LIVRO GEOGRAFIA ENSINO MÉDIO = PDF DOWNLOAD
GEOGRAFIA
ENSINO MÉDIO
Este livro é público – está autorizada a sua reprodução total ou parcial.
Governo do Estado do Paraná
Roberto Requião
Secretaria de Estado da Educação
Mauricio Requião de Mello e Silva
Diretoria Geral
Ricardo Fernandes Bezerra
Superintendência da Educação
Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde
Departamento de Ensino Médio
Mary Lane Hutner
Coordenação do Livro Didático Público
Jairo Marçal
Depósito legal na Fundação Biblioteca Nacional, conforme Decreto Federal n.1825/1907, de 20 de Dezembro de 1907.
É permitida a reprodução total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
Avenida Água Verde, 2140 – Telefone: (0XX) 41 3340-1500 e-mail: [email protected]
80240-900 CURITIBA – PARANÁ
Catalogação no Centro de Editoração, Documentação e Informação Técnica da SEED-PR
2ª. Edição IMPRESSO NO BRASIL
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Autores
André Aparecido Alflen Gisele Zambone João Carlos Ruiz
Leda Maria Corrêa Moura Márcia Regina Garcia Rosélia Maria Soares Loch
Equipe Técnico – Pedagógica
Gisele Zambone Juliana Carla Muterlle Bitar Marcio Miguel de Aguiar
Valquiria Renk
Assessora do Departamento de Ensino Médio
Agnes Cordeiro de Carvalho
Coordenadora Administrativa do Livro Didático Público
Edna Amancio de Souza
Equipe Administrativa
Mariema Ribeiro Sueli Tereza Szymanek
Técnicos Administrativos Alexandre Oliveira Cristovam Viviane Machado
Consultor
Roberto Filizola – UFPR
Leitura Crítica
Mafalda Nesi Francischett – Unioeste/PR
Consultor de direitos autorais
Alex Sander Hostyn Branchier
Revisão Textual
Renata de Oliveira
Projeto Gráfico, Capa Editoração Eletrônica
Eder Lima/Icone Audiovisual Ltda
Editoração Eletrônica
Icone Audiovisual Ltda
2007
Carta do Secretário
Este Livro Didático Público chega às escolas da rede como resultado do trabalho coletivo de nossos educadores. Foi elaborado para atender
à carência histórica de material didático no Ensino Médio, como uma iniciativa sem precedentes de valorização da prática pedagógica e dos saberes da professora e do professor, para criar um livro público, acessível, uma fonte densa e credenciada de acesso ao conhecimento.
A motivação dominante dessa experiência democrática teve origem na leitura justa das necessidades e anseios de nossos estudantes. Caminhamos fortalecidos pelo compromisso com a qualidade da educação pública e pelo reconhecimento do direito fundamental de todos os cidadãos de acesso à cultura, à informação e ao conhecimento.
Nesta caminhada, aprendemos e ensinamos que o livro didático não é mercadoria e o conhecimento produzido pela humanidade não pode ser apropriado particularmente, mediante exibição de títulos privados, leis de papel mal-escritas, feitas para proteger os vendilhões de um mercado editorial absurdamente concentrado e elitista.
Desafiados a abrir uma trilha própria para o estudo e a pesquisa, entregamos a vocês, professores e estudantes do Paraná, este material de ensino-aprendizagem, para suas consultas, reflexões e formação contínua. Comemoramos com vocês esta feliz e acertada realização, propondo, com este Livro Didático Público, a socialização do conhecimento e dos saberes.
Apropriem-se deste livro público, transformem e multipliquem as suas leituras.
Mauricio Requião de Mello e Silva
Secretário de Estado da Educação
Aos Estudantes
Agir no sentido mais geral do termo significa tomar ini- ciativa, iniciar, imprimir movimento a alguma coisa. Por constituírem um initium, por serem recém-chegados e ini- ciadores, em virtude do fato de terem nascido, os homens tomam iniciativa, são impelidos a agir. (…) O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar de- le o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto, por sua vez, só é possível porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo. Desse alguém que é singular pode-se dizer, com certeza, que antes dele não havia ninguém. Se a ação, como início, corresponde ao fa- to do nascimento, se é a efetivação da condição humana da natalidade, o discurso corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da condição humana da pluralidade, isto é, do viver como ser distinto e singular entre iguais.
Hannah Arendt
A condição humana
Este é o seu livro didático público. Ele participará de sua trajetória pelo Ensino Médio e deverá ser um importante recurso para a sua formação.
Se fosse apenas um simples livro já seria valioso, pois, os livros re- gistram e perpetuam nossas conquistas, conhecimentos, descobertas, so- nhos. Os livros, documentam as mudanças históricas, são arquivos dos acertos e dos erros, materializam palavras em textos que exprimem, ques- tionam e projetam a própria humanidade.
Mas este é um livro didático e isto o caracteriza como um livro de en- sinar e aprender. Pelo menos esta é a idéia mais comum que se tem a res- peito de um livro didático. Porém, este livro é diferente. Ele foi escrito a partir de um conceito inovador de ensinar e de aprender. Com ele, como apoio didático, seu professor e você farão muito mais do que “seguir o li- vro”. Vocês ultrapassarão o livro. Serão convidados a interagir com ele e desafiados a estudar além do que ele traz em suas páginas.
Neste livro há uma preocupação em escrever textos que valorizem o conhecimento científico, filosófico e artístico, bem como a dimensão his- tórica das disciplinas de maneira contextualizada, ou seja, numa lingua- gem que aproxime esses saberes da sua realidade. É um livro diferente porque não tem a pretensão de esgotar conteúdos, mas discutir a realida- de em diferentes perspectivas de análise; não quer apresentar dogmas, mas questionar para compreender. Além disso, os conteúdos abordados são alguns recortes possíveis dos conteúdos mais amplos que estruturam e identificam as disciplinas escolares. O conjunto desses elementos que constituem o processo de escrita deste livro denomina cada um dos tex- tos que o compõem de “Folhas”.
Em cada Folhas vocês, estudantes, e seus professores poderão cons- truir, reconstruir e atualizar conhecimentos das disciplinas e, nas veredas das outras disciplinas, entender melhor os conteúdos sobre os quais se debruçam em cada momento do aprendizado. Essa relação entre as dis- ciplinas, que está em aprimoramento, assim como deve ser todo o pro- cesso de conhecimento, mostra que os saberes específicos de cada uma delas se aproximam, e navegam por todas, ainda que com concepções e recortes diferentes.
Outro aspecto diferenciador deste livro é a presença, ao longo do tex- to, de atividades que configuram a construção do conhecimento por meio do diálogo e da pesquisa, rompendo com a tradição de separar o espaço de aprendizado do espaço de fixação que, aliás, raramente é um espaço de discussão, pois, estando separado do discurso, desarticula o pensamento.
Este livro também é diferente porque seu processo de elaboração e distribuição foi concretizado integralmente na esfera pública: os Folhas que o compõem foram escritos por professores da rede estadual de en- sino, que trabalharam em interação constante com os professores do De- partamento de Ensino Médio, que também escreveram Folhas para o li- vro, e com a consultoria dos professores da rede de ensino superior que acreditaram nesse projeto.
Agora o livro está pronto. Você o tem nas mãos e ele é prova do valor e da capacidade de realização de uma política comprometida com o pú- blico. Use-o com intensidade, participe, procure respostas e arrisque-se a elaborar novas perguntas.
A qualidade de sua formação começa aí, na sua sala de aula, no traba- lho coletivo que envolve você, seus colegas e seus professores.
Sumário
Texto de Apresentação do LDP de Geografia…………………………………………………………………………… 10
Conteúdo Estruturante: Dimensão Política do Espaço Geográfico
Apresentação do Conteúdo Estruturante: Dimensão Política do Espaço Geográfico………………………………………………………. 14
- – O Brasil podia ser diferente? 18
- – É proibida a entrada! 36
- – A união faz .. ? 50
- – A água tem futuro? 66
Conteúdo Estruturante: Dimensão Cultural e Demográfica do Espaço
Geográfico
Apresentação do Conteúdo Estruturante: Dimensão Cultural e Demográfica do Espaço Geográfico………………………………………………………. 78
- – Você produz ou consome o espaço? 84
- – Para onde vais? 102
- – Nada a ver? Tudo a ver!………………………….. 118
- – Passa por sua cabeça ter muitos filhos?……… 132
Conteúdo Estruturante: Dimensão Econômica do Espaço Geográfico
Apresentação do Conteúdo Estruturante:
Dimensão Econômica do Espaço Geográfico……… 144
- – A indústria já era?……………………………… 148
- – A gente se vê no shopping?…………………. 162
- – Nós da rede…………………………………….. 174
- – Dinheiro traz felicidade?……………………… 186
- – Fome: problema econômico?………………………… 198
Conteúdo Estruturante: Dimensão Socioambiental do Espaço Geográfico
Apresentação do Conteúdo Estruturante: Dimensão Socioambiental
do Espaço Geográfico…………………………… 212
- – Os seres humanos são Será?……………… 216
- – Pare de sonhar com um carro!…………………… 230
- – Catástrofes são evitáveis ou inevitáveis?………… 246
- – Você toma veneno?…………………………… 262
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p
r Apresentação
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“Antes mundo era pequeno porque Terra era grande. Hoje mundo é muito grande porque Terra é pequena”
- (Parabolicamará, Gilberto Gil, 1991)
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“Alguma coisa está fora da ordem, Fora da nova ordem mundial”
- (Fora da Ordem, Caetano Veloso, 1991)
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Queremos começar este livro propondo a você, estudante do Ensi- no Médio, um desafio: tente responder as perguntas que seguem sem uma pesquisa prévia!
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Onde você mora? Como é este lugar? Por que este lugar é assim? Que relações econômicas e políticas este lugar estabelece com outros próximos e distantes?
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Essas perguntas referem-se ao espaço geográfico e, portanto, são centrais para os estudos de Geografia. Para respondê-las será necessá- rio lançar mão de conhecimentos que inicialmente eram apenas com- partilhados entre as gerações de um mesmo grupo e, mais tarde, foram organizados, registrados e discutidos mais amplamente, sobretudo nas instituições de ensino e pesquisa.
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Mas, afinal, como sabemos hoje como são os lugares e por que são assim e não de outro jeito?
As respostas destas questões foram construídas, inicialmente, por meio da observação da dinâmica da natureza. Esse conhecimento foi
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fundamental para os povos primitivos que se deslocavam constante- mente à procura de um melhor local para se acomodar e encontrar ali- mentos. Conhecer quando e onde as árvores frutíferas estavam produ- zindo era essencial para sua sobrevivência.
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Você sabia que as migrações realizadas pelos indígenas que habita- vam o nordeste brasileiro eram determinadas pelas estações do ano e pela variação da flora na área em que se deslocavam? Aqueles grupos observavam a natureza e mapeavam, ainda que mentalmente, os cami- nhos e extensões que deveriam percorrer nos diferentes períodos do ano para garantir a sobrevivência da tribo.
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Além desses conhecimentos, outros como a dimensão, forma e mo- vimentos do planeta, as diferenças entre as regiões naturais, as diver- sas formas de organização social, cultural e econômica foram sistema- tizados por pesquisadores e no final do século XIX, institucionalizados pela Geografia, identificados como próprios desse campo de estudos. Esses conhecimentos geraram o mapeamento do planeta quanto ao seu quadro natural, social, econômico e cultural; a criação de conven- ções para localização, orientação e medição de distâncias consideran- do a curvatura da superfície terrestre; enfim, dados, nomenclaturas e convenções que nos identificam como ocidentais e orientais, povos do norte e do sul, entre outras possibilidades.
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No decorrer dos últimos cinco séculos, a relação sociedade-natu- reza foi, e ainda é, responsável por pesquisas a respeito de como é es- te lugar e por que ele é assim. Inicialmente essas pesquisas baseavam- se em minuciosas e detalhadas descrições sobre os diversos lugares do planeta, suas características naturais, culturais e econômicas. Hoje os estudos geográficos abordam a relação sociedade-natureza com um olhar crítico sobre as relações de produção, as quais levam à degrada-
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ção ambiental e sobre as relações políticas que se estabelecem entre os países onde os recursos naturais são encontrados.
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Na verdade, desde que o modo capitalista de produção se desen- volveu, refletir sobre onde as coisas se localizam implica em pensar nas relações de poder que envolvem essa localização, bem como tudo que esteja contido no lugar. O fato de uma floresta, uma jazida mineral ou um manancial localizar-se no território de um determinado país, leva- rá a possíveis negociações internacionais sobre conservação e explo- ração desses “objetos naturais”, chamados de recursos, sob a ótica do capitalismo. Dessa mesma perspectiva, a escolha do local de instala- ção de uma empresa, de construção de um porto, de uma estrada ou de um aeroporto tem determinantes políticos e econômicos, bem co- mo culturais, ambientais e demográficos.
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Diante das considerações feitas até aqui, você notou que responder o onde? pode ser mais complexo do que simplesmente dar a localiza- ção de alguma coisa? Mais ainda, responder onde implica em relacio- ná-lo com o como é o lugar, por que ele é desse jeito, pois, essas pergun- tas são indissociáveis.
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Toda essa reflexão fica ainda mais complexa no atual período his- tórico, iniciado após a Segunda Guerra Mundial, com a internaciona- lização da economia e com o avanço das técnicas de comunicação e transportes.
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As transformações do espaço geográfico, ocorridas nos lugares que participam das relações globais – de produção e de mercado, entre ou- tras – têm apresentado hoje, um ritmo mais veloz e impactante do que no passado. Essas transformações são, muitas vezes, resultado de de- cisões tomadas em outros lugares, em alguns casos situados a milha- res de quilômetros de distância, por interesses que não consideram a
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realidade do lugar afetado. Por exemplo, o aquecimento terrestre po- de ter causas em processos ocorridos a grandes distâncias de nós, dos quais sofremos as conseqüências. Devido a estas situações podemos afirmar que a Terra é pequena e que alguma coisa está fora da ordem, não é mesmo?
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Assim, para responder as perguntas próprias do campo de estu- do da Geografia, é preciso compreender e interpretar a realidade so- cial, econômica, política, cultural e ambiental do espaço geográfico de forma integrada. Isso significa considerar as dimensões geográfi- cas da realidade – econômica, geopolítica, socioambiental, cultural e demográfica – e como elas participam da constituição do recorte es- pacial colocado em estudo. Essas dimensões traduzem-se, nesse li- vro nos Conteúdos Estruturantes das Diretrizes Curriculares de Geo- grafia: Dimensão Política do Espaço Geográfico, Dimensão Cultural e Demográfica do Espaço Geográfico, Dimensão Socioambiental do Espaço Geográfico. Estes Conteúdos Estruturantes mereceram, cada um deles, um texto de apresentação que pode ser usado para deba- te em sala de aula.
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Considerando a concepção de Geografia exposta é que construí- mos o Livro Didático Público, desejando ainda que este transforme a escola num lugar de pesquisa para compreensão do espaço em qual- quer escala geográfica.
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Os textos que você encontrará a seguir, não têm o intuito de es- gotar as possibilidades de discussão dos Conteúdos Estruturantes aos quais se referem, mas pretendem gerar debates e pesquisas que leva- rão ao aprofundamento e a aprendizagem dos conteúdos específicos e dos conceitos da Geografia.
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Dimensão Política do Espaço Geográfico
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Este Conteúdo Estruturante engloba os interesses relativos aos ter- ritórios e as relações de poder, econômicas e sociais que os envol- ve. Para tratá-lo abordaremos um dos campos de estudo da Geogra- fia que tem como interesse o território: a Geopolítica.
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O que significa “Geo” com certeza você sabe. Sua professora, lá na 5ª série, deve ter definido. E política, o que é?
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A palavra geopolítica não é uma simples contração das palavras geografia e política; é mais que isso, algo que diz respeito às dispu- tas de poder no espaço. A palavra “poder” implica em dominação, numa relação entre desiguais, que pode ser exercido por Estados ou não. Esta dominação pode ser cultural, sexual, social, econômi- ca, repressiva e/ou militar, o que levaria a dominação de um terri- tório. Mas o que é território?
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Para Milton Santos (2005), o território é o chão e mais a popula- ção, é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espi- rituais e da vida.
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O termo geopolítica surgiu com a publicação de “O Estado como Organismo”, do sueco Rudolf Kjellen, no início do século XX. Kjellen foi seguidor do geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que é considerado um dos pais da ciência geográfica e grande responsável pelas idéias presentes na geopolítica.
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Ratzel foi contemporâneo da unificação alemã (século XIX). Pre- senciou a formação do Estado alemão, “país” que até as últimas dé- cadas do século XIX não existia como o conhecemos hoje. Seu atual território, naquele período, era constituído por um conjunto de rei- nos cujas relações eram freqüentemente conflituosas. Para Ratzel, a sociedade é como um organismo com necessidades de moradia e ali- mentação. Quanto maior sua área para obter estes recursos, melhor são as condições de vida desta sociedade. Caberia ao Estado manter a posse do território, e por isso ele luta pelo seu domínio. Estas idéias ficaram conhecidas pela expressão “espaço vital”.
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O termo geopolítica nem sempre foi visto com bons olhos, pois no período da II Guerra Mundial, a geopolítica, com suas idéias de espaço vital e povos superiores, atendeu aos interesses do governo nazista alemão.
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No Brasil foi Josué de Castro, com uma de suas obras mais famo- sas, Geopolítica da Fome (publicado em 1951), quem reacendeu o debate sobre a geopolítica e sobre o problema da fome. Neste perí- odo o tema “fome” era um tabu no Brasil, não se falava nele, embo- ra milhares de pessoas já sofressem com ela. Mas, como destaca o próprio autor, sempre foi considerado pouco conveniente, entre os povos bem alimentados, discutir a fome dos menos afortunados. No entanto, a fome tem sido, desde muito tempo, a mais perigosa das forças políticas, como já sabiam os romanos no século I, daí surgindo sua preocupação e a famosa expressão: “pani et circenses”.
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Na década de 70, Yves Lacoste, em seu livro “A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”, afirmava que a geopo- lítica seria a verdadeira geografia. Estaria certo Yves Lacoste? Afinal, o que seria da guerra sem os mapas, sem saber onde há pontes, usinas de geração de energia para serem destruídas? Quais os terrenos ade- quados para fazer os tanques de guerra entrarem em um país? Mas a geografia só lida com mapas e localizações das coisas?
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Este debate, se a geografia realmente serve para fazer a guerra, serviu como forma de revalorizar a geografia, principalmente a fei- ta nas escolas, geografia essa que até então tinha como preocupa- ção enumerar rios, cidades, descrever paisagens e tipos humanos exóticos.
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A Geopolítica está relacionada ao poder e a quem o exerce. Ali- ás, a coisa mais importante, quando se fala de geopolítica, é pergun- tar quem está exercendo o poder, quem está dando as ordens sobre aquela porção do espaço, que pode ser chamada de território.
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A geopolítica de hoje é um campo de estudos interdisciplinar, pois pesquisa e quer entender temas como: os rumos do Brasil ou de qualquer outro Estado-Nação no século XXI (ver Folhas “O Brasil podia ser diferente?”); as possibilidades de confrontos ou de crises político-diplomáticas ou econômicas; as estratégias para os grupos se tornarem hegemônicos no espaço geográfico; ou ainda, para ocupar racionalmente os ambientes naturais. Tudo isso exige os conhecimentos de Geopolítica e de muitas outras ciências.
Charge 1
Na atualidade, Estado e fronteiras, tão importantes para os enten- dimentos da geopolítica, têm sofrido alguns abalos, dado o proces- so de globalização. Estes abalos podem ser encontrados no surgi- mento dos blocos econômicos e instituições supranacionais (OTAN
– Organização do Tratado Atlântico Norte, Mercosul – Mercado Co- mum do Sul, UE – União Européia, etc.) que erodem (desgastam) o poder e a soberania dos estados nacionais, tornando sem sentido – em parte – a antiga noção de fronteira. Veja o caso da União Euro- péia, tema que será tratado no Folhas “A união faz a… ?”.
É preciso destacar que há múltiplos territórios: Estado-Nação; es- tado (província); município ou cidade; das grandes corporações mul- tinacionais, mais poderosas economicamente que muitas nações jun- tas; dos grupos (gangues, tráfico, etc.).
Numa escala geográfica micro há também a idéia de que o futebol
tem sua geopolítica, pois o campo, as arqui- bancadas, a disputa entre as torcidas fora dos estádios, as quais “desfilam seu domí- nio pela cidade” (GOMES, 2002), é mais uma dis- puta de poder no e pelo território (Veja no Folhas “É Proibida a entrada”).
Ficam as perguntas: dada a globalização, estão os Estados fadados ao fim? As frontei- ras entre os países não têm mais razão de ser? As relações de poder estão desapare- cendo? A Terra será nosso grande território, o qual teremos que defender somente de invasões alienígenas? As questões ambien- tais e sociais, que têm proporcionado de- bates mundiais, levarão à união dos povos? As guerras sobre o globo acabarão?
A geopolítica é entendida de várias formas, todas elas ligadas ao espaço ter- ritorial e às estratégias de ação dos Esta- dos ou de grupos sociais, como forma de expandir o território ou defender as fron- teiras. A questão ambiental também po- de ser considerada nesta temática, pois a sociedade e o Estado devem estabelecer leis e atitudes que impedirão ou facilita-
rão as ações predatórias e/ou conservacionistas, protegendo dessa forma seu território e seus recursos. Como exemplo podemos dis- cutir a importância da Amazônia ou do Aqüífero Guarani para o povo brasileiro ou para a humanidade (Veja mais detalhes no Fo- lhas “A água tem futuro?”). Os territórios onde estes se encontram, podem vir a ser disputados por vários países. Debata essa idéia a partir da charge 1.
Como se vê, a geopolítica é um conteúdo bastante amplo. Os tex- tos que seguem a esta apresentação têm por objetivo auxiliar e apre- sentar alguns dos temas relacionados a ele, mas temos claro que tratar de todos os temas relacionados a geopolítica seria um trabalho pa- ra muitos e por muito tempo; ficam aqui apenas algumas discussões. Bons estudos!
Referências Bibliográficas
CASTAÑEDA, J. G. Utopia desarmada: intrigas, dilemas e promessas da esquerda latino-americana. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
CASTRO, J. de. Geopolítica da Fome. São Paulo: Brasiliense, 1965.
GOMES, P. C. da C. A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
LACOSTE, Y. Geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer guerra. Campinas: Editora Papirus, 1989.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento à consciência universal. 12ª. ed. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2005
Obras Consultadas
AGUNDELO, H. Globalização: geopolítica e meio ambiente. Geonotas VOL.1 Nº 2 – OUT/NOV/DEZ 1997.
ANDRADE, M. C. de. Geopolítica do Brasil. São Paulo: Ed. Ática. 1989.
. Geografia Econômica. 11 ed. São Paulo: Atlas, 1991.
VESENTINI, J. W. Imperialismo e Geopolítica Global. São Paulo: Papirus, 1990.
Documentos Consultados ONLINE
http://www.revistaautor.com.br/artigos/2004/33ale.htm. Acesso em: jun. 2005.
Ensino Médio
- Dimensão Política do Espaço Geográfico
Geografia
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O BRASIL PODIA SER DIFERENTE?
- Gisele Zambone1
Brasil podia ser diferente? Dife- rente em quê? Em seus habitan- tes; em suas paisagens; em seus limites territoriais; em seus cos- tumes; em suas crenças; em suas
riquezas?
1Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins – Curitiba – PR
O Brasil Podia Ser Diferente? 19
O Brasil “nasceu” com cerca de 2.800.000km2. Considerando-se que esta área é aproximadamente 35% da área atual, podemos dizer que ele nasceu modesto. Esta é a área que “cabia” a Portugal de acor- do com o Tratado de Tordesilhas lá nos idos do século XV (observe a figura 1). Assim, este era o território, pelo menos formalmente, sob domínio português.
Figura 1 – Tratado de Tordesilhas
É claro que o Brasil não brotou do chão como uma planta, mas a idéia de cres- cimento, de expansão como uma planta também ocorre com o território de um país, assim como o desaparecimen- to ou diminuição da área ocu- pada por este. O solo que ho- je o Brasil ocupa já existia, o que não existia era seu terri- tório, a porção do espaço sob domínio, poder, soberania de um Estado organizado.
Inicialmente este território era da Coroa Portuguesa e, somente a partir de 1822, passou a pertencer ao chamado Estado Brasileiro. Quando falamos que ele nasce modesto, é ao território que nos refe- rimos. Mas como ele “cresceu”? Ampliando seu poder? Como o Estado Português conquistou mais territórios?
Foram muitos os conflitos entre os indígenas e a Coroa portuguesa e a Coroa espanhola para que aqueles “cedessem” seu território.
Como se pode visualizar na figura 1, o Tratado de Tordesilhas dava um limite para a expansão Portuguesa, mas em 1580 Portugal ficou sem sucessor em suas terras para ocupar o trono, o único sucessor legítimo
era Felipe II, neto do rei da Espanha. Mas um espanhol no trono Portu- guês? Sim. Felipe II teve que usar a força, derrotando os exércitos lusi- tanos para assumir o trono. Esta relação deu um certa autoridade para que os portugueses que viviam na colônia considerassem que não ha- via problema em ultrapassar os limites definidos pelo Tratado de Tor- desilhas. Em 1640, quando o trono de Portugal foi recuperado, as ter- ras a oeste do limite do tratado estavam ocupadas por portugueses que não apresentavam nenhuma disposição em devolvê-las. Associado a is- to e a outros conflitos que ocorreram na Europa, em 1750 o Tratado de Tordesilhas deixa, formalmente, de existir.
Quanto a relação indígenas x portugueses, estes últimos possuíam uma organização social e econômica bem diferente da dos indígenas. Entre as diferenças encontramos o desejo de lucro, a propriedade in- dividual ou posse da terra e de seus recursos, o dinheiro utilizado na compra e venda das mercadorias, organizações sociais e econômicas introduzidas no Brasil, o que já era comum na Europa. Estamos falan- do dos princípios do sistema capitalista. Que tal buscar mais informações sobre o sistema capitalista?
A figura 2 mostra onde a Coroa Portuguesa tinha soberania sobre o espaço brasileiro no século XVI.
Há uma característica de “arquipélago*” (veja na figura 2 as áreas em vermelho), por ser formado por áreas isoladas ou com contatos muito tê- nues, onde a troca de mercadorias ou pessoas pouco existia entre estas
áreas. E não havia esta preocupação com a troca, pois a economia e, conseqüentemente, o espaço estavam organizados para enviar sua produção para o exterior, para a metrópole. Esta preocu- pação em enviar a produção para o exterior vai caracterizar o Brasil por um longo período.
Dê uma olhadinha na localização das ca- pitais dos estados na figura 3. Por que será que elas estão onde estão? A letra da música Notícias do Brasil diz alguma coisa sobre isto?
Figura 2 – A ocupação territorial do Brasil
Figura 3 – A Marcha do Povoamento e a Urbanização – Século XVII
No início do povoamento do território do Brasil, ou do país que vi- ria a ser chamado assim, a população de origem européia e africana fi- cou bastante restrita ao litoral, desenvolvendo inicialmente atividades econômicas com características extrativistas. Que características seriam estas? Procure mais detalhes.
No final do século XVI, os colonizadores começaram o cultivo da cana-de-açúcar e a montagem de engenhos de açúcar, principalmente no litoral do nordeste. A escolha por sítios litorâneos, próximos às baías ou enseadas junto da planície litorânea, deu-se porque a produção agrícola era dirigida para a exportação. Nossas primeiras cidades estavam ligadas à função de porto comercial e militar, e tinham o objetivo de garantir a posse da Colônia pela Coroa Portuguesa.
Observe na figura 3 – “A Marcha do Povoamento e a Urbanização”
– as cidades e suas datas de fundação. É importante salientar que a da- ta de fundação é aquela quando o núcleo urbano recebe o título ofi- cial de vila ou cidade, mas elas já existiam antes.
A ocupação do interior nordestino se deu através da introdução da pecuária bovina em áreas não propícias ao desenvolvimento da ca- na-de–açúcar. Não era propícia dada a distância para a exportação do produto final – o açúcar, e pelas condições naturais, solo e clima, me- nos adequados para esta cultura.
Nos séculos XVI e XVII, a lavoura canavieira e a criação de gado fo- ram as atividades que contribuíram para a efetivação da ocupação do es- paço brasileiro e sua expansão territorial. A pecuária permitiu também a fixação da população, o que deu origem à formação dos primeiros nú- cleos urbanos no interior do território. Eram povoados pequenos onde já ocorria a atividade artesanal, o comércio, residiam os funcionários da administração municipal, oficiais da Coroa, artesãos e mercadores.
A fundação de cidades, ou vilas, no interior deveria ser autorizada pela Coroa, através de seus donatários, em demonstração de sua sobe- rania sobre o espaço. As cidades do período colonial representavam um prolongamento do mundo rural. Isto é diferente nos dias atuais? Por quê? Aponte elementos que demonstrem esta semelhança ou diferença.
A câmara municipal foi a primeira e principal instituição política repre- sentativa da população da colônia, na qual as funções mais importantes eram exercidas pelo “concelho”. Essa era composta pelos juizes ordiná- rios, procuradores, vereadores e os almotacés (fiscais), sendo estes, ho- mens escolhidos entre os adultos livres, incluídos os nobres, senhores de engenho, os proprietários, os militares e o clero. Era responsabilidade do “concelho”, fixar taxas sobre os ganhos dos artífices (impostos), definir códigos de posturas, determinar a conservação das vias públicas, definir as jornadas de trabalho e julgar as ofensas verbais e os pequenos furtos.
As vilas representavam o primeiro degrau da vida urbana, eram aglomerados urbanos que funcionavam como sede de um distrito mu- nicipal. Já a cidade, desde o período colonial até hoje, por força de lei, é representada pela localidade onde está sediado o poder municipal (prefeitura). Uma de suas funções é administrar o município. Mas quais outras funções têm a cidade? Pesquise sobre este tema e defina qual a função principal da cidade onde você mora.
No século XVII, o território “brasileiro” continuou a se expan- dir, pois a descoberta de minerais provocou o deslocamento do povoamento, de forma mais intensa, para o interior, inicialmente de forma temporária, uma vez que se baseava na exploração alu- vial*. Mais adiante, a descoberta de veios auríferos permitiu maio- res ganhos, criou condições para a fixação da população não indí- gena, o que acabou consolidando o território de domínio da Coroa Portuguesa.
Os responsáveis por descobrir estes recursos minerais foram os Bandeirantes, eles formavam grupos de expedições de exploração que se originavam em São Paulo. Estas expedições foram responsáveis pe- la expansão do território brasileiro.
Os Bandeirantes avançaram em direção ao interior por entre flores- tas e as margens de rios como o Tietê e Paraná; chegaram até a região Amazônica, além do limite do Tratado de Tordesilhas, invadindo as ter- ras que pertenciam à Espanha por este tratado. Eles iam em busca de riquezas, como minerais e indígenas para escravizar.
A corrida ao ouro atraiu milhares de pessoas provenientes do lito- ral e de Portugal; além disso, a necessidade de gado para alimentação e para o transporte do ouro proporcionou o surgimento de novas cida- des e vilas no caminho dos tropeiros.
Com a exploração do ouro e das pedras preciosas, a partir do século XVIII, novas regiões foram incorporadas à fronteira econô- mica: os atuais estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Ma- to Grosso do Sul.
As necessidades de escoamento do ouro e a fiscalização da produ- ção mineral fizeram do Rio de Janeiro a segunda capital da colônia, em 1763. Em 1808, com a chegada da família real portuguesa, a cidade te- ve suas condições de desenvolvimento ampliadas.
Observe a figura 4 e identifique as diferentes denominações para os estados ou território brasileiros e os limites territoriais. Os diferentes limites e denominações refletiam as diferenças das relações políticas e econômicas que ocorriam neste espaço. Observe que há o Estado do “Brazil” e o Estado do Maranhão. Como você explica isto?
Figura 4 – Vice-reino do Brasil (1763)
A ocupação da Amazônia, ou do Norte brasileiro, ocorreu no sécu- lo XVI, devido à existência de muitos rios, que permitiram a implanta- ção de pequenos núcleos que, em sua maioria, não prosperaram nem economicamente nem populacionalmente. Esta porção do território fi- cou sob o controle militar para garantia do território. Essa ocupação inicial não mudou quase nada as condições naturais, exceto em algu- mas regiões, como na área ao redor de Belém.
Como você explica esta situação de não mudança das condições natu- rais apesar da instalação de uma sociedade com princípios capitalistas?
A porção do território conhecida por Amazônia apresentava baixa ocupação populacional sob o controle da Coroa Portuguesa, que pra- ticamente não tinha domínio da área, por isso esta porção do território foi cobiçada por outras nações européias.
No extremo sul do Brasil, no séc. XVIII, a colonização, ou domina- ção do território, deu-se inicialmente com população de origem por- tuguesa – os colonos açorianos assentados no Rio Grande do Sul. Esta região já fora objetivo de incursões de criadores paulistas, os Bandei- rantes, que se estabeleceram nas áreas de campo, desenvolvendo a pe- cuária, que aí encontrou condições ambientais favoráveis.
Observe a importância das atividades econômicas e das condições naturais para a dominação do território. Foram as atividades econômi- cas que permitiram a fixação da população e o domínio do território?
As atividades econômicas, geralmente ligadas ao extrativismo ou à agricultura, eram muito dependentes das condições naturais, dadas as condições tecnológicas então presentes.
Por volta do séc. XIX, a ação colonizadora no Sul do Brasil instalou colônias baseadas no sistema de apropriação de terras, através de co- lonização oficial ou particular. Este tipo de colonização foi implantada em outras porções do território, mas, foi no sul do país que esse modo de ocupar as terras foi mais difundido. Isto fez esta porção do territó- rio diferente? Procure mais informação sobre este tema.
No final do século XIX, o Brasil ainda não tinha a “forma” que tem hoje, ter- ritorialmente falando – fal- tava a efetiva ocupação do Centro-Oeste e do Norte do Brasil, porções que foram ocupadas de forma mais in- tensa a partir da década de 60 e 70 do século XX. Que tal procurar mais informa- ções sobre a ocupação do Centro-Oeste e Norte do Bra- sil no século XX até os dias de hoje? Ainda existem mui- tos conflitos por terra nesta porção do Brasil.
Observe agora as dife- renças nos limites dos es- tados brasileiros nas figu- ras 5 e 6.
- Fonte: Atlas Geográfico Rio de Janeiro, 2000.
O Brasil que temos hoje, quando se refere ao seu ter- ritório, é o mesmo que te- mos nos mapas? Do início do século XX até hoje, mui- ta coisa mudou na paisagem brasileira e na sua configu- ração interna. Nenhum ma- pa, sozinho, daria conta de representar o território bra- sileiro e suas mudanças. Te- ríamos que utilizar muitos mapas, os mapas temáticos, como o de uso do solo, de estradas, de atividades eco- nômicas, etc.
Que tal fazer uma busca em um Atlas e verificar estas diferenças? É possível verifi- car todas as transformações que ocorreram na paisagem do Brasil e em sua configu- ração interna?
Figura 6 – Republica dos Estados Unidos do Brazil (1889)
- Fonte: Atlas Geográfico Rio de Janeiro, 2000.
No final do século XIX e início do século XX, aconteceram muitos fatos que provocaram a mudança em nossa paisagem. Podemos citar o fim da escravidão; a ampliação do trabalho assalariado; a chegada de grande quantidade de estrangeiros (imigrantes); a mudança na forma de governo do Brasil (monarquia para república); a expansão da eco- nomia cafeeira no Sudeste; novas condições de transportes e comu- nicações, como as estradas de ferro, o telégrafo e o cabo submarino. Estas mudanças desdobraram-se em outras, e em conjunto criavam no- vos contextos, com reflexos até os dias atuais.
