe a uma motivação integrativa, no sentido de Gardner e Lambert (1972). A hipótese de que o aluno quer estudar inglês porque admira a língua e a cultura pode ser vista neste caso como alienação e colonialismo mental.

A formação do professor de inglês, ou de qualquer língua que venha a se tornar multinacional, deve incluir também a preparação do professor para que ele se dê conta de que há uma diferença entre ensinar uma língua que é ou não multinacional. Que reflexos essas diferenças teriam na formação do professor? Oferecem-se aqui algumas sugestões, considerando uma língua multinacional como é o inglês na atualidade.

Parte-se da ideia, herética para alguns, de que a vinculação entre língua e cultura não é unívoca e indissolúvel: uma língua pode representar mais de uma cultura. Uma língua, como a inglesa, por exemplo, falada nos mais diferentes países, no hemisfério norte e no hemisfério sul, no ocidente e no oriente, não fica atrelada a uma única cultura. Não só a cultura, mas também a própria língua muda. O inglês da África do Sul é diferente do inglês dos Estados Unidos, que é diferente do inglês da Austrália, que é diferente do inglês da Nigéria, e assim por diante. O inglês tornou-se uma língua internacional, mas teve que pagar um preço por isso: perdeu sua identidade, perdeu sua nacionalidade. Atualmente existe até a variedade, já reconhecida, de inglês brasileiro – que qualquer professor pode, e até talvez deva, ensinar.

Ninguém vai estudar finlandês se não estiver interessado na Finlândia, como não vai estudar javanês se não estiver interessado na Indonésia ou na Malásia. Com o inglês, isso não acontece: pode-se estudar inglês sem estar de modo algum interessado num determinado país. Pode-se perfeitamente estudar inglês estando interessado apenas em computadores, ou em

 

 

telefonia celular ou mesmo na Finlândia, onde praticamente toda a população fala inglês. Como colocou Bhatia: “… essa língua [a inglesa] não representa apenas uma cultura ou apenas uma única maneira de viver” (BHATIA, 1997, p. 315). (Tradução minha)

Não se quer dizer com isso que o inglês seja uma língua neutra. Nenhuma língua o é, nem mesmo uma língua artificial como o Esperanto, criada, segundo Zamenhof, seu autor, para promover a fraternidade universal. Embora ninguém provavelmente seja contra a celebração da fraternidade universal, é preciso reconhecer, no entanto, que no momento em que se associa essa ideologia a uma língua, essa língua deixa de ser neutra, por mais desejável que seja a ideologia.

Algo semelhante pode acontecer com o inglês. Vai sempre transmitir uma ideologia, que não precisa ser necessariamente de conteúdo negativo; o que parece até ser reconhecido pelos próprios críticos da hegemonia da língua inglesa (PENNYCOOK, 1994, 1995; COX; ASSIS-PETERSON, 2001). Nas palavras de Cox & Assis-Peterson:

 

A expansão do inglês no mundo não é a mera expansão de uma língua, mas é também a expansão de um conjunto de discursos que fazem circular idéias de desenvolvimento, democracia, capitalismo, neoliberalismo, modernização (…) [P]odemos perceber que o ensino instrumental é só mais uma armadilha” (COX; ASSIS-PETERSON, 2001, p. 19)

 

Embora a maioria dos intelectuais atribua às palavras capitalismo, neoliberalismo e mesmo modernização uma conotação negativa, seria um exagero achar que ideias de desenvolvimento e democracia não devem ser disseminadas. Achar também que o ensino instrumental do inglês deva ser evitado porque “é só mais uma armadilha” para a colonização mental do aluno, seria falta de discernimento, num mundo onde mais de 70% das publicações científicas estão em língua inglesa. A solução, me parece, estaria no ensino crítico da língua inglesa

– mas partindo principalmente da ideia de Bathia (1997) de que o

 

 

inglês não representa necessariamente uma única cultura. Esta mesma ideia está subjacente na proposta de Pennycook (1994) quando sugere que na prática de sala de aula “o ensino de inglês deve começar criticamente explorando as culturas dos alunos” (ênfase minha) (PENNYCOOK, p. 311).

Ao se propor o ensino da língua inglesa a partir da cultura do aluno, não se está na realidade propondo qualquer novidade, pelo menos no Brasil. É preciso reconhecer que, já na década de 60, o Instituto de Idiomas Yázigi, sob a orientação pedagógica do Prof. Francisco Gomes de Matos, ainda que com ênfase mais na fala do que na leitura, apregoava e praticava o ensino da língua dentro da cultura brasileira. A Figura 2, por exemplo, reproduz uma página do 2o. Estágio do Curso de Inglês Conversacional, onde se pode observar a ênfase na cultura brasileira. O tema do livro é na verdade uma viagem pelas principais cidades do Brasil, onde se mostram a uma família americana diferentes aspectos da cultura local.

A ideia do enfoque na cultura brasileira tem permanecido através das décadas, conforme se pode perceber na Figura 3, retirada do livro de Luiz Paulo da Moita Lopes, Read, Read, Read, publicado em 1998, com ênfase não mais na fala, mas na leitura. Desta vez, não só os locais, mas os próprios personagens são também totalmente brasileiros (alunos de quinta e sexta séries).

 

 

Figura 2 – Exemplo de ensino de inglês com ênfase na cultura brasileira na década de 60

Fonte: Course of conversational English, Yázigi, Second Stage, p. 17)

 

 

Uma língua multinacional, como o inglês, caracteriza-se por não ter nacionalidade. Adapta-se como um camaleão não aos interesses da Inglaterra ou dos Estados Unidos mas aos interesses das pessoas que a falam e que podem ser do Japão, da Suíça, ou mesmo do Brasil. Pode ser a língua da internet, da Globalização ou do capitalismo, mas não é a língua de um determinado país. Falar uma língua multinacional é como possuir ações de uma grande empresa: na medida em que o acionista se unir a outros

 

 

acionistas e formar com eles uma maioria, pode até decidir a política da empresa. Falar uma língua é apropriar-se dela, seja como falante nativo ou não-nativo.

 

 

Figura 3 – Exemplo de ensino de inglês com ênfase na cultura brasileira na década de 90

Fonte: Moita Lopes, 1998, p. 13

 

Se um dia a língua portuguesa fosse falada mais por falantes estrangeiros do que brasileiros, na proporção de dois estrangeiros para cada falante nacional, e fosse fonológica e lexicamente invadida por elementos estranhos à própria língua, provavelmente leríamos editoriais na imprensa e veríamos manifestações dos imortais da Academia Brasileira de Letras contra a desnacionalização da língua portuguesa. O português deixaria de ser a língua do Brasil ou de Portugal para ser a língua dos outros, multinacional e multicultural. As pessoas deixariam de estudar o português por afeição a Portugal ou ao Brasil; estudariam mais por motivação instrumental, às vezes até detestando um ou outro país de fala portuguesa. É o preço que se paga por ser uma língua multinacional.

 

 

Como ensinar uma língua multinacional

 

Pode-se estudar uma língua estrangeira para defender os interesses do país onde se mora, como, por exemplo, estudar inglês no Brasil para receber turistas de outras nacionalidades ou para vender um produto brasileiro no exterior. Pode-se também estudar uma língua estrangeira com interesse no país onde a língua é falada, como, por exemplo, estudar japonês para melhor conhecer a cultura do Japão. O foco de interesse, portanto, pode estar localizado no país onde a língua é estudada ou no país onde é falada. A determinação do foco de interesse tem implicações metodológicas para seu ensino, e consequentemente para a formação de professores.

Quando se estuda uma língua multinacional, tem-se geralmente uma motivação instrumental, onde não cabe mais a ideia tradicional do ensino de línguas estrangeiras baseado na noção de uma língua uma cultura. Quando se trata de uma língua multinacional, como o inglês na atualidade, sem uma identidade nacional definida, precisa-se de um novo paradigma de ensino de línguas, capaz de dar conta dessa natureza multinacional. Há necessidade de uma mudança de prioridades no ensino da língua estrangeira. Entre essas novas prioridades, tomando a língua inglesa como exemplo, podemos destacar as seguintes: (1) ensine a variedade local da língua multinacional; (2) ensine a língua multinacional para produção; (3) ensine a língua multinacional para objetivos específicos.

Ensine a variedade local da língua multinacional. No caso do ensino do inglês no Brasil, por exemplo, não se preocupar se se deve ensinar inglês britânico ou inglês americano; ensine inglês brasileiro como uma variedade legítima da língua inglesa. Assim como existe o inglês dos Estados Unidos, da Inglaterra, e mesmo da Nigéria, existe também o inglês de Gerard Depardieu, com sotaque francês, o inglês de Antônio Banderas, com sotaque espanhol, e pode existir, com toda legitimidade, o inglês do Brasil. Não há razão para supor que os brasileiros devam falar inglês como falantes nativos que, a propósito, são uma minoria entre os

 

 

falantes da língua. Uma das condições para que o inglês seja uma língua multinacional é aceitar a diversidade da própria língua. No momento em que o inglês passa a ser falado no Brasil, há de ter uma variedade brasileira – como o português falado no Rio Grande do Sul tem uma variedade gaúcha. Se a variação de uma língua pode ocorrer de um estado para outro, por que não ocorrerá de um país para outro? Havia uma escola de línguas no Brasil que usava a seguinte frase para mostrar a qualidade de seu ensino: “depois do nosso curso o difícil vai ser provar para os outros que você é brasileiro”. A ilusão de que uma escola possa ensinar uma língua estrangeira sem sotaque pode ser necessária como um jogo de marketing, mas sabemos que é uma ilusão – e que nem é necessária.

Ensine a língua multinacional para produção. A língua multinacional não deve ser ensinada apenas para recepção, fazendo com que os alunos sejam, por exemplo, apenas leitores da língua, incapazes de falar, de escrever ou mesmo de ouvir e entender a língua. Sabemos que uma língua possui quatro modos de passar a informação, sendo dois de produção – fala e escrita – e dois de recepção – escuta e leitura. Para haver interlocução, isto é, a troca, e não apenas a recepção de ideias, é necessário que pelo menos dois canais sejam usados, sendo um de recepção e outro de produção: fala e escuta ou escrita e leitura. A informação precisa fluir nos dois sentidos. A leitura, sozinha, não permite a interlocução. A Figura 4 ilustra como a informação na leitura flui apenas de quem produz para quem recebe o texto, já que fala e escrita ficam desativadas.

Figura 4 – Fluxo da informação na leitura.

Fonte: Autor

 

 

Pode-se argumentar também que uma ênfase exclusiva na leitura reforça a ideia de que a informação, no mundo, deve fluir unilateralmente dos países centrais para os periféricos, disseminando a arte, cultura e ciência em apenas uma direção. O aluno será no máximo um consumidor de informação, sem condições de chegar a produzi-la, embora vivendo num mundo em que tecnicamente, e pela primeira vez na história da humanidade, é possível a interlocução entre duas pessoas de qualquer parte do mundo, fazendo a informação fluir nos dois sentidos. Basta ter algo para dizer. A ênfase na leitura deve ser vista como uma fase transitória no caminho da produção linguística, e não como um fim no ensino de uma língua multinacional.

Ensine a língua multinacional para objetivos específicos. A língua estrangeira normalmente não compete com a língua materna: é usada para funções diferentes. Em situações normais, ninguém precisa aprender uma língua estrangeira para falar com o cônjuge no café da manhã, pedir o carro emprestado do pai ou discutir com o irmão. Quando aprendemos uma língua estrangeira normalmente a usamos para objetivos específicos: comercialmente para encomendar um produto do exterior, academicamente para apresentar um trabalho em nossa área de conhecimento ou até por lazer, trocando e-mails com alguém de um outro país com quem temos um interesse em comum. A língua estrangeira e a materna normalmente coexistem, em distribuição complementar, desempenhando funções diferentes, sem necessariamente concorrer uma com a outra.

Quando se ensina uma língua multinacional como o inglês, onde os falantes nativos são uma minoria, ensina-se uma língua franca, usada como meio de comunicação entre povos diferentes e culturas diferentes. Pode-se, por opção, associar esse ensino a uma determinada cultura, mas não necessariamente dos Estados Unidos ou da Inglaterra; pode ser até a cultura do país onde a língua é ensinada (e.g. o ensino do inglês explorando aspectos da cultura brasileira, o que já tem sido uma prática frequente em muitos livros didáticos produzidos no Brasil).

 

 

Conclusão

 

A formação de um professor de línguas estrangeiras envolve aspectos acadêmicos e políticos. Este capítulo enfocou alguns aspectos políticos dessa formação, considerando implicações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o papel das universidades e das associações de professores e principalmente as implicações que podem advir do ensino de uma língua multinacional, como parece ser a língua inglesa na atualidade.

Partiu-se da ideia de que a formação de um professor de línguas estrangeiras, competente, crítico e comprometido com a educação é uma tarefa extremamente complexa, difícil de ser completada num curso de graduação, por envolver aspectos linguísticos e políticos da natureza humana. Linguisticamente, temos a expectativa de que o professor de línguas estrangeiras seja competente o suficiente para criar uma nova língua na mente do aluno, tocando o ser humano naquilo que ele possui de mais essencial, que é a capacidade da fala. Politicamente, temos também a expectativa de que o professor seja suficientemente crítico para perceber as relações de poder que se estabelecem entre falantes de diferentes países quando se comunicam através de uma língua estrangeira, e que possa definir o lugar do aluno nesses eventos comunicativos, não apenas como receptor, mas também produtor de informação.

Fomos criados numa tradição de que o professor, na sala de aula, não deve se envolver com política. “A realidade política não é percebida como um assunto adequado para ser discutido com os alunos. Os professores não se veem como seres políticos e nem veem o ensino como uma atividade política.” (PONDER, 1971, p. 364).

 

No entanto, como vimos, somos todos – professores, alunos e a própria escola – afetados por escolhas políticas. Transmitimos valores políticos não só pelo que fazemos, mas também pelo que somos. Os estudantes, por sua vez,

 

 

também precisam aprender que o desenvolvimento – individual, da comunidade e do país – depende da habilidade em conduzir negociações nas novas relações de poder que se estabelecem com o uso da língua estrangeira.

 

104                                     Vilson J. Leffa

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       105

Capítulo 5

Como produzir materiais para o ensino de línguas7

 

 

A produção de materiais de ensino é uma sequência de atividades que tem por objetivo criar um instrumento de aprendizagem. Essa sequência de atividades pode ser descrita de várias maneiras, envolvendo um número maior ou menor de etapas. Minimamente, deve envolver pelo menos quatro momentos: (1) análise, (2) desenvolvimento, (3) implementação e (4) avaliação. Idealmente essas quatro etapas devem formar um ciclo recursivo, onde a avaliação leve a uma nova análise, reiniciando um novo ciclo.

A produção de materiais é também um processo sistemático e de complexidade variada. Na extremidade mais simples está, por exemplo, o resumo esquemático distribuído durante uma palestra para acompanhar o que diz o palestrante. Na extremidade superior da escala, podem ser listados projetos envolvendo o uso de vídeo ou de multimídia interativa, o que pela sua complexidade exige um planejamento mais detalhado. Falta de planejamento, nesse nível, pode resultar em perda de tempo, dinheiro e esforço (FARDOULY, 2002).

 

Análise

 

A análise parte de um exame das necessidades dos alunos, incluindo seu nível de adiantamento e o que eles precisam aprender. As necessidades são geralmente mais bem atendidas quando levam em consideração as características pessoais dos

7 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em: LEFFA, Vilson J. Como produzir materiais para o ensino de línguas. In: LEFFA, Vilson J. (Org.). Produção de materiais de ensino: teoria e prática. Pelotas: EDUCAT, 2008b, p. 15-41.

 

 

alunos, seus anseios e expectativas, preferência por um ou outro estilo de aprendizagem. Para que a aprendizagem ocorra é também necessário que o material entregue ao aluno esteja adequado ao nível de conhecimento do conteúdo a ser desenvolvido. O que o aluno já sabe deve servir de andaime para que ele alcance o que ainda não sabe. Ninguém aprende algo que é totalmente conhecido e nem algo que seja totalmente novo. A capacidade de acionar o conhecimento prévio do aluno é uma condição necessária para o sucesso de um determinado material.

O que o aluno precisa aprender, portanto, não é determinado apenas pela soma de competências exigida por uma determinada circunstância, seja ela originada pela escola, pela comunidade ou mesmo pelo mercado de trabalho. Uma determinada circunstância pode exigir do aluno, por exemplo, que ele seja capaz de escrever cartas comerciais numa língua estrangeira, envolvendo uma série de competências como domínio de uma terminologia específica, o uso correto das normas sintáticas da língua, disposição gráfica do texto na página, conhecimento do gênero epistolar etc. Isso não significa, no entanto, que o aluno precisa aprender, num determinado momento, todas essas competências; o que o aluno precisa aprender vai depender do que ele já sabe. O material a ser produzido deve oferecer ao aluno a ajuda que ele precisa no grau exato de seu adiantamento e de suas necessidades, preenchendo possíveis lacunas. A análise inicial das necessidades deve ser capaz não só de estabelecer o total das competências a serem desenvolvidas, mas também descontar dessas competências o que o aluno já domina. O saldo dessa operação é o que o aluno precisa aprender.

 

Desenvolvimento

 

A etapa do desenvolvimento parte dos objetivos que são definidos depois da análise das necessidades. A definição clara dos objetivos dá uma direção à atividade que está sendo desenvolvida com o uso do material. Ajuda a quem aprende porque fica sabendo o que é esperado dele. Ajuda a quem elabora

 

 

o material porque permite ver se a aprendizagem está sendo eficiente, facilitando, assim, a avaliação.

 

A definição dos objetivos

 

Os objetivos podem ser gerais ou específicos. Objetivos gerais são elaborados para períodos maiores de aprendizagem, como o planejamento de um curso; os objetivos específicos, para períodos menores, envolvendo, por exemplo, uma aula ou atividade. Ambos devem começar com um verbo que descreva o comportamento final desejado para o aluno.

Para os objetivos gerais usam-se geralmente verbos que denotam comportamentos não diretamente observáveis. Entre esses verbos, os seguintes têm sido usados com mais frequência: saber, compreender, interpretar, aplicar, analisar, integrar, julgar, aceitar, apreciar, criar etc.

Para os objetivos específicos, usam-se verbos de ação, envolvendo comportamentos que podem ser diretamente observados. Entre eles, destacam-se: identificar, definir, nomear, relacionar, destacar, afirmar, distinguir, escrever, recitar, selecionar, combinar, localizar, usar, responder, detectar etc.

Verbos que denotam processo “ aprender, desenvolver, memorizar, adquirir etc. “ não podem ser usados para elaborar objetivos educacionais; eles não descrevem o resultado da aprendizagem.

O objetivo de aprendizagem tem três componentes essenciais: (1) as condições de desempenho; (2) o comportamento que o aluno deve demonstrar (expresso por um verbo); (3) o critério de execução da tarefa. No modelo clássico de Bloom (ANDERSON; KRATHWOHL, 2001), o objetivo é sempre apresentado em termos do que o aluno deve alcançar, sob a perspectiva do próprio aluno, não do material desenvolvido. A ênfase está na aprendizagem, naquilo que o aluno deve adquirir e no comportamento que ele deve demonstrar “ não no ensino, não no material que vai ser usado para levar o aluno a atingir o objetivo.

 

 

É objetivo de aprendizagem: “ao ler um texto o aluno deverá ser capaz de identificar três ideias principais”.

Não é um objetivo de aprendizagem: “Ensinar a diferença entre ideia principal e ideia secundária”.

 

As condições de desempenho especificam as circunstâncias sob as quais o comportamento deve ser demonstrado. Podem, e devem, ser expressas de modo simples, através de uma afirmação. Alguns exemplos:

 

Ao assistir o vídeo de um comercial, o aluno deverá… Ao ouvir a gravação de uma música, o aluno deverá …

 

O comportamento que o aluno deve demonstrar deve ser expresso através de um verbo que denota uma ação diretamente observável.

Os critérios de execução da tarefa podem ser expressos em termos de velocidade, grau de correção ou qualidade. O critério estabelecido no objetivo é visto como o mínimo que o aluno deve atingir. Se a atividade pede, por exemplo, que o aluno responda a dez perguntas com 70% de acertos (critério), o objetivo será atingido com qualquer percentual igual ou acima de 70%.

É possível traçar os objetivos do material a ser produzido, não só no domínio cognitivo (envolvendo conhecimento), mas também no domínio afetivo (envolvendo atitudes) e mesmo no domínio psicomotor (envolvendo habilidades). A definição desses objetivos leva em consideração não só a análise das necessidades mas também o tempo disponível, sendo às vezes muito difícil adequar os objetivos ao tempo de que se dispõe.

 

 

A seguir, apresentamos uma lista de exemplos em cada um desses objetivos nos três domínios, aplicado ao ensino de línguas (cada objetivo geral é seguido de objetivos específicos).

Taxionomia de objetivos para o ensino de línguas

 

Domínio cognitivo

  1. Conhece o vocabulário relacionado a um determinado tópico
    • identifica sinônimos
    • relaciona antônimos
    • define palavras
    • nomeia objetos
    • soletra palavras
    • deduz o significado de palavras desconhecidas através do contexto

 

  • Compreende a estrutura gramatical
    • substitui palavras numa frase
    • transforma frases (interrogação, negação)
    • identifica anomalias gramaticais
    • fornece o tempo verbal correto
    • identifica sentenças completas
    • identifica sinonímia estrutural

 

  • Aplica regras gramaticais
    • constrói frases
    • responde oralmente
    • responde por escrito
    • traduz para o português
    • traduz para a língua estrangeira
    • apresenta alguém
    • cumprimenta
    • atende a um pedido

 

  • Analisa textos escritos
    • infere emoção
    • identifica estereótipos culturais

 

 

  • deduz consequências
  • descreve personagens
  • esquematiza enredo
  • descreve contexto
  • identifica tema
  • relaciona informação textual com informação extratextual

 

  • Integra conhecimentos de diferentes áreas
    • usa mecanismos adequados para iniciar e encerrar turnos de conversação
    • resume extraindo as ideias principais de um texto
    • usa o sumário e índice remissivo de um livro para encontrar a informação desejada
    • escreve um parágrafo bem organizado
    • completa exercícios de cloze
    • expressa relações entre partes do texto através de conectores
    • organiza adequadamente a informação num texto dissertativo
    • faz o mapa conceitual de um texto
    • transforma um mapa conceitual em texto
  • Julga o valor de material escrito
    • explica a finalidade de um mecanismo retórico
    • justifica o uso da linguagem figurada
    • relaciona estilo com objetivo
    • identifica níveis de formalidade

 

Domínio afetivo

  • Aceita diferenças culturais
    • olha com atenção para fotos
    • faz perguntas sobre ilustrações
    • aponta para detalhes das ilustrações
    • faz comentários sobre fotos
  • Demonstra interesse no tópico
    • oferece-se como voluntário para responder perguntas
    • faz atividades além do que é solicitado

 

 

  • traz material extra para a aula
  • pergunta sobre cursos na comunidade
  • cumprimenta o professor na LE
  • Aprecia obras literárias
    • empresta livros da biblioteca
    • lê além do que pede o professor, por prazer
    • discute diferentes autores
    • elogia algumas obras literárias
  • Integra conhecimento da língua em seu plano de vida 1justifica a importância de conhecer a língua em sua futura

profissão

  • lê revistas especializadas
  • busca na internet tópicos tratados em aula
  • Demonstra consistência na prática da língua estrangeira
    • aproveita todas as oportunidades para praticar a LE
    • participa de salas de bate-papo na LE na internet
    • procura ouvir e ler a LE diariamente

 

Domínio psicomotor

  • Reconhece vogais na língua estrangeira
    • discrimina vogais em pares mínimos
    • identifica a vogal numa sentença
  • Sabe a posição dos órgãos da fala para os diferentes fonemas
    • pronuncia corretamente sequências de fonemas inexistentes na língua materna (slow)
    • explica a posição da língua para uma determinada vogal
    • mostra a posição correta dos lábios
    • abre a boca corretamente
  • Imita sentenças que ouve
    • repete adequadamente o modelo
    • executa exercícios simples de expansão
    • executa substituições em exercícios orais
  • Fala naturalmente
    • pronuncia sentenças em velocidade normal
    • usa a entonação adequada para perguntas

 

 

  • acentua adequadamente palavras em uma frase
  • Fala fluentemente
    • fala sem hesitação
    • produz frases no ritmo adequado da língua
    • usa pausas corretamente
  • Ajusta a fala à situação
    • fala mais rápido quando tem menos tempo
    • articula as palavras com mais cuidado quando diante de um auditório maior
  • Muda a pronúncia
    • imita sotaques regionais
    • imita a fala de pessoas famosas

 

A definição da abordagem

 

UUma vez definidos os objetivos de aprendizagem, é necessário selecionar os conteúdos pelos quais os objetivos serão alcançados. Se o objetivo, por exemplo, for levar o aluno a compreender um texto de uma determinada área de conhecimento, o conteúdo selecionado pode ser um texto, uma amostra do léxico típico da área, uma lista de determinados mecanismos retóricos ou uma integração de diferentes conteúdos. A opção por um desses aspectos é determinada pela filosofia de aprendizagem a que se filia o professor. Tradicionalmente, no ensino de línguas, há seis grandes abordagens (KRAHNKE, 1987), que ampliamos abaixo, incluindo aspectos da língua materna.

Abordagem estrutural. O que o aluno precisa aprender são o léxico e as estruturas gramaticais da língua. Deve saber expressar-se dentro de um vocabulário adequado e com correção gramatical. Pode haver uma tolerância maior ou menor para com os vícios de linguagem, incluindo estrangeirismos, problemas de regência, mas geralmente não são aceitos. A preocupação é mais com a forma do que com o conteúdo.

Abordagem nocional/funcional. A ênfase está no objetivo para o qual se usa a língua, na realidade, mais na função do que na noção. No caso da língua estrangeira, parte de uma taxionomia

 

 

das funções: como discordar, apresentar alguém, pedir desculpas etc. Também pode ser aplicado ao ensino da língua materna: como escrever uma carta de pedido de emprego, como rejeitar um convite educadamente, como solicitar ao auditório que se levante para cantar o hino nacional etc.

Abordagem situacional. O conteúdo a ser ensinado parte de uma situação em que a língua é usada: visita ao médico, check- in no aeroporto, abertura de uma reunião de negócios etc. O pressuposto é de que nessas situações há uma sequência típica de funções que ocorrem sempre da mesma maneira usando sempre o mesmo tipo de linguagem “ e que pode, portanto, ser pré- determinado.

Abordagem baseada em competências. Parte do princípio de que a linguagem usada numa determinada situação é relativamente independente da situação, dependendo mais de competências e processos linguísticos (domínio dos aspectos fonológicos, lexicais, sintáticos, discursivos, capacidade em detectar a ideia principal, em fazer uma apresentação oral etc.) que perpassam diferentes situações.

Abordagem baseada em tarefa. Caracteriza-se por subordinar a aprendizagem da língua à execução de uma determinada tarefa. É a execução da tarefa que vai determinar que conteúdo linguístico precisa ser aprendido. Diferencia-se da abordagem situacional, por não predeterminar esse conteúdo, que pode surgir de modo imprevisível durante o desempenho da tarefa. Abordagem baseada em conteúdo. Põe a ênfase no conteúdo, usando a língua que o aluno precisa aprender. O pressuposto é de que enquanto o aluno presta atenção no conteúdo, acaba adquirindo a língua incidentalmente. O material, portanto não é desenvolvido a partir de tópicos linguísticos, mas de tópicos

do próprio conteúdo.

Ainda que seja possível desenvolver material de ensino rigorosamente dentro de uma única abordagem, a prática sugere a integração de duas ou mais. É também aconselhável levar em consideração os objetivos de aprendizagem, e, a partir daí, escolher a abordagem mais adequada.

 

 

A definição do conteúdo

 

O conteúdo na produção de um determinado material pode ser definido de várias maneiras, dependendo da concepção que se tem de língua. Se entendo, por exemplo, que língua é um conjunto de palavras ligadas por regras gramaticais, faço um recorte do léxico e da sintaxe; se vejo a língua como um conjunto de eventos comunicativos, incluo outros aspectos como regras de formalidade, os lugares sociais de onde falam os interlocutores, os efeitos de sentido que suas falas podem provocar etc.; se entendo a língua como um meio para desempenho de determinadas atividades, posso selecionar uma lista de tarefas que devem ser executadas pelos alunos: como escrever uma carta comercial, elaborar um currículo, fazer uma homepage etc.

Quando se fala em produção de materiais, tem-se privilegiado o ensino baseado na tarefa. Nesse caso, há uma preocupação maior com o mundo real e o uso de dados linguísticos autênticos. A ideia é de que o aluno não deve passar por um curso sem conhecer a língua como ela é realmente usada fora da sala de aula. Muitas vezes os alunos têm dificuldade de transferir para o mundo real aquilo que aprendem na escola. Não vendo aplicação prática para o conhecimento adquirido, acham-se muitas vezes donos de um conhecimento inútil. O uso de material autêntico pode ser uma maneira de facilitar essa transferência de aprendizagem.

A transferência, no entanto, parece estar apoiada em um paradoxo de difícil solução (1) para sobreviver no mundo real, o aluno precisa ser preparado pela escola; (2) para ser preparado, de modo que a aprendizagem faça sentido, o aluno precisa conhecer o mundo real. O desafio aqui “ usando uma metáfora frequentemente citada na educação (WEININGER, 2001) “ é como levar o aluno do ambiente protegido do aquário para os perigos do mar aberto. A solução proposta por alguns, usando ainda a mesma metáfora, é jogar o aluno no mar, puxando-o de vez em quando para que respire (WILSON; JONASSEN; COLE, 1993). A ideia é de que o tempo entre o investimento inicial do aluno na aprendizagem e o retorno pelo esforço despendido seja o mais breve possível, o que pode ser facilitado na medida em

 

 

que o aluno seja solicitado desde o início a realizar tarefas significativas e próximas do mundo real (CARROLL, 1990).

Na definição do conteúdo, a preocupação está em definir da maneira mais clara possível o que exatamente o aluno precisa aprender para atingir os objetivos definidos anteriormente.

 

A definição das atividades

 

A produção de materiais de ensino é uma área essencialmente prática. A teoria é importante na medida em que fornece o suporte teórico necessário para justificar cada atividade proposta, mas subjaz à atividade, podendo ou não ser explicitada. Quem prepara o material precisa ter uma noção bem clara da fundamentação sobre a qual se baseia, mas vai concentrar todo seu esforço em mostrar a prática, não a teoria. A teoria trabalha nos bastidores; a prática é o que aparece no palco. Um bom trabalho de bastidores dá segurança ao que é apresentado, permitindo inovações e até ousadias.

As atividades propostas para o ensino de línguas têm sido tradicionalmente classificadas em quatro grandes áreas: (1) fala,

(2) escuta, (3) leitura e (4) escrita. Os materiais podem ser preparados para cada uma dessas habilidades, em separado, ou de modo integrado, incluindo duas ou mais habilidades. A Figura 1 mostra o recorte de uma atividade que pode ser usada para a prática da leitura de tabelas, produção oral e escuta.

 

A definição dos recursos

 

A definição dos recursos envolve basicamente o suporte sobre o qual a língua vai ser apresentada ao aluno. Tradicionalmente o suporte mais comum tem sido o papel, que por sua vez pode ser subdividido em muitos outros (livro, jornal, revista, revista em quadrinhos, revista acadêmica etc.). Com o desenvolvimento e barateamento das tecnologias de comunicação, outros suportes tornaram-se populares, incluindo fitas de áudio, fitas de vídeo e, mais recentemente, o computador e a internet.

 

 

A introdução do computador parece demandar uma nova alfabetização, ou letramento, com a exigência de novas

Figura 1 – Exemplo de material para ensino de Português como língua estrangeira.

Fonte: Autor

competências, incluindo a capacidade de trabalhar com arquivos eletrônicos (saber como salvar um arquivo, copiá-lo de um computador para outro, compactá-lo e descompactá-lo, enviá-lo pela internet, navegar na rede, localizar arquivos em qualquer ponto do planeta, instalar e desinstalar programas, usar antivírus etc.). O computador, na realidade, representa uma convergência de diferentes tecnologias, incluindo textos, imagens, sons e movimentos.

Para quem possui as competências pressupostas pela nova literacia, os recursos que podem ser usados para o desenvolvimento de materiais de aprendizagem nunca foram tantos, tão fáceis de usar e tão disponíveis. Muitos recursos que há alguns anos só estavam disponibilizados para grandes empresas, com altos custos de produção, agora podem ser acessados praticamente por qualquer indivíduo, a um custo

 

 

irrisório ou inexistente. A Figura 2, por exemplo, mostra o resultado de uma pesquisa usando o Google, onde o objeto procurado era a imagem de mãe com filho (“woman” e “child” em inglês). Em menos de um segundo o sistema conseguiu localizar milhares de arquivos contendo imagens de mulher com criança.

Depois de acessado, um arquivo eletrônico, por sua natureza líquida, altamente mutável, pode ser modificado e reformulado de inúmeras maneiras (MALEY,1998). Uma imagem pode ser não só ampliada, reduzida, alongada, distorcida etc. mas também inserida num determinado texto que o professor tenha selecionado para um grupo de alunos. Seja qual for o texto, é sempre possível ilustrá-lo com uma foto ou desenho rigorosamente adequado a um determinado conteúdo ou objetivo de uma aula.

 

Figura 2 – Imagens selecionadas do Google com as palavras-chave “woman” e “child”, de um universo de milhares de imagens.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Autor

 

 

Ordenamento das atividades

 

Os dois critérios básicos para o ordenamento das atividades são facilidade e necessidade. Pelo primeiro critério, inicia-se pelo que é mais fácil e simples para o aluno, progredindo gradativamente para o que é mais difícil e complexo. O retorno pelo investimento feito na aprendizagem pode às vezes demorar um pouco, até produzir algo útil. Pelo critério da necessidade, começa-se pelo que é mais necessário e útil para o aluno, com retorno mais imediato. A situação ideal é aquela em que se possa unir os dois critérios; quando isso não for possível, a tendência tem sido sacrificar pelo menos parte da facilidade em benefício da utilidade antecipada.

Uma maneira mais ampla e geral de ordenar as atividades baseia-se nos nove eventos instrucionais de Gagné, assim descritos:

Garanta atenção. Inicie despertando a curiosidade do aluno para o tópico da atividade. Conte uma história, mostre uma ilustração, faça uma analogia, conte uma anedota, cite um pensamento interessante.

Informe os objetivos. Deixe claro para os alunos o que eles vão aprender: “No fim dessa atividade vocês vão saber como…”. Crie uma expectativa através dos objetivos.

Acione o conhecimento prévio. Faça os alunos pensar sobre o que eles já sabem. Relacione a atividade nova a situações e conhecimento que lhe são familiares.

Apresente o conteúdo. Mostre os pontos mais importantes, use técnicas variadas para manter a atenção e aumentar a compreensão. Use ilustrações, fotos, objetos.

Facilite a aprendizagem. Ajude os alunos a seguir no processo de aprendizagem, orientando, esclarecendo, dando exemplos.

Solicite desempenho. Mantenha participação ativa dos alunos. Peça para que executem tarefas relacionadas ao que estão aprendendo. Envolva-os perguntando, discutindo, demonstrando.

Forneça feedback. Deixe claro para seus alunos de como eles estão acompanhando a atividade, ajudando com mais

 

 

esclarecimento quando necessário. Tente produzir o material de aprendizagem de modo a poder inserir feedback.

Avalie o desempenho. Verifique a aprendizagem dos alunos pela observação, perguntas. Na produção de materiais abra espaço para avaliação contínua.

Ajude na retenção e transferência. Faça com que os alunos lembrem o que estão aprendendo e ajude-os a aplicar seus novos conhecimentos.

 

A questão da motivação

 

Manter a motivação durante e após a atividade de ensino tem sido uma das grandes metas da educação e é uma das preocupações básicas na produção de materiais. A atividade deve ser prazerosa para o aluno, despertar sua curiosidade e mantê-lo interessado no assunto, mesmo depois que tenha terminado. O modelo mais conhecido para incorporar técnicas de motivação em atividades de ensino é o ARCS (Sigla para Atenção, Relevância, Confiança e Satisfação), desenvolvido por John Keller na Universidade do Estado da Flórida.

A teoria básica sobre a qual se apoia o modelo é a chamada expectativa de valor, segundo a qual a motivação é medida pelo esforço demonstrado na execução de uma tarefa. Para que haja esforço, duas condições são necessárias: (1) a pessoa deve acreditar que a tarefa seja importante; (2) a pessoa deve acreditar que é capaz de executar a tarefa (VROOM, 1964; PORTER; LAWLER, 1968; TOMLINSON, 1998).

O modelo ARCS identifica quatro estratégicas básicas para sustentar a motivação:

Estratégias de atenção [A] para despertar e manter a curiosidade e o interesse. Pense em maneiras pela qual se pode introduzir uma novidade, surpresa ou incerteza no início de uma atividade. Como fazer perguntas e apresentar problemas que possam estimular a curiosidade? Como introduzir variação na atividade que está sendo proposta?

 

 

Estratégias de relevância [R] para mostrar a utilidade de uma tarefa, quais são seus objetivos e quais são os métodos que podem ser usados para chegar aos objetivos, mostrando também a importância que a tarefa pode ter na vida dos alunos. Permitir que os alunos exponham seus interesses e necessidades. Relacionar a tarefa à experiência e valores apreciados pelos alunos. Expor a tarefa de maneira clara e compreensível para os alunos.

Estratégias de confiança [C] que ajudem os alunos a desenvolver uma expectativa positiva de sucesso. Informar aos alunos quais são os critérios de avaliação, o que se espera deles em termos de trabalhos a serem executados. Oferecer oportunidades de sucesso através de projeto menores que preparem os alunos para os projetos maiores. Reconhecer o esforço pessoal do aluno e seus acertos em cada atividade proposta.

Estratégias de satisfação [S] que mostre reconhecimento pelo esforço intrínseco e extrínseco do aluno. Exemplos de esforço intrínseco envolvem a satisfação pela própria aprendizagem, possivelmente mostrando o exemplo de pessoas conhecidas que possuem a habilidade em questão. Exemplos extrínsecos incluem feedback, diplomas, homenagens etc.

 

Implementação

 

A etapa da implementação pode receber um cuidado maior ou menor dependendo, via de regra, da maior ou menor presença de quem preparou o material. Há três situações básicas: (1) o material vai ser usado pelo próprio professor, (2) o material vai ser usado por outro professor, (3) o material vai ser usado diretamente pelo aluno sem presença de um professor. Cada um desses casos requer uma estratégia diferente de implementação. Quando o próprio professor prepara o material para os seus alunos a implementação dá-se de modo intuitivo, complementada pelo professor, que oralmente explica aos alunos o que dever ser feito. Normalmente o material pressupõe essa intervenção oral,

 

 

funcionando em “distribuição complementar” com o professor. Erros maiores e mal-entendidos que atrapalharam na implementação podem ser anotados e reformulados para uma próxima apresentação. A Figura 3 mostra um exemplo deste tipo de atividade.

Quando o material vai ser usado por um outro professor há necessidade de instruções de como o material deve ser apresentado e trabalhado pelos alunos. Usando ainda como exemplo a Figura 3, o autor teria que explicar o objetivo da atividade, o tipo de conhecimento que está sendo construído, como a atividade deve ser conduzida junto com os alunos, as possíveis respostas para as questões que estão sendo colocadas, como certas respostas dadas pelos alunos deveriam ser trabalhadas etc.

 

Figura 3 – Exemplo de material sem instruções de uso.

 

  • – Trabalhando em grupo, complete as lacunas do pseudopoema abaixo, usando, sem repetir uma consoante de cada

 

PSEUDOPOEMA DIGITAL

 

É uma arma mas não tem _ala Às vezes não salva e me _ala Outras vezes fica mudo e _ala Com um disco se acende e _ala Se a festa for de _ala

Ele se destaca na _ala

Quando se quebra não leva _ala. Se fica velho, joga-se na _ala.

É antirreflexo e não usa _ala

O computador que levo na _ala

 

  • – Que fontes de conhecimento o leitor deve acionar para apreciar o significado de cada uma das frases abaixo?

–    Mais vale um pássaro voando do que dois na mão.

 

 

Fonte: Autor

 

 

A situação mais difícil e que requer maior cuidado é aquela em que o material vai ser usado sem a presença do professor. Há dois grandes desafios aqui: O primeiro é estabelecer contato com o aluno, idealmente oferecendo nem menos nem mais do que ele precisa, descendo ao seu nível de conhecimento mas sem distorcer a complexidade do saber que precisa ser apreendido. O segundo desafio, é tentar prever o que pode acontecer. Como o professor não estará presente durante a execução da tarefa, é preciso ter uma ideia das possíveis dúvidas do aluno. Prever, no entanto, é partir do pré-construído, sem espaço para a criatividade e o inesperado. Tudo o que o aluno fizer além do que estiver previsto no material ficará sem retorno, de modo que quanto mais criativo for o aluno mais abandonado ele ficará.

Alguns exemplos tradicionais de material produzido para ensino sem a presença do professor são os livros com chaves de respostas, cursos de línguas com fitas de áudio, às vezes incluindo perguntas com tempo de espera para a resposta do aluno, seguida da gravação da resposta correta para que o aluno possa escutar e comparar seu desempenho.

Com a informatização e a possibilidade da tomada de decisão pela máquina, a aprendizagem sem a presença do professor pode ser melhorada em termos de gerenciamento: uma ajuda

 

 

automática pode ser apresentada para o aluno em caso de erro, a avaliação do desempenho pode ser dada logo após a resposta solicitada, uma estratégia de leitura pode ser sugerida no momento em que o aluno demonstrar precisar dela etc.

A aprendizagem independente, sem a ajuda do professor, parece ter duas grandes limitações:

  • Necessidade de alta motivação. A aprendizagem só ocorre se o aluno demonstrar o empenho suficiente para vencer todos os obstáculos que podem ocorrer durante a execução das Será preciso muitas vezes refazer o trabalho, buscar ajuda em outros materiais, usando diferentes estratégias para resolver os inúmeros problemas que surgem. Sem essa motivação constante, que perdure além do entusiasmo inicial, não há possibilidade de manter o envolvimento necessário com o conteúdo para que a aprendizagem ocorra.
  • Falta de uma avaliação O aluno é o juiz de seu próprio desempenho. Como seu desempenho não é assistido, haverá erros e desvios em sua aprendizagem que passarão desapercebidos e poderão ficar automatizados. Mesmo em ambiente informatizado, não há possibilidade de captar todos os desvios que podem ser produzidos pelo aluno e que afetarão negativamente sua aprendizagem.

É possível que com a distribuição do conhecimento em rede – não apenas informação que se observa do lado de fora, mas conhecimento que se compartilha – o aluno tenha oportunidade de testar seus conhecimentos, comparando-o com o conhecimento dos outros. Algumas hipóteses já construídas serão rejeitadas, outras serão confirmadas e uma validação mais precisa da aprendizagem será possível. A aprendizagem autônoma não será a utopia prometida em muitos livros populares que aparecem nos jornaleiros, com títulos chamativos do tipo “Aprenda a falar em público sozinho”, “Francês sem mestre”, “Inglês em 30 dias” etc., mas poderá ser mais viável, por uma razão muito simples. Num mundo em que se distribui a inteligência e a cognição, a distribuição do conhecimento parece uma hipótese razoável. A própria autonomia – como a cognição, a inteligência e o

 

 

conhecimento – deixa também de ser individualizada para ser coletiva e distribuída.

 

Avaliação

 

A avaliação de materiais pode ser feita de modo informal, geralmente quando envolve o trabalho de um único professor que prepara uma folha de exercícios, usa uma vez, vê como funciona, reformula para usar uma segunda vez, e assim indefinidamente com diferentes grupos de alunos, sem chegar a uma versão definitiva. Em outras situações, o material é preparado por um grupo de professores para uso próprio e/ou de outros colegas da mesma instituição. Nesses casos, a avaliação assume um caráter mais formal e pode ser feita por consultoria de um especialista ou por questionários e entrevistas com os alunos. Em escala maior, como no caso da publicação de um livro, os materiais são normalmente pilotados. (DONOVAN, 1998)

A avaliação formal pode também ser feita através de protocolos, onde os alunos, ao fazerem as tarefas solicitadas pelo material, procuram expressar o que estão pensando, demonstrando assim os tipos de raciocínio em que estão envolvidos, as estratégias de aprendizagem que estão usando e as atitudes que estão desenvolvendo.

Os questionários, entrevistas e mesmo a análise de protocolos têm sido criticados por não serem muito confiáveis. Por questões de respeito e ameaça à face do professor, o aluno poderá dizer não exatamente o que pensa mas o que acha que o professor gostaria de ouvir. Por isso, muitos pesquisadores preferem a observação direta do trabalho do aluno com o material; mais importante do que o que os alunos respondem ou dizem é o que eles realmente fazem. Isso só se obtém pela observação.

A pilotagem mostra basicamente o que pode permanecer como está e o que precisa ser melhorado. Isso só é possível quando o material é testado com os alunos para o qual se destina, quando então se pode constatar se houve ou não o ponto de contato entre o nível de conhecimento pressuposto pelo material e o nível real do aluno.

 

 

Conclusão

 

Em termos de teoria, principalmente no que concerne os papéis do professor e do aluno, a produção de materiais diverge tanto da abordagem tradicional, que põe o professor no centro do processo de aprendizagem, como da abordagem mais recente, que salienta o papel do aluno. Produção de materiais não está centrada nem no professor nem no aluno; está centrada na tarefa.

É importante não confundir produto com tarefa. O produto é o artefato produzido (a folha de exercício, a fita de áudio, o programa de computador). A tarefa é a atividade que resulta do encontro desse artefato com o aluno. Em outras palavras, o artefato é o instrumento pelo qual a tarefa se realiza. Ensino centrado na tarefa, realça obviamente a tarefa e não o artefato.

 

126                                     Vilson J. Leffa

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       127

Capítulo 6

O ensino da LE na era da cibercultura

 

Introdução

 

O objetivo deste capítulo é fazer algumas reflexões sobre o ensino de línguas estrangeiras na atualidade. Parte-se do princípio de que vivemos um momento de transição, onde podemos saber de onde viemos, mas temos dificuldade de saber onde estamos, e achamos que é impossível saber para onde vamos. Essa dificuldade em achar uma direção pode ser explicada pelo fato de que atualmente estamos mais habituados a navegar do que a caminhar. Há uma diferença muito grande entre uma atividade e outra. Caminhar pressupõe uma estrada em terra firme, construída anteriormente por uma outra pessoa, que deixou os sulcos abertos no chão para direcionar os viajantes. Navegar é diferente. Quando se navega não há caminhos; é impossível abrir sulcos na água. Quando se navega tem-se pela frente apenas a extensão do mar aberto. Quando se caminha, olha-se para baixo, procurando a estrada. Quando se navega olha-se para cima, procurando orientação no sol e nas estrelas.

Para dissertar sobre o ensino de línguas estrangeiras na atualidade, sigo aqui o seguinte roteiro argumentativo. Em primeiro lugar, tento retomar alguns conceitos básicos, incluindo a ideia de globalização, como ponto de partida, e a questão fundamental da evolução do átomo ao bit.

Associo depois o átomo ao que normalmente entendemos como sendo a realidade concreta e o bit à realidade virtual, argumentando que a evolução da humanidade é na sua essência um processo de virtualização. A ideia aqui é mostrar como a virtualização cria uma nova realidade, expandindo as relações entre as pessoas para além das fronteiras geográficas, criando a necessidade de expandir o nosso conhecimento de outras línguas.

 

 

A partir daí, tento argumentar que quando aumentamos nosso círculo de relações para incluir pessoas de outros países e até de outros continentes, não apenas aprendemos a conviver com a diversidade linguística e cultural, mas iniciamos um lento e gradual processo de unificação, incorporando alguns traços e descartando outros.

Finalmente, tento mostrar como todas essas transformações têm afetado o ensino de línguas estrangeiras, onde o maior desafio não é preparar o aluno para o mundo em que nós vivemos hoje, mas para o mundo em que eles viverão amanhã.

 

A globalização

 

A globalização pode ser definida como um processo que se caracteriza pela livre movimentação de capital, bens, serviços e trabalho por diferentes países do mundo. Na sua essência, envolve aspectos ideológicos, econômicos e tecnológicos e sua complexidade está na interação desses três elementos básicos.

Ideologicamente, a globalização pode ser vista de várias perspectivas e, neste caso, nada parece ser menos globalizado do que a própria percepção de globalização. Para alguns, globalização significa simplesmente uma combinação saudável entre democracia e livre mercado, com desregulamentação da economia e retração do papel do estado. A ideia é de que o livre mercado estimula a criatividade e gera a prosperidade. Nesta visão otimista do mundo globalizado, as estatísticas são usadas para mostrar que os pobres estão ficando menos pobres e vivendo mais do que viviam antes.

Para outros, no entanto, globalização significa a dominação dos países centrais, principalmente dos Estados Unidos e dos países da União Europeia. Para essas pessoas, o que está ocorrendo não é um processo de globalização, mas de americanização e McDonaldização do mundo.

 

Nem nós, nem a humanidade em geral, nem mesmo Deus pode aceitar a globalização que nos está sendo imposta pelo onipotente mercado global que exclui a grande

 

 

maioria da humanidade e destrói o ambiente (Pedro Casaldáliga).

 

Do ponto de vista econômico, globalização significa a desterritorialização das empresas, que deixam de ser argentinas ou brasileiras, ou mesmo alemãs ou americanas, para serem todas multinacionais. Exemplos dos últimos anos são as fusões da Mercedes alemã com a Chrysler americana, da Volvo sueca com a Ford, que era originalmente dos Estados Unidos, ou dos bancos brasileiros com os espanhóis.

Mas é na tecnologia que parece estar o fator mais importante da globalização, principalmente pela fusão do computador com o satélite, facilitando as telecomunicações e transformando o mundo numa comunidade digital. A tecnologia não só tornou possível o contato entre empresas de diferentes países, mas também possibilitou a interação de milhões de indivíduos com milhões de outros indivíduos. Não apenas tornou a comunicação viável, mas, o que é mais importante, tornou-a economicamente viável. Isso foi possível porque a tecnologia realizou a proeza de ter chegado ao bit, ao dígito binário, que é a unidade mínima de informação.

 

Átomos e bits

 

Retomando e expandindo o que já dissemos no Capítulo 2, podemos dizer que a ciência é a busca do indivisível, da miragem da partícula mínima que paira além da molécula, do átomo e das cadeias de DNA. A única área em que se conseguiu chegar a essa partícula mínima foi na informática, talvez justamente por não se ter chegado a ela, mas por se ter partido dela, já que a ciência da computação foi construída de modo ascendente a partir do bit.

O bit, como unidade mínima de informação, permite apenas dois estados opostos: ligado ou desligado. Esses dois estados podem ser representados de várias maneiras no mundo que nos cerca, desde que seja possível construir uma oposição binária, incluindo, por exemplo, estados como perfurado ou não-perfurado, aberto ou fechado, aceso ou apagado, luz ou treva, ruído ou

 

 

silêncio. Combinando sequências de oposições, é possível não só construir uma representação complexa do mundo que nos cerca, desde um quadro de Renoir a uma sinfonia de Beethoven, mas, o que é mais importante, transmitir essas representações de um lugar para outro por qualquer meio disponível de transmissão, teoricamente desde sinais de fumaça ou rufar de tambores, até ondas de rádio, cabos telefônicos ou fibras óticas. Por se tratar de transmissão de dígitos binários, unidades mínimas e indivisíveis, não há possibilidade de distorção; a imagem de chegada é sempre rigorosamente igual à imagem de partida, a cópia é sempre igual ao original, ainda que intermediada por inúmeras outras cópias.

Uma maneira de melhor entender o bit como unidade indivisível é compará-lo a uma unidade divisível, como o átomo, por exemplo. O átomo, embora ironicamente tenha o significado de indivisível, é na realidade composto de outras unidades, que por sua vez são ainda compostas de unidades menores. As diferenças entre os objetos feitos de átomos e os feitos de bits são cruciais para se entender o papel da tecnologia na globalização. Partindo da ideia inicial de Negroponte (1995), podemos destacar, entre outras, as seguintes diferenças (Quadro 1):

 

Quadro 1 – Diferenças entre átomos e bits

 

Átomos Bits
Tangíveis Intangíveis
Difíceis de manipular Fáceis de manipular
Não teletransportáveis Teletransportáveis
Alto custo Baixo custo
Não compactáveis Compactáveis
Com fronteiras Sem fronteiras
Com limitações de tempo Sem limitações de tempo
Com limitações geográficas Sem limitações geográficas
Comunidades tradicionais Comunidades customizadas

Fonte: Autor

 

 

Os objetos feitos de átomos são tangíveis. Podem ser tocados, olhados, escutados, cheirados e muitas vezes até degustados. Têm uma presença física marcante, com características de peso, densidade, cor etc., fazendo parte do mundo real que nos cerca. Os bits, por outro lado, fazem parte de um mundo digital, virtual e desmaterializado, que podem simular o mundo real, mas que na verdade não têm suas características.

Os objetos constituídos de átomos, justamente por suas características físicas, são mais difíceis de serem manipulados. Acomodar um piano numa sala, dar um nó em uma gravata ou estacionar um carro numa ladeira movimentada podem exigir níveis elevados de habilidade motora ou de esforço físico que nem todas as pessoas possuem.

Os átomos são mais difíceis de serem transportados. Mover um piano de cauda de um canto a outro da sala já pode ser uma tarefa extenuante, mas é ainda mais difícil levá-lo de um prédio a outro, descendo e subindo escadas. Se for necessário transportá- lo para um outro país, haverá problemas de alfândega e burocracia, gastos de transporte e tempo, que pode, em alguns casos, chegar a várias semanas. O teletransporte de objetos constituídos de átomos, ou mesmo sua compactação, que permitisse, por exemplo, reduzir em dez ou cem vezes o peso e o tamanho de um objeto, ainda pertence, como se sabe, ao mundo da ficção científica.

Quando, no entanto, o concerto produzido pelo pianista for gravado e transformado num arquivo digital, este concerto fica disponível em unidades mínimas de informação, os bits, e pode, portanto, ser facilmente manipulável. Pode ser teletransportado de um lugar para outro sem restrições de alfândega (embora não seja impossível, é difícil reter um arquivo digital na fronteira entre um país e outro). O arquivo digital não tem restrições de tempo ou de espaço geográfico (o arquivo é recebido praticamente no mesmo momento em que é enviado, independente da distância geográfica entre um ponto e outro). Além de serem teletransportáveis, os arquivos digitais podem ser compactados e ter seu tamanho reduzido, em alguns casos, em mais de cem vezes “ o que torna o custo de armazenagem e

 

 

transporte ainda mais acessíveis: a prensagem de um CD-ROM, por exemplo, representa um custo inferior à impressão de um livro de 100 páginas, com a capacidade, no entanto, de armazenar o equivalente a 400 livros do mesmo tamanho.

 

A questão da virtualidade

 

Uma das premissas básicas da educação, incluindo aí o ensino de línguas, é de que a aprendizagem ocorre apenas quando o aluno se envolve em algum tipo de interação. Essa interação pode ser descrita como uma ação recíproca não apenas entre duas pessoas, mas também entre pessoas e objetos. Até o advento dos computadores no ensino, e na sociedade em geral, a interação com objetos era geralmente vista como algo natural, sem qualquer conotação negativa; uma menina brincando com uma boneca, um menino andando num cavalo de pau, um aluno lendo um livro eram atividades percebidas como desejáveis e necessárias para o desenvolvimento saudável da criança. A interação com o computador, no entanto, é muitas vezes vista como algo basicamente indesejável e prejudicial. Dois exemplos:

 

O computador e ciberespaço podem embotar a capacidade da criança em separar o humano do inanimado, contribuir para o escapismo e desligamento emocional (…) (TURKLE, citado por REPORT, 2003)

 

Minha preocupação é de que estamos expondo os alunos a muitas versões controladas e fabricadas da realidade e não à natureza como ela realmente é. (HAYBRON, 1996,

  1. 8E)

 

Quando se critica o uso do computador, dizendo, por exemplo, que ele “expõe a versões controladas e fabricadas da realidade”, acho que todos nós concordamos. Trata-se de uma realidade virtual. E daí? O livro faz exatamente mesma coisa; uma biblioteca é um centro de realidade virtual. A virtualidade não se manifesta apenas no computador mas também no livro,

 

 

num quadro pintado pelo artista, num relato feito pelo viajante quando volta para casa, na cultura, na própria humanidade. O ser humano é essencialmente virtual.

Há três aspectos que precisam ser considerados aqui, ainda que rapidamente: (1) a virtualização da humanidade, (2) a oposição entre realidade virtual e virtualidade real e (3) a hipótese da simulação.

Sobre a virtualização da humanidade podemos argumentar que o homem é um animal virtual e a evolução da humanidade se caracteriza por um crescente e contínuo processo de virtualização, desde que o homem criou o símbolo e desde que rabiscou as primeiras imagens nas cavernas. Pierre Lévy (2003) divide a virtualização em três tipos: (1) virtualização da língua, através da qual o homem passa a existir não só no presente mas também no passado e no futuro, virtualizando em tempo real o que está distante; (2) virtualização da técnica, vista como uma espécie de materialização do corpo, das ações e de ambientes físicos; e finalmente (3) a virtualização do contrato, que enfoca a complexidade das relações sociais e que Lévy define como a virtualização da violência: “Os rituais, as religiões, as morais, as leis, as regras da economia e da política são dispositivos sociais para virtualizar as relações baseadas na força, nas pulsões, nos instintos e nos desejos imediatos (LÉVY, 2003)”. Uma quarta virtualização seria aquela realizada pela arte, que Lévy chama de “virtualização da virtualização”, a mais essencialmente humana, já que o homem é o único animal que produz arte. Ainda que para muitos, a virtualização seja vista como a mais desumana e terrível das alteridades, para Lévy a humanidade é constituída pela virtualização.

Um outro aspecto interessante é que ao lado da “realidade virtual” podemos ter também uma “virtualidade real”. Para alguns filósofos os dois termos da expressão “realidade virtual” excluem- se mutuamente porque o virtual é no fundo real; falar de uma “realidade virtual” seria como falar de uma “realidade real”, o que seria um paradoxo. Conforme Deleuze, “o virtual possui uma realidade plena, enquanto virtual” (DELEUZE, 1995, p. 207).

 

 

As imagens dos animais pintadas nas paredes das cavernas não eram vistas como representação da realidade mas a própria realidade. As imagens dos deuses na Antiguidade não representavam os deuses, mas eram os próprios deuses e por isso reverenciadas. Possivelmente o virtual seja uma realidade mais psicológica do que física, já que seria difícil, por exemplo, beliscar alguém virtualmente – embora não seja impossível em ambientes virtuais de imersão total – mas não deixa de ser realidade. O virtual é uma realidade que muda a própria realidade. Somos constantemente transformados por palavras, sons e imagens. Ao lado de uma “realidade virtual”, que ninguém questiona, embora às vezes a desqualifiquem como uma realidade inferior, temos também uma “virtualidade real”, que por ser virtualidade pode ser desqualificada do ponto de vista do mundo físico, mas certamente não do ponto de vista psicológico e nem mesmo cultural, conforme Castells (1998), para quem a sociedade em rede (“network society”) introduz a cultura da virtualidade real (p. 349).

 

A hipótese da simulação

 

A hipótese da simulação, finalmente, questiona se aquilo que percebemos como sendo a realidade é na verdade uma realidade ou uma virtualidade. Essa ideia vem de longe e, pelo que sei, pode ser encontrada já em Platão, no exemplo da caverna, onde as pessoas viam as imagens projetadas na parede, e tomavam aquilo como a própria realidade. Ou seja, viam a realidade no que era apenas uma projeção da realidade. Se pensarmos um pouco mais, vamos descobrir que tudo o que vemos é projeção da realidade. Nossos olhos são como dois buracos que projetam imagens no fundo de uma caverna. Mais do que isso: o mundo que percebemos pelos olhos é totalmente processado pelo cérebro a partir de pontos luminosos projetados na retina. A sensação de distância e profundidade que temos do mundo é construída dentro do cérebro, a partir de uma imagem bidimensional. O mundo que percebemos como externo a nós está na realidade dentro de

 

 

nós, entre a retina e o interior do cérebro onde as imagens são processadas. É lá que existe o mundo. Qualquer substância que afete este espaço cria um mundo diferente, como acontece, por exemplo, na alucinação, causada pelo uso de drogas ou por outras razões.

A hipótese da simulação prevê que a mente pode existir não apenas no cérebro mas também em outros substratos, o que no futuro poderá levar a uma civilização pós-humana. De acordo com o Professor Nick Bostrom, do Departamento de Filosofia da Universidade de Yale existem três possibilidades em relação ao futuro:

  1. Possibilidade 1: A civilização humana será extinta e substituída por uma civilização pós-humana;
  2. Possibilidade 2: Nossos descendentes no futuro não terão qualquer interesse em seus ancestrais e nos esquecerão completamente;
  3. Possibilidade 3: Nossos descendentes no futuro usarão o enorme poder de computação disponível para rodar simulações de seus antepassados, com alto grau de granularidade, de detalhamento (BOSTROM, 2003).

 

De acordo com o autor, essa é a hipótese mais provável. Sendo assim, não seria um absurdo imaginar que vivemos hoje numa simulação criada por nossos descendentes.

Temos o direito de achar que a hipótese da simulação é apenas uma ideia divertida ou provocadora. Ou podemos achar que tem implicações metafísicas, provavelmente estabelecendo analogias com concepções religiosas tradicionais, como o próprio autor sugere no seu texto. Independente, no entanto, do que podemos achar, a hipótese da simulação mostra até onde pode ir a virtualidade, a ponto de substituir completamente tudo o que tão arraigadamente defendemos como sendo a realidade. A virtualidade passa a ser vista não como termo acessório, mas como parte essencial da natureza humana. O homem é um animal que fala e, por isso, é virtual.

 

 

A internet e a expansão das relações

 

A internet, como a conhecemos hoje, com sua interface gráfica e com os recursos de hipertexto e hipermídia, é a fusão de tudo o que já tinha sido inventado em termos de meios de comunicação. Da imprensa, traz a palavra escrita; do rádio, a fala; da televisão, a imagem em movimento. O mais importante, no entanto, é que, ao contrário do rádio, jornal e televisão, a internet incorporou também as características do telefone, tornando o internauta não apenas receptor, mas também emissor da informação.

 

Cada reserva de memória, cada grupo, cada indivíduo, cada objeto pode tornar-se emissor e aumentar o fluxo. A esse respeito e de maneira colorida, Roy Ascott fala do segundo dilúvio. O dilúvio de informações. Para o melhor ou o pior, esse dilúvio não será acompanhado por nenhum refluxo. Devemos acostumarmo-nos a essa profusão e a essa desordem. A não ser alguma catástrofe cultural, nenhum grande reordenamento, nenhuma autoridade central nos levará de volta à terra firme, nem às paisagens estáveis e bem balizadas anteriores à inundação (LÉVY, 1999, p. 160-161).

 

O resultado dessa evolução é a expansão das relações entre as pessoas. Hoje se pode interagir com alguém de qualquer canto da terra, recebendo e dando informações, através do correio eletrônico, chats, listas de discussão, fóruns etc. Deixamos de ser apenas espectadores, para nos tornarmos também participantes

  • e podemos fazer isso em escala mundial.

Para os otimistas, o lado positivo da globalização, no que se refere aos relacionamentos entre os indivíduos, é que aprendemos a conviver com a diversidade, tanto linguística como cultural. Não causa mais tanta estranheza que alguém tenha um sotaque diferente do nosso, consuma outros alimentos ou vista- se com outras roupas. O lado negativo é que a convivência, paradoxalmente, leva á uniformização. Cria-se uma cultura

 

 

homogênea, onde alguns traços de outras culturas podem ser incorporados, mas muitos outros serão descartados.

À medida, portanto, que se expandem as relações entre as pessoas, acaba acontecendo com as línguas e com as culturas aquilo que também acontece com as grandes empresas: criam-se mais e mais fusões, com a consequente diminuição da diversidade cultural e do número de línguas faladas na terra. Parece uma epidemia. Quando o mundo começa a funcionar em rede, não só as empresas, as línguas e as culturas se fundem, mas os próprios países; a União Europeia já está num processo bem adiantado de fusão, o Mercosul, mais lentamente, caminha para uma fusão de diferentes países e a NAFTA, reunindo os países da América do Norte, também já começou. Para o bem ou para o mal, e apesar dos focos de resistência, está diminuindo o número de empresas, o número de países e o número de línguas faladas.

Se antigamente podíamos viver interagindo apenas com os membros de nossa família, hoje para viver e exercer nossa cidadania, temos que interagir com pessoas que estão mais distantes de nós: além do círculo familiar, além dos limites da cidade, além das fronteiras do país “ pelo menos enquanto existirem os países, já que um dia provavelmente desaparecerão. Nossa pátria será o planeta Terra. Vários pensadores, já há algum tempo, vem batendo nesta tecla. Podemos citar, por exemplo, o grande escritor H. G. Wells, que disse o seguinte: “nossa verdadeira nacionalidade é a humanidade”. Se preferirmos um grande cientista, temos Einstein, que afirmou, “o nacionalismo é uma doença infantil; é o sarampo da humanidade” (citado por FIORIN, 2000, p. 62). A ideia de relação assimétrica de poder entre os países é substituída pela ideia de interdependência, de convivibilidade: nenhum país é tão rico e autossuficiente que nada precise dos outros, nem tão pobre que nada tenha a oferecer. Ainda conforme Morin:

 

O mundo torna-se cada vez mais um todo. Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um todo, está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isto se verifica não apenas para as nações e

 

 

povos, mas para os indivíduos. Assim como cada ponto de um holograma contém a informação do todo do qual faz parte, também, doravante, cada indivíduo recebe ou consome informações e substâncias oriundas de todo o universo. (MORIN, 2000, p. 67).

 

Partindo da ideia de Morin, podemos dizer que a relação que se estabelece entre o indivíduo e o mundo, no exemplo do holograma, é também semelhante à relação que existe entre a célula e o corpo. Parece-me bastante esclarecedor descobrir que no corpo humano todas as células que o compõem são ao mesmo tempo iguais e diferentes entre si. O que torna uma célula diferente da outra é sua localização no corpo. Uma célula do cabelo, por exemplo, é diferente de uma célula da glândula mamária. Ao mesmo tempo em que são diferentes, elas também são iguais, considerando que cada uma possui dentro de si as informações do corpo em que se encontram. A célula que nasce no fio de cabelo vai desenvolver as características que interessam ao fio de cabelo, a que nasce no rim vai desenvolver as características que interessam ao rim, e assim por diante.

Na humanidade, cada ser humano traz dentro de si, em potencial, os traços de toda a humanidade, incluindo todas as características possíveis, desde as mais desejáveis até as mais hediondas. Um brasileiro de pais católicos que, ao nascer, fosse adotado por uma família muçulmana seria muçulmano, adotado por uma família protestante americana, seria protestante. Dependendo de para onde fosse levado e criado, poderia ser um criminoso, um monge budista e falante de qualquer uma das milhares de línguas que existem no mundo. Como a célula em relação ao corpo, o homem traz dentro de si, em potencial, todas as informações de que precisa para se tornar um habitante de qualquer parte do mundo.

 

Expansão e contração das línguas

 

Quando se é pequeno o relacionamento com os outros é restrito à família, aos vizinhos mais próximos, aos moradores do

 

 

prédio. Quando se vai para a escola, o círculo de convivência aumenta para o tamanho da comunidade, e a criança precisa fazer adaptações da língua que traz de casa. Mais tarde quando vai a escola de ensino médio e possivelmente para a universidade fará outras adaptações. A língua falada numa sala de aula universitária, com alunos de diferentes cidades e, às vezes até de diferentes estados, quando não de diferentes países, pode acabar sendo uma fusão de dezenas de dialetos diferentes, originalmente falados por cada um dos alunos na sua infância. O que era, portanto, várias línguas fica reduzido a uma língua única, ainda com variantes individuais, é claro, mas genérica o suficiente para que possa ser produzida e consumida pela comunidade discursiva da sala de aula sem problemas de comunicação, pelo menos no nível da fonologia, léxico e sintaxe.

Isso, do ponto de vista da evolução individual, do que poderia ser chamado de ontogenia. Do ponto de vista da evolução da humanidade, da filogenia, a história não é diferente; o que aconteceu com cada um de nós já aconteceu antes, em escala maior, com a humanidade. Inicialmente, há milhares de anos, quando começou a vida em comunidades fixas, vivia-se em aldeias separadas uma das outras, e a interação entre as pessoas ficava restrita aos habitantes da aldeia. Fazendo uma adaptação livre de Oliveira Martins (1909), podemos dizer que vida e morte, religião e trabalho, o fogo e o amor, tudo se incluía neste mundo minúsculo, microcosmo que tem por centro a aldeia (p. 126-127).

Durante milênios, à medida que os povos se espalharam pela terra e se distanciaram entre si, as línguas foram se diversificando e aumentado em número; o latim, por exemplo, transformou-se em francês no que é atualmente a França, em espanhol na Espanha, em português em Portugal, italiano na Itália, e assim por diante.

Com o encolhimento do planeta, as línguas em vez de se afastarem estão agora se aproximando. Atualmente, com a globalização, estamos assistindo a um movimento de contração, com redução no número de línguas faladas. Os indícios parecem apontar para um mundo, embora ainda muito distante, que vai

 

 

terminar onde começamos: falando uma única língua. Acredito que essa língua não será qualquer das línguas faladas na atualidade, nem mesmo o inglês, apesar de toda sua hegemonia. As línguas atuais vão desaparecer, mas não serão substituídas; elas vão evoluir, provavelmente incorporando elementos umas das outras, até formar uma língua única, verdadeiramente universal, o esperanto da humanidade.

Nem mesmo a língua de um país colonizador com um regime de força parece ser capaz de substituir as línguas locais, como foi, por exemplo, o caso do latim popular levado pelos romanos para as regiões conquistadas. O que houve não foi uma substituição, mas uma evolução. Não vingou nem a língua do país colonizado, nem a língua do colonizador. Houve uma fusão que provocou a extinção das duas línguas e o surgimento de uma terceira em cada uma das regiões colonizadas.

O processo de fusão e contração das línguas pode ser visto também sob uma ótica mais sombria. Para alguns estudiosos (ex. PHILLIPSON, 1992; PHILLIPSON; SKUTNABB-KANGAS,

1996; SKUTNABB-KANGAS, 2000), estamos caminhando para um mundo em que as línguas minoritárias serão gradativamente exterminadas e substituídas pelas línguas hegemônicas – provocando um verdadeiro genocídio linguístico. A redução das línguas faladas na face da terra acarreta a extinção da diversidade linguística, causando uma verdadeira falta de equilíbrio ecológico na comunicação entre as pessoas, o que representa, segundo Skutnabb-Kangas (2000), uma ameaça maior para a humanidade do que a extinção da biodiversidade. As pessoas que não podem mais usar sua língua materna quando se comunicam com outras pessoas ficam em desvantagem na interação com falantes nativos de outras línguas. Na medida em que desaparece o multilinguísmo, desaparecem também o multiculturalismo, a soberania nacional das minorias e até a garantia dos direitos humanos, substituídos pelo imperialismo cultural e linguístico dos países centrais, resultando na americanização e homogeneização da cultura mundial (PHILLIPSON; SKUTNABB-KANGAS, 1996, p. 436).

 

 

Desafios para o ensino de línguas estrangeiras

 

Na medida em que aumentam as relações entre as pessoas, mediadas basicamente pela linguagem, aumenta a importância do professor de línguas estrangeiras, que pode estar vivendo, agora, seu melhor momento histórico. Nunca foi tão necessário aprender e falar uma língua estrangeira como agora.

Para assumir essa importância, o professor precisa evoluir “ o que geralmente é difícil porque a educação ainda é concebida não como geradora de novos saberes mas simplesmente como transmissora de conhecimentos antigos. O que muitas vezes o professor “passa” para os alunos é o conhecimento da geração anterior, sem se dar conta de que o que caracteriza o ser humano sobre todas as outras espécies é justamente a capacidade de evoluir. Cada geração, para garantir a sobrevivência da humanidade, tem a obrigação de ir além da geração anterior. O manual de sobrevivência do professor de línguas estrangeiras no início do terceiro milênio envolve, a meu ver, quatro desafios:

  • geração do conhecimento, (2) animação da inteligência coletiva, (3) desenvolvimento da consciência planetária e (4) Colocam-se esses desafios não como exigências a mais a serem impostas a um professor já sobrecarregado de tarefas, mas como oportunidades a lhe serem oferecidas “ e pelas quais também o professor deve lutar.

O desafio da geração do conhecimento sugere que o professor deve não apenas “passar” o saber, mas também produzi- lo. A sociedade precisa de novos conhecimentos para enfrentar os inúmeros desafios do dia a dia e o professor é o profissional que, por excelência, tem condições de suprir essa necessidade.

A globalização, aliada à necessidade de acesso a um saber cada ver mais dinâmico, torna a trabalho do professor imprescindível na sociedade atual. Isso pode ser confirmado, por exemplo, através da importância que se tem dado ao conhecimento, que precisa ser constantemente renovado. Segundo Lévy (1999, p. 157), há três constatações importantes na educação atual, assim resumidas:

 

 

  1. a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no começo de seu percurso profissional serão obsoletas no fim de sua carreira;
  2. trabalhar equivale cada vez mais a aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos;
  3. o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que ampliam, exteriorizam e alteram muitas funções cognitivas

 

O conhecimento é a matéria prima do professor, que deve agir não apenas como transmissor de saber, mas também como produtor. É difícil saber o que é mais importante, se gerar ou transmitir conhecimento. A preocupação em estabelecer essa diferença, no entanto, não existe para o professor, na medida em que ele pode exercer as duas atividades. Se o conhecimento, por si só, nunca foi tão valorizado como agora, o professor, no duplo papel de gerador e transmissor de conhecimento, deve ser duplamente valorizado. Em muitos momentos da história, e em muitos setores, ainda hoje, os detentores do saber, muitas vezes, têm-se caracterizado por reter e até sonegar o conhecimento. O professor vai mais longe: distribui o conhecimento que possui. A importância maior do professor não está em construir o conhecimento para si, e nem mesmo em construir para os outros; a importância do professor está em construir o conhecimento nos outros.

O desafio da animação da inteligência coletiva sugere que o professor precisa aprender não só a trabalhar em equipe, mas também a pensar coletivamente. Qualquer tarefa de ensino e pesquisa envolve tanto conhecimento que ninguém é mais capaz de executá-la sozinho; precisa também da inteligência dos outros, envolvendo especialistas de outras áreas de conhecimento. Se antes o professor de inglês, por exemplo, se reunia apenas com outros professores de inglês, hoje precisa se reunir com professores de outras disciplinas; há sempre temas e tarefas transversais que só podem ser executadas reunindo as inteligências de diferentes pessoas e áreas do saber.

 

 

Formar um grupo afinado onde a inteligência fique coletivamente distribuída, de modo que o conhecimento de um se encaixe no desconhecimento do outro, e vice-versa, era uma tarefa extremamente difícil, talvez impossível na comunidade da aldeia tradicional. Na comunidade virtual, com a rapidez e facilidade de transmissão de informações sem limites geográficos, a formação de uma comunidade discursiva, afinada em seus interesses específicos, torna-se possível. Paradoxalmente, o virtual, que existe apenas como potencialidade em seu significado original, transforma o ideal em realidade, possibilitando o prazer de se trabalhar num grupo onde a inteligência de cada um se soma à inteligência do outro. É o que Lévy (1999) chama de “sinergia de competências”, um trabalho coordenado de forças em que o todo é maior que a soma das partes.

 

O ideal mobilizador da informática não é mais a inteligência artificial (tornar uma máquina tão inteligente, mais inteligente até, quanto um homem), mas sim a inteligência coletiva, isto é, a valorização, a utilização otimizada e a colocação em sinergia das competências, imaginações e energias intelectuais, independentemente de sua diversidade qualitativa e de sua localização (LÉVY, 1999, p. 167).

 

O desafio da consciência planetária é sugerido a partir de Morin (2000). Nossa pátria não é mais nossa família, nossa comunidade ou nosso país. Nossa pátria é o planeta Terra. Somos todos filhos do mesmo planeta, habitando a mesma biosfera e sujeitos aos mesmos tipos de sentimento, oscilando entre amor e ódio, medo e coragem, alegria e tristeza.

 

Temos todos uma identidade genética, cerebral, afetiva comum em nossas diversidades individuais, culturais, sociais. Somos produto da vida da qual a Terra foi matriz e nutriz. Enfim, todos os humanos, desde o século XX, vivem os mesmos problemas fundamentais de vida e morte e estão unidos na mesma comunidade de destino planetário (MORIN, 2000, p. 76).

 

 

O professor de línguas estrangeiras está no ponto de encontro de duas forças antagônicas e poderosas. De um lado, o apelo constante em resguardar e defender nossa língua e cultura; do outro, a necessidade de conviver com a língua e cultura do outro. O desafio para o professor é achar o ponto equilíbrio entre a preservação da nossa individualidade e a aceitação da diversidade do outro, evitando uma espécie de esquizofrenia cultural. Maior do que esse desafio, só a importância do professor neste momento. Recorro aqui mais uma vez a Morin:

 

É necessário aprender a “estar aqui” no planeta. Aprender a estar aqui significa: aprender a viver, a dividir, a comunicar, a comungar; é o que se aprende somente nas “ e por meio de “ culturas singulares. Precisamos doravante aprender a ser, viver, dividir, e comunicar como humanos do planeta Terra, não mais somente pertencer a uma cultura, mas também ser terrenos (MORIN, 2000, p. 76).

 

Finalmente, o desafio do reletramento parte do princípio de que o professor não pode ser analfabeto ou iletrado, e deve conhecer, com bom nível de proficiência, não só os processos de mediação através dos quais se dá o acesso ao conhecimento, mas também a prática social implícita nesse conhecimento. Quando foi introduzida a imprensa, por exemplo, o professor da época talvez preferisse os livros caprichosamente copiados pelos escribas profissionais, em vez dos incunábulos e alfarrábios que começaram a circular, mas teve que se reletrar. Atualmente, pode preferir lápis e borracha, escrevendo e apagando várias vezes, mas não pode ignorar que já existem outras tecnologias para redigir um texto.

Esse reletramento envolve não só o desenvolvimento de competências, mas também de atitudes produtivas. Entre as competências, existe a necessidade de desenvolver as habilidades mínimas no uso do computador, tais como criar e salvar um arquivo, movimentar parágrafos dentro do texto, usar os recursos gráficos mais comuns como tabelas e folhas de estilo, usar o correio eletrônico, enviar arquivos anexados e fazer pesquisas na internet.

 

 

Em termos de atitude, acredito que o professor deve procurar evitar aquela resistência surda que muitas pessoas têm contra tudo que envolve novas tecnologias; deixar de desejar, por exemplo, que numa apresentação, as coisas não funcionem. Ter também uma expectativa razoável do que a máquina pode e não pode fazer. Finalmente, encarar o computador como um servo, um escravo obediente e submisso. O computador pode ser extremamente útil no trabalho do professor e deve ser visto como um meio, um instrumento de mediação entre o professor, seus colegas e seus alunos.

 

Conclusão

 

O objetivo deste capítulo foi tentar mostrar como as mudanças da sociedade atual, na medida em que intensificam e aumentam as relações entre as pessoas, podem afetar o ensino de línguas estrangeiras. Os vários fatores que levaram a essas transformações foram analisados e comentados, incluindo a questão da globalização, a evolução do átomo para o bit e a virtualização da humanidade.

Assim como a língua não pertence ao indivíduo, mas à comunidade que a usa, a inteligência também deixa de ser um dote do indivíduo para ser um patrimônio da coletividade. Muitas tarefas, pela sua complexidade, só podem ser executadas pela convergência da inteligência distribuída entre as pessoas empenhadas na sua execução, incluindo a tarefa de ensinar uma língua estrangeira.

Gostaria de concluir, retomando o famoso poema de John Donne (Meditation XVII):

 

Nenhum homem é uma ilha, completo em si mesmo. Cada homem é um pedaço do continente, uma parte do todo. Se um torrão for arrastado pelo mar, a Europa fica menor, como ficaria um rochedo, como ficaria a casa do teu amigo ou a tua própria casa. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque estou envolvido na humanidade; por isso,

 

 

nunca perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti. (Tradução minha)

 

A diferença entre o poema de John Donne e o mundo em rede que vivemos hoje é apenas uma diferença de extensão. O homem participa agora de um mundo maior. Não é parte do continente mas da coletividade máxima. Deixa de ser brasileiro, nigeriano, europeu ou asiático para ser habitante do planeta Terra, como afirma Morin.

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       147

Capítulo 7

O ensino da LE no futuro

Da dicotomia para a convergência8

 

 

Algumas considerações iniciais

 

A maior dificuldade em se falar sobre o futuro do ensino da LE é a constatação de que o futuro está se tornando cada vez mais imprevisível. As duas razões geralmente apresentadas para essa imprevisibilidade são (1) a ideia de que o futuro é apenas uma projeção do presente e (2) a convicção de que as mudanças atualmente estão acontecendo de modo muito mais rápido do que aconteciam antes. De acordo com Maturana e Rezepka, “não sabemos como será a vida durante o século XXI, e qualquer predição nesse sentido é apenas uma extrapolação do presente” (MATURANA; REZEPKA, 2000, p. 9).

Outros propõem que se busque o futuro no passado. A ideia de que é preciso conhecer o passado para prever o futuro é tão antiga quanto a própria História. Está em George Orwell quando afirma que quem controla o passado controla o futuro; está na placa comemorativa da restauração do Pelourinho na cidade de Salvador, na Bahia, ao dizer que o futuro pertence a quem ama o passado; e está de maneira mais comovente num quadro de Ticiano, exposto na National Gallery de Londres, onde está escrito que é preciso olhar o passado para não arriscar o futuro.

 

 

8   Este capítulo é uma versão atualizada de:   LEFFA, Vilson Jose. O ensino do inglês no futuro: da dicotomia para a convergência. In: STEVENS, Cristina Maria Teixeira; CUNHA, Maria Jandyra Cavalcanti. (Org.). Caminhos e colheita: ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília, 2003, v. 1, p. 225-250.

 

 

Quer se busque o futuro no presente ou no passado, o fato é que está ficando cada vez mais difícil prevê-lo devido à rapidez com que acontecem as mudanças. Mil anos de história no antigo império egípcio, onde se construíram pirâmides durante seis mil anos, parecem ter provocado menos mudanças do que os dez últimos anos do século XX, por exemplo. Em outras palavras, se no antigo Egito, era possível educar a criança, simplesmente ensinando o ofício do pai ou da mãe, porque o futuro era previsível, de certo modo igual ao presente, hoje isso não é mais possível. A educação não pode mais se restringir ao conhecimento da geração anterior; se ficar apenas na transmissão de conhecimento, sem criá-lo, corre o risco de transmitir um conhecimento inútil. Com a rapidez das mudanças, o futuro tornou-se imprevisível. Conforme Morin, “O século XX descobriu a perda do futuro, ou seja, sua imprevisibilidade” (MORIN, 2001, p. 79).

Não é possível, no entanto, viver sem tentar prever o futuro. A ideia de que nossas ações são determinadas pelas experiências que temos do passado pode projetar uma imagem falsa da importância do futuro; não podemos mexer no passado, mas o futuro está em nossas mãos. Na medida em que cada ação, cada palavra e cada gesto, por menor que seja, projetam-se sobre o futuro, podemos, por um lado, prever e modificar o futuro; e podemos também constatar, por outro lado, que não é possível viver sem mudar o futuro. Se eu sei, por exemplo, que aprendendo uma língua estrangeira hoje, terei mais oportunidade de conseguir um bom emprego mais tarde, estou ao mesmo tempo fazendo uma previsão e modificando o futuro.

Os acontecimentos têm relações de causa e efeito, estando sujeitos a determinados padrões recursivos. Isso em si não resolve o problema porque a dificuldade não é saber que os padrões recursivos existem; a dificuldade está em identificar exatamente quais são esses padrões. O que se oferece a seguir é uma tentativa de descrição de um desses padrões. A pretensão é que se possam fazer algumas previsões sobre o ensino da LE no futuro, ou pelo menos identificar suas tendências no presente.

 

 

A SÍNDROME DO PÊNDULO

 

A metáfora do pêndulo tem sido muitas vezes usada para descrever o movimento da história, em geral, e do ensino de línguas, em particular; mas pode também ser usada para prever o futuro, não necessariamente partindo de uma linha mística (onde o pêndulo tem sido usado juntamente com cartas e tarô), mas usando a metáfora da física (onde pelo cálculo da posição e velocidade do pêndulo num determinado momento é possível prever sua posição e velocidade em qualquer momento do futuro). A metáfora do pêndulo supõe o fluxo e refluxo da história; o mecanismo básico de expansão e contração que caracteriza o próprio universo. Se o universo está agora, segundo os astrônomos, numa fase de expansão, um dia entrará numa fase de retração, seguida de uma outra fase de expansão e, assim, sucessivamente pela eternidade; o universo, como tudo que nele está contido, se repetirá sempre, renascendo, crescendo e morrendo.

A metáfora do pêndulo, com seu movimento oscilatório de um extremo a outro, parece incorporar não só misticismo e ciência, mas também, por extensão, o padrão recursivo de que tudo acaba voltando ao ponto de partida para iniciar um novo ciclo. A ideia de fluxo e refluxo não é, portanto, apenas cientificamente correta, mas também romanticamente viável: pode estar nas marés que fluem e refluem sobre a praia; na planta que nasce da semente, cresce e morre para renascer da própria semente; e, no ser humano, é claro, que vive uma história que pode pensar ser única, mas que se repete de geração em geração, como variáveis sobre um mesmo tema.

A língua falada pelos homens segue também esse padrão de fluxo e refluxo. Começou sendo única, quando a humanidade aprendeu a falar, mas se expandiu e se babelizou, chegando a milhares. Agora, ao contrário do universo, as línguas estão em franco processo de retração; com o tempo, e com as fusões que ocorrerão entre elas, a humanidade voltará a falar uma língua que será novamente única sobre a face da terra.

 

 

O padrão de fluxo e refluxo leva à ideia de repetição. A repetição parece ser a essência não só do universo mas também da eternidade; para prever o futuro basta que se identifique o início e o fim da cada ciclo. A descoberta do segmento de tempo que corresponde ao ano, por exemplo, permite prever o outono depois do verão e a primavera depois do inverno. Vendo a que horas o sol nasce hoje e a que horas nasceu há um ano atrás, posso prever com exatidão a que horas ele nascerá amanhã. Da mesma maneira que o verão traz em si o embrião do inverno, o ser vivo carrega dentro de si o germe da morte. Se todos que viveram no passado um dia morreram, todos os que vivem hoje, um dia morrerão. A repetição não permite a imprevisibilidade.