Fazendo uma pausa: neste período o Brasil não é mais colônia de Portugal. Em 1822 passa a ser controlado pelo seu próprio governo, tendo soberania sobre seu território, mas o soberano é um impera- dor. Esta forma de governo vai se manter até 1889, ano em que o go- verno passa a ser escolhido de “forma mais” democrática, mas sem a participação de grande parte da população nesta escolha. Foi adota- do o sistema presidencialista e as províncias do período imperial pas- saram a ser chamadas de estado (leia o quadro 1), compondo, desta forma, os Estados Unidos do Brasil. A semelhança com Estados Uni- dos da América não é mera coincidência, busque mais informação sobre este tema.
No século XX, com mudanças ocorridas no sistema sócio-econômi- co (como o trabalho livre e assalariado) e o crescimento dos merca- dos internacionais (principalmente com o café), foi possível o controle pelo governo republicano do Brasil de muitas regiões interioranas do país, com o surgimento de cidades e o crescimento de cidades já exis- tentes. Associado a diferentes atividades econômicas, o “Brasil” foi fi- xando seu domínio pelo território, colocando seus antigos donos (in- dígenas) em parques e reservas.
O “Brasil” da frase anterior aparece entre aspas porque estamos nos referindo à nação brasileira, composta pelo seu povo e também por grupos que detinham o poder, ou o controle do que deveria ocorrer neste território, definindo as leis e quem deveria fazer cumpri-las.
Como vimos, as fronteiras e limites do Brasil apresentaram gran- des alterações ao longo de sua história. Por exemplo: o estado do Acre só passou a fazer parte do nosso território em 1910, quando foi comprado da Bolívia. Você imaginaria hoje um país vendendo par- te de seu território? Quem autorizaria esta venda? Qual deveria ser o destino do dinheiro recebido? Haveria outra forma de conquistar es- ta porção de terra?
E quanto às fronteiras internas? De 1940 até os dias atuais o país so- freu 17 alterações na configuração de suas unidades político-adminis- trativas, com a criação e extinção de unidades. As últimas modifica- ções ocorreram com a Constituição de 1988, que deu origem ao estado de Tocantins, elevou os territórios federais do Amapá e Roraima à cate- goria de estados e anexou o território federal de Fernando de Noronha a Pernambuco. Mas esta história não acaba aqui. Leia o texto no qua- dro 03 e responda se acredita ser necessário ou não a criação de mais estados no país. Justifique sua resposta.
Quadro 3
Colcha de retalhos: Projetos em tramitação no Congresso pre- tendem criar novos estados
- André Campos
O estado de Tapajós
No coração da floresta Amazônica, a porção oeste do Pará convive com propostas de emancipação há praticamente tanto tempo quanto a própria in- dependência do Brasil. Em 1876, o militar Augusto Fausto de Sousa propôs nova divisão do império em 40 províncias, incluindo a criação do estado de Ta- pajós no oeste paraense. A proposta foi esquecida, mas o nome acompanha até hoje o movimento de emancipação da região.
Após atravessar o século passado em discussão e ser descartada em di- versas ocasiões, a idéia voltou a ganhar fôlego em novembro de 2000, quan- do foi aprovado no Senado o projeto de convocação de plebiscito sobre a criação desse estado. O pretenso estado de Tapajós possui território maior do que o da França ou da Espanha. Apesar de representar 58% da área to- tal do Pará, a região responde por apenas cerca de 10% do PIB estadual e tem aproximadamente 16% da sua população atual. Tamanha desigualdade de desenvolvimento e de ocupação é em grande parte explicada pela históri- ca concentração de investimentos governamentais na região metropolitana de Belém, a capital. É naquela área que se encontram, por exemplo, quase a me- tade das agências bancárias, a maioria das rodovias estaduais e os melhores índices paraenses no que diz respeito a domicílios com água canalizada, ilumi- nação elétrica e instalações sanitárias.
A idéia da criação do estado de Tapajós, porém, não conta com a simpatia de lideranças políticas de Belém. Existe o temor de que a aprovação do pro- jeto seja o estopim de um amplo processo de fragmentação do estado, que convive também com articulações políticas para a criação do estado de Cara- jás, no sudeste do Pará, além da proposta, ainda incipiente, de transformar a ilha de Marajó em território federal.
A falta de um programa político abrangente, capaz de abrigar os anseios de todos os segmentos da sociedade e não somente de uma pequena elite política e econômica interessada em regular o território segundo interesses es- pecíficos, é justamente uma das principais críticas feitas aos projetos de redi- visão territorial hoje debatidos no Brasil. Gilberto Rocha, professor do Depar- tamento de Geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), vê situação semelhante nas propostas de divisão atualmente discutidas no estado. Para ele, a criação de unidades federativas no Pará é um debate de elites, no qual a população se posiciona sentimentalmente. “É muito fácil mobilizar o povo de uma região em favor de uma proposta desse tipo – é só apontar as carências do local e dizer que um novo estado irá resolver a situação”, afirma.
- Fonte: http://www.reporterbrasil.com.br/reportagens/tapajos/iframe.php. Acesso em 02 agosto
A consolidação das fronteiras e limites do Brasil é o resultado de um processo histórico de produção e reprodução do espaço através do trabalho humano. Como vimos, os limites entre as unidades da federação são objeto de propostas de alteração. Mas os conflitos en- tre as unidades da federação não terminaram, nem se resumem ao conflito por áreas. Na atualidade, as localidades e estados disputam a atração de empreendimentos econômicos, empresas (indústrias, co- mércio ou serviços) que (acreditam governos locais) gerarão empre- gos e maior arrecadação de impostos. Isto criou a chamada “guerra fiscal”. Este é um outro assunto. Mas que tal buscar informações so- bre a “guerra fiscal”? (Veja o Folhas “A indústria já era?”).
Tratou-se anteriormente da proposta para a criação de inúmeros estados (Unidades da Federação – UF) no Brasil. Qual sua opinião sobre as vantagens e desvantagens que este tipo de decisão traria para a União e, conseqüentemente, para a população que integra estes territórios?
As propostas de desmembramentos não afetam somente os esta- dos. A constituição promulgada, em 1988, facilitou aos estados legisla- rem sobre a criação de novos municípios.
Veja no artigo 18 da Constituição, em seu parágrafo 3º (Da Or- ganização do Estado CAPÍTULO I DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO- ADMINISTRATIVA), que determinou a regulamentação das emanci- pações municipais pelos Estados, descentralizando a decisão, que antes cabia à União.
A intensa criação de municípios não é um fenômeno recente, mas como podemos verificar na tabela “Distribuição dos municípios brasileiros, segundo o período de instalação, pelas unidades da fe- deração”, a onda emancipacionista ocorreu com maior intensidade em alguns estados.
Tabela 1
Distribuição dos municípios brasileiros segundo o período de instalação, pelas unidades da federação – Brasil 1980-2001 | |||||||
ESTADOS | 1980 | 1991 | 1993 | 1997 | 2001 | 2001-
1980 |
% |
Rondônia | 7 | 23 | 40 | 52 | 52 | 45 | |
Acre | 12 | 12 | 22 | 22 | 22 | 10 | |
Amazonas | 44 | 62 | 62 | 62 | 62 | 18 | |
Roraima | 2 | 6 | 8 | 15 | 15 | 13 | |
Pará | 63 | 105 | 128 | 143 | 143 | 80 | |
Amapá | 5 | 9 | 15 | 16 | 16 | 11 | |
Tocantins | 52 | 79 | 123 | 138 | 138 | 86 | |
Maranhão | 130 | 136 | 138 | 217 | 217 | 87 | |
Piauí | 114 | 118 | 148 | 221 | 223 | 109 | |
Ceará | 141 | 178 | 184 | 184 | 184 | 43 | |
Rio Grande do Norte | 150 | 152 | 152 | 166 | 167 | 17 | |
Paraíba | 171 | 171 | 171 | 223 | 223 | 52 | |
Pernambuco | 165 | 169 | 177 | 185 | 185 | 20 | |
Alagoas | 94 | 97 | 100 | 101 | 102 | 8 | |
Sergipe | 74 | 74 | 75 | 75 | 75 | 1 | |
Bahia | 336 | 415 | 415 | 415 | 417 | 81 | |
Minas Gerais | 722 | 722 | 723 | 756 | 853 | 131 | |
Espírito Santo | 53 | 67 | 71 | 77 | 78 | 25 | |
Rio de Janeiro | 64 | 70 | 81 | 91 | 92 | 28 | |
São Paulo | 571 | 572 | 625 | 645 | 645 | 74 | |
Paraná | 290 | 323 | 371 | 399 | 399 | 109 | |
Santa Catarina | 197 | 217 | 260 | 293 | 293 | 96 | |
Rio Grande do Sul | 232 | 333 | 427 | 467 | 497 | 265 | |
Mato Grosso | 55 | 72 | 77 | 77 | 77 | 22 | |
Mato Grosso do Sul | 55 | 95 | 117 | 126 | 128 | 73 | |
Goiás | 171 | 211 | 232 | 242 | 246 | 75 |
Utilizando esta tabela, calcule o percentual entre a quantidade total de municípios que existiam em 2001 em relação aos valores observados em 1980. Acrescente estas informações no espaço reservado. Faça isto para o total do país e também para cada estado.
Qual a sua conclusão sobre a diferença quanto ao crescimento ab- soluto e percentual da quantidade de municípios no Brasil? Se você só tivesse a coluna com as porcentagens, sua conclusão seria a mesma?
Ainda utilizando a tabela, você deve desenvolver uma série de ati- vidades para que possa expressar os dados da tabela em um mapa te- mático. O objetivo é melhorar a visualização da informação, permitin- do responder mais facilmente às seguintes questões: em que região do Brasil o processo de criação de novos municípios ocorreu com maior intensidade? Qual sua explicação para este fato?
As orientações para que você possa construir o mapa são as seguintes:
- Defina o limite inferior da primeira classe (Li), que deve ser igual ou ligeiramente inferior ao menor valor das observações – presen- tes na coluna 2001 – 1980 ou de %;
- Defina o limite superior da última classe (Ls), que deve ser igual ou ligeiramente superior ao maior valor das observações – presentes na coluna 2001 – 1980 ou de %;
- Defina o número de classes (K), que será calculado usando k = n . Obrigatoriamente deve estar compreendido entre 5 a 20; n é o nú- mero de elementos da amostra que é igual ao número de estados;
- Conhecido o número de classes, defina a amplitude de cada classe: a =(Ls – Li) .
k
- Com o conhecimento da amplitude de cada classe, defina os limites para cada classe (inferior e superior), ou seja, os valores que irão compor a legenda;
- Considerando as classes, distribua os Estados pelas classes;
- Escolha uma cor para cada classe. Utilize uma única cor variando o seu tom, ou conjunto de cores de uma das séries (quentes ou frias), procurando utilizar os tons mais claros para as classes inferiores;
- Utilizando um mapa do Brasil dividido em estados, distribua a in- formação sobre ele;
- Agora responda às questões propostas
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2000), a partir da promulgação da Constituição de 1988, surgiram 1307 novos municípios. A grande maioria dos municípios criados recentemente possui um número de habitantes menor que 20 mil, sendo que 74% destes têm menos de dez mil habitantes. Na região Sul, estes representam mais de 90% do total (TOMIO, 2002). Pesquisas do IBGE também demonstram que os municípios que apresentam pequenas populações são os que perdem mais população, ou seja, apresentam crescimento negativo.
Todo o território brasileiro está dividido entre estados e municí- pios e sob o controle de um governo, estadual e municipal, sem falar da União. Para que um novo município seja criado é preciso que um município já existente (município mãe) “ceda” parte de seu território, de sua população, de sua infra-estrutura e de sua arrecadação de im- postos (as verbas).
O governo municipal tem várias responsabilidades em relação à população. Como ele obtém recursos para cumprir com suas obriga- ções, como: educação, saúde, abertura e manutenção de estradas na zona rural, etc.?
Cabe, aos municípios, um volume mínimo de recursos, que é re- passado, pela União, independentemente de existir em seu território fato gerador* da receita.
Os recursos fiscais municipais têm origem em quatro fontes:
Recursos de arrecadação própria, como o IPTU (Imposto Predial e Territorial Único) e ISS (Imposto Sobre Serviços);
Recursos transferidos de impostos estaduais e federais em virtude da fonte de receita estar no território do município, como a tribu- tação sobre funcionários do poder municipal (100%), o ITR (Im- posto Territorial Rural, 50%), o IPVA (Imposto Sobre Veículos Au- tomotores, 50%), o ICMS (Imposto Circulação de Mercadorias e Serviços, 18,75%);
Recursos transferidos pelo estado (oriundos do ICMS) e pela União (Fundo de Participação de Municípios);
Recursos de transferências voluntárias (convênios, obras etc.).
Pesquisas demonstram que a maioria dos municípios criados nas últimas duas décadas dependem diretamente das transferências fede- rais para o seu funcionamento. Então por que tantos municípios se emanciparam?
GLOSSÁRIO
Arquipélago: con- junto de ilhas, áreas isoladas;
Aluvial: depósito de cascalho ou sedi- mentos de um rio; Fato gerador: é um evento econômi- co que pode ser tri- butado – a produção de bens industriais e agrícolas, a compra e venda de bens, o
recebimento de salá- rio ou rendimentos, a venda, importação o exportação de bens e serviços etc.
Veja nos mapas – “Divisão política administrativa do Paraná” – a evolução dos municípios no Paraná.
Mapa 1
Mapa 2
Divisão político-administrativa do Paraná – 1940
Divisão político-administrativa do Paraná – 2000
Começamos este Folhas falando a respeito de território, de soberania sobre uma porção do espaço e princípios da geopolítica. Será que esta discussão tem alguma coisa com este grande número de emancipações de municípios?
Referências Bibliográficas
Atlas Geográfico Escolar. IBGE 2000.
Obras Consultadas
ANDRADE, M. C. Geopolítica do Brasil. São Paulo: Ática, 1980.
CORRÊA, R. L. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ática, 1987.
FERREIRA, C.; SIMÕES, N. N. Tratamento estatístico e gráfico em geografia. Lisboa: Gradiva. 1987.
JÚNIOR, C. P. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1963.
MAGNOLI, D. O corpo da pátria. São Paulo: Moderna, 1997.
TAVARES, L. A. A fronteiras físicas do espaço rural: uma concepção normativo-demográfica. RA´E GA – o espaço geográfico em análise, Curitiba, n. 7, p. 33-46, 2003. Editora UFPR.
Documentos Consultados ONLINE
BREMAEKER, F. E.J. Evolução do quadro municipal brasileiro entre 1989 e 2001. Disponível em: www.ibam.org.br/publique/media/ESP020P.
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TOMIO, F. R. L. A criação de municípios após a Constituição de 1988. Rev. Brasileira de Ciência Social. vol.17 n. 48 São Paulo Feb. 2002. Disponível em: www.scielo.br/scielo .php?script=sci_arttext&pid=S0102- 69092002000100006. Acesso em 08 ago 2005.
www.ibam.org.br/publique/media/ESPO20P.pdf. Acesso em: 20 ago 2005.
www.ibge.gov.br/brasil500/index2.html. Acesso em: 04 ago 2005.
Ensino Médio
36 Dimensão Política do Espaço Geográfico
Geografia
2
É PROIBIDA A ENTRADA!
- Gisele Zambone1
proibida a entrada!
Você já se deparou com esta frase? Lembra em qual local? Por
que a entrada era proibida?
Os lugares privados normalmen- te têm sua entrada controlada,
mas existem lugares que, mesmo sendo públicos, sofrem o controle de circula- ção, ou seja, não são todos que podem entrar ou sair. Em que tipo de lugar isto ocorre? O que causa esta situação?
1Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins – Curitiba – PR
É Proibida A Entrada! 37
No período da II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, na Alemanha Nazista, quando os judeus foram excluídos em guetos, encontravam-se placas em estabelecimentos comerciais proibindo a entrada de judeus. Por que isto ocorria? É comum proibir a entrada de pessoas em estabe- lecimentos comerciais? Estes não são lugares públicos?
Embora os judeus, por várias vezes ao longo da história, tenham si- do segregados, obrigados a formar guetos, a configuração destes guetos nem sempre foi igual. Em alguns casos, o gueto era um quarteirão com uma população relativamente rica, como o gueto judeu em Veneza, no século XIV, na Itália. Mas apesar da riqueza, a população judia tinha sua circulação restrita. Na maioria das vezes, os guetos eram pobres. Quan- do ocorria crescimento populacional, as ruas ficavam estreitas, as cons- truções cresciam verticalmente e as casas se tornavam superpopulosas. Ao redor dos guetos havia, por vezes, muros e, frequentemente, os re- sidentes dos guetos precisavam de um passe para circularem fora deste espaço. Por que os judeus sofreram estas restrições?
Um dos guetos mais conhecidos foi o Gueto de Varsóvia, na Polô- nia, no período da II Guerra Mundial. Criado em 1940, estima-se que inicialmente abrigava 380.000 pessoas, cerca de 30% da população da cidade, em uma área que correspondia a 2,4% do tamanho de Varsó- via. Para piorar a situação, a população foi acrescida por judeus trazi- dos de outras cidades e vilas. As condições precárias em que viviam e a fome constante trouxeram doenças e levaram à morte grande núme- ro de pessoas. Em 1942, aproximadamente 300 mil pessoas, residen- tes neste gueto, foram levadas para os campos de extermínio nazis- ta. O fim do gueto só se fez com o fim da Guerra em 1945. Para saber mais detalhes sobre este gueto, assista ao filme “O Pianista” (veja o quadro 1).
Mas não foram somente judeus que ficaram restritos aos guetos. Ci- ganos, homossexuais, religiosos, comunistas e outras pessoas que os nazistas consideravam indesejadas também.
Os Guetos originalmente se- riam bairros onde os judeus eram forçados a morar. Na atualidade, esta expressão também é usada para designar bairros onde são confinadas certas minorias por imposição econômica ou racial, como, porexemplo: osguetosne- gros da África do Sul no período do apartheid* ou os guetos ne- gros norte-americanos.
Não se pode confundir guetos com bairros pobres ou com os bair- ros étnicos*, pois a formação destes não se deu de maneira forçada pe- los poderes vigentes, nem sua população é obrigada a trabalhos for- çados para a sociedade externa. “Todos os guetos são segregados mas nem todas as áreas segregadas são guetos”. (WACQUANT, 2004).
Como exemplo de áreas segregadas urbanas e que não são gue- tos temos as “comunidades cercadas”, ou seja, os condomínios fecha- dos*, em especial os de alto padrão, cujos moradores fazem questão de se separar do restante da cidade, ocorrendo assim uma auto segre- gação. Geralmente seus moradores são iguais em termos de riqueza, e em muitos casos, etnia, mas nem por isso são guetos. Nas palavras de Loïc Wacquant (2004) “essas ilhas de privilégio servem para aumentar, e não deprimir, as oportunidades de seus residentes, assim como para proteger seus modos de vida. Elas irradiam uma aura positiva de supe- rioridade e não uma sensação de infâmia ou de pavor”.
Para esta parcela da população (autos segregados) os espaços pú- blicos são substituídos por espaços privados, como os condomínios fe- chados, os shoppings centers e os clubes particulares, locais em que essas pessoas convivem com seus iguais. Para ampliar esta discussão, veja o Folhas que tem como título “A gente se vê no shopping? ”.
“As gerações mais novas criadas nesses condomínios não experi- mentam o convívio com o outro, isto é, com o diferente, elemento fun- damental para a construção de um espaço público” (GOMES, 2003). Você acha importante o convívio com diferentes pessoas? Os espaços públi- cos que você freqüenta possibilitam este convívio?
Você já observou os diferentes “tipos” que habitam a cidade? As diferentes formas de se vestir, músicas preferidas, os temas das con- versas, expressões (gírias) usadas etc. Para alguns estudiosos estes di- ferentes “tipos” pertencem a diferentes “tribos urbanas”. Saiba mais lendo o quadro 3.
Os condomínios fechados, assim como os guetos, possuem contro- le de quem entra e de quem sai. A entrada em um país também sofre controle. Por que isto ocorre? Somente pessoas têm sua entrada e saí- da controlada?
Estes controles de entrada e saída de um país freqüentemente ocor- rem nas fronteiras* terrestres, exemplo, na “Ponte da Amizade” entre Foz do Iguaçu, no Paraná/Brasil e Ciudad del Este no Paraguai. Leia o quadro 4.
Isto ocorre porque tratam-se de territórios nacionais diferentes.
Mas o que é território mesmo? Ele só se refere aos países?
Para Marcelo Souza (1995), o conceito de território tanto deve ser entendido no sentido do território nacional, como do ponto de vista de uma delimitação de um espaço a partir de relações de po- der e de controle que um grupo exerce sobre este. O território não deve ser tomado somente em relação ao Estado. Pode e deve ser pensado numa escala menor, como: a rua, o bairro, a casa, a cida- de; ou mesmo numa escala internacional, como: a área formada pe- lo conjunto dos territórios de países membros de uma organização
- a Organização do Tratado do Atlântico Norte, (Veja mais no Folhas “A união faz a… ?”)
Um elemento importante para pensar o território é o controle do espaço. Como o controle é obtido, aí é outra conversa. Que tal bus- car a resposta para isto? Quem controla os territórios de algumas fa- velas do Rio de Janeiro? Como esse grupo faz esse controle? Pesquise outro tipo de território controlado por grupos sociais diversos e rela- te sua pesquisa.
Um outro elemento importante para pensar o território é sua dura- ção. Para Marcelo Souza, estes podem ter escalas temporais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias. Assim, os territórios podem ter um caráter permanente, mas também podem ter uma existência peri- ódica (SOUZA, 1995, p.81), durante o dia, controlado por um grupo, à noite, por outro. Nas grandes cidades encontramos com mais freqüência es- te tipo de território, as “territorialidades flexíveis”, que se alteram. Co- mo exemplo disso, pode-se citar os territórios da prostituição feminina ou masculina (prostitutas, travestis, michês), que dominam uma certa porção da cidade à noite, cedendo lugar durante o dia para o comér- cio de rua, como feiras livres e camelôs.
Outro aspecto bem ligado ao território é a disputa do mesmo por grupos concorrentes para expandir sua área de influência. Por exem- plo: travestis que invadem a área das prostitutas; feirantes que passam a vender os mesmos tipos de mercadorias que os camelôs e vice-ver- sa, disputando os clientes.
No Quadro 05 há um exemplo fictício de como isto pode ocorrer. Dessa forma a cidade fragmenta-se em diferentes territórios nos quais o espaço das convivências fica restrito, especializado.
Para Matos e Ribeiros (2005, p.89), “a cidade se fragmenta em diversas territorialidades de excluídos pela sociedade, formando um verdadeiro “caleidoscópio”, onde coexistem diferentes territórios. Entre eles, os de catadores de papel, dos sem-teto, das crianças de rua, dos guardado- res de carro, conhecidos como “flanelinhas”. São, na maioria das vezes, territórios superpostos com os da prostituição e constituem verdadei- ros “territórios do medo”, em decorrência da violência praticada pelos diversos grupos neles atuantes, bem como da ação da polícia”.
Mas estas muitas divisões, em diferentes áreas de controle, são im- portantes para cada um dos grupos ou tribos urbanas, pois o territó- rio é a base para a afirmação do seu poder sobre aquele espaço, é o que vai permitir e definir até onde podem ter a postura social que dá identidade ao grupo, ou seja, o que marca o grupo. Fora daquele ter- ritório, manter a mesma postura pode gerar problemas, pois provavel- mente estará invadindo território de outro grupo.
Um grupo que deixa claro onde está seu território são os pichado- res, que, para alguns pesquisadores, compõem uma tribo urbana. Es- tes grupos buscam demarcar e consolidar o território frente aos adver- sários. Para isto utilizam-se de uma simbologia própria e, muitas vezes, é apenas reconhecível pelos outros pichadores. Você consegue deci- frar tudo o que picham por aí?
Nas palavras de José Renato Masson (2005), “as pichações caracte- rizam formas de expressão que possuem dupla significação, depen- dendo do olhar”. Elas representam uma forma de comunicação que, além de transmitir informações, demarcam o território e poder, mas também podem ser compreendidas como formas de escandalizar, “zoeira, só bagunça”.
Outra questão ligada aos pichadores, que tem um caráter duplo, é em relação ao reconhecimento do ato. Para o Estado e seus instrumen- tos de repressão (mais conhecido por polícia), o pichador não quer ser reconhecido, mas perante o grupo de pichadores, este busca o reco- nhecimento de seu ato.
Outro tipo de territorialidade extremamente importante em relação ao domínio do espaço é o praticado pelo tráfico de drogas. A cidade do Rio de Janeiro, quando se fala em tráfico de droga, é a mais divul- gada pela mídia, mas a ação dos traficantes traçando seus territórios, infelizmente, não ocorre só no Rio de Janeiro.
Pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ), Helio de Araujo Evangelista, aponta que a origem do tráfico de drogas no Rio de Janeiro está ligada ao fato de a cidade ser passagem da droga a ser envia- da para os Estados Unidos da América e Europa e ao “jogo do Bicho”.
A relação com o jogo do bicho será explicada, mas, antes, você pre- cisa responder o que o Rio de Janeiro tem que o fez um local de en- vio de droga para fora do país?
Segundo Helio de Araujo Evangelista, em entrevista para a revis- ta Momento – UFF, o “jogo do bicho” é um jogo ilegal, uma contra- venção e quem o pratica está desobedecendo a lei 3.688, de 1941. Mas, apesar da proibição, continuou a ser praticado. Os bicheiros, que há muitos anos agiam na ilegalidade, já tinham a “manha” de como trabalhar tranqüilo fora da lei.
Por volta de 1970, o tráfico de droga já ganhava muito dinheiro no Rio de Janeiro (veja no quadro 6 a quantidade de dinheiro e de mor- tes). Os bicheiros desenvolveram conhecimento sobre como atuar na ilegalidade e ofereceram sua rede de contatos aos traficantes. Em tro- ca participavam dos lucros da nova “economia”. Esta relação foi man-
tida até 1990, aproximadamente, quando os bicheiros passaram a ser enquadrados na lei. Mas o fim desta relação permitiu que aparecessem outras ligações ou lideranças chamadas comandos ou facções.
Você já ouviu falar destes grupos? Qual é o objetivo deles? Como controlam o território? (Leia o quadro 7).
Quadro 7
- Vigário Geral (E) e Parada de Lucas (D), favelas onde facções rivais disputam comércio de drogas
- Kita Pedroza n Arquivo Viva Favela
“Difícil explicar onde termina uma favela e começa a outra. Parada de Lucas e Vigário Geral, na Zona Norte do Rio, são divididas apenas por uma linha imaginária – a ‘fronteira’ imposta por facções rivais do tráfico. A violên- cia de um lado sempre atinge o outro. Como acontece desde o sábado (02/10/2004), quando nova guerra foi deflagrada pelo controle do comér- cio de drogas na região. Dessa vez, no entanto, a tensão alterou também o cotidiano de favelas vizinhas, que estão acolhendo moradores expulsos de Vigário Geral… A demarcação de territórios na Zona Norte teria relação com os recentes confrontos na Zona Sul? Para o pesquisador do Centro de Jus- tiça Global, Marcelo Freixo, nada no Rio de Janeiro hoje é fato isolado. “Is- so não é uma simples disputa do tráfico de drogas, que é feito no âmbito internacional e mexe com bilhões de dólares. Essa é uma disputa do varejo da droga, coisa muito menor. Hoje todas as unidades prisionais do Rio es- tão divididas por facções e isso não nasce lá dentro, é apenas refletido lá. O mapa do Rio de Janeiro está completamente demarcado por essas fac- ções criminosas. A situação de Parada de Lucas e Vigário Geral apenas re- produz, mais uma vez, essa disputa.”
- Jaime Gonçalves – Disponível em http://www.vivafavela.com.br/default.asp
Os conflitos são muitos entre os grupos rivais e sempre com o obje- tivo de manter o território ou de expandi-lo. Esta disputa por mais ter- ritórios é vista em todos os grupos urbanos (as tribos urbanas, os pi- chadores, a prostituição masculina ou feminina, etc.), mas geralmente não é violenta.
O território do tráfico de drogas não se limita a algumas partes da cidade. As zonas de fronteira entre países também são territorializadas entre os traficantes e produtores de droga. O tráfico, nas últimas déca- das, segue modelos empresariais de atuação. Segundo o pesquisador Dalcy Fontanive (In: ARCHONTAKIS e BRAGA, 2004), “Ele está arma- do das tecnologias e conhecimentos que toda empresa e toda grande organização precisam para se manterem”. Que conhecimentos são es- tes que as empresas devem ter para se manterem?
A população dos bairros, vilas ou favelas que compõe o território do tráfico, muito freqüentemente, sofre com a falta de infra-estrutura, como: escolas, água encanada, energia elétrica, etc. Esta ausência do Estado permitiu ao traficante uma relação de ajuda a esta população. O que o Estado não faz os traficantes fazem. Assim, estes ajudavam os moradores e os moradores “não os viam”. Mas esta relação tem se alte- rado nos últimos anos. O silêncio dos moradores tem sido obtido pelo medo. Para saber mais detalhes sobre este tema, assista ao filme “Cida- de de Deus”. (Veja o quadro 08).
Como a idéia de tráfico de dro- gas está muito ligada à cidade do Rio de Janeiro, a favela também so- fre do mesmo preconceito. É pre- ciso lembrar que nenhum destes espaços é território exclusivo do tráfico, ou seja, estes espaços não são dominados em sua totalidade pelo tráfico, nem o tráfico ocorre somente nestes espaços.
O termo “favela” surgiu para identificar uma forma de habitação popular construída nas encostas do Rio de Janeiro, ainda no final do século XIX, por uma população majoritariamente composta de ex-escravos que antes viviam nos cortiços existentes em áreas ao redor do centro da cidade. Originalmente, a palavra favela foi utilizada como apelido do Morro da Providência, no Rio de Janeiro, que começou a ser ocupado para moradia por ex-combatentes da Guerra de Canudos, que teriam trazido da campanha uma planta chamada “favella”, muito comum em Canudos. (Leia mais sobre a formação das favelas do Rio de Janeiro no Folhas “Você produz ou consome espaço?”).
Hoje elas estão presentes nas maiores e nas menores cidades do Brasil. Para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o conceito adotado para favela é um aglomerado “sub-normal”, consti- tuído por um mínimo de 51 domicílios, que ocupa terreno de proprie- dade alheia e as construções ou arruamento estão dispostos de forma desordenada e bastante próximo (áreas adensadas), além da carência de serviços públicos essenciais.
As favelas são áreas de habitações irregulares, pois seus morado- res não possuem título de propriedade, a infra-estrutura (como água encanada e energia elétrica) é, muitas vezes, conseguida através dos gatos*. A área não possui arruamento pré-estabelecidos como em um loteamento regular.
O que um loteamento deve ter como infra-estrutura para ser consi- derado como regular (dentro da lei)?
Quais são os serviços públicos essenciais que toda área urbana de- ve ter? Eles estão presentes onde você vive?
Uma característica comum apontada por muitos pesquisadores é que estas áreas constituem “espaço de exclusão” social, resultado da “segregação espacial”.
Você se lembra como começou a conversa deste Folhas? Faláva- mos sobre a exclusão dos judeus e a segregação destes em um espaço. Retome a idéia inicial para responder estas perguntas.
Como você explica esta idéia de exclusão social e de segregação espacial? Por que os pesquisadores apontam estas características pa- ra as favelas?
Neste Folhas falamos de guetos, espaços privados, territórios flexí- veis, tribos urbanas, tráfico de droga e favelas. Isto é a mostra de co- mo o espaço urbano é fragmentado, dividido, repartido entre muitos elementos, que nem sempre se entendem, pois todos querem defen- der seu território.
GLOSSÁRIO
Apartheid: é uma palavra da língua inglesa que significa vida separada. Na África do Sul, em 1948, foi implantado um regime assim denominado, em que os brancos detinham o poder e os demais povos, em sua maioria ne- gros, eram obrigados a viver de acordo com regras que os impediam de cir- cular livremente ou eram excluídos do governo nacional e não podiam votar, exceto em eleições para instituições segregadas que não tinham poder.
Bairros étnicos: localidades onde há predomínio de uma etnia. Como exemplo, o bairro da Liberdade (japoneses) e do Bexiga (italianos), em São Paulo que conservaram esta característica até meados do século passado.
Condomínios fechados: podem ser classificados em dois tipos: os constituídos na forma de conjuntos de edifício, tipo vertical; ou os condo- mínios horizontais que são compostos de casas e contam com serviço de segurança coletiva.
Fronteiras: indica a margem do mundo habitado, extremo entre dois paí- ses ou regiões.
Gatos: ligações clandestinas na rede de água ou de energia elétrica.
Nazistas ou o “Nacional Socialismo” designa a política da ditadura que go- vernou a Alemanha de 1933 a 1945, o “Terceiro Reich”. O nazismo é fre- qüentemente associado ao uso da violência.
Referências Bibliográficas
ARCHONTAKIS, P.; BRAGA, D. Violência e narcotráfico: combinação ex- plosiva. Revista Momento UFF: Rio de Janeiro, n. 147, p. 6-7, 2004.
GOMES, P. C. da C.. A condição Urbana: ensaios de Geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
MATOS, R.; RIBEIROS, M. Território da prostituição nos espaços públicos da área central do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro v. 59, n.1, p.23-26, 2005.
SOUZA, M. J. L. de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, I. E., GOMES, P e CORRÊA, R (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
Documentos Consultados ONLINE
FIGUEIREDO, M. da P. C. de. As territorialidades de meninos e meninas de rua na imprensa. Disponível em: http://www.igeo.uerj.br/VICBG-2004/ Eixo5/e5%20157.htm. Acesso em setembro 2005.
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WACQUANT, L. Que é gueto? Construindo um conceito sociológico. Rev. Sociologia Política. No 23 Curitiba Nov. 2004. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782004000200014&script=sci_arttext &tlng=pt. Acesso em 10 setembro. 2005.
www.vivafavela.com.br/default.asp. Acesso em: set 2005.
Ensino Médio
50 Dimensão Política do Espaço Geográfico
Geografia
3
A UNIÃO FAZ A… ?
- André Aparecido Alflen1
união faz a força?
Você concorda com a frase acima? Unidos realmente venceremos?
Uma das estratégias utilizadas pelas empresas e pelos países para vencer, no período da glo-
balização, foi esta. As empresas através da fusão e os países através da formação dos blocos econômicos e políticos.
Mas, por que a globalização exige esta estratégia?
1Colégio Estadual Vinícius de Moraes – Campo Mourão – PR
A União Faz A… ? 51
Estudiosos do processo de globalização, entusiastas do livre merca- do, afirmam que a abertura da economia seria a solução para aumen- tar o bem-estar social das populações dos países pobres e dos povos de um modo em geral. Por outro lado, há quem afirme justamente o oposto, ou seja, o fortalecimento dos Estados e o controle das impor- tações como forma de aumentar o bem-estar social.
Quando se fala em globalização, logo se pensa na economia, no comércio mundial e na indústria articulada com grandes conglomera- dos econômicos. Mas a globalização é mais do que isso. (Veja o Folhas “Dinheiro traz felicidade?”).
Você já deve ter assistido a filmes dos estúdios Disney, da Warner Bros, entre outros exemplos da indústria cultural. Deve ter visto ou consumido em uma lanchonete da rede McDonald’s. A mídia mundial, através da música, espetáculos, filmes, divulga hábitos, moda, costu- mes que vão sendo assimilados por pessoas de várias partes do plane- ta, mudando padrões de comportamento, hábitos culturais, entre ou- tros. (Dê uma olhada no Folhas “A gente se vê no shopping?”).