A repetição se desdobra de várias maneiras, incluindo ciclos de adesão e rejeição que se sucedem em vários recortes, criando inúmeras dicotomias. Um período histórico de adesão à aprendizagem individualizada, por exemplo, levará não só à rejeição desse modelo, mas sua substituição por um modelo que estará no outro extremo, com ênfase na aprendizagem socializada, criando assim uma dicotomia. A conciliação dos opostos é sempre malvista. Ainda que o dizer possa apregoar um continuum entre os extremos e defender a interdisciplinaridade, o fazer fica com a dicotomia, rejeitando o ecletismo das ideias como obscenidade intelectual, segundo uma expressão atribuída a Krashen (BARASCH; JAMES, 1994).

O ensino de línguas estrangeiras tem sido historicamente marcado por dicotomias, que abrem e fecham inúmeros ciclos, nos mais diferentes recortes. Entre as oposições clássicas, podem- se destacar, por exemplo: língua escrita versus língua falada, forma versus função, léxico versus sintaxe, dedução versus indução, individualizado versus socializado etc.

São ciclos históricos que se retomam, seguindo a ideia de fluxo e refluxo. Quando hoje buscamos na História o provérbio africano de que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança, estamos reiniciando um novo ciclo. A diferença é que agora a aldeia está maior; não se restringe mais ao verde da praça defronte ao templo, onde todos se encontravam para trocar ideias

 

 

e mercadorias; interagindo e transacionando. As pessoas continuam exercendo as atividades de troca, tanto por interação como por transação, só que agora em escala global, fazendo do planeta Terra a aldeia: “a união planetária é a exigência racional mínima de um mundo encolhido e interdependente” (MORIN, 2001, p.75). Em outras palavras, se antes precisávamos de uma aldeia para educar uma criança, hoje precisamos do planeta inteiro.

 

A COMUNIDADE PLANETÁRIA

 

Na aldeia tradicional a convivência dava-se pela diversidade de ocupação entre as pessoas, todas ocupando um mesmo espaço geográfico. Como para algumas ocupações só havia um representante de cada profissão (um curandeiro, um ourives, um tanoeiro, um cervejeiro, um mestre-escola etc.) a interação obrigatoriamente dava-se fora dos interesses profissionais, possivelmente pela prática de algum esporte ou outro passatempo de interesse comum (participar de algum festival religioso, caçar javalis, dançar ao redor da fogueira etc.). Em algumas profissões, a interação com os pares da mesma atividade era praticamente inexistente na dimensão espacial; ocorria apenas na dimensão temporal, geralmente de pai para filho, ou mesmo de avô para neto.

Com o avanço das telecomunicações, principalmente da internet, as fronteiras geográficas desapareceram e a interação entre membros com interesses diversificados diminui para dar lugar à interação entre membros com interesses comuns, naquilo que podemos chamar de comunidades ocupacionais. A diversidade, que caracterizava a composição da aldeia tradicional, evolui para a homogeneidade, que caracteriza, por exemplo, a composição das listas de discussão da internet: cada lista formando uma comunidade com os mesmos interesses e, muitas vezes, a mesma profissão. Os limites entre as comunidades deixam de ser geográficos para serem ocupacionais. O fonoaudiólogo que mora num bairro da cidade de São Paulo provavelmente interage mais intensamente com os fonoaudiólogos de outros continentes do que com os moradores de seu prédio.

 

 

Uma consequência imediata da queda das fronteiras geográficas é que mais pessoas começam a falar a mesma língua. E quando isso acontece, o número de línguas faladas na face da Terra começa a diminuir. Quando aumentamos nosso círculo de relações para incluir pessoas de outros países e até de outros continentes, iniciamos um lento e gradual processo de unificação linguística, incorporando traços de uma e outra língua, ainda que com ênfase na língua hegemônica, e descartando outros traços, principalmente das línguas minoritárias. Apesar da unificação linguística, a diversidade permanece, só que num outro recorte – não mais geográfico, baseado na aldeia tradicional, onde cada pessoa tinha interesses diferentes da outra – mas ocupacional, baseado em comunidades discursivas; cada uma com seus interesses específicos. A diversidade deixa de existir entre os membros da mesma comunidade para existir entre uma comunidade e outra, tornando-as, portanto, diferentes. Estamos nos unificando geograficamente, mas nos diversificando ocupacionalmente. Enquanto que as aldeias tradicionais eram relativamente homogêneas entre si (uma aldeia era parecida com a outra) e heterogêneas em sua composição, as comunidades discursivas agora, pelo contrário, são heterogêneas entre si (lista dos cervejeiros, dos fonoaudiólogos etc.) e homogêneas em sua composição. Outra diferença importante é que enquanto as aldeias tradicionais tendiam a desenvolver um dialeto próprio, às vezes até chegando a uma língua diferente, as comunidades atuais, para manter a comunicação entre seus membros, às vezes distantes geograficamente, tendem a uma língua comum. O processo de expansão das relações entre as pessoas está em relação inversa ao processo de retração das línguas, que diminuem em número.

Os meios de comunicação de massa da era pré-internet, ainda que de alcance global como o rádio de ondas curtas e a televisão via satélite, eram meios de mão única, geralmente transmitindo informação dos países centrais para os periféricos. A internet se caracteriza não só por facilitar ainda mais o acesso à informação, mas também por transformar as pessoas de meros espectadores em participantes do processo comunicativo.

 

 

Qualquer pessoa plugada na rede tem a oportunidade não só de receber, mas também de produzir informação. Para isso precisa de duas condições importantes: (1) ter algo a dizer e (2) compartilhar uma língua com o interlocutor. O que dizer depende de cada um, de sua criatividade ou originalidade; a língua a ser usada, no entanto, depende de uma escolha da comunidade a qual o indivíduo pertence ou deseja pertencer. Se a língua escolhida não for a língua materna do indivíduo, ele não tem outra opção a não ser aprender a língua da comunidade.

Tem a liberdade de ver o uso de uma língua estrangeira sob duas perspectivas opostas: ou como um processo de colonização dos países centrais ou como um meio de capacitação pessoal (“empowerment” em inglês). Existem argumentos que favorecem um e outro lado. Pelo lado da colonização, podemos listar as medidas tomadas pelos países falantes da língua hegemônica em favor não só de sua manutenção como de sua expansão (British Council, 1995). Pelo lado da capacitação pessoal, a constatação de que não saber a língua hegemônica leva à exclusão. Na atualidade o desconhecimento da língua inglesa, não só restringe o acesso à informação a ser recebida, como também limita o alcance da mensagem a ser transmitida.

 

AS CONVERGÊNCIAS

 

Aceitando a metáfora do pêndulo, a previsão do futuro é uma tarefa extremamente simples; basta que se identifique o momento de retorno, quando se inicia um novo ciclo; a partir daí a história começa a se repetir, sendo, teoricamente igual ao que já foi. Pode-se falar em renovação, mas renovar nada mais é do que tornar novo o que já é velho e conhecido. Pode-se falar em renascimento, mas renascer é apenas nascer de novo, iniciando algo que já aconteceu e que, na realidade, nada tem de novo. Seria, no entanto, muito arriscado restringir a previsão do futuro à identificação de um determinado ciclo que supostamente renasce de tempos em tempos; havendo um engano qualquer na tentativa de identificação desse ciclo, fica-se simplesmente preso ao passado e perde-se o futuro.

 

 

A ideia de que se possa prever o futuro olhando para o passado soluciona em parte o grande dilema do ensino, sempre indeciso entre um e outro; de um lado, a preocupação com a história, de buscar as identidades que marcaram as gerações anteriores e tentar preservar essas identidades para as gerações seguintes; mas do outro lado, também a preocupação com o futuro, preparando os alunos, não para o mundo em que, hoje, vivem os professores, mas para o mundo em que, amanhã, viverão os alunos. Pode-se dizer que o ensino vive de saudade e esperança, de realidade e sonho. Para ser útil, não basta preservar a história; precisa também prever o futuro, ainda que assumindo o risco de supor a fantasia.

O que se sugere aqui é incorporar à ideia dos ciclos que se repetem a ideia de evolução, transformando o movimento oscilatório do pêndulo em espiral, onde o retorno não se dá exatamente ao ponto de partida, mas a um ponto que vai gradativamente se afastando do ponto inicial. O que era retorno transforma-se em evolução. A busca mais simples de um padrão recorrente é substituída pela busca de um padrão em evolução, em constante processo de mudança, que, se, por um lado, é bem mais difícil de ser identificado, por outro, pode mostrar-se depois bem mais proveitoso.

O que basicamente se vislumbra para o futuro é um processo generalizado de convergência, fundindo tecnologias, métodos e teorias. Parte-se do pressuposto de que a história do ensino de línguas estrangeiras já superou o modelo baseado na dicotomia do pêndulo e marcado por uma relação de temor, intransigência ou ódio ao que predomina num determinado momento, levando sempre a desejar o oposto. Depois de tanta decepção com as promessas feitas e não cumpridas por diferentes teorias, parece que chegamos à conclusão de Diderot de que a verdade é uma prostituta: dorme com todos é não é fiel a ninguém. Metaforicamente pode-se afirmar que as teorias não têm o direito de exigir admiradores que se casem monogamicamente com elas para o resto da vida; as teorias devem ter apenas usuários, de preferência com alto índice de infidelidade e mesmo de

 

 

promiscuidade, se for o caso. Diante de uma teoria é melhor ser promíscuo do que fiel. A história não caminha se as teorias não forem traídas.

A visão dicotômica da história vê erroneamente a evolução como um processo de substituição; jogar fora uma teoria para abraçar outra, descartar o homem pela máquina, substituir o cérebro humano pela inteligência artificial, o método audiolingual pelo comunicativo etc. Na visão proposta aqui a evolução é descrita como um processo de transformação; o novo não substitui o antigo, mas é incorporado a ele. É nessa perspectiva que se delineiam as grandes tendências do ensino da língua inglesa no início do milênio, baseadas todas na ideia comum de convergência.

Selecionamos para nossa discussão sobre o futuro do ensino da LE, quatro convergências: (1) ensino e pesquisa, (2) inteligência e emoção, (3) local e global, (4) real e virtual.

 

Ensino e pesquisa

 

A convergência do ensino com a pesquisa tem sido proposta há tanto tempo que rigorosamente não pode ser mais referida como uma tendência. Por outro lado, são tantas as vozes divergentes, conclamando a separação entre uma e outra, que me parece necessário retomar e tentar justificar a importância dessa fusão. Veja-se entre as vozes contrárias, por exemplo, o que diz Emília Ferreiro:

 

Quando se faz [pesquisa ação] com a ideia de que os professores são investigadores, eu digo que não é bem assim. Ser pesquisador é uma profissão como qualquer outra, nem mais, nem menos. (…) todos podemos cantar, mas há alguns que são cantores profissionais, especializados, e ninguém pode transformar-se em cantor por uma decisão coletiva (FERREIRO, 2001, p. 36).

 

Tenho grande admiração por Emília Ferreiro e sua obra, incluindo aí não só suas pesquisas sobre a aquisição da escrita, mas também a franqueza com que expõe suas ideias, sem qualquer

 

 

preocupação de estar ou não agradando seus inúmeros admiradores, da qual a citação acima é um exemplo. Entendo que a pesquisa ação, vista aqui como aquela investigação feita pelo professor para resolver um problema de sua sala de aula, pode tornar a pesquisa muito local, sem possibilidade de ser generalizada; o que é verdade numa aula de inglês em Juiz de Fora pode não ser verdade numa aula de inglês em Nova York, o que é verdade hoje pode não ser mais verdade amanhã. Seria uma verdade extremamente contextualizada, válida apenas para um determinado local numa determinada hora.

O problema quando se separam o ensino e a pesquisa, não permitindo que o professor pesquise, é que se deixa o professor sem opção, obrigando-o a aceitar a verdade dos outros. Pior do que uma verdade local, mas contextualizada, é uma verdade imposta de fora, sem contextualização. Os resultados de uma pesquisa feita numa sala de aula em Londres, com alunos de diferentes nacionalidades e de diferentes línguas maternas, tendo necessariamente que se comunicar em inglês, não podem ser aplicados em uma sala de aula do interior do Brasil onde todos falam a mesma língua materna e não usam o inglês fora da sala de aula.

Se considerarmos que o professor deve não apenas consumir pesquisa produzida por outros em outros lugares, mas produzir sua própria pesquisa, dentro de sua própria realidade, o trabalho de pesquisa é imprescindível, inseparável do ensino. Isso se aplica não só ao ensino de nível universitário, onde, apesar do que diz Emília Ferreiro, já se sedimentou a ideia da inseparabilidade entre ensino e pesquisa, mas também pode ser aplicada ao ensino médio e mesmo ao fundamental.

Considerando as vozes divergentes sobre a conveniência ou não unir o ensino com a pesquisa, propõe-se uma pequena agenda com dois compromissos básicos para o professor de LE: Procurar não apenas “passar” conhecimento para os alunos, mas também gerar o conhecimento necessário para uma melhor aprendizagem da língua. Partindo do princípio de que qualquer pesquisa é a tentativa de responder a uma pergunta, o

 

 

professor pode começar um projeto de pesquisa pelas tantas perguntas que ainda não foram satisfatoriamente respondidas e que estão diretamente ligadas a muitos dos problemas da sala de aula. Alguns exemplos: O que pode ser feito para ajudar os alunos a não cometer com tanta frequência determinados erros? Considerando que a sala de aula parece ser o lugar onde o desempenho precede a competência, que estratégias o professor poderia usar para assistir o desempenho do aluno e acelerar sua competência na LE? O que o professor pode fazer numa cidade do interior do Brasil para dar um interlocutor ao aluno de LE?

Pertencer a uma comunidade de pesquisadores envolvidos com problemas afins. Está ficando cada vez mais fácil formar comunidades discursivas com interesses comuns (no sentido de Swales, 1990), por meio de listas de discussão, fóruns virtuais, associações de professores de LE etc.; independentemente da localização geográfica de seus membros. A tendência atual é socializar não apenas o conhecimento gerado, mas a própria geração do conhecimento, através da pesquisa coletiva. Como a andorinha diante do verão, o professor sozinho não faz pesquisa.

 

Inteligência e emoção

 

O ensino da LE fundamenta-se nos três grandes domínios da aprendizagem: o cognitivo, o afetivo e o psicomotor. A convergência da inteligência com a emoção abre caminho para explorar a conexão com o prazer na aprendizagem, que pode ser feita tanto pela via biológica como pela via sociointeracional. Essa conexão é uma tentativa de integrar o domínio cognitivo com o afetivo, uma preocupação que não é recente entre os pesquisadores da área (MOSCOVITZ, 1978; CELANI, 1983), mas que, a meu ver, ainda está para ser desenvolvida.

Pela via biológica, podemos representar a aprendizagem como a formação de novas conexões entre os neurônios, as células do cérebro. Essas conexões, estabelecidas pelos neurotransmissores, são causadas tanto por fatores genéticos como por informações que chegam ao cérebro através do meio ambiente,

 

 

como imagens, sons, cheiros etc. Um elemento importante para ampliar essa “fiação” do cérebro é a presença do prazer na atividade. Se a criança ou o adulto não gostar do que estiver fazendo, se a aula for cansativa, a aprendizagem diminuirá ou deixará de ocorrer (PRADO, 1998).

O prazer afeta a produção de uma substância chamada dopamina, um neurotransmissor que envia mensagens de uma célula para outra no cérebro e que regula os movimentos, a coordenação motora, e finalmente o desenvolvimento cognitivo. Experimentos feitos por neurocientistas (WALDRON; ASHBY, 2001) parecem sugerir que a dopamina, como mensageiro químico, facilita a aprendizagem, reforçando com sensações de bem-estar e prazer determinados comportamentos considerados importantes para o desenvolvimento do ser humano. Se, por um lado, o prazer artificial causado pelo uso de certas drogas (heroína, cocaína, anfetaminas, nicotina) pode deteriorar os neurônios, o prazer natural que acompanha a aprendizagem é um fator importante para realimentar a própria aprendizagem e ampliar a “fiação” do cérebro.

As duas faces do prazer, para o bem e para o mal, também podem ser observadas no âmbito sociocultural, não-biológico. Na sala de aula, o uso da emoção pode tanto ajudar como atrapalhar, principalmente no caso do ensino da língua inglesa. Há um fator ideológico que precisa ser administrado. Admiração pela língua ou cultura é muitas vezes vista como o deslumbramento ingênuo e inadequado de uma mente colonizada. Sabe-se, no entanto, que uma atitude positiva é um fator importante na aprendizagem da língua estrangeira: reduz o filtro afetivo (KRASHEN, 1985) e contribui para uma motivação integrativa e não apenas instrumental (GARDNER; LAMBERT, 1972).

Parece que um dos segredos do sucesso na aprendizagem está em tornar o ambiente da sala de aula o mais agradável possível, lutando incansavelmente para despertar entre todos, professor com alunos e alunos com alunos, sentimentos de respeito e solidariedade, não de maneira tímida mas com força e

 

 

determinação. Até as empresas já descobriram que estamos entrando numa economia que não está mais baseada em riquezas naturais, e nem mesmo apenas no conhecimento, mas na emoção, e elegem como prioridade a gentileza com que deve ser tratado o cliente.

A emoção de aprender uma língua nova e conhecer a cultura de um povo não deve, portanto, ser prejudicada por doutrinamentos ideológicos mal conduzidos. Gostaria, neste sentido, de contrapor as palavras de Albert Camus: “Odeio, logo existo” com as palavras de Edgar Morin:

 

Civilizar e solidarizar a Terra, transformar a espécie humana em verdadeira humanidade torna-se o objetivo fundamental e global de toda educação que aspira não apenas ao progresso, mas a sobrevida da humanidade. A consciência de nossa humanidade nesta era planetária deveria conduzir-nos à solidariedade e à comiseração recíproca, de indivíduo para indivíduo, de todo para todos. A educação do futuro deverá ensinar a ética da compreensão planetária (itálico no original) (MORIN, 2001, p. 78).

 

Local e global

 

Sobre a questão do local versus global, gostaria de enfocar o exemplo da língua inglesa. Como vimos no capítulo 4, o inglês tem a característica única, entre as principais línguas do planeta, de possuir mais falantes não-nativos do que nativos; de cada três pessoas no mundo que falam inglês, duas usam a língua como falantes não-nativos. Isso traz algumas implicações que considero importantes quando se discute questões como a do genocídio linguístico (SKUTNABB-KANGAS, 2000), o extermínio das línguas locais pelas línguas hegemônicas, a associação entre língua e cultura etc. Defendo aqui a ideia de que a língua local pode e deve conviver com a língua global. Quando um cientista brasileiro, por exemplo, usa inglês para consultar a bibliografia de sua área de pesquisa ou mesmo apresentar um paper em um

 

 

congresso internacional, ele não vai deixar de usar o português brasileiro; usará as duas línguas, embora, é claro, em situações diferentes e para objetivos diferentes. É provável que para as questões de foro íntimo, com seus familiares, usará português; para o exercício de sua profissão, para divulgar suas pesquisas, usará inglês. As duas línguas podem conviver harmoniosamente na mesma pessoa, de maneira complementar, sem causar conflitos.

A ideia também de que cada língua está identificada com uma cultura pode ser questionada. A associação entre língua e cultura só é válida para as línguas geograficamente presas a um país; no momento em que se globaliza, a língua corre até o risco de perder sua identidade. Quando um cientista brasileiro, com seu sotaque característico, usa o inglês para comunicar o resultado de sua pesquisa, ele pode ser prejudicado por não ter a fluência de um falante nativo e talvez tenha que vencer alguns preconceitos de seus colegas. O inglês que ele fala, no entanto, provavelmente refletirá a variação internacional da língua, com traços fonéticos do inglês brasileiro, além, é claro, do conteúdo lexical de sua área específica de conhecimento.

Ao se globalizar, o inglês perdeu sua uniformidade e teve que incorporar a diversidade, não só no seu léxico, com as inúmeras palavras estrangeiras que emigraram para o seu sistema, mas também a diversidade fonológica e mesmo sintática. A diversidade linguística com a existência não apenas do inglês canadense, australiano, nigeriano ou indiano – mas também do inglês coreano, japonês ou brasileiro – reflete a diversidade cultural. O inglês deixa de transmitir uma única cultura para transmitir várias culturas, produzindo o fenômeno estranho de uma língua multilíngue e multicultural. Acaba-se usando o inglês não apenas para a aquisição do conhecimento científico mas também cultural. Certamente não se chegará ao ponto de cantar uma ópera italiana em inglês, embora isso já tenha sido feito, mas muitas outras obras literárias, de valor essencialmente cultural, e produzidas em lugares pouco conhecidos, só chegam até nós através do inglês. Ao difundir certos conhecimentos e culturas até então inacessíveis, o inglês tem globalizado o que muitas vezes é apenas local.

 

 

A convergência do local com o global já existe na prática, em todos os segmentos da sociedade, desde os mais ricos até os mais pobres. O exemplo apresentado por Morin (2001) é bastante convincente neste aspecto. Se os ricos consomem produtos provenientes de todas as partes do mundo, o mesmo acontece com os pobres, diferenciando-se, é claro, pela qualidade dos produtos:

 

Enquanto o europeu está neste circuito planetário de conforto, grande número de africanos, asiáticos e sul- americanos acha-se em circuito planetário de miséria. (…) Utilizam recipientes de alumínio ou de plástico, bebem cerveja ou Coca-Cola. Dormem sobre restos recuperados de espuma de polietileno e usam camisetas com estampas americanas. Dançam ao som de músicas sincréticas cujos ritmos tradicionais chegam em orquestrações vindas da América. Dessa maneira, para o melhor e o pior, cada ser humano, rico ou pobre, do Sul ou do Norte, do Leste ou do Oeste, traz em si, sem saber o planeta inteiro. A mundialização é ao mesmo tempo evidente, subconsciente e onipresente. (MORIN, 2001, p. 68)

 

A língua inglesa poderá ter um papel importante não só levando o conhecimento e a informação do centro para a periferia, mas também no sentido inverso. Através do inglês, aqueles que são meros receptores do conhecimento poderão também se transformar em emissores. Com o advento da internet, potencialmente transformando cada ouvinte e leitor em interlocutor, a ênfase na leitura, proposta nos PCNs, talvez deva ser revisada, para uma ênfase nas quatro habilidades, incluindo a fala e a escrita. Com a internacionalização da imprensa, passamos a comprar jornais e revistas de outros países nas bancas de nossas cidades. Com a televisão via satélite, passamos a telespectadores do mundo. Com a internet evoluímos de espectadores para participantes, podendo interagir com pessoas de qualquer parte do mundo, não só recebendo mas também enviando mensagens. Para falar ao mundo precisamos de duas condições: a primeira,

 

 

de caráter essencial, é que tenhamos algo a dizer; a segunda, altamente recomendável, é que saibamos inglês.

 

Real e virtual

 

Chegamos finalmente à quarta convergência, que considero a mais delicada e perigosa de todas: a união do real com o virtual. Até meados do século XX temos visto a máquina como uma extensão dos músculos do homem; o automóvel como uma extensão das pernas, a lavadora de louças como uma extensão das mãos, o binóculo como uma extensão dos olhos etc. A partir da segunda metade daquele século, passamos a ver o computador como uma extensão do cérebro; tínhamos agora uma máquina com capacidade de memorizar e processar dados, usando regras e restrições. Já partir de Turing (1950), em seu famoso artigo “Computing machinery and intelligence”, começou-se a questionar se as máquinas poderiam ser inteligentes. Em seu famoso teste para verificar se uma máquina tinha inteligência, Turing propôs que se colocasse uma pessoa e um computador atrás de uma parede para serem questionados por alguém através de um teclado durante cinco minutos. Se esgotado esse prazo, o arguidor não conseguisse distinguir as respostas dadas pela máquina daquelas que foram dadas pela pessoa, a máquina poderia ser considerada inteligente.

Vários prêmios têm sido oferecidos para quem conseguisse criar um programa de computador que enganasse o arguidor fazendo-se passar por humano. Desses prêmios, destaca-se o de Loebner no valor de 100.000 dólares, com concursos realizados anualmente desde 1990; até hoje sem vencedor.

Como extensão dos músculos, as máquinas superam com folga a capacidade humana. Nenhum homem jamais terá a força de um trator, a velocidade de um automóvel e, muito menos, a capacidade de voar de um avião. Qualquer homem, no entanto, supera de longe qualquer máquina quando a comparação é feita em relação à capacidade de usar a língua. A máquina pela sua capacidade de memória e de processamento pode guardar,

 

 

transportar e reproduzir as palavras do ser humano, mas não pode criar a linguagem; a capacidade de falar ainda é uma característica exclusivamente humana.

Com a oralidade, sem a escrita, todos os dados eram guardados na memória viva das pessoas; nas palavras de Levy, “A morte de um velho é uma biblioteca em chamas” (LÉVY, 1999,

  1. 163). O narrador tinha a vantagem de estar sempre presente, acompanhando a reação do auditório e adaptando sua fala. Com a invenção da escrita os dados tornaram-se permanentes, e podiam ser transportados de um lugar para outro, mas tornaram-se fisicamente incapazes de se adaptarem a cada leitor, que era, assim, obrigado a se ajustar ao texto. Com o advento da internet estamos entrando em uma nova alfabetização e em um novo letramento, com novas exigências para o leitor, feitas a partir do rompimento de algumas fronteiras. Há novas aproximações entre o domínio cognitivo e o psicomotor (necessidade de sincronizar os olhos com as mãos, por exemplo); entre a leitura e a escrita (para ler uma palavra no dicionário eletrônico é preciso escrever a palavra); entre o real e o virtual (aspectos da interação real da sala de aula, por exemplo, são simulados no computador).

A simulação tem sido normalmente apresentada como uma substituição do real: o jogo de futebol na tela substitui o jogo real no campo; o computador substitui o parceiro humano no jogo de xadrez; o ensino a distância substitui o ensino presencial. O que se vislumbra para o futuro tanto para ensino do inglês como para a educação em geral não é a substituição do real pela virtual, mas uma convivência entre os dois. No caso particular da LE, essa convivência poderá ser maior dada a facilidade com o que ensino de LEs adapta-se a situações de ensino a distância.

Ao virtualizar a realidade a máquina, no entanto, não tem condições de substituir o real. O computador é um instrumento de mediação que facilita, amplia e agiliza a comunicação entre as pessoas, mas não as substitui. A possibilidade de ampliar a ação do professor de LE, vai torná-lo mais presente no ensino a distância, incluindo, por exemplo, a criação de sites pessoais na rede onde disponibilizará atividades para seus alunos, complementando o que é visto em sala de aula.

 

 

Conclusão

 

Vivemos num mundo que está se tornando cada vez mais interdependente, envolvendo nações e pessoas, objetos e animais, ideias e sentimentos. Cada vez mais damo-nos conta de que ninguém tem condições de sobreviver sozinho. Até hoje parece que ainda não tínhamos percebido o quanto nossa própria existência depende da existência do outro. Achávamos que se uma pessoa tentasse se isolar e não sobrevivesse era problema dela exclusivamente. Hoje sabemos que o problema é nosso também; se uma pessoa morre, um pouco de nós morre com essa pessoa.

Foi a partir desse pressuposto que discutimos neste capítulo algumas convergências que vislumbramos em relação ao futuro do ensino do inglês como língua estrangeira. Não há como negar que quando olhamos para o futuro projetamos o presente, ou mesmo o passado. Podemos fazer projeções mais otimistas ou mais pessimistas. Neste capítulo ficamos mais para o lado do otimismo e corremos assumidamente o risco de tentar prever o futuro não como ele realmente será mas como talvez gostaríamos que ele fosse. É um viés que assumimos aqui.

Para falar sobre o futuro elegemos a ideia geral de transformação da realidade em vez de substituição. E vemos para o futuro a necessidade de conviver com a diversidade generalizada, marcada pelo princípio da divergência. As ideias e as pessoas são diferentes, andam por caminhos diferentes, mas podem convergir para um mesmo objetivo, ainda que vindas de lados opostos. A convergência corrige as divergências. A consciência dessa necessidade foi o que nos levou a prever o futuro nesta direção.

Podemos retomar as quatro convergências discutidas aqui dentro de uma metáfora geográfica, numa dimensão planetária. A convergência da pesquisa com o ensino deve reunir não só a pesquisa com a docência mas também transformar o professor em pesquisador. No campo específico da língua inglesa, por exemplo, não se pode pesquisar apenas no hemisfério norte, onde

 

 

muitas vezes o inglês é aprendido como segunda língua e tentar depois aplicar os resultados dessa pesquisa no hemisfério sul, onde o inglês é normalmente ensinado como língua estrangeira. A facilidade de acesso à informação e a existência do conhecimento em rede tornarão viável a transformação do professor em pesquisador.

Em contraposição a essa convergência norte/sul, podemos ter também uma convergência leste/oeste, unindo a racionalidade do ocidente com a sensibilidade do oriente. A própria ideia de que é preciso prever para prover, a meu ver um dos pilares da racionalidade, será complementada pela ideia de que é também necessário cuidar do lado afetivo. A aprendizagem do inglês no futuro vai evoluir das relações de ódio entre as nações para a constatação de que somos todos seres humanos habitando o mesmo planeta.

A convergência do local com o global está na essência do aprendizado da língua inglesa, que como língua internacional, na minha percepção, perderá sua identidade nacional, britânica ou norte-americana, para transmitir as culturas locais ou as diferentes ciências. Assumo o risco de afirmar que o inglês pode ser considerado uma língua multi: multinacional e multicultural. Expressões que já se tornaram comuns como “inglês brasileiro”, “inglês coreano” etc. confirmam essa multinacionalidade da língua inglesa.

Finalmente, com a convergência do real com o virtual, estaremos rompendo não só as fronteiras que separam um país do outro, mas também as fronteiras que separam as pessoas dos objetos. Mais uma vez, não se trata de substituir o real pelo virtual, o professor pela máquina, mas de fazer convergir os dois. Vivemos numa sociedade cuja existência está sendo ameaçada, justamente por tentar substituir o real pelo virtual, desde as salas de fliperama até o uso de drogas que proporcionam o prazer artificial. Seria um erro, no entanto, banir o virtual; teríamos que começar por destruir as próprias bibliotecas, considerando a natureza essencialmente virtual do livro, e em última análise a própria língua teria que ser destruída, já que no fundo não é a realidade

 

 

mas uma representação dela. O ser humano é virtual; tirando-lhe a virtualidade, não terá como transmitir o conhecimento, perderá o dom da fala e deixará de existir como ser humano.

 

Língua Estrangeira                                       167

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SEGUNDA PARTE APRENDIZAGEM

 

168                                     Vilson J. Leffa

 

 

 

Língua Estrangeira                                       169

Capítulo 8

A perspectiva do aluno da escola fundamental9

 

 

Introdução

 

Ensinar uma língua estrangeira envolve o domínio de três áreas de conhecimento: a língua a ser ensinada, a metodologia usada para ensiná-la e o aluno a quem ensinamos. A língua é normalmente a parte que recebe o quinhão maior em qualquer curso de graduação em Letras; a parte menor fica para a metodologia, onde podemos incluir não só aspectos do ensino e aprendizagem da língua, mas também aspectos que envolvem o aluno – em alguma disciplina de psicologia da aprendizagem e mais indiretamente através das aulas de prática de ensino. O aluno como sujeito do processo de aprendizagem da língua estrangeira é geralmente muito pouco estudado.

Há uma crença muito forte na história do ensino de línguas de que o aluno recebe cada vez mais atenção a cada nova metodologia que é proposta. Coisas mais antigas como a instrução individualizada ou mesmo o teste de aptidão linguística foram durante algum tempo consideradas maneiras de centralizar a atenção no aluno. Mais recentemente, as abordagens usadas nos estudos de aquisição da segunda língua, os pressupostos subjacentes nas propostas da análise das necessidades dos alunos e os procedimentos usados em muitas abordagens humanísticas, incluindo aí a Sugestologia de Lozanov e a Aprendizagem por Aconselhamento do Padre Curran (ver o Capítulo 1), sugerem uma pedagogia centrada no aluno. A ênfase no uso da experiência vivida do aluno, seu conhecimento prévio, as técnicas de

 

9 Uma versão anterior deste capítulo, em inglês, foi publicada em: LEFFA, Vilson J. A look at students’ concept of language learning. Trabalhos em Linguística Aplicada, n. 17, p. 57-75, 1991.

 

 

sensitização, que são maneiras de tentar conscientizar o aluno para a tarefa que ele tem pela frente (Riley, 1985), são ideias que se aproximam daquilo que estou abordando aqui.

O problema, a meu ver, é que quando falamos em atividades centradas no aluno partimos do nosso ponto de vista. Temos um conceito de língua e de sua aprendizagem e o que fazemos na preparação de atividades centradas no aluno é manipular as coisas de modo que o aluno seja levado a adotar o nosso ponto de vista. O pressuposto aí é de que a conceituação que o aluno tem de língua e aprendizagem é ingênua e deve ser substituída pelas nossas ideias, que são mais esclarecidas e teoricamente fundamentadas.

Um problema sério é que os conceitos que nós professores temos de língua e aprendizagem são sempre negados com o tempo e descartados como errôneos. Muito do que acreditávamos ser correto no passado e foi por isso imposto aos nossos alunos, acabou sendo contestado, gerando um movimento contrário tão forte que levou a sua completa rejeição. Repetimos sempre o conhecido movimento do pêndulo, indo da tese para a antítese, sem conseguir chegar à síntese. A frustração gerada com a adoção incondicional de uma metodologia de ensino é sempre mais forte que o entusiasmo de sua implementação e acabamos indo para o outro extremo, negando tudo o que foi antes defendido. Entre estar errado e ser ingênuo, preferimos estar errados, e com isso afastamo-nos mais do lugar em que se encontra o aluno.

Este capítulo relata uma pesquisa feita para se aproximar do aluno e descrever o que ele pensa da língua estrangeira antes de iniciar seu estudo. Há quatro perguntas básicas que se tenta responder aqui: (1) que conceito o aluno tem da língua que ele ainda não estudou (variável da língua) ; (2) que percepção ele tem de um falante da língua estrangeira (variável do falante); (3) que conhecimento ele tem do que caracteriza a aprendizagem de uma língua estrangeira (variável da estratégia); (4) que conhecimento ele tem das possíveis vantagens de falar uma língua estrangeira (variável do objetivo).

 

 

Metodologia

 

A investigação envolveu um grupo de 33 alunos da quinta série de uma escola pública da Grande Porto Alegre. Os alunos eram de um bairro de classe média baixa e nunca tinham estudado qualquer língua estrangeira.

Os dados foram coletados numa sessão de duas horas na própria sala de aula dos alunos. A sessão iniciou com uma atividade de escrita de livre associação em que os alunos foram solicitados a escrever todas as palavras que pudessem lembrar depois de ouvir determinadas palavras estímulo. Essas palavras estímulo foram ‘Xuxa’ e ‘futebol’, sendo dados aos alunos cinco minutos para cada palavra. A atividade foi apresentada como um jogo competitivo e aqueles que escreviam o maior número de palavras recebiam um pequeno prêmio (uma barra de chocolate). Num segundo momento, os alunos foram solicitados a escrever dez palavras que vinham a sua mente quando cada uma das seguintes palavras ou expressões fossem fornecidas: ‘língua portuguesa’, ‘guerra nas estrelas’ e ‘língua inglesa’. Desta vez

não foi fixado um limite de tempo.

O pressuposto subjacente a esta atividade foi de que as palavras escritas pelo aluno depois de ouvir ‘inglês’ deveriam refletir seu conceito de língua estrangeira ou a fala dele. Considerando que este pressuposto pode ser questionado, procurou-se na pesquisa incorporar uma medida de validade, solicitando ao aluno que produzisse palavras a partir de ideias geradoras que deveriam ser extremamente familiares como o nome da apresentadora Xuxa e da palavra ‘futebol’. Na medida em que ocorresse um encaixe entre essas ideias geradoras familiares e as palavras produzidas pelos alunos, acredita-se que o procedimento possa ser validado. Considerando, assim, com relação a Xuxa, que a palavra mais frequente foi ‘bonita’ e que esse adjetivo, pelo senso comum dos telespectadores, descreve realmente a apresentadora em questão, conclui-se que é possível estabelecer uma associação entre o que os alunos escreveram e o conceito que eles tem das palavras ou expressão geradora.

 

 

Na última parte da sessão, em vez de palavras os alunos foram solicitados a completar uma história. Receberam quatro folhas de papel, uma de cada vez. No topo de cada folha havia um segmento incompleto da história, que foi lido em voz alta. O primeiro segmento apresentava a contextualização, uma escola típica, e os personagens, Maria e Bill. Maria era brasileira e Bill americano; ele acabara de chegar dos Estados Unidos e era incapaz de dizer uma única palavra em português.

Os sujeitos foram instruídos a continuar a história, descrevendo Bill, como ele era, tanto na sua aparência externa (que aspecto tinha, como se vestia etc.), quanto na sua aparência interna (que tipo de pessoa era, o que pensava etc.). A preocupação aqui era com a variável falante da língua e o objetivo era fazer os alunos definir, com suas próprias palavras, que estereótipos eles tinham, se é que tinham, de um típico jovem americano.

O segmento seguinte da história, na segunda folha, acrescentava que Maria tinha decidido aprender inglês. Os sujeitos foram então solicitados a escrever o que ela tinha que aprender para se comunicar com Bill. Na terceira folha, o segmento iniciava que Maria ainda estava tentando aprender inglês e pediu-se aos sujeitos que escrevessem o que ela fazia quando não conseguia entender o que Bill dizia ou o que estava escrito numa revista. O objetivo aqui era avaliar os conceitos em termos da variável estratégia.

Finalmente, na última folha, o segmento da história informava que Maria terminara a universidade, tinha uma profissão e falava inglês muito bem. A tarefa solicitada aos sujeitos agora era de que descrevessem para que servia o inglês que Maria tinha aprendido. Buscava-se aqui uma definição para variável objetivo na aprendizagem de uma língua estrangeira.

 

 

Resultados

 

As palavras e as histórias produzidas pelos 33 alunos foram então analisadas em termos de frequência de palavras e de unidades de ideias. As palavras e as ideias foram computadas para cada uma das variáveis pesquisadas: língua, falante da língua, estratégias de aprendizagem e objetivo.

Esperava-se que alguns padrões recorrentes surgissem das respostas dadas pelos alunos. Esses padrões foram pesquisados para cada uma das variáveis.

 

A Variável Língua

 

Para esta variável os sujeitos foram solicitados a escrever dez palavras que lhe viessem à mente depois de ouvirem a palavra ‘inglês’. Abaixo temos um exemplo das palavras que foram escritas por um aluno:

 

Inglês: língua, país, Inglaterra, matéria (disciplina do currículo), rico, poderoso, sotaque, artistas, cinema, Disneyworld.

 

O que interessa saber aqui é que palavras, se houve alguma, foram repetidas por diferentes alunos. A Tabela 1 mostra as palavras que foram citadas por mais de quatro alunos.

 

 

Tabela 1 – Palavras citadas cinco ou mais vezes pelos alunos depois de ouvirem a palavra ‘inglês’

 

Palavra Frequência
palavral 23
íngua 13
livro 12
lápis 11
caneta 11
pessoas 10
caderno 9
país 8
estudar 7
falar 7
Inglaterra 5
matéria (disciplina) 5
interessante 5
professor 5
Fonte: Autor  

 

 

O primeiro aspecto que merece ser mencionado é que os alunos realmente mostraram uma tendência em repetir certas palavras. O segundo é que as palavras que eles citaram podem ser agrupadas em diferentes áreas.

A palavra mais frequente foi ‘palavra’. Esta palavra pertence a um grupo que podemos classificar o léxico próprio da linguagem. Outras palavras frequentes deste grupo foram ‘língua’, que foi citada 13 vezes, e o verbo ‘falar’, citado 5 vezes. Não houve ocorrência de ‘frase’, ‘texto’, ‘parágrafo’, ou mesmo termos mais comuns como ‘ler’ e ‘escrever’.  As palavras ‘compreender’, ‘pronunciar’ e ‘sotaque’ ocorreram uma vez.

 

 

Um segundo grupo importante que surgiu deste levantamento consistiu de palavras relacionadas ao ambiente da sala de aula. Nesse grupo encontramos as palavras ‘livro’, ‘lápis’, ‘caneta’, ‘caderno’, ‘matéria’, ‘professor’ e ‘estudar’.

O terceiro grupo, mais difícil de determinar, sugere conceitos relacionados à cultura em seu sentido mais amplo. Os termos mais frequentes neste grupo foram ‘pessoas’, ‘país’ e ‘Inglaterra’. Outros, mencionados apenas uma vez, foram ‘parlamento’, ‘rainha’, ‘América’, ‘Califórnia’, ‘Disneyworld’, ‘estátua da liberdade’, ‘Nova York’ e ‘baseball’.

O quarto grupo refere-se às atitudes em relação à língua inglesa (positivas ou negativas). O exemplo mais óbvio é a palavra ‘legal’, citada cinco vezes. Alguns alunos também escreveram palavras em inglês, o que interpreto como um sinal positivo. Outras palavras relacionadas foram ‘fácil’, citada duas vezes, e ‘difícil’, citada três vezes.

Uma área em que esperava a produção de muitas palavras, mas que não aconteceu, foi no que defino como consciência da língua inglesa na comunidade; ‘cinema’ foi mencionado duas vezes, mas palavras como ‘ator’, ‘atriz’, ‘cantor’ e ‘televisão’ foram mencionadas apenas uma vez. Muitas marcas registradas, identificadas pelo seu nome em inglês, não foram mencionadas.

 

A Variável Falante Nativo

 

Os dados da variável falante foram coletados da descrição que os alunos fizeram de Bill. Os alunos foram incentivados a descrever Bill não apenas pela sua aparência externa, mas também levando em consideração as possíveis ideias que lhe passavam pela cabeça. Foram pródigos em oferecer detalhes da aparência física de Bill, mas não conseguiram encontrar traços psicológicos. O que segue é um exemplo fornecido por uma aluna (editado para ocultar alguns erros ortográficos e de pontuação; os nomes são fictícios, mas o sexo é mantido):

 

 

Bill era alto, moreno, cabelo liso e escuro e olhos grandes. Ele estava pensando o seguinte: tinha deixado os Estados Unidos para começar vida nova no Brasil. Queria trabalhar no teatro, fazer peças para crianças e adultos (Dóris).

 

Em termos de traços físicos, apenas duas unidades de ideia formaram um padrão recursivo. Uma era que Bill tinha olhos castanhos, repetida por nove alunos. A outra era que Bill era baixo, repetida por oito alunos. O mais próximo que se chegou de um possível estereótipo americano foi a descrição de Bill como caubói.

Muito pouco foi produzido em termos de características psicológicas. Algumas qualidades foram mencionadas (tímido, amigo, trabalhador), mas não chegaram a formar um padrão discernível.

 

A Variável Estratégia

 

Para levantar os conceitos de estratégias de aprendizagem solicitou-se aos alunos que dessem sugestões de como Maria poderia aprender inglês. Esta foi a parte da pesquisa onde se obteve o maior número de dados. Exemplo de uma resposta dada por um aluno:

 

Maria não conseguia compreender a revista que tinha pedido emprestada de Bill. Aí ele pegou um super dicionário, que tinha todas as palavras, mas mesmo assim tinha dificuldade com algumas palavras. Ela não era muito inteligente e não conseguia decorar as palavras apesar da ajuda de seu pai. Mas Bill, que falava inglês muito bem, fez Maria repetir cada palavra 20 vezes, 30 vezes. Então ela começou a aprender (Daniel).