Diante disso, não seria o caso de questionarmos se o processo de globalização altera as identidades culturais dos povos? Estaríamos diante de uma cultura global? Será que a cultura global também não está a serviço do mercado, objetivando apenas a comercialização dos seus produtos?
A globalização acaba divulgando por todo o mundo o modo de vida e de consumo que atende aos interesses do modo capitalista de produção. Como sabemos, o padrão de consumo nos Estados Uni- dos, nos países da Europa Ocidental, no Japão e na Austrália é bas- tante elevado.
Mas, quando começou a globalização? Não existe consenso quan- to à origem deste fenômeno. Para muitos pensadores, a origem des- se processo se encontra na expansão marítima européia a partir do século XV, também chamada de Grandes Navegações, a qual seria motivada principalmente pela crise do feudalismo e pelo surgimen- to do capitalismo, cujos interesses obrigaram alguns povos europeus a intensificarem a atividade comercial com outras regiões do globo, fora da Europa.
Outros pensadores afirmam que somente a partir da consolidação do capitalismo como sistema sócio-econômico com seus avanços téc- nicos na produção e circulação das mercadorias é que as condições para a mundialização da economia teriam se efetivado. Para estes, a globalização iniciou no século XIX, e não no século XV. E para você, quando iniciou a globalização? Qual é a sua opinião?
O fato é que foi com o capitalismo que se estabeleceram as bases para o processo de mundialização da economia. Esse processo se in- tensificou a partir do fim da segunda guerra mundial, principalmente com o surgimento das empresas multinacionais, cujas matrizes estavam em países desenvolvidos e as filiais espalhavam-se por outros lugares do planeta. A partir da década de 70, esse fenômeno acelerou-se com a introdução das novas tecnologias da informação e da produção (ve- ja o Folhas “A indústria já era?”).
As novas tecnologias contribuíram para a rapidez da produção e da circulação de mercadorias por todo o mundo, característica atual da globalização. No entanto, isso não seria plenamente possível se não fosse pela ação dos países desenvolvidos que, através da ideologia neoliberal, propagam a abertura da economia como solução para o desenvolvimento econômico dos países pobres e, com ela, a melhoria do bem-estar social das populações de todo o mundo. Mas será que isso é verdade?
As políticas neoliberais adotadas em vários países do Sul, sob a orien- tação ou imposição do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), não se traduziram em bem- estar social de suas populações, pelo contrário, aumentou-se o desem- prego, houve perdas salariais e problemas sociais de toda ordem.
Embora a abertura da economia, no caso do Brasil, tenha propor- cionado uma modernização tecnológica em alguns setores da econo- mia, tornando-os parte do mercado internacional, isso não se traduziu em melhoria para a população, pois os índices de desemprego conti- nuam altos, e a situação social também não foi alterada.
A modernização tecnológica não é o único fator da concorrência global, as empresas que não se modernizarem para enfrentar a con- corrência mundial poderão ter sérios prejuízos ou ir á falência. (Ver Folhas “A indústria já era?”).
A competição, entre os trabalhadores, torna-se mais acirrada, exi- gindo maior qualificação e atualização constante para se manter no mercado de trabalho. O desemprego é um dos principais problemas da economia globalizada, atingindo milhares de trabalhadores em to- do o mundo e não apenas nos países pobres ou do sul.
O que estaria levando ao aumento do desemprego tanto nos países po- bres como nos ricos? E, afinal, o que a Geografia com o seu objeto de estu- do, o espaço geográfico, tem a ver com isso? Debata com seus colegas.
Não só as empresas buscaram novas estratégias para viverem e vencerem no mundo globalizado, mas os países e seus governos tam- bém tiveram que buscá-las.
Observa-se que há um esforço em ampliar ainda mais o processo de globalização através de acordos internacionais que buscam eliminar ta- rifas sobre importação e exportação e outros entraves econômicos para a livre circulação de mercadorias e capitais por todo o mundo; aliado a isto, verifica-se uma tendência de regionalização do espaço geográfico mundial. Essa regionalização se dá através da formação de blocos eco- nômicos, o que se constitui numa estratégia dos Estados Nacionais para enfrentar a dinâmica de uma economia mundializada.
Atualmente existem blocos econômicos organizados e alguns em forma-
ção, destacando, em termos de poder econô- mico e político, três grandes mercados re- gionais: União Européia, Nafta (North American Free Trade Agreement)
e a Bacia do Pacífico.
Observe no mapa os de- mais blocos econômicos exis- tentes ou em formação. Faça uma pesquisa e elabore uma tabela com os países mem- bros de cada bloco e com da- dos econômicos sobre eles. Depois, verifique quais blo- cos têm mais condições de sobreviver neste mundo glo- balizado.
Mapa 1 – Blocos Econômicos
Escala aprox. 1 : 270 000 000
A nova ordem internacional que se configura na existência dos grandes blocos de poder emerge após o fim da Guerra Fria, em 1989; entretanto o embrião da União Européia é bem anterior, como vere- mos a seguir.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1945, o equi- líbrio multipolar que existia entre os países europeus (França, Inglater- ra, Áustria-Hungria e Itália) cedeu lugar a uma nova configuração geo- política mundial baseada no confronto bipolar entre Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
A ordem que emerge do pós-guerra é a de um mundo dividido em dois blocos rivais: o bloco capitalista, formado pelos Estados Unidos e pelos países que se submeteram a sua liderança, tornando-se assim área de influência americana e o bloco dos países socialistas, liderado pela URSS e sob sua influência. O conflito político e econômico entre os dois blocos deu origem à Guerra Fria (veja detalhes no quadro 3).
A Europa Ocidental, neste contexto, tornou-se área de influência dos EUA e um dos territórios onde mais se tencionava o conflito leste oeste, entre socialismo e capitalismo. Recebeu dos EUA vultosos re- cursos (Plano Marshal) para sua reconstrução e recuperação econômi- ca, com o objetivo de evitar uma conversão ao socialismo estatizante como solução para os problemas econômicos e sociais do pós-guerra.
Foi no contexto, de Guerra Fria, que surgiu a idéia da formação de um bloco econômico europeu a partir da criação da Comunidade do Carvão e do Aço, CECA, tratado assinado em 1951, que tinha como ob- jetivo principal evitar futuras rivalidades entre França e Alemanha.
A idéia de uma exploração conjunta dos minérios situados em ter- ritórios da Alemanha e da França poderia evitar novos confrontos bé- licos entre as duas potências. Deste acordo inicial, envolvendo Fran- ça, Alemanha, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, surgiram outros tratados, como o Tratado de Roma, em 1957, que deu origem à Comunidade Econômica Européia. Muitos outros tratados e acordos foram concebidos e adotados até o tratado de Maastricht, em 1992, que criou a figura jurídica da União Européia.
A UNIÃO EUROPÉIA – UE
O tratado da União Européia surge como estratégia de fortalecimento político e econômico
em contraposição a hegemonia dos EUA. A União Européia, em ter-
mos de blocos econômicos, é
uma das organizações regio- nais que mais avançou, pois não se limitou à circulação de mercadorias e capitais. Serviços e pessoas podem circular livre- mente, podendo os trabalha- dores se empregar em outros países, gozando de uma legis- lação trabalhista única para to- do o bloco. Sua organização econômica inclui a adoção de uma moeda única utilizada por
Mapa 2 – União Européia
doze países, dos vinte e cinco que constituem atualmente o bloco euro- peu. Isto apresenta algumas vantagens, por exemplo, a necessidade de manter as conta equilibradas, controle da inflação, entre outros.
A idéia de uma “Europa Unida” dá impressão que existe uma cer- ta uniformidade econômica e social entre os países que a compõem, mas isto não corresponde à realidade. Os doze países que adotaram o Euro como moeda fazem parte de um grupo de países que apresen- tam um Produto Interno Bruto (PIB) mais elevado, constituindo o nú- cleo da UE. Dentre esses países podemos destacar França, Alemanha e Itália, que lideraram o processo de formação deste bloco e desempe- nham um relevante papel neste processo.
Outra característica que diferencia a União Européia dos outros blo- cos é a existência de fundo comunitário de desenvolvimentos para os países menos desenvolvidos, buscando a sua equiparação econômica. Esse fundo é direcionado para as regiões com Produto Interno Bruto (PIB) inferior a média da União Européia, as chamadas zonas depri- midas. Apesar disso, o desemprego continua aumentando na Europa. Como isso se explica?
A União Européia também possui uma política agrícola comum que consome grande parte do fundo comunitário de desenvolvimento europeu. Essa política de proteção agrícola, que muitas vezes se dá através de subsídios, tem gerado inúmeros protestos por parte dos países que são grandes exportadores agrícolas, como o Brasil e a Argentina. Leia o quadro 4.
Mas que problemas os subsídios agrícolas europeus podem cau- sar e causam para a agricultura do Brasil? Eles podem afetar a sua alimentação?
A maioria das nações da Europa Ocidental desenvolveu, no perí- odo pós-guerra, uma ampla rede de proteção social aos trabalhado- res, como previdência social, seguro desemprego, melhoria do poder aquisitivo, manutenção dos empregos e outros benefícios, que ficou conhecida como política do Estado de Bem-Estar Social. Pesquise so- bre essa política e caracterize o papel que o Estado assumiu durante o período em que ela estava vigente.
Nesta economia global com suas estratégias para aumentar a lu- cratividade, torna-se praticamente impossível para os países europeus manterem a política de Bem-Estar Social, construída durante a Ordem da Guerra Fria.
Entre os projetos futuros da União Européia, está a formação de uma união política ainda indefinida. Será que a União Européia se transformará em um único Estado Nacional? As nações européias acei- tariam abrir mão de sua soberania em favor de um super Estado?
Como ficariam, neste processo, os movimentos separatistas que lu- tam para conseguir independência e construir sua autonomia como Es- tado Nacional? Poderiam dificultar a formação de União Política Euro- péia? (Veja o Folhas “Nada a ver? Tudo a ver!”).
O NAFTA
Outro bloco econômico importante na atualidade é o NAFTA (North America Free Trade Agreement) ou Acordo de Livre Comércio da Amé- rica do Norte. O NAFTA surgiu em 1991 como estratégia dos EUA para manter sua hegemonia sobre o continente Americano, que com o fim da Guerra Fria poderia se tornar área de influência dos novos centros de poder que estavam surgindo, como a U.E e o Japão – que emergia como potência econômica.
Para os EUA, o NAFTA significa ampliação das exportações para os países do bloco, além da possibilidade de ampliar sua influência sobre o continente americano, pretensão, aliás, que não é nova.
Cite alguns países da América onde a interferência norte-americana é maior.
O NAFTA prevê apenas a livre circulação de mercadorias e capi- tais, estabelecendo diversas salvaguardas para alguns produtos. Não está nos planos uma integração nos moldes da União Européia, como a ajuda econômica a países menos desenvolvidos, integração monetá- ria, entre outros.
A formação do NAFTA foi comemorada como solução para o desen- volvimento econômico do México, o que não tem se concretizado na prá- tica (veja mais sobre este tema no Folhas “Dinheiro traz felicidade?”). Se as exportações Mexicanas aumentaram consideravelmente para os EUA, as importações deste também aumentaram numa proporção bem maior, principalmente no setor alimentício e automotivo.
A agricultura mexicana, principalmente a camponesa, é o setor que mais enfrenta dificuldades devido aos subsídios empregados na agri- cultura dos EUA. Lembra-se dos subsídios fornecidos pelos Europeus aos seus agricultores?
O tratado do NAFTA ampliou, com certeza, os fluxos econômicos nesta região, mas no caso do México não tem produzido o tão pro- palado desenvolvimento econômico e social. A integração econômica não gerou empregos como se pregava na época do acordo. Pesquisas revelam que o número de pobres aumentou, estando hoje próximo a 50% da população e aproximadamente 19 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza.
Não foi somente o trabalhador mexicano que perdeu. Com o objetivo de diminuir os custos da produção, empresas industriais foram transferidas para o México, onde a mão-de-obra é mais barata, eliminando muitos postos de trabalho nos Estados Unidos.
Além disso, para o México, aumentou a dependência do merca- do americano. Antes os mexicanos tinham um comércio internacional mais diversificado. Na atualidade, mais de 70% das transações comer- ciais são realizadas com os EUA.
O Bloco do Pacífico
O Bloco do Pacífico começou a se caracterizar a partir da década de 80, quando o Japão começou a direcionar seus investimentos para os Tigres Asiáticos como estratégia para diminuir seus custos de pro- dução, haja vista, que sua economia crescera muito, os salários dos tra- balhadores tiveram melhoras e sua moeda se valorizou em relação ao dólar, aumentando assim seus custos de produção.
Atualmente esse redirecionamento não ocorre simplesmente como estratégia de redução de custos, mas como estratégia de fortalecimento da economia regional diante da reorganização da economia mundial e do fortalecimento político perante os outros blocos de poder.
A APEC (Asia Pacific Economic Cooperation) é um bloco bem dife- rente quando se trata da proximidade física entre os países que o com- põem. Engloba países da Ásia, América e Oceania.
A APEC tem, atualmente, 21 membros, que são: Austrália; Brunei Darussalam; Canadá; Chile; China; Hong Kong; Indonésia; Japão; Re- pública da Coréia; Malásia; México; Nova Zelândia; Papua New Gui- nea; Peru; Filipinas; Rússia; Cingapura; Chinese Taipei; Tailândia; Esta- dos Unidos da América; Vietnã.
Outro dado que diferencia a região da Bacia do Pacífico, é o fato desse mercado regional não ser constituído formalmente por nenhum acordo de livre comércio ou de outro tipo. A designação de bloco eco- nômico se deve ao fato de que nas últimas décadas vem ocorrendo, de forma surpreendente, um direcionamento dos investimentos e das re- lações comerciais entre os países desta região. Entre seus integrantes destacam-se o Japão, a China e os Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, Sin- gapura, Hong Kong e Taiwan), além da Austrália e da Nova Zelândia.
Após a Segunda Guerra, o Japão, por sua localização estratégica em relação ao mundo soviético, recebeu alguns benefícios, como não precisar pagar indenizações de guerra. Foi, no entanto, proibido de se militarizar, ficando sua proteção sob o comando da OTAN (Aliança
do Tratado do Atlântico Norte). Dentro da estratégia da Guerra Fria de contenção do socialismo, recebeu ainda investimentos dos EUA com o objetivo de recuperar sua economia e seu desenvolvimento.
Esse contexto foi favorável ao Japão, mas o seu crescimento se deve também a fatores internos, além da ajuda econômica externa. Os baixos salários, os sindicatos controlados pelo Estado e atrelados as empresas tornaram sua economia mais competitiva. Os investi- mentos estatais na economia, na educação, no treinamento de mão- de-obra e a estabilidade do regime político japonês, aliados a outros fatores tornaram o Japão a grande potência econômica que emergiu a partir dos anos 80.
O mesmo raciocínio explica o surgimento dos Tigres Asiáticos – países que mais se desenvolveram economicamente nas décadas de 60 e 70. Entre os fatores que podem explicar a nova condição desses países es- tão os baixos salários, ausência de uma política de proteção social aos trabalhadores e os pesados investimentos realizados pelos estados em suas economias. Também não podemos esquecer dos investimentos externos de países capitalistas como estratégia geopolítica de conten- ção do socialismo vindo da URSS. Lembra-se da Guerra Fria tratada an- teriormente? Qual a relação dela com este fato?
A estratégia de fortalecer o comércio regional promoveu uma ver- dadeira reorganização dos fluxos comerciais desse bloco, aumentan- do de forma expressiva o comércio ente os países asiáticos. O volume de negócios realizados entre os países asiáticos teve um acréscimo de aproximadamente 140% no período de 1992 a 2002.
O Japão, devido ao seu desenvolvimento econômico e sua estra- tégia de direcionar boa parte dos seus investimentos para o interior dessa região, coloca-se como principal liderança de bloco econômi- co, rivalizando em termos econômicos com os paises da U.E. e com os Estados Unidos. No entanto, a economia japonesa também vem en- contrando dificuldades de manter um padrão elevado de vida de sua população. O desemprego vem aumentando e a estabilidade no em- prego, característica de sua economia, está desaparecendo.
Na Região da Ásia, a China vem se destacando como o país que mais cresce em termos de desenvolvimento econômico, apesar de ter recentemente diminuído o seu ritmo de crescimento, sua economia desponta entre as maiores do mundo. O crescimento chinês aparen- temente se explica pelo fato da China combinar uma economia forte- mente estatal com uma abertura econômica que possibilita investimen- tos privados, principalmente investimentos externos. Outros fatores, como um grande mercado consumidor e mão-de-obra abundante e ba- rata, também contribuem para esse crescimento. Apesar disso, enfren- ta graves problemas sociais e ambientais. (Leia sobre as minas de car- vão da China no Folhas “Pare de sonhar com um carro!”)
Essa organização do espaço geográfico mundial em blocos eco- nômicos, característica do processo de globalização, não tem altera- do uma realidade mundial, talvez a tenha camuflado. Enquanto a ati- vidade comercial e financeira se intensifica entre os principais blocos econômicos e suas potências econômicas, os países pobres não conse- guem ou não possuem recursos para o seu desenvolvimento. A popu- lação desses países pobres representa a grande maioria da população mundial, em torno de 75%, mas a distribuição da riqueza mundial não ocorre na mesma proporção, cabendo a essas populações algo em tor- no de 20% da riqueza mundial. Esses países geralmente não possuem o domínio de tecnologia de ponta e de pesquisas, o que dificulta ain- da mais o seu desenvolvimento econômico.
O cenário geopolítico no século XXI se configura na existência de três grandes blocos econômicos que teoricamente dividiriam o poder político e econômico do Mundo Globalizado. Mas esse jogo de poder não está tão definido assim e não podemos esquecer de que esse pro- cesso é dinâmico, está em constante transformação, o que pode levar a novas configurações geopolíticas.
Obras Consultadas
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GONÇALVES, R. et all. A Nova Economia Internacional: uma perspectiva Brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1988.
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Documentos Consultados ONLINE
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Ensino Médio
66 Dimensão Política do Espaço Geográfico
Geografia
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A ÁGUA TEM FUTURO?
- Leda Maria Corrêa Moura1
ocê acha que suas ações podem minimizar o proble- ma de falta de água? Acredita que os países com abundância
de recursos hídricos podem se so- bressair econômica e politicamente?
1Colégio Estadual Euzébio da Mota – Curitiba – PR
A Água Tem Futuro? 67
Nos últimos anos, a água tem estado em pauta. Fala-se da falta de chuvas e das conseqüências disso: danos à agricultura, racionamento de energia elétrica, implementação de campanhas para economizar o recurso nos diversos setores; fala-se das possibilidades de irrigação e, no Brasil, da transposição do rio São Francisco. Fala-se das águas con- taminadas por produtos agrícolas; fala-se da poluição das águas devido aos resíduos urbanos – residenciais e industriais; fala-se do derretimen- to das calotas polares e do conseqüente aumento do nível do mar; fala- se do futuro, sem água, que nos espera; fala-se do Aqüífero Guarani.
Apesar de existir bastante água no planeta, sua distribuição é bastan- te desigual: há regiões onde a água é abundante, como a região amazô- nica; há outras extremamente secas, como o deserto do Atacama/Chile. Observe nos gráficos 01 e 02 a distribuição da água no planeta.
Analisando estes dados, você acredita que, no futuro, faltará água potável? Você acha que suas ações podem minimizar este problema? Acredita que os países com abundância de recursos hídricos podem se sobressair econômica e politicamente?
A água é um recurso renovável, isto é, ela autopurifica-se num processo chamado ciclo hidrológico ou ciclo das águas. Você já es- tudou isso; para lembrar-se do processo, pesquise e enumere as fa- ses do ciclo d’água.
A quantidade de água no ciclo é sempre a mesma (cerca de 1.386 milhão de Km3), este volume d’água é uma constante no planeta há, aproximadamente, 500 milhões de anos. As alterações percebidas por nós são relativas às regiões. Por exemplo, uma região apresenta perío- dos chuvosos e secos devido a diversos fatores – climáticos, topográfi- cos – mas a água que não está em determinada região em períodos de seca, está em algum outro lugar. Leia o quadro 01 e reflita.
O consumo de água pela população é variável de acordo com há- bitos, costumes, disponibilidade do recurso e desenvolvimento da re- gião. O abastecimento de água para a população é um indicador de
qualidade de vida. Pode-se classificar o consumo de água por setores: o setor doméstico é o que menos consome água, sendo responsável por 10% do total; seguido do setor industrial, que responde por 21% do consumo; e, o grande consumidor é o setor agrícola, com 69% do total consumido no planeta.
Segundo Borghetti (2004, p. 82), “quanto maior o nível de desenvolvi- mento do país, maior é o consumo de água no setor doméstico”. Você poderia explicar por que isto ocorre? Lembre-se que é considerado se- tor doméstico o consumo de água para alimentação, uso sanitário e os serviços urbanos municipais como hospitais e creches.
A água é um recurso dotado de valor econômico e permite a produ- ção de outros recursos e/ou bens. É utilizada para: produção de energia elétrica (veja Folhas “Pare de sonhar com um carro!”); abastecimento in- dustrial; irrigação de plantações; transporte; pesca/piscicultura; turismo/ lazer e, ainda tem uso terapêutico. Alguns autores diferenciam água de recurso hídrico. Chama-se água o elemento físico-químico, essencial à vida, e disponível na natureza; já, o recurso hídrico, é a água vista como bem econômico, dotado de valor financeiro.
Todos os usos da água provocam, também, efeitos negativos, que podem ser minimizados a partir de ações conscientes. Será que a desa- celeração do modo de produção capitalista pode reverter estes efeitos?
Leia, a seguir, as diversas possibilidades de uso da água e alguns efeitos causados por cada um deles:
Abastecimento urbano: possibilita à produção de esgotos que, por sua vez, provocam poluição orgânica e química. “No Brasil, o lançamento de lixos domésticos e industriais sem tratamento nos cursos de água fi- gura como a principal causa de degradação das águas” (Cláudio Langone, Mi- nistério do Meio Ambiente, no IV Fórum Mundial das Águas);
Processo industrial: gera resíduos que provocam poluição orgânica e química, muitas vezes com alto grau de toxidade; o desperdício também é um fator significativo nas atividades industriais, princi- palmente devido ao não reuso da água.
Produção de energia elétrica: causa danos ambientais, sociais e econômi- cos, devido à formação do lago e a conseqüente necessidade de emigra- ção das pessoas e fim da produção agrícola e pecuária ali existente.
Irrigação e criação de animais nas proximidades de rios: provocam per- das e poluição por agroquímicos utilizados nas lavouras e por deje- tos orgânicos. Sobre este assunto, você pode ler o Folhas “Você to- ma veneno?”.
Hidrovias: apesar de ser o meio de transporte de menor impacto ambiental, pode poluir por derrame de óleos combustíveis e/ou derramamento das cargas transportadas, principalmente se forem tóxicas.
Turismo/lazer e uso terapêutico (explorações econômicas em estân- cias hidrominerais, águas termais, praias doces): aparentemente inofensivas, produzem grande quantidade de lixo.
Além de seu intenso uso, a água é, também, fonte de inspiração e aparece cantada em verso, prosa e notas musicais há muito tempo. Co- mo exemplo, podemos citar diversas canções nas quais a água – ou sua forma de aparecer – é a personagem principal: a valsa “Danúbio Azul” (1867), de Johan Strauss II (1825-1899); a axé music, muito can- tada no carnaval, “Água Mineral”, de Carlinhos Brown; a canção da MPB “Águas de Março” (1972), de Tom Jobim (1927-1994); a MPB “Pla- neta Água” (1980), de Guilherme Arantes.
As canções citadas são de diversos gêneros, isto é, fazem parte de categorias dentro de um mesmo estilo ou têm alguns elementos em co- mum – melodia, harmonia, ritmo, timbre, forma, tessitura. Os gêneros podem ser definidos geograficamente (música indiana, por exemplo); cronologicamente (música renascentista); ou por apresentarem carac- terísticas técnicas em comum.
O site “Clique música: a música brasileira está aqui”, que pode ser acessado por meio do endereço http://cliquemusic.uol.com.br/br/home/ home.asp, relaciona os seguintes gêneros musicais:
axé música; baião; bossa nova; brega;
b-rock coco; choro; forró;
lundu; frevo;
jovem guarda; mangue beat; maracatu; marcha-rancho; marchinha; maxixe; modinha;
música caipira; pagode; partido-alto; polca;
punk; quadrilha; rap; repente;
samba;
samba de breque; samba-canção; samba-enredo; samba rock; soul brasileiro; tropicalismo; valsa; vanguarda
Isso não significa que não existam outros, pois os estilos musicais, ao entrarem em contato entre si, produzem novos estilos e as culturas se misturam para produzir novos gêneros.
Alguns artistas utilizam os sons produzidos com a água em suas com- posições. É o caso de Hermeto Pascoal, músico alagoano que, além de tocar diversos instrumentos, produz sons harmoniosos a partir de ob- jetos, entre outras coisas. Em entrevista concedida a Christiane Duarte, Daniel Lima e Oswaldo Schlickmann Filho, em 1999, e publicada no site construído por eles (disponível em: http://www.geocities.com/hermeto- paschoal/index2.htm), ele declara: “Eu toco inclusive este aqui (mostra um copo com água) que é instrumento que eu toco muito no disco […]”, referindo-se ao CD “Eu e Eles”, lançado naquele ano.
Por conta da essencialidade da água, ela atrai, onde quer que es- teja, investimentos de muitos países. Apesar de a água ser um bem de uso comum do povo, muitas são as empresas a beneficiarem-se com seu manejo. Deste modo, países do mundo todo têm privatizado a ex- ploração e distribuição de água para a população. No Brasil, diversas cidades privatizaram este serviço, a primeira delas foi Limeira, no inte- rior de São Paulo, que, desde 1995, tem os serviços operados pela em- presa francesa Lyonnaise des Eaux, uma das três empresas que con- trolam 40% do mercado mundial de água em cerca de 100 países. As outras empresas são: Veolia e Saur, também francesas.
A privatização tem tornado os serviços mais caros e com qualidade duvidosa. Em diversos países têm ocorrido movimentos populares no sentido de tornar a água um recurso de manejo estatal. Na França, as privatizações municipais se deram na década de 80 do século XX; nes- te início de século, elas estão sendo revistas e muitas concessões estão
sendo canceladas. No Uruguai, houve plebiscito que garantiu a água como bem de domínio público e, por isso, deve ser gerida pelo Esta- do (2004); na Bolívia, houve rescisão do contrato de prestação de ser- viços após protestos da população (2005).
Muitas ações vêm acontecendo no sentido de garantir a gestão públi- ca da água e sua distribuição a baixo custo. Entre elas está a realização do Fórum Mundial de Águas, que está na sua quarta versão. Segundo seus organizadores, o principal propósito do evento é definir caminhos adequados para que seja garantida a distribuição universal e sustentável do recurso. Observe, no quadro 2, a cronologia do evento.
De acordo com diversas pesquisas, a água está tornando-se um recur- so cada vez mais escasso e, justamente por isso, seu manejo vem sendo objeto de interesses econômicos e políticos. Em 2002, o documento da ONU denominado “Desafio Global, Oportunidade Global” apresenta in- formações como: 40% da população mundial tem dificuldade em conse- guir água potável; 2,2 milhões de pessoas morrem, por ano, por bebe- rem água contaminada; em 2025 serão 4 bilhões de pessoas sem acesso a água. Partindo dos números apresentados pela ONU, podemos afirmar que o controle do uso da água significa deter o poder?
Se voltarmos ao início deste Folhas, veremos que 22,4% da água dis- ponível no planeta está abaixo da superfície. Ou seja, há mais água no sub-solo do que em rios e lagos. “Os terrenos ou formações geológi- cas que armazenam águas subterrâneas são chamados aqüíferos” (ROCHA, 2002, p. 25). Segundo Scotti (2005), a Unesco apresenta registros a respeito do uso das águas subterrâneas e dos problemas decorrentes da má uti- lização destas reservas. Os aqüíferos variam de tamanho e de profun- didade. Entre os mais importantes do mundo está o Aqüífero Guarani ou Sistema Aqüífero Guarani (SAG), que ocupa 1,2 milhões de km2 nos territórios argentino, brasileiro, paraguaio e uruguaio. Da área total do aqüífero, a maior parte está localizada em território brasileiro – cerca de
840.000 km2. Abrange parte das seguintes unidades da federação: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Veja na Figura 3 a localização do Aqüífero Guarani. São 45 trilhões de m³ de água que, segundo Scotti (2005), necessitam de mais pesquisas a respeito de sua qualidade.
Mapa esquemático do Aqüífero Guarani
- Fonte: Modificado de CAS/SRH/MMA (2001) por Boscardin Borghetti et (2004)
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai vêm discutindo, na Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul (Mercado Comum do Sul), questões referentes ao aqüífero e seu manejo.
Em outubro de 2004 foi realizado o Seminário Internacional Aqüí- fero Guarani “Gestão e Controle Social”, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná. Participaram do evento membros da Comissão Parlamen- tar Conjunta, representantes dos Governos dos quatro países, de movi- mentos populares e de ONG’s que lidam com a problemática do meio ambiente e da água, e de universidades e centros de pesquisa. Neste evento foi redigida a “Carta de Foz do Iguaçu sobre o Aqüífero Guara- ni”, documento em que os participantes declararam:
Que a reserva de água subterrânea estocada no Aqüífero Guarani, compro- vadamente um dos maiores sistemas aqüíferos do mundo, estendendo-se pelos territórios do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, indiscu- tivelmente uma das maiores riquezas naturais da Região do Cone Sul, seja declarado bem público do povo de cada Estado soberano onde a reserva se localiza, e que seja protegido pelos governos e populações para que possam, estratégica e racionalmente, auferir os benefícios comuns, indispensáveis pa- ra a sobrevivência futura. (Carta de Foz do Iguaçu, 2005.)
Lendo este trecho da Carta, você pode per- ceber preocupações com a proteção do aqüífe- ro bem como a explicitação de que os Estados- Nação onde ele se localiza são soberanos. Foi instituído em 2004, o Conselho Mercado Co- mum para “elaborar um projeto de Acordo dos Estados Partes do Mercosul relativo ao Aqüífe- ro Guarani que consagre os princípios e crité- rios que melhor garantam seus direitos sobre o recurso águas subterrâneas, como Estados e na sub-região”. O Conselho ainda não concluiu sua tarefa, mas, dentre os parâmetros que bali- zam a construção do projeto está o princípio da soberania dos Estados.
A maioria das pessoas acredita que, atualmente, não existem pro- blemas de sobrerania; ou que, quando eles acontecem, são conflitos distantes de nós e não nos dizem respeito. Porém, diversas ações con- temporâneas, por parte de diversas nações, ferem a sobrerania de ou- tras e, tais ações têm conseqüências em todo o mundo.
A água sempre foi causadora de conflitos. Seja devido ao uso pa- ra navegação, seja para abastecimento da população, seja para a pro- dução de energia…
No Brasil, por exemplo, parte da ocupação territorial deu-se por meio dos rios. Os conflitos de nosso país com os países vizinhos, hoje
parceiros no Mercosul, deram-se devido à bacia do Prata, que engloba um dos principais sistemas hidroviários do mundo, do qual o rio Para- ná é o principal formador. Lembre-se, também, de que o Paraguai não tem litoral e que o rio Paraná é seu acesso natural ao oceano.
Ainda em se tratando de acesso, o Canal do Panamá é outro exem- plo de conflito. O Panamá fica no istmo que liga América do Norte à América do Sul, separa o Oceano Atlântico do Pacífico e, até o iní- cio do século XX, era território colombiano. O canal foi iniciado pe- los franceses, em 1880, com o intuito de ligar os dois oceanos e, com isso, reduzir distâncias, o que favorecia a consolidação do capitalis- mo industrial, por meio da troca comercial entre países industrializa- dos e países não-industrializados. Devido a diversos fatores, os fran- ceses abandonaram o projeto. Os Estados Unidos, considerando que o domínio do canal seria de grande importância econômica, militar e política, fizeram contato com a Colômbia para terminar o projeto; como o acordo EUA-Colômbia não foi aprovado pelo parlamento co- lombiano, os EUA apoiaram o movimento panamenho de indepen- dência (1903), terminaram o canal e tiveram domínio sobre a Zona do Canal até 1999.
Pesquise a respeito do Canal do Panamá: busque saber sobre os conflitos que envolveram este ponto geo-estratégico.
Com relação à escassez de água, também existiram e ainda existem diversos conflitos no mundo. Confira alguns na tabela 1.
TABELA 1
Principais conflitos mundiais por posse de água na atualidade | |
Países | Objetos das disputas |
Israel X Palestina e Jordânia | Águas do rio Jordão. |
Egito X Sudão | Controle das vazões do rio Nilo. |
Turquia X Iraque e Síria | Controle das vazões dos rios Tigre e Eufrates. |
Líbia X Chade | Exploração de aqüíferos no Saara Central. |
- Fonte:VIANNA, 2005, 351. (Adaptado.)
As afirmações relativas à escassez de água potável num futuro pró- ximo tornam este recurso natural objeto de cobiça. Evidentemente, pos- suir ou deter o poder sobre grandes mananciais é fator estratégico. Por isso, alguns pontos do planeta são zonas potenciais de conflito, por exemplo, EUA e Canadá – devido a região dos Grandes Lagos e rios compartilhados; e países da ex-Iuguslávia – devido ao compartilhamen- to da bacia do rio Danúbio (o mesmo da valsa citada anteriormente).
Desde junho de 2005, existem preocupações com a soberania dos países do ConeSul. Isso porque Paraguai e EUA fizeram, segundo o go- verno paraguaio, um acordo militar de treinamento.
Em 27 de julho de 2005, a Folha de São Paulo publicou um artigo intitulado “Forças militares dos EUA podem intervir no Brasil, diz Fidel Castro”, o artigo refere-se a um discurso do ditador cubano onde de- monstra preocupação com uma possível intervenção dos EUA na Bo- lívia e no Brasil. Tal preocupação deu-se devido ao desembarque de soldados norte-americanos no Paraguai.
Em 25 de setembro de 2005, o jornal argentino Clarín publicou uma matéria com título “Marines en Paraguay: se reaviva el temor sobre los re- cursos naturales” com sub-título: “Aumentan las sospechas de que la pre- sencia militar está vinculada con el agua”, o texto trata da entrada dos militares estadunidenses no Paraguai, da imunidade total dada a eles e dos temores com relação ao Aqüífero Guarani que esta ação provocou.
O jornal O Globo, de 06 de janeiro de 2006, publicou artigo de Wal- demar Zveiter (Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça) inti- tulado “Os EUA e o Paraguai precisam se explicar”, no texto o autor tra- ta da importância da água, da situação estratégica daqueles que a detêm e do desembarque dos soldados norte-americanos no Paraguai:
[…] dados geográficos tornam claríssima a importância estratégica do aqüífero, tornando-se ainda mais relevante numa época em que cientistas sociais e geopolíticos alertam para a crescente importância da água no mundo. Bem acima do petróleo, para o qual já começam a ser encontradas alternativas, a água doce do planeta poderá se constituir, a partir dos próximos vinte anos, um motivo de disputas entre nações, levando-os até a guerra por seu domínio.
Cada um dos países do Mercosul que abrigam o Aqüífero Guarani são Estados-Nação. São soberanos, isto é, independentes, têm autono- mia sobre todo o seu território e tudo o que tem nele. Assim, cabe a estes países as decisões relativas à exploração e uso dos recursos na- turais que possuem.
Você acha procedentes as preocupações mencionadas anteriormen- te? Seria este o nosso futuro com relação à água?
Referências Bibliográficas
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Dimensão Cultural e Demográfica do Espaço Geográfico
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Você sabe o que é cultura? A palavra cultura pode apresentar vá- rios significados. No senso comum, está associada à formação aca- dêmica de uma pessoa, aos seus anos de estudo, sendo considerado culto quem possui formação em nível superior. Já quem não estudou ou estudou poucos anos, é considerada uma pessoa de pouca cultu- ra. Cultura é um conceito muito mais abrangente do que isso e não pode ser compreendido de maneira tão reduzida. Mas afinal, qual o interesse da Geografia pela cultura? Por que estamos propondo uma reflexão sobre esse conceito no livro de Geografia?
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Os estudos geográficos já nasceram marcados pelas características culturais dos povos e dos lugares. A Geografia Cultural surgiu no final do século XIX, junto com a Geografia Humana e dela nunca se afastou. Segundo Paul Claval, geógrafo francês, é possível destacar alguns mo- mentos marcantes do desenvolvimento da Geografia Cultural.
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Inicialmente os estudos culturais da Geografia voltavam-se para os aspectos materiais da cultura, tais como as técnicas, as paisagens e os gêneros de vida dos diferentes povos do planeta. Pode-se dizer que, naquele período, a Geografia Humana estava permeada pelos estudos culturais e que a abordagem cultural era marcada pela obje- tividade e pelo empirismo.
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Os estudos da Geografia do início do século XX apresentavam co- mo os diferentes grupos se adaptavam ao meio ambiente, aproveitan- do ou não as possibilidades oferecidas por ele. Estas possibilidades de aproveitamento vinculavam-se à dimensão cultural e social de ca- da povo, pois este poderia não perceber as oportunidades oferecidas pelo meio em função de seu “atraso” cultural e da organização social do grupo, necessitando conviver com outros povos para avançar cul- turalmente e socialmente.
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Esta forma de pensar a respeito de outras culturas serviu para jus- tificar a dominação européia sobre as colônias até meados do século
- Você acredita que existam povos atrasados culturalmente?
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Mais tarde a Geografia Cultural passou a considerar, em suas pes- quisas, as representações mentais, as imagens que os indivíduos, co- mo você, fazem dos lugares e como os percebem. Além disso, deixou de ser um subdomínio da Geografia Humana e tornou-se um campo de estudos específico da Geografia.
Consideramos que a cultura é um conjunto de idéias, hábitos, cren- ças e práticas sociais que organizam as relações sociais, políticas e eco- nômicas de um povo que, assim, produz paisagem e espaço geográfi- co. Por isso a cultura é importante para os estudos geográficos.
A partir da definição acima, você consegue descrever o que carac- teriza sua cultura? Ou seja, quais são as idéias, hábitos, crenças e práti- cas sociais que compõem a sua cultura? Como estes elementos tomam forma na sociedade, na paisagem e no espaço onde você vive?
É preciso destacar, no entanto, que os estudos culturais em Geo- grafia, assim como todos os estudos geográficos, devem oportunizar análises críticas do espaço geográfico. Por isso não devemos confundir os estudos culturais em Geografia com meras descrições de paisagens exóticas ou de povos com costumes sociais e religiosos diferentes dos nossos. A relação entre cultura e produção do espaço geográfico (ob- jeto de estudo/ensino da Geografia) deve ser considerada sem que se perca de vista os aspectos históricos, econômicos, políticos e sociais do espaço em estudo, bem como das relações que este espaço estabe- lece com outros, próximos e distantes.
Há várias possibilidades e maneiras de se fazer estudos geográficos culturais. Algumas dessas possibilidades estão exemplificadas nos Folhas que compõem o nosso livro. Outras serão apenas mencionadas aqui.
Por exemplo, ao analisar o espaço produzido por uma tribo indígena que vive em reserva e tem pouco contato com outras culturas é possível compreender como suas idéias e valores, seus modos de produzir (re- lação com a natureza) e de se organizar socialmente (relações sociais e políticas) se materializam na arquitetura e na paisagem da aldeia. Em al- guns casos, as lavouras coletivas, as ocas compartilhadas por muitas fa- mílias, a ausência de cercas, revelam uma sociedade que não se baseia na propriedade privada e que não conhece a divisão de classe.
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Em sociedades complexas como a nossa, ou seja, aquelas que são divididas em classes sociais, compostas por vários grupos étnicos, nas quais as pessoas migram com maior ou menor intensidade em função de variáveis políticas e/ou econômicas, os estudos culturais geográfi- cos são tão importantes quanto, também, complexos. Perguntas como: por que a maioria dos negros brasileiros são pobres e, portanto, ocu- pam espaços urbanos menos valorizados e pior estruturados? Ou, por que há, em grandes metrópoles, a formação de bairros étnicos? Cer- tamente há explicações históricas, econômicas e políticas para essas configurações sócio-espaciais que devem ser centrais nas análises ge- ográficas culturais. As respostas a essas questões, se reduzidas a expli- cações étnico/culturais isoladamente, possibilitam afirmações precon- ceituosas e não verdadeiras.
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Outro aspecto a ser considerado nos estudos culturais geográficos nas sociedades complexas é a produção e uso de espaço arquitetôni- co. A arquitetura e as paisagens monumentais evocam mitos e heróis (nomes dos prédios, ruas e avenidas, bustos destacados nas praças pú- blicas) que representam a história oficial e a classe/etnia dominante. Cria-se, assim, um imaginário de valor histórico e moral que representa alguns, mas deve ser incorporado por todos. O espaço é, assim, con- dição para organizar o código cultural da classe dominante. Veja o Fo- lhas “Você produz ou Consome Espaço?”.
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Os estudos de grupos sociais/étnicos e lugares culturalmente dife- renciados desvelam como o simbolismo e as ações humanas produ- zem e mantêm paisagens geográficas. Porém, esses estudos podem indicar mais que isso. Quando os grupos e as sociedades em estudo estão à margem do sistema capitalista de produção, os estudos cultu- rais geográficos podem indicar como se estabelecem, nos lugares, ou- tros tipos de relações políticas, talvez mais solidárias do que as da so- ciedade hegemônica.
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É preciso considerar ainda que a cultura se diferencia com o pas- sar do tempo e, assim, cada geração desenvolve sua própria cultura de acordo com o ambiente em que vive e trabalha, com as dificuldades que encontra, com as informações que recebe, etc. O mesmo ocorre com os grupos sociais de uma geração. A cultura de diferentes gera- ções e grupos sociais tem em comum a forma como é construída, ou seja, é nos processos de comunicação, nas relações sociais e de traba- lho que a cultura se constrói.
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No século XX, o progresso dos meios de comunicação, como o telefone, o cinema, a televisão e a internet propiciou a comunicação a longa distância. Alguns desses meios possibilitaram o aparecimen- to de uma nova forma de cultura popular, que geralmente denomi- namos de cultura de massa, pois é difundida e padronizada, para um grande número de pessoas.
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A cultura de massa tende a criar formas padrão de viver, de consu- mir, de comportamento, etc. Isso cria necessidades que levam à pro- dução de coisas (tipos de roupas, alimentos, aparelhos eletrônicos, cal- çados, entre outros) e a mudanças de costumes. Ou seja, a cultura de massa modifica o espaço geográfico, numa tentativa de padronizá-lo, diminuindo o que é específico dos diferentes lugares.
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As relações sociais e de classe, na atual condição histórica, tendem a homogeneizar as culturas através da cultura de massa. Mas a cultura varia de acordo com os grupos sociais e isso garante a manutenção da diversidade cultural. Mas o que é diversidade cultural? É possível ser diferente? Alguém quer ser diferente?
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Você já assistiu “Smallville”, “Friends“ ou “Os Simpsons”? Estes são F
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produtos da indústria de entretenimento, da cultura de massa. Deba- ta com seus colegas como estes produtos culturais citados, ou outros semelhantes, participam de sua vida e, conseqüentemente, compõem sua cultura. Como eles tendem a modificar seus costumes, suas esco- lhas, suas formas e espaços de diversão.
As reflexões acerca da diferença traz, para os estudos culturais ge- ográficos mais recentes, a análise a respeito dos processos migratórios e das conseqüentes novas (des)configurações regionais.
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A força cultural de um grupo pode ser claramente constatada quan- do esse grupo migra. Os migrantes procuram organizar o novo espaço tal qual o espaço por eles deixado. Tentam organizar o meio reprodu- zindo formas que lhes possibilitem viver como viviam anteriormente, construindo edificações nos mesmos moldes arquitetônicos, difundin- do hábitos e estabelecendo relações sociais com pessoas de mesma origem. Estas questões são tratadas nos Folhas “Nada a ver? Tudo a ver!” e “Para onde vais?”.
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Será que as necessidades dos moradores dos grandes centros ur- banos são as mesmas de uma sociedade indígena, de uma sociedade esquimó ou de uma sociedade de pescadores do interior da Floresta Amazônica? Todos possuem os mesmos anseios ou será que as “neces- sidades” podem ser produzidas em função da vida que levamos?
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Outro assunto primordial na Geografia Cultural são as mudanças demográficas e sociais associadas à urbanização e industrialização. A concentração de pessoas de variadas origens e as mudanças na econo- mia e nas relações de trabalho e sociais afetaram a forma das pessoas perceberem seu mundo, resultando em novas formas de vida nas ci- dades e na cultura. Associado a isto, Mcdowell (1996) aponta que “a desco- lonização, a migração internacional, a globalização do capital, do co- mércio e das formas de produção cultural resultaram em sociedades em que as tendências internacionais, os bens e serviços estão modi- ficando a todos nós e o nosso sentido de identidade vinculado a ter- ritório”. Podemos exemplificar isto através das comunidades que se formam no orkut (ou outras ferramentas parecidas). São pessoas que estão em diferentes países, ou regiões do mesmo país, mas que parti- lham as mesmas idéias e forma de conceber o mundo. Provavelmen- te se identifiquem mais com alguém no outro lado do mundo do que com seu vizinho de rua.
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Neste Conteúdo Estruturante veremos Folhas que tratam da de- monstração cultural das sociedades na produção espacial (“Você Pro- duz ou Consome Espaço?”), da mobilidade dos grupos sociais (“Para onde vais?” e “Passa por sua cabeça ter muitos filhos?”), que acabam por forjar novas configurações espaciais, das marcas deixadas na pai- sagem pelos diferentes grupos, da cultura como elo à nação, propor- cionando um sentido de pertencimento (“Nada a ver? Tudo a ver!”), dentre outros. Será que você se identificará com alguns destes assun- tos? Para responder esta pergunta adentre os Folhas deste Conteúdo
o Estruturante.
Referências Bibliográficas
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CLAVAL, P. As abordagens da Geografia Cultural. In: CASTRO et al (orgs).
Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
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MCDOWELL, L. A transformação da geografia cultural In GREGORY, D. MARTIN, R.; S., G. (org). Geografia Humana: sociedade, espaço e ciência social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1996.
Obras Consultadas
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CLAVAL, P. O papel da nova geografia cultural na compreensão da ação humana. In Corrêa, R.L.; Rozendahl, Z (org.). Matrizes da Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Ed. EdUERJ, 2001.
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CORREA, R. L. Trajetórias Geográficas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
CORREA, R. L. e ROSENDAHL Z. (Orgs.). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
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HAESBAERT, R. Desterritorialização: entre redes e os aglomerados de exclusão. In: CASTRO, I. E. et al (orgs.). Geografia, Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
. Territórios alternativos. Niterói: EdUFF; SP: Contexto, 2002.
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HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.
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ORTIZ, R. Cultura, modernidade e identidade. In: SCARLATO et al (orgs). Globalização e Espaço Latino-Americano. São Paulo: Hucitec – ANPUR, 1997.
TRINDADE JR, S. C. da. Sujeitos políticos e territorialidades urbanas. In: DAMIANI, A. L. et al (orgs.). O espaço no fim de século: a nova raridade. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2001.
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WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, T.T. (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
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Documentos Consultados ONLINE
Ensino Médio
84 Dimensão Cultural e Demográfica do Espaço Geográfico
Geografia
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VOCÊ PRODUZ OU CONSOME ESPAÇO?
- Marcia Regina Garcia1
ocê já parou para pensar sobre a produção do espa- ço de sua cidade? Como ela
está organizada? Ou ela está “desorganizada”? Por que ela é assim? A maneira como o espaço está organizado apresenta conseqüên-
cias para nossas vidas?
1Colégio Estadual Barbosa Ferraz – Andirá – PR
Você Produz ou Consome Espaço? 85
A Forma e a Função das Paisagens
A organização do espaço pode ser entendida como as diferentes formas pelas quais as sociedades asseguram sua sobrevivência, trans- formando o meio natural ou o meio já transformado. Estas transforma- ções buscam atender as necessidades – de alimentação, de moradia, trabalho, lazer, entre outras – de todos.
Um espaço pode apresentar formas de diferentes tempos históricos, e estas formas podem mudar de função ao longo do tempo, ou seja, as características arquitetônicas (prédios, casas) e as funções que as pesso- as dão a estas construções (moradia, comércio, prestação de serviços, etc.) mudam de acordo com o tempo histórico, atendendo aos interesses sociais, políticos, econômicos e culturais em que estão inseridos. Assim, a produção espacial é intencional e dinâmica, podendo mudar em di- ferentes ritmos. Como exemplo podemos citar o Shopping Estação, em Curitiba. Sua construção original abrigava a estação ferroviária da cida- de, inaugurada em 1885 e desativada em 1970. Recentemente teve sua estrutura e forma readaptadas, passando a ter novas funções: abriga cen- tro de convenções, teatro, museu e o shopping. Assim, a configuração espacial foi produzida pela sociedade que ali vive, tornando-a mais ade- quada para suas necessidades. Você poderia citar algumas transforma- ções desse tipo na cidade onde mora? Você pode perguntar para as pes- soas com mais idade ou pessoas que morem na cidade há mais tempo.
Devido a existência de grupos sociais com culturas distintas, temos produções espaciais diferentes e, conseqüentemente, paisagens carac- terísticas ou típicas de cada grupo.
Paisagem e Espaço
Antes de continuarmos nesta discussão, é preciso ter claros os con- ceitos de paisagem e de espaço.
A Paisagem é estática, é parte de um todo e é o registro de um mo- mento histórico. É como uma foto. Observe em fotos antigas como era o espaço de sua cidade. O que foi transformado na paisagem?
Em cada período a paisagem se caracteriza por um determinado con- junto de técnicas. Estas técnicas são as maneiras de construir casas, tem- plos (sistemas de engenharia), maneiras de produzir alimentos, carros, eletrodomésticos (tecnologias de produção), maneiras de se relacionar socialmente, entre outras. Tais técnicas, associadas às condições econô- micas, políticas e culturais, criam as formas. A paisagem não se cria de uma só vez, mas sofre acréscimos e decréscimos ao longo da história, por isso ela é uma herança de muitos momentos passados.
Já o Espaço é mais que paisagem, pois retrata o movimento da socie- dade em suas relações e dinamismo. É a ação do trabalho humano.
Quando olhamos ao nosso redor, devemos pensar e repensar os porquês da configuração espacial, pois ela pode nos dizer muito de
nossa realidade. Por exemplo: as praças sempre foram locais de en- contro ou desencontro, aonde muitos iam para discutir assuntos polê- micos, vender mercadorias, passear, brincar, namorar, reivindicar ati- tudes, encontrar amigos ou conhecidos, dentre outras coisas. No Rio de Janeiro, na Praça da Aclamação (hoje Praça da República), foi pro- clamada a República em nosso país; na Plaza de Mayo (Buenos Aires
- Argentina), muitas mães reivindicaram, e reivindicam até hoje, ações governamentais referentes ao desaparecimento de seus filhos, familia- res e amigos durante a ditadura na Argentina, ato que deu nome a uma associação (Asociación Madres de la Plaza de Mayo).
As praças, assim como as construções em geral, têm sua história e essas histórias são frutos de uma época, de uma sociedade em cons- tante reestruturação.
A Praça Tiradentes, em Curitiba, simboliza o “marco zero” da ci- dade, foi construída no local onde, segundo a lenda, o cacique Tin- diqüera, da tribo Tingüi, teria escolhido para estabelecer o povoado que daria origem à cidade. Ela, além de fazer parte da história da so- ciedade curitibana, mostra o dinamismo existente na sociedade e a necessidade de atender aos anseios políticos de diferentes momentos históricos, refletindo a cultura de seu povo. Inicialmente, esta praça recebeu o nome de Largo da Matriz, o qual durou até 1880, quando o imperador D. Pedro II visitou Curitiba. Neste período, a sociedade sentiu necessidade de prestar-lhe uma homenagem, e a praça passou a ter o nome do imperador – Largo Dom Pedro II. Após a proclama- ção da República, mudou novamente de nome, passando a ser a Pra- ça Tiradentes. Para os dirigentes do novo regime, era necessário eli- minar os “vestígios ou os heróis” do regime anterior, reconstruindo a imagem de novos heróis, anteriormente desconsiderados. Essa práti- ca é comum em muitos países.
Foto 1 – Largo da Matriz. Curitiba, PR Foto 2 – Praça Tiradentes. Curitiba, PR
- Fonte: curitiba.pr.gov.br n Fonte: Icone Audiovisual
A República necessitava tocar os sentimentos, o coração dos bra- sileiros, e a melhor forma encontrada para isso foi a reconstrução do passado, criando um conjunto de símbolos e, entre estes, merece des- taque a reconstrução da figura de Joaquim José da Silva Xavier, Tira- dentes, o “bode expiatório” da Conjuração Mineira. Leia, no quadro 1, mais detalhes sobre esta história.
Quadro 1
“… a 15 de outubro de 1790, uma carta régia secreta foi emitida reco- mendando ao presidente Coutinho “clemência” para todos os implicados nas reuniões ou que tivessem conhecimento da inconfidência. Os inconfi- dentes ativos deviam ser banidos para Angola e Benguela, e os cúmplices e implicados para Moçambique. Com uma só exceção: o pleno rigor da lei deveria ser aplicado ao prisioneiro ou prisioneiros que, além de terem com- parecido às reuniões, “com discursos, practicas e declarações sediciosas, assim em público como em particular procurassem em differentes partes”… disseminar o movimento. Previamente, as “diferentes partes” tinham sido definidas como sendo Minas e o Rio de Janeiro. No entanto, nada disso era do conhecimento público: o governo se preparava para produzir um espe- táculo. A alçada e a proclamação secreta de clemência deviam se constituir em elementos importantes de um cenário sofisticado e planejado.
A carta régia de 15 de outubro visava claramente – e somente – ao alfe- res Silva Xavier. Por que o modesto Tiradentes iria ser transformado em bo- de expiatório? Em grande parte, ele mesmo lavrara sua sentença de morte. “Quem era ele?” – tinha perguntado ao desembargador Torres em seu pri- meiro interrogatório – “não é pessoa que tenha figura, nem valimento, nem riqueza”, como poderia convencer o povo de tão grande cometimento? Em muitos aspectos sua pergunta encerrava uma grande verdade: Tiradentes não pertencia à plutocracia mineira que todos os demais integravam. Tinha tentado ingressar nela com afinco, mas fracassara sempre. Não era influen- te, não tinha importantes ligações de família, era um solteirão que passara a maior parte de sua vida à sombra de protetores mais ricos e bem-sucedi- dos. Ao Contrário de Cláudio Manuel da Costa e de Alvarenga Peixoto, não tinha fama que ultrapassasse as fronteiras do Brasil. Na verdade, o alferes provavelmente nunca esteve plenamente a par dos planos e objetivos mais amplos do movimento (…).
Um julgamento-exibição seguido pela execução pública de Silva Xavier proporcionaria o impacto máximo, como advertência, ao mesmo tempo que minimizaria e ridicularizaria os objetivos do movimento: Tiradentes seria um perfeito exemplo para outros colonos descontentes e tentados a pedir de- mais antes do tempo.
- Fonte: MAXWELL, Kenneth A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira: Brasil – Portugal, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, págs. 216-217.
Como podemos deduzir, uma pessoa de pouca influência, pobre e, praticamente, desconhecida provavelmente tenha sido escolhida pa- ra servir como exemplo do que acontecia com aqueles que conspira- vam contra o sistema, o único a receber a pena capital, executado em 21 de Abril de 1792.
Tiradentes foi propositalmente esquecido durante o Império e “res- suscitado na República”. A Monarquia teve como seu principal símbo- lo D. Pedro I, herói da independência. E a República, quem seria seu herói? Antes mesmo de sua proclamação, os republicanos já haviam retrocedido um século em nossa história e reconstruído a imagem de uma pessoa que sonhou com o fim da opressão portuguesa e a liber- dade da colônia: Tiradentes. Utilizavam-se de imagens como o Cristo crucificado. As homenagens prestadas ao mártir, em 1890, foram res- gatadas através de pesquisas em jornais e outros documentos e descri- tas pelo historiador José Murilo de Carvalho.
Você pode identificar como as coisas acontecem em nosso mun- do? Pense nos personagens de nossa história e procure identificar ou- tros personagens que também tenham sua imagem associada ao sacri- fício pela nação.
Através desse pequeno exemplo, procuramos mostrar como o es- paço geográfico é constantemente modificado, sendo estas modifica- ções, muitas vezes, fruto de interesses de uma minoria, a elite econô- mica e/ou política.
O Espaço Geográfico na História
Independente desta questão da mudança de nome, as praças tive- ram diferentes usos ao longo do tempo e estes usos estavam relaciona- dos à cultura do grupo social onde estas se encontravam.
Na Grécia antiga, a praça (ágora) era o local onde os cidadãos, aqueles que se dedicavam ao pensar, discutiam política. Lentamen- te tornou-se símbolo da presença do povo nas atividades políticas, re- presentando mais do que a simples praça de mercado – espaço do co- mércio. Era o símbolo da liberdade, onde os cidadãos se expressavam. Desta forma também funcionava a praça (fórum) romana, sendo um símbolo de poder.
Será que na antiguidade a palavra cidadão possuía o mesmo signi- ficado que possui hoje? Leia o quadro 2 “Gregos” para entender me- lhor como o cidadão era visto naquele período.
As praças medievais assumiram outras características. O comércio ficou muito restrito, não mais se discutia política ou se expressava opi- niões. Sua nova função estava muito mais próxima do espetáculo. Nela ocorriam julgamentos e execuções, um espetáculo de horrores, como as execuções de “bruxas”, ao qual a população comparecia.
Durante a Revolução Francesa, a Praça Luís XV, em Paris, tor- nou-se o local predileto dos revolucionários, servindo de cenário pa- ra inúmeras execuções na guilhotina, inclusive de nobres como a rainha Maria Antonieta e o rei Luís XVI, sempre assistidas por nu- merosa platéia. Neste momento importante da história, esta foi de- nominada Place de la Révolution e atualmente chama-se Place de la Concorde. Na atualidade, as praças passaram a ser o local das passeatas e das reivindicações sociais em diferentes países, como é o caso da Praça Tiananmen, popularmente conhecida por Praça da Paz Celestial, em Pequim, na China. Nome, aliás, bastante con- traditório considerando-se os eventos de que este espaço urbano foi palco. Em abril de 1989, estudantes e outros setores da socie- dade pediam reformas políticas e econômicas na China. Chegaram a levar mais de um milhão de pessoas às ruas de Pequim. Em 15 de maio, o governo iniciou a mobilização de tropas para pôr fim ao movimento, dando início a uma batalha de rua conhecida co- mo o massacre da Praça da Paz Celestial. Estima-se entre 300 e 3 mil o número de mortos na repressão.
No Brasil, até a década de 1970, as praças das cidades do interior tinham grande importância na vida da sociedade. Geralmente possu- íam um coreto ou algo semelhante ao centro; era local de discursos políticos, festividades religiosas, exposições locais, mas, principalmen- te, local de encontro. As pessoas iam para a praça para verem e serem vistas. Os encontros se davam nas praças. Havia toda uma organiza- ção ritual nos passeios pelas praças nos fins de semana e feriados. Os rapazes circulavam ocupando, sempre, a porção externa da calçada e as moças ocupavam a parte interna, caminhando em sentido contrário. Assim, um ficava de frente para o outro, ou seja, os olhares se cruza- vam, as pessoas se viam e os namoros começavam.
No momento atual, em que a TV se tornou um dos meios de comu- nicação de massa mais usuais e o shopping center é o local de encon- tro (ou desencontro), a praça perdeu a sua essência. De local de debate, de comércio, de espetáculo e de encontro, onde a cultura de um po- vo se evidenciava, passou ao efêmero, onde as pessoas não se encon- tram, não se vêem, apenas passam rapidamente e, muitas vezes, com medo, proporcionado pelo abandono em que se encontram, ou pelos seus novos ocupantes – moradores de rua, gangues, prostitutas. (veja mais detalhes no Folhas “É proibida a entrada!”). Esporadicamente, estas se enchem de pessoas, mas sem o mesmo significado de outros perío- dos históricos.
Espaço Urbano: O Caso do Rio de Janeiro
Assim como uma praça, a própria cidade tem uma organização que atende e já atendeu a muitos interesses. Neste sentido, o espaço urba- no, ao mesmo tempo, apresenta diferentes usos e formas, é elemento de separação, mas estabelece ligações. Tal organização pode ser facil- mente constatada em diferentes bairros residenciais, comerciais e in- dustriais, que estão interligados, articulados entre si e em diversos ní- veis, por rodovias e ferrovias que possibilitam a livre circulação de pessoas, produtos e serviços. Assim, as várias partes (que se diferen- ciam pelos usos e características locais) encontram-se interligadas. Dia- riamente as pessoas deslocam-se de um bairro a outro para trabalhar, fazer compras, conseguir atendimento médico, etc. O espaço urbano é produto de uma sociedade que consome tal espaço, mas a atuação dos diferentes agentes sociais é feita e sentida em diferentes níveis.
A população de baixa renda e a miséria podem gerar espaços ur- banos. Por não terem condições de adquirir um lote para construir sua moradia e não tendo a oferta desta pelo Estado, para sobreviver, ocu- pam áreas impróprias e constróem suas moradias. Morar pressupõe ocupar um espaço.
Você sabe como surgiram as favelas do Rio de Janeiro? Elas podem estar distantes de nós, mas as conhecemos através da TV. No Paraná também existem favelas, aliás, hoje estas estão se espalhando por qua- se todas as cidades. Mas, por que estudar as favelas da cidade do Rio de Janeiro? Porque elas apresentam um aspecto curioso na lógica da pro- dução do espaço geográfico que demonstra interesses diversos, além de conhecermos um pouco sobre a origem das favelas brasileiras.
Até meados do século XIX, devido aos meios de transporte da época era necessário morar perto dos locais onde poderia conseguir um traba- lho. As pessoas lutavam diariamente para consegui-lo, pois trabalho fixo era muito difícil e não existiam leis trabalhistas que garantissem um sa- lário mínimo ou o descanso semanal. Grande parcela da população vi- via de pequenos serviços. Muitos viviam do comércio ambulante de pro-
dutos e serviços (doces, quitutes, engraxando sapatos, …) no centro da cidade ou puxando mercadorias do centro para o cais do porto, isto é, vendendo sua força de trabalho. Era no centro da cidade, onde a circu- lação de pessoas era maior, que as possibilidades de manutenção da vi- da podia ser garantida.
A planície, ou a porção mais suave do relevo da cidade do Rio de Janeiro, estava ocupada simultaneamente por pobres e ricos, estes úl- timos foram gradativamente deixando o centro. Como possuíam seus próprios meios de transporte, afastaram-se deste local, indo para locais mais distantes, com bons ares. Seus antigos casarões viraram cortiços, ou seja, uma habitação coletiva, da qual cada família alugava um cô- modo da casa para viver, as demais dependências (cozinha, banheiro), eram usadas em conjunto por todos os moradores.
Outros, tentando lucrar, construíam grandes habitações coletivas (cortiços) para alugar cômodos. A região central do Rio de Janeiro esta- va tomada por cortiços no final do século XIX e início do século XX.
Mesmo com o início do funcionamento dos carros que se moviam sobre trilhos (puxados a burro), a partir de 1868, e com o início do trá- fego suburbano na Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1870, a população pobre não se transferiu para a periferia, pois não tinha dinheiro para pa- gar o transporte periferia-centro-periferia. Fato que se repete até hoje.
Foto 3 – Estação Central da anti- ga Estrada de Ferro Dom Pedro II (Rio de Janeiro, 1899).
- Fonte: Marc Ferres
Foto 4 – Aqueduto transfor- mado em viaduto para bondes (Rio de Janeiro, 1896).
- Fonte: Marc Ferres
Com o fim do sistema escravista, a situação habitacional ficou ain- da pior, porque os ex-escravos viam na cidade grande a chance de so- breviver e conseguir algo melhor. Os cortiços proliferavam rapidamen- te e eram vistos, pela saúde pública, como causadores das epidemias que freqüentemente assolavam a cidade (febre amarela, peste bubô- nica, varíola, tuberculose, dentre outras), pois eram locais sujos, sem condições para circulação de ar e iluminação solar adequada, e não havia saneamento básico.
Após a Proclamação da República, os governantes começaram a desejar dar novos “ares” à capital de nosso país, que na época era o Rio de Janeiro, na tentativa de melhorar sua imagem no exterior.
As ruas estreitas não condiziam com o novo tempo, com a moder- nização. Agora não estamos mais no tempo da charrete, do cavalo, mas dos bondes e automóveis. Era necessária uma grande reforma ur- bana, que já estava acontecendo no continente europeu.
O prefeito Francisco Pereira Passos, nomeado para o cargo duran- te a presidência de Rodrigues Alves (1902 – 1906), decidiu iniciar a re- forma da cidade em nome do progresso e da higiene. O governo local desapropriou e destruiu quarteirões próximos ao litoral, acabando com as moradias coletivas. Os cortiços eram desapropriados e demolidos com a presença policial para evitar reações da população desalojada. Os governantes pareciam não se importar com os seres humanos que iam sendo expulsos de suas moradias da noite para o dia. Entretanto, num “ato de bondade”, permitiam que estes se apropriassem dos res- tos da demolição (tábuas, telhas, etc).
Com o pouco material conseguido, estes excluídos do centro cons- truíram pequenas casas nos morros próximos – uma estratégia encon- trada para permanecer na região central. Não podendo viver na planí- cie, restaram-lhes os morros, surgindo, assim, as primeiras favelas do Rio de Janeiro. A ocupação destes já estava acontecendo desde 1897, quando militares vindos da Guerra de Canudos ocuparam, provisoria- mente, os morros da Providência e de Santo Antônio, localizados nos fundos de guarnições do Exército e da Polícia. Veja mais sobre este te- ma no Folhas “É Proibida a Entrada!”.
Neste processo de desapropriações e demolições, muitos conse- guiam emprego nas obras executadas pelo governo, na abertura de avenidas e construções residenciais, o que possibilitou renda para uma numerosa população desempregada. Também estava em construção o novo porto, que, por um lado, desempregou os carregadores que fa- ziam o transporte de mercadorias do centro ao porto, mas, por outro lado gerou empregos em sua construção.
Foto 5 – Rio de Janeiro
- Fonte: vivafavela.com.br – Tony Barros
Após a expulsão dos pobres das planícies litorâneas e a realização de obras de infra-estrutura, ocorreu uma grande valorização desta área, inviabilizando o retorno da população de baixa renda. Com isso, retornam para a região os ricos que tinham se afastado anteriormen- te, não tendo mais os excluídos ao lado, mas não po- dendo deixar de vê-los nos morros locais. Dessa for- ma, podemos entender alguns interesses existentes na produção do espaço geográfico.
Agora leia atenciosamente os textos poéticos 3 e 4:
Uma característica de todas as línguas do mundo é que elas não são faladas da mesma maneira pelos seus usuários, ou seja, há uma gran- de variedade de formas de expressão oral. Isso já existia desde a anti- guidade. Havia, por exemplo, o latim vulgar (popular), o qual deu ori- gem à Língua Portuguesa, que diferia do latim culto.
As pessoas de diferentes locais, idades, profissões ou classes sociais possuem formas distintas de se expressar, e esta forma não é a mesma em todas as situações, pois algumas exigem formalidade e outras não. A nossa linguagem oral também difere da escrita. Pelo sotaque pode- mos identificar a origem de uma pessoa?
As línguas variam de grupo social para grupo social, de região para região e também de situação para situação. Por exemplo, é freqüente jovens serem orientados para, ao procurar um emprego, não se apre- sentarem para a entrevista falando gíria. Nessas ocasiões é comum o uso da norma culta.
Bem, você já deve ter percebido que existem diferentes espaços, como: condomínios fechados, bairros residenciais de classe média, bairros operários, favelas, shopping, praças, locais de diversão… A construção destes espaços obedece a interesses econômicos, sociais e culturais. Será que os usuários de tais espaços são os mesmos?
Os Lugares como Objetos de Consumo
Você já pensou na possibilidade de comprar uma mercadoria, um produto e não levá-lo para casa? Será que isso é possível?
Com a intensificação da globalização imposta pelos avanços nos meios de transportes e telecomunicações, pessoas, produtos e serviços passaram a circular pelos diferentes continentes com maior rapidez e facilidade, passaram a percorrer maiores espaços em menor tempo. A cultura dominante passou a ser mostrada como o modelo a ser segui- do através dos meios de comunicação de massa. Indiretamente, esti- mulam os consumidores visuais a adotarem determinados padrões que lhes são passados pela TV, pois estes sim são modernos, sinônimos de prosperidade, de sucesso, de modernidade.
Para muitos, essa massificação cultural poderia representar a extin- ção da diversidade cultural. Os lugares estariam se tornando homogê- neos em todo o planeta. Tudo estava ficando igual. Nesse contexto, ga- nha destaque a produção do lugar para o turismo.
As pessoas vão para um local distante para ver “a mesmice” que existe onde elas residem? Ou as pessoas viajam para conhecerem locais e culturas distintas? E você, quando viaja, procura o diferen- te ou o familiar?
Para atender a determinado tipo de turista (consumidor tempo- rário de espaços), verifica-se a diferenciação dos lugares, onde os vilarejos, as pequenas, médias ou grandes cidades tentam manter determinadas diferenças para que estas sejam consumidas pelos tu- ristas. Muitas cidades encontram na manutenção dessas diferenças sua fonte de renda no mundo globalizado. Este foi o jeito que tais lugares encontraram para se inserirem na globalização, oferecendo- se como espaços de consumo culturalmente diferenciados, algumas vezes evidenciando modos de vida (ex.: turismo rural, turismo ét- nico, ecoturismo).
No momento atual, denominado pelo grande estudioso e pro- fessor Milton Santos (1926-2002) de período técnico-científico-in- formacional, criam-se novas formas de consumo, denominadas de não-material, como o turismo. Para atender a essa nova forma de consumo que é visual, criam-se lugares turísticos, repletos de en- cantos, tornando o espaço “coisas”, mercadorias passíveis de serem consumidas, objetos de desejo. Podemos citar como exemplo des- sa produção de lugares alguns parques temáticos, como o Beto Car- reiro World (SC), o Play Center (SP), a Disneylândia (inicialmente
nos Estados Unidos e que hoje se espalha por diversos países do globo), o Hoppi Hari (SP), consumidos por crianças, adolescentes e adultos, além de resorts como Costão do Santinho (SC), Costa do Sauípe (BA), dentre outros.
Mas como um lugar torna-se vendável ou deixa de sê-lo? Como esses elementos tornam-se alvos de nosso desejo? Através da intensa publicidade, meios de comunicação, das inovações tecnológicas, das estratégias do mercado, dos modismos esportivos e culturais e cri- térios estéticos. Os lugares turísticos precisam viver inovando em su- as técnicas para atrair os turistas com novas ofertas e investir muito em publicidade para não perder valor nesse mercado. Esses são mo- tivos pelos quais os lugares são valorizados ou desvalorizados a ca- da momento histórico.
Nesse contexto, o valor simbólico da paisagem é apropriado pe- la publicidade e é incorporado ao desejo das pessoas (ao imaginário), passando a ter valor de venda, como se fosse uma mercadoria.