 

A Tabela 2 mostra as coisas mais frequentes que, de acordo com os alunos, Maria tinha que fazer para aprender inglês. As unidades de ideia mais citadas sugeriam que Maria deveria estudar,

 

 

geralmente intensificadas por advérbios como ‘bastante’, ‘muito’ e ‘sempre’.

 

Tabela 2 – Unidades de ideia mais frequentes  listadas pelos alunos em relação a estratégias de aprendizagem.

 

Estratégia                                 Frequência

Estudar                                         19

Frequentar um curso de línguas      10

Usar um livro                                8

Usar um dicionário                        6

Usar gestos                                   6

Falar com os amigos em inglês       5

Conseguir um professor                 5

Fonte: Autor

 

 

Variável Objetivo

 

Na última parte da história os alunos foram solicitados a descrever que utilidade o conhecimento da língua inglesa traria para Maria, depois que ela terminasse a faculdade. Eis uma resposta fornecida por um aluno:

 

O inglês vai ser muito útil para Maria. Ela vai conseguir estudar em outros países, falar com Bill, viajar para muitos lugares, tirar muitos cursos, falar com todo mundo que sabe inglês e lecionar inglês (Cláudia).

 

A unidade de ideia mais frequente foi que Maria podia ser uma professora de inglês, repetida por dez alunos. Nove mencionaram que poderia viajar e seis disseram que inglês seria útil nos seus estudos na faculdade. Três mencionaram que Maria

 

 

podia ler em inglês. Um, apenas, citou que o inglês poderia ajudá- la a conseguir um emprego.

 

Conclusão

 

A primeira conclusão que a pesquisa sugere é que os alunos têm a tendência de ver a língua como um conjunto de palavras. Aprender uma língua é aprender novas palavras, uma ideia que é repetida constantemente pelos alunos, incluindo decorar listas de palavras, usar o dicionário ou alguma outra estratégia semelhante:

 

Um dia Maria teve uma idéia brilhante: foi ao centro e comprou um monte de cartões. Quando chegou em casa, colou os cartões na parede com as palavras em inglês e sua tradução. Assim ela aprendeu a falar inglês (Walter).

 

Os alunos não faziam distinção entre ler em português e ler em inglês. Em primeiro lugar, pareciam não possuir o que poderíamos definir como consciência fonológica da língua estrangeira, no sentido de que em inglês encontrariam sons inexistentes em português. Em segundo lugar, pareciam também ignorar que em inglês temos relações grafema-som diferentes das que existem em português. Todos os exemplos sugerem que aplicando as regras grafo-fonológicas do português pode-se ler (e pronunciar corretamente) qualquer palavra em inglês. Embora os alunos tivessem a tendência de definir o conhecimento de uma língua como a capacidade de ‘falar’ a língua, ninguém, por exemplo, mencionou o gravador como um recurso para sua aprendizagem. Para eles o dicionário possibilita não apenas traduzir de uma língua para outra, seguindo o método de palavra por palavra, mas também serve para ensinar a falar. Não há, portanto, consciência nem dos aspectos fonológicos nem sintáticos. Aprender uma língua estrangeira é aprender seu léxico, sobrepondo-se às letras os mesmos sons que temos na língua portuguesa, ou seja, ler com as mesmas regras grafo-fonológicas e finalmente dar às palavras o mesmo lugar na frase que elas

 

 

ocupam em português. A língua estrangeira é vista como uma paráfrase da língua portuguesa; aprender uma outra língua é aprender sinônimos para as coisas que já são conhecidas.

A segunda conclusão é que os alunos viam a língua inglesa principalmente como uma matéria do currículo. O inglês estava associado ao ambiente da sala de aula, juntamente com as palavras que repetiram com mais frequência tais como ‘livro’, ‘caneta’, ‘lápis’, ‘caderno’, ‘professor’ etc. Na maneira de ver dos alunos, aprendemos uma língua estrangeira da mesma maneira que aprendemos as outras disciplinas do currículo, lendo dos livros, fazendo anotações, copiando palavras e estudando muito, às vezes sozinhos. Três alunos, por exemplo, escreveram que Maria só conseguiu aprender inglês depois que ela se fechou no seu quarto por várias tardes. Mesmo em termos de objetivos, a principal razão citada para aprender inglês estava relacionada ao ambiente escolar, isto é, tornar-se professor de inglês. O uso autêntico da língua foi visto como algo muito distante de sua experiência imediata de aluno, viável apenas para a pessoas que tinham a oportunidade de viajar para o exterior.

Os alunos parecem ter feito uma distinção entre o que eles aprendem e o inglês que a personagem da história aprenderia. O inglês que eles aprendem é para a escola apenas; será útil para eles se um dia voltarem como professores. O uso autêntico da língua estrangeira é reservado para os personagens, que terão a oportunidade de usá-la no contexto adequado.

 

Maria teve que aprender a falar, dançar, dizer os números (…). Precisava conhecer o país, as pessoas, o governo. Enfim, ela teve que aprender como era a vida em inglês (Karen).

 

O conceito da língua como paráfrase provavelmente mudará tão logo os alunos iniciarem o estudo da língua inglesa. A partir das primeiras aulas provavelmente vão se dar conta de que as regras grafo-fonológicas do português não podem ser aplicadas ao inglês e que a ordem das palavras muitas vezes é diferente. A

 

 

descoberta de que a língua inglesa tem fonemas que não existem em português poderá demorar um pouco mais e pode ter uma relevância maior ou menor para o aluno, dependendo de como o aluno vai usar a língua.

O conceito de inglês como matéria do currículo, a meu ver, tem implicações mais sérias, porque pode permanecer inalterado à medida que os alunos passam pela escola. Talvez seja fundamental que os professores de inglês, ou de qualquer outra língua estrangeira, despertem nos seus alunos a consciência de que a língua estrangeira é na verdade usada por muitas pessoas no seu dia a dia, além dos professores de inglês.

 

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       181

Capítulo 9

A perspectiva do aluno universitário10

 

 

Introdução

 

O objetivo deste capítulo é relatar uma pesquisa que foi conduzida para investigar quais eram os conceitos que alunos proficientes de língua estrangeira, em nível universitário, tinham sobre o ensino e a aprendizagem da L2. A ênfase estará no ensino da língua instrumental, no caso, a língua inglesa, com concentração na área da leitura. Espera-se que os resultados possam ter implicações também para outras línguas e mesmo para outras habilidades, além da leitura.

Os procedimentos usados no ensino instrumental da língua estrangeira estão baseados em determinados pressupostos sobre a teoria da leitura e de como ela deve ser implementada na sala de aula. Alguns exemplos tradicionais desses pressupostos, entre outros, são de que os leitores devem contribuir com seu conhecimento de mundo para a construção do sentido do texto; de que os leitores não precisam processar toda a informação disponível no texto para chegar ao significado; e de que a deficiência na língua pode ser compensada por outras fontes de conhecimento. Em termos de aprendizagem, certas estratégias de tratamento do texto são selecionadas e ensinadas aos alunos. Exemplos típicos dessas estratégias incluem, entre outros, como usar as informações tipográficas do texto impresso, como fazer previsões a partir do título, como usar as ilustrações – além de outros procedimentos mais abstratos como ler em busca do significado, reconhecer pistas retóricas e inferir o significado das

10 Uma versão anterior deste capítulo, em inglês, foi publicada em: LEFFA, Vilson J. Students As Esp Teachers; An Investigation Of Successful Students’ Assumptions On Reading And Methodology. In: LEFFA, Vilson J. (Org.). Autonomy in language learning. Porto Alegre: UFRGS, 1994, p. 265-272.

 

 

palavras desconhecidas.

Embora essas estratégias possam ser consideradas como parte de um procedimento padrão nas aulas de língua instrumental, elas não raro têm recebido algumas críticas, não só de alunos dos cursos instrumentais como até de professores, que às vezes vindos de outros áreas de ensino da L2 sentem um certo estranhamento quando são aconselhados a adotar essas estratégias. Alguns professores, por exemplo, ficam relutantes diante da ideia de que deveriam incentivar seus alunos a ir adiante na leitura quando encontram uma palavra desconhecida, principalmente quando isso significa contornar o processamento sintático da frase. Parecem acreditar que os níveis superiores da leitura, semânticos ou discursivos, só podem ser alcançados se os níveis inferiores forem devidamente cuidados. A compreensão do texto é vista como a culminância de um processo longo e árduo de aprendizagem da língua, onde não há lugar para qualquer atalho.

Leitores menos proficientes da L2, por outro lado, também parecem frustrar-se quando são aconselhados a olhar além das palavras desconhecidas para encontrar o significado do texto. Veem no léxico desconhecido não apenas um alerta de sua ignorância, mas também uma fonte potencial de confusão e insegurança, uma armadilha feita para traí-los de todas as maneiras possíveis. A orientação de que os leitores de L2 devem adivinhar o sentido das palavras pelo contexto pode soar como um insulto para eles, principalmente para aqueles que não fazem outra coisa quando forçados a ler um texto em língua estrangeira. Sentem que têm o direito de receber algo mais útil nas aulas de língua instrumental.

Considerando os procedimentos tradicionais para o ensino instrumental da língua estrangeira, parece termos um conhecimento razoável das percepções daqueles que defendem e daqueles que criticam esses procedimentos, tanto de professores como de alunos não proficientes. Esse conhecimento vem não só através da produção científica da área, formalmente reconhecida, mas também de depoimentos informais de colegas e alunos, ouvidos na sala de aula e nos corredores. Pouco se sabe, no

 

 

entanto, da percepção daqueles que mais podem contribuir para uma avaliação dos procedimentos tradicionalmente usados: os alunos bem sucedidos no estudo instrumental da L2. É o que se propõe fazer neste capítulo.

 

O estudo realizado

 

O que se tem investigado sobre a percepção que os alunos têm da metodologia de ensino instrumental (ex.: CELANI et al., 1988) geralmente enfoca as reações dos alunos a um determinado curso de língua instrumental, usando dados que são coletados depois que os alunos passaram pelo curso. A pesquisa relatada aqui adota uma abordagem diferente: usa como sujeitos alunos que são leitores proficientes da L2, mas que nunca assistiram a um curso de língua instrumental.

A hipótese é de que, como são leitores proficientes, sua percepção da compreensão leitora, e mesmo do ensino da leitura, deveria ser semelhante ao que é considerado certo quando se trata do ensino instrumental da língua estrangeira. Parto aqui da premissa de que muitos dos procedimentos usados em língua instrumental estão baseados em pressupostos que ainda não foram adequadamente testados. Se esses alunos, que não estão familiarizados com a terminologia do ensino instrumental, reproduzirem aspectos que concordem com esses pressupostos, isso certamente validaria alguns dos procedimentos usados no ensino da língua instrumental. Por outro lado, se não houver o acordo, os procedimentos talvez precisem de uma revisão – e as críticas contra o que é feito no instrumental talvez tivessem fundamento. Os sujeitos foram 22 alunos universitários do curso de Inglês para Computação. Eles foram selecionados de um grupo original de 68 alunos através de um teste de compreensão em leitura e classificados em 2 subgrupos separados: (1) o grupo de leitores proficientes com um escore de acertos superior a 90%, e

  • o grupo dos não-proficientes, reunindo os leitores com escore abaixo de 40%.

 

 

Os alunos do grupo proficiente tinham uma experiência considerável na língua estrangeira, ou por terem feito cursos específicos em escolas de língua inglesa, ou por já lerem com frequência revistas em sua área de interesse; dois deles já tinham morado em países de fala inglesa. Os alunos do grupo não proficiente via de regra justificavam sua falta de competência na língua pelo fato de não terem tido um bom curso de inglês na escola ou por não terem condições de frequentar um curso particular de línguas.

O teste de compreensão de leitura, usado para classificar os sujeitos, tinha quatro tipos diferentes de compreensão, classificadas como: (1) varredura (scanning) (exemplo: Que idade tinha Penrose quando o artigo foi publicado?); (2) skimming (ideia principal) (exemplo: Que parágrafo descreve a limitação do computador às regras?); (3) leitura detalhada (exemplo: Por que as críticas do físico irritaram os pesquisadores da inteligência artificial?); (4) leitura crítica (exemplo: O que o artigo está tentando provar?).

Os resultados do teste de compreensão em leitura mostraram uma variação muito grande nos escores, sugerindo que enquanto os melhores alunos, em termos de proficiência em leitura, poderiam ser comparados aos falantes nativos, os alunos mais fracos ficavam bem abaixo do nível intermediário.

 

Procedimentos

 

Os onze leitores mais proficientes foram alinhados com os onze menos proficientes, formando onze duplas. A tarefa para os leitores menos proficientes foi selecionar um artigo publicado numa revista em língua estrangeira e fazer uma resenha crítica do artigo em língua portuguesa. O aluno proficiente de cada dupla deveria agir como orientador, ajudando o outro aluno, o orientando, a selecionar o artigo e resolver problemas de compreensão.

A principal tarefa do aluno orientador foi escrever um diário, que deveria ser o mais completo possível, descrevendo

 

 

tudo o que aconteceu em cada encontro com o aluno orientando. Deveria incluir um relato detalhado de como a revista foi examinada, porque alguns artigos foram rejeitados e que critérios foram usados para a escolha final do artigo.

Em relação às dificuldades encontradas pelo orientando ao tentar ler e compreender o artigo selecionado, o aluno orientador deveria: (1) fazer um inventário completo dessas dificuldades, (2) especificar sua natureza (léxico, estrutura sintática, tópico etc.), (3) descrever o processo usado na tentativa de resolver cada atividade, dando o maior número possível de detalhes.

Foi esclarecido a cada aluno que suas tarefas – tanto a resenha escrita pelo orientando quanto o diário escrito pelo orientador – seriam avaliadas individualmente. Foi negociado com os alunos orientadores que o principal critério para o diário seria a completude; os diários que fornecessem mais detalhes receberiam notas mais altas. Os alunos foram também informados de que os diários escritos por eles seriam usados como dados para um projeto de pesquisa e concordaram em produzir pelo menos dez páginas de texto para cada diário, o equivalente a 3.000 palavras.

Os 11 diários escritos pelos alunos orientadores (8 alunos e 3 alunas) somaram 115 páginas de texto em espaço duplo (34.470 palavras). Apesar do compromisso assumido por todos de escrever pelo menos 10 páginas, dois alunos tiveram uma produção menor (um com 7 páginas e outro com apenas 3). O aluno que mais escreveu produziu um diário de 17 páginas.

 

Resultados

 

O objetivo ao se analisar os diários foi tentar encontrar nos textos como os alunos orientadores ajudaram os orientandos. O exame dos dados mostrou que a ajuda ocorreu em dois momentos. Inicialmente tanto o aluno orientador como o orientando ficaram envolvidos com a seleção do artigo, que, embora fizesse parte de uma fase preliminar, tomou muito mais tempo do que o esperado,

 

 

incluindo visitas à biblioteca, pesquisa em diferentes publicações, até chegar a uma decisão final. No segundo momento, concentraram-se no texto selecionado, tentando resolver os problemas de compreensão que surgiram a partir dele.

A seleção do artigo mostrou-se bem mais difícil do que se esperava. Os dados dos diários mostram que as onze duplas inspecionaram mais de 200 artigos. Um inventário dos motivos da rejeição mostrou que os principais foram extensão muito longa, falta de interesse no tópico, dificuldade linguística, falta de conhecimento do tópico e uso de jargão técnico. O tamanho parece ter assustado pela necessidade de uma leitura detalhada do texto, o que provavelmente demandaria mais tempo do que tinham planejado para a tarefa. A dificuldade linguística foi sentida como um problema lexical (“Muitas palavras não eram nem encontradas no dicionário”) e sintático (“As frases eram muito complexas”). Os critérios que mais pesaram na escolha final do artigo foram: (1) interesse do leitor no tópico (“Queríamos saber como o equipamento funcionava”, “Escolhi o artigo sobre scanners porque queria comprar um”); e (2) uso de linguagem acessível pelo autor (“O vocabulário era fácil”, “Havia poucas expressões idiomáticas”).  Alguns alunos também consideraram a apresentação gráfica do texto (“O artigo tinha gráficos e figuras que ajudavam na compreensão”). Os alunos inspecionaram diferentes fontes, incluindo livros didáticos, periódicos acadêmicos e revistas de popularização da ciência. Os livros didáticos foram todos rejeitados sob a alegação de que eram muito longos ou desatualizados. Os periódicos acadêmicos foram considerados muito técnicos, apresentando artigos sobre tópicos com os quais os alunos não estavam familiarizados. Os onze artigos finalmente selecionados foram retirados de revistas de popularização da ciência, com uma única exceção (Datamation); todos as outras revistas eram facilmente encontradas nas grandes bancas de revistas. A favorita foi Byte Magazine, com oito escolhas. Uma dupla escolheu Time Magazine, que embora sendo uma publicação semanal de notícias gerais, trazia no exemplar escolhido uma reportagem sobre computadores. Uma dupla

 

 

escolheu Amiga Magazine, publicação dedicada aos computadores da marca Amiga.

Os dados mais importantes dos diários estão no segundo momento, quando o aluno orientador e o orientando fizeram uma leitura detalhada do artigo selecionado. Esses dados mostram que a leitura foi feita de duas perspectivas diferentes. Para o orientando, os textos apresentavam problemas linguísticos, principalmente de vocabulário; o que esperavam do orientador era que ajudasse a esclarecer o significado das palavras desconhecidas. Os orientadores, por outro lado, quando tentavam resolver os problemas apresentados pelos orientandos, pareciam não estar dispostos a se concentrar apenas nos problemas linguísticos, mas também nas estratégias que deveriam usar para vencer as dificuldades encontradas no texto. O que segue é um inventário daquilo que esses orientadores aconselharam aos seus orientandos, tanto em termos de estratégias de leitura como em termos de aspectos linguísticos.

Em relação às estratégias de leitura, a sugestão mais frequente foi de que os orientandos deveriam ignorar as palavras que eles não conheciam (Todos os nomes são fictícios, mantendo apenas o sexo do sujeito):

 

Eu aconselhei que não parasse diante das palavras desconhecidas, que deixasse elas de lado, tentando usar aquelas que ele sabia; pois seria muito cansativo e inútil traduzir todas as palavras do texto, já que ele poderia entender todo o texto se pegasse as ideias principais (Vinicius).

 

Descobrimos que o fato de não conhecer uma palavra num parágrafo não afeta a compreensão (Anne).

 

O melhor que se pode fazer é tentar ler o texto e pegar a ideia sem se preocupar com as palavras na página (Klaus).

 

A metodologia foi a seguinte: primeiro olhamos o texto na sua totalidade, sem dicionário ou anotações. Lemos cada parágrafo rapidamente e discutimos as questões básicas (Ruth).

 

 

Expliquei para o meu orientando que quando encontramos uma palavra desconhecida e vemos que ela não é importante na frase, podemos ignorá-la. Isso ajuda a entender o texto, porque não há uma interrupção para procurar a palavra no dicionário, de modo que a leitura flui naturalmente (Juliano).

 

Sugeri que ele parasse de procurar as palavras no dicionário (…) e sempre procurasse ler a frase inteira, deixando para o fim as dúvidas sobre vocabulário (Roger).

 

Uma sugestão relacionada a essa de ignorar o léxico desconhecido foi de que os leitores deveriam usar o contexto para adivinhar significado das palavras. O uso do contexto poderia ocorrer em diferentes níveis, desde a informação sintática até o nível mais elevado do discurso:

Tentei mostrar também que quando não sabemos o significado de uma palavra podemos adivinhar, achando a palavra original e depois o significado do prefixo ou sufixo que foi adicionado (Vinicius).

 

Deduzimos da frase que “dot” era “ponto” (Ruth). Adivinhamos que “garner” era “guardar” (Juliano).

Sempre que surgia um problema, tentávamos construir o significado de uma palavra ou estrutura, lendo adiante ou relendo o que tinha vindo antes (Gabriel).

 

O uso do contexto para inferir o significado às vezes deixava alguns alunos indecisos:

 

“Coated paper” pode significar “papel grosso” ou “papel coberto com alguma coisa”. Temos que ver no dicionário (Ruth).

 

Usar o contexto é bom mas nem sempre funciona. Quando uma palavra ou expressão é repetida muitas vezes no texto,

 

 

isso é um sinal de que é uma palavra importante; nesse caso é recomendar procurar o significado exato (Anne).

 

Em relação ao aspecto linguístico, os alunos orientadores focalizaram três pontos: formação de palavras, léxico em geral e sintagmas nominais. Alguns exemplos em termos de formação de palavras:

 

Procure ver as partes que compõem a palavra, pois aí podemos associar a palavra a outras que já conhecemos (Juliano).

 

Procurei mostrar o significado das partes de uma palavra para que ele pudesse chegar ao significado total (…). Os significados diferentes de “-ing” foi um dos problemas (Gabriel).

 

Eu disse para ele que muitas vezes podemos saber o significado de uma palavra olhando sua terminação como “_ly”, “ing”, “ment” (Gustavo).

 

O léxico, que foi considerado o problema mais sério da perspectiva do aluno orientando, também foi considerado uma questão importante para o aluno orientador.

 

A compreensão total do texto dependia quase exclusivamente do conhecimento do vocabulário (Ruth).

 

A maior parte das dificuldades estava no vocabulário (Anne).

 

Quando não tratado indiretamente através da análise da palavra ou da inferência pelo contexto, os problemas lexicais foram abordados de quatro maneiras diferentes: (1) tradução,

  • uso do dicionário, (3) explicação e (4) exemplificação.

No caso da tradução, a palavra era simplesmente traduzida pelo aluno orientador. Quando a palavra era procurada no dicionário, dois critérios foram mencionados: (1) importância (ex.:

 

 

o termo desconhecido era considerado uma palavra chave) e (2) frequência de ocorrência.

Algumas palavras não eram encontradas no dicionário (ex.: “superpipeline”); outras eram encontradas mas o significado não se adequava ao contexto (ex.: “dithering”). Nesses casos, dependendo da competência do orientador, oferecia-se uma explicação:

 

Eu disse para ele que “flatbed” era como no xerox, onde a folha inteira é escaneada pela máquina (Roger).

 

Houve também alguns casos de exemplificação em que o orientador procurava tornar o significado bem expressivo, às vezes incluindo visualização:

 

“Tiny holes”: o inseto era tão pequeno que era quase invisível. Havia um buraco no meio da rua e um cara caiu dentro. Este buraco era grande, mas no texto são minúsculos (Ruth).

 

Os sintagmas nominais foram apresentados como um problema sério. No inventário apareceram exemplos como:

 

“Intel’s double-fast CUP’s” “Tightly-packed light sensors”

“Standard database management system interface”

 

Alguns orientadores admitiram que foram incapazes de resolver alguns dos exemplos encontrados:

 

Esta expressão é uma que eu não sei resolver. Acho que é preciso muita leitura e conhecimento do assunto. Este caso está além da minha competência em inglês (Vinicius).

 

Eu disse para ele que não podia dar uma tradução exata da expressão mas apenas uma ideia geral (Gustavo).

 

 

Outros orientadores, no entanto, procuraram oferecer algum tipo de ajuda, sugerindo algumas estratégias:

 

É o contrário do português. Em inglês a palavra principal vem no fim. Trate o resto como adjetivos ou advérbios (Roger).

 

Minha sugestão neste ponto foi mostrar que a regra geral é considerar a última palavra como um substantivo e o que vem antes como adjetivos. Para esses adjetivos a melhor sequência é aquela que faz sentido. É comum também que uma mesma expressão tenha vários significados; não se sabe realmente o que o autor queria dizer quando escreveu (Juliano).

 

Essas citações refletem o ponto de vista da maioria dos alunos proficientes, mas é preciso ressaltar que não há unanimidade aqui. Dos onze alunos orientadores houve pelo menos um que demonstrou uma visão bastante conservadora da leitura e se concentrou totalmente no estudo do vocabulário:

 

À medida que a gente ia trabalhando ficou claro que quase todas os problemas do meu orientando estavam restritos ao vocabulário (Cristiano).

 

O diário de Cristiano era uma longa lista de palavras em inglês com sua tradução em português. Aparentemente só tentava inferir o significado quando a palavra não estava no dicionário:

 

“Clunkier”: Não está no dicionário. Pelo que está no texto dá para ver que não é uma palavra com significado positivo. Talvez alguma coisa burocrática, dolorosa, enfadonha.

 

Dos onze alunos orientadores, houve um que não forneceu dados suficientes para análise. Aparentemente não teve tempo para se encontrar com seu orientando.

 

 

Conclusão

 

Os onze leitores proficientes deste estudo foram solicitados a ajudar outros leitores, não proficientes, a selecionar um artigo, auxiliar na leitura detalhada do texto e escrever um diário sobre a experiência. O objetivo foi tentar descobrir qual o ponto de vista que esses leitores tinham da leitura e de seu ensino. Os dados foram obtidos indiretamente através das entradas que faziam nos diários.

Há nessa metodologia dois fatores que, a meu ver, contribuem para a confiabilidade dos resultados. Um é que os alunos orientadores não foram explicitamente solicitados a ensinar o outro a ler, como se fosse um curso de leitura; pediu-se apenas que o ajudassem a entender um determinado e único texto. Não houve, portanto, qualquer menção de que deveriam desenvolver habilidades de leitura em geral, que pudessem servir para outros textos. Não era um professor dando aula para uma turma; era um aluno sentado ao lado de um colega tentando ajudá-lo.

O outro fator, relacionado ao primeiro, foi que os alunos também não foram solicitados a expor suas concepções sobre o que é leitura e como se ensina; pediu-se que escrevessem um diário da experiência. O que acabou saindo sobre estratégias da leitura pode ser considerado como produção espontânea, não diretamente solicitada pelo pesquisador. Se, sem serem solicitados, optaram por expressar suas opiniões sobre o que entendem como uma metodologia do ensino da leitura, fornecem dados que me parecem mais autênticos do que se fossem obtidos através de um outro instrumento como, por exemplo, um questionário.

Essas opiniões, genuínas a meu ver, sugerem que os leitores proficientes percebem a leitura como uma fusão de duas competências: estratégica e linguística. Em termos de estratégias de leitura, destacaram a importância da leitura desobstruída, aquela que flui o mais serenamente possível, sem interrupções para buscar uma palavra no dicionário, por exemplo. Palavras desconhecidas devem ser inferidas do contexto ou mesmo

 

 

ignoradas se não forem essenciais para o significado. Em termos de competência linguística os leitores proficientes demonstraram preferência por uma abordagem diversificada, do léxico à sintaxe, incluindo, por exemplo, o estudo da formação de palavras e a estrutura dos sintagmas nominais.

Essas concepções não são muito diferentes do que pode ser considerado como procedimento padrão no ensino da língua instrumental da língua estrangeira. Na prática há uma semelhança muito grande entre o que os leitores proficientes pensam do ensino da leitura e o que os professores experientes fazem na sala de aula. Teoricamente, a concepção dos alunos de que os leitores processam o texto seletivamente não é muito diferente do conceito de redundância de Goodman (1972) e da hipótese da compensação de Stanovich (1980) – dois conceitos básicos que subjazem muitas das práticas no ensino instrumental da língua estrangeira.

A principal conclusão deste estudo, portanto, é de que aquilo que os professores de língua instrumental fazem na sala de aula apoia-se não só no referencial teórico que embasa a disciplina, mas também tem suporte nas crenças dos leitores proficientes de língua estrangeira. Os resultados obtidos nesta investigação indicam, de modo até veemente, que se quisermos questionar o embasamento teórico da língua instrumental, temos que questionar também as concepções que os leitores proficientes têm da leitura, o que é uma tarefa mais difícil, considerando que foi provavelmente por suas concepções que eles tornaram-se leitores proficientes da língua estrangeira.

O problema, a meu ver, é a ameaça de uma ênfase exclusiva nas estratégias em detrimento da competência linguística. O sentido que se constrói de um texto, usando apenas a competência estratégica, pode ser muito limitado, na medida em que fica apenas no conhecimento prévio que já tenho do tópico, sem possibilidade de expandi-lo. Essa dicotomia entre a competência estratégica e linguística será o tópico do próximo capítulo.

 

194                                     Vilson J. Leffa

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       195

Capítulo 10

A leitura da outra língua Uma crítica das estratégias11

 

Introdução

 

O ensino da leitura em língua estrangeira tem se debatido, a meu ver, com um problema crucial, ainda não resolvido pelas metodologias empregadas até o momento: o que exatamente o aluno de nível universitário precisa aprender para usar adequadamente um texto escrito na língua estrangeira?

Dois pontos precisam ser definidos com clareza para responder a essa pergunta: (1) o que é ler e (2) o que o aluno já sabe sobre o processo da leitura. Uma definição do ato de ler deve incluir o papel da língua na leitura, aspectos linguisticamente específicos e universais da leitura, os diferentes objetivos com que se pode abordar um texto e a interação do leitor com o texto para a obtenção do significado. Na avaliação do que um determinado aluno sabe explícita ou implicitamente sobre o processo da leitura, incluem-se noções de adequação entre o suporte de um texto e o texto propriamente dito, conhecimento de estratégias para a solução de problemas encontrados na leitura e adequação entre estratégia e o objetivo da leitura.

Existe uma ampla bibliografia sobre a teoria e prática da leitura em primeira língua, alguma coisa sobre a leitura na segunda língua e praticamente nada sobre o que o aluno universitário brasileiro sabe sobre leitura. A opinião geral, a julgar pelos comentários informalmente expressos em encontros de professores, é de que o aluno universitário não sabe ler – embora dados estatísticos sobre a real situação desse aluno em termos de leitura sejam inexistentes.

11 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em: LEFFA, Vilson J. A leitura da outra língua. Leitura: Teoria e Prática, Campinas, SP, v. 8, n. 13, p. 15-24, 1989.

 

 

De um lado temos, portanto, o fenômeno da leitura, que, se ainda não foi estudado com a profundidade com que desejariam alguns pesquisadores, pode pelo menos ser explicado e aplicado através de vários modelos teóricos, de acordo com a preferência de cada professor. Do outro, temos o aluno universitário brasileiro, do qual muito se fala mas pouco se sabe. Um perigo desse desnível de conhecimento é que se pode extrapolar o que se sabe sobre a teoria da leitura para compensar o que não se sabe sobre o aluno. O pouco que existe de pesquisa sobre leitura em língua estrangeira no Brasil, por exemplo, são, via de regra, propostas para a aplicação de modelos importados da primeira língua – e não pesquisas para testar a validade dessas propostas no contexto da língua estrangeira.

O risco maior dessa transposição da primeira para a segunda língua é que se pode estar tentando ensinar ao aluno o que ela já sabe, deixando de ensinar o que ele realmente precisa aprender. O fato de que no contexto da primeira língua o aluno possui o domínio básico do idioma, enquanto desconhece as habilidades da leitura – exatamente o contrário do que acontece no contexto da segunda língua – pode invalidar muitas das premissas atualmente defendidas sobre o ensino da leitura na segunda língua.

 

Estratégias de leitura

 

A maioria dos modelos propostos para o ensino da leitura em língua estrangeira deriva das teorias de Goodman (1976) e Smith (1978). A leitura não é um processo ascendente de decodificação do texto, de mera extração de significados, mas um processo descendente, onde o leitor não extrai do, mas atribui ao, texto um significado.

O sucesso da compreensão leitora depende da atividade do leitor. O bom leitor é aquele que sabe selecionar das inúmeras atividades possíveis do ato de ler aquela que é mais adequada ao texto e ao objetivo de uma determinada leitura. Haverá momentos em que para resolver uma dúvida é aconselhável reler um determinado segmento do texto e outros em que o correto é

 

 

prosseguir na leitura. Segundo BROWN (1980), o leitor eficiente é aquele que:

  1. Determina o objetivo de uma leitura e seleciona as estratégias adequadas a esse objetivo (se está procurando um automóvel nos anúncios classificados sabe como correr os olhos pela página até encontrar o que deseja).
  2. Identifica as ideias principais e secundárias de um texto (sabe quando o autor está resumindo um parágrafo, dando um exemplo ou acrescentando um detalhe).
  3. Distribui a atenção de maneira diferenciada, concentrando-se mais nos aspectos importantes e menos nos
  4. Avalia constantemente a compreensão (“estou entendendo muito bem isto aqui”, “esta parte não entendi bem”).
  5. Interroga-se para avaliar se os objetivos da leitura estão sendo atingidos (“o que não entendi é importante para o que quero desta leitura?”).
  6. Toma medidas corretivas quando detecta falhas na compreensão (relê o parágrafo, lê adiante, consulta o dicionário, faz um esquema).
  7. Recupera-se das distrações ocorridas durante a

 

O uso dessas estratégias dá ao leitor a capacidade de avaliar a própria compreensão, fazendo com que a leitura deixe de ser uma atividade mecânica para se tornar um processo consciente de construção do significado. O leitor volta-se para si mesmo e, metacognitivamente vai adquirindo maior consciência do próprio ato de ler. À medida que vai desenvolvendo essa consciência, o leitor torna-se mais eficiente aprende a detectar ambiguidades e incoerências do texto; questiona o que lê; estabelece objetivos para cada tipo de leitura: avalia o próprio comportamento durante o ato da leitura; aprende a resolver problemas de compreensão, selecionando as estratégias adequadas; torna-se eficiente na adoção de diferentes estilos de leitura para atingir diferentes objetivos.

 

 

Uma característica comum dos vários modelos propostos para o ensino da leitura em língua estrangeira é a ênfase nessas estratégias metacognitivas. A meu ver, podemos encaixar esses modelos em três paradigmas fundamentais: (1) o paradigma aluno- não-sabe, (3) o paradigma alguns-alunos-sabem e (3) o paradigma todos-os-alunos-sabem.

Segundo o paradigma aluno-não-sabe, para aprender a ler é preciso adquirir estratégias específicas, cujo conhecimento é de domínio do professor. À medida que o aluno vai frequentando as aulas, o professor vai aos poucos revelando as estratégias e treinando os alunos no seu uso.

O paradigma alguns-alunos-sabem apresenta uma sofisticação maior. Alguns alunos sabem ler, outros não. O que o professor tem a fazer é identificar as estratégias dos alunos que sabem e ensiná-las aos que não sabem.

Finalmente, no paradigma todos-os-alunos-sabem, o professor trabalha no sentido de mostrar ao aluno que o que ele já sabe deve ser usado para ajudar naquilo que ele ainda não sabe.

 

Paradigma aluno-não-sabe

 

O que o aluno não sabe, e que o professor tenta ensiná-lo, nesse paradigma, é que a leitura é um jogo psicolinguístico de adivinhação (GOODMAN, 1976). O leitor processa apenas parte da informação dada pelo texto, explorando a redundância da língua e seu próprio conhecimento de mundo para preencher os segmentos não processados e obter assim uma representação adequada do texto. Pelo suporte do texto (jornal, rótulo), pelo título, ilustrações e recursos tipográficos o leitor pode prever o conteúdo de um determinado texto, acionar os esquemas psicolinguísticos apropriados e ter uma compreensão melhor do que se desviasse sua atenção para o significado de cada palavra. A concentração da atenção nos componentes mais elevados da leitura (uso de inferências, estabelecimento do objetivo de uma determinada leitura etc. é uma das condições essenciais para atingir a compreensão).

 

 

Segundo Clarice; Silberstein (1977), cabe ao professor treinar os alunos para descobrir seus próprios objetivos e estratégias para cada tipo de leitura, dar-lhes prática e incentivo no uso de um número mínimo de pistas semânticas e sintáticas para obter o máximo de informação, e incentivá-los para que se arrisquem, adivinhem e “ignorem os impulsos de estarem sempre corretos” (p. 135).

Descontando pequenas variações entre livros didáticos e problemas de especificação de terminologia, é possível classificar as estratégias de leitura em quatro grandes tipos: (1) rastreamento (scanning), (2) leitura dos pontos principais (skimming), (3) leitura detalhada e (4) leitura crítica.

O rastreamento de um texto em busca de uma informação específica é a estratégia de leitura de mais fácil implementação pedagógica. Essencialmente consiste em passar os olhos rapidamente pela página até encontrar a informação desejada. Segmentos em que tipicamente se faz o rastreamento são compostos de números e palavras isoladas, em vez de frases e parágrafos. Entre os exemplos desse tipo estão os dicionários, listas telefônicas, anúncios classificados, cardápios, programação de televisão, horário de aviões etc.

A leitura dos pontos principais visa captar numa leitura rápida a ideia geral de um determinado texto. Usa-se essa estratégia, por exemplo, quando se deseja apenas descobrir qual o tópico de um determinado artigo, que posição assume o autor em relação ao tópico, ou se o texto merece ou não uma leitura posterior mais atenta. A técnica geralmente envolve a elaboração de inferências a partir do título, subtítulos, ilustrações, nome do autor, leitura da primeira frase de cada parágrafo etc.

A leitura detalhada visa, tanto quanto possível, a compreensão total do texto, incluindo as ideias principais e os detalhes. É a leitura no sentido mais tradicional do termo, ou seja, a capacidade de usar as habilidades do ato de ler, incluindo as pistas grafofonêmicas lexicais, sintáticas e discursivas.

Finalmente, a leitura crítica leva o leitor a tomar uma posição diante do texto, questionando, entre outras coisas o

 

 

objetivo para o qual o texto foi produzido, o tipo de leitor para quem foi escrito, o conhecimento prévio pressuposto pelo autor. Cabe ainda, neste tipo de leitura, o questionamento da validade das conclusões diante da evidência mostrada pelo autor, o desenvolvimento da capacidade de discriminar fato de opinião e o estabelecimento de relações entre o que o autor propõe e a experiência pessoal do leitor.

O maior problema do ensino da leitura em língua estrangeira está, a meu ver, na leitura detalhada – justamente a que o aluno encara como a verdadeira leitura – e que significa pegar um artigo de uma revista ou o capítulo de um livro e lê-lo do começo ao fim sem maiores problemas de compreensão. É a leitura independente, que flui rápida e fácil, sem necessidade de constantes idas ao dicionário ou outros tipos de interrupção.

Para atingir esse nível de leitura, várias estratégias de aprendizagem têm sido propostas. Entre as mais comuns, temos o uso do contexto, análise morfológica da palavra desconhecida, identificação por semelhança com uma palavra cognata, uso do conhecimento de mundo, prosseguimento na leitura, ignorando a palavra desconhecida, uso de pistas gráficas, sintáticas e retóricas etc.

O uso do contexto para inferir o significado é a estratégia citada com mais frequência

 

Inferir o significado de palavras novas usando o contexto é provavelmente a habilidade mais importante. Os alunos devem ser conscientizados de que há um grande número de pistas lingüísticas que podem ser usadas quando se encontra uma palavra desconhecida. Precisam saber que normalmente é possível continuar a leitura e obter uma compreensão geral da palavra. Ao trabalhar com o contexto, os professores devem conscientizar os alunos dos parâmetros sintáticos e semânticos. Pode-se enfatizar a redundância da língua demonstrando os tipos de contextos que podem fornecer o significado de uma palavra desconhecida (CLARKE; SILBERSTEIN, 1977, p. 145).

 

 

A meta básica do paradigma aluno-não-sabe é desenvolver no aluno um repertório variado de estratégias. Sarig (1987) lista 44 estratégias de leitura que o aluno pode usar para tentar a compreensão do texto.

 

Paradigma alguns-alunos-sabem

 

Enquanto que no paradigma anterior parte-se de um referencial teórico pré-existente, elaborado para explicar o fenômeno da leitura em termos gerais, geralmente em relação à língua materna, no paradigma alguns-alunos-sabem, procura-se, num primeiro momento, descobrir quais as estratégias usadas pelos bons leitores, para depois, num segundo momento, ensinar essas mesmas estratégias aos outros alunos.

Após uma série de estudos, Hosenfeld (1977), entrevistando bons e maus leitores, concluiu, depois de examinar os protocolos das entrevistas, que há muitas diferenças entre um tipo de leitor e outro.

O bom leitor:

 

retém o significado do texto na memória à medida que lê; lê em segmentos grandes (não palavra por palavra); ignora as palavras que não são importantes para o significado total da frase; e tem um autoconceito positivo como leitor (H0SENFELD, 1977, p. 120).

 

O mau leitor:

 

esquece o significado das frases assim que as decifra; lê em segmentos pequenos; raramente vê uma palavra como menos importante já que para ele todas as palavras têm importância igual em termos de sua contribuição para o sentido da frase, e tem um autoconceito negativo como leitor (p. 120).

 

A primeira tarefa do professor, dentro desse paradigma é identificar as estratégias de leitura usadas pelos alunos. Para isso

 

 

o aluno deve ser instruído em como relatar ao professor a maneira pela qual atribui significado a um texto. Esse relato deve ser feito, tanto quanto possível, de modo introspectivo – no decorrer do próprio ato da leitura. Durante a entrevista, cada aluno é solicitado a “pensar em voz, alta” à medida que vai lendo, enquanto o professor anota as estratégias observadas numa ficha. Com base nos dados da ficha é possível fazer um perfil de cada aluno, que estratégias são usadas e se de modo satisfatório ou não.

Feito esse levantamento, o professor procura desenvolver

o conceito de estratégias no aluno, demonstrando que há estratégias que ajudam a compreensão, tomando a leitura mais rápida e eficiente, outras que dificultam e até impedem a compreensão e finalmente outras que parecem ajudar mas que atrapalham a leitura, tornando-a pesada e cansativa.

Parte-se então para a instrução, prática e integração das estratégias de leitura, iniciando com textos na língua materna do aluno e promovendo a transferência dessas estratégias para a leitura da língua estrangeira. A meta é levar o aluno a explorar com inteligência a redundância do texto. Usando o contexto de modo adequado, diminui-se o número de consultas ao dicionário, e a leitura torna-se mais rápida, significativa e interessante.

 

Paradigma todos-os-alunos-sabem

 

Ao contrário do aluno que está aprendendo a ler na língua materna, o aluno que precisa aprender a ler numa segunda língua, principalmente o aluno universitário, já possui uma grande experiência de mundo, incluindo a vivência com vários tipos de textos. A hipótese é de que esse conhecimento pode auxiliá-lo no que ele ainda não sabe para usar adequadamente o texto da língua estrangeira.

É o que se conhece na teoria da leitura como hipótese da compensação. Quando uma determinada fonte de conhecimento para a obtenção do significado não pode ser ativada, outras fontes de conhecimento ampliam sua atuação de modo que, por caminhos alternativos, chega o leitor também ao significado do texto. Onde

 

 

faltar, por exemplo, familiaridade com uma determinada palavra, o leitor pode recorrer ao esquema mental ativado durante a leitura e deduzir o significado da palavra desconhecida.

A teoria funciona nas duas direções, tanto do geral para o particular como do particular para o geral. Segundo Stanovich:

 

Déficit em qualquer fonte de conhecimento resulta numa dependência maior em outras fontes de conhecimento, independente de seu nível na hierarquia de processamento. Assim, de acordo com o modelo compensatório interativo, o leitor fraco que é deficiente na habilidade de análise de palavras, pode talvez demonstrar maior emprego dos fatores contextuais (itálicos no original) (STANOVICH, 1980, p. 63).

 

Crítica dos paradigmas

 

No primeiro paradigma – o aluno-não-sabe – parte-se, a meu ver, de uma abordagem primordialmente quantitativa. O sucesso na leitura está relacionado à proficiência do leitor no uso de diversas estratégias. Para aprender a ler na língua estrangeira o que o aluno precisa é aprender essas estratégias. Quanto mais estratégias o leitor conhece e aplica, mais eficiente será sua leitura.