Com a evolução tecnocientífica, os deslocamentos humanos pelo planeta tornaram-se mais rápidos e eficientes. Empresas de transporte aéreo e terrestre viram no turismo um meio de obter lucro associan- do-se às redes de hotelaria para promoção da imagem de um lugar, através dos pacotes turísticos, vendidos através de agências que ho- je, muitas vezes, são virtuais. Para ilustrar e facilitar nossa compreen- são espaço-temporal veja, na tabela 1, os dados elaborados por David Harvey (professor de geografia da Universidade de Oxford – Estados Unidos) sobre a evolução dos deslocamentos humanos.
TABELA 1
Velocidade dos meios de transporte ao longo da história: | |
1500
1840 |
A média de velocidade das carruagens e dos barcos a vela era de 16 Km/h |
1850
1930 |
Locomotivas a vapor, 100 Km/h; os barcos a vapor, 57 Km/h |
1950 | Aviões a propulsão voavam a 480-640 Km/h |
1960 | Jatos de passageiros voam a 800-1000 Km/h |
- Fonte: Harvey, apud Trigo, 2002, 20
Podemos dizer que, até o início do século XIX, se um rei desejas- se ser conhecido pelos seus súditos, ele precisava percorrer as vilas de seus domínios a cavalo ou em uma carruagem. No início do século XX, os meios de transporte já tinham mudado, mas os lugares não se- riam tão facilmente conhecidos como hoje. Através da televisão, da in- ternet, pessoas se tornam mundialmente e instantaneamente conheci- das, assim como os lugares.
Em meio a esse processo de marketing do lugar, verifica-se o for- talecimento das festas regionais, do artesanato, da culinária. A cultu- ra local ressurge, ganha força, mas não mais como manutenção pura e simples da tradição cultural, e sim como uma mercadoria de valor, al- go para ser vendido ao consumidor, o turista. Como exemplos, pode- mos citar: o festival folclórico de Parintins (AM), onde foi construído o Bumbódromo, para os bois Garantido e Caprichoso realizarem seus desfiles (bumba-meu-boi); o carnaval do Rio de Janeiro; as festas juni- nas do Nordeste brasileiro, sendo as festas de Campina Grande (PB) e Caruaru (PE) as mais famosas.
Espaços produzidos tecnicamente para atrair turistas (resorts, esta- ções de esqui, águas termais, etc.), que não divulguem intensamente sua mercadoria, sua imagem e seu discurso, podem rapidamente ser substituídos por outros. É o imaginário coletivo que determina se um local vai ser muito ou pouco procurado. Através da propaganda, divul- ga-se o paraíso, um mundo mágico onde os sonhos podem se tornar realidade. É a ação da magia do discurso divulgado pela intensa publi- cidade. Caso esse discurso não atinja seu alvo, um local produzido tec- nicamente pode “morrer” para o interesse das pessoas.
Assim, os locais são criados e também podem ficar decadentes. Existe um jogo de interesses econômicos, uma estratégia de consu- mo, que faz com que isso aconteça. Os mesmos interesses que vo- cê pôde constatar na construção do espaço urbano também podem ser constatados na produção do espaço turístico, consumível por uns, mas inacessível a tantos outros.
Com a inovação tecnológica e científica, o “mundo ficou menor”, pois a velocidade dos deslocamentos aumentou, possibilitando a uma pessoa realizar a aventura de dar a volta na Terra em, aproximada- mente, 80 horas.
Entretanto, não podemos nos esquecer que tudo é uma questão de acessibilidade, que pode ser analisada por vários aspectos. Um deles é o dinheiro: tê-lo representa grande possibilidade de mobi- lidade, pois pelo fato de não tê-lo, uma pessoa pode passar a vi- da sem sair das proximidades do local de nascimento, mesmo nos dias de hoje.
Outro aspecto da acessibilidade não envolve somente o dinhei- ro, pois eu posso chegar a Paris (França), situada a aproximadamente
10.000 Km de distância de Curitiba, em menos tempo do que eu gasta- ria para chegar a Manicoré (Amazonas-Br), visto que eu teria que ir de avião até Manaus (aproximadamente 4.000 Km de Curitiba) e depois pegar um barco que levaria muitas horas para chegar lá, num percur- so total que representa a metade da distância até Paris. Você entendeu estes aspectos tratados?
Referências Bibliográficas
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Ensino Médio
102 Dimensão Cultural e Demográfica do Espaço Geográfico
Geografia
6
PARA ONDE VAIS?
- Roselia Maria Soares Loch1
que leva as pessoas a saírem do seu local de origem? O que elas sentem ao chegar num lugar novo?
1Instituto de Educação do Paraná Prof. Erasmo Piloto – Curitiba – PR
Para Onde Vais?
103
Mudam os tempos, mudam as vontades… Mas o motivo de ir e vir das pessoas é quase sempre o mesmo: sobrevivência. Se na épo- ca dos homens das cavernas esse era o principal objetivo do nomadis- mo, imagine hoje!
Pense nas pessoas que saem do campo para a cidade ou da cidade pa- ra o campo; de uma cidade do interior (Porto Vitória/Pr, Missal/Pr) para outra maior (Curitiba/Pr, Londrina/Pr) ou vice-versa, da cidade grande para a cidade do interior; de um país (Brasil) para outro (Estados Uni- dos, Japão) ou vice-versa. O que leva estas pessoas a saírem do seu local de origem? O que elas sentem ao chegar num lugar novo? Como se dá a relação daquele que chega com o morador do local? Como é a adaptação de quem muda de um lugar para outro?
O fenômeno migratório sempre esteve presente na história da hu- manidade. Ao abordar as razões desse deslocamento populacional, precisamos considerar os movimentos da população e as suas implica- ções na estruturação do espaço geográfico. Esses movimentos ocorre- ram com diferentes intensidades, nos diversos períodos históricos. Leia o quadro 1 para enriquecer seus conhecimentos.
Os grandes deslocamentos de pessoas provocaram povoamento de regiões e modificações nas relações sociedade-natureza e sociedade- sociedade nestes espaços.
De que maneira as migrações desencadeiam mudanças nessas rela- ções? Discuta com seus colegas e anote as conclusões.
Fazer referência aos movimentos populacionais (migrações) im- plica compreender a existência de um movimento de saída e um ou- tro de chegada. Esses movimentos podem ser internos, dentro de um mesmo país, ou internacionais, que são os que acontecem entre paí- ses: emigrantes – saem do país de origem; e imigrantes – entram em um país que não é o seu.
Os movimentos populacionais, internos ou externos, podem ser es- pontâneos, quando a migração é livre; ou forçados, quando as pessoas sentem-se obrigadas a migrar, como é o caso do tráfico de pessoas para a escravidão e das perseguições de ordens diversas: religiosas, políticas, étnicas ou ambientais. No Brasil temos, como exemplo de emigração forçada, as perseguições políticas que muitos brasileiros sofreram por ocasião da Ditadura Militar de 1964 (veja o quadro 02), condenando-os ao exílio.
Teoricamente, essa época deveria ser protagonizada pelo “silên- cio”, melhor dizendo, pela falta de liberdade de expressão (veja o qua- dro 2 – Ditadura Militar). Porém, nem os burocratas encarregados da censura conseguiram calar a criatividade da Música Popular Brasileira (MPB). Chico Buarque, cantor e compositor, cansado de ser persegui- do e ter suas canções censuradas, inventou um personagem, Julinho da Adelaide, com o qual assinou algumas composições. Outros auto- res também usaram letras de músicas para fazer protestos, muitas ve- zes velados, naquele momento político.
No Quadro 3, leia a letra da música Sabiá, de Chico Buarque, e a poesia Canção do Exílio, de Gonçalves Dias.
Quadro 3
SABIÁ
- Tom Jobim e Chico Buarque – 1968
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar Para o meu lugar
[…]
[…]
Sei que ainda vou voltar Vou deitar à sombra
De uma palmeira Que já não há Colher a flor
Que já não dá… […]
[…]
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar Uma sabiá
CANÇÃO DO EXÍLIO
- Gonçalves Dias – 1847
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.
[…]
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá;
Sem que ainda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.
As migrações espontâneas ou forçadas ainda podem ser controla- das, é o que acontece quando o Estado controla, ou tenta controlar, a entrada e/ou a saída de pessoas.
De maneira geral, os fluxos migratórios têm sido alvos de discus- sões polêmicas, haja vista os conflitos e problemas acontecidos nas áreas receptoras – questão de território X invasão de fronteiras X con- trole do Estado. Muito se tem discutido sobre os impactos no mercado econômico e na cultura das áreas de imigração.
ATIVIDADE
Faça a leitura dos textos 1 e 2. Após a leitura, discuta as questões propostas. Apresente as conclusões.
Texto 1
A ONU (Organização das Nações Unidas) calcula que, dentro de cinco anos (a partir de 2005), 50 milhões de pessoas vão ser consideradas refugiadas ambientais devido a proble- mas desta natureza nas regiões onde vivem. Estima, ainda, que hoje já existem tantos re- fugiados ambientais quanto pessoas que são forçadas a deixar suas casas por causa de distúrbios políticos ou sociais. Entre os problemas ambientais que deixam as pessoas refu- giadas estão: o esgotamento do solo, a desertificação, enchentes, terremotos e outros de- sastres naturais.
- Fonte: ONU – Mundo terá 50 milhões de refugiados ambientais em Disponível em http://my.opera.com/RichardCooper/blog/ show.dml/42474. Acessado em 13/10/ 2005.
Texto 2
Em novembro de 2005, ocorreu um grave conflito social na França. Há 30 anos, o pa- ís estava aberto a uma onda maciça de imigração proveniente de países subdesenvolvidos. Sem uma política de controle da imigração, nem mesmo uma preocupação com as con- seqüências inevitáveis que essa chegada maciça de estrangeiros iria provocar nas esferas política, econômica e social, entraram na França cerca de 10 milhões de estrangeiros. Se- gundo as notícias divulgadas pelos meios de comunicação social, a maioria dos imigran- tes – árabes e negros – não se integrou à sociedade francesa, nem mesmo teve a intenção de fazê-lo, pois consideram seus bairros como territórios que lhes pertencem. A maior par- te dos habitantes dos subúrbios que sofreram distúrbios e incêndios apresenta uma atitude hostil ao Estado. Indiscutivelmente, a imigração maciça está no centro da crise social do pa- ís. Após os episódios de violência, as autoridades francesas perceberam o quão é impor- tante contar com políticas de controle da imigração. Espanha, Alemanha, Portugal e outros países da Europa não devem reproduzir os erros sofridos pelas primeiras gerações de imi- grantes, devem tirar lições da violência que sacudiu a França e rever a situação social dos imigrantes. A exclusão social foi a razão do conflito, além de outro fato agravante: se os es- trangeiros legais estão marginalizados nos subúrbios, imaginem a situação dos ilegais, mais expostos à armadilha da criminalidade.
- Texto sistematizado pela autora
Aprofundando o assunto!
Quem quiser emigrar para a Austrália, para os Estados Unidos da América (EUA), para o Canadá ou para qualquer outro país precisa pedir uma autorização junto à embaixada ou consulado do país para onde pretende viajar, a fim de saber quais são os requisitos necessários.
Cada país usa diferentes critérios e exigências para a entrada e per- manência de estrangeiros.
Você sabe quais são os critérios e exigências adotados pelo Brasil para a entrada de um estrangeiro? As pessoas que moram nos países da América do Sul precisam de vistos para entrar no Brasil?
Na Europa, persiste uma política mais relacionada com o contexto imediato do mercado de trabalho: se precisar de trabalhadores, abre a porta, se o mercado de trabalho não está bem, fecha.
ATIVIDADE
Se a Europa fechar suas fronteiras e criar critérios para entradas de imigrantes no seu território, irá provo- car mais problemas ou irá resolvê-los?
A entrada de novos imigrantes é temida por muitos, sob a alegação de se perder tradições e valo- res tão acalentados pelos países europeus. Será que isto pode ocorrer realmente?
Outra questão ligada à imigração é o aumento dos movimentos xenófobos que vêem os imigrantes com desconfianças e receios. Que movimentos são estes? Por que isto acontece?
A questão da imigração é, para a Organização das Nações Unidas (ONU), uma questão de direi- tos humanos, pois está reconhecido internacionalmente o direito de circulação. Porém, é curioso que exista o direito de se deixar um país, mas não o de entrar em outro. Como você interpreta es- ta questão?
Qual será o destino dos 50 milhões de pessoas refugiadas ambientais? Antes de responder, pense: quem são essas pessoas? Lembre-se, qual era o perfil dos desabrigados ambientais deixados pe- la passagem do furacão Katrina nos Estados Unidos?
Apesar de serem múltiplas as razões que levam as pessoas a deixar para trás as suas raízes culturais e construir uma nova vida em lugares muitas vezes desconhecidos, o principal responsável pelos atuais movimentos migratórios acontecidos na maioria dos países é o fator econômico.
Os primeiros movimentos migratórios intercontinentais tinham fina- lidade de explorar e/ou colonizar novas terras. A Europa foi um impor- tante foco de emigração quando, no período das grandes navegações (a partir do século XV), permitiu o deslocamento de europeus para as áreas recém-descobertas, principalmente da América.
Destino dos emigrantes europeus – 1800/1920
Essa emigração européia continuou por muito tempo. A mais ex- pressiva emigração que ocorreu da Europa para a América foi ao longo de todo o século XIX (1801-1900) e dos primeiros 25 anos do Século
- Calcula-se que a saída de europeus tenha ultrapassado a casa dos 60 milhões de pessoas. Esse deslocamento populacional foi em decor-
rência de um conjunto de acontecimentos, de ordem social e econômi- ca, que funcionou como fator de repulsão populacional para a Europa e de atração populacional para a América. Entre os quais se destaca- vam como motivo de repulsão, o estado de miséria de uma parcela expressiva dos habitantes europeus; como motivo de atração, as van- tagens econômicas oferecidas por muitos países do continente ameri- cano aos europeus que se dispusessem a viver no novo território.
Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo presenciou uma mu- dança significativa no quadro dos fluxos migratórios. Os países afe- tados pela guerra, especialmente os europeus e o Japão, que eram países de emigração, reconstruíram suas economias e alteraram sua condição migratória. De países emigratórios, transformaram-se em áreas de imigração.
O vai e vem dentro do Brasil…
A história da formação do povo brasileiro é marcada a partir de fluxos migratórios, da busca contínua pela conquista da sobrevivência. As mi- grações no Brasil não ocorreram ou ocorrem por causa de guerras, como aconteceu e ainda acontece em muitos países, mas pela inconstância dos ciclos econômicos em cada momento da história e de uma economia pla- nejada independentemente das necessidades da população.
A seguir você conhecerá alguns momentos da história do Brasil que foram responsáveis pelas andanças da população, andanças estas que se basearam na formação de áreas de atração e de repulsão de popula- ção. Observe como as migrações acompanham as distintas fases de de- senvolvimento econômico do país.
Os primeiros movimentos migratórios ocorridos dentro do Brasil fo- ram os realizados pelos indígenas, que eram sociedades nômades. Após a chegada dos portugueses, os movimentos migratórios de alguns des- tes povos passaram a ser forçados. Expulsos das suas terras pelos por- tugueses, eram obrigados a migrar para o interior do Brasil. Além disso, muitas tribos sofreram um lento e progressivo extermínio pelos portu- gueses.
Nessa primeira fase do povoamento, ocorreu a ocupação inicial do litoral brasileiro e posteriormente o estabelecimento da agroin- dústria canavieira no Nordeste. Devido a maior proximidade com a Metrópole e às condições naturais favoráveis, como o clima e o solo, a cultura da cana-de-açúcar se fixou na zona da mata nordestina, foi nessa área que se fixou também o colonizador (leia o Folhas “O Bra- sil podia ser diferente?”).
Com o passar do tempo, o povoamento extravasou a área de plantio e de industrialização da cana, alcançando o agreste e o ser- tão nordestino. A atividade responsável pela penetração mais para o interior do Brasil foi a pecuária, encontrando um estímulo para o seu desenvolvimento pelo fato da população do engenho represen- tar um mercado de consumo de carne e couro. Um fato proeminen- te, determinado pela criação do gado, foi o desenvolvimento do co- mércio externo de couros e sola, sem falar na carne seca, ou charque, um dos elementos básicos da alimentação das classes menos favore- cidas e dos escravos.
Devido à concorrência das plantações de cana nas Antilhas, a pro- dução do açúcar brasileiro sofreu uma queda nos preços, declinan- do este ciclo econômico. Com o aparecimento da mineração, e conse- qüentemente declínio da produção açucareira, o Nordeste deixou de ser área de atração populacional e passou a condição de área de repul- são. Minas Gerais e regiões de Mato Grosso e Goiás nos séculos XVII e XVIII, tornaram-se áreas de atração populacional, principalmente na primeira metade do século XVIII.
A atividade mineradora foi responsável, em grande parte, pelo in- tenso movimento interno migratório, principalmente pelos desloca- mentos da população, não só do planalto paulista, mas também do Nordeste açucareiro e da Bahia. Esse deslocamento da economia im- plicou também no deslocamento do centro político-administrativo da Colônia. A capital deixou de ser Salvador e passou a ser a cidade do Rio de Janeiro, bem mais próxima da região de mineração. Com o pas- sar dos tempos, a fase da mineração começou a declinar.
Muda a Economia, Muda a Direção das Migrações
Diante da decadência desta atividade, a prática da agricultura foi a al- ternativa encontrada por muitas populações das zonas de mineração.
As migrações internas nesse período, em busca de melhores solos para o desenvolvimento da agricultura, conduziu muitos colonos de Mi- nas Gerais a migrarem para São Paulo. Muitas cidades do Nordeste do Estado de São Paulo tiveram seus núcleos iniciais fundados no início do século XIX por populações de Minas Gerais. É o caso de Ribeirão Preto e Franca, além de outras.
No início do século XIX, o café foi se tornando o principal produto de exportação brasileiro. Sua lavoura situava-se no vale do Paraíba, entre a serra do Mar e as Minas Gerais. A cultura cafeeira fortaleceu a região cen- tro-sul, pois estradas surgiram para o escoamento do produto para o litoral, portos foram aparelhados e estradas de ferro construídas. A mão-de-obra usada foi a escrava, mas com a abolição da escravatura, no final do sécu- lo, quem passou a trabalhar na agricultura cafeeira?
As áreas de repulsão de população nesse período compreendiam parte de Minas Gerais, Bahia e demais estados que compõem a re- gião Nordeste. Com a expansão da cafeicultura para outras áreas, o café foi criando condições para o deslocamento de populações em outras direções, como: sul de Mato Grosso e as férteis terras do Nor- te do Paraná.
Outro fator que estimulou ainda mais as migrações internas no Bra- sil, foi o avanço das plantações de café, a construção de ferrovias e ro- dovias que passaram a ligar diferentes lugares do interior, onde o café era produzido, ao litoral, de onde saía para o exterior.
Na mesma época da expansão da cafeicultura, segunda metade do século XIX, uma outra atividade econômica, a extração da borracha, atraiu contingentes populacionais para a sua área de ocorrência – a Amazônia. Uma grande seca no Nordeste, nesta época, e uma imensa rede fluvial de transporte também contribuíram para o deslocamento
populacional para a Amazônia. O mundo consumia crescentes volu- mes de derivados do látex após a aplicação industrial do processo de vulcanização, descoberto em 1848.
Deve-se a esses deslocamentos de populações do Nordeste para a porção ocidental do Brasil a anexação do Acre ao território brasileiro, pois antes, o que hoje é o Estado do Acre, pertencia à Bolívia. Na dé- cada de 1910, a região entrou em decadência em razão das plantations asiáticas, especialmente da Malásia, que superaram em larga escala a produção brasileira de borracha.
O que são plantations? Quais se desenvolveram no Brasil?
A Crise do Café e o Início da Industrialização: Novas Migrações
Em 1929, o café passou por uma crise, reflexo da crise mundial que atingiu o capitalismo em função da superprodução da indústria de bens de consumo. Com a decadência do café, em 1930, devido a que- da do preço do produto no mercado internacional, a economia passa novamente por um processo de transformação.
Inicia-se então a exportação de outros produtos da agricultura e da pecuária, e algumas indústrias (de calçados, roupas e alimentos) apre- sentam um grande crescimento. O desenvolvimento industrial do país determinou também a existência de fortes movimentos migratórios in- ternos, sobretudo do Nordeste para o Rio de Janeiro e São Paulo, onde este segmento da população constituiu a base do operariado.
É a partir de 1950 que a indústria brasileira realmente se desenvol- ve, provocando a vinda de grande parte da população do espaço ru- ral para o espaço urbano.
Outra fase de deslocamento de população para a Região Norte ocor- reu na época da construção da rodovia Transamazônica (BR – 230), e de outras rodovias federais nessa região, além da atuação do Instituto Na- cional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – desde 1970.
No período de 1956 a 1961, o fluxo continuava com a construção de Brasília que absorveu grande parte de operários (candangos) oriun- dos do Nordeste e Minas Gerais e a construção da Rodovia Belém-Bra- sília (BR – 153). Estes foram fatores que estimularam o fluxo migrató- rio interno para o Planalto Central. Calcula-se que cerca de 2,5 milhões de pessoas se fixaram ao longo da rodovia Belém-Brasília.
Muitas famílias, na sua maioria da região Sul e muitas do Nordeste, dada a dificuldade de obter ou mesmo comprar terras na região de ori- gem – especialmente no Paraná e no Rio Grande do Sul – buscaram as fronteira agrícolas da Amazônia, projeto este que fazia parte dos pro- gramas de colonização e ocupação da Amazônia, promovido pelo go- verno nas décadas de 1970 e 1980.
Vamos recapitular!
Organize, em seu caderno, uma tabela com os dados apresentados a partir da leitura. Identifique as fases de desenvolvimento econômico do país e as de áreas de atração e de repulsão da população. Utilize o modelo da tabela a seguir.
Título: | |||
Ano/década | Fase econômica | Área de atração | Área de repulsão |
Comentário: |
Muitas correntes migratórias continuam redefinindo a organização espacial das socie- dades atuais. O crescimento das cidades, a urbanização, o êxodo rural, os deslocamen- tos entre cidades, o surgimento das metrópo- les e o desenvolvimento econômico local ti- veram contribuição das migrações.
O Sudeste é considerado a região de maior atração populacional, principalmente as gran- des cidades, que receberam e ainda recebem grandes contingentes populacionais. Tal fato tem agravado a situação das cidades, pois as mesmas não possuem uma infra-estrutura urba- na para atender a uma crescente população.
Na esperança de encontrar trabalho nos grandes centros urbanos da região Sudeste, um grande número de nordestinos tem se aventu- rado numa viagem que, na maioria das vezes, não tem retorno. Quando chegam ao destino, os imigrantes encontram uma realidade bem diferente da que esperavam: falta de emprego, de moradia, violência urbana, etc. A ausência de escolaridade e o despreparo para exercer outras funções mais qualificadas só lhes ofere- cem opção de sobrevivência. O retorno ao lu- gar de origem é muitas vezes impossível por- que lhes faltam condições para isso.
Assim como na época da Ditadura Militar a música se fez presente abordando através das composições o momento histórico vivido pelo país, os movimentos migratórios internos também são temas de mui- tos compositores brasileiros. Vamos lembrar a música “Peguei um ita no Norte” de Dorival Caymmi. Esta letra foi escrita quando a migração era intensa no país.
Quadro 4
Quando essa música foi escrita? Pesquise a que momento histó- rico a letra se refere e elenque as razões que levavam à migração naquele período.
Como você pode perceber, são múltiplas as razões que fazem o bra- sileiro migrar dentro do seu próprio país, mas o êxodo rural é o exem- plo mais representativo dos fluxos migratórios campo-cidade no Brasil. A saída do campo em direção às cidades tem representado para muitos brasileiros a possibilidade de construir uma vida nova, com mais quali- dade do que a vivida no campo. A maioria, ao chegar às cidades, perce- be que seus desejos são apenas sonhos de difícil realização.
Charge 2
Basta o governo investir na geração de empregos? Os trabalhadores neces- sitam “tomar medidas” para garantir ou conseguir seu emprego?
Liste em seu caderno e depois dis- cuta com os seus colegas: Quais se- riam as medidas que um empregado deve tomar para garantir sua empre- gabilidade? Que medidas cabem ao governo para gerar mais empregos?
Embora os fluxos migratórios en- tre as grandes regiões brasileiras te- nham grande importância na dinâmi- ca da população, recentemente surgiu e vem ganhando força processos mi-
gratórios localizados no interior de cada região. É possível identificar novas características da migração interna no país, entre elas, o papel dos movimentos intra-regionais na recuperação demográfica de de- terminadas áreas marcadas no passado pela evasão populacional.
Os estados do Sudeste, que no passado recebiam muitos migran- tes, em especial do Nordeste, hoje também mostram grande fluxo de saídas para outras áreas. As direções e sentidos dos fluxos migratórios mostram uma configuração mais complexa desse fenômeno, que re- quer novas interpretações. A migração, que no passado representou a mobilidade social através dos projetos de ocupação e povoamento de áreas pouco exploradas e povoadas assentou uma parcela considerá- vel da população brasileira.
Atualmente podemos perceber que essas áreas que no passado eram consideradas de atração, depois de um certo tempo, podem se transformar em áreas de expulsão, quando os fatores responsáveis pe- la produção de riqueza se esgotam. No auge do café muitos migrantes foram para São Paulo e Paraná e em seguida, o declínio desta cultura, expulsou-os para os estados do Norte e Centro-Oeste do Brasil. Pode- mos concluir que atração e repulsão acontecem no mesmo local, tudo vai depender do momento histórico e econômico do país.
O maior desafio hoje consiste em resolver os problemas das áre- as de repulsão de população, pois os homens sempre procuram se fi- xar onde existem melhores condições de vida material e também so- cial. Por isso a necessidade de se criar uma economia sem violentos desequilíbrios regionais, para que a população possa se distribuir me- lhor pelo espaço.
E você, para onde vai?
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Ensino Médio
118 Dimensão Cultural e Demográfica do Espaço Geográfico
Geografia
7
NADA A VER? TUDO A VER!
- Marcia Regina Garcia1
ocê acredita existir alguma relação, alguma forma de identidade entre as ações
citadas na charge abaixo?
Há alguma coisa em comum nos conflitos citados? Que interes- ses levam estas pessoas a brigarem, a
fecharem fronteiras, a praticarem aten- tados à vida?
1Colégio Estadual Barbosa Ferraz – Andirá – PR
Nada a Ver? Tudo a Ver!
119
O espaço geográfico pode explicar.
O que você faria se invadissem sua casa? Ou, se fossem assistir, em sua casa, ao final de um campeonato, mas… torcendo para o outro time?
Então, vamos pensar! Se o espaço geográfico tem a ver com isso, quais seriam os conceitos da Geografia presentes aí?
Você certamente já ouviu falar em território. Mas o que é território?
Durante muito tempo as definições apresentadas eram a única for- ma de território reconhecida na sociedade civil, e ao falarmos ou ou- virmos tal palavra nos vinha ou ainda vem à mente sentimentos nacio- nalistas. Entretanto, nas últimas décadas, a situação começou a mudar e surgiram discussões sobre a existência de novas territorialidades.
Atualmente, território tem sido definido como um espaço estabele- cido e delimitado através de relações de poder – político e/ou econô- mico – e estas relações podem ou não estar associadas ao Estado. Es- te território pode ser contínuo ou descontínuo.
Mas, o que é um território descontínuo?
Ao longo de milhares de anos, os territórios foram estabelecidos e mantidos pela força, pelas relações de poder. Assim, não são e nunca foram eternos, mas mutáveis, transformáveis, readaptáveis, moldáveis, frágeis ou não. Por exemplo, lembra do Reino Unido de Portugal e Al- garves? Este era o nome do Brasil, que na época era território de Por- tugal, ou seja, fazia parte daquele Estado. Embora geograficamente dis- tantes, formavam um só reino – olha o território descontínuo aí!
Hoje, a relação colonial entre países não está mais institucionalizada, mas existem outras relações que formam territórios descontínuos, são os territórios-rede. Você consegue imaginar isso? Consegue perceber estes territórios na realidade vivida? Assista aos telejornais e anote as notícias que você acha que se referem à idéia de território descontínuo.
No momento vivenciado por nós, onde a velocidade das transfor- mações são intensas, temos diversos territórios em diferentes escalas geográficas. Do mundo até o bairro ou a casa, existem várias escalas de análise do espaço; este dimensionamento do grande para o peque- no, do macro para o micro é o que chamamos de escala geográfica. Por exemplo, há territórios “opacos” – como os territórios dos bichei- ros, das prostitutas, dos narcotraficantes, das gangues, das minorias ét- nicas – dentro de territórios “luminosos”. Amplie a conversa lendo o quadro 1.
Hoje se fala em territórios flexíveis, cíclicos, descontínuos, isto é, territórios que podem mudar em curto, médio ou longo prazo. Mas no momento, estudaremos outros territórios, aqueles que envolvem dis- puta entre diferentes grupos étnicos.
Alguns conflitos envolvem diferentes grupos étnicos dentro de um mesmo Estado, pois há povos que formam uma nação sem Estado. Ocupam um território, mantém suas características culturais (religião, idioma e tradições), mas não possuem independência, reconhecimento. Você já ouviu falar disso? Conhece algum exemplo?
Entre os diversos conflitos étnicos que existem, o que ocorre na Irlanda do Norte e o que ocorre na Espanha e França (País Basco – mapa 1) serão tratados aqui. Você pode pesquisar outros, diversos deles são noticiados na TV todos os dias.
A região denominada “País Basco” (Euskadi, em vasconço – idio- ma local) abrange o Norte da Espanha e o Sudoeste da França. Do pri- meiro país, engloba as províncias de Álava, Guipúscoa e Biscaia e as províncias autônomas de Navarra; do segundo, engloba as regiões de Sola, Lapurdi e Baixa Navarra.
O povo basco está estabelecido, historicamente, neste mesmo ter- ritório há aproximadamente 5 mil anos, entretanto há indícios que re- montam sua cultura à pré-história européia. Resistiram às sucessivas invasões de romanos, visigodos, francos, mouros, dentre outros.
A população basca sempre tentou manter sua independência eco- nômica, política, social e territorial. A partir do século IX iniciou-se, na Península Ibérica, a for- mação de vários reinos independentes, como Leão, Aragão, Navarra e Castela; ficando o povo basco concentrado nes- tes dois últimos.
Mapa 1 – País Basco
No século XVI, parte do Reino de Navarra foi anexado à Espanha e parte à França, ficando o povo basco dividido entre esses dois países.
Os bascos conservaram, desde a Idade Média, relativa autonomia admi- nistrativa e comercial, embora tivessem que pagar tributos aos dominado- res, sendo duramente reprimidos em muitos momentos de sua história.
Em 1931, com a queda da monarquia espanhola, os bascos inicia- ram nova tentativa de independência. As divergências políticas inter- nas eram grandes e o descontentamento era geral. Nas eleições de 1936, republicanos, socialistas e comunistas se uniram na Frente Po- pular, obtendo vitória. O governo, com maioria de esquerda, anistiou presos políticos e fez uma reforma agrária; no entanto os conflitos de rua continuavam (articulados pela direita). Num dos conflitos, um líder de direita foi assassinado, abrindo caminho para a ação do exército do general Francisco Franco, dando início à Guerra Civil Espanhola (1936- 1939). Franco pediu apoio a Hitler para realizar um grande ataque sen- do prontamente atendido, realizando muitos bombardeios em Madri.
Hitler viu nesse conflito uma forma de testar novas armas de guer- ra e, juntamente com Franco, escolheu um local para um bombardeio ininterrupto de sua força aérea. A cidadezinha de Guernica foi escolhi- da, pois era um alvo fácil, desarmado, onde havia um grande carvalho embaixo do qual, desde a Idade Média, os reis espanhóis juravam res- peitar o conselho, as leis, os costumes dos bascos. Também era uma demonstração do que aconteceria com todos aqueles que sonhavam com uma Espanha federalista. Aproximadamente 40% da população foi morta ou ferida. Tal acontecimento ficou imortalizado pelas mãos de Pablo Picasso – pintor e desenhista de origem espanhola.
A autonomia regional foi abolida na ditadura de Francisco Franco, sendo reestabelecida parcialmente em 1979, com a assinatura do Tra- tado do Estatuto de Autonomia de Guernica.
Os bascos resistiram à aculturação mantendo suas tradições e sua língua (euskera ou vasconço), que não apresenta nenhuma semelhança com as demais faladas no continente. Segundo os bascos, a fronteira de seu país (território) é nítida, sendo delimitada pela língua, ou seja, come- ça onde se fala o vasconço e termina onde este deixa de ser usado.
Na França, a população basca é pequena, mas na Espanha, esta é vis- ta como ameaça. Em alguns momentos viveram um massacre silencioso e indireto, pois tiveram a proibição do ensino de seu idioma nas esco- las, como tentativa de ‘matar’ o elo cultural que une seu povo, não po- dendo se manifestar política e culturalmente.
A Luta pelo Território Basco: O Surgimento da ETA
Nesse contexto surgiu, em 1959, a ETA (Euskadi Ta Askatasuna – Pá- tria Basca e Liberdade), originado do conservador PNV (Partido Nacio- nalista Basco, fundado em 1894), a partir da atividade de vários grupos
culturais e políticos que atuavam na sociedade. A ETA é uma organiza- ção que objetiva conseguir a independência do país Basco, incorporan- do a este todas as áreas onde se fala o euskera, pois, conforme já citado, é por meio do idioma que suas fronteiras são estabelecidas.
Posteriormente, a ETA aderiu à luta armada, transformando-se em grupo terrorista. A opinião popular ficou dividida, pois muitos são con- tra a violência como forma de conseguir a autonomia basca, porém ou- tros defendem que a luta armada é a única forma de consegui-la.
A questão é ampla, envolvendo aspectos culturais, políticos e eco- nômicos, pois o País Basco é uma das regiões agrícolas mais desenvol- vidas da Espanha, além de possuir grande concentração industrial (Bil- bao, um centro siderúrgico, e Guipúscoa, com destaque desde o século XVI na produção de armas). Será que a questão econômica é uma das razões da negação da independência para a região?
A Questão Territorial na Irlanda do Norte
O outro caso de conflito étnico que vamos tratar é o da Irlanda do Norte (Ulster), onde o conflito também é latente, envolvendo questões políticas e culturais, tendo como pano de fundo a divergência entre ca- tólicos e protestantes.
Por que católicos e protestantes não conseguem viver em harmonia nos dias de hoje, quando em outros países isso é possível? Será que é a religiosidade a raiz do conflito, como a mídia procura demonstrar?
Suas origens remontam ao século XII, quando a Irlanda passou a ser dominada pela Inglaterra, período em que ainda não havia ocorrido a fragmentação do cristianismo, intensificando-se com o surgimento do an- glicanismo, no século XVI.
A Irlanda é habitada desde 6.000 a.C. aproxima- damente. Primeiro a sociedade organizava-se em clãs, depois passou a organizar-se em pequenos es- tados sob o governo de um rei e, posteriormente, um rei supremo e eletivo. Do século IX ao século XI, a ilha passou a ser atacada por incursões vikin- gs, enfraquecendo o poder local.
Em 1170 iniciou-se a invasão anglo-normanda, com sucessivas batalhas, terminando com a assina- tura, em 1175, do Tratado de Windsor, pelo qual a Irlanda passou a ser um feudo da Inglaterra. Como vassala, deveria pagar tributos, fornecer homens ao exército e obedecer ao soberano inglês. Na dis- tribuição dos feudos, o rei dava privilégio a nobres ingleses, forçando os irlandeses à servidão.
Figura 1 – Irlanda e Reino Unido
No século XVII, intensificam-se as lutas pela posse da terra, por au- tonomia política e divergências religiosas, pois o anglicanismo já havia sido declarado como religião oficial da Inglaterra e os irlandeses per- sistiam no catolicismo. Não aceitar a imposição religiosa era uma for- ma de resistência cultural.