O primeiro problema desse paradigma é que o uso de uma estratégia é, por definição, uma atividade consciente e que envolve, portanto, a atenção. Quando o leitor, por exemplo, encontra uma palavra desconhecida e precisa usar o contexto para adivinhar o significado da palavra ou reduzir a incerteza, a atenção é desviada e o processo de compreensão da leitura fica momentaneamente suspenso. A compreensão é mais eficiente quando não se encontram problemas de compreensão.

Outro problema desse paradigma repousa, a meu ver, numa incoerência. De um lado pressupõe-se que a leitura seja um fenômeno universal, facilmente transferível de uma língua para outra; de outro, propõe-se que o leitor de uma língua, para aprender a ler em outra, deva ser instruído no uso de estratégias de leitura, que, fundamentalmente não são diferentes de uma língua para outra.

 

 

A constatação de que ao ler numa língua estrangeira o leitor precisa apelar conscientemente a um número maior de estratégias demonstra, a meu ver, que a solução não está em desenvolver mais estratégias, mas em criar um outro tipo de conhecimento que dispense ou, pelo menos, diminua, a necessidade de usar tantas estratégias. Que tipo de conhecimento é esse, veremos mais adiante.

O paradigma alguns-alunos-sabem segue uma abordagem mais qualitativa. O importante não é a quantidade de estratégias usadas pelo leitor mas a sua qualidade, já que, segundo o paradigma, há estratégias certas e erradas. O papel do professor é fazer um levantamento das estratégias certas junto aos bons leitores e dar condições para que os leitores deficientes as aprendam.

Entende-se geralmente por estratégia certa aquela que parte dos níveis superiores da leitura (ex.: uso de inferências). O bom leitor é aquele que não só capitaliza na redundância da língua para chegar ao significado mas que também usa seu próprio conhecimento de mundo para preencher as lacunas do texto.

Pesquisas realizadas sobre o papel dessas estratégias na leitura em segunda língua têm, no entanto, lançado algumas dúvidas sobre sua eficácia. Não é fácil estabelecer uma relação inequívoca entre o uso de estratégias consideradas como certas e a proficiência em leitura.

Bialystok (1979), após um levantamento das estratégias de inferência relatadas pelos alunos (uso de ilustrações, conhecimento prévio do assunto, contexto, palavras cognatas) descobriu que o maior ou menor grau de inferência usada pelos leitores não tinha relação com o grau de compreensão da leitura. Cohen (1986), ao descrever uma série de estudos sobre estratégias de leitura, realizadas na Universidade Hebraica de Jerusalém, transcreve o seguinte protocolo de uma leitora,

considerada entre as mais eficientes do grupo:

 

 

(Ao encontrar um problema) uso o dicionário e pergunto aos outros. Nunca pulo uma frase ou uma palavra. Tudo é importante. Leio sempre palavra por palavra e quase sempre recomeço a leitura quando não entendo alguma coisa. Não me canso e não desisto (COHEN, 1986, p. 11).

 

O que é portanto considerado como uma estratégia errada

– leitura palavra por palavra – é, no caso dessa leitora, uma estratégia eficaz em termos de compreensão de leitura.

Sobre as limitações do paradigma todos-os-alunos-sabem, é interessante lembrar, em primeiro lugar, que para Stanovich, que propõe o modelo interativo da compensação, o acionamento do mecanismo de compensação caracteriza, não a leitura eficiente, mas a leitura deficiente. A leitura ideal flui automaticamente sem necessidade de busca de informações adicionais nos elementos contextuais ou na experiência prévia do leitor. Para Stanovich é sempre mais eficiente ler e entender a palavra seguinte do que elaborar hipóteses sobre seu significado. “A ideia de que uma maior habilidade em usar a redundância contextual para facilitar o reconhecimento de palavras também diferencia o bom do mau leitor pode estar errada” (STANOVICH, 1980, p. 45). O bom leitor pode ser mais sensível ao contexto, mas depende menos dele (p. 46).

Uma limitação mais séria da hipótese da compensação é que ela talvez não funcione como propõe Stanovich. Freebody; Anderson (1983), em dois experimentos com alunos de sexta série do primeiro grau, não conseguiram comprovar a hipótese. No primeiro experimento não detectaram qualquer interação entre dificuldade de vocabulário e coesão textual. A explicação sugerida pelos autores é de que a inexistência dessa interação se deveu ao fato de que apenas o vocabulário afetou a compreensão da leitura; o grau de coesão do texto, em si, não produziu qualquer efeito.

No segundo experimento, além da dificuldade de vocabulário, os autores controlaram a ativação de esquemas sobre o assunto do texto. A ativação de esquemas adequados (familiaridade) com o tópico influi na compreensão do texto. Não

 

 

houve, no entanto, mais uma vez, qualquer interação entre familiaridade com o tópico e dificuldade do vocabulário. Segundo os autores, esses resultados não confirmaram a hipótese de que a presença de uma fonte de conhecimento pode compensar a falta de uma outra.

 

O paradoxo do vocabulário

 

O domínio consciente de estratégias de leitura não parece ser, portanto, o conhecimento mais importante para habilitar alguém a ler numa língua estrangeira. A tese de que o aluno universitário deve receber instrução maciça em técnicas de leitura (rastreamento do texto, leitura dos pontos principais, leitura detalhada, inferenciação a partir do contexto etc.) para compensar a falta de conhecimento da língua é, no mínimo, questionável.

Duas coisas podem acontecer quando o leitor tenta usar suas estratégias de leitura numa língua que não conhece. Em primeiro lugar, usando a terminologia de Clarke (1980), as estratégias podem entrar em curto-circuito – a falta de competência linguística impede o leitor de transferir para a segunda língua as estratégias que aprendeu na primeira.

Em segundo lugar, geralmente quando conhece a língua um pouco melhor, o leitor consegue aplicar a estratégia, mas distorce o significado, submetendo o texto aos limites de seu conhecimento do mundo. Em vez de adequar a estratégia ao texto, muda o texto para que possa ser usado pela estratégia que aplica. Um exemplo dessa distorção é apresentado por Laufer; Sim (1985). Após lerem um texto de Margaret Mead em que a autora sugere que meninos e meninas devem receber uma educação diferente, os sujeitos da experiência insistiram, erroneamente, que a autora defendia a mesma educação para ambos os sexos. A causa do erro de interpretação só apareceu na entrevista com os alunos, quando afirmaram que “ninguém hoje em dia ia ter a coragem de sugerir uma educação diferente para homens e mulheres, muito

menos uma escritora” (LAUFER; SIM, 1985, p. 9).

 

 

Esses e outros estudos (LEFFA, 1984; ATTAPRECHAKUL, 1984) parecem sugerir, à primeira vista, que o que o aluno precisa mesmo num curso de leitura em língua estrangeira não é instrução nas técnicas de leitura mas instrução na língua. Leitura, no sentido comum da palavra, é uma manifestação da língua não existindo leitura sem processamento sintático. O próprio Goodman reconhecia isso: “Realmente creio que o leitor deve passar pela sintaxe para chegar ao significado” (GOODMAN, 1976-77, p. 579). Mesmo proponentes de abordagens estratégicas para o ensino da leitura em língua estrangeira parecem aceitar a prioridade do conhecimento da língua:

 

Tentar ensinar alguém a usar as pistas fonêmicas, morfêmicas, sintáticas, semânticas e discursivas de uma língua antes que ele saiba quais são, como e quando ocorrem, e suas variações contextuais, parece fora da realidade (CLARKE, 1979, p. 139).

 

Ênfase na língua, porém, esbarra num paradoxo da leitura: a compreensão do texto está altamente correlacionada com o conhecimento do vocabulário, mas o ensino do vocabulário não aumenta a compreensão do texto. Isso foi demonstrado, entre outros pesquisadores, por Tuinman; Bray (19’74). No pré-teste da experiência, usando alunos do primeiro grau, mediram seu nível de compreensão do texto e o conhecimento do vocabulário difícil encontrado no texto. Depois, usando diferentes exercícios, treinaram os alunos no domínio das palavras difíceis através de definições exemplos e até uso de contexto. Finalmente, no pós- teste, mediram a aprendizagem do vocabulário e a compreensão do texto. O conhecimento do vocabulário aumentou cerca de 20%, mas a compreensão do texto permaneceu praticamente a mesma.

 

 

Uma direção a pesquisar

 

Os resultados das pesquisas realizadas no campo da leitura, tanto da primeira como da segunda línguas, parecem apontar para uma constatação bem simples: não é possível ainda especificar o que o aluno precisa aprender para poder ler na língua estrangeira

– certamente não são listas de palavras desconhecidas (o ensino da língua para a leitura) e provavelmente não são estratégias a leitura (o ensino da leitura na língua).

Não é possível ainda – e talvez nem desejável decompor – o ato da leitura em pequenos elementos, identificar que conteúdos

o aluno já possui e dar a ele instrução específica nos conteúdos que ele ainda não tem. Por enquanto a receita mais segura para se aprender a ler é lendo.

A proposição, provavelmente mais fácil de enunciar do que implementar, implica uma revisão das práticas e conceitos mais ou menos consagrados no ensino da leitura da língua estrangeira. Essas práticas, a meu ver, incorrem em mais uma incoerência: a do texto autêntico. Uma premissa implícita nas técnicas de leitura usadas no ensino da leitura em língua estrangeira, é de que deve haver uma adequação entre o texto e o leitor, ou seja, um determinado texto é sempre produzido tendo em vista um determinado leitor. No entanto, ao defender que o aluno num curso de leitura em língua estrangeira deve ser exposto ao texto autêntico, está se expondo o aluno a um texto que absolutamente não foi produzido para ele. A ideia amplamente apregoada de que se deve simplificar a tarefa de leitura e não o texto é, em minha opinião, um sofisma que tem sido a causa de muitos fracassos de cursos de leitura em língua estrangeira. A insistência em textos autênticos, que muitas vezes exigem uma competência linguística que o aluno não possui, pode impedir que o aluno leia – e não lendo não aprende a ler.

Os textos simplificados por outro lado, têm se caracterizado pela insipidez, secura de estilo, de pouco valor comunicativo e até de inteligibilidade reduzida pela amputação de marcadores retóricos importantes. A meu ver, o maior problema com os textos

 

 

simplificados existentes atualmente é que eles são produzidos para um mercado internacional, para serem consumidos tanto pelo aluno de uma escola secundária chinesa como pelo aluno universitário brasileiro, que em comparação com o aluno chinês, para citar apenas duas diferenças, fala uma outra língua e lê numa outra ortografia. É muito difícil produzir um texto que atenda satisfatoriamente leitores tão distantes e tão diferentes.

Acredito que a solução para propiciar experiência de leitura a alunos principiantes não está nem em textos simplificados nem em textos autênticos, mas em textos que poderíamos chamar de simulados. A característica do texto simulado, e sua vantagem sobre o texto simplificado, é que, dependendo da primeira e segunda línguas envolvidas, pode-se produzir textos com as características essenciais do discurso autêntico. No caso, por exemplo, do aluno universitário brasileiro, falante da língua portuguesa, que precisa ler textos em língua inglesa, mesmo com conhecimento primário dessa língua, é possível preparar textos simulados altamente inteligíveis para o aluno, sem prejudicar a coesão que caracteriza o texto verdadeiro.

A passagem pelos textos simulados pode ser rápida e deve combinar facilidade de texto com facilidade de tarefa de leitura, em ordem crescente de dificuldade. Quanto à introdução dos textos autênticos, a ordem de apresentação pode ser a mesma, partindo da premissa de que, mesmo entre os textos autênticos, existe uma variação muito grande em termos de dificuldade (há provavelmente textos autênticos de leitura mais fácil para o aluno universitário brasileiro do que muitos dos chamados textos simplificados).

 

Conclusão

 

O pouco que sabemos sobre o processo da leitura é ainda muito controvertido para que possamos usá-lo com confiança num curso de leitura em outra língua. Muitas das premissas subjacentes na prática pedagógica não têm respaldo nos achados da pesquisa a respeito da leitura. O emprego de estratégias de ordem superior

 

 

por parte do leitor, por exemplo (uso do contexto e do conhecimento prévio), tidas como características da boa leitura pode ser questionado. A hipótese da compensação, onde a falta de uma fonte de conhecimento na leitura pode ser compensada pela extrapolação de um outro conhecimento, também não parece funcionar como creem alguns teóricos da leitura.

Pouco também se sabe sobre o que o aluno universitário brasileiro sabe sobre leitura, correndo-se o risco de perder tempo tentando ensinar o que ele já sabe ou confundindo-o, pressupondo nele uma competência que não possui.

Combinando o que se desconhece do processo da leitura em língua estrangeira com o que se desconhece do aluno fica muito difícil identificar com qualquer grau de precisão o que esse aluno deve aprender para poder ler um texto na língua estrangeira. A constatação dessa dupla ignorância, porém, não tira do aluno a necessidade de aprender. De alguma maneira, o professor terá que dar ao aluno as condições necessárias para que essa aprendizagem se realize.

A sugestão dada aqui é de que se gradue o texto e a tarefa, de modo a dar ao aluno mesmo deficiente em competência linguística, a experiência da leitura. Não se aprende a ler nem decorando listas de palavras nem estudando uma taxonomia de estratégias; aprende-se a ler lendo.

 

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       211

Capítulo 11

Texto autêntico e interdisciplinaridade

em língua instrumental Utopia ou realidade?12

 

 

Introdução

 

O ensino de línguas com objetivos instrumentais (ex.: Inglês para Medicina, Francês para Informática) enfrenta um problema de coerência entre a teoria e a prática. Se no nível teórico prega-se uma convivência mais ou menos íntima entre o professor de línguas e os conteúdos de outras disciplinas – incluindo não só a linguística, a psicologia e a pedagogia, mas até a geografia, a biologia ou qualquer outra disciplina para cuja compreensão a língua está sendo trabalhada – no nível da prática de sala de aula, essa convivência é muitas vezes ignorada. O resultado é a contradição entre princípios fundamentais de disciplinas teóricas, com as quais convive o professor, e o que é feito com os alunos, onde os princípios não são aplicados. O objetivo deste capítulo é mostrar essa contradição entre princípios e procedimentos, apontar para as dificuldades que o professor de línguas instrumentais enfrenta e sugerir algumas soluções.

 

A interdisciplinaridade do professor

 

O primeiro problema que o professor de línguas instrumentais precisa resolver é o de estabelecer a fronteira entre o que pertence ao seu campo de atuação e o que deve ser deixado de fora. Esse é um problema de qualquer disciplina, mas torna-

 

12 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em: LEFFA, Vilson J. Texto autentico e interdisciplinaridade em Língua Instrumental: Utopia ou realidade? Letras, n. 4, p. 33-40, 1992.

 

 

se crucial no ensino de línguas que, por ser ao mesmo tempo língua e ensino, já é, de sua própria natureza, interdisciplinar.

Para construir um campo coerente de conhecimento no ensino de línguas é necessário recorrer a outras disciplinas e, ao fazer isso, corre-se o risco de incluir tanto a menos como a mais. Se incluímos a menos, o ensino de línguas, por ser uma ciência extrinsecamente interdisciplinar, pode ficar escravo de uma determinada disciplina. Passa a ser considerada uma ciência parasita, com permissão de viver apenas enquanto a ciência hospedeira estiver disposta a alimentá-la.

Foi o que aconteceu, por exemplo, quando o ensino de línguas ignorou as contribuições das ciências do ensino e se ateve apenas à parte da língua. Ao ficar totalmente dependente da linguística, o ensino de línguas passou a ser considerado, às vezes como uma ciência de terceira categoria, outras vezes como uma área sem identidade própria. Como área sem identidade, confundia-se com a linguística aplicada. Como ciência de terceira categoria, o ensino de línguas ficava subordinado à linguística aplicada, por sua vez subordinada à linguística pura.

Por outro lado, corre-se também o risco de perder a respeitabilidade quando se recorre a muitas fontes. Os contatos são muito superficiais e não permitem uma interpenetração suficientemente profunda para gerar a interdisciplinaridade. Pontos relevantes das outras ciências deixam de ser compreendidos e, por isso, aproveitados. Busca-se a interdisciplinaridade mas fica-se apenas numa espécie de promiscuidade intelectual.

O ensino de línguas, portanto, precisa não só decidir com quem deseja interagir mas também que tipo de relação deseja desenvolver. Há, em princípio, três áreas que interessam aos professores de línguas e que se relacionam a: (1) o que se ensina;

(2) quem se ensina; (3) onde se ensina. Quanto ao tipo de relação, espera-se que não seja de superioridade mas de igualdade. Se por um lado temos a receber, possivelmente em termos de parâmetros teóricos, por outro lado também temos a contribuir, talvez com preciosos subsídios para algumas dessas teorias.

 

 

Em termos do que se ensina e pressupondo que seja algo relacionado à língua estrangeira, precisamos de outras áreas que nos ajudem a responder perguntas como: O que sabemos quando sabemos uma língua estrangeira? Será algo tão básico como os sons, as palavras e as regras específicas de uma língua que combinam essas palavras em frases? Ou será algo tão complexo como a capacidade de desempenhar papéis adequados nessa língua? Partindo do que já sabemos da primeira língua, o que mais precisamos aprender para chegar à segunda? Como professores de línguas, gostaríamos que houvesse um atalho, de modo que depois de o aluno ter adquirido uma língua não precisasse repetir todo o processo para adquirir a segunda.

Em termos de para quem ensinamos, precisamos de respostas para as seguintes perguntas: Como identificar as necessidades e expectativas dos aprendizes de línguas? Quais são as características dos aprendizes bem sucedidos? Que fatores contribuem mais para a aprendizagem da língua? Como podemos avaliar e melhorar a qualidade de nossa interação com os alunos? Até que ponto a aprendizagem depende do conhecimento prévio do aluno? Como estabelecer contato entre o que temos a oferecer e o que o aluno tem a contribuir? Qual é o papel do ambiente na aprendizagem da língua? Como promover a interação entre o aluno e o ambiente?

Em termos de onde ensinamos, precisamos de informações imediatas, tais como os objetivos de uma determinada escola ou curso, a tecnologia disponível, a comunidade onde os alunos vivem. Precisamos também de informações sobre como nos adaptarmos às circunstâncias, incluindo maneiras de explorar materiais de ensino e como ensinar uma língua para diferentes objetivos.

Podemos, portanto, ver o ensino de línguas como a incorporação de três objetos de estudo: (1) a língua que ensinamos,

  • o aluno a quem ensinamos e (3) o ambiente onde ensinamos. Esses objetos de estudo são abordados por diferentes disciplinas, cada uma delas descrevendo às vezes o mesmo objeto, mas de orientações Cabe a nós selecionar quais as disciplinas

 

 

que são mais pertinentes aos nossos interesses como professores de línguas, adquirir uma certa intimidade com os princípios e conceitos dessas disciplinas e iniciar um processo de comunicação com elas. Temos dados, descobertas e insights que podem interessar aos estudiosos dessas disciplinas. Podemos assim nos enriquecer mutuamente, construindo um conhecimento verdadeiramente interdisciplinar.

 

A multidisciplinaridade do aluno

 

Se o professor de línguas vive num mundo essencialmente interdisciplinar, o aluno, por sua vez, vive num outro que pode ser caracterizado como essencialmente multidisciplinar. Esse aluno, tanto de segundo como de terceiro graus, enfrenta um currículo dividido em várias disciplinas, muitas vezes compartimentalizadas, com um maior ou menor grau de integração.

O que tem acontecido, com uma frequência cada vez maior, é que o professor de línguas está sendo solicitado a compartilhar desse mundo multidisciplinar do aluno, incorporando diversas disciplinas às suas aulas de língua. A justificativa é de que, como a língua não existe num vácuo, ela pode integrar essas diferentes áreas de conhecimento, oferecendo aos alunos material de aprendizagem que não só seja autêntico mas que também esteja mais próximo de sua realidade. No segundo grau, o professor pode desenvolver unidades de ensino sobre tópicos como teoria dos conjuntos, reprodução humana, fusão atômica etc. No terceiro grau, são os cursos instrumentais totalmente voltados a determinadas disciplinas.

São óbvias as diferenças entre a interdisciplinaridade do professor de línguas e a multidisciplinaridade do aluno. Nesse mundo multidisciplinar, agora compartilhado pelo professor, não há um ponto de contato entre a área de conhecimento do professor e a disciplina estudada pelo aluno. Desenvolver a compreensão do processo da fusão atômica, por exemplo, exige do professor uma competência que ele normalmente não adquiriu na sua formação.

 

 

Outra diferença está nos enfoques que são dados, de um lado, ao ensino de línguas como ciência e, do outro, ao conteúdo desenvolvido na sala de aula. Quando se discute o ensino de línguas como disciplina, o enfoque é teórico, isto é, parte-se do ponto de vista do pesquisador. Quando se discute o conteúdo estudado pelo aluno, o enfoque é essencialmente didático e parte- se do ponto de vista do aluno. Fusão atômica não só é diferente da ciência do ensino de línguas, mas também é vista neste contexto numa perspectiva diferente. Há uma diferença de conteúdo e uma diferença de critério de classificação.

Isso implica que os professores de língua não só desconhecem os problemas dessas diferentes áreas de conteúdo mas também a linguagem em que esses problemas são tratados. É o que pretendemos demonstrar a seguir.

 

Texto e discurso

 

Para entender o problema é necessário esclarecer primeiro qual o conceito que podemos ter de língua. Vamos oferecer aqui dois, que definiremos operacionalmente como texto e discurso.

A língua é definida como texto quando implica apenas a capacidade de identificar uma amostra da língua como uma amostra da língua, baseando-se na coesão superficial das frases. Isso significa que quando identifico, por exemplo, como uma possível frase da língua inglesa, o segmento “Zero-wait machines are superior to page/interleave memory schemes”, então posso afirmar que sei inglês. Não sei o que “Zero-wait” significa mas sei que é parte do sujeito da frase. Baseado também no conhecimento que tenho do inglês, sei que uma coisa está sendo comparada a outra. Consigo sobrepor uma estrutura sintática ao segmento e percebo até a função pragmática da frase. É o que preciso saber para ser competente na língua. Saber uma língua neste caso não significa que eu deva relacionar formas a conceitos que vão além do núcleo comum dessa língua. Muitos falantes nativos do inglês não sabem o que significa “zero-wait” e nem por isso deixam de ser considerados competentes na língua.

 

 

A língua é definida como discurso quando implica a capacidade de desempenhar um papel nessa língua. No exemplo acima, que envolve uma frase da área da informática, o leitor deve ser capaz de desempenhar o papel de um especialista em ciências da computação lendo um periódico de sua área de conhecimento – o que significa interagir significativamente com os conceitos e relações que estão sob a superfície do texto. No exemplo dado, o leitor não só deve ser capaz de conhecer o significado de “zero-wait” mas também detectar as nuances negativas da palavra “scheme”, e desse modo perceber a intenção do autor ao escolher essa palavra em vez de um termo mais neutro como “design”.

Vamos agora demonstrar como essas duas definições de língua funcionam numa situação de sala de aula, usando o texto seguinte, que é uma passagem autêntica de um manual do usuário da área de informática:

 

iscntrl:

Syntax: int iscntrl(int c)

iscntrl is a macro that classifies ASCII-coded integer values by table lookup. It is a predicate returning nonzero for true and 0 for false. It is defined only when isascii(c) is true or c is EOF.

You can make this macro available as a function by undefining (#undef) it.

iscntrl returns nonzero if c is a delete character or ordinary control character (0x7F or 0x00 to 0x1F ) (Turbo C++, 1990, p. 295).

 

Usando a primeira definição de língua – que envolve apenas a capacidade de identificar uma amostra da língua como uma amostra da língua – vejamos alguns tipos de perguntas que poderiam ser feitas sobre o texto:

 

  1. Pergunta: O que é iscntrl? Resposta: É uma
  2. Pergunta: O que faz uma macro? Resposta: Classifica os valores em

 

 

  1. Pergunta: Como faz isso? Resposta: Consultando uma

 

Não preciso realmente entender o texto para perceber que iscntrl é algo que classifica valores consultando uma tabela. Meu conhecimento do núcleo comum do inglês me permite fazer isso, chegando até a operações bastante complexas, como a resposta dada à pergunta 2.

 

O problema obviamente é que essas tarefas estão apenas no nível da frase e não se precisa compreender o texto para executá-las. O mesmo problema pode também ocorrer no nível da coesão textual. Posso identificar o trecho como uma definição, posso inferir que as palavras em itálico sejam palavras chave, posso relacionar a palavra “macro”, na primeira frase, com a palavra “predicate”, na segunda, e inferir que macro é uma subcategoria de predicate – mas nada disso garante que eu realmente tenha compreendido a passagem.

Grande parte das atividades de leitura propostas nos atuais cursos de línguas instrumentais podem ser resolvidas neste nível mais superficial de interação com o texto. O que segue são exercícios típicos:

 

  1. Tarefa: Liste dois cognatos do Resposta: macro, predicate.
  2. Tarefa: Liste um verbo e um substantivo que terminem em “s”.

Resposta: classifies (verbo), values (substantivo).

  1. Tarefa: O objetivo do texto é
    • definir
    • anunciar um
    • divertir o leitor. Resposta: Definir
  2. Tarefa: Na sua opinião, o texto foi tirado de
    • uma revista
    • um manual do usuário.
    • um jornal. Resposta: um manual do usuário.

 

 

 

Em outras palavras, dissocia-se língua de contexto. A implicação pedagógica dessa definição é que o professor dê ao aluno apenas o texto. As conexões entre a forma linguística e os conceitos ou relações que subjazem a essas formas devem ser feitas pelo aluno ou simplesmente ignoradas.

Só podemos problematizar o texto se adotarmos a segunda definição, a do discurso, onde desempenhamos um papel, que neste caso seria o de um especialista da área de informática. Os conceitos envolvidos no trecho são agora conhecidos. O especialista sabe que “macro” e “função” não são argumentos mas predicados que devolvem valores e entende por que é importante saber que iscntrl é ao mesmo tempo uma macro e uma função. Os conceitos pressupostos pelo autor do texto são do conhecimento do leitor especialista, tais como #undef, que tipo de caractere fecha um arquivo, a relação entre caracteres de controle e a tabela ASCII etc.

O texto não foi escrito para que um professor de línguas instrumentais ensinasse inglês para informática. Foi escrito para que um especialista em computação resolvesse um problema específico quando estivesse escrevendo um programa. Quando usamos um texto como esse em nossas aulas e fazemos as atividades listadas acima, estamos usando um texto autêntico para uma finalidade para a qual ele não foi escrito – e podemos levar os alunos a executar atividades totalmente inautênticas. A não ser que houvesse, por exemplo, algo errado com o texto, o especialista da área, no correto desempenho de seu papel, jamais perguntaria qual teria sido a intenção do autor ou de onde o trecho teria sido tirado. Perguntas significativas aqui, apenas para demonstrar exemplos de interação no nível do discurso, poderiam ser do seguinte tipo:

 

  1. Pergunta: Você está escrevendo um programa onde o espaço disponível na memória é mais importante que a Baseado na informação do texto, o que você faria?

 

 

Resposta: Definiria iscntrl como uma macro.

  1. Pergunta: iscntrl é declarada com dois inteiros. Qual é a diferença entre os dois?

Resposta: O primeiro é um valor devolvido por iscntrl. O segundo é um valor aceito.

 

Seriam, portanto, alguns exemplos de língua no nível do discurso. As perguntas, que provavelmente não têm sentido para o professor de línguas, são as que tem sentido para o especialista da área.

Leitores de áreas específicas e alunos de línguas fazem perguntas diferentes. Leitores de áreas específicas concentram- se nos conceitos e nas relações que subjazem ao texto. Estudantes de línguas preocupam-se com a superfície do texto: cognatos, formação de palavras, mecanismos de coesão etc.

 

Conclusão

 

Parece que o professor de línguas tem três possibilidades quando incorpora áreas específicas na sua ação pedagógica:

 

  1. Trata a língua como texto, não como discurso. Neste caso, ignora os conceitos e as relações que subjazem ao texto de áreas específicas e permanece na superfície, explorando os mecanismos mais ou menos superficiais da organização do
  2. Não usa material autêntico. Usa material didático, especificamente criado para uso em sala de aula. Vocabulário, sintaxe e organização textual são controlados para produzir um texto que pode ou não simular o texto original das áreas de conteúdo específico.
  3. Torna-se um “expert” na área. Aprende os conceitos importantes da disciplina e problematiza sobre eles para dinamizar o processo de aprendizagem.

 

Cada uma dessas opções tem vantagens e desvantagens, tanto práticas como teóricas, sendo as teóricas muitas vezes

 

 

baseadas em pressupostos importados de outras disciplinas. Cabe ao professor aqui a tarefa extremamente importante de testar esses pressupostos na sala de aula. Estará não apenas colhendo dados para justificar ou não sua opção pedagógica mas também fornecendo subsídios para outras disciplinas. Perguntas para as quais procuram-se respostas incluem:

 

  1. Até que ponto o professor de línguas precisa ser proficiente nas áreas de conteúdo específico para incorporá-las na sala de aula?
  2. Até que ponto, ou em que circunstâncias, pode-se contar com os alunos para negociar conceitos da área específica?
  3. Como os alunos, considerando os diferentes níveis de proficiência na língua e na área de conteúdo específico, reagiriam a diferentes tipos de material, incluindo livro didático e textos autênticos?
  4. Qual é a possibilidade de trabalho de equipe no segundo e terceiro graus, incluindo professores de línguas e de áreas específicas?

 

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       221

Capítulo 12

O processo de autorrevisão na produção do texto em LE13

 

 

Introdução

 

O objetivo deste capítulo é analisar a competência do aluno de língua estrangeira em revisar seu próprio texto, através da reescrita. Parte-se do pressuposto de que os problemas de produção textual na língua estrangeira caracterizam-se não tanto por serem diferentes dos da língua materna mas principalmente por serem de maior complexidade, devido à falta de domínio linguístico por parte do aluno. A necessidade de contrabalançar essa deficiência linguística com um uso mais intensivo de estratégias compensatórias torna a produção de textos em língua estrangeira uma espécie de campo de provas onde essas mesmas estratégias são exigidas e testadas com maior rigor do que na língua materna. O aluno quando escreve numa língua que conhece menos tem que revisar mais, esforçar-se mais, superar-se para vencer mais dificuldades, demonstrando uma variedade maior de estratégias do que provavelmente faria em sua língua nativa.

 

A utopia da autorrevisão

 

A autorrevisão na produção textual do aluno tem sido geralmente vista como uma utopia, tanto no ensino da língua materna como no da língua estrangeira. Entre as explicações que se podem oferecer para essa dificuldade em levar o aluno a revisar seu próprio texto estão um conceito errôneo de revisão por parte

13 Uma versão anterior, em inglês, deste capítulo foi publicada em: LEFFA, Vilson J. One Theme And Three Variations: Rewriting a text in a foreign language. The ESPecialist, v. 16, n. 2, p. 157-182, 1995.

 

 

do aluno, a dificuldade de detectar os problemas do próprio texto e uma espécie de resistência passiva em modificar o que já foi escrito.

A maioria dos alunos parece conceber a revisão com um recurso que é usado apenas quando algo sai errado na tentativa de escrever e que envolve aspectos superficiais da frase. Revisar é corrigir, dar um tratamento cosmético ao texto, sem repensar o que foi escrito, sem necessidade de reescrever o texto (SOMMERS, 1982). A revisão não é vista pelos alunos como o centro do processo da escritura, o instrumento pelo qual as ideias emergem e evoluem e o sentido é construído, mas apenas como a última leitura que se faz do texto tentando detectar algum erro superficial de ortografia ou de gramática (LEHR, 1995). Estudos realizados, tanto com alunos primários e secundários (APPLEBEE et al., 1986) como universitários (YODER, 1993) mostram que a revisão é feita principalmente para corrigir problemas superficiais de ortografia, pontuação e gramática. Raramente os alunos fazem mudanças globais no texto, reescrevendo partes maiores, acrescentando ou tirando ideias. No momento em que a revisão deixa de ser vista como um processo de construção do texto, e passa a ser vista como um mecanismo de correção de algo que foi mal construído, a atitude do aluno é negativa e a preocupação é a de evitá-la.

Existe também o problema de o aluno não conseguir detectar os erros, quer seja por não percebê-los numa leitura mais rápida quer por desconhecer o problema, devido a uma incompetência linguística. Pode ser, portanto, um problema de falta de atenção ou, principalmente na caso da língua estrangeira, de falta de conhecimento. Plumb et al. (1994) descobriram que a incapacidade de detectar o erro (hipótese do déficit de processamento) é um problema maior do que a capacidade de saber como resolvê-lo (hipótese do déficit de conhecimento).

Finalmente, existe também a resistência passiva do aluno em não querer revisar o texto. Vários estudos (COHEN, 1987; COHEN; CAVALCANTI, 1990; LEKI, 1990) mostraram que os alunos espontaneamente não reformulam o que já escreveram,

 

 

apesar das anotações e sugestões dos professores, que muitas vezes não são nem lidas pelo aluno.

 

Estratégias para promover a revisão

 

Um levantamento dos estudos realizados sobre reescrita mostra que existem várias propostas para ajudar o aluno a revisar seu texto. Entre essas propostas destacam-se o feedback do professor, o uso de instrumentos adequados e os projetos colaborativos.

O feedback do professor é, de todos os instrumentos, o que causa menor impacto na produção textual do aluno. Estudos realizados (ANDRASICK, 1993; FERRIS, 1995; COHEN;

CAVALCANTI, 1990) têm demonstrado que as correções e comentários do professor no texto do aluno apenas surtem efeito quando há um retorno do texto do aluno para o professor após o feedback. Não havendo esse retorno, as correções são geralmente ignoradas e os alunos, via de regra, vão repetir os mesmos erros nos textos seguintes. A produção textual neste caso parece que é vista pelo aluno como um processo em que ele escreve para o professor, o professor corrige o texto, devolve para o aluno e isso encerra o ciclo.

O uso de instrumentos adequados, compondo um agrupamento de recursos controlados pelo próprio aluno, é o que parece possibilitar o maior grau de autonomia na revisão. Esses recursos podem estar numa sala de autoacesso, num laboratório de escrita, ou numa simples “mesa de edição”, à disposição dos alunos para a produção de seus textos (POWERS, 1995; YOE, 1992). Podem constar de: dicionários de vários tipos, preferencialmente de aprendizagem, com bastantes exemplos de uso da língua; gramáticas de cunho prático com os tópicos organizados de modo a facilitar a consulta do aluno; listas de falsos cognatos que tendem a ser usados erroneamente por alunos de uma determinada língua materna; questionários específicos para a autorrevisão onde se levantam os problemas geralmente apresentados; lista de itens que devem ser checados pelos alunos;

 

 

estratégias específicas de revisão para cada tipo de texto, cada parte do texto (frase, parágrafo) e cada tipo de problema (ortografia, pontuação, concordância, uso de detalhes, abstrato/ concreto etc.). Os exemplos abaixo, extraídos de instruções do On-Line Writing Lab (1995), dão uma ideia do que pode ser incluído num roteiro de revisão:

 

Sou gentil com meu leitor incluindo no meu texto o que ele precisa saber e só o que ele precisa saber?

Meu texto tem uma tese ou propósito?

Os parágrafos se relacionam com a tese ou propósito? Cada parágrafo tem um tópico frasal com a idéia central? Os detalhes de cada parágrafo se relacionam com a idéia central?

Alguns detalhes devem ser movidos para outro parágrafo? Há uma frase de conclusão para o parágrafo?

Há transição entre os parágrafos? O verbo concorda com o sujeito?

A relação pronome/antecedente está correta?

Cada frase contém uma oração independente e apenas uma?

Há frases muito longas que devem ser separadas? Há seqüências de frases muito curtas?

Há palavras faltando? Há palavras repetidas?

(On-Line Writing Lab, 1995)

 

Os projetos colaborativos (MACDONALD, 1993; IRBY, 95; MENDONÇA; JOHNSON, 1994; GEHRKE, 1993) envolvem

a participação dos outros alunos, que deixam de ser apenas escritores para ser também leitores. No momento em que o texto é escrito, lido e revisado tanto pelo aluno escritor como pelo aluno leitor ele passa a atender também as exigências do leitor, incorporando suas características. No processo de negociação que se estabelece entre escritor e leitor, o escritor não escreve mais só para si mas também para o outro, iniciando a longa aprendizagem que o pode levar à consciência da necessidade de cativar o leitor, aperfeiçoando o senso de público.   Quando

 

 

perceber que o leitor não é cativado apenas pela correção gramatical do texto, mas principalmente pelo seu conteúdo, ele poderá sentir a necessidade de considerar as questões globais, com ênfase na produção de sentido.

 

O aluno sabe revisar?

 

O que as investigações realizadas sobre a revisão demonstram é que os alunos veem a escrita como um processo de uma única etapa, onde o texto, uma vez escrito no papel, não é mais alterado. Mesmo com o uso de processadores de texto, onde fica extremamente fácil introduzir qualquer modificação no texto, as revisões permanecem escassas (HAWISHER, 1986; KURTH, 1986; DAIUTE, 1986). Se deixados por sua conta, os alunos espontaneamente não revisam seus textos, quer contando com a facilidade proporcionada pelo computador, quer com a presença de outros recursos, como dicionários ou gramáticas. Resultados melhores foram obtidos com o uso de comentários do professor no texto do aluno em situações onde há o retorno do texto ao professor e em projetos colaborativos, onde os alunos escrevem e leem os textos uns dos outros. Na medida, porém, em que a revisão é, de certa maneira forçada pela intervenção do professor ou feita com a ajuda do colega, através de um procedimento pedagógico, também criado pelo professor, ela deixa de existir como autorrevisão, na acepção exata do termo.

A questão não respondida, no levantamento que fizemos dos trabalhos publicados sobre a revisão, é se o aluno sabe ou não revisar seu próprio texto, se é capaz de fazer a autorrevisão. Há, na nossa interpretação da bibliografia revisada, uma confusão entre não fazer e não saber. Sabemos que os alunos espontaneamente não revisam seus textos, mas não sabemos se eles realmente não sabem revisar. Não revisar é diferente de não saber revisar. É possível que esses mesmos alunos, que não revisam seus textos, saberiam como fazê-lo se estivessem numa situação em que a autorrevisão fosse de alguma maneira inevitável.

 

 

A pergunta que orientou esta investigação é se os alunos são capazes de fazer a autorrevisão do texto. Define-se a autorrevisão aqui não como uma simples leitura para verificar correção gramatical do que foi escrito, mas como a introdução de mudanças no texto visando a sua melhoria. Essas mudanças podem atingir palavras, frases ou parágrafos e ocorrem através de apagamentos, acréscimos ou deslocamentos. Tratando-se de um processo de autorrevisão, as mudanças são feitas pelo próprio aluno sem a ajuda do colega ou do professor.

Os alunos serão ou não capazes de autonomamente revisar seus textos? Se revisarem, que aspectos irão privilegiar? Ortografia? Vocabulário? Sintaxe? Estilo? Conteúdo?

A hipótese deste capítulo é que, dadas as condições, o aluno é capaz de fazer a revisão de seu próprio texto. Essa revisão não vai afetar questões de correção gramatical (ex.: ortografia, concordância) mas principalmente as questões de estilo, incluindo aí mudanças na seleção de vocabulário ¾ substituindo, por exemplo, palavras de sentido vago por palavras mais precisas ¾ e de construções sintáticas ¾ incorporando, por exemplo, frases simples num período composto através de mecanismos coesivos. Essas mudanças não vão portanto tornar o texto mais correto gramaticalmente mas mais coerente, expressando melhor a relação entre as ideias. O aluno não vai primeiro escrever errado para depois escrever certo. A nossa hipótese é de que ele já vai tentar escrever corretamente na primeira versão, podendo ou não consegui-lo. O que ele vai procurar melhorar é a expressão de suas ideias, tornando-as provavelmente mais claras na reescrita. Para a obtenção dos dados, foram feitas várias tentativas, inclusive com o uso de processador de texto, tendo-se finalmente optado pela reescrita com lápis e papel, em três versões e em sala de aula. Procurou-se garantir a motivação e empenho do aluno, não só através de uma palestra inicial sobre a importância de sua contribuição para a pesquisa mas também pela maneira como se conduziram as sessões, colocando sempre o material à disposição do aluno e incorporando a atividade no currículo, inclusive para a avaliação. Apenas não se interveio na autonomia e iniciativa

 

 

do aluno, que trabalhou sempre sozinho. A condição dada para a revisão foi, portanto, principalmente a reescrita do texto. É provável que o aluno, ao perceber que de qualquer maneira tinha que reescrever todo o texto em cada sessão, acabasse introduzindo as mudanças que na sua opinião poderiam melhorá-lo.

 

Metodologia

 

Participaram dessa pesquisa 15 alunos de duas turmas do curso de letras, sendo 6 de uma turma de língua inglesa do segundo semestre, considerada de nível intermediário, e 9 de uma turma de sexto semestre, considerada de nível avançado. O critério para a seleção desses sujeitos foi o fato de terem comparecido a todas sessões em que se realizou o trabalho. Conforme acordo feito com a professora de cada turma, o trabalho de todos foi considerado para a avaliação final de cada aluno, mas apenas os dados desses 15 alunos, que participaram de todas as tarefas, serão analisados aqui

Desses 15 alunos, 14 eram do sexo feminino e 1 do sexo masculino. Eram todos adultos numa faixa etária que variava de 22 a 30 anos, com concentração maior no limite superior de idade, sendo que 2 já tinham curso superior (enfermagem e licenciatura em língua portuguesa), 10 faziam bacharelado em tradução, 4 buscavam licenciatura em língua estrangeira e uma aluna fazia ao mesmo tempo bacharelado e licenciatura.

As sessões de produção escrita foram realizadas durante três períodos normais de aula em cada uma das turmas. Para os dois grupos o procedimento foi o mesmo.

Na primeira sessão, explicou-se inicialmente que eles iam escrever um texto em inglês de aproximadamente uma página e meia sob o título “Windows 95 and me” expressando sua opinião pessoal sobre o papel da tecnologia em sua futura profissão como tradutores ou professores. O texto que eles produzissem, ou parte dele, teria grande probabilidade de ser selecionado e enviado para a internet, a rede mundial de computadores, onde poderia ser lido por pessoas de todo o mundo (um potencial, na época, de 40

 

 

milhões de leitores). O texto seria avaliado pelo pesquisador e pela professora da turma, levando em consideração originalidade, organização, correção gramatical e o público a quem se destinava. Foi salientado que esse público realmente existia e que estava basicamente interessado não em aspectos técnicos mas em originalidade de opinião.

Em seguida, foi feito um levantamento das estratégias de produção escrita dos alunos e de conhecimento prévio do assunto através de um questionário e de um teste de múltipla escolha respectivamente. Finalmente solicitou-se que escrevessem a primeira versão do texto. Para isso cada aluno recebeu um caderno de 50 folhas, tamanho meio ofício, e uma caneta de cor verde. Gramáticas e dicionários (monolíngues, bilíngues e de aprendizagem) foram colocados à disposição dos alunos, ficando também esclarecido que poderiam consultar qualquer material, desde que trabalhassem individualmente, e que o pesquisador estava à disposição para o esclarecimento de qualquer dúvida, que seria feito também individualmente para não interferir no trabalho dos outros. Do material trazido pelo pesquisador, apenas os dicionários bilíngues foram consultados. Os esclarecimentos solicitados também foram todos de vocabulário (ex.: “como se diz ‘repercutir’ em inglês?”). Não houve coerção de tempo e os alunos foram devolvendo os cadernos à medida em que terminavam os textos.