Nesse contexto de intensas disputas, em 1641, os irlandeses (católi- cos) atacaram os ingleses (protestantes), sendo violentamente reprimi- dos por Cromwell, num longo massacre prolongado, pela resistência, até 1652, levando ao extermínio grande parte da população irlandesa. A maior parte das terras do país foi distribuída entre soldados e finan- ciadores do exército puritano. Muitos sobreviventes emigraram e ou- tros foram escravizados.
Os conflitos e a opressão do dominador sobre o dominado persis- tiram. No século XIX, o nacionalismo irlandês ganhou nova forma ao assumir um aspecto mais cultural e econômico, iniciado com a tentati- va de reviver seu idioma, o gaélico, nas escolas, pela organização co- operativista na agricultura e a tentativa de industrialização. Muitos fo- ram os levantes pela independência.
A Luta Armada pela Posse do Território
Como tentativa de eliminar o poder inglês e conquistar a indepen- dência, surgiu, em 1919, o IRA – Exército Republicano Irlandês.
A Irlanda tornou-se Estado independente em 1921, em meio a for- tes conflitos e movimentos sociais, entretanto a Inglaterra manteve sob seu poder o norte (Ulster). A independência só foi reconhecida após a Segunda Guerra Mundial, passando a denominar-se Eire, mas uma porção norte ainda permaneceu junto ao Reino Unido – Irlan- da do Norte.
Os irlandeses nunca aceitaram a separação, pois ainda desejam ter todos os irlandeses unidos num mesmo Estado-nação. Nesse contexto, o IRA atuou reivindicando a unificação do país, alternando momentos de reivindicação pacífica da população com atentados terroristas.
O Ulster é uma região de solo fértil, que concentra um grande par- que industrial, destacando-se a indústria têxtil, automotiva, construção naval, aviação, eletroeletrônicos e muitas indústrias de bens de consu- mo não-duráveis, além de petróleo.
A minoria católica (42%) deseja a unificação com a Irlanda, fato que é contestado pela maioria protestante (58%), que controla o governo e ocupa os melhores postos de trabalho, desejando a permanência da unificação com o Reino Unido.
A Questão Territorial dos Curdos
Outro caso de conflitos étnicos territoriais é, por exemplo, o dos curdos no Oriente Médio, que formam uma grande nação a lutar pela independência e reconhecimento de seu território, o Curdistão.
Os curdos são descendentes de pastores e vivem há milhares de anos nas montanhas da Ásia Central, fato que permitiu a manutenção de sua cultura, apesar do contato com outros povos.
No passado foram dominados por romanos, persas e otomanos.
Muitos se refugiavam nas áreas montanhosas.
A dominação motivou a união dos curdos, a fim de expulsar os in- vasores de suas terras, reivindicando um Estado baseado na língua e nas tradições curdas.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, acreditaram na possibilidade da criação do Curdistão, pois o Império Otomano havia sido derrotado. Tal ação foi mencionada no Tratado de Sèvres, de 1921. Entretan- to, a Turquia foi contra, pois na área foram descobertas jazidas de petróleo e existia o medo da propagação da revolução Russa. A Inglaterra optou por dividir o Curdistão entre Turquia, Síria e Iraque.
Os anos que se seguiram foram de dura repressão, principalmente na Turquia, onde o idioma curdo chegou a ser proibido.
Mapa 2 – Área geográfica-cultural do Curdistão
Escala aprox. 1 : 18 500 000
PESQUISA
Faça uma pesquisa sobre os recursos minerais existentes na região pretendida pelos Curdos e discuta com colegas e professor os possíveis interesses que inviabilizam sua independência.
Após a Segunda Guerra Mundial, a União das Repúblicas Socialis- tas Soviéticas (URSS) apoiou a independência dos curdos (República de Mahabad), mas a influência dos Estados Unidos da América levou outros países da região a demonstrar rivalidade para com a URSS, que decidiu pela retirada do apoio.
No período de 1980/1988, durante a guerra Irã X Iraque, os curdos se viram no meio do conflito, devido à sua localização. Aproveitan- do a ocasião, a Turquia intensificou os ataques aos curdos, pois era a chance de eliminar um povo indesejado. Após o fim da guerra, os mas- sacres passaram a ser praticados por parte do governo Iraquiano, de- sencadeando um grande movimento migratório para vários países da região, nos quais, muitas vezes, não foram aceitos.
Você já ouviu falar da Chechênia? É outro conflito de origem étnica e territorial. Na Rússia, os habitantes da Chechênia lutam por sua inde- pendência, adotando práticas consideradas, por alguns, como atos ter- roristas, destacando-se o atentado ao teatro em Moscou, em outubro de 2002, e à escola em Beslan, em setembro de 2004.
Existem inúmeros conflitos étnicos espalhados pelos continentes, com maior ou menor intensidade, indo desde a segregação em guetos ou bairros até ao extermínio (ou tentativa) de parte da população. Al- guns desses conflitos são ignorados pela mídia, como o caso dos ame- ríndios do Brasil, dos Estados Unidos e dos aborígenes da Austrália, que por séculos estão sendo atacados em nome do progresso, da evolução, sempre tratados como inferiores. Outros recebem mais ou menos impor- tância nos sistemas de telecomunicações globais, dependendo de inte- resses em divulgar ou não tais massacres. Podemos nos lembrar do caso dos Bantos, perseguidos por Tutsis, no Burundi; na Nigéria, com a pro- clamação da República de Biafra, pelos Ibos que provocaram uma car- nificina deste povo pelo governo da Nigéria; na República Sérvia e Mon- tenegrina; na Somália; na Palestina…
Neste contexto, onde se encontra a Organização das Nações Unidas (ONU)? E a Declaração dos Direitos Humanos?
Nos últimos anos, os habitantes dos ‘países do sul’ (pobres) passa- ram a ser barrados nos ‘países do norte’ (ricos). Os imigrantes são ex- plorados, hostilizados e menosprezados. Desenvolveu-se certa aversão ao estrangeiro pobre, uma xenofobia que, em alguns casos, chega ao extremo. Ressurgiram grupos neonazistas atuando em diferentes paí- ses, inclusive no Brasil.
Os imigrantes são acusados de causar o aumento do desemprego, forçar a baixa dos salários (pois a necessidade os faz aceitar qualquer valor pelo seu trabalho), aumentarem os gastos com previdência, con- taminar as culturas, dentre outros. O ‘Norte’ rico fecha suas fronteiras para o ‘Sul’ pobre, esquecendo-se que no passado o movimento mi- gratório foi inverso. O ‘outro’ passou a ser visto como uma ameaça por partidos políticos de extrema direita. Este ‘outro’ quase sempre é o tra- balhador latino-americano ou africano.
A migração de trabalhadores não é um evento novo, mas a globa- lização tem intensificado tal processo. (Amplie seu conhecimento veja o Folhas “Para onde vais?”).
Neste contexto de conflitos, com diferentes níveis de intensida- de, surgem novos conceitos, como o de desterritorialidade, entendi- do como a “perda do território apropriado e vivido em razão de di- ferentes processos derivados de contradições capazes de desfazerem o território” (CORREA, 1998, p. 252). A partir da perda do território, os des- territorializados procuram criar novas territorialidades ou reterritoria- lidades, “seja através da reconstrução parcial, in situ, de velhos terri- tórios, seja por meio da recriação parcial, em outros lugares, de um território novo que contém, entretanto, parcela das características do velho território (…)” (CORREA, 1998, p.252).
Em meio a tantos conflitos, existe hoje um grande número de desterritorializados vivendo em campos de refugiados em vários países, ou imigrantes clandestinos. Entretanto, essa desterritorialização não deve ser vista apenas pela perda física do território, pois o conceito vai além. Há a desterritorialização cultural, comum aos migrantes, que chegam ao local de destino e logo procuram recriar neste um novo território, com parcelas do velho território, como forma de identificação simbólica com a região de origem.
É o caso dos gaúchos que vão para o Nordeste e Centro-Oeste. No novo território, sul-rio-grandenses, catarinenses, paranaenses e pau- listas perdem sua naturalidade, pois a população local identifica-os homogeneamente como “gaúchos”. Todos são considerados gaúchos, pois são oriundos do “sul”.
No novo território, as pessoas procuram recriar seus vínculos e estes são estabelecidos, principalmente, com ‘os de fora’. Percebe-se uma ‘rede de solidariedade’, onde ocorrem reuniões de grupos ‘foras- teiros’ para almoços, jantares e pescarias em fins de semana, dos quais participam inclusive os recém chegados, como uma forma de inclusão. A identidade se dá pelo não pertencimento ao local. Pessoas que nun- ca se viram, que eram estranhas, tornam-se ‘solidárias’. Os laços se for- mam majoritariamente com os ‘estranhos do sul’, e não com os ‘estra- nhos da terra’.
O sentimento de “ser de fora” cria laços de solidariedade, amiza- de, identificação, fazendo ressurgir o sentimento de pertencimento em meio ao elo perdido. Conforme destaca Andrade (1998, p.214), “(…) a for- mação de um território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentimento da territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma consciência de confraternização entre as mesmas(…)”.
Assim também procederam os inúmeros nordestinos ao chegarem no sudeste, principalmente em São Paulo, foco de sua concentração; os imigrantes italianos, japoneses, libaneses, ucranianos, alemães e tan- tos outros, que procuraram recriar seu território (ou parte dele) como forma de identificar-se no novo território que os ‘acolhe’, mesmo que para os do local isso pareça invasão. Reterritoriarizaram-se através da arquitetura, da culinária e demais aspectos culturais, procurando criar um espaço de referência identitária, relembrando com certo saudosis- mo o local deixado para trás, como os alemães de Witmarsum, os ucra- nianos de Prudentópolis e tantos outros.
Assim também procedem atualmente os brasileiros que vão para os EUA, países europeus, Japão e outros, onde brasileiros encontram-se em restaurantes que servem comida típica, lojas que vendem produtos consumidos habitualmente por nós, centros de diversão que funcio- nam como ponto de encontro, realizam festas tradicionais como car- naval, tudo na tentativa, mesmo que inconsciente, de manutenção da identidade.
Segundo Paul Claval,
“(…) como fundamento das identidades, a cultura reúne os homens ou os se- para. Quando as pessoas aderem às mesmas crenças, dividem os mesmos va- lores e associam suas existências a objetivos próximos, nada se opõe a que eles se comuniquem livremente entre si. Mas, desde que saiam do grupo no qual se sentem solidários, suas atitudes mudam: a desconfiança se instala, as trocas se tornam uma fonte de ameaças, na medida em que elas podem questionar a estrutura sob a qual foram construídas a personalidade dos in- divíduos e a identidade dos grupos (…). (CLAVAL, 1997, p.105).
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Ensino Médio
132 Dimensão Cultural e Demográfica do Espaço Geográfico
Geografia
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PASSA POR SUA CABEÇA TER MUITOS FILHOS?
- Roselia Maria Soares Loch1
or que uma decisão tão especial como esta pode acarretar, no futuro próxi- mo, importantes mudanças
na estrutura de uma população? Por que atualmente as mulheres têm menos filhos em relação às
gerações passadas? Será que esta redu- ção no número de filhos por mulher atinge a população de todas as regiões no mundo? Em que momento da história mundial da população a fecundidade* tornou-se elemento responsável por um novo padrão demográfico?
1Instituto de Educação do Paraná Prof. Erasmo Piloto – Curitiba – PR
Passa Por Sua Cabeça Ter Muitos Filhos?
133
Para responder estas questões e outras relacionadas ao crescimen- to da população, precisamos ir além dos números e das estatísticas. A população não é algo que fique reduzida apenas a números. É preci- so considerar as classes sociais que a compõem, seus conflitos e suas relações sociais, seu modo de vida e seu tipo de produção econômica. De acordo com as condições e as possibilidades de vida de cada país, cada nascimento assume um significado particular.
Antes de entrarmos no contexto da população brasileira, é neces- sário refletirmos sobre o contexto internacional organizado a partir do capital, ou do sistema capitalista. O nosso referencial é a Revolução Industrial, que foi um fenômeno muito mais amplo que o crescimento da atividade fabril. Toda a sociedade foi atingida havendo, a partir da- quele momento, profunda transformação institucional, cultural, políti- ca e social. (Veja o Folhas “A indústria já era?”).
Durante as primeiras fases da história, a população obedecia às leis gerais da natureza. O crescimento demográfico estava intimamente re- lacionado ao aumento do território, dos alimentos e recursos disponí- veis, bem como às formas de organização social e o domínio técnico que funcionavam com extrema eficácia como fatores limitadores des- te crescimento.
A partir do século XVIII, certo número de países sofreu uma profun- da transformação que alterou, significativamente, a vida da sociedade. Estas transformações foram desencadeadas pela chamada Revolução In- dustrial. Progressos técnicos na agricultura e na indústria emergente, au- mento da rede de transporte e outras transformações no espaço geo- gráfico, sobretudo nas cidades, modificaram substancialmente a vida do homem no ocidente. Lembremos que as cidades neste período tinham péssimas condições sanitárias, não dispunham de rede de água ou es- gotos nem mesmo nos bairros habitados pela burguesia. Aos poucos, a melhoria nas condições sanitárias e o conhecimento de antibióticos e va- cinas proporcionaram a redução das taxas de mortalidade.
Inicialmente homens, mulheres e crianças, trabalhavam nas indús- trias, os primeiros fazendo jornadas que chegavam a 80 horas sema- nais ou seja, mais de 11 horas diárias, sem descanso. Mais tarde, de- vido à organização dos trabalhadores em associações e depois em sindicatos, houve regulamentação da jornada de trabalho, além de ou- tras políticas trabalhistas que foram, aos poucos, determinando melho- res condições de vida, bem como proibindo o trabalho infantil. Apesar da proibição, ainda ocorrem práticas de exploração do trabalho infan- til como as existentes na carvoarias em Minas Gerais.
A indústria, desde sua fase inicial de expansão, em alguns países da Europa, necessitava de trabalhadores e de consumidores para os seus produtos. Muitas pessoas atraídas pelas novas perspectivas de traba- lho e pelos benefícios encontrados nas cidades, saíram do meio rural e se dirigiram às zonas urbanas, engrossando a população das cidades e reduzindo o número de habitantes do campo. As transformações tam- bém foram para o meio rural, aonde chegaram novas tecnologias pa- ra a produção agrícola. Isto favoreceu a liberação de trabalhadores ru- rais, que se dirigiram às cidades para ocupar novos postos de trabalho nas atividades urbanas.
Os primeiros países que se industrializaram foram também os primei- ros que se urbanizaram. Parte deles tornou-se, mais tarde, integrante do grupo dos países desenvolvidos, graças ao processo histórico que lhes possibilitou excelente nível de crescimento econômico e social.
Com o decorrer da Revolução Industrial na Europa, e com os avanços dela advindos, aconteceu o que muitos denominam de explosão demo- gráfica, ou seja, ocorreu um elevado crescimento natural ou vegetativo (CV) resultado da diferença entre o número de nascimentos e mortes.
Para se ter uma idéia, foram necessários milênios para que o contin- gente populacional mundial atingisse a marca de 1 bilhão de habitantes, o que ocorreu por volta de 1850. Este crescimento estava condiciona- do a fatores limitantes, tais como a fome, as doenças (peste) e a guerra. O índice de crescimento da população mundial, entre 1650 e 1750, foi de 0,3% por ano e, entre 1750 e 1850, de 0,5%. A partir de 1850 houve crescimento da população, em torno de 2% a 2,5% ao ano.
Ocorreu uma acentuada diminuição nas taxas de mortalidade, pro- vocando assim a explosão demográfica. Para muitos, esse crescimento populacional representava uma conquista do homem que, ao se adap- tar melhor à vida no planeta, conseguia viver cada vez mais. Para ou- tros, o crescimento populacional era motivo de preocupação e deveria ser combatido, pois anunciava grandes problemas futuros.
Quando a explosão demográfica ainda se anunciava, o pastor, economista e demógrafo inglês Thomas Robert Malthus (1766 – 1834), em sua obra “Ensaio sobre a população”, considerava que o cresci- mento populacional era tido como uma das principais limitações ao progresso da sociedade. Segundo ele, o crescimento ilimitado da po- pulação não se ajustava à capacidade limitada dos recursos naturais existentes no planeta.
Malthus afirmava que a população, quando não controlada, cresce numa progressão geométrica – PG; enquanto que os meios de subsis- tência crescem numa progressão aritmética – PA. A solução apontada por ele era a sujeição moral, isto é, o homem não deve se casar en- quanto não tiver recursos suficientes para sustentar a família. Conside- rava esta idéia como melhor argumento para se reduzir à natalidade, além disso, condenava as práticas de anticoncepção.
Ao lançar suas idéias, Malthus propunha ao poder público criar me- didas para controlar o crescimento da população. Ele também era con- trário à Lei dos Pobres, que existia na Inglaterra, que obrigava o Estado prover as necessidades humanas vitais aos menos favorecidos. Essa lei, para ele, estimulava o crescimento populacional descontrolado, pois amparava justamente aqueles que mais procriavam e menos tinham condições de sustentar os filhos que colocavam no mundo.
Malthus acreditava também que a redução da jornada de traba- lho e o aumento de “salário além do nível de subsistência incentiva- ria o ócio e o desperdício e seria gasto em bebedeira e esbanjamento.” (ALVES e CORREA, 2003)
Você concorda que ter momentos para o lazer e um salário que permita alguns gastos extras leve ao ócio e ao vício?
Transição Demográfica
O conceito de transição demográfica foi usado pela primeira vez por Warren Thompson no ano 1929. Foi elaborada a partir da interpre- tação das transformações demográficas sofridas pelos países que par- ticiparam da Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX, até os dias atuais. A partir da análise destas mudanças demográficas foi estabele- cido um padrão que, segundo alguns demógrafos, pode ser aplicado aos demais países do mundo, embora em momentos históricos e con- textos econômicos diferentes.
O gráfico “Fases da Transição Demográfica” demonstra as fases desta teoria.
- Fonte: organizado pela
A Primeira Fase (Pré-industrial) é marcada pelo equilíbrio demo- gráfico e por baixos índices de crescimento vegetativo, apoiados em elevadas taxas de natalidade e de mortalidade. Nascem muitos, mas também morrem muitos. A mortalidade elevada era decorrente princi- palmente das precárias condições higiênico-sanitárias, das epidemias, das guerras, da fome, etc.
Na Segunda Fase (transicional), temos as seguintes modificações: num primeiro momento, a redução da mortalidade devido ao controle de epidemias e aos avanços médicos (decorrentes da Revolução Indus- trial), porém a natalidade ainda se mantém elevada, ocasionando um grande crescimento populacional; depois, a natalidade começa a cair, reduzindo-se então o crescimento populacional.
E por fim, na Terceira Fase (evoluída), a transição demográfica se completa com a retomada do equilíbrio demográfico, agora apoiado em baixas taxas de natalidade e de mortalidade. Atualmente estão nes- sa fase os países desenvolvidos, a maior parte apresenta taxas de cres- cimento inferiores a 1% e até negativas. Nesses países o crescimento vegetativo se encontra estagnado.
Esta idéia se opunha às teorias Malthusianas, e mais tarde a Ne- omalthusianas, pois defendiam que o crescimento populacional ten- deria a um equilíbrio “natural” que acontecia ao longo das fases de transição demográficas. Mas também receberam críticas pois coloca a história como responsável por resolver o problema do elevado cresci- mento, pois seria “natural” as três fases, chegando a uma situação de equilíbrio populacional.
Você acredita que toda população passe pelas 3 fases demográficas apresentadas por esta teoria? Justifique sua resposta.
A Segunda aceleração do crescimento populacional ocorreu a partir de 1950, posterior à Segunda Guerra Mundial, particularmente nos paí- ses subdesenvolvidos ou países pobres. Esse período foi marcado pelo surgimento de novos países independentes, africanos e asiáticos e por grandes conquistas na área da saúde, como a produção de antibióticos e de vacinas contra uma série de doenças. Tais conquistas se difundi- ram pelos países subdesenvolvidos graças à atuação de entidades inter- nacionais de ajuda e cooperação, como a Organização Mundial da Saú- de (OMS) e a Cruz Vermelha Internacional. Além disso, com o processo de expansão de empresas multinacionais grandes laboratórios farmacêu- ticos se instalaram nos países subdesenvolvidos que se industrializavam. Alguns remédios se tornaram, aos poucos, mais acessíveis e baratos. Leia mais no quadro: Você já comeu sua vacina hoje?
Esse processo denominado revolução médico-sanitária incluiu tam- bém a ampliação dos serviços médicos, as campanhas de vacinação, a implantação de postos de saúde pública em zonas urbanas e rurais e a ampliação das condições de higiene social. Todos esses fatores permi- tiram uma acentuada redução nas taxas de mortalidade, principalmen- te a infantil, que até então eram muito elevadas nos países subdesen- volvidos. A diminuição da mortalidade e a manutenção das altas taxas de natalidade resultaram num grande crescimento populacional, que atingiu seu apogeu na década de 1960 no Brasil.
Com a nova aceleração populacional, voltaram a surgir estudos ba- seados nas idéias de Malthus, dando origem a um conjunto de teorias e propostas denominadas Neomalthusianas. Novamente, os teóricos pro- põem o controle de natalidade e explicam que o subdesenvolvimen- to e a pobreza agravam-se pelo crescimento populacional, que provo- ca a elevação dos gastos governamentais com os serviços de educação e saúde. Gastos sociais comprometeriam a realização de investimentos nos setores produtivos e dificultariam o desenvolvimento econômico. Para os Neomalthusianos, uma população numerosa seria um obstácu- lo ao desenvolvimento e levaria ao esgotamento dos recursos naturais, ao desemprego e à pobreza. Enfim, ao caos social.
Desse raciocínio, a desordem social poderia levar os países subde- senvolvidos a se alinhar com os países socialistas, que se expandiam naquele momento (pós-guerra). Para evitar o risco, propunham a ado- ção de políticas de controle de natalidade, que se popularizaram com a denominação de planejamento familiar.
O planejamento familiar é feito por entidades privadas e públicas, que se associam à indústria farmacêutica e à classe médica e recebem apoio dos meios de comunicação. O controle populacional é realizado de várias maneiras, indo da distribuição gratuita de anticoncepcionais (pílulas e preservativos) até a esterilização (ligação das trompas e va- sectomia) em massa de populações pobres (Índia, Colômbia e Brasil).
A exemplo do que ocorreu com a teoria de Malthus (Malthusiana), a teoria Neomalthusiana foi e tem sido muito questionada, especial- mente pelos que acreditam que as mazelas sociais existentes nos paí- ses subdesenvolvidos têm raízes bem mais profundas que as geradas pelo crescimento demográfico acelerado. Entre os que questionam, es- tão os adeptos da escola reformista. Há os que defendem a idéia de que os miseráveis não são responsáveis por sua miséria e, tampouco, pelo fato de terem muitos filhos. Para eles, a origem da miséria nos países subdesenvolvidos tem raízes históricas, como ausência de uma política sócio-econômica que permita a melhoria do padrão de vida da população mais pobre.
Estas críticas têm suas raízes na teoria Marxista (Marx, 1818-1883) que considera que as causas da fome, da miséria , da pobreza estavam associadas com o modo de produção capitalista e não simplesmen- te com o crescimento da população. Existem causas mais complexas para a miséria da população que ultrapassam o desejo pessoal de ter muitos filhos. Que tal apontar algumas delas?
A polêmica, no entanto entre os Neomalthusianos e os reformistas ganham outros contornos nos dias atuais, pois está ocorrendo um fato que não estava previsto nas duas análises: há uma diminuição nas ta- xas de crescimento da população mundial, provocada por um expres- sivo declínio da natalidade.
Para ampliar o debate sobre o declínio da natalidade leia e respon- da as questões relacionadas ao texto “França incentiva casais a terem o terceiro filho”.
Quadro 3
França incentiva casais a terem o terceiro filho
França anuncia que vai oferecer incentivos financeiros aos casais que ti- verem um terceiro filho, numa tentativa de aumentar o índice de fertilidade das francesas. A partir de julho de 2006, os pais que tiverem um terceiro filho terão direito a um ano de licença trabalhista recebendo 750 euros por mês. O obje- tivo desta oferta será de dar um incentivo aos casais franceses e permitindo a eles uma melhor conciliação dos ritmos profissionais e familiares.
O índice de fertilidade na França, uma média de 1,9 filho por mulher, é o segundo mais alto da Europa, depois da Irlanda, que se aproxima dos 2. Mas ainda está abaixo dos 2,07 necessários para evitar um declínio populacional. A média da União Européia é por volta de 1,5, sendo que em alguns países ela é de menos de 1,3, como Grécia, Espanha e Itália.
Especialistas advertem que o declínio do índice de fertilidade pode levar, caso não haja imigração ou medidas para encorajar que casais tenham filhos, a paralisia econômica e a um aumento brutal das contribuições previdenciá- rias, já que haveria um grande aumento no número de aposentados com uma diminuição no número de jovens contribuintes.
O novo incentivo financeiro será acrescido a um já existente, de três anos de licença não remunerada dos pais recebendo do Estado 512 euros por mês – o que foi considerado não atrativo para casais de classe média. A nova medida deve custar 140 milhões de euros por ano aos cofres públicos.
- Fonte: Agência Estado 22/09/2005. Disponível: http://www.vsp.com.br/noticias/mostra_not.Php?id=60 502
Outro entendimento que devemos ter sobre a população é quanto ao seu envelhecimento. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2050 serão cerca de 36 milhões de idosos no Brasil. Ao lado da região Sul, a região Sudeste é a mais envelhecida do país. (Veja no mapa 1).
Mapa 1 – Proporção da população com
mais de 65 anos por estado Mapa 2 – IDH Brasil 2000
- Fonte: Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Disponivel em http://www.scp.rs.gov.br /ATLAS /atlas.asp?menu=302
Em 2000, segundo o IBGE, a proporção entre idosos e jovens era de 17,8 idosos para cada 100 jovens. Em 2050, serão 102 idosos para cada 100 jovens. Você fará parte desta população. Que idade terá?
Alguns grupos políticos afirmam que com o envelhecimento da po- pulação haverá uma necessidade maior de recursos para pagar a apo- sentadoria destes. Será que isto é verdade?
Analise os mapas 1 e 2 e aponte se há relações entre o IDH e o en- velhecimento da população. Faça uma pesquisa procurando os ele- mentos que expliquem estas relações ou as ausências delas.
Após estas reflexões você deseja ter muitos filhos?
Referências Bibliográficas
ALVES e CORREA. Demografia e Ideologia, In Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Campinas, v. 20, no 2 , p. 129-156, jul-dez 2003.
Obras Consultadas
MÉDICI, Miriam de Cássia (Org). Geografia: a população mundial – Ciências humanas e suas tecnologias: ensino médio. São Paulo: Nova Geração, 1999.
REVISTA CIÊNCIA HOJE. Rio de Janeiro, Vol. 37, nº 219, set. 2005.
RUA, João et al (Org). Para ensinar geografia. Rio de Janeiro: Editora Access, 1993.
Documentos Consultados ONLINE
Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul. Disponivel em http://www. scp.rs.gov.br /ATLAS /atlas.asp?menu=302
MOREIRA, Morvan de Mello. Mudanças estruturais na distribuição etária brasileira: 1950-2050. Disponível em: http://www.fundaj.gov.br/tpd/117a. html. Acesso em 20 set. 2005.
RIOS-NETO, E.L.G. Dia Mundial de População. Disponível em: http://www1. folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2703200513.htm. Acesso em: 02 de out 2005.
www.portal.mec.gov.br/index2.phlp. Acesso em: 23 abr 2006.
www.qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/vacinas/index.html. Acesso em: 23 abr 2006.
www.vsp.com.br/noticias/mostra_not.php?id=60502
ANOTAÇÕES
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Dimensão Econômica do Espaço Geográfico
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A Terra é nossa nave, e com ela navegamos pelo espaço sideral. Há milhares de anos o ser humano vive nesta nave, ocupando e transfor- mando sua crosta. Mas a transformação desta, provocada pelas atividades econômicas que conhecemos hoje, começou há bem menos tempo.
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No início as transformações se davam como forma de obter meio pa- ra a sobrevivência. Para o professor e pesquisador Milton Santos (2004), as intervenções seguiam uma série de comportamentos que tinham co- mo razão de ser a preservação e continuidade do meio de vida. Como exemplo destes comportamentos, podemos pensar nas práticas de pou- sio, na rotação de terras, na agricultura itinerante. Estes e outros compor- tamentos compunham o “comportamento social” do grupo que ali vivia com relação ao território que ocupava, conciliando, com as técnicas de que então dispunham, o uso e a conservação da natureza e criando con- dições para que ela pudesse ser outra vez utilizada.
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A agricultura, o extrativismo, o comércio, os serviços e o artesana- to eram atividades desenvolvidas para se obter recursos para alimen- tar a família ou um grupo social. Os excedentes indicavam a prosperi- dade, a possibilidade de maiores trocas ou de garantir a sobrevivência na estação fria ou seca. A tecnologia existente não permitia alterar os ciclos naturais com grande intensidade. Assim, os ritmos da natureza eram observados e eram motivos de festa.
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Você já participou de festas do tipo “Rainha da Primavera” ou “Ga- rota Verão”? Qual o significado destas festividades para nossa socieda- de? Estas festas são diferentes das demais? Elas são iguais, por exem- plo, às Festas Juninas?
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No passado algumas festividades marcavam o tempo da produção, da preparação da terra, do plantio e da colheita. E estes dependiam do ritmo da natureza. Com o desenvolvimento tecnológico e com o ad- vento do capitalismo, por volta do século XV, esta ligação sociedade- natureza produzindo e transformando espaço se alterou e intensificou. O desejo do lucro, ou de maiores ganhos, levava à intensificação da produção econômica e, conseqüentemente, à transformação e produ- ção do/no espaço.
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Mas o que transforma ou produz o espaço? O trabalho humano! Vo- cê já tinha pensado nisto? O mundo que nos cerca é resultado do tra- balho humano.
Dentre todas as espécies, somente o ser humano tem capacidade de executar trabalho? O que caracteriza o trabalho? Veja no quadro 1 e na charge as diferentes definições de trabalho. Com qual você concorda?
- Fonte: Larpank, http://www.larpank.com.br/
Para que o trabalho aconteça, há necessidade de outros recursos, chamados de meios de produção; estes podem ser divididos em meios de trabalho e objetos de trabalho. Os meios de trabalho são os instru- mentos de produção (máquinas e ferramentas), as instalações (edifício, etc.), as fontes de energia utilizadas na produção e os meios de trans- porte. Os objetos de trabalho são os elementos sobre os quais ocorre o trabalho humano (matérias-primas minerais, vegetais e animais, o solo, etc.) Qual é a principal atividade econômica de seu município? Identifi- que quais são os principais meios e objetos de trabalho existente nele.
O elemento mais importante para pensar a produção do espaço é o trabalho. Mas não o trabalho individual, e sim o trabalho social, de- senvolvido pelas sociedades, que criam, desenvolvem e estabelecem as condições de continuidade da própria sociedade. A cada geração utili- zam-se objetos do passado e acrescentam-se a eles novas criações. Co- mo exemplo disto, pode-se apontar o tear manual que evoluiu para o mecânico, capaz de produzir muito mais tecido em bem menos tempo.
Ao longo da história humana os meios de trabalho vão se alteran- do, a primeira grande transformação foi a domesticação dos animais de tração e/ou de transporte (bois, cavalos, camelos), isto quando a re- lação sociedade-natureza apresentava um grande grau de dependên- cia. Por volta do século XVIII afastamo-nos dos ritmos da natureza com o desenvolvimento da mecanização. Esta intensificou as transforma- ções, dominações e alterações econômicas do/no espaço.
Você sabe o que é Revolução Industrial? Já ouviu falar dela? Esta “revo- lução” tem tudo a ver com a mecanização dos meios de trabalho (lembra do tear citado anteriormente?). A Revolução Industrial aconteceu no sécu- lo XVIII, mas seu impacto na produção do espaço foi tão grande que até hoje sofremos suas conseqüências (veja o Folhas “A indústria já era?”).
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Com o advento da era industrial, as máquinas passaram a ocupar os mais variados espaços da vida humana (máquinas de lavar, andar, cozinhar). No espaço agrário (campo) aconteceram significativas trans- formações. A introdução de maquinários para a preparação da terra, para o plantio e colheita, a seleção das espécies mais adequadas pa- ra a industrialização, alteraram não somente a produção agrícola como também causaram impactos sociais, visto que grande parcela da popu- lação rural dos países pobres (ou em desenvolvimento) não dispunha de recursos financeiros para produzir seguindo as novas técnicas (ve- ja o Folhas “Fome: problema econômico?”).
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Assim, com a crescente adoção de técnicas de produção mais ela- boradas para as atividades agrárias, houve uma migração forçada de milhares de famílias para as cidades, pois, não podendo competir com os produtores com condições financeiras de adotar tais técnicas, estas famílias perderam o meio de produção de onde tiravam a sua sobre- vivência. Entretanto, as cidades não tinham infra-estrutura adequada para receber esta população, levando-as a viver em condições inade- quadas de moradia, saneamento, atendimento à saúde e à educação. Desse modo, o desordenamento do espaço urbano foi agravado em conseqüência de mudanças no espaço agrário.
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Mas as transformações do espaço e a evolução dos meios de produção e do trabalho continuam em evolução. Segundo Milton Santos (2004), a década de 1970 foi marcada pelo início da mudança do meio técnico (tec- nificação) para o meio técnico-científico-informacional. Este novo espaço é marcado pelo desenvolvimento tecnológico, o que possibilitou a ascen- são da produção flexível em substituição ao modo fordista de produção (veja o Folhas “A industria já era?”). Essa transição modifica o território, que sofre um processo de desenvolvimento científico, técnico e de obten- ção de informação, elementos que possibilitam a falada globalização (veja o Folhas “Dinheiro traz felicidade?”, “A união faz a… ? e “Nós da rede”).
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No período da tecnificação (o qual antecede o meio técnico-cien- tífico-informacional) as transformações e produção do espaço, segun- do os critérios técnicos, eram limitados, pois poucos eram os países e regiões que possuíam domínio da técnica ou podiam utilizá-la. No en- tanto, mesmo nestes poucos, as atividades econômicas desenvolvidas eram geograficamente concentradas, de modo que as alterações no es- paço estavam longe de ser generalizadas. Continuavam a existir luga- res sem industrialização, sem utilizar máquinas, etc.
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O meio técnico-científico-informacional também não se espalha igual- mente por todos os espaços, existem as áreas desconectadas, que podem estar “nas cidades do interior dos Estados Unidos da América ou nos subúr- bios da França, assim como nas favelas africanas e nas áreas rurais caren- tes chinesas e indianas” (Castells, 2001, p.54). Este meio possui maior capacidade de interferir, criar hábitos, alterar o modo de vida das populações nos mais distantes rincões (veja o Folhas “A gente se vê no Shopping?”).
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O meio técnico-científico-informacional é caracterizado pela capa- cidade da sociedade humana de utilizar a informação e pela agilidade com que esta percorre o mundo e os lugares, criando o “tempo mais rápido”. E, para isto, os computadores e a internet são elementos es- senciais. Compare o “tempo da internet” com o tempo “natural”, aque- le comandado pelo ciclo das estações. Eles são diferentes? Você conse- gue explicar o porquê desta diferença?
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O que é um “tempo mais rápido”? A transformação, produção, recons- trução, a circulação dos objetos, informações e pessoas se dão de forma mais veloz. Podemos ver isto principalmente no ritmo de vida das pes- soas das grandes cidades; no tempo que uma gripe do frango leva para contaminar vários países; no período de tempo que leva entre a queda da Bolsa de Valores de Tokyo e a observações de efeitos negativos em nos- sa exportação (veja o Folhas “Dinheiro traz felicidade?”). O tempo agora é ditado pelo relógio (“Tempo é dinheiro?”) e não mais pela natureza.