Na segunda sessão, uma semana depois, os cadernos foram devolvidos aos alunos, juntamente com uma caneta, desta vez de cor preta. Foi solicitado aos alunos que relessem o que tinham escrito na sessão anterior e fizessem o seguinte em relação ao próprio texto: (1) listar dois aspectos positivos; (2) listar dois aspectos que poderiam ser melhorados; (3) dividir o texto em partes e marcar cada uma dessas partes; (4) fazer uma revisão comentada de cada parágrafo do texto, dizendo se mudaria alguma coisa, o que mudaria e por que mudaria; (5) reescrever o texto, mudando o que fosse necessário. Mais uma vez foi enfatizado que seu texto estava sendo dirigido a um público diversificado mas que estava principalmente interessado na opinião que eles

 

 

poderiam ter do Windows 95, de um modo particular, ou no papel da tecnologia em sua futura profissão, de um modo geral. Como na primeira sessão, não houve pressão de tempo e os alunos devolveram os cadernos à medida que terminavam a reescrita dos textos.

Para a terceira sessão, após um intervalo de mais uma semana, foi solicitado aos alunos que reescrevessem mais uma vez o texto, agora em sua versão final, usando desta vez caneta de cor azul. Mais uma vez foi lembrado que o texto seria avaliado em termos do leitor a que era dirigido, originalidade, organização e correção gramatical, com peso igual para cada uma dessas partes. O procedimento foi igual às sessões anteriores, com o mesmo material colocado à disposição dos alunos, e sem pressão de tempo.

 

Resultados

 

O objetivo principal da análise dos dados coletados é tentar descobrir quais são as crenças que os alunos de letras possuem sobre o processo da produção escrita. Essas crenças devem envolver não só as noções que os alunos têm sobre o processo da escrita, tanto em seus aspectos cognitivos como metacognitivos, mas também o que realmente fazem quando escrevem. Considerando que são alunos de nível universitário, num curso de letras, e, portanto, expostos durante anos ao discurso dos professores sobre como o texto escrito deve ser produzido, há sempre a possibilidade de que eles possam dizer o que sabem que deve ser dito e agir de modo diferente quando realmente solicitados a escrever. Esta pesquisa procura medir tanto um como o outro aspecto.

 

O que os alunos disseram

 

Vamos analisar primeiramente as noções que os sujeitos dizem possuir do processo da escrita. Os instrumentos para a coleta desses dados foram (1) o questionário, aplicado no primeiro

 

 

dia, e (2) os comentários dos alunos, escritos em português sobre seu texto em inglês, realizados no segundo e terceiro encontros. O questionário sobre estratégias de produção escrita mostra que a maioria afirma elaborar seus pensamentos à medida em que vão escrevendo as palavras na página, não tendo, inclusive, a frase pronta na mente quando começa a escrevê-la (73%). Isso parece mostrar que a leitura e releitura do próprio texto serve para guiar a escrita e a reescrita.

A principal produção escrita dos alunos tem sido a de trabalhos escolares (80%), aparecendo em segundo lugar cartas comerciais, o que mostra que alguns alunos já estão no mercado de trabalho. Quanto aos recursos considerados importantes para ajudar na escrita, o mais citado foi o dicionário (80%), provavelmente o bilíngue, pelo que se pode observar nas sessões de escrita. Quando solicitados a comparar os problemas de produção textual entre português como língua materna e inglês como língua estrangeira, os alunos demostraram que em inglês a preocupação maior é com a gramática (93%), enquanto que em português predominam questões de estilo (47%). Entre diversas atividades que se relacionam com a escritura, o tempo gasto em cada uma, numa situação ideal, seria distribuído da seguinte maneira: ler previamente sobre o assunto (44%), refletir e se organizar mentalmente (25%), escrever o texto(23%) e revisar o texto(8%).

O processo de revisão é visto pela maioria dos alunos como uma atividade menor, feita quando o texto já está escrito, constando de uma releitura do texto para verificar sua correção gramatical (73%) e ocasionalmente ajustar algum aspecto do mecanismo de coesão (13%).

Quanto aos aspectos considerados mais importantes no texto, os alunos ficaram divididos entre criatividade (20%), organização(40%) e correção gramatical (40%). A criatividade, no entanto, foi considerada mais importante apenas pelos alunos mais fracos; os mais adiantados elegeram como mais importante a correção gramatical. Em outras palavras, quanto maior o adiantamento do aluno maior a preocupação com os aspectos superficiais do texto (r = .5).

 

 

Há uma crença geral de que o professor pode ajudar mais o aluno em termos de correção gramatical (90%), muito pouco em organização (10%) e nada em termos de criatividade. Para aumentar a criatividade e tornar o texto mais interessante, os alunos citaram como possíveis estratégias: usar a própria experiência, ter ideias e estilos próprios, ousar na escrita, ter senso de humor, usar a imaginação e posicionar-se diante do tema. Para melhorar a organização, a estratégia mais citada foi fazer um esquema do texto a ser escrito. Para obter correção gramatical, citou-se com maior frequência o uso do dicionário e da gramática. Os maiores desafios para quem produz um texto, na opinião dos sujeitos, é mostrar coisas interessantes para o leitor e passar segurança no que escreve, dando a impressão de que está bem informado. O domínio do tema, com capacidade de fornecer detalhes interessantes, fatos e exemplos, parece ter sido a maior preocupação dos alunos.

 

Dados quantitativos

 

Os 45 textos produzidos pelos 15 alunos nas três versões foram analisados em termos quantitativos e qualitativos. Quantitativamente, tentou-se descrever as variações que ocorreram entre uma versão e outra, ou seja, o que foi acrescentado, o que foi diminuído e, principalmente, o que foi modificado internamente, dentro de cada texto. Qualitativamente, tentou-se não só avaliar até que ponto as modificações introduzidas contribuíram para melhorar a qualidade do texto, mas também o que os alunos realmente escreveram sobre o tópico sugerido, como se organizaram e que ponto de vista adotaram.

Uma análise estatística do texto produzido pelos alunos, nas três versões, mostra que os sujeitos usam termos comuns da língua inglesa, com baixa média de letras por palavra (3,9) em nível que, pelos parâmetros de inteligibilidade (readability test) de Flesch-Kincaid e Coleman-Liau, corresponde a sexta série do primeiro grau (Grade Level 6).

 

 

Em termos puramente quantitativos o que variou significativamente entre uma versão e outra foi a extensão dos textos, que foram ficando gradativamente maiores. O número de palavras por frase e de frases por parágrafos permaneceu constante, como se pode ver na Tabela 1. Uma análise detalhada dos dados mostrou que a variação ocorria apenas entre sujeitos; enquanto uns usavam apenas 10 palavras por frase outros chegavam a 25 palavras em cada frase. Entre uma versão e outra, no entanto, a tendência era escrever as frases e os parágrafos sempre do mesmo tamanho, mesmo reescrevendo várias vezes o mesmo texto e mesmo acrescentando mais frases e mais parágrafos. Quem começava com frases curtas, terminava com frases curtas e vice-versa.

 

 

Tabela 1 – Dados quantitativos entre versões.

 

  Versão I Versão II Versão III
  Média DP Média DP Média DP
Palavras por texto 163 51 190 73 237 69
Palavras por frase 17 3.6 16 3.6 18 4.2
Frases por paragrafo 3.4 2.2 3.1 1.9 3.1 2.0

n = 15

Fonte: Autor

 

À primeira vista pode parecer que os alunos apenas acrescentaram mais palavras em cada versão, sem preocupação de enxugar o texto, eliminando o supérfluo. Comparando, porém, cada versão frase a frase nota-se que muitas das frases foram totalmente reescritas, aprimorando a ideia inicial ou mesmo introduzindo ideias novas, principalmente entre a primeira e a segunda versão.

As alterações introduzidas pelos sujeitos foram analisadas em termos de ortografia, vocabulário, sintaxe, pontuação, estilo e ideias. As maiores alterações entre versões ocorrerem em nível

 

 

de estilo e ideias. A Tabela 2 mostra o índice de alteração entre a primeira e a terceira versão. Enquanto que as alterações introduzidas por alguns sujeitos ficavam em apenas 10% do texto (correspondente ao índice 1) outros mudaram 100% (índice 10). A média 5, correspondente a 50% de alterações em todos os textos, mostra que a metodologia usada na pesquisa foi eficiente na provocação de mudanças. Até que ponto essas mudanças introduziram melhorias no texto é o que veremos a seguir.

 

 

Tabela 2 – Alteração entre versões I e III

 

  Média DP Mínimo Máximo
Índice de alteração  

5,0

 

2,4

 

1,0

 

10

n = 15

 

Fonte: Autor

 

 

Dados qualitativos

 

Em termos qualitativos, um dos aspectos mais salientes do texto produzido pelos alunos é sua oralidade, confirmando os dados obtidos no teste de inteligibilidade, com ênfase no uso das palavras comuns do inglês coloquial. Os alunos escrevem, se não como falam, pelo menos como foram ensinados a falar, sendo comuns as contrações (“I’m”, “I’ll”, “don’t”) e construções típicas da língua oral (“you know”, “I mean”, “as you can see”, “I’m not sure”, “now I remember”). Até mesmo expletivos usados na língua falada para marcar transição ou mudança de tópico foram usados (“well, I…”, “now, I…”). Parece influência do material didático, com ênfase na comunicação oral, e talvez até das leituras de obras literárias, muitas delas também calcadas na oralidade.

 

 

Uma análise do conteúdo de todos os parágrafos escritos mostra que a maioria deles trata de experiências pessoais (42%), isto é, o aluno preferencialmente aborda o tema -Windows 95 and me – partindo de fatos que aconteceram em suas vidas, com predomínio do texto narrativo (um namorado que ensinou a usar o computador, um arquivo que foi impresso na casa de um colega, um irmão que socorre quando surge um problema). Os demais parágrafos, analisados globalmente nas três versões e por ordem decrescente de frequência, foram utilizados pelos alunos para expressar: conhecimento do tópico (12%), crítica negativa (11%), fatos gerais (10%), ignorância do tópico (7%), metacomentário (6%), crítica positiva (4%), definição do tópico (3%), interesse no tópico (2%), outros (3%). A Tabela 3 mostra exemplos de cada um desses conteúdos.

A variação do modo de abordar o tema entre uma versão e outra, nos termos da classificação realizada neste capítulo, foi quase inexistente. Quem, por exemplo, iniciou o trabalho narrando fatos de sua experiência pessoal manteve essa perspectiva até o fim; quem iniciou fazendo uma crítica negativa do tópico continuou também criticando negativamente. O único modo de abordagem que variou significativamente foi a manifestação de conhecimento específico do tópico, já que alguns alunos que nada sabiam sobre Windows 95, e consequentemente na primeira versão adotaram uma abordagem evasiva, fizeram leituras entre uma versão e outra e incorporaram essas leituras dando fatos específicos. Esses alunos pareciam não se sentir à vontade com o modo com que foram obrigados a abordar o tema inicialmente e por isso tomaram a iniciativa de se aprofundar no assunto e poder mudar a abordagem inicial. Outros alunos, por sua vez, sentiram-se confortáveis com a abordagem genérica e, mesmo pouco sabendo sobre o assunto, não viram necessidade de buscar mais informações. Esses dados sugerem que a maneira de abordar um tema parece estar sujeita às preferências pessoais, sendo muito difícil mudar essas preferências.

 

 

Pouca mudança também ocorreu em relação aos erros cometidos, principalmente quando se tratava de erros de ortografia, vocabulário, sintaxe e pontuação. Qualquer um desses erros, se cometidos na primeira versão, eram quase que invariavelmente repetidos nas versões seguintes. Outros erros, que podemos classificar como de estilo e coerência, foram corrigidos ou melhorados com maior frequência.

Os erros de ortografia foram os menos frequentes, certamente porque os alunos puderam consultar dicionários durante a escrita. Os que surgiram deveram-se provavelmente ao fato de o aluno achar que sabia escrever corretamente a palavra, incluindo, neste caso, influência da língua portuguesa (ex.: eletronic em vez de electronic) ou aplicação de uma regra inadequada (ex.: lifes em vez de lives).

Os erros de sintaxe foram os mais frequentes, geralmente permanecendo intactos entre uma versão e outra. Às vezes, no entanto, o aluno parecia ter consciência do problema e tentava a correção, mas, via de regra, sem sucesso. Outras vezes acabava até reescrevendo incorretamente uma frase que estava originalmente correta. Parece que faltou ao aluno não apenas o conhecimento declarativo da língua estrangeira mas também o conhecimento processual de como usar os recursos disponíveis para resolver os problemas.

 

 

Tabela 3 – Modos de abordagem do tema

 

Modo Exemplo (sem retoques) Percentual
Experiência pessoal “My ex-boyfriend works 42%
  with computers and he tried  
  to teach me” (Miranda I)  
Conhecimento do “Windows 95 was put to 12%
tópico sell in August 95” (Greta II)  
Crítica negativa “I’m quite doubtful about 11%
  Windows 95’s reliability”  
  (Nestor III)”  
Fatos gerais “New scientific discoveries make information abound 10%
  and technology is in every  
  sort of appliances”  
  (Geraldine III)  
Ignorância do tópico “Unfortunately I know nothing about computing” 7%
  (Pamela I)  
Metacomentário “I never thought I would 6%
  have to write about it.  
  It is really a challenging  
  task” (Pamela I)  
Crítica positiva “I really like the Windows, and if the new version is better 4%
  than the old, it will be a good  
  thing for me” (Virginia I)  
Definição do tópico   3%
 

Interesse no tópico

 

“The Windows 95 is a program

 

2%

  of computer” (Greta II)  
Outros “I would like to learn more 3%
  about this topic” (Greta III)  

NOTA: O número romano após o nome indica a versão

Fonte: Autor

 

 

Essa falta de conhecimento processual parece manifestar- se mais agudamente nos erros de vocabulário, muitos deles facilmente resolvidos com uma consulta atenta ao dicionário. A origem de muitos desses erros parece estar no fato de o aluno iniciar o enunciado na língua materna, fazendo posteriormente a transposição para a língua estrangeira ¾ e ignorando nessa transposição a ambiguidade das palavras, que podem cobrir acepções diferentes entre uma língua e outra. Essa parece ser a explicação para um erro como “The throwing of Windows 95”, em vez de “The launching of Windows 95”. Tanto throwing como launching correspondem a lançamento em português, mas um dicionário geralmente dá pistas ao aluno para escolher entre um e outro termo.

Há também erros de coerência, obrigando o leitor a fazer grande saltos de inferência para chegar ao sentido pretendido pelo aluno, como no exemplo abaixo (o número romano após o nome refere-se à versão)

 

I didn’t have time to read it because it is very technical (Celia I)

 

onde só é possível entender a frase se inferirmos que o texto técnico é de leitura mais demorada e, por isso, não deu para lê-lo.

Esse tipo de erro, no entanto, ao contrário dos anteriores, tem mais possibilidade de ser corrigido entre uma versão e outra. O sujeito acima, por exemplo, já apresentou para a segunda versão a seguinte redação, de leitura mais fácil embora ainda com incorreções gramaticais:

 

I didn’t read and I don’t think I will because it is a very technical report(Celia II)

 

O exemplo abaixo mostra uma frase incoerente na primeira versão, passando a coerente na segunda e finalmente coerente e concisa na versão final.

 

 

  1. The range of possibilities you have to take advantages of this multi useful machine is so wide that many people don’t have access to it (Clara I)
  2. The range of possibilities the computer can offer is so wide that many people can not take everthing and usually do not know what it is all about (Clara II)
  3. The range of possibilities the computer can offer is so wide that many people are not able to take everything (Clara III)

 

Esse tipo de revisão, que envolve não apenas correção de incoerências, mas também questões de estilo, foi o que produziu maiores alterações entre uma versão e outra. Essas alterações podem envolver troca, supressão e acréscimo de palavras. Os segmentos abaixo mostram alguns desses mecanismos:

 

  1. someone called Bill Gates (Pauline I)
  2. a businessman called Bill Gates(Pauline II)

 

  1. Nowadays everyone is somehow involved in it, even if without being aware of it (Clara II)
  2. Nowadays we are somehow involved in that, even if we are not aware of it (Clara III)

 

  1. I have heard lately, and the world has too, I guess, about the computing program called Windows 95 (Nestor I)
  2. Lately the world has heard about the computing program called Windows 95 (Nestor II)

 

O exemplo abaixo mostra a evolução de um parágrafo que iniciou na primeira versão com uma frase, agregou novas ideias na versão II e se reestruturou em termos de sintaxe e léxico na versão final.

 

 

  1. Since the end of August a question has been burning inside me: Should I change to Windows 95? (Emilia I)
  2. Windows 95: Should I make a change to it? I have been thinking about it since the end of August, and as I do not have answers enough I am still in doubt. Day after day a new question appears, and starts burning inside (Emilia II)
  3. Windows 95: Should I make a change to it? I have been thinking about it since the software was made available, at the end of August. This question seems to be attracting others and nothing appears to give me the conclusive (Emilia III)

 

Nas três versões o parágrafo está sempre expressando uma dúvida sobre a conveniência ou não de se adotar o novo sistema operacional. Uma mudança importante entre a primeira e a segunda versão é o destaque dado ao novo sistema operacional ¾ Windows 95 ¾ que passa para o início, introduzindo o tópico frasal do parágrafo e deixando para o resto os detalhes dessa dúvida. Finalmente, na última versão, mantém-se o mesmo tópico frasal, mas acrescenta-se melhorias na elaboração dos detalhes. Isso é feito pela escolha de um léxico mais adequado (ex.: “since the software was made available”) e pela supressão de termos de proporções exageradas (“burning inside me”).

A média de alterações nos textos em 50% entre a primeira e a terceira versão mostra que os sujeitos realmente tentaram mudar seus textos, principalmente em termos de estilo, procurando frases e locuções mais adequadas para a expressão de seus pensamentos. A análise dessas alterações mostrou que, de modo geral, as mudanças introduziram melhorias nos textos, embora, muitas vezes, a versão final ainda deixasse muito a desejar, principalmente com os alunos mais fracos.

Houve uma correlação negativa (r = -0,5) entre mudanças feitas no texto e nível de proficiência, ou seja, quanto menos

 

 

proficiente o aluno mais alterações introduziu no texto. Essa correlação negativa sugere que os alunos mais fracos tentaram melhorar seus textos com mais empenho que os alunos mais adiantados ¾ provavelmente por terem percebido uma distância maior entre o que tinham produzido e o desejável. Todo esse esforço, no entanto, nem sempre produziu o efeito desejado. Parece que, semelhantemente ao que acontece na leitura em língua estrangeira (CLARKE, 1980), também na escritura, a falta de um patamar mínimo de proficiência pode provocar um curto circuito no aluno.

 

Conclusão

 

Embora a bibliografia na área sustente que a preocupação na revisão por parte dos alunos que escrevem seja maior com a gramática – o que foi confirmado também nesta pesquisa pelo questionário inicial preenchido pelos sujeitos – este estudo demonstrou que, na prática, os alunos conseguem trabalhar melhor com as ideias. Foi na reformulação de suas ideias, dando mais detalhes sobre o tópico, escolhendo melhor as palavras e melhorando a coerência, onde eles mais progrediram entre uma versão e outra. Nos aspectos de gramática, incluindo ortografia, vocabulário e sintaxe, não houve progresso significativo.

A melhoria na expressão das ideias, ocorrida entre uma versão e outra, sugere não só que os alunos sabem revisar o que escrevem mas que são capazes de fazer essa revisão num aspecto fundamental da escrita, ou seja, na reformulação das próprias ideias. Isso contradiz estudos anteriores onde se mostram que os alunos geralmente não fazem a autorrevisão. Faz-se aqui uma distinção entre não fazer e não saber. Os alunos não fazem a revisão espontaneamente, mas sabem fazê-la quando criadas as condições.

Nesta investigação a condição criada foi simplesmente a obrigação de reescrever o texto. Nestas circunstâncias, os alunos só não revisaram aquilo que não conheciam, incluindo os aspectos gramaticais do texto. O que estava dentro dos limites de seu

 

 

conhecimento linguístico, do seu mundo conceitual e da sua visão de texto, foi revisado, incluindo a coerência, um aspecto bem mais complexo do que a revisão ortográfica ou sintática.

O que faltou foi o uso de instrumentos mais adequados como dicionário de aluno (learner’s dictionary), gramáticas práticas com problemas específicos de aprendizes de inglês como língua estrangeira, ordenados em ordem alfabética para consulta mais rápida, gabaritos de revisão com listas de itens a serem checados, listas de palavras problemáticas, listas de falsos cognatos, roteiros de revisão. Instrumentos de autorrevisão, já considerados importantes na escritura da língua materna, tornam- se ainda mais importantes na escritura da língua estrangeira, onde a competência linguística é geralmente menor. Na medida em que esses instrumentos estiverem disponíveis e forem adequadamente usados, o aluno que possuir um nível de conhecimento pelo menos intermediário da língua estrangeira deverá estar em condições de resolver autonomamente muitos de seus problemas de revisão.

 

242                                     Vilson J. Leffa

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       243

Capítulo 13

Escrevendo para a comunidade científica

O desafio de ser original de acordo com as normas14

 

 

Introdução

 

O objetivo deste capítulo é analisar os problemas encontrados pelos alunos de mestrado quando escrevem suas dissertações. Estou interessado aqui no processo de aculturação, no verdadeiro ritual de iniciação que o aluno de mestrado tem que passar para ser aceito na comunidade acadêmica. A dissertação de mestrado é o bilhete de entrada para essa comunidade.

Em termos de fundamentação teórica estarei usando basicamente o conceito de comunidade discursiva, como foi proposto por Swales (1990), ao qual acrescentarei o conceito de língua como apropriação. Em termos de corpus, estarei usando exemplos de mestrandos da área da Linguística Aplicada e da Linguística Computacional. Uma diferença entre esses dois grupos é que os alunos de Linguística Aplicada vêm da área de Letras e supostamente devam ser mais proficientes no uso da língua, tanto em português como em inglês, do que os alunos da Linguística Computacional, todos da área da Ciência da Computação. Embora a maioria dos exemplos seja de dissertações de mestrado, usarei também alguns exemplos de trabalhos menores escritos pelos alunos, para publicação em anais de congressos. Na área de Ciência da Computação é muito comum

 

14 Uma versão anterior, em inglês, deste capítulo foi publicada em: LEFFA, Vilson J. Writing for the scientific community: The challenge of being original under constraint. Anais do XIV Encontro Nacional de Professores Universitários de Língua Inglesa, Belo Horizonte, v. 14, n. 14, p. 337- 344, 1999.

 

 

o aluno produzir um artigo em inglês baseado na sua dissertação de mestrado, geralmente escrita em Português. Tentarei descrever brevemente o que caracteriza uma comunidade discursiva acadêmica, os obstáculos que os alunos precisam vencer para serem aceitos pela comunidade e, finalmente, sugerir algumas possíveis soluções que, a meu ver, têm produzido resultados promissores.

 

O que é uma comunidade discursiva

 

Para a descrição de uma comunidade discursiva, usarei o modelo proposto por Swales em suas duas versões (1990, p. 24- 27; 1992, p. 10-11), ainda que com ênfase na primeira versão, já que a segunda não chegou a ser muito divulgada (na verdade, trata-se de um texto xerocado apresentado em um colóquio sobre gênero na Universidade de Carleton, no Canadá). Complementarei a descrição com exemplos do corpus selecionado (dissertações e artigos escritos pelos mestrandos).

De acordo com Swales (1990, p. 24-27 e 1992, p. 10-11), uma comunidade discursiva tem seis características básicas:

 

  1. Uma comunidade discursiva tem um conjunto de objetivos que é comum, de conhecimento público e amplamente reconhecido.

 

De acordo com Swales, o critério básico que pode ser usado para identificar uma comunidade discursiva não é seu objeto de estudo mas suas metas. Considerando, por exemplo, um tópico com a língua, sabemos que ela pode ser abordada de diferentes perspectivas, cada uma implicando uma comunidade discursiva diferente. Se nossa meta for descrever a língua em termos de sua forma, pertencemos a uma comunidade; se quisermos descrevê- la em termos de suas funções, já pertencemos a outra; e assim sempre a uma comunidade diferente, de acordo com nossos interesses: aquisição da primeira língua; fonologia, variação linguística, aprendizagem da língua, ensino da escrita, compreensão de leitura etc.

 

 

O problema enfrentado pelo aluno aqui é que essas diferentes metas levam a diferentes regras e convenções, de modo que aquilo que é aceito em uma comunidade pode ser totalmente rejeitado em outra. O ecletismo, na medida em que uma determinada comunidade discursiva pode incorporar metas de outras, é geralmente rejeitado, às vezes até visto como uma espécie de obscenidade intelectual.

 

  1. Uma comunidade discursiva tem mecanismos de intercomunicação entre seus

 

Pertencer a uma comunidade discursiva envolve interagir com os outros membros da comunidade através de mecanismos de intercomunicação, tais como reuniões, correspondência, boletins e incluindo meios de telecomunicação, tais como e-mails, listas de discussões e páginas da internet. Em nossa área, esses mecanismos não estão restritos localmente, mas são globalizados, e o acesso a esses mecanismos é um pré-requisito básico para o aluno de mestrado que vai produzir sua dissertação.

Enquanto que a existência do meio eletrônico certamente facilita o acesso aos textos da comunidade discursiva, isso também pode representar mais um problema para o aluno. A internet, mais do que qualquer outro meio de comunicação, tornou obrigatória a aprendizagem de uma língua estrangeira. Alunos de mestrado que vêm de uma língua materna não-hegemônica como o português, nem sempre podem ser considerados como proficientes no idioma que se tornou a língua franca da rede mundial dos computadores. Esses alunos, que não têm o domínio da língua estrangeira, estão em enorme desvantagem em relação aos outros. Sendo instrumentalmente prejudicados, eles são os deficientes linguísticos de muitos programas de pós-graduação, alunos que têm de compensar sua falta de competência na língua estrangeira através de outros meios, às vezes até pagando traduções, ou restringido seus projetos a áreas em que o conhecimento da língua franca não seja crucial.

 

 

  1. Uma comunidade discursiva usa seus mecanismos de participação, principalmente para dar informação e

 

A boa notícia aqui é que as comunidades acadêmicas têm interesse em disseminar o que fazem, não apenas para seus membros mas também pessoas do grande público através de mecanismos que estão abertos a todos como conferências, boletins, periódicos, páginas da internet. Qualquer pessoa pode livremente entrar numa biblioteca e consultar qualquer uma dessas fontes e até participar de uma determinada comunidade desde que tenha as qualificações necessárias – é típico dos periódicos acadêmicos, por exemplo, oferecer instruções aos leitores de como eles podem enviar suas contribuições para a revista. Mesmo sociedades científicas que eram tradicionalmente reservadas para a admissão de novos membros, que muitas vezes só poderiam entrar com a recomendação expressa de antigos sócios, estão atualmente se abrindo. Com o advento da internet, as metas e os interesses de uma comunidade científica são divulgados como nunca foram antes, ficando muito mais fácil para o noviço o ingresso em uma dessas comunidades. Outra consequência da internet é que muitas das convenções subjacentes na interação entre os membros de uma sociedade são muito mais explicitamente revelados, principalmente nos grupos de discussão. Muitos dos pressupostos ocultos, que de outro modo não são revelados ao neófito, acabam sendo expostos nas discussões, embora deva ser reconhecido que mesmo aqui alguns segredos ainda serão preservados e ficarão fora do alcance do grande público.

Quando pertencemos a uma determinada comunidade discursiva não nos damos conta do quanto às vezes negamos informação aos membros de outras comunidades. Para os que tentam entrar podemos dar a impressão de que falamos muito sobre os assuntos que nos interessam, mas não oferecemos a essência. Deixamos, voluntária ou involuntariamente, lacunas críticas que nossos interlocutores de outras áreas não conseguem preencher. Podemos estar fazendo isso por duas razões: (1) ou o que temos a mostrar não tem realmente qualquer valor, ou (2)

 

 

tem um grande valor e não queremos entregá-lo de mão beijada. Os relatos de muitas descobertas importantes, especialmente quando levam ao desenvolvimento de produtos comerciais, podem não ser publicados com a suficiência de detalhes necessária para uma possível replicação do experimento.

 

A luta do jovem pesquisador não é trazer para fora o que está dentro; é executar o ritual que lhe permita entrar em uma sociedade fechada. Ou como diria Foucault, “o discurso da luta não se opõe ao que é inconsciente, opõe- se ao que é secreto” (Bartholomae, 1983, p. 300). (Tradução minha)

 

Por outro lado, o que é publicado em um periódico acadêmico pressupõe um conhecimento compartilhado por parte do leitor para quem o texto foi escrito, sendo que normalmente o mestrando não possui esse conhecimento e tem dificuldade em adquiri-lo. Cria-se uma espécie de círculo vicioso: não se pode ler na área porque não se tem o conhecimento compartilhado pressuposto pelo autor do texto, e não se tem o conhecimento compartilhado porque não se pode ler na área. Obviamente a solução é usar textos introdutórios, mas como estamos lidando com áreas específicas de conhecimento, altamente especializadas, esses textos introdutórios nem sempre estão disponíveis.

 

  • Uma comunidade discursiva utiliza uma seleção de diferentes gêneros para comunicar seus objetivos

 

Diferentes gêneros podem ser usados não só para disseminar o conhecimento gerado pela comunidade mas também para recrutar novos membros. O recrutamento, em especial pode ser feito através de cartazes, folhetos, palestras, sessões de pôsteres em eventos etc., em que o público é informado das vantagens de pertencer à sociedade científica em questão. O tipo e a quantidade de gêneros disponíveis dependem do tamanho da comunidade envolvida. Uma comunidade discursiva do porte da TESOL (Teachers of English to Speakers of Other Languages –

 

 

Professores de Inglês para Falantes de Outras Línguas), por exemplo, tem, entre suas publicações, um periódico acadêmico (TESOL Quarterly), uma revista de cunho prático (TESOL Journal), um jornal (TESOL Matters), um boletim eletrônico com oportunidades de emprego (Placement E-Bulletin), um informativo eletrônico (TESOL Connections), livros impressos, de cunho teórico e prático, publicações em CD-ROM, programas de certificação para professores de inglês, folhetos com diferentes tipos de informação, calendários, agendas, “buttons”, camisetas, bonés, além de uma convenção anual, que, por sua vez, apresenta também outros gêneros (comunicações orais, oficinas, sessões de pôster, palestras, exposições, “café da manhã” com especialistas, demonstrações de produtos, entrevistas para emprego etc.).

 

  • Além de diferentes gêneros, uma comunidade possui também um léxico específico

 

O uso de um léxico específico não apenas caracteriza uma determinada comunidade mas de certa maneira também a afasta de outras comunidades, a ponto de dificultar a entrada para aqueles que desconhecem o jargão da comunidade. De acordo com Swales (1990, p. 26-27), se alguém de fora assiste a uma reunião de uma comunidade científica e entende cada palavra, o grupo em questão provavelmente ainda não formou uma comunidade discursiva. As pessoas que não pertencem à área do ensino de inglês, por exemplo, provavelmente não têm a mínima ideia do que significam siglas como ESP, EAP, EFL. Mesmo dentro da comunidade maior, alguns membros terão dificuldade de identificar, por exemplo, o que o subgrupo da área de ensino mediado por computador quer dizer com CALL, FTP ou NLP.

 

 

  1. Uma comunidade discursiva pressupõe, para seus membros, um patamar inicial de domínio do conteúdo e competência

 

Uma comunidade discursiva é composta de noviços e especialistas. Para que um noviço seja considerado um membro da comunidade, ele deve demonstrar que possui um determinado nível de conhecimento na área; o conhecimento necessário para escrever uma dissertação de mestrado, por exemplo. O especialista, por outro lado, deve ser capaz de demonstrar que tem competência para tarefas como planejar e administrar cursos, coordenar eventos científicos e orientar alunos a escreverem suas dissertações.

Podemos definir uma comunidade discursiva acadêmica como um grupo de produtores e consumidores de texto que interagem entre si da maneira mais eficaz possível através de um conjunto de convenções, entre as quais se inclui uma terminologia acordada. As convenções basicamente definem o que pode ou não pode ser feito, geralmente levando em consideração a mídia em que é expressa (as opiniões podem ser mais livremente expressas no correio eletrônico do que em um periódico acadêmico, por exemplo) e também os papéis desempenhados pelos participantes (um noviço não pode falar como um especialista).

 

O processo de aculturação

 

O processo de aculturação para entrar numa comunidade discursiva não é uma empreitada fácil. Envolve, como vimos, diferentes tipos de problemas, entre os quais podemos destacar os seguintes: (1) adquirir competência na língua estrangeira, geralmente visto como um pré-requisito; (2) familiarizar-se com a terminologia privilegiada pela comunidade; (3) apropriar-se do conhecimento compartilhado pressuposto pelos especialistas da comunidade; (4) adquirir as convenções que determinam o discurso específico da comunidade em questão; (5) identificar os

 

 

objetivos da comunidade, que podem ter uma orientação mais teórica ou mais prática.

Gostaria de comentar brevemente sobre esses problemas, começando com a questão da competência linguística. Um bom domínio da língua é obviamente um pré-requisito que deve ser obtido muito antes de iniciar a produção escrita da dissertação. Essa condição, no entanto, nem sempre pode ser presumida, principalmente nos programas de pós-graduação não especificamente dedicados ao estudo da língua, como é o caso, por exemplo, no departamento de ciências da computação. A boa notícia é que os problemas linguísticos, aqueles que envolvem apenas questões de escolha lexical e de construção sintática, são fáceis de se resolver – desde que não estejam atrelados a outros problemas mais complexos, envolvendo, por exemplo, questões de organização textual e de coerência. A frase seguinte, extraída de uma primeira versão de uma dissertação de mestrado, pode ser usada como um exemplo de problema puramente linguístico e extremamente fácil de ser resolvido:

 

The aim of this study is to analyze the way how lexical ambiguity is treated in its syntactic and semantic aspects in the Portuguese [o problema é o uso indevido do artigo “the” antes da palavra “Portuguese”].

 

Esses problemas são fáceis de se corrigir porque afetam apenas a superfície textual do discurso. Introduzem algum ruído na comunicação, mas o texto pode ser compreendido sem dificuldade. Descobri que esses problemas linguísticos são muito frequentes em textos já publicados, principalmente em anais de congressos. O que segue são apenas alguns exemplos produzidos por falantes nativos de japonês, escrevendo em inglês [problemas que de certo modo são intraduzíveis porque afetam apenas a superfície do texto]:

 

Word in English is applied as label to identify Universal Word (UNL, p. 35).

 

 

Conventional English-to-Japanese machine translation (MT) systems which are rule-based approaches, [sic] are difficult to translate certain types of Associated Press (AP) wire service news stories [sic], such as economics and sports, because these topics include many fixed expressions (such as compound words or collocations) which are difficult to be processed by conventional syntactic analysis and/or word selection methods (KATOH; AIZAVA, 1994, p. 28).

 

Different language may have more detailed scheme to express aspectual information of an event (UNL, p. 44).

 

Parece que os problemas linguísticos são mais facilmente resolvidos e também mais facilmente tolerados, desde que não produzam muito ruído na comunicação. Os problemas mais sérios estão acima do nível linguístico, quando afetam a produção de sentido, deixando o leitor extremamente frustrado por não conseguir construir o significado do texto ou por se sentir ludibriado pelo autor que o forçou a seguir pistas erradas. Isso pode ser demonstrado no seguinte parágrafo, traduzido do inglês [agora, sim, traduzível, por afetar a coerência].

 

É importante salientar que os atributos morfológicos são terminações de palavras que têm por objetivo indicar gênero, número e pessoa. Por isso em inglês há os atributos morfológicos.

 

Não há espaço aqui para transcrever todo o texto, mas nada há nele, nem antes nem depois do parágrafo citado, que justifique a importância dos atributos morfológicos como indicadores de gênero, número e pessoa. A conclusão de que em inglês deva haver atributos morfológicos porque eles indicam gênero, número e pessoa é também algo que confunde o leitor. O problema aqui não é falta de competência na língua, mas falta de competência discursiva em geral; mesmo traduzido para uma outra língua, o parágrafo continua problemático.

 

 

Problemas no nível conceitual são os mais graves de todos porque revelam falta de domínio do conhecimento fundacional da disciplina. O que segue é o exemplo de alguém que é incapaz de distinguir entre uma variável e o valor atribuído à variável – conceitos básicos em qualquer disciplina:

 

Quando eu li que José comprou um carro de João, a fim de compreender a frase, eu tive que ativar o esquema de transação comercial com pelo menos três variáveis: José, o carro e João.

 

Este aluno infelizmente ignora o que são esquemas e o que são variáveis. José, carro e João não são variáveis – como são comprador, mercadoria e vendedor – que, por definição variam em cada instância (ou instanciação) do esquema, mas valores constantes que não variam, porque constituem o próprio exemplo. Problemas como falta de competência na língua, domínio do discurso e conhecimento do conteúdo obviamente não deveriam existir no estágio em que o aluno começa a escrever sua dissertação, mas existem e os orientadores não podem ignorá- los.

 

A questão das restrições

 

Há outros problemas ainda mais sérios, que envolvem especificamente os papéis que os neófitos têm permissão de desempenhar dentro de uma comunidade discursiva.

A meu ver, os alunos, quando produzem uma dissertação de mestrado, trabalham sob mais restrições do que os especialistas. Eles têm que saber muito mais do que têm permissão para escrever, porque têm que conhecer não apenas o que escrevem mas também aquilo que não têm permissão para escrever como neófitos. Isso é um grande desafio para os novatos porque eles leem o que os especialistas escrevem mas não podem escrever como eles.

Fazendo uma adaptação da terminologia de David Brazil (1995), gostaria de sugerir que os especialistas podem se reservar

 

 

o direito de usar o “proclaiming tone” (“contorno descendente”), que enfatiza a importância do que eles escrevem como algo que é novo, certo, e desconhecido do leitor. Já os neófitos são obrigados a usar o “referring tone” (“contorno ascendente”), enfatizando o que é hipotético ou conhecido do leitor. O excerto seguinte, retirado aleatoriamente dos escritos de Chomsky, pode ser usado como exemplo:

 

Acho que podemos perceber pelo menos o contorno de princípios ainda mais gerais, que podemos interpretar como orientações genéricas, considerando que são formulados em termos extremamente vagos para que possam ser chamados de “princípios da GU” (CHOMSKY, 1995, p. 130).

 

Chomsky, como um especialista da comunidade discursiva, pode se arrogar o privilégio de introduzir marcadores subjetivos no seu texto, como “eu acho”, um procedimento que tipicamente não é permitido a um neófito. Pode-se argumentar que Chomsky é uma figura de notável saber na comunidade e que os marcadores subjetivos em seu texto serão interpretados como indício provável de muita reflexão, baseado numa longa história de estudo e pesquisa. Na escrita de um novato, o efeito seria o contrário. O leitor interpretaria o marcador subjetivo como uma confissão de incompetência ou como presunção descarada. O neófito não tem

o background histórico reconhecido de um especialista para dar credibilidade ao que ele diz.

 

A escrita acadêmica é fundamentalmente uma atividade ritualística. E embora os detalhes deste ritual social estejam sujeitos a diferentes requisitos em diferentes disciplinas, na prática, a grande maioria dos jovens cientistas, se não todos, encontra uma série de dificuldades para realizar este ritual, e isto acontece porque ainda são novatos, sócios em treinamento, nem iniciados e nem mestres da “sociedade fechada” (CRASWELL, xerox, p.7).

 

 

Aprender as convenções da comunidade discursiva, não apenas as convenções gerais que se aplicam a todos os membros, mas também aquelas convenções que se aplicam especificamente aos neófitos, é a tarefa do aluno que pretende escrever uma dissertação de mestrado. Essa aprendizagem desce além da superfície da materialidade linguística, do conhecimento passivo da terminologia específica da área, até alcançar o nível mais profundo do discurso e das relações que se estabelecem ativamente entre neófitos e especialistas, no nível em que o significado é realmente produzido.

Os alunos discípulos precisam aprender que não basta ter um conhecimento ocasional das convenções; elas precisam ser trazidas para sua intimidade e incorporadas na sua estrutura cognitiva. Não podem ser apenas memorizadas. Elas precisam ser assimiladas, apropriadas pelo jovem cientista, de modo a melhor servir seus propósitos. Os estudantes quando escrevem não podem apenas citar os membros da comunidade discursiva a qual querem pertencer; deverão ser capazes de parafrasear, com suas próprias palavras, o que os outros disseram. Não podem apenas identificar a informação que leem; devem transformá-la, incorporá-la internamente ao que já sabem, metamorfoseando-a

– mas também sem extrapolar seu papel de neófitos.

Esses são, a meu ver, alguns dos problemas que o mestrando encontra quando tenta escrever sua dissertação. São, na minha maneira de ver, problemas de ordem linguística, discursiva e conceitual. Existe ainda um problema de relacionamento social, que abordarei na próxima seção.

 

A interação orientador/orientado

 

A solução tradicional para ajudar o aluno a adquirir a competência necessária para escrever a dissertação, com o objetivo de dominar as normas e convenções da comunidade discursiva, tem sido através de um orientador – um processo menos ou mais longo com menos ou mais sessões de aconselhamento, em que às vezes se consegue expressar o que se

 

 

deseja e às vezes não. O exemplo seguinte mostra um mal entendido entre orientador e orientando que precisou ser corrigido. Lendo a primeira versão de um trabalho de uma aluna minha eu tinha marcado a frase abaixo como contraditória:

 

A informação explícita em um texto é aquela que não está presente no texto.

 

Eu não conseguia entender como é que algo que estivesse explícito no texto, não pudesse estar presente no texto. Quando falei isso para ela, ficou completamente surpresa e me garantiu que não era isso que ela queria dizer. É claro que já tenho uma resposta pronta para essas ocasiões – “Não interessa o que você quis dizer; interessa o que você disse” – mas nesse caso fiquei esperando a explicação. Ela me mostrou então que a frase poderia ter uma segunda leitura, mais ou menos nos seguintes termos: “A informação explícita é tão óbvia, que não precisa ser escrita; então não está presente, não é colocada no texto. Se fôssemos escrever tudo o que é óbvio, o texto ficaria muito longo”.

A aluna tinha produzido um texto que era coerente na sua perspectiva, mas não de acordo com as expectativas convencionadas e institucionalizadas da comunidade discursiva

– que exige do escritor produzir um texto que seja condescendente com o leitor, evitando idiossincrasias e ambiguidades.

Os mal-entendidos podem ocorrer também no outro sentido, isto é, não apenas do aluno para o orientador mas também do orientador para o aluno. De acordo com Craswell (xerox), o orientador não pode pressupor que sua metalinguagem seja compreendida pelo aluno. Dizer a um aluno que ele deve melhorar a estrutura do parágrafo, manter a unidade de foco ou sinalizar a linha de argumentação vai ajudar muito pouco se ele sabe o que o orientador quer dizer com esses termos.

 

 

Conclusão

 

Acredito que a melhor maneira para ajudar um aluno a escrever sua dissertação é inseri-lo numa comunidade discursiva, onde ele possa socializar o que escreve, ler os trabalhos dos outros, ter seus próprios trabalhos lidos e comentados, trocar ideias com colegas. O grande autor visto como um gênio solitário é um mito, mesmo na área da literatura. Pós-modernistas como Barthes (1984) já proclamaram a morte do autor, considerando que o autor existe apenas a custa do leitor. Não existe se o que escreve não for lido.

As universidades são fundamentalmente gregárias. A aprendizagem não ocorre apenas através da reflexão individual mas principalmente através da discussão com os outros. Nos lugares em que tenho trabalhado foi raro ver um aluno trabalhando sozinho. Reúnem-se para ler trabalhos, preparar seminários, analisar dados em um projeto, e mesmo para escrever. O pressuposto é que o sentido seja construído entre os participantes, professores e alunos, através da negociação contínua; a verdade não é uma posse individual, mas uma mercadoria partilhada por todos no grupo.

Parece-me que a coisa certa a fazer no momento é criar comunidades solidárias de pesquisadores, onde os alunos possam apoiar-se uns nos outros. Exemplos dessas comunidades podem ser programas especiais de treinamento, grupos de pesquisa e outros projetos coletivos. A principal vantagem da criação dessas comunidades discursivas é que elas podem ajudar o jovem cientista a obter o status de sócio da comunidade, desenvolvendo nele a cultura da escrita e iniciando-o nos segredos da confraria. A maior de todas as vantagens na formação dessas comunidades é que nelas o aluno pode aprender não só a lidar com as restrições da escrita acadêmica, com suas regras e normas, mas também aprender a reverter o processo e a usar as restrições

em seu próprio benefício.

 

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       257

Capítulo 14 Aspectos externos e internos

da aquisição lexical15

 

 

Introdução

 

Os recursos atuais da informática, incluindo a indexação total de textos e a consequente facilidade na busca de palavras em contexto de uso, tornaram o vocabulário um dos aspectos mais importantes na aprendizagem da língua, tanto em L1 como L2. Este enfoque contextual – que considera as relações da palavra dentro do texto, incluindo suas restrições e preferências colocacionais – nada tem em comum com as abordagens descontextualizadas de outrora e suas listas de palavras, com tradução, sinônimos, antônimos, coletivos etc. O aluno tem até a opção de dispensar o dicionário tradicional, onde a maioria das palavras registradas não são usadas, e ir diretamente ao acervo original de textos onde elas são encontradas em seu habitat natural, vivendo em equilíbrio ecológico com as outras palavras. Os recursos atuais da informática, pela facilidade com que recolhem e analisam as palavras, reverteram a hierarquia dos componentes linguísticos na aprendizagem, subordinando sintaxe, fonologia, morfologia e pragmática ao léxico.

Este capítulo vai tentar resumir o que tem sido pesquisado e proposto sobre a aprendizagem do vocabulário, tanto na língua materna como na língua estrangeira, mostrando como os estudos evoluíram dialeticamente de uma ênfase externa para uma ênfase interna, chegando finalmente a uma síntese com a introdução da

15 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em: LEFFA, Vilson J. Aspectos externos e internos da aquisição lexical. In: LEFFA, Vilson J. (Org.). As palavras e sua companhia; o léxico na aprendizagem. Pelotas, 2000, v. 1, p. 15-44

 

 

informática. Entende-se aqui por ênfase externa, do ponto de vista histórico, a ideia de que o sucesso na aprendizagem dependia da modificação do input oferecido ao aluno: controle do vocabulário nos textos didáticos, gradação de exercícios por nível de dificuldade etc. Dentro dos aspectos internos, há também uma oposição que se criou entre aquisição e aprendizagem. Exemplo típico de aquisição é o que acontece na língua materna, onde o desenvolvimento do léxico é mais espontâneo, relacionado à formação da própria identidade da pessoa e menos dependente da ação da escola, enquanto que na língua estrangeira o desenvolvimento é mais refletido, precisando normalmente de indução para se realizar. Se na língua materna predomina o léxico das operações concretas da infância, ligado ao afeto e à família, na língua estrangeira predomina o léxico das operações abstratas da adolescência e da idade adulta, ligado à escola e às disciplinas de estudo. A oposição entre aquisição automática do léxico e aprendizagem intencional também parece ter resultado numa síntese

O capítulo inicia ressaltando algumas ideias básicas que têm marcado o estudo do léxico, ora visto como um componente essencial da linguagem, centro de atenção de estudiosos e curiosos da língua, ora visto como um componente acessório, idiossincrático e impossível de ser abordado cientificamente. Ressalta também a oposição entre o conceito de palavra e de unidade lexical e procura-se mostrar, dentro desse jogo de oposições, a tensão que existe entre a palavra e o texto. Mostra que a palavra não é uma embalagem vazia de significado, totalmente subordinada às restrições do texto, mas um feixe de possibilidades, oferecendo ao texto inúmeras opções de significado, embora impondo também suas normas e restrições de uso.

Na questão do ensino do vocabulário, tenta-se mostrar como esse ensino pode estar centrado no input que é oferecido ao aluno, com ênfase na preparação do texto, ou no próprio aluno, com ênfase no desenvolvimento das estratégias que ele deve usar para se apropriar do vocabulário de uma língua. Do lado do texto,

 

 

mostra-se principalmente a importância de se conhecer a distribuição das palavras no texto, de sua frequência relativa, de suas preferências e restrições colocacionais. Do lado do aluno, procura-se resumir o que se sabe sobre aquisição incidental e aprendizagem intencional, com sugestão de estratégias para o desenvolvimento do vocabulário, partindo da teoria para a prática e considerando a língua tanto em sentido geral, sem restrição de input, como a língua de especialidade, onde o input fica restrito a uma determinada área de conhecimento.

 

A luta mais vã

 

Um elemento decisivo na identificação de uma língua é seu léxico. Normalmente basta uma pequena sequência de palavras (ex.: los niños, les enfants, the boys), mesmo fora da ordem canônica (ex.: boys the) para que a língua já possa ser determinada com facilidade. Em qualquer tarefa onde for necessária a identificação da língua (ex.: num processador de texto para determinar o dicionário ortográfico a ser acionado), a maneira mais rápida, precisa e econômica de descobrir que língua está sendo usada será pela identificação das palavras. A morfologia ajudaria muito pouco, a sintaxe menos ainda, e a pragmática provavelmente nada teria a oferecer. O efeito de sentido para uma frase como “a polícia está chegando”, pronunciada por um assaltante dentro de um banco para os seus colegas, seria certamente o mesmo, independente da língua usada – não servindo, portanto, para diferenciar uma língua da outra.

Se alguém, ao estudar uma língua estrangeira, fosse obrigado a optar entre o léxico e a sintaxe, certamente escolheria o léxico: compreenderia mais um texto identificando seu vocabulário do que conhecendo sua sintaxe. Da mesma maneira, se alguém tiver que escolher entre um dicionário e uma gramática para ler um texto numa língua estrangeira, certamente escolherá o dicionário. Língua não é só léxico, mas o léxico é o elemento que melhor a caracteriza e a distingue das outras.

 

 

O senso comum, a tradição e mesmo a literatura têm dado uma importância muito grande à palavra. O senso comum, intuitivamente, tende a definir uma língua mais como um conjunto de palavras do que como um conjunto de frases ou de regras sintáticas. A tradição, tanto no ensino de línguas estrangeiras como da língua materna, tem destacado a importância do vocabulário através de inúmeras atividades pedagógicas, desde as listas de palavras descontextualizadas a serem decoradas pelos aprendizes até atividades mais significativas como jogos do tipo forca, bingo, caça-palavra, memória, palavras cruzadas etc. Na literatura são também inúmeros os exemplos de poetas e escritores em que se manifesta a preocupação com o vocabulário, do esforço que fazem para chegar à palavra que melhor expresse aquilo que pretendem dizer.

Todos – não só poetas, jornalistas e professores – lutam com as palavras e têm que aprender a expressão do conceito que buscam: o mecânico de automóvel quando pede uma peça para reposição, o vendedor ambulante quando tenta convencer o freguês das qualidades do produto que vende, o médico quando tenta explicar ao paciente a natureza da doença revelada no exame de urina. O poeta quando fala de sua luta com as palavras não fala apenas por ele; fala por todos os usuários da língua:

 

Lutar com palavras é a luta mais vã.

Entanto lutamos mal rompe a manhã. (Drummond)

 

A ilusão dos demais usuários, no entanto, é de que a luta não seja vã. Nas palavras do autor do dicionário Aurélio:

 

Uns e outros [poetas e dicionaristas] se empenham na luta

– e sempre com a esperança de que não seja vã. Em nossos casos particulares – o do poeta e o deste aprendiz de lexicografia – há uma diferença (deixem passar a confissão): a luta de Drummond principia “mal rompe a

 

 

manhã”, a do aprendiz, ordinariamente, vai até de manhã (FERREIRA, 1986, p. vii).

 

No entanto, apesar da importância que o senso comum, a tradição e a literatura dão à palavra, no uso e na aprendizagem de uma língua, o ensino do vocabulário tem sido de um modo geral estigmatizado, tanto em língua materna como em língua estrangeira. Este capítulo, partindo da suposição de que o estigma existe por que não se conhece o que foi feito e o que se pode fazer sobre o ensino do léxico, pretende resumir estudos realizados e oferecer alternativas de ensino, com ênfase tanto no material a ser oferecido ao aluno como nas estratégias a serem exploradas. Constata-se com facilidade que na aprendizagem da língua estrangeira, a aquisição do vocabulário é um dos aspectos mais importantes do processo. Por outro lado, na aprendizagem da língua materna ele é muitas vezes o único aspecto onde, depois de um certo estágio, o aluno ainda pode progredir. Quando se domina a fonologia, a sintaxe e a morfologia de uma língua – o que normalmente se consegue antes de se chegar à adolescência

  • o léxico é o único conhecimento que pode ser aumentado, geralmente para o resto da vida, já que sempre é possível aprender novas

 

O que é uma palavra – A tensão com o texto

 

Poucas são as definições disponíveis de palavra na literatura da linguística aplicada e mesmo da linguística, como se o próprio termo palavra fosse uma espécie de postulado filosófico, fato reconhecido automaticamente, sem necessidade de ser definido ou demonstrado. Os especialistas parecem que não querem se comprometer com uma definição e, quando se sentem coagidos a fornecer uma, geralmente apelam para a vaguidão. Assim, para Ducrot (1995), palavra é um feixe de topoi – que Moura, na entrevista que fez ao autor, traduziu como “um conjunto vago de crenças e inferências” (MOURA, 1998, p. 169). A relação clara e unívoca do signo linguístico, estabelecida por Saussure entre

 

 

significante e significado, deixa de existir e a palavra é vista mais como um leque de encadeamentos possíveis dentro do discurso. De acordo com Firth, a palavra só existe na companhia de outras palavras. Sozinha, ela não tem condições de subsistir; será, quando muito, apenas um feixe de possibilidades, tanto mais vaga e volátil quanto maior for esse feixe. (Para uma discussão dos problemas da referencialidade, veja-se, entre outros, Putman (1975, 1990), Moura (1997))

Na verdade, foge-se do termo palavra quando se quer discutir a palavra – devido a sua falta de rigor científico. Ainda que na área da informática a palavra possa ser rigorosamente definida como uma sequência de letras delimitada em ambas as extremidades por um espaço, essa definição não serve quando, além do significante, queremos incluir também a significado. Daí a inevitável criação de outras expressões como vocábulo, termo, monema, sintagma, lema, lexema, semantema, lexia, sinapsia ou paráfrases mais longas como sintagma lexicalizado ou unidade mínima de significação – sem falar em termos mais raros como lexes ou lexóides.

Há também tentativas de distinção entre esses termos. Vejam-se, por exemplo, as diferenças que Dubois et al. (1993) fazem entre palavra, termo e vocábulo. Assim, opondo palavra a termo, argumentam que palavra é essencialmente polissêmica, enquanto que termo possui uma significação única (Ver Krieger, neste volume). Na língua portuguesa, pedra, teria como palavra, de acordo com o Aurélio, 24 acepções (Ex.: bloco de pedra, a pedra do anel, uma pedra de sal, choveu pedra, cantaram a pedra 20, coração de pedra etc.); já como termo médico pedra, terá apenas uma dessas acepções (Ex.: pedra no sentido de “concreção que se forma em reservatórios musculomembranosos e nos canais excretores de glândulas” – FERREIRA, 1986, p. 1292). Por outro lado, opondo palavra a vocábulo, propõem que palavra não tem restrição de ocorrência; sempre que aparecer no texto será uma nova palavra. Vocábulo já tem restrição de ocorrência; será o mesmo, ainda que repetido. Assim, a frase “Não ficou pedra sobre pedra” tem cinco palavras, mas apenas quatro vocábulos, já que

 

 

a palavra pedra é o mesmo vocábulo que está sendo repetido (Para uma discussão mais detalhada deste e de outros termos, ver ALVES, 1999).

Não é fácil, porém, determinar o vocábulo, devido a sua polissemia: as 24 acepções que o dicionário Aurélio dá para a palavra pedra, agrupadas em um único verbete, seriam todas vocábulos diferentes, ou algumas dessas acepções poderiam ser agrupadas em um vocábulo? Por outro lado, a palavra mangueira, separada em três verbetes (nos sentidos de tubo, árvore e curral) poderia ser mais facilmente dividida em três vocábulos, na medida em que se tem aí não um caso de polissemia mas de homonímia (LEFFA, 1997). Pode ser um pouco difícil, mas não será impossível, contar os vocábulos em uma frase como: “A muda silenciosamente usou a mangueira de plástico para regar a muda de mangueira que crescia perigosamente junto à da mangueira das vacas”.

Outros autores fazem também a diferença entre léxico e vocabulário. Entende-se por léxico “a totalidade das palavras duma língua, ou, como o saber interiorizado, por parte dos falantes de uma comunidade linguística.” (VILELA, 1994, p. 10). O vocabulário é, por sua vez, uma parte do léxico, que representa uma determinada área de conhecimento. (BARBOSA, 1995, p. 21)

Definir uma palavra como uma unidade mínima de sentido não é uma tarefa fácil, devido às inúmeras nuances de significado que uma palavra possui. Usando apenas o que está no dicionário para a palavra pedra, por exemplo, que não é das palavras mais polissêmicas, tem-se, como vimos, 24 acepções. Se fossem usados os conceitos que as pessoas têm de pedra em sua mente, provavelmente se encontrariam não dezenas mas centenas de acepções. Finalmente, indo além do dicionário e do que está armazenado na mente das pessoas, e usando as significações que uma palavra pode adquirir dentro de um texto – plano do discurso na terminologia de Quemada (1981) – chega-se provavelmente a milhares de acepções, como se pode ver nos exemplos abaixo para a palavra pedra:

 

 

A imprevisibilidade é a pedra nos sapatos dos linguistas (problema).

O mestre Gereba está numa pedra, acossado por tubarões (apoio).

Jogou-lhe uma pedra na cabeça (projétil).

O carro parou porque havia uma pedra no meio do caminho (obstáculo).

Deixou o nome escrito na pedra (suporte textual). Como tirar leite de pedra? (coisa estéril)

A pedra curou-lhe a loucura (remédio).

 

Não há provavelmente nenhum autor que acredite na identificação de significado que uma palavra tem no dicionário com o significado que ela adquire quando está na companhia de outras palavras no texto. Há sempre uma diferença muito grande entre uma situação e outra, acarretando um desprestígio da palavra como entidade independente, quando é vista e analisada à parte das outras. A palavra não pode andar sozinha; como já dizia Vygotsky (1934, 1998), ela só adquire significado no contexto em que é usada. “O significado dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sentido, não passa de uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala” (BARBOSA, 2000, p. 1).

A ênfase no contexto pode também dar a ideia errada de que a palavra é uma embalagem vazia, desprovida de conteúdo, que assume a forma do contexto em que se encontra, como um camaleão que se enche de vento e muda de cor. A palavra não vai vazia ao texto. Pelo contrário, traz uma história de experiências que recolheu de outros textos em que participou. Quando se diz, por exemplo, que “Maria tem um coração de pedra”, a palavra pedra não fica totalmente submetida às coordenadas do texto; ela traz um conteúdo que é só dela e que de modo algum está previamente colocado no texto, que é sua dureza e insensibilidade. O texto muda com a presença da palavra pedra, e seria outro se em vez de pedra, usássemos, por exemplo, mel. Qualquer falante da língua portuguesa entenderia que “Maria tem um coração de

 

 

pedra” tem um significado oposto ao de “Maria tem um coração de mel”. No entanto, a única coisa que aconteceu entre um segmento e outro foi a troca de uma única palavra. Ou seja, a palavra não só assume o significado imposto pelo texto, mas também determina seu significado.

É óbvio que também se pode argumentar de modo inverso. Em duas frases como “Cantaram a pedra 20” e “Escalaram a pedra grande”, pode-se demonstrar que a mesma palavra pedra significa número num exemplo e rocha no outro – logo, pode-se argumentar que é o contexto da frase que determina o significado da palavra. Na verdade, o que se tem entre o texto e a palavra é um processo de interação baseado em algumas regras fundamentais, onde o texto, não necessariamente dá um significado à palavra, mas privilegia um de seus possíveis traços semânticos. O texto não é onipotente em relação à palavra a ponto de lhe dar um significado que ela não pode carregar. O texto só pode exigir da palavra aquilo que ela estiver disposta a dar; como as palavras em geral são ricas de significado elas acabam se encaixando em vários lugares do texto. Não se trata portanto de pobreza mas de riqueza. Conhecer essa riqueza das palavras faz parte do que significa conhecer uma língua.

Um outro problema ao se definir uma palavra como unidade de sentido é que não há uma simetria entre extensão e sentido. Às vezes atinge-se uma unidade de sentido sem chegar ao fim da palavra, como é o caso, por exemplo, das palavras “viveram” e “felizes” em “viveram felizes para sempre”; tanto “viver”, sem a desinência verbal “am”, como “feliz”, sem o sufixo flexional “es”, já formam por si mesmos uma unidade de sentido.

Outras vezes acontece o contrário: chega-se ao final da palavra sem chegar ao final da unidade de sentido. A expressão “análise de discurso”, por exemplo, é composta de três palavras, mas, para os especialistas da área forma um sintagma lexicalizado de um sentido único, graficamente bem delimitado, ao qual só se chega depois do final da palavra “discurso”, passando pelas duas anteriores. As palavras que compõem a unidade estão de tal modo costuradas uma na outra que não há nem mesmo a possibilidade

 

 

de inserção de qualquer outra palavra entre elas, sem romper a unidade de sentido. Não se pode, por exemplo, falar em “análise de pouco discurso” como se fala em “homem de sorte” e “homem de pouca sorte”. As três palavras da expressão “análise de discurso”, formam, portanto, um bloco relativamente monolítico e individual, que poderia ser definido como uma unidade lexical, a exemplo de outras expressões como “pedra de toque”, “pedra fundamental” ou mesmo “dormir como uma pedra” (Para uma discussão mais detalhada desta questão e dos testes de substituição e de inserção que podem ser aplicados para distinguir lexias complexas de sequências discursivas variáveis, ver BIDERMAN, 1999).

Um outro problema de falta de simetria está nas contrações e fusões de duas ou mais palavras dentro de um mesmo espaço grafêmico. O caso mais comum é o das preposições com os artigos, como em dos (de + os), nos (em + os) etc., onde se tem um único grafema para duas palavras. Outras vezes, em situações aparentemente idênticas, pode-se ter uma ou mais palavras. É o caso, por exemplo, de “embaixo” (uma palavra) e “em cima” (duas palavras).

 

O ensino do vocabulário – aspectos externos

 

O ensino do vocabulário, tanto na aprendizagem da língua estrangeira, como da língua materna, oscila entre o interno e o externo. De um lado, temos o ensino com ênfase no material que deve ser preparado e oferecido ao aluno. São os aspectos externos, valorizando o input. Nessa área, destacam-se os estudos sobre frequência, dicionários de aprendizagem, linguística de corpus e uma tipologia específica de exercícios. Do outro lado, temos o ensino com ênfase no que o aluno deve fazer para adquirir e ampliar o vocabulário. São os aspectos internos, valorizando as estratégias. Destacam-se aí a questão da profundidade de processamento, a necessidade de respeitar os estilos de aprendizagem etc.

 

 

Em relação aos aspectos externos, um dos mais estudados tem sido a frequência de ocorrência de determinadas palavras nos textos orais e escritos, desde as pesquisas de Thorndike, no início da década de 20, até os estudos mais recentes em linguística de corpus.

A motivação principal para o estudo da frequência de ocorrências é a constatação de que a maior parte do vocabulário de um texto é formada pelas palavras mais comuns da língua. É óbvio que as palavras existentes em uma língua têm graus diferentes de popularidade. Algumas são usadas em qualquer texto com extrema frequência. Outras são rarissimamente usadas, desconhecidas pela maioria das pessoas, e parecem que existem apenas para ocupar espaço nos dicionários – já que nos textos nunca aparecem. Uma diferença, portanto, entre as palavras no texto e as palavras no dicionário é que no texto a maioria das palavras é conhecida.

Essa constatação de que algumas palavras são extremamente mais frequentes do que outras levou vários especialistas a conduzirem inúmeros levantamentos de frequência. Estudos clássicos nesta área incluem Thorndike (1921), Thorndike and Lorge (1944), West (1953), van Ek (1975) e Hindmarsch (1980).

Thorndike (1921) foi o pioneiro em estudos de frequência, produzindo inicialmente uma lista das 5.000 palavras mais comuns da língua inglesa. Duas décadas mais tarde, juntamente com Lorge (THORNDIKE; LORGE, 1944), apresentou uma lista das 30.000 palavras, o Teacher’s Word Book of 30,000 Words, baseado num corpus de 18 milhões de palavras de texto escrito. O objetivo nos dois trabalhos era oferecer aos autores de livros didáticos dos Estados Unidos subsídios para a produção de livros em língua materna. A preocupação era apresentar livros adequados para cada ano de escolarização, e a escolha de um vocabulário diferenciado, rigorosamente classificado por nível de dificuldade, era considerado um dos critérios mais importantes.

O General Service List (WEST, 1953), publicado na década de 50, baseia-se em trabalho realizado na década de 30, quando o

 

 

autor trabalhava na Índia. Preocupado com o ensino de inglês como Língua Estrangeira ou Segunda (LES), e principalmente com o ensino da leitura em LES, West compilou uma lista de

2.000 palavras, que foi usada durante muito tempo para a produção de material para o ensino de inglês. Embora a frequência fosse um critério básico para a inclusão de uma palavra na lista, aspectos semânticos também foram considerados.

A Figura 01 mostra um verbete da lista. O número 638 indica que a palavra game ocorre 638 vezes no corpus de 5 milhões de palavras usado para compilar a lista. Cada palavra, como se vê, é dividida em acepções. O percentual, após cada acepção, indica a ocorrência da palavra com aquele significado. Um ponto de interrogação (?) indica uma sugestão de significado por parte do autor. Note-se também o uso de exemplos de uso para cada acepção.

 

 

Figura 01 – Exemplo de um verbete do General service list (West, 1953, p. vii)

 

GAME 638 (1) (amusement, children’s play)  
  Fun and GamesIt’s not serious;
  it’s just a game 9 %
(2) (with the idea of competittion, e.g.  
  cards, football, etc. )A game of football  
  Indoor games; outdoor games 38%
(3) (a particular contest)We won,  
  six games to threeI played a poor  
  gamePlay a losing game (10.5%) 23%
(4) (games = athletic contest)  
  Olympic games 8%
  ? [= animals, 11%; game-/, game-birds,  
  etc., 5%] [= fun, Make game of, 0.5%]  
Fonte: Autor    

 

 

O Threshold level (van EK, 1976), um dos documentos mais importantes para a abordagem comunicativa, faz também um inventário do vocabulário básico da língua inglesa, dentro do nível mínimo das funções linguísticas que o aluno deve dominar para interagir em inglês. Embora o critério de frequência ainda seja seguido, outros critérios são também levados em conta, incluindo a capacidade da palavra em auxiliar na execução de determinadas funções. O corpus não é mais apenas o da língua escrita mas também da língua oral e aspectos produtivos e receptivos do léxico são também incorporados no inventário de aproximadamente 1.500 palavras.

O Cambridge English Lexicon, compilado por Hindmarsch (1980), apresenta 4.470 palavras classificadas por níveis de 1 a 5, sendo 1 o nível mais básico (ex.: a palavra “paper”) e 5 o nível mais elevado (ex.: a palavra “particle”). Hindmarsch tenta resumir na sua lista tudo o que já tinha sido feito até então, incluindo sua própria experiência como professor e elaborador de testes de proficiência em inglês. O objetivo principal foi oferecer um inventário de palavras que oferecessem uma base para a compreensão de texto, com ênfase maior, portanto, na recepção do que na produção.

Atualmente, com o advento da informática e o barateamento da tecnologia de armazenamento, a importância desses inventários lexicais pré-fabricados tem diminuído bastante. Editores de dicionários e mesmo pesquisadores individuais têm dispensado o uso dessas listas e desenvolvido seus próprios corpora, geralmente na ordem de dezenas de milhões de palavras. O Projeto COBUILD, que inicialmente envolveu a Editora Collins e a Universidade de Birmingham, para citar apenas um exemplo, tem uma base de dados superior a 100 milhões de palavras.

Críticas aos inventários lexicais naturalmente não faltam. Em primeiro lugar, argumenta-se que o número de itens nesses inventários são enganosos e não são tão fáceis de serem adquiridos por parte do aprendiz como sugerem seus autores. As palavras mais frequentes são também as mais polissêmicas e colocacionalmente as mais complexas (NAGY, 1998). As 2.000

 

 

palavras da General Service List, por exemplo, correspondem a mais de 12.000 acepções. Existe também um problema cultural. Por necessidade, essas listas têm que ser compiladas a partir de textos autênticos de falantes nativos, e muitas palavras que são comuns para esses falantes envolvem conceitos que não são conhecidos por falantes de outros países (GAIRNS; REDMAN, 1993, p. 59). Ou seja, a lista inicial de 2.000 palavras cresce para

  • acepções e muitas dessas acepções não fazem parte do conhecimento prévio do

 

Um exemplo de frequência na língua portuguesa

 

O exemplo a seguir mostra um pequeno estudo feito com textos escritos em português, usando uma área restrita de conhecimento e um corpus de um pouco mais de um milhão de palavras. O estudo é resumido aqui para mostrar, diretamente, a importância do estudo de frequência lexical no ensino de línguas e, indiretamente, a importância da terminologia na delimitação das áreas de conhecimento. Parece que o léxico é um fator essencial não só para a identificação de uma língua mas também para a determinação das diferentes ciências.

A língua portuguesa, segundo o Michaelis (1998), possui em torno de 200.000 palavras. Isso significa que se essas 200.000 palavras fossem igualmente distribuídas pelos textos da língua, um estrangeiro que soubesse apenas 100 palavras da língua portuguesa e fosse ler um texto de exatamente 100 palavras, não chegaria a entender uma única palavra desse texto. Estatisticamente entenderia apenas um vigésimo de palavra, ou seja, para entender uma única palavra num texto de 100, teria que conhecer pelo menos 2000 palavras da língua portuguesa.

 

 

Figura 02 – Lista de 100 palavras em ordem alfabética (MICHAELIS, 1998, p. 1218-1219)

 

lacina, lacínia, laciniado, lacinofoliado, lacinifloro, laciniforme, lacínio, lacínula, lacinulado, Lacistema, Lacistemáceas, laço, lacobricense, lacobrigense, laço-de-amor, lacol, lacólito, lacomancia, lacomante, lacomântico, lácon, lacondé, lacônico, lacônio, laconismo, laconizar, lacopaco, lacrador, lacraia, lacrainha, lacranar, lacrar, lacrau, lacre, lacreada, lacrear, lacrecanha, lacrimação, lacrimal, lacrimante, lacrimar, lacrimatório, lacrimável, lacrimejamento, lacrimejante, lacrimejar, lacrimejo, lacrimiforme, lacrimo-christi, lacrimogêneo, lacrimonasal, lacrimopalpebral, lacrimoso, lacrimotomia, lacrimotômico, lacrimótomo, lactação, lactacidemia, lactado, lactagol, lactalase, lactálase, lactalbumina, lactama, lactamida, lactância, lactante, lactar, lactário, lactase, lactato, láctea, Láctea-via, lacteína, lactenina, lactente, lácteo, lacteolina, lactescência, lactescente, Láctica, lacticemia, lacticêmico, lacticínio, lacticinoso, láctico, lacticolor, lacticultor, lacticultura, láctide, lactífago, lactifermentação, lactifermentador, lactífero, lactífico, lactifobia, lactífobo, lactiforme, lactífugo, lactígeno

 

Fonte: Autor

 

 

Figura 03 – Segmento de texto, escolhido aleatoriamente, com 100 palavras de extensão

Fonte: Autor

 

Uma experiência bem simples pode demonstrar essa realidade. Abra-se o Michaelis (1998) na página 1218 e, a partir daí, liste-se as 100 palavras que aparecem em sequência. A Figura 02 mostra essas palavras. Agora compare-se essas palavras a um segmento autêntico de texto (Figura 03). O que se observa é que nenhuma das palavras listadas pelo dicionário aparece no segmento.

Felizmente, na língua portuguesa, como em qualquer outra língua, há palavras que são muito mais usadas do que outras, e quando um texto é de uma determinada área de conhecimento, as palavras daquela área predominam sobre as palavras de outras áreas.

Isso pode ser demonstrado num levantamento feito das palavras mais frequentes dos anais da ABRALIN de 1997. A Tabela 01 mostra, por ordem de frequência, as 100 palavras mais usadas nesses textos.

 

 

O primeiro aspecto que chama atenção, examinando a lista, é a presença bem maior das palavras do chamado sistema fechado da língua (artigos, pronomes, preposições, conjunções), com uma presença bem menor do sistema aberto (substantivos, verbos, adjetivos). Não surpreendentemente, tratando-se de textos da área da linguística, a palavra mais frequente do sistema aberto que aparece na lista é o substantivo língua, seguida de outras da mesma área de conhecimento, como discurso, sujeito, linguagem, análise, português. O aparecimento de duas palavras da língua inglesa (the e of) – coincidentemente as duas palavras mais comuns dessa língua e provavelmente oriundas de citações bibliográficas

  • mostra, juntamente com a presença de palavras da área da linguística, que a amostra não pode ser vista como representativa da língua portuguesa, como um Apesar disso, ou justamente por isso, os resultados podem ser extremamente interessantes, como se espera demonstrar abaixo.

Compare-se agora esta lista com o segmento textual da Figura 02, que mostra um recorte extraído aleatoriamente do corpus de um milhão de palavras. O primeiro aspecto que se pode observar, em termos de frequência, é que algumas palavras já estão sendo repetidas dentro do próprio segmento. Assim, a preposição de aparece 3 vezes (sem contar as fusões: do, da etc.); a preposição em, 4 vezes; o artigo o, 2 vezes; a conjunção e, 5 vezes; etc. As palavras da língua, portanto, não estão igualmente distribuídas neste pequeno segmento.

 

 

Tabela 01 – As 100 palavras mais comuns da língua portuguesa em textos acadêmicos, por ordem de frequência (Anais da ABRALIN)

 

de dos Forma trabalho processos
a ou pela aos terminologia
é das relação história texto
que língua sobre questão esse
o são seu diferentes of
do ao interpretação termo outros
da discurso pelo in produção
no entre sentido mesmo sem
em mais pode portuguesa uso
se nos termos século essa
como ser assim brasileira
um sua linguística outro posições
uma mas processo este relações
os sujeito esta isso textos
as tem nas pois foi
para linguagem pesquisa ainda
e análise pessoa ele
por também materiais isto sentidos
na português tratamento lugar não
com Brasil memória the

Fonte: Autor

 

O aspecto mais interessante, no entanto, é o percentual das palavras da lista de 100 que aparece no segmento, e que estão sublinhadas. Contando-se as palavras uma a uma, o que se descobre é que, das 100 palavras que compõem o texto, 71 estão entre as mais frequentes de todo o corpus. Isso significa que estatisticamente, comparando este resultado com o do dicionário, há um salto extremamente significativo no reconhecimento de palavras, com um aumento superior a 1.000%.

O que uma comparação entre a lista das 100 palavras da Figura 01, extraídas do dicionário, e o segmento da Figura 02, extraído de um texto autêntico, demonstra é insofismável:

 

 

enquanto que no dicionário predominam as palavras mais raras, no texto predominam as mais frequentes. Poucos falantes da língua portuguesa reconhecerão palavras como lacina ou lacrecanha. É provável que mais da metade das 100 palavras listadas no dicionário jamais sejam usadas pela maioria dos falantes.

Ainda que a amostra não seja representativa da língua como um todo, os resultados não deixam de ser interessantes. Mostram a importância da frequência lexical na composição de um texto de especialidade e consequentemente na sua compreensão, com sérias implicações para o ensino de línguas estrangeiras.

 

O ensino do vocabulário – aspectos internos

 

Para um ensino adequado do vocabulário dois aspectos precisam ser inicialmente analisados. Primeiro, é preciso saber o que significa conhecer uma palavra. Em segundo lugar, é também importante saber como evolui esse conhecimento.

Quando falamos uma língua somos capazes de determinar se uma sequência de sons ou letras, forma ou não uma palavra dessa língua, se não do léxico, que nunca teremos condições de conhecer em sua totalidade, pelo menos do vocabulário que conhecemos dessa língua. Pode-se afirmar com relativa segurança que todos os falantes do português brasileiro sabem que pedra é uma palavra dessa língua. Quem fala português sabe também, mesmo fora de contexto, que pedra

 

  1. é uma palavra comum na língua portuguesa com grande probabilidade de ocorrência, tanto na fala como na escrita, ao contrário, por exemplo, da palavra jaspe, que ele sabe que tem uma frequência menor;
  2. tem alta colocabilidade com a palavra dura, por exemplo, e também forma compostos como pedra de toque, pedra de amolar etc.;
  3. tem limitações de registro em algumas de suas acepções (num texto acadêmico não se descreveria um aluno como uma pedra);

 

 

  1. tem derivações e flexões como pedrada, pedregoso, pedreira etc.;
  2. é um substantivo feminino e não um verbo (um falante de língua portuguesa nunca dirá “o pedra é dura”);
  3. tem relações paradigmáticas com diamante, rubi, opala, safira, esmeralda ;
  4. tem, além do valor denotativo, baseado em suas propriedades físicas de dureza e solidez, diversos valores conotativos (coração de pedra ). (Para maiores detalhes ver SCARAMUCCI, 1997; NATION, 1984; READ, 1987; RICHARDS, 1976; WALLACE, 1982).

 

Dar esse tipo de conhecimento ao aluno é o que se pretende quando se fala em aprendizagem ou aquisição lexical.

A questão da coocorrência, incluindo aí os conceitos de colocação ou colocabilidade. Saber exatamente que palavras podem acompanhar outras palavras é um dos aspectos mais difíceis na aquisição do vocabulário de uma língua, principalmente quando envolve os aspectos produtivos (escrita e fala). Em português, por exemplo, não se diz “Fazer um serviço à causa da ecologia” mas “prestar um serviço” – como também não se diz embora, com o uso, muitas expressões inicialmente estranhas acabam se estabelecendo (Ex.: “serviço de inteligência” em substituição a “serviço de informações”).

Henriksen (1999) propõe que o desenvolvimento lexical dá-se através de três dimensões: (1) do conhecimento parcial das palavras ao conhecimento preciso; (2) do conhecimento superficial ao conhecimento profundo; (3) do conhecimento receptivo ao conhecimento produtivo.

Adaptando a concepção de Henriksen, propomos analisar o processo do desenvolvimento lexical através de três dimensões simplificadas, que definimos como quantidade, profundidade e produtividade.

A dimensão da quantidade considera o desenvolvimento lexical apenas ao longo de um continuum de palavras conhecidas pelo aprendiz. A competência lexical de um falante é medida pelo número de palavras que ele conhece. Esse número será

 

 

pequeno no início da aprendizagem, mas irá aumentando gradativamente, com patamares significativos em alguns números, com 1.000 palavras para o primeiro limiar de competência comunicativa e 5.000 para a leitura de textos irrestritos na língua.

A dimensão da profundidade considera a evolução que vai de um conhecimento superficial a um conhecimento profundo da palavra. Inicialmente o aprendiz é apenas capaz de reconhecer, por exemplo, se determinada sequência de letras pode ou não ser reconhecida como uma palavra da língua. À medida que sua competência lexical se desenvolve, ele se torna capaz de estabelecer as relações paradigmáticas (sinônimos, antônimos etc.) e sintagmáticas (que palavras podem acompanhar determinadas palavras). Aprenderá que as palavras “preciosa” e “fundamental” podem ocorrer frequentemente com “pedra”, formando expressões como “pedra preciosa” e “pedra fundamental”, mas que apenas “fundamental” ocorrerá frequentemente com “ensino” (“ensino fundamental”), sendo rara a expressão “ensino precioso”.

Finalmente, a dimensão da produtividade considerará a oposição entre conhecimento receptivo e conhecimento produtivo do léxico. De modo geral, somos capazes de reconhecer um número muito maior de palavras quando ouvimos ou lemos um texto do que somos capazes de produzir quando falamos ou escrevemos.

Essas dimensões também interagem entre si, alimentando- se mutuamente. Assim, à medida que cresce o número de palavras conhecidas, aquelas que já eram conhecidas, tornam-se mais profundamente conhecidas e o vocabulário receptivo, com o uso constante, pode também se tornar produtivo.

 

Incidental versus intencional

 

O desenvolvimento da competência lexical é também uma área onde se percebe com clareza a distinção entre aprendizagem incidental – definida como aquisição natural, não planejada – e aprendizagem intencional – definida como desenvolvimento formal e planejado. Essa diferença fica ainda maior quando se

 

 

compara o que acontece no desenvolvimento do léxico na língua materna com o que acontece no desenvolvimento lexical na L2. Assim, na língua materna, o processo de desenvolvimento lexical inicia-se pela aprendizagem incidental com predomínio do input oral, altamente contextualizado. O aprendiz da língua não está preocupado em aprender palavras novas, mas em construir um significado do que ouve. É só mais tarde, com a escolarização, que se inicia o processo formal de aprendizagem intencional do léxico, com o esforço deliberado e consciente em

aprender palavras novas.

Já na L2, acontece o contrário. O desenvolvimento do vocabulário inicia-se normalmente pela aprendizagem intencional, onde as primeiras palavras são explicitadas pelo professor. É só mais tarde, quando o aluno já possui um vocabulário de cerca de

  • a 000 palavras, que o processo de aprendizagem incidental tem início. O léxico, então, se desenvolve de modo não planejado, principalmente através da leitura, pelo processo de inferenciação (LAUFER, 1997; COADY et al, 1993; HIRSCH; NATION, 1992). Um levantamento das investigações realizadas sobre aprendizagem incidental e intencional do léxico, tanto em L1 como em L2, parece indicar que há um contínuo entre os dois, sem uma fronteira precisa onde começa um e termina o outro. A aprendizagem incidental, por definição, deveria ocorrer de modo automático, abaixo do nível da consciência, mas normalmente não é assim. Para haver aprendizagem é necessário um esforço de atenção, não só para o significado da palavra mas também para a sua forma. A abundância de informação existente no texto, já por si normalmente redundante, pode levar o leitor a inferir o significado de uma palavra com tanta facilidade que acaba guardando apenas o conceito, esquecendo a forma linguística em que o conceito é expresso (NATION; COADY, 1988). A hipótese do input, defendida por Krashen (1985, 1989), de que o desenvolvimento do léxico só ocorre quando o aprendiz enfoca sua atenção no significado, ignorando a forma, é rejeitada por muitos pesquisadores, que defendem a necessidade de atenção

 

 

aos dois aspectos (ELLIS, 1995; ROBINSON, 1995; ELLIS, 1994;

SCHMIDT, 1993).

A aprendizagem incidental do léxico tem despertado o interesse dos pesquisadores devido à crença de que ela possui várias vantagens sobre o ensino direto do vocabulário, entre as quais se destacam as seguintes:

 

  • é contextualizada, fornecendo ao aprendiz toda a riqueza que envolve o sentido e o uso da palavra;
  • é pedagogicamente eficaz na medida em que possibilita a ocorrência simultânea de duas atividades: compreensão do léxico e compreensão de leitura;
  • é mais individualizada porque o léxico que está sendo adquirido vem de textos selecionados pelo próprio aluno (HUCKIN; COADY, 1999).

 

A aprendizagem incidental oferece também algumas limitações. No caso da L2, há muitos aspectos que não se desenvolvem espontaneamente, como parece ser o caso das expressões idiomáticas e das coligações. Diferentes investigações (ex.: BAHNS; ELDAW, 1993; ARNAUD; SAVIGNON, 1997),

têm demonstrado que falantes não-nativos de inglês, mesmo possuindo um excelente domínio da língua inglesa, deixam a desejar no que se refere às expressões idiomáticas. O desenvolvimento pleno das expressões próprias de uma língua parece estar vinculado ao ensino explícito e direto.

A aprendizagem incidental não é inteiramente “incidental” e, para ser bem sucedida, depende de vários fatores, nem sempre presentes nas tarefas executadas pelos aprendizes, incluindo o uso da atenção, um domínio básico lexical de alguns milhares de palavras, uso adequado de estratégias de aprendizagem, capacidade de inferenciação.

 

 

Profundidade de processamento: O fator crucial

 

Tanto na aprendizagem incidental como na intencional, uma variável importante é a profundidade de processamento que ocorre em relação à palavra que está sendo adquirida. O processamento é tão mais profundo quanto maior for o número de experiências vividas pelo sujeito envolvendo a palavra em questão, incluindo diferentes tipos de elaboração mental: repetição, escrita e reescrita, tradução, uso do contexto, paráfrase etc. Uma palavra que é lida ou ouvida apenas uma vez, sem grande envolvimento por parte do leitor, pode ser facilmente esquecida, mas uma palavra que retorna e é afetiva e cognitivamente remexida, processada e manipulada terá uma probabilidade maior de se integrar numa rede lexical mais ampla e permanecer na memória de longa duração (SCHMITT; SCHMITT, 1995; CRAIK; LOCKHART, 1972; CRAIK; TULVING, 1975; LAWSON; HOGBEN, 1996).

Uma palavra que é exposta mais vezes terá mais probabilidade de ser adquirida (SARAGI, NATION; MEISTER, 1978; NAGY, HERMAN; ANDERSON, 1985; HERMAN et al., 1987;

NATION, 1990), mas outros fatores também são importantes, como a saliência da palavra num determinado texto (BROWN, 1993), a morfologia da palavra, o interesse do aprendiz, a semelhança com outras palavras, a disponibilidade e afluência de pistas contextuais (HUCKIN; COADY, 1999).