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A cidade, o campo, os lugares e os territórios assistem a transfor- mação de suas paisagens, sendo reestruturados para este novo tempo. Os espaços assumem novas funções – turismo, indústrias, setor terciá- rio superior, etc., tudo comandado pelo capital, pois este sempre pro- cura alterar os espaços em busca de maiores ganhos. Na busca de lu- cros, o capital vai criando mecanismos para que isto ocorra.
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O Conteúdo Estruturante “Dimensão econômica da produção do/no espaço” é bastante amplo, os Folhas que seguem abordam com mais pro- fundidade alguns dos aspectos que tratamos nesta breve introdução. Cabe a você usar o seu tempo para pensar sobre o espaço e suas transforma- ções, afinal de contas, isto altera sua vida. Aproveite as novas tecnologias e embarque neste conteúdo e… bons estudos.
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Referências Bibliográficas
CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
HOUAISS, A.; VILLAR, M de S; FRACO, F M de M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 2922 p.
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SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4 ed. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2004.
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Obras Consultadas
OLIVEIRA, A. U. A lógica da especulação imobiliária. In: MOREIRA, Rui (Org).
Geografia: teoria e crítica. Rio de Janeiro: Vozes, 1982.
SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1986.
Documentos Consultados ONLINE
Ensino Médio
148 Dimensão Econômica da Produção do Espaço Geográfico
Geografia
9
A INDÚSTRIA
JÁ ERA?
- André Aparecido Alflen1, Gisele Zambone2
om a crescente virtualização do “mundo” parece que a indústria (grandes barracões, chaminés sol- tando fumaça, muitos empregados assumindo seus turnos, produzin- do toneladas de produtos) não tem mais razão de ser. Mas… será que é
isso mesmo? A indústria já era? E os em- pregos que ela gerava, onde estão? Desa- pareceram?
1Colégio Estadual Vinícius de Moraes – Campo Mourão – PR
2Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins – Curitiba – PR
A Indústria Já Era?
149
- Símbolo do Linux, sistema operacional que é uma coleção de softwares livres, criados por indivíduos, grupos e organiza- ções ao redor do mundo.
Mas por que isso parece ser assim? Não precisamos mais comprar CD de músicas – agora fazemos downloads de arquivos MP3. Tam- bém não precisamos mais de grandes bibliotecas com milhares de li- vros. Os livros, filmes e fotos estão armazenados num computador, em um CD ou na Internet, e já não precisamos produzir papel, tin- ta, nem bibliotecas. Não precisamos de papel! Enviamos nossos tra- balhos por e-mail para os professores. Fotografias? Estas então muda- ram completamente. Aqueles álbuns que a gente montava depois de cada festa ou cada viagem estão sumindo. Guardamos tudo no com- putador ou no celular. Não precisamos ter mais um aparelho de som, uma televisão, um CD ou DVD player, agora o computador é capaz de ter tudo isto. Do jeito que vai, parece que a indústria só vai preci- sar construir computadores.
Sem dúvida aquela indústria da II Revolução Industrial, assim co- mo foi com as indústrias da primeira Revolução, está fadada à extin- ção. Algumas indústrias tradicionais ainda existem, mas já não domi- nam a paisagem. Talvez você conheça alguma fábrica. Se não, que tal visitar uma?
Vivemos uma revolução tecnológica, chamada, por alguns, de terceira revolução industrial ou revolução tecnológica. Esta revolução tem atingi- do direta ou indiretamente todos os setores da economia, alterando ques- tões como produtividade e qualidade da produção. Este processo é re- sultado da evolução tecnológica que vai criando novos produtos, novos desejos de consumo, novas formas de produzir. Mas é preciso destacar que não é só a indústria e sua produção que se altera, todo o espaço so- fre conseqüências. Você poderia apontar algumas destas alterações que o espaço geográfico sofre?
A imagem clássica, em relação à indústria, veiculada por muito tem- po foi a de grandes barracões e suas chaminés soltando fumaça; uma grande quantidade de pessoas executando diversas tarefas e uma pro- dução em série (produtos padronizados, feitos de forma continuada).
Indústria de Curitiba
- Fonte: Gisele Zambone
Entretanto, essa é uma imagem cada vez mais rara em nossos dias. Por que isso está acontecendo? Será o fim da indústria?
A indústria moderna surgiu com a Revo- lução Industrial (séculos XVIII-XIX) como resultado de um longo processo que se ini- ciou com o artesanato medieval. Passando pela produção manufatureira, configurou-se pelo emprego de máquinas a vapor nos mais diversos ramos da atividade produtiva.
Você sabe por que aconteceu a I Revolu- ção Industrial? Sabe que tipo de energia era usada para o funcionamento destas indús- trias? Procure saber mais detalhes sobre este período, como as cidades industriais se confi- guravam, como eram os salários desta época e as condições de vida dos trabalhadores.
Na I Revolução Industrial, o desenvol- vimento industrial levou a uma crescen- te divisão do trabalho e ao crescimento da população urbana. Estes fatos, aliados à di- visão técnica e à organização da socieda- de, provocaram uma divisão social do tra- balho.
As cidades começam a apresentar importantes transformações em sua estrutura interna, como a dispersão das diversas atividades urba- nas, que passam a ocupar espaços seletivos, fato que vai se acentuar com a II Revolução Tecnológica.
Na cidade em que você vive existem mais espaços ocupados por indústrias ou por lojas? Ou, em sua cidade, há maior incidência de ou- tras atividades econômicas? Estes são os espaços seletivos: industrial, comercial, etc. Você sabe por que isso aconteceu?
Em meados do século XIX, com o advento das tecnologias que le- varam à II Revolução Tecnológica, a atividade industrial passou a apre- sentar dois padrões básicos de localização que provocaram impactos na paisagem urbana:
O primeiro padrão era marcado pela produção em larga escala de mercadorias pesadas e/ou volumosas, que necessitavam de fontes de energia abundantes e/ou terminais de transporte para a distri- buição da produção a um custo mínimo. Este padrão industrial en- contrava-se geralmente afastado do centro da cidade, empregan- do mão-de-obra residente em vilas operárias, criando os chamados bairros suburbanos. Indústrias ligadas ao modelo fordista;
O segundo padrão era caracterizado por indústrias com produ- ção em pequena escala e que utilizavam muita mão-de-obra. Loca- lizadas nas áreas centrais das cidades, compreendiam indústrias de vestuários e confecções, pele e couro, mobiliário, gráfica e edito- rial, criando uma concentração de estabelecimentos industriais me- nores no espaço central da cidade.
Se na I Revolução Industrial o vapor era a fonte de energia mais usada, na II Revolução Industrial a fonte principal passa a ser a ener- gia elétrica, o que permitiu o desenvolvimento de motores pequenos, que podiam ser colocados em máquinas pequenas e móveis – como enceradeiras e geladeiras, para citar alguns exemplos. Veja à sua volta quantos usos de energia elétrica.
O setor de energia elétrica penetrou aceleradamente nas indústrias química e metalúrgica, permitindo o desenvolvimento e barateamento de uma série de materiais. Nos países desenvolvidos a indústria de uti- lidades domésticas – que depende da energia elétrica – cresceu, tam- bém, como resposta à escassez e ao encarecimento da mão-de-obra de serviços domésticos.
A II Revolução Industrial caracterizou-se por uma rígida estrutura administrativa organizada de forma vertical para controlar a produção, separando a tarefa de quem executa e quem pensa a atividade e au- mentando, ainda mais, a alienação do trabalhador em relação à produ- ção, o que já se verificava na I Revolução Industrial.
No momento atual, vivemos a chamada III Revolução Industrial. Nesta fase a indústria, ou a fábrica global, tem como características a possibilidade de descentralizar sua produção em vários países e se ins- talar em qualquer lugar do planeta, observando, é claro, algumas van- tagens oferecidas pelo local.
Quadro 3
Fábrica Global
A “fábrica global” passa a ser a estratégia utilizada pelas grandes empresas internacionais para pro- duzir seus produtos. Para você entender melhor, veja este exemplo:
A Li & Fung, uma empresa de Hong Kong, produzia, nos anos 80, uma boneca parecida com a Bar- bie. A boneca foi desenhada em Hong Kong. Lá também foram criados os moldes plásticos, porque isto dependia de máquinas sofisticadas. Os moldes eram enviados para a China, e lá as diferentes partes da boneca eram produzidas, as bonecas eram montadas, pintadas e as roupas eram costuradas. Isto era feito na China, onde os salários são mais baixos, porque estas atividades dependem mais de mão-de- obra do que de equipamentos sofisticados. Mas como a China, naquele tempo, não tinha tecnologia pa- ra imprimir as caixas de embalagens com a qualidade desejada, tudo isto era enviado para Hong Kong de volta, onde eram feitos os testes e o empacotamento. E Hong Kong, por ser um importante centro fi- nanceiro e comercial, dispunha de serviços bancários e de transporte adequados para distribuir as bo- necas por todo o mundo.
Veja ainda o que diz um dos dirigentes da Li & Fung:
“Suponha que nós recebamos, de um distribuidor europeu, um pedido de 10.000 peças de vestuá- rio. Não é o caso de se considerar que nosso escritório na Coréia fornecerá produtos coreanos, ou que nosso escritório indonésio fornecerá produtos da Indonésia. Para este cliente nós podemos decidir com- prar algodão de um produtor coreano mas tecer e tingir o tecido em Taiwan. Então nós pegamos o algo- dão e o enviamos para Taiwan. Os japoneses têm os melhores zíperes e botões, mas eles os produzem na maior parte em fábricas na China. Okay, então nós vamos até a YKK, um grande produtor japonês de zíperes e pedimos o tipo adequado de zíper de suas fábricas chinesas. Então nós decidimos que, dadas as condições de cotas e custos trabalhistas, o melhor lugar para produzir as peças de vestuário é a Tai- lândia. Nós mandamos tudo para lá. E porque o cliente precisa que tudo seja entregue muito rapidamen- te, nós dividimos o pedido entre nossas cinco fábricas na Tailândia. … Cinco semanas depois de termos recebido o pedido, 10 mil peças de vestuário chegam às prateleiras na Europa, todas parecendo ter vin- do da mesma fábrica … A etiqueta pode dizer ‘Made in Thailand’, mas não é um produto tailandês.”
- MAGRETTA, Tradução Milton Adrião.
A tecnologia da microeletrônica, aplicada ao desenvolvimento da in- dústria típica da III Revolução, possibilitou uma mudança profunda nos padrões de produção industrial, o que permite que qualquer erro de pro- dução seja corrigido imediatamente, bastando para isso corrigir o softwa- re, podendo ainda produzir produtos personalizados. Mas será que essa automação ocorre em todas as indústrias? Ela é possível em todos os seto- res? Será que esse tipo de produção industrial já é um fato no mundo to- do? No Brasil, que produtos podemos afirmar que são produzidos em in- dústrias organizadas nos moldes da III Revolução Industrial?
Do ponto de vista social, a III Revolução Industrial não gerou au- mento de empregos. Por quê? Se a economia industrial está crescendo, por que ela não gera empregos como nos outros períodos?
A cada novo sistema tecnológico há toda uma série de mudanças, de estilo, padrões de produção e consumo, práticas concorrenciais e relações de trabalho que acabam repercutindo na organização da so- ciedade e do espaço Geográfico.
- kundw.umc-europe.org/2003/ november/27-01-ild0.jpg
Dirigido por Larry Wachowski, Andy Wachowski. Trata da realidade virtual (se é virtual pode ser realidade?). O Herói da história, Neo, e seus companheiros lutam contra as poderosas máquinas (Matrix) que controlam o mundo, as quais criaram uma realidade capaz de controlar todos os seres humanos e ainda usam estes como fonte de energia.
Para refletir sobre a socie- dade para a qual estamos ca- minhando, assista ao filme Ma- trix e analise o domínio da tecnologia sobre o homem.
E no Brasil, como a ativida- de industrial se desenvolveu?
No Brasil a atividade indus- trial, até 1930, foi fraca ou in- cipiente. Isto se deu, princi- palmente, porque no período colonial a organização sócio-es-
pacial foi dirigida para a produção de matérias-primas e produtos primá- rios para exportação. Por este motivo e por outros, chegamos ao século XX, como um país de fraca industrialização e na condição de país expor- tador de produtos primários (agrícolas e extrativos). Enquanto países co- mo a Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos já se encontravam na II Revolução Industrial, as nossas indústrias, até a década de 1930, se restringiam ao setor de gêneros alimentícios e de tecelagem, caracterís- ticas ainda da I Revolução Industrial. Seria esta uma das causas do nos- so país não se encontrar entre os países desenvolvidos?
A partir de 1930, o Brasil começou a intensificar sua industrializa- ção, atividade que, neste período, se concentrou na região Sudeste, es- pecialmente em São Paulo.
O desenvolvimento industrial brasileiro ganhou maior impulso após a II Guerra Mundial, pois este conflito, ao dificultar as importações, ge- rou estímulos à indústria nacional, que passou a desenvolver inter- namente muitos produtos que antes eram importados. Esse processo ficou conhecido como política de substituição de importações. A polí- tica de substituição de importação já vinha ocorrendo desde a primei- ra guerra (1914–1918). Esse fato acabou por intensificar ainda mais o desenvolvimento industrial brasileiro.
Os investimentos do Estado brasileiro na década de 50/60 no ra- mo da indústria de base (metalurgia, petroquímica), no setor de hi- drelétricas e na infra-estrutura em geral, atraíram investimentos, tanto estrangeiros quanto nacionais, que contribuíram para a internacio- nalização da indústria no Brasil. Os investimentos em infraestrutu- ra ocorreram principalmente na região sudeste, que se deu devido à crença de que a industrialização e o desenvolvimento econômico da região sudeste se irradiariam por todo o território brasileiro. Será que essa previsão se concretizou?
A partir de 1970, o governo brasileiro realizou investimentos (com o dinheiro público), que viabilizaram projetos da iniciativa privada. Es- tes investimentos tinham como objetivo incentivar uma relativa des- concentração industrial no Brasil.
O governo pode fazer investimento com dinheiro privado? Ele po- de investir em projetos privados/particulares? O que é a parceria pú- blica-privada (PPP)? Pesquise.
O processo de desconcentração da produção industrial, que se ini- ciou nos anos 70 e continua até os dias de hoje, tornou-se mais intenso a partir da década de 80, devido a vários fatores. A concentração econômi- ca no sudeste gerou uma “deseconomia de aglomeração”, ou seja, uma urbanização acelerada – que trouxe problemas de infraestrutura – e uma organização sindical forte que conseguiu melhorar os salários e tornou a região um pólo de lutas trabalhistas, isto provocou o encarecimento da produção, e evidenciou a necessidade da desconcentração industrial; desta forma, algumas iniciativas foram tomadas neste sentido.
No interior de São Paulo, o processo de reorganização espacial da indústria tem se direcionado, principalmente para as cidades de por- te médio, especialmente, aquelas situadas ao longo dos grandes ei- xos rodoviários. Estas cidades possuem estratégias para atração das empresas baseadas em vantagens, como: doação dos terrenos, infra- estrutura e outros.
Essa reorganização espacial da indústria, que também pode ser de- nominada de reestruturação produtiva do espaço, tem motivado uma
disputa entre as unidades da federação por meio de incentivos fiscais, além das vantagens já citadas. Com o objetivo de atrair indústrias de outras regiões e de outros países. Em nome do desenvolvimento e da geração de empregos diretos e indiretos, trava-se uma guerra entre os lugares para ver quem fica com a produção, pois em muitos lugares a fábrica nem se instalou ainda. E nada se fala dos gastos públicos e dos processos de automação que quase não geram empregos.
Essa guerra fiscal se trava em torno de um suposto desenvolvimen- to econômico que nem sempre ocorre com a simples implantação da indústria, pois no entender de Milton Santos (2002), na economia glo- balizada os lugares valorizam e desvalorizam-se muito rapidamente.
O que é a guerra fiscal? Esses gastos públicos serão recuperados?
Serão compensados pelo desenvolvimento econômico?
Verifica-se que no caso brasileiro, apesar de haver uma dispersão das plantas industriais em direção ao interior, o comando das grandes empresas continuam sendo centralizadas nas regiões metropolitanas, principalmente do sudeste brasileiro.
A desconcentração industrial verificada a partir da década de 70 não se deu de maneira uniforme (não foram todos os lugares que re- ceberam industrias) e não ocorreu em todos os setores industriais. Dentre as regiões do Brasil, o Sul é o que mais se beneficiou desse re- arranjo industrial, pois tem um aumento expressivo no número de es- tabelecimentos industriais. Em 1970, respondia com apenas 14,79% do total de pessoas empregadas na indústria brasileira; na atualidade, res- ponde por mais de 24% do total nacional.
Mas antes de continuarmos, analise os mapas dos setores indus- triais e responda:
As áreas industriais estão em todo território brasileiro? Onde estão menos presentes?
Que tipo de atividade industrial aparece em menor intensidade na região Sudeste? Que explicação podemos apresentar para isto?
Principais Setores Industriais no Brasil – 1999
- Fonte: Atlas geográfico escolar multimídia. Rio de Janeiro, CD-ROM.
Quanto às demais regiões brasileiras, em linhas gerais, é possível afirmar:
A Região Centro-Oeste também tem aumentado sua participação na produção industrial, embora ainda em pequeno número, localizando- se apenas em alguns pontos do seu território. Além das indústrias ex- trativas do setor de mineração, atrai algumas grandes agroindústrias sulistas e do sudeste que transferiram para esta região etapas da sua cadeia produtiva. O que é cadeia produtiva? O que é agroindústria?
A região Nordeste teve, na década de 80, um decréscimo no nú- mero de estabelecimentos industriais e no número de empregos, mas tem atraído também algumas indústrias do sudeste, principal- mente pela mão-de-obra mais barata nesta região e pelos incenti- vos fiscais. (Veja o texto sobre o Ceará). O estado da Bahia é o que mais tem atraído indústrias, principalmente do setor petroquímico. O que a Bahia tem para atrair as indústrias deste setor? Em que re- gião do Estado estas indústrias se concentram?
Quadro 4
Ceará vira pólo exportador de grifes de luxo
- Isabelle Moreira Lima
Cerca de 450 operários trabalham sob o forte calor cearense produzindo calças nas quais costu- ram etiquetas originais da marca de jeans italiana Diesel, vendidas à luxuosa grife por US$ 12 e reven- didas em lojas espalhadas pelo mundo por até US$ 600.
Segundo o diretor-presidente da SN Confecções, André Nunes, design e material determinam o va- lor de um produto. No caso das Diesel cearenses, o tecido é a sarja do tipo “strand”, que vem de San- ta Catarina. O custo do tecido saiu por R$ 6,44, o que não é exatamente caro.
Mas são a mão-de-obra e a localização que barateiam o custo e fazem do Ceará um lugar muito atraente para confecções norte-americanas e européias de luxo.
Na SN, por exemplo, um costureiro ganha no mínimo R$ 320 e no máximo R$ 500, de acordo com sua produção.
A logística é perfeita: o Ceará tem dois portos grandes (o do Mucuripe, em Fortaleza, e o do Pecém, a 60 km da capital) e teve seu aeroporto reformado e adaptado para receber vôos internacionais ainda na década de 90.
“Há navios com saída duas vezes por semana e a viagem só demora seis dias”, diz André Nunes.
É justamente por causa do “pacote perfeito” oferecido pelo Ceará, de mão-de-obra e logística, que marcas de luxo escolhem o Estado para produzir, diz o agente comercial da Globaltex, Edson Palhares.
- Folha de São Paulo, São Paulo, domingo, 13 de novembro de
A região Norte do Brasil, onde se encontra a Zona Franca de Ma- naus, tem mostrado uma diminuição do número de estabelecimen- tos industriais, com um crescimento do número de pessoas ocupa- das e aumento do valor da produção industrial. Em outras palavras, diminuiu no número de indústrias e aumentou a produção. A que se deve este fato?
Quadro 5
SP e Rio têm maiores perdas de participação no PIB brasileiro, diz IBGE
- Janaina Lage
Segundo o Coordenador de Contas Regionais, Frederico Cunha, diversos fatores explicam a per- da de participação do Estado de São Paulo nos últimos anos, com destaque para a perda de participa- ção da indústria. Em 2000, a participação do Estado no Produto Interno Bruto era de 33,7%. Em 2003, caiu para 31,8%.
Em 1985, início da série histórica, a participação da indústria paulista no PIB era de 51,6%. Em 2003, este patamar caiu para 40,4%. De acordo com Cunha, a disseminação de indústrias leves, co- mo as de alimentos, nos demais Estados, as políticas de incentivos fiscais e a guerra fiscal contribuíram para a maior desconcentração da indústria.
O avanço da fronteira agrícola também contribuiu para reduzir a concentração da agricultura nacio- nal, segundo o coordenador.
O ano de 2003 foi particularmente negativo para a indústria paulista em razão do cenário de juros al- tos. “Toda e qualquer política fiscal ou monetária que influencia a demanda agregada interfere no desem- penho da indústria paulista. Se as famílias param de consumir, isso afeta a indústria paulista, que tem par- te de sua produção voltada para o mercado interno”, afirmou Cunha
Se na região Sudeste houve queda na participação no PIB, o grupo de Estados ligado à agroin- dústria (formado por Pernambuco, Goiás, Pará, Espírito Santo, Ceará, Amazonas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), além do Distrito Federal, foi, por sua vez, o que mais avançou.
Entre as quatro maiores economias do país, o Rio Grande do Sul apresentou o melhor resultado. Além de registrar um crescimento de 21% na atividade agropecuária, o Estado teve bom desempenho nos setores industriais voltados para as máquinas e implementos agrícolas, ligados ao avanço da agro- pecuária. Os setores industriais que contribuíram para a expansão foram a indústria mecânica e mate- rial de transporte.
Este resultado não deverá se repetir nas contas de 2005. Neste ano, o RS enfrentou forte queda da produção agrícola em razão da estiagem e o desempenho da indústria de máquinas e equipamentos destinados à agricultura sofreu forte queda em razão da revisão de projeções da colheita.
- Folha Online, 04/11/2005. folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u102050.shtml
Começamos este Folhas falando que a ”indústria já era”. Qual sua opinião sobre o tema após ter trabalhado este Folhas?
Referências Bibliográficas
ATLAS Geográfico Escolar Multimídia. CD-ROM. Rio de Janeiro, 2004. MAGRETTA, J. FUNG, V. Fast, global and entrepreneurial: supply chain management, Hong Kong style an intertview. Harvard Business Review on Managing The Value Chain, 2000.
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Obras Consultadas
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Documentos Consultados ONLINE
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www1.folhaouol.com.br/folha/dinheiro/ult91u102050.shtml. Acesso em: 4 nov. 2005.
ANOTAÇÕES
Ensino Médio
162 Dimensão Econômica do Espaço Geográfico
Geografia
10
A GENTE SE VÊ NO SHOPPING ?
- Gisele Zambone1
hoppings são espaços exclusi- vos de compra? Quando você vai ao shopping, você vai às compras? É o local para se ver ou para ser visto? Como você inter- pretaria o título acima?
1Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins – Curitiba – PR
A Gente se vê no Shopping?
163
Shopping é um estrangeirismo e embora a palavra não tenha ori- gem portuguesa, provavelmente a maioria dos brasileiros é capaz de entender seu significado ao vê-la. Mas o que significa shopping em in- glês? O lugar de compra ou o ato de comprar, de adquirir?
Muitas palavras utilizadas neste Folhas são estrangeirismos como você verá ao longo do texto. Então, pesquise o que é estrangeirismo. Mas antes, observe ao redor. As influências estrangeiras apresentam- se apenas na língua ou aparecem, também, na produção do espaço? Em sua cidade existem influências estrangeiras? Onde? Nas constru- ções? Nos nomes das lojas e supermercados? Nos panfletos de propa- gandas?
Neste Folhas discutiremos um pouco sobre este local e outros es- paços de consumo, para começarmos o assunto, pare, observe e refli- ta sobre as semelhanças e diferenças das imagens a seguir.
Shopping em Curitiba, PR Área de lazer, em Curitiba, PR
Os shopping centers surgiram nos Estados Unidos na década de 1950. Sua gênese está ligada ao aparecimento dos subúrbios das ci- dades norte-americanas, fato que também se deu associado à amplia- ção do uso do transporte individual, o automóvel. Os subúrbios norte- americanos são conjuntos residenciais afastados do centro da cidade e até da área urbana; são marcados pelas construções de grandes ca- sas, sem muros e com amplas áreas verdes ao redor. São um ícone do bem morar naquele país. No Brasil, temos algumas áreas similares, co- mo o Alphavile Graciosa (Região Metropolitana de Curitiba) e o Tam- boré (Região Metropolitana de São Paulo). O que o automóvel tem a ver com isto? O automóvel permite a locomoção da população até es- sas áreas. E também – o que é importante para nosso tema – o acesso às lojas que estão no caminho da casa para o trabalho.
O primeiro shopping center brasileiro foi inaugurado na cidade de São Paulo em 1966. De lá para cá, eles se tornaram elementos presen- tes na vida e na paisagem urbana das grandes cidades. Até a década de 1980, os shoppings centers eram empreendimentos quase que exclusi- vos das capitais dos estados, mas a partir de meados desta mesma dé- cada, eles passaram a ser construídos nas cidades médias e, também, no interior dos estados.
Os shopping centers brasileiros apresentaram, inicialmente, localização diferente das dos norte-americanos. No Brasil, os primeiros shoppings se localizaram em áreas comerciais tradicionais, ao longo de grandes avenidas. Com a interiorização, começaram a se localizar ao longo de rodovias. São estabelecimentos que procuram atrair a população de diversas cidades, ampliando assim o possível número de clientes, os consumidores.
Atualmente, a escolha de locais para a instalação de shoppings centers
continua a mesma?
Com os dados da ABRASCE (Associação Brasileira de Shoppings Cen- ters), podemos verificar, na tabela, o aumento no número de shoppings desde seu aparecimento no Brasil e algumas particularidades sobre eles.
Observação importante: um grande número de outros centros co- merciais, de médio e pequeno porte, não estão incluídos entre os esta- belecimentos associados da ABRASCE. Esta congrega, aproximadamen- te, 63% dos shoppings centers brasileiros – dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES (GOMES, et al, 2004).
TABELA 1
Dados gerais referente aos Shoppings Centers no Brasil filiados a ABRASCE (Agosto 2005) | |
Número Total de Shoppings | 262 |
Em operação | 241 |
Em construção | 21 |
Área Construída (m2) | 14.337.067 |
Vagas para carros | 415.341 |
Lojas Satélite | 41.009 |
Lojas Âncora | 914 |
Salas de Cinema | 1.105 |
Empregos Gerados (mil pessoas/mês) |
484.110 |
Faturamento (R$ Bi) em 2004 | 36,6 |
Percentual de Vendas
em Relação ao Varejo Nacional (Excluído Setor Automotivo) |
18% |
O sudeste é a região onde estes mais se concentram, sendo que na cidade de São Paulo encontramos a maior concentração, 24% do total brasileiro. As regiões Norte e Centro-Oeste aparecem com uma pequena parcela, aproximadamente 6% (GOMES, et al, 2004).
Mapa 1 – Brasil: Densidade Demográfica
Mapa 2 – Brasil: Rendimento médio
- Fonte: Atlas geográfico escolar multimídia. Rio de Janeiro, CD-ROM.
Qual é a explicação para esta dis- tribuição? Os mapas de “habitantes por km2” e o de “rendimento mediano” de- vem ajudar em sua resposta
Espalhados por muitas cidades brasileiras, estes estabelecimentos co- merciais têm grande importância eco- nômica, política e social.
Econômico: são geradores de inúmeros empregos; geram gran- de quantidade de impostos, são construídos por grandes empresas privadas, que demandam recur- sos tanto em sua construção quan- to em seu funcionamento. Também podem auxiliar no desenvolvimen- to urbano das cidades, pois tendem a modernizar a área na qual se lo- calizam, atraindo um grande nú- mero de serviços e consumidores, o que pode contribuir para a valo- rização da região onde se instala.
Que tipo de mudanças podemos apontar para demonstrar que hou- ve valorização da região? Que outros empreendimentos podem gerar a va- lorização do espaço urbano?
Político: sua localização demanda uma decisão importante, pois es- te pode gerar benefícios, como os apontados anteriormente, ou pro- blemas. Os shopping podem ge- rar impactos no tráfego local, pro- vocando congestionamento e maior poluição atmosférica e sonora. Afe- tam também os tradicionais centros comerciais de rua, provocando uma desvalorização destas áreas e, em al- guns casos, gerando até mesmo o fechamento de lojas, e, conseqüen- temente, desemprego.
Na cidade onde você mora, já observou locais onde os estabeleci- mentos comerciais fecharam? O que provocou isto?
Social: os shopping tornaram-se progressivamente não só um local de compra, composto de lojas e vitrines. Atualmente, os shopping re- presentam também locais de convívio, espaços de visibilidade pa- ra aqueles que querem ver e serem vistos, o local do footing. Um local onde o usuário se sente mais seguro, confortável, pois o ambiente é climatizado, e “vigiado”. Onde o usuário pode ser participante de um mundo globalizado, pois os ambientes dos shoppings possuem um padrão global. Observe o estilo arqui- tetônico, disposição e a presença dos mesmos elementos, como praças de alimentação e cinemas. Até os cheiros são semelhan- tes. Você concorda com isto? Quais elementos demonstram que os shopping são locais globalizados?
Os shopping também passaram a ter grande importância como lu- gar de lazer. Lazer este que, geralmente, é pago – o ingresso do cine- ma, os jogos eletrônicos, a bebida na praça de alimentação.
Toda a população tem dinheiro para adquirir este lazer?
Segundo GOMES (2002, 164), “Fisicamente, o espaço público é, antes de mais nada, o lugar, praça, rua, shoppings, praia, qualquer tipo de espaço, onde não haja obstáculos à possibilidade de acesso e partici- pação de qualquer tipo de pessoa.” Partindo deste pressuposto, você afirmaria que os shopping centers são lugares públicos? Que elemen- tos você apontaria para embasar sua reposta?
Os tradicionais locais de encontro ou de lazer, como as praças, os cinemas, os campinhos de futebol, desapareceram ou perderam im- portância com o aparecimento dos shopping?
Na maioria das cidades menores os cinemas fecharam em decor- rência da televisão, e mais tarde, com o advento do vídeo. Nas gran- des cidades estes se reestruturaram, com salas menores, mais con- fortáveis, com maior qualidade de áudio e vídeo, e se concentraram nos shopping.
Os shopping geralmente pertencem a grandes empresas privadas, como a Iguatemi Empresa de Shopping Centers S. A., proprietária do Shopping Curitiba (Curitiba – PR), e a Rede Nacional de Shoppings Centers Ltda (Renasce) proprietária do ParkShopping Barigüi (Curitiba – PR).
Juridicamente, são locais privados, entretanto tem sido utilizados como um local público. Mas são utilizados por todo tipo de pessoas?
É possível verificar o quanto este tipo de atividade econômica é im- portante para a economia de uma cidade ou região. Mas ela também tem se tornado importante na vida das pessoas. Para alguns especia- listas, estes estabelecimentos representam o modo de vida urbano de uma sociedade centrada no consumo.
No Brasil, as transformações no comércio se intensificaram após a II Guerra Mundial, década de 50, com a consolidação e a expansão da indústria de nosso território. Isto, associado à produção industrial de bens de consumo duráveis e não duráveis, produzidos em grande esca- la, à crescente concentração de pessoas nas cidades (veja Folhas “A in- dústria já era?”), ao aumento do consumo e à generalização do uso do automóvel, possibilitou a introdução de novas formas comerciais, co- mo os shoppings centers, mas também a consolidação dos supermerca- dos e hipermecados – a diferença básica entre os dois está no número de caixas (check out) e na variedade de produtos disponíveis. Veja um exemplo de check out na imagem a seguir.
Check-out em supermercado – Curitiba, PR
- Fonte: Acervo pessoal – Gisele Zambone
Silvana Pintaudi (1987/1988/1999), geógrafa que há muito tem discutido sobre os supermercados, aponta vários elementos que merecem atenção. Se- gundo ela, o primeiro supermercado surge na cidade de São Paulo, em 1953, e traz consigo o self-service, ou seja, os consumidores passam a ter contato di- reto com as mercadorias, sem a neces- sidade de um vendedor intermediando a compra, reduzindo significativamente os custos no sistema de vendas, permi- tindo assim um maior lucro para o co- merciante, além de possibilitar o conta- to direto do consumidor com o objeto de desejo: a mercadoria. A expansão dos supermercados também se deu graças à geladeira e à redução de seu
custo, pois ela permitiu que as pessoas pudessem abastecer suas casas com gêneros alimentícios perecíveis por períodos mais longos, exigin- do assim menor número de visitas ao comércio.
Os supermercados são espaços comerciais que possibilitam às pes- soas encontrarem, num mesmo local, um grande conjunto de merca- dorias disponíveis para seu abastecimento, não sendo necessário ir a vários pontos de compra de produtos, como na quitanda, mercearia, padaria, peixaria, açougue, empório, bazar e outros. Mas, assim como os shopping, estes estabelecimentos ocasionam mudanças no espaço urbano, provocando impactos negativos, seja provocando congestio- namento nas ruas próximas, seja contribuindo para o desaparecimen- to dos pequenos comércios. Leia o texto: Vitória e Londrina lutam pa- ra impedir instalação do Wal-Mart.
Não foram somente os locais de consumo que se modificaram, os produtos e as necessidades das pessoas também. Associada à vida ur- bana, a família se modifica, ficando menor ou assumindo configura- ções diferentes. Assim, a quantidade de produtos a comprar se modifi- ca – para famílias menores, porções menores são necessárias.
As mulheres, ou a mãe de família, passam a trabalhar fora. Não há mais tempo para preparar elaboradas refeições em casa, compra-se produtos congelados ou semi-prontos. Identifique a diversidade destes produtos e quais suas origens (onde foram produzidos).
Os meios de comunicação de massa, como a televisão, (produto que pode ser comprado em um hipermercado), invadem os lares e, através da publicidade, criam necessidades. Lembre-se disso quando for com- prar o último lançamento de bolachas. Procure no supermercado qual são os novos lançamentos de produtos e procure informações sobre o que eles, de fato, têm de novo em relação aos seus antecessores.
A indústria, buscando maiores ganhos, gera uma grande diversida- de de produtos, para diferentes consumidores. Isto sem falar do am- plo domínio de algumas empresas sobre algumas linhas de produtos. Observe a quantidade de tipos de shampoo. Quem os fabrica? Verifi- que também quais são os fabricantes das diferentes pasta-de-dentes e sabão em pó no Brasil.
Embora a expansão do supermercado no Brasil esteja associada ao automóvel, a escolha do ponto (o local onde está localizada a loja) é apontada pelas empresas do setor como importante para o bom de- sempenho do negócio. Isto faz com que grandes empresas disputem pontos, provocando um aumento do valor da terra urbana.
A escolha do ponto demanda um levantamento sócio-econômico da região alvo onde o estabelecimento comercial pretende se instalar. Entre os fatores analisados estão: densidade demográfica, a renda fa- miliar e o acesso ao local. Por que estes fatores são importantes para definir o melhor ponto?
Os supermercados e shoppings centers têm ligações com as mudanças no espaço urbano, mas também têm gerado mudanças culturais na po- pulação, pois geram novos costumes. Dentre estas mudanças culturais, muitas delas importadas, vamos discutir um pouco sobre os fast food.
Fast Food, em Shopping – Curitiba, PR
- Fonte: Gisele Zambone – acervo
Assim como shopping center, a expressão fast food também é um estrangeirismo. E também, como vimos no caso dos shoppings centers, o fast food está associado às mudanças do modo de vida urbano.
As grandes distâncias a per- correr entre casa e trabalho, nas grandes cidades, dificultam ou mesmo impedem que as pesso- as voltem para casa para almo- çar. Isto impôs aos trabalhado- res destas cidades a necessidade de consumir refeições rápidas. Para atender a esta exigência os fast foods parecem ser per- feitos, não é mesmo?
No Brasil o fast food se consolida na década de 1980, inicialmen- te através de redes internacionais, principalmente norte-americanas, que adotavam o esquema de franchising. Mas logo começaram a sur- gir empresas nacionais com este formato de atendimento. Além do for- mato do atendimento, os fast food trazem consigo um tipo de produto que é igual em todos os pontos de vendas da rede. A empresa franque- adora é quem determina quem vai consumir (quem são os potenciais clientes daquela loja), como vai consumir (disposição da loja, cores, móveis, etc.), como vai manipulá-lo (como produzir e quem vai for- necer os produtos), tudo isto para manter a homogeneidade da mar- ca. Quando se vai a uma rede de fast food, não importa o local que ela esteja, a sensação visual e gustativa deve ser a mesma. Isto é uma das marcas da tal globalização.
Este tipo de estabelecimento comercial não tem como clientes mais fiéis os ocupados trabalhadores das grandes cidades, nem se encontram somente nas grandes cidades. Sobre a sua clientela, leia o quadro Ado- lescentes Globais. Quanto a sua disposição territorial, estas se encontram espalhadas principalmente pelas grandes e médias cidades, mas os tipo de produtos vendidos se espalham pelos mais diversos municípios brasi- leiros. Como afirma a pesquisadora Silvia Ortigoza (2005),
“Ele aparece também em outras cidades (mesmo quando não é necessário), como signo da participação no mundo global, moderno, onde a velocidade está presente. O fast food, nas metrópoles, faz parte do ‘cotidiano’, nas cida- des menores ele representa a ‘festa’. De um modo ou de outro, ele exerce seu fascínio, pois enquanto uns vêem nessa ‘forma de comer’ uma necessi- dade, outros encontram nela prazer, realização, lazer”.
No município onde você mora existem redes de fast food? Elas são necessárias para a alimentação dos trabalhadores, como foi apontado ou, como a autora acima afirma, representam a ‘festa’?
GLOSSÁRIO
Lojas-âncora: correspondem às grandes lojas, que têm clientes cativos, que por si só atraem público, como exemplo a C&A, Casa e Vídeo, Casas Bahia, Renner e Lojas Americanas.
Lojas-satélite: também há as que são lojas de sucesso, mas menores, em geral, estas lojas precisam mais do shopping, do que o contrário.
Referências Bibliográficas
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Novos Caminhos da Geografia. São Paulo: Contexto, 1999. p.137-153.
Obras Consultadas
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Documentos Consultados ONLINE
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Ensino Médio
174 Dimensão Econômica do Espaço Geográfico
Geografia
11
NÓS DA REDE
- Gisele Zambone1, Leda Maria Corrêa Moura2
uais são as redes que envol- vem estas pessoas?
Como estas redes as amarram?
Você consegue enxergá-las na paisagem?
Figura 1
- Fonte: sxc.hu
1Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins – Curitiba – PR
2Colégio Estadual Euzébio da Mota – Curitiba – PR
Nós da Rede
175
O que é uma rede?
O fato de um animal “cair” numa rede significa, geralmente, que ele foi capturado, caçado ou aprisionado. O caçador, quando trabalha a serviço da indústria, participa da “rede” de exploração deste animal e/ou de suas qualidades, visando lucro. Também participam, embora de forma diferen- te, aqueles que consomem os “produtos” derivados daquele animal.
Pense num carrinho de supermercado carregado com as compras do mês. Em quantas redes ele pode estar envolvido?
As pessoas da figura 1 não estão envolvidas por nenhuma rede/teia material, visível. Mas isso não quer dizer que elas não sejam, de certa forma, “prisioneiras”. Mas afinal, de que natureza é a rede/teia que en- volve/aprisiona o ser humano?
Antes de nos apressarmos na resposta desta questão, vamos ler al- gumas definições de rede contidas no dicionário.
Você já deve ter notado que as pessoas da figura 1 estão envolvi- das por mais de uma rede. Então, vamos tentar identificar as diversas redes que envolvem tanto a elas como a quase todos nós por meio do seguinte exercício:
Listem, em equipe, os objetos que vocês têm em casa e que possi- bilitam suas conexões com o mundo. Estas conexões devem ser enten- didas de maneira ampla, desde a relação com o grupo social mais res- trito (família, amigos, professores, namorados(as), vizinhos), até com as coisas que acontecem no mundo.
Estes objetos que vocês listaram são a parte da teia (a materialidade dela) que alcança vocês nas suas casas, nos seus cotidianos. Para esta- belecer a sua conexão com o mundo, os “fios” dessa teia alongam-se por todo o planeta, amarrados por milhares de nós.
Esses fios estão, necessariamente, materializados no espaço geográ- fico? Podemos vê-los? Tocar neles?
Muito bem, uma das redes que envolvem as pessoas da figura 1 já conseguimos identificar. Mas, será que existem outras?
Vamos refletir juntos sobre outros tipos de rede. Para isso, nos uti- lizaremos da linguagem poética para guiar nossa reflexão.
Leia os trechos da poesia “Eu, Etiqueta”, de Carlos Drumond de An- drade. Você pode acessar os sites http://www.minerva.uevora.pt/pu- blicar/etiquetas/poema.htm ou http://www.alavip.com.br/curiosida- des_euetiqueta.htm e ler o poema na íntegra.
A rede dos sentidos, no texto de Drummond, aponta para um sen- timento e para uma transformação do eu-lírico (o narrador do poema). Você é capaz de identificar que sentimento e que transformação é essa?
A poesia de Drummond faz uma crítica a comportamentos que, na maior parte do tempo, não são problematizados pelas pessoas. Ao contrário, participar das situações que a poesia descreve, muitas ve- zes, nos é imposto como condição para estabelecer comunicação com pessoas com as quais desejamos nos relacionar socialmente (fazer par- te da tribo). Alguns de nós, geralmente aqueles que se encantam com tudo isso, valorizam tanto os comportamentos questionados na poesia, quanto o consumo exagerado a que ele remete e não se sentem inco- modados por estarem atados a esta rede.
Que relações podem ser estabelecidas entre a rede presente na po- esia de Drummond e aquela da lista de objetos que vocês organizaram anteriormente? O que estas duas redes têm em comum e o que elas têm de diferente?
Você sabia que a palavra texto tem sua origem na idéia de rede, de tessitura de tecido? Veja algumas das definições encontradas no dicionário:
Por meio das definições apresentadas, você pôde perceber que um texto também é uma rede e pode ter várias formas (escrita, fa- lada, imagem, desenho, etc.).
Que relações podemos estabelecer entre as reflexões feitas até ago- ra sobre a idéia de rede e o ditado popular “Caiu na rede, é peixe”?
Os lugares participando de redes
Até agora nosso raciocínio, para a compreensão das redes que envolvem as pessoas da figura, está se desenvolvendo por meio de objetos de uso pessoal, doméstico e cotidiano. No entanto, muitos outros objetos, maiores, de uso comum da sociedade à qual perten- cemos (ou usado apenas por parte dela) também participam da tra- ma dessa grande rede. Quais são eles? Vamos pesquisar juntos!
Lugares diferentes
Os lugares (produzidos e/ou apropriados pelos grupos sociais) in- tegram as grandes redes de produção, de circulação e de informação de maneira mais ou menos intensa, em função da presença de obje- tos técnicos em seu território. Por exemplo, um lugar (país, estado, cidade, bairro, distrito, etc.) que contenha um aeroporto internacio- nal (objeto que organiza um tipo de circulação), um grande centro universitário voltado à pesquisa (objeto onde se produz ciência e tec- nologia), uma importante estrutura rodoviária, a presença ou acesso a um porto (outro objeto para circulação) e indústrias de tecnologia de ponta (objeto1 onde acontece a produção) é um lugar-pólo, im- portante nó na rede que conecta o global e o local.
Por outro lado, lugares pouco equipados (por exemplo, peque- nas cidades em áreas de economia fraca, sertões, etc.), embora este- jam também inseridos na relação local-global, participam dela de ma- neira menos intensa.
PESQUISA
Observe mais uma vez o lugar onde você mora e organize uma tabela, classificando os objetos técnicos que ele contém de acordo com sua finalidade. Antes, leia a nota com a definição da expressão “objeto técnico”, do ponto de vista da Geografia.
Objetos técnicos são todas as “formas-objetos providas de um conteúdo técnico es- pecífico […] são acréscimos que as sociedades superim- puseram à natureza.”
- SANTOS, A natureza do es- paço: técnica e tempo, razão
e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
Nome do lugar | ||
Objetos PRODUÇÃO | Objetos CIRCULAÇÃO | Objetos CIÊNCIA/TECNOLOGIA |
Por exemplo: Indústria de cerâmica, pisos, azulejos | Por exemplo: Shopping Center Centro Comercial | Por exemplo:
Universidade Centro de Pesquisa Científica, etc. |
Complete esta tabela com o número de linhas que você considerar necessário.
Tecnopolos
Alguns lugares do mundo atual são tão equipados, sobretudo com produção de conhecimentos tecnológicos e científicos, que são deno- minados tecnopolos.
Os tecnopolos podem ser considerados, também, nós da rede produti- va/informativa irradiando para o mundo as novidades tecnológicas e cien- tíficas que são absorvidas com maior ou menor intensidade pelas pessoas, em função de sua origem de classe social e/ou do lugar onde moram.
Vamos pensar concretamente sobre isso. O telefone celular, ho- je bastante popularizado, é uma “necessidade” criada recentemente (aproximadamente dez anos). Hoje, ele tornou-se necessidade para muitos de nós, sobretudo para aqueles que compraram o aparelho e o incorporaram à organização de sua vida cotidiana. Mais que isso, em- bora o telefone celular tenha, essencialmente, apenas a função de co- municação verbal à distância e imediata, a cada dia a indústria lança no mercado modelos que oferecem outros recursos (possibilidade de tirar e enviar fotografia, filmar, etc.). A propaganda destes produtos, veicu- lada pela mídia, pretende despertar em nós o desejo de tê-los, instigan- do um consumo desenfreado e irrefletido. (Veja o que acontece com os espaços turísticos no Folhas “Você consome ou produz espaço?”).
As indústrias ligadas à telefonia celular colocam em contato alguns tec- nopolos situados em diferentes países do mundo. Desses tecnopolos são irradiados os produtos (no caso, os aparelhos de telefone celular) que, por meio das vias de transporte e circulação, chegam ao consumidor.
Na América, por exemplo, podemos identificar o Vale do Silício, na Califórnia – EUA, como um tecnopolo das indústrias de computadores e telefonia celular.
Quadro 1
O pólo tecnológico de Campinas
- Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Tecnopolos constituem um fenômeno recente, embora abundante. Foi apenas em meados da década de 60 que se percebeu que algo imprevi- sível estava ocorrendo em alguns locais específicos. Em torno de algumas universidades, ou instituições de pesquisas, como Stanford, na Califórnia, e o Instituto Tecnológico de Massachusetts, em Boston (Estados Unidos da América), eclodiram espontaneamente empresas intensivas em tecnologia, aglomerando-se em espaços inadequados.
Em começos da década de 70 observou-se um outro aspecto ainda mais intrigante: grandes empresas européias e japonesas, ou abriram filiais, ou com- praram ou se associaram a empresas localizadas nesses locais magicamente privilegiados, tais como aquele que veio a ser chamado Vale do Silício, sem o que perderiam em competitividade.
A razão do sucesso dessas concentrações de empresas intensivas em tecnologia, universidades e instituições de pesquisas e desenvolvimento só veio a ser desvendada progressivamente…O sucesso do Vale do Silício e simi- lares decorre da proximidade física entre as empresas – elas mesmas e entre elas – e as instituições de pesquisas e da existência de mecanismos informais de troca de informação. Tudo se passa como se a comunidade técnica consti- tuísse um enorme cérebro comunitário. A universidade atua não apenas como uma fornecedora de tecnologia, mas, antes de tudo, como uma catalisadora para acelerar as trocas entre empresas.
- Folha de São Paulo, 24/09/2000.
Rogério Cezar de Cerqueira Leite é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha.
Baseado no texto “Pólo tecnológico de Campinas”, defina, com su- as palavras, o que é um tecnopolo.
Verifique, em livros didáticos de Geografia para o Ensino Médio e em dicionários, como aparecem as definições de tecnopolos e compa- re com a sua definição, elaborada anteriormente.
A palavra tecnopolo é formada por dois radicais – tecno e polo. Ela une as idéias presentes nesses radicais para dar significado a uma coi- sa. Podemos dizer que essa palavra – tecnopolo – pode ser compara- da com o nó de uma rede, nó este que une dois fios desta rede, neste caso as idéias de polo (lugar) e de tecnológico – produtor/irradiador de inovações tecnológicas.
PESQUISA
Você pode navegar nos sites listados abaixo para saber um pouco mais sobre tecnopolos e res- ponder as questões.
www.ub.es/geocrit/sn-69-32.htm www.revistafrancabrasil.com.br/apresenta2.php?pag_id=134&edicao=262 www.estadao.com.br/ext/educacao/resolucoes/fuvest/fuvest-geo.pdf orbita.starmedia.com/mundogeografico/texto53.html
Quais tecnopolos existem na América? Qual é a especialidade produtiva de cada um? Quais os tecnopolos que existem na Europa e na Ásia? O que eles produzem?
Os lugares onde estes tecnopolos se localizam são grandes metrópoles?
Que equipamentos (objetos técnicos) precisam estar contidos no território de um lugar para que ele se torne um tecnopolo?
O mundo não foi sempre assim…
Há dez anos, a possibilidade de compra de um telefone celular era muito restrita devido ao elevado preço, não apenas do aparelho, co- mo das ligações. O mesmo podemos dizer dos microcomputadores de uso doméstico.
É verdade que estes aparelhos ainda são caros para uma grande parcela da sociedade, o que os torna objetos de consumo de alguns, mas não de todos. Devemos considerar, cuidadosamente, que a maio- ria da população mundial vive alheia, excluída, impedida social e eco- nomicamente do acesso a esses objetos. No entanto, parte daqueles que não os possuem sabem que trata-se de objetos importantes para o mundo atual, e algumas dessas pessoas têm na escola o único meio de acesso a eles.
Isso foi assim com todos os objetos técnicos criados pelo avanço da ciência e da tecnologia, ao longo do desenvolvimento do sistema ca- pitalista de produção. Eles surgiram como novidade, transformaram-se em necessidade (para quase todos), criaram redes envolvendo parce- las cada vez maiores do planeta e, depois de algum tempo de seu sur- gimento, tornaram-se objetos consumidos por um grande número de pessoas. Observe a tabela 1 a seguir.
TABELA 1
Tempo que levou para ser usado por 50 milhões de pessoas | ||
1873 | Eletricidade | 46 anos |
1876 | Telefone | 35 anos |
1886 | Automóvel | 55 anos |
1906 | Rádio | 22 anos |
1926 | Televisão | 26 anos |
1953 | Forno microondas | 30 anos |
1975 | Computador pessoal | 16 anos |
1983 | Celular | 13 anos |
1993 | Internet | 4 anos |
- Fonte: Nunomura, 1998, 36.
Períodos históricos/técnicos do capitalismo
Essa coisa de vivermos em rede é, portanto, algo histórico, desen- volvido historicamente, o que quer dizer que não foi sempre assim. Pa- ra você, aluno, pode ficar difícil imaginar o mundo de uma forma dife- rente, afinal a sua geração é filha da globalização. Por isso, vale a pena pensar, ainda que rapidamente, sobre isso.
Desde sua origem, o capitalismo desenvolveu-se num movimento de expansão que pretendia alcançar o espaço global. Essa é uma ca- racterística e uma necessidade do modo de produção capitalista e con- dição para sua “sobrevivência”.
No entanto, durante muitos séculos, as pesquisas e criações tecno- lógicas e industriais de um país eram consideradas de domínio daque- le país e se desenvolviam em seu território. Aos outros países, que não sabiam produzir aqueles objetos (não tinham ciência e tecnologia pa- ra isso), cabia importar ou permitir que empresas estrangeiras os cons- truíssem. Pense nas primeiras ferrovias construídas no Brasil. Elas fo- ram obras de empresas inglesas. Os primeiros automóveis comprados por brasileiros vinham dos Estados Unidos da América, transportados por navios, pois nós não os produzíamos.
Essa situação foi assim até os anos 50 do século XX. Depois disso, as grandes empresas dominadoras de tecnologia começaram a instalar filiais em territórios de outros países, fora daquele onde se fixava sua matriz. Foi nesse momento que o Brasil começou a receber as filiais das empresas au- tomobilísticas (Volks, Ford, Fiat, Chevrolet) e, mais tarde, das empresas de eletro-eletrônico (Sharp, Semp Toshiba, Sanyo, LG, Nokia, Motorola, etc.).
Sobre a indústria você pode ler o Folhas “A indústria já era?”. Portanto, a globalização como nós a conhecemos hoje, teve seu impulso mais for- te depois da Segunda Guerra Mundial e intensificou-se muito mais a partir da década de 1990, quando a telefonia celular e os microcomputadores do- mésticos “conectaram”, alguns de nós, com o mundo todo, em tempo real.
Esta tecnologia, discutida anteriormente, transformou as noções de tempo e espaço. Alguns estudiosos dizem que as distâncias (teoricamen- te) se encurtaram e o tempo tornou-se instantâneo/real. Isso quer dizer que, além de nos locomovermos muito mais rapidamente (avião, trem ba- la), sabemos instantaneamente (ao vivo pela televisão, rádio e internet) dos fatos que acontecem em qualquer lugar do globo. As redes de infor- mação e de circulação fazem parte da dinâmica de nossas vidas, permitem circular idéias, pessoas, mercadorias, capitais, de maneira real e virtual.
Mas afinal, do ponto de vista da geografia, o que é uma rede?
As definições e conceituações se multiplicam, mas pode-se admitir que se enquadram em duas grandes matrizes: a que apenas considera o seu aspecto, a sua realidade material, e uma outra, onde é também levado em conta o dado social.
As redes do primeiro tipo são as que se materializam no espaço ge- ográfico. Referem-se a tudo que permite o “transporte de matéria, ener- gia ou informação”, como estradas, ferrovias, hidrovias, rotas aéreas, li- nhas de transmissão para telecomunicações e “seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de comunicação.” As redes que levam em conta o social e o político são formadas por “pessoas, mensagens e valores” (SANTOS, 1996).
Vamos retornar à pergunta inicial. Afinal, quais são as redes que en- volvem as pessoas da figura 1? De que natureza é cada uma delas?
Referências Bibliográficas
ANDRADE, C. D. de. Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984.
HOUAISS, A.; VILLAR, M. Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LEITE, R. C. de C. O pólo tecnológico de Campinas. São Paulo: Folha de São Paulo, 24 set. 2000.
NUNOMURA, E. O sucesso meteórico da Internet. Veja, São Paulo, v. 31, no 30, p. 36, 29 jul. 1998.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
Obras Consultadas
IANNI, O. Era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
Documentos Consultados ONLINE
www1.folha.uol.com.br/fsp/vale/vl2409200033.htm. Acesso em: 05 de mar. de 2006.
www.sxc.hu. Acesso em: 05 de mar. de 2006.
Ensino Médio
186 Dimensão Econômica do Espaço Geográfico
Geografia
12
DINHEIRO TRAZ FELICIDADE?
- Gisele Zambone1
m nossa sociedade a felicida- de está muito ligada à idéia de consumir, possuir bens e, a própria idéia de realização in- dividual está “contaminada” por e para isso. Não é sem motivo que esta sociedade tam-
bém é chamada de “sociedade do con- sumo”. Como o dinheiro e o consumo organizam o espaço geográfico? O que é dinheiro? E o que é felicidade?
1Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins – Curitiba – PR
Dinheiro Traz Felicidade?
187
Um ditado popular diz que dinheiro não traz felicidade. Felicidade é um conceito complexo, de difícil definição. Que tal tentar defini-la?
Talvez você tenha uma definição própria do que é felicidade. E di- nheiro, o que é? Logo discutiremos isso, agora vamos falar um pouco da felicidade.
Em nossa sociedade a felicidade está muito ligada à idéia de consu- mir, possuir bens e, a própria idéia de realização individual está “con- taminada” para isso. Não é sem motivo que esta sociedade também é chamada de “sociedade do consumo”. Esta sociedade despontou prin- cipalmente após a II Guerra, período no qual a sociedade passou por importantes mudanças comportamentais. Você saberia dizer quais fo- ram estas mudanças, e por que aconteceram?
A produção industrial, que neste período alcançou grande desen- volvimento, apresentava mecanismos para produzir em grande esca- la, o que permitia levar aos mercados uma grande quantidade de pro- dutos com menores preços. Uma grande parcela da população pode, então, consumir estes produtos (veja no Folhas “A gente se vê no sho- pping?”, sobre a geladeira). Produzindo em larga escala reduziam o custo, o que permitia às indústrias lucrar mais.
Na ideologia do mercado, que é dominante na atualida- de, o indivíduo é classificado pela marca da calça que veste, pelo celular que exibe, pelo cargo que ocupa, pelos lugares que freqüenta; assim, os objetos ou as coisas têm um “va- lor” maior do que o ser humano. Mas, ao mesmo tempo, es- quecemos que toda mercadoria é fruto do trabalho humano, e que todo trabalho humano é necessariamente um empre- endimento coletivo. A pessoa é aquilo que ela consome, ou compra. E quem não tem dinheiro, não pode ser feliz?
O filósofo Aristóteles, século IV a.C., ligava a felicidade à moralidade, e assim somente o ser humano virtuoso pode- ria ser feliz. Leia no quadro 2 o que Aristóteles considerava necessário para ser feliz. Se você seguisse as orientações de Aristóteles, você seria feliz? Reflita e debata com seus cole- gas sobre isto.
A felicidade, aliás, é um bem propriamente humano, que só pode ser adquirida em função de recursos humanos, e só tem sentido no an- damento da vida humana. O que mais caracteriza a felicidade é o sen- timento de satisfação.
A felicidade na contemporaneidade tem sido associada e reduzi- da às conquistas materiais. Isto faz o indivíduo a ter uma postura que o leva a trabalhar para manter e expor um nível de consumo. O la- zer, que poderia trazer a felicidade, também passa a ser uma mercado- ria. Por exemplo, não basta jogar bola, é preciso jogar vestindo a rou- pa da “marca tal” e jogando na escola de futebol “X”. O que importa é consumir, não havendo preocupação com as conseqüências (ambien- tais e orçamentárias) de suas escolhas. Ou as próprias preocupações foram induzidas pelo “marketing”, pela “propaganda” e não refletem uma preocupação sobre o ato de consumir (o que você entende por “ato de consumir”?). O indivíduo “é reduzido ao papel de consumidor, sendo cobrado por uma espécie de obrigação moral e cívica de consu- mir”. (CONSUMO SUSTENTÁVEL, p.17).
“É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar minha identi- dade”, sobre este tema, leia a poesia “Eu, Etiqueta”, no Folhas “Nós da rede” e aponte os trechos onde a preocupação com o indivíduo con- sumidor aparece. Debata isto com os colegas.
A maior parte dos problemas ambientais atuais está ligada ao con- sumo. A poluição (atmosférica, hídrica), a extração de recursos natu- rais para produzir grandes quantidades de produtos, o descarte do li- xo de milhões de toneladas materiais, enfim, tudo está associado ao consumo. E nem entramos em considerações quanto à quantidade de produtos supérfluos criados para deixar a mercadoria mais atraente. A própria idéia de reciclar – uma ação sem dúvida importante e que pre- cisa ser expandida – acaba sendo mais um elemento que ajuda a “di- minuir a culpa” pelo consumo ao invés de provocar questionamentos sobre o impacto e a necessidade do consumo.
Você pode apontar outros problemas? Assim, criamos uma socieda- de de consumo ou consumista? Mais feliz ou menos feliz?
Mas, voltemos ao dinheiro. Dinheiro é o meio usado na troca de bens, para comprar coisas. Pode vir na forma de moedas ou cédulas. É usado na compra de bens ou serviços, no pagamento da força de trabalho ou nas demais transações financeiras. Mas não apenas para isso. É algo que faz parte de nossa vida de tal maneira que nem sem- pre nos perguntamos o que é, como surgiu, para que serve e como o usamos. Você usa com maior freqüência que tipo de dinheiro pa- ra pagar suas compras?
O dinheiro é uma decorrência das atividades e das relações eco- nômicas, ele é indispensável na vida moderna e termina se impon- do como elemento de troca geral de todas as coisas que são objetos da comercialização.
O dinheiro é um dos principais elementos para a transformação do espaço. Sem dinheiro não é possível construir empresas, pagar salários, desenvolver infraestrutras. Nos lugares onde não há dinheiro, não há de- senvolvimento. A falta de dinheiro (riqueza) gera distorções e diferencia- ções no espaço, tanto nos países centrais como nos países periféricos.
Milton Santos (2002) chama de “luminosos” aqueles espaços onde existem condições para se acumular mais dinheiro. Isto se dá porque o território acumula uma maior quantidade de tecnologias e informa- ções, o que o torna mais atrativo para as atividades mais desenvolvidas tecnologicamente e financeiramente. Em oposição, chama de “opacos” os espaços onde tais características estão ausentes, ou seja, territórios que, por não possuírem certo desenvolvimento, não conseguem atrair para si empresas que necessitam de tais condições, ficando desta for- ma fora do processo de desenvolvimento.
Com a globalização, a ligação econômica entre os lugares aumen- tou. Neste processo há troca mais intensa de mercadorias e dinheiro. Mas não se pode entender a globalização sem que atentemos para as- pectos além da circulação de mercadorias ou dos sofisticados proces- sos logísticos de produção (onde produzir, como produzir, quanto pro- duzir, como comercializar). A globalização permitiu a instalação de um dinheiro virtual ou fluido (assim chamado porque entra e sai dos paí- ses com facilidade, relativamente invisível, praticamente sem ser nota- do – por exemplo, as transações financeiras das bolsas de valores). Ve- ja mais sobre isso no quadro 3.
Neste processo, para Milton Santos (2002), o dinheiro assume duas lógicas: o dinheiro das empresas, responsáveis pelo setor da produção, necessário para o funcionamento e expansão de cada firma em parti- cular; e o dinheiro dos governos financeiros globais – FMI (Fundo Mo- netário Internacional), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimen- to). É por intermédio deles que as finanças se dão como inteligência global e atuam no mundo todo.
ATIVIDADE
Tendo como base o planisfério com fuso horário e as bolsa de valores de São Paulo, Londres, Tó- quio, Nova York, Hong Kong, Cingapura e Tailândia, responda:
O investidor que estiver em Cuiabá – MT, às 20h de um domingo, poderia comprar ações negocia- das na bolsa de Nova York? Em que outras bolsas de valores do mundo ele poderia negociar?
E o investidor que estiver em Londres, às 21h de uma sexta-feira, e quiser investir seu dinheiro an- tes do final de semana? Em que bolsa de valores do mundo poderá fazê-lo?
Antes o território (aqui entendido como o país) continha e regulava o dinheiro. E o dinheiro era também um elemento do território (o franco francês, o marco alemão, a lira italiana, o dólar americano, o peso argen- tino, o escudo de Portugal, etc.). Hoje, sob influência do dinheiro global, a moeda local, como o Real no Brasil, escapa a toda regulação interna e passa a depender das decisões e dos julgamentos da inteligência global, que geram impacto sobre a moeda local e podem mesmo impedir que medidas internas de controle monetário tenham sucesso.
Até o começo do século XX o dinheiro consistia em moedas de ou- ro e prata largamente aceitas entre os países. Estes países fixavam o poder de troca (taxa de câmbio) com base nesta “âncora”. Por exem- plo, um “réis” valia dois gramas de ouro.
Como “âncoras” foram usados o padrão ouro e o sistema de Bretton Woods. Para o primeiro (1870-1914), o grama do ouro era a referência de câmbio. Para o segundo (final da Segunda Guerra Mundial até 1973), o dólar servia de referência internacional.
As nações que não pudessem manter fixas as taxas de referência (câmbio) de sua moeda em relação àquelas “âncoras” enfrentariam uma crise na troca de seu dinheiro e teriam dificuldades para comprar e ven- der produtos no mercado internacional.
Esta forma de câmbio internacional baseada na uniformidade do va- lor entre as diferentes moedas, não resistiu às mudanças ocorridas no ce- nário econômico mundial a partir dos anos de 1970.
Após o fim do sistema de Bretton Woods houve uma acentuação da li- berdade de ação dos mercados financeiros que surgiam e a crescente in- tegração financeira global, que facilitou a entrada e saída de “dinheiros”
– investimentos financeiros – mais rapidamente. Com isto, a qualquer ins- tabilidade política ocorre elevação da taxa de juros, falências de empre- sas, ou declínio do crescimento da economia, ou ainda a desvalorização da moeda local (mais reais para comprar a mesma quantidade de dólares). Tudo isso deixa os investidores ansiosos para tirar seu dinheiro do país. E aí, junto com a saída do dinheiro, vão-se empresas e empregos. Não são poucos os países que sofreram crises cambiais (desvalorização rápida de sua moeda). “A América do Sul sediou as primeiras crises financeiras “mo- dernas” de 1981 a 1983, atingindo duramente o Chile, a Argentina e o Uru- guai. Desde então, Rússia, México, Tailândia, Indonésia, Malásia e outras nações têm enfrentado desastres econômicos” (Sara Silver, s.d.).
A história atual está cheia de crises econômicas que começaram em um país e rapidamente afetaram muitos outros. Um exemplo foi a crise me-
xicana em 1994 (veja o texto “As raízes da crise antecedem os eventos de 1994”). Mas estas crises são reflexos deste dinheiro menos ligado à produ- ção e mais associado à mobilidade, à fluidez, com capacidade de entrar e sair dos países em busca das melhores condições de gerar mais dinheiro.
O capital financeiro – o dinheiro global que produz mais dinheiro sem produzir bens e serviços – não tem país de origem. Se as possibi- lidades de ganhos são maiores no Brasil, ele vem para cá; se no dia se- guinte surge uma crise política aqui ou um atentado destrói uma refi- naria de petróleo no Iraque, este capital financeiro pode especular que seus ganhos serão menores, e vende suas ações e vai, por exemplo, pa- ra a China. Assim não há fixação do capital em obras, empresas que ge- rem emprego e mercadorias. Os lugares ficam à mercê do dinheiro que vem e vai com rapidez, sem produzir nada ou quase nada.
Quadro 4
As raízes da crise antecedem os eventos de 1994
- Trond Gabrielsen
No começo, o México foi bem sucedido em controlar a inflação e de fato ganhou elogios de todo o planeta por sua política monetária. Sustentava-se largamente que o país passaria por uma mudança eco- nômica paradigmática através da assinatura do North American Free Trade Agreement (NAFTA) e da pro- messa de evoluir para uma história de “união” – na qual tantos investidores domésticos e estrangeiros po- deriam vir a colher benefícios. Como resultado, a economia mexicana começou a crescer novamente, e cresceu a uma taxa anual de 3,1% entre 1989 e 1994. Tanto as exportações como as importações de- colaram, e o país também experimentou uma entrada massiva de investimento direto externo… De 1991 a 1994, o estoque de títulos internacionais não amortizados (não há pagamento dos juros do empréstimo) cresceu de 1 bilhão para 3,8 bilhões de dólares – tornando o México extremamente vulnerável às flutua- ções das taxas de juros e aos ataques especulativos à sua moeda. Tornava-se cada vez mais claro aos investidores internacionais que o peso estava sobre-valorizado, forçando o Banco Central a gastar grande parte de suas reservas internacionais (feita em dólar) para manter a moeda atrelada ao dólar.
Como foi que a crise estourou? Uma vez que as reservas internacionais, que sustentavam o peso, caíram ao longo de 1994, investidores começaram a temer que o governo mexicano deixasse de sus- tentar a paridade do peso em relação ao dólar. Depois da desvalorização de 20 de dezembro, o peso caiu cerca de 50% em uma semana. Corridas massivas aos bancos enfraqueceram a moeda mexica- na ainda mais, com severas conseqüências sobre os negócios de infra-estrutura do país, assim como para a população e em conseqüência, em 1995, o Produto Interno Bruto do México encolheu 7%.
- Adaptado do disponível em: http://www2.gsb.columbia.edu/ipd/jbankingMXN_ html
Em determinados momentos, as moedas, até então aceitas como tal, perdem a confiança da sociedade em que circulam, como pode se verificar no caso do México já descrito. Quando isto acontece, por exemplo, gera casos de elevada inflação, levando, muito freqüente- mente, a sociedade a eleger outros objetos como moeda ou retomar o escambo (troca de bens por outros bens).
Na Rússia, na década de 90, o escambo passou a ser usado. Mas o que ocorreu na Rússia neste período que levou a esta situação?
A Rússia, neste período, estava em “mudança” do seu sistema eco- nômico. De 1922 a 1991, ela fez parte da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Esta se formou em 1922, unindo a Rússia, Ucrânia, Belarus e o Transcáucaso (dividido em 1936 em três partes, formando os territórios da Armênia, do Azerbaijão e da Geórgia). Os países bálticos (Letônia, Lituânia e Estônia) e a Moldávia foram anexados durante a Se- gunda Guerra Mundial. O Cazaquistão, o Quirquistão, o Tadjquistão, o Turquimenistão e o Uzbequistão já faziam parte da Rússia em 1922.
Usando o mapa “mudo” da ex-URSS, identifique os países que a formavam.
Repúblicas que compunham a URSS
Na década de 80 o regime soviético, controlado pelo Partido Comunista, apresentava dificuldades econômicas e políticas. A produção agrícola e in- dustrial era insuficiente para atender as necessidades da população, e as fi- las para conseguir produtos básicos já faziam parte do cotidiano soviético.
Em 1985 assumiu, como secretário geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Mikhail Gorbatchov. Ele deu início a um pro- cesso de reformas que se basearam em duas palavras de ordem: glas- nost (que significa, em russo, abertura e transparência) e perestroika (que significa, em russo, reestruturação).
A Glasnost tinha como objetivo o abrandamento da censura. Mas o que é censura? Por que ela pode prejudicar as pessoas e a vida de um país? Por que ela prejudicava a população da URSS?
A Perestroika buscava introduzir critérios de eficiência na gestão da eco- nomia, seriamente prejudicada por décadas de inércia burocrática e corrup- ção. Mas o que é corrupção? Por que ela prejudica as pessoas e a vida de um país? Por que a economia da URSS apresentava grande burocracia?
Estas mudanças implementadas pelo governo de Gorbatchov possi- bilitaram que conflitos políticos, sociais, econômicos, regionais e étnicos, há muito reprimidos pelo governo autoritário soviético, explodissem, ge- rando uma situação que levou à queda de Gorbatchov e à dissolução da União Soviética, ou seja, ao colapso da URSS em 1991. Com o fim da União Soviética, acabou, de forma definitiva, o regime comunista e ini- ciou-se a implantação da economia dita de mercado. Uma série de acon- tecimentos e decisões acabaram levando ao que se denominou “Crise da Rússia”, em 1998, que foi uma das várias crises financeiras nos anos 90. Um dos efeitos da crise foi o crescimento da inflação.
Para saber um pouco mais sobre o mundo socialista, assista ao filme “Adeus Lênin!” (veja o quadro 6).
E então? Dinheiro traz felicidade?
Referências Bibliográficas
ARISTÓTELES. Tratado da política. trad: M. de Campos. Lisboa: Europa- América, s