Em termos de aprendizagem intencional, o princípio de que quanto mais profundo o processamento maior a retenção também é mantido. Inúmeras têm sido as estratégias propostas para ampliar o investimento cognitivo, e mesmo afetivo do aluno para a aprendizagem intencional do vocabulário. Entre essas estratégias destacam-se as seguintes:

 

Usar o contexto

 

Partindo do princípio de que a simples instrução específica do vocabulário não garante a compreensão de leitura, o aluno deve aprender as palavras novas dentro de um contexto

 

 

significativo, que pode ser dado por relações intratextuais, onde o significado da palavra desconhecida pode ser inferenciado dentro do próprio texto, e por relações intertextuais, considerando aí as disciplinas do currículo escolar. Os exemplos abaixo – imaginando-se uma situação de ensino de português como língua estrangeira – mostram como dados do próprio texto podem contribuir para a inferenciação, através de processos como generalização, definição, sinonímia, antonímia etc. (As palavras sublinhadas seriam desconhecidas pelos alunos)

 

A multidão reuniu-se nos portões da cidade às dez horas e iniciou a invasão. Chegando à igreja, meia hora mais tarde, a caterva irrompeu aos gritos pela nave central, clamando pela presença dos sacerdotes. (Sinonímia) Pela manhã o mar parecia calmo, mas os marinheiros mais experientes sabiam, pela presença das nuvens escuras no horizonte, que em breve ele estaria encapelado. (Antonímia)

O inquérito da Aeronáutica concluiu que o pylon do CD- 10, a estrutura que liga o motor às asas, estava fundamentalmente bem montado. (Explicação)

As espingardas, os cartuchos, a pólvora, o chumbo, todos os apetrechos para a caça estavam sobre a mesa. (Generalização)

 

Considerando as relações intertextuais, as disciplinas do currículo do aluno podem representar o contexto ideal para o desenvolvimento do léxico, tornando a aprendizagem mais autêntica e comunicativa. Muitos especialistas da área de ensino de línguas defendem a ideia de que a tarefa de aprendizagem do vocabulário não é responsabilidade exclusiva do professor de línguas estrangeiras:

 

O professor de línguas deve manter contato permanente com colegas de outras disciplinas como ciências e biologia para poder dar aos alunos o necessário suporte lexical demandado por essas disciplinas (BABST, 1984, p. 53).

 

 

Cada disciplina do currículo escolar tem sua terminologia própria e por isso fala uma língua própria … é um equívoco imaginar que o ensino do vocabulário na sala de aula seja de obrigação exclusiva do professor de línguas (RAMTACHAL, 1989, p. 23).

… o ensino de matemática deve enfocar, de modo mais amplo do que tem sido feito até agora, a aprendizagem da linguagem específica e técnica da matemática (MAREE, 1994, p. 115, apud VORSTER, 2000).

 

O encontro com a palavra desconhecida dentro de um texto onde se pode perceber suas relações com outro segmento serve para contextualizar e tornar significativa a aprendizagem, mostrando matizes, restrições e preferências entre as palavras em uso – o que não seria percebido num estudo descontextualizado, com simples listas de palavras. O uso de outras disciplinas serve também para tornar a aprendizagem do léxico não apenas autêntica, mas também útil para o aluno. Essa combinação de contextos intra- e intertextuais, pelo envolvimento cognitivo proporcionado ao aluno, deve levar a uma profundidade maior de processamento.

 

Menos é mais

 

A profundidade de processamento está também ligada a um ensino mais vertical (conhecer bem poucas palavras) do que horizontal (conhecer superficialmente um grande número de palavras). Há sempre palavras que são mais importantes do que outras e essas devem ser selecionadas para uma aprendizagem mais profunda. Os critérios para essa seleção envolvem centralidade temática, conceitos críticos e frequência.

A centralidade temática parte do princípio de que o aluno não está aprendendo a língua num vácuo, mas dentro de determinadas áreas de conhecimento (a divisão da célula, a lógica booliana, a psicologia social, a ciência da linguagem etc.). Cada uma dessas áreas envolve uma terminologia específica (Como as palavras “língua”, “discurso”, “sujeito”, “linguagem”,

 

 

“interpretação”, “processo” em textos de linguística, como se viu acima) – sem a qual o aluno teria dificuldade em compreender os respectivos textos. Esses vocábulos seriam selecionados prioritariamente.

Há palavras que envolvem conceitos críticos dentro de uma disciplina. Os termos “discurso” e “sujeito” na área da linguagem, por exemplo, podem ser considerados conceitos chave e devem ser trabalhados com mais profundidade.

Finalmente, há os termos que são mais frequentes e outros que o aluno raramente encontrará em outros textos. Considerando a facilidade com que os termos mais frequentes podem ser identificados pelo professor, usando os recursos atuais da informática, esses devem também receber prioridade de tratamento.

O descarte dos termos que não possuem centralidade temática, que não envolvem conceitos críticos e que não são frequentes permite uma concentração maior num número menor de vocábulos, possibilitando, assim, uma profundidade maior de processamento.

 

Estratégias de fixação

 

São tantas as estratégias sugeridas para a fixação de uma palavra nova na memória de longa duração, que um simples apanhado do que é proposto na literatura da área produziria uma lista quase inútil pela quantidade de atividades. De modo geral, as sugestões propostas envolvem um esforço consciente para reter tanto a forma como o conteúdo da palavra. O que se expõe, portanto, é um resumo das estratégias sugeridas, tentando agrupar por afinidade o que está muitas vezes espalhado em diferentes abordagens.

Preste atenção no início, fim e extensão da palavra. Considerando que as palavras são normalmente recuperadas da memória através do som inicial, som final e número de sílabas (BROWN; MCNEILL, 1966), faça um esforço consciente para fixar esses três elementos de uma palavra que precisa ser aprendida.

 

 

Vá além e aquém da palavra. Decomponha a palavra em seus elementos menores (“petrografia” só pode ser “a descrição das pedras” – “petro” + “grafia”), mas lembre-se também que muitas palavras são compostas de várias palavras e formam expressões idiomáticas (como “lá vai pedra” em “tem 50 anos e lá vai pedra”).

Faça uma imagem mental do significado da palavra. Conscientemente crie uma representação da palavra, unindo forma ao significado, imaginando às vezes até uma história, para lembrar com mais facilidade. (“Pirita é uma pedra amarelada, com brilho falso, parecida com ouro. Um alemão loiro, que chama birita de pirita, tomou umas biritas e foi enganado, comprando pirita por ouro”).

Brinque com a palavra. Crie exemplos com a palavra nova, faça paráfrases, humor etc. (“Eu cantaria de felicidade se morasse numa casa de cantaria lavrada lá na beira do mar, mas não cantaria se tivesse que carregar nas costas as pedras de cantaria”)

Faça vínculos com a palavra. Estabeleça todos os vínculos que você puder fazer com a palavra, dentro e fora do texto, usando, inclusive, sua experiência de mundo (“A calçada da rua onde eu brincava na minha infância era pavimentada de pedra-ferro e eu não sabia”, “Pedra-ferro é sinônimo de basalto, abundante na Serra Gaúcha”, “As igrejas de Gramado e Canela são feitas de pedra- ferro”)

Apaixone-se pela palavra. Crie todas as oportunidades possíveis para reencontrar a palavra que você precisa aprender, indo a um bom dicionário de aprendizagem, ouvindo-a se possível, procurando-a em textos autênticos acessíveis pela internet ou em CD-ROM (para ver a companhia em que elas andam), catando exemplos de uso e possivelmente incorporando-a ao seu banco pessoal de palavras.

Essas são, resumidamente, algumas das estratégias que se pode usar para induzir a profundidade de processamento na aprendizagem do vocabulário. O domínio do léxico de uma língua exige recursos, não só cognitivos e afetivos, mas também de tempo. Se parecer um investimento alto demais, a resposta dos

 

 

especialistas da área é de que o retorno será provavelmente mais alto ainda.

 

Conclusão

 

Três aspectos precisam ser selecionados para que o desenvolvimento do léxico em uma língua ocorra de modo adequado e suficiente: (1) seleção do vocabulário a ser aprendido;

(2) seleção dos textos a serem usados; e (3) seleção das estratégias a serem empregadas. Vocabulário e texto andam sempre juntos, atrelados a uma determinada área de conhecimento; um texto sobre química não vai usar o vocabulário das ciências sociais. Fazem parte dos aspectos externos da aquisição lexical. Já as estratégias são mais universais e podem ser aplicadas com pouca ou nenhuma alteração a qualquer área de conhecimento; o que se faz para adquirir o vocabulário da geologia não é muito diferente do que deve ser feito para aprender o vocabulário da matemática. As estratégias compõem a parte interna da aquisição lexical.

A seleção do vocabulário é uma necessidade pelo grande número de palavras que precisam ser descartadas na aprendizagem de uma língua. Das 200.000 palavras arroladas pelo Michaelis,

190.000 não precisam ser conhecidas para se ler um texto em qualquer área de conhecimento. Mesmo a afirmação de que um biólogo precisaria conhecer 10.000 palavras da língua portuguesa para ler um texto de biologia nessa língua já parece um exagero – provavelmente precise saber apenas a metade, ou talvez até menos. Por isso é importante saber selecionar.

A seleção dos textos, por outro lado, é importante porque as pessoas têm interesses específicos e conhecem o mundo através desses interesses. Esse conhecimento de mundo pode dizer qual é o significado da palavra desconhecida quando ela ocorre significativamente dentro de um texto, levando à aquisição se a palavra retornar mais vezes e ao descarte se a aparição for única

  • para benefício do aluno que aprenderá a selecionar o que é mais

 

 

Como tudo que nos cerca é sempre apresentado em quantidade muito superior ao que podemos processar, também em relação às estratégias, precisamos ser seletivos. No mínimo, devemos adequar as estratégias a vários aspectos que podem afetar a sua escolha, tais como o nível de adiantamento na língua (o uso da inferência na leitura para acessar o significado de uma palavra pode não ser a melhor opção para o aluno de nível básico), o grau de semelhança entre a língua materna e a língua estrangeira (o que funciona para um falante do português lendo um texto em espanhol, poderá não funcionar lendo um texto em alemão), o objetivo que se pretende com a aprendizagem do vocabulário (aprender uma palavra para ler um texto pode exigir uma estratégia diferente de aprender uma palavra para usá-la na conversação).

Enfatizar o ensino específico do vocabulário não oferece o perigo de se hipertrofiar este aspecto da aprendizagem de uma língua em relação a outros aspectos, como a sintaxe, a fonologia, a morfologia e mesmo a pragmática. Conhecer uma palavra não é apenas estabelecer a conexão rígida entre forma e conteúdo, como se fossem dois monolitos que se encaixassem um no outro, impossíveis de serem analisados. Conhecer uma palavra é despi- la de sua embalagem, descobrir as partes que a compõem e ver como cada uma dessas partes tem repercussões lá fora, com elementos internos de outras palavras – só permitindo a criação de textos onde os equilíbrios interno e externo, em seus inúmeros aspectos, possam ser mantidos. Uma frase simples como “O presidente vetou três artigos da lei” só é possível na medida em que cada uma das palavras dessa frase compartilhe inúmeros traços com as outras palavras, obedecendo a fronteiras sintagmáticas, oracionais, fonológicas, morfológicas etc. – inviabilizando segmentos como “*o presidentes”, “*O presidente vetaram”, “*O riacho vetou três artigos da lei”, ou mesmo “*A mulher do presidente vetou três artigos da lei” (em situações onde só o presidente pode vetar artigos de lei). A ênfase no léxico é a maneira mais eficiente de se aprender uma língua porque todos os outros aspectos – da fonologia à pragmática – decorrem naturalmente de componentes que estão dentro das palavras.

 

 

 

 

 

 

 

Língua Estrangeira                                       287

Capítulo 15

A autonomia na aprendizagem de línguas16

 

 

Eu nunca deixei a escola interferir na minha educação. (Mark Twain)

 

Estou sempre disposto a aprender, mas nem sempre a ser ensinado. (Winston Churchill)

 

Nada pode ser menos provocativo do que iniciar um texto dando, já de início, uma definição do tópico a ser abordado; mata toda a expectativa. Pior do que isso, só fazendo uma coisa que todo mundo pode fazer, com esforço mínimo, que é pegar o dicionário para achar a definição. O dicionário representa o senso comum, a conformidade de ideias. O que pode ser menos provocativo do que o consensual? Mas é exatamente por aí que eu gostaria de começar; por uma submissão ao senso comum. O que o senso comum diz sobre autonomia? Vamos ver o que está no Aurélio. Lá diz o seguinte:

 

autonomia

[Do gr. autonomía.]

  1. f.
  2. Faculdade de se governar por si
  3. Direito ou faculdade de se reger (uma nação) por leis próprias.
  4. Liberdade ou independência moral ou

 

16 Uma versão anterior deste capítulo foi publicada em: LEFFA, V. J. . Quando menos é mais: a autonomia na aprendizagem de línguas. In: Christine Nicolaides; Isabella Mozzillo; Lia Pachalski; Maristela Machado; Vera Fernandes. (Orgs.). O desenvolvimento da autonomia no ambiente de aprendizagem de línguas estrangeiras. Pelotas: UFPEL, 2003, v., p. 33-49

 

 

  1. Distância máxima que um veículo, um avião ou um navio pode percorrer sem se reabastecer de combustível.
  2. Et [Ética]. Condição pela qual o homem pretende poder escolher as leis que regem sua conduta [Cf., nesta acepç., autodeterminação (2), heteronomia (2) e liberdade (11)] .

 

Acho que com essa definição já dá para começar a ser provocativo. Depois de afirmar que autonomia é liberdade, independência e capacidade de se reger por leis próprias, o dicionário afirma na acepção 5 que autonomia é a “condição pela qual o homem pretende poder escolher as leis que regem sua conduta”. A provocação já começa no próprio verbete; depois de oferecer várias definições de cunho genérico, oferece uma única que é específica de uma determinada área de conhecimento, no caso, a Ética; e essa única definição contrapõe-se a todas as outras, dizendo, que autonomia é pretensão. A pergunta que cabe aqui é a seguinte: será que existe autonomia? Desde quando o homem é capaz de se governar por si mesmo? Desde quando tem liberdade, independência e autodeterminação? Será que a autonomia não é uma ilusão? Será que a história não mostra que a evolução do homem é a consciência cada vez maior da perda da autonomia? Vamos dar uma olhada bem rápida na história dessa evolução, lembrando que tudo que nasce, morre; tudo que sobe cai, incluindo ideias e impérios. Já tivemos “Ascensão e Queda do Império Romano”, “Ascensão e Queda do III Reich”. Para alguns, já tivemos “Ascensão e Queda do Comunismo”; para outros “Ascensão e Queda do Capitalismo”. Onde isso não acontece é na autonomia: não existe uma ascensão e queda da autonomia do homem. O que existe é uma queda, e queda da

autonomia; algo que cai sem nunca ter subido.

Há um consenso de que o homem está ficando cada vez menos autônomo, menos independente – e cada vez mais regido, mais subjugado. Se antes nossa dependência era apenas local ou familiar, agora temos uma dependência planetária. Se antes, numa época pré-freudiana, o filho ao crescer poderia pelo menos ter a pretensão de se libertar da dependência materna, hoje ele não só

 

 

ficará dependendo da mãe para o resto da vida, mas é ainda subjugado por forças globais sobre as quais não tem o mínimo controle. Uma empresa em algum país apresenta um erro no balancete e as consequências respingam lá no mendigo de uma cidadezinha do outro lado do mundo, que talvez não encontre mais a pilha de jornais velhos que usava para dormir.

Vejamos então rapidamente três grandes recaídas do homem, alguns dos abalos que ele sofreu na sua autoestima, com reflexos na sua pretensão de autonomia. O que se afirma aqui não são ideias próprias, já foram ditas várias vezes, por várias pessoas em vários outros lugares – o que é apenas mais uma submissão, mais um abalo na pretensão de autonomia. Essas ideias fazem parte do imaginário acadêmico.

Houve uma época em que o homem se acreditava no centro do universo e que tudo girava ao redor dele, incluindo o sol e as estrelas. Já tinha sido expulso do paraíso, já tinha aprendido a sofrer, já tinha pago o preço do pouco conhecimento que tinha sobre as coisas do mundo, mas ainda se acreditava no centro desse mundo. Mas aí vem Copérnico e mostra que não é o sol que gira ao redor da terra, mas que é a terra que gira ao redor do sol, transferindo o homem do centro para a periferia do universo. É o primeiro grande golpe que a ciência desfecha contra o homem, afetando diretamente sua autoestima. Não podemos ter a pretensão de achar que as coisas são de um jeito quando elas são de outro. Podemos mentir para nós mesmos, podemos nos enganar por algum tempo, tentando ignorar a realidade que nos cerca, olhar para o próprio umbigo e criar uma consciência mágica que filtra a realidade de acordo com nossas pretensões, mas um dia o mundo vem abaixo. À medida que o homem evolui da consciência mágica para a consciência crítica, ele vai diminuindo de tamanho, virando um filme de ficção científica.

O golpe seguinte foi dado por Darwin. Antes de Darwin, o homem era a quinta-essência da criação. Já se tinha conformado que a Terra não era mais o centro do universo, mas quando olhava ao redor de si e via os animais sentia que havia uma diferença muito grande entre ele e os animais. Era uma diferença de sentido. Os animais vinham de baixo, da terra. O homem, não. O homem

 

 

vinha de cima, de um quinto elemento, que não era nem terra, nem água, nem ar e nem fogo. O homem vinha de uma luz. Mas Darwin deu uma outra direção à caminhada do homem; o homem não viria de cima mas de baixo, da terra, como os outros animais. E Darwin rebaixou o homem de um reino superior para o reino animal.

O terceiro golpe, e este tem a ver diretamente com a autonomia, vem de Freud. Antes a gente podia se amparar em Pascal: “O homem não é senão um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante”. O caniço, na frase de Pascal e no sentido comum da Botânica, é uma planta de caule delgado e flexível que se dobra com a ação do vento, mas não se quebra. Quando o vento para, ele está novamente de pé. Faz lembrar também uma frase de Hemingway em O velho e o mar: “O homem pode ser destruído mas não vencido”. O homem tropeça, cai, machuca-se – mas sempre se levanta.

Por ter a capacidade de pensar, o homem, ao contrário de todos os outros animais, consegue separar-se do mundo imediato que o cerca e refletir sobre ele. “Vá lá”, pode-se dizer “Tudo bem, o homem é um animal, mas é um animal consciente. É aí que entra Freud e dá o golpe de misericórdia: o consciente é dominado pelo inconsciente.

Isso é só o começo. Se eu me voltar para as áreas da linguagem e do ensino, a situação não é muito diferente. De um lado, as ideias de Chomsky e da mente computacional. O ser humano adquire uma língua porque nasce com um dispositivo de aquisição da língua (Language Acquisition Device), uma espécie de robô que entra automaticamente em funcionamento quando as pessoas ao redor da criança começarem a falar. Se falarem russo, a criança falará russo; se falarem inglês, a criança falará inglês; se falarem javanês, a criança falará javanês, e assim por diante. Tudo automaticamente, sem nenhuma intencionalidade pedagógica do meio ambiente. O professor nada tem a ver com a aquisição de uma língua, seja ela a materna, ou uma língua estrangeira. Tudo isso, segundo a teoria de Chomsky, é transposto para o ensino de línguas estrangeiras, principalmente através das

 

 

ideias de Krashen (hipótese de input, a questão do filtro afetivo etc.).

Do outro lado, oposto a Chomsky, temos as ideias de Vygotsky, da mente social. O ser humano adquire uma língua porque interage, em sociedade, com os outros seres humanos. Todo conhecimento, incluindo a língua, é construído socialmente através da interação. Em termos de autonomia, não é muito diferente das ideias de Chomsky, pelo determinismo pressuposto

  • o indivíduo só aprende se puder interagir com outros indivíduos
  • mas Vygotsky, ao contrário de Chomsky, a meu ver, evita o automatismo; não basta que o aluno esteja exposto ao input linguístico. É necessário também que haja intencionalidade pedagógica no meio Isso é importante para nós professores porque abre um espaço para o ensino formal e planejado, acelerando a aprendizagem através da atuação na zona de desenvolvimento proximal do aluno.

Um outro conceito importante de Vygotsky para a autonomia é o conceito de mediação. A aprendizagem para ocorrer não precisa necessariamente da presença do professor; pode dar- se através da mediação de um artefato cultural, socialmente situado. Eu gostaria de esclarecer essa ideia através da citação de um trecho da Professora Marta Kohl de Oliveira, uma das principais divulgadoras das ideias de Vygotsky no Brasil, e que diz o seguinte:

 

[A] idéia de um processo que envolve, ao mesmo tempo, quem ensina e quem aprende não se refere necessariamente a situações em que haja um educador fisicamente presente. A presença do outro social pode se manifestar por meio dos objetos, da organização do ambiente, dos significados que impregnam os elementos do mundo cultural que rodeia o indivíduo. Dessa forma, a idéia de alguém que ensina pode estar concretizada em objetos, eventos, situações, modos de organização do real e na própria linguagem, elemento fundamental nesse processo. (OLIVEIRA, 1995, p. 57).

 

 

Na minha percepção, Vygotsky, com sua ênfase na necessidade da intencionalidade pedagógica e no uso dos artefatos culturais como mediação, representa uma trégua quando se fala de autonomia. Ainda que o desempenho do aluno tenha que ser assistido durante um certo período, há pelo menos a previsão de que no futuro o aluno será capaz de executar a tarefa por conta própria; a autonomia é um estágio a que se chega.

Outras teorias não só inviabilizam a autonomia como tiram a voz do professor. Vejamos apenas dois exemplos, coletados de maneira aleatória:

 

Todo discurso é constitutivamente atravessado por “outros discursos” e pelo “discurso do Outro” (AUTHIER- REVUZ, 1982, p. 141, apud BENITES, 2002).

 

[T]odo discurso é heterogêneo porque o sujeito do discurso é heterogêneo, na medida em que, através de sua boca, falam diversas vozes (BENITES, 2002, p. 3)

 

Isso significa o seguinte: eu não tenho autonomia para falar sobre autonomia. Em primeiro lugar eu não tenho voz própria. Eu tenho que me submeter a outros discursos, ao que outras pessoas já escreveram sobre o tópico que eu vou falar. Em segundo lugar, eu tenho que me submeter ao meu interlocutor. Produzir um texto, para ser falado ou para ser lido, mas principalmente para ser falado, é uma aprendizagem sobre a arte de se submeter. Quando envio um artigo para publicação, eu submeto o artigo. O termo não poderia ser mais adequado. Quando eu falo de viva voz, como numa palestra, a submissão é ainda maior. Eu tenho um interlocutor física e socialmente constituído na minha frente e tenho a obrigação de saber com quem estou falando. Eu tenho que respeitar o auditório. No momento em que eu deixar de me submeter, fico falando sozinho, não para o auditório, mas para as paredes ou para o microfone.

Isso não é nem bom nem ruim; é assim. Faz parte do desafio da comunicação. Conhecer o nosso ouvinte ou o nosso leitor é tão ou mais importante do que conhecer o tópico sobre o qual

 

 

falamos. Essa submissão do escritor ao leitor ou do locutor ao ouvinte pode ser muito bem ilustrada numa crônica de Luís Fernando Veríssimo, que eu gostaria de reproduzir aqui.

 

CONSELHOS

 

Ninguém me pediu conselhos sobre a arte da comunicação mas eu já tenho algumas parábolas prontas para o caso de pedirem.

 

Oráculo bem-sucedido é oráculo prevenido. Para começar, a parábola dos dois pianistas.

O primeiro pianista entra no palco. Senta-se no banco do piano. Levanta-se. Ajusta o banco. Senta-se de novo. Exercita os dedos. Pousa os dedos sobre o teclado. Fecha os olhos. Respira fundo.

 

Começa a tocar. Toca maravilhosamente bem. Seus dedos ágeis correm pelas teclas em grande velocidade. Seus graves são precisos. Seus agudos são límpidos. A melodia alça vôo. Os arpejos arpejam, os trinados trinam. Quase não se enxergam os dedos do pianista perseguindo-se pelo teclado, para cima e para baixo, para cima e para baixo, como crianças alegres. Nenhuma nota em falso. Nenhum erro.

 

No fim da apresentação, ouvem-se palmas educadas. Alguns risos abafados. Um evidente mal-estar coletivo acompanha o primeiro pianista na sua saída do palco.

 

Entra o segundo pianista. Senta-se rapidamente no banco e bate numa tecla. Bate na mesma tecla de novo. E de novo. Depois levanta-se e sai do palco sob uma ovação da platéia.

 

Na saída do recital, todos elogiam o segundo pianista. Comentam: como é bom ver alguém que sabe exatamente

 

 

o que quer e como consegui-lo. Não foi como o outro que passou o tempo inteiro procurando, freneticamente, a nota certa, e não a encontrou. Quer dizer, importantíssimo conhecer o seu público. (Luís Fernando Veríssimo, Zero Hora, 02-05-91)

 

É claro que há neste texto outros sentidos além da simples ideia de submissão que estou tentando demonstrar. Há também a ironia provocativa de Luís Fernando Veríssimo, que consegue fazer humor, digamos assim, de sua própria desgraça, de sua condição de subordinação ao leitor, rebelando-se pelo recurso da ironia.

A ideia geral é de que a ciência, à medida que avança, vai mostrando um homem cada vez mais submisso e menos autônomo. Isso é percebido não só nas ciências, de um modo geral, mas também nas ciências da linguagem, de modo particular, desde o inatismo de Chomsky até as ideias de aniquilamento do sujeito na Análise do Discurso. Teoricamente parece que a autonomia do sujeito é apenas uma ilusão.

Além dos questionamentos teóricos, a autonomia parece também enfrentar algumas restrições de ordem prática. Entre essas, gostaria de destacar as seguintes:

 

  • Restrições relacionadas ao aluno
  • Restrições relacionadas ao professor
  • Restrições relacionadas à escola

 

Comecemos pelas restrições relacionadas ao aluno. Um levantamento da literatura na área aponta entre outros os seguintes problemas.

Falta de interesse no estudo da língua estrangeira. Aprender uma língua estrangeira não é fácil. Há um período inicial de entusiasmo, uma espécie de “lua de mel” com a língua estrangeira quando o aluno começa a estudar, nas primeiras aulas. Passado esse período de lua de mel, o interesse normalmente cai.

 

 

Existe aqui uma má e uma boa notícia. A má notícia é que a grande maioria dos alunos descobre que aprender uma língua estrangeira requer muito mais esforço, muito mais persistência do que estão dispostos a dar. Em situações onde a língua estrangeira só é falada dentro da sala de aula, apenas alguns pouquíssimos alunos vão adquirir um conhecimento funcional da língua: talvez dar alguma orientação ao turista estrangeiro com algumas frases decoradas, talvez ler algum texto na sua área de interesse. Normalmente, a preocupação do aluno será apenas de estudar para conseguir uma nota de aprovação no fim do ano; qualquer tarefa solicitada pelo professor só será executada pelo aluno se houver a garantia, ou a ameaça, de uma nota.

A boa notícia, para a autonomia, é que os pouquíssimos alunos que conheci pessoalmente e que foram capazes de adquirir um conhecimento funcional da língua estrangeira, foram alunos autônomos, alunos que por conta própria foram muito além do que lhes foi exigido na sala de aula. Isso me leva a pensar que, excetuados os casos de imersão, só é possível aprender uma língua estrangeira se o aluno for autônomo. Se não for assim, ele vai ficar apenas no que é dado na sala de aula, e isso não basta para adquirir o domínio de uma língua.

Em relação ao aluno pode haver também problemas de estilo de aprendizagem. Aprender uma língua estrangeira requer algumas aptidões que alguns alunos não têm, incluindo, por exemplo, tolerância à ambiguidade, que é uma espécie de capacidade de conviver com a insegurança. O aluno pode por exemplo preferir a certeza da gramática em vez da incerteza do texto ou do diálogo, onde nem sempre é possível estabelecer com precisão o que é certo e o que é errado. O aluno, principalmente o adolescente, pode também não possuir o que poderíamos chamar de tolerância à crítica; falar uma língua estrangeira é expor-se, às vezes, até ao ridículo.

Todas essas restrições por parte do aluno, que já são prejudiciais para o ensino da língua estrangeira, de um modo geral, são mortais quando se referem à autonomia. Na sala de aula tradicional, centrada no professor, a falta total de aprendizagem

 

 

pode ser escamoteada de inúmeras maneiras. Pode-se argumentar, por exemplo, que foi feito o que é possível; o aluno não aprendeu a língua, mas aprendeu outras coisas que são mais importantes como a solidariedade, a capacidade de trabalhar em grupo e talvez tenha até desenvolvido o senso crítico de sua condição de mentalmente colonizado pela propaganda dos países centrais. O filtro afetivo, que é normalmente visto como algo indesejável, acaba sendo visto como um benefício; o aluno criticamente optou por não aprender a língua estrangeira.

Essa facilidade de camuflar a falta de empenho em aprender na aula tradicional não existe, a meu ver, quando se trata da aprendizagem autônoma. Aí o empenho, o desejo de aprender é fundamental. Se ele não existe não dá para disfarçar. Como na sala de aula tradicional as coisas são muitas vezes impostas, há necessidade de justificar a não-consecução dos objetivos, tapando o sol com a peneira. Na aprendizagem autônoma, a responsabilidade está no aluno. Se ele aprendeu, o mérito é dele.

Vejamos algumas restrições relacionadas ao professor.

Para que haja autonomia, tem que haver também empenho do professor e, pelo que se vê na literatura sobre autonomia, esse empenho não está de maneira nenhuma garantido. Há uma estrutura de poder bem definida na sala de aula tradicional onde o controle normalmente é exercido pelo professor. É o professor que estabelece os objetivos a serem atingidos, que escolhe as atividades a serem desenvolvidas, que decide quem vai ser promovido ou não no fim do ano, dentro de limitações maiores ou menores, é claro; o professor, por sua vez, também está inserido dentro de uma estrutura de poder, da qual ele absolutamente não é o topo. Em relação à sala de aula, no entanto, pode-se dizer que as decisões são normalmente tomadas pelo professor. Durante os anos de sua formação ele foi preparado justamente para tomar essas decisões, para assumir o controle da sala de aula e não está disposto a abrir mão desse controle.

Em primeiro lugar, ao ser solicitado a implementar um programa de autonomia, o professor sente-se ameaçado em sua autoridade. A palavra autoridade tem dois significados

 

 

importantes, que precisam ser destacados aqui. Em primeiro lugar, autoridade, em sua acepção mais generalizada, significa controle, o poder de se fazer obedecer, de dar ordens, de tomar decisões etc. Mas a palavra autoridade tem também um outro significado, menos generalizado, mas que é importante no contexto da sala de aula; refere-se aqui não ao sentido abstrato de controle, mas ao indivíduo que tem um conhecimento específico de um determinado assunto; o professor, por exemplo, pode ter a pretensão de ser uma autoridade na disciplina que ensina: uma autoridade em gramática da língua inglesa, uma autoridade em literatura espanhola etc. O professor pode sentir-se ameaçado em termos de controle e de conhecimento, quando se fala em autonomia.

Muitos professores sentem-se inseguros em abrir mão do controle da sala de aula. A literatura da área está cheia de depoimentos de professores apavorados quando começam a dar os primeiros passos na direção da aprendizagem autônoma na sala de aula. Quando se passa o controle da aprendizagem para o aluno, está-se dando a ele a liberdade de escolher. Essa escolha envolve, por exemplo, o direito do aluno em escolher como deseja usar o material didático disponível, de estabelecer seus próprios objetivos, de progredir no seu próprio ritmo, de escolher o tema de casa, de se auto-avaliar etc. Os alunos não vão mais todos juntos aprender o mesmo conteúdo do mesmo jeito. Cada aluno poderá ter até seu próprio projeto de vida, com o direito de saber das consequências de suas decisões, incluindo a decisão de não aprender uma língua estrangeira. Tudo isso reconhecidamente assusta o professor.

Na aula autônoma, o professor precisa aprender que ele deixa de ser a autoridade máxima, tanto em termos de controle com em termos de conhecimento. Não é mais o dono do saber, que tipicamente só faz as perguntas que ele mesmo sabe responder. Na aula autônoma qualquer pergunta pode aparecer e o professor obviamente não tem a obrigação de saber todas as respostas. Seu papel é realmente o de facilitador da aprendizagem, ajudando o aluno a desenvolver sua autoconfiança, a se tornar ainda mais autônomo e ficar menos dependente dele, professor.

 

 

Muitos professores têm também um medo muito grande da opinião dos colegas, o que pode ser um fator extremamente restritivo para a implementação da autonomia. Esses professores podem ficar abalados com comentários do tipo: “a aula dele é uma bagunça, não tem controle de classe, os alunos fazem o que querem”. Pode-se argumentar, no entanto, que a aprendizagem é basicamente uma atividade do aprendiz, e os alunos falarão o máximo possível durante essa atividade. Língua é fala e aprende- se a falar uma língua falando, interagindo, movimentando-se e naturalmente produzindo ruído.

Finalmente, para concluir essa parte dos fatores restritivos da autonomia, vejamos como a escola, como instituição, é também um agente muito mais propenso a tolher a autonomia do que a desenvolvê-la. A escola representa a tradição, a obrigação, o dever, com seu currículo já pronto. Pode-se afirmar que a escolha do aluno amplia-se um pouco à medida que ele avança em seus estudos. Enquanto que no ensino fundamental e no ensino médio todos os alunos de uma determinada escola normalmente passam pelo mesmo currículo, já no ensino universitário o aluno tem a possibilidade de escolher pelo menos parte do currículo. Mesmo assim não deixa de ser um percurso numa direção pré-estabelecida, que permite alguns pequenos desvios para o aluno, mas que o obriga a voltar logo ao percurso principal.

A ideia geral é de que se aprende mais fora do que dentro da escola, apesar dos recursos didáticos que a escola pode oferecer como bibliotecas, laboratórios etc. A esse respeito eu gostaria de apresentar duas citações, uma de um pensador argentino do início do século, pouco conhecido atualmente, e outra citação de um especialista na área do ensino de inglês como língua estrangeira, bem mais conhecido.

A citação do pensador argentino, tirada de um livro publicado em Madrid em 1913 é a seguinte [no momento o autor está falando de dois grandes personagens da história argentina]:

 

Como aconteceu a Sarmiento, Ameghino chegou em seu clima e em sua hora. Por singular coincidência, ambos

 

 

foram mestres-escolas, autodidatas, sem títulos universitários, formados fora da cidade metropolitana, em mãos livres, a cabeça livre, o coração livre, as asas livres. Dir-se-ia que o gênio floresce melhor nas regiões solitárias, acariciado pelas tormentas, que são a sua atmosfera própria; definha-se nas invernadas do estado, em suas universidades, em seus laboratórios, em suas academias fósseis e em seu funcionalismo hierárquico. Faltava-lhe, ali, o ar livre e a plena luz que somente a natureza pode dar: a cevadura precoce vai fazendo com que o mofo germine nas entranhas da imaginação criadora, e embote as melhores originalidades. O gênio nunca foi instituição oficial (INGENIEROS, 1913, p. 257).

 

A outra citação é de David Nunan, conhecido especialista da área de ensino de inglês como língua estrangeira, numa palestra que fez no ano de 2000, onde resume as ideias de um outro pensador sobre as cinco características comuns de pessoas famosas que se tornaram proeminentes em sua área de especialidade sem passar pela instrução formal. Essas pessoas tinham as seguintes características:

 

  1. Possuíam competências, normalmente não encontradas na instrução formal;
  2. tinham conhecimentos específicos que vinham de atividades extracurriculares, para o qual a escola tinha contribuído minimamente ou até desempenhado um papel negativo;
  3. aprofundavam-se em sua área de especialidade ao invés de desenvolver conhecimentos gerais de várias áreas;
  4. adotavam uma abordagem ativa de aprendizagem prática baseada na experiência vivida;
  5. perseguiam sua aprendizagem apesar de todos as dificuldades, fracassos e falta de apoio dos outros (NUNAN, 2000).

 

Todos nós conhecemos pessoas famosas que tem pouca ou nenhuma escolaridade. Entre essas, a título de ilustração,

 

 

gostaria de citar as seguintes: Burle Marx, famoso paisagista; Machado de Assis, considerado por muitos o maior escritor brasileiro de todos os tempos; Pablo Picasso, provavelmente o artista mais conhecido do século XX; Walt Disney, o mago do desenho animado; Alexandre Volta, o inventor da pilha elétrica; William Shakespeare, o maior dramaturgo da literatura inglesa; Bill Gates, que abandonou a universidade antes de terminar a graduação, Luís Inácio Lula da Silva, que frequentou apenas a escola fundamental.

Gostaria de concluir esta parte sobre as restrições da escola no ensino da autonomia, e incluindo aí o professor, citando um trecho colhido ao acaso de uma pessoa que não possui o título de mestre, mas que consegue expor com muita perspicácia a questão da aprendizagem autônoma:

 

Feche os olhos. (…) Quem seria seu melhor professor?

 

Em algum lugar ele existe. Vamos construir seu perfil, que isso facilitará a tarefa de encontrá-lo. Como seria ele?

 

  1. Alguém que soubesse exatamente o que você quer aprender;
  2. alguém que entendesse seu jeito de ser;
  3. alguém que entendesse seu ritmo de aprendizado e o aceitasse;
  4. alguém que seja capaz o suficiente;
  5. alguém que não o pressione além de seus limites;
  6. alguém que não pare de lhe ensinar simplesmente porque acabou o período das aulas;
  7. alguém que esteja sempre disponível no horário de que você dispõe;
  8. alguém que se interesse pelo tema tanto quanto você.

 

E por aí você pode prosseguir com suas próprias exigências. Feche os olhos novamente e pense um pouco. Onde encontrar tal mestre? Quem poderia ser essa pessoa?

 

 

Sem lhe conhecer pessoalmente, eu já tenho a resposta. Provavelmente você também já tenha. Você mesmo. (SILVA, 2001, p. 4-5)

 

Todos esses são exemplos de aprendizagem autônoma, o que implica, a meu ver, que não existe ensino autônomo. Pode- se talvez ensinar a autonomia, ou seja, ensinar alguém a ser autônomo, mas não ensinar autonomamente. O máximo que a escola pode fazer é dar condições de aprendizagem. Se houver necessidade de muito incentivo, motivação, súplica, implorar com lágrimas para que o aluno estude, acho que a aprendizagem ficará comprometida.

Por outro lado, mesmo que o aluno aprendesse tudo que a escola ensina, nos três níveis, fundamental, médio e universitário, mesmo que tirasse nota máxima em tudo, mesmo assim, se ficasse só no conhecimento recebido da escola, esse aluno ao se formar lá no fim da universidade, não estaria de modo algum preparado para exercer uma profissão. O ensino formal não tem condições de ensinar tudo que o aluno precisa saber. É possível que na idade da pedra lascada bastasse ao aprendiz saber usar a pedra lascada e esse conhecimento serviria para o resto da vida. No século XXI não é mais assim. O conhecimento que se adquire, às vezes com tanto sacrifício, logo se torna obsoleto. Por esse motivo, criamos uma expressão que não existia antigamente: educação continuada. Hoje aprendemos a vida inteira porque o conhecimento que adquirimos é logo ultrapassado. Acho que muito em breve os diplomas vão ter um carimbo de validade; por exemplo: “válido por cinco anos”. Passado esse período, o diploma terá que ser renovado. Em algumas áreas, como a ciência da computação, a validade provavelmente será menor.

Como a escola nos três níveis de ensino não tem condições de ensinar ao aluno tudo o que ele precisa saber, a solução me parece é que a escola passe a fazer menos, idealmente, que não faça nada. Deixe o aluno aprender sozinho. Coloque um recurso aqui, outro recurso lá, disponibilize alguns professores, mas que não atrapalhe a aprendizagem do aluno. Veja-se a este respeito o

 

 

resultado de um trabalho de autonomia sobre produção textual feito com alunos considerados “de risco”, prestes a abandonar a escola que frequentavam num bairro pobre de Nova York, devido a deficiências de ordem emocional, problemas de família, pobreza e total falta de interesse. A conclusão do trabalho é a seguinte:

 

O que mais me surpreendeu na experiência não foi o que nós, professores, fizemos, mas o que não fizemos.

 

  • Não tivemos que motivar os alunos
  • Não sugerimos sobre o que deveriam
  • Não os instruímos a como usar as máquinas.
  • Não corrigimos o que eles escreveram nem explicamos os erros, a não ser quando eles mesmos pediam ajuda sobre uma determinada palavra ou frase.
  • Não oferecemos qualquer orientação sobre como se
  • Não comentamos sobre o conteúdo do que eles tinham
  • Não dissemos para eles que se preocupassem com a correção ou apresentação gráfica do
  • Não tivemos que manter a sala em silêncio.
  • Não comparamos os trabalhos uns com os
  • Não avaliamos nenhum dos textos
  • Não dissemos aos alunos como eles eram

 

Era difícil conseguir um feedback oral dos alunos sobre o que eles estavam achando do curso; na opinião deles, eles não estavam na escola e por isso não tinham que responder a perguntas. Mas voltavam sempre, dia após dia, às vezes com uma ou duas horas de antecedência, esperando pacientemente até que as portas se abrissem (BERNHARDT, 2001).

 

A aprendizagem que realmente interessa, aquela que não é apenas reprodução do que já existe, mas criação de algo novo, de progresso e avanço, só é possível com autonomia. Meus alunos têm que saber mais do que eu. Uma geração tem a obrigação de

 

 

ir além da geração anterior. Caso contrário não haverá evolução. E se não houver evolução, não haverá civilização, não haverá o ser humano, porque a essência do ser humano é a capacidade de evoluir.

Para que se chegue ao equilíbrio entre o individual e o coletivo, pressupõem-se, do lado individual, a existência do desejo de aprender e, do lado coletivo, a oferta de opções. De um lado, podemos afirmar que não é só pela razão que o homem aprende e cresce; é também pelo desejo, pela inquietação e até pela angústia. Do outro lado, a falta de opções é um dos grandes problemas da educação tradicional; todos têm que aprender a mesma coisa do mesmo jeito. Na melhor das hipóteses ficaríamos na situação já criticada por Fulton Sheen, no década de 50: “quando todos sabem a mesma coisa ninguém sabe nada”. A educação tem que ser diversificada, de alguma maneira, para que se mantenha o equilíbrio entre o coletivo e o individual.

Gostaria de terminar este texto sobre autonomia com uma citação de Maturana e Rezepka:

 

Pensamos que a tarefa de formação humana é o fundamento de todo o processo educativo, já que só se esta se completar é que a criança poderá viver como um ser socialmente responsável e livre, capaz de refletir sobre sua atividade e seu refletir, capaz de ver e corrigir erros, capaz de cooperar e de possuir um comportamento ético, porque não desaparece em suas relações com os outros (…) porque não dependerá da opinião dos outros não buscando sua identidade nas coisas fora de si. (MATURANA; REZEPKA, 2000, p. 11-12).

 

Termino como comecei, falando pela voz dos outros, e indo mais uma vez ao dicionário do Aurélio. A palavra autonomia tem um antônimo interessante, heteromia. O que é heteromia? Vamos ao dicionário.

 

 

heteronomia

[De heter(o)- + -nom(o)- + -ia1.]

  1. f. Ét.

1.Condição de pessoa ou de grupo que receba de um elemento que lhe é exterior, ou de um princípio estranho à razão, a lei a que se deve submeter.

 

O que vamos querer? Autonomia ou heteronomia? Tudo é submissão. Mas há uma diferença importante. Na heteronomia, submetemo-nos à lei dos outros. Na autonomia podemos pelo menos ter a pretensão de nos submeter às nossas próprias leis. Na área da educação isso significa o seguinte: ou nos submetemos ao que os outros querem nos ensinar ou escolhemos o que queremos aprender. Para fazer essa opção temos que querer.

Os grandes exemplos da história parecem sugerir que as pessoas que mais se destacaram em seus respectivos domínios de conhecimento foram aquelas que não se deixaram submeter ao que os outros quiseram lhes ensinar, mas que conseguiram, de alguma maneira, escolher o que elas próprias queriam aprender. Isso pode parecer uma apologia inadequada do individual sobre o coletivo, mas, na realidade, é o contrário; é quando as pessoas divergem, aprendendo coisas diferentes, que a sociedade se diversifica e se enriquece. O conflito entre aprender e ensinar tem que ser resolvido a favor do aluno. O professor precisa aprender a ensinar menos para que o aluno possa aprender mais.

 

 

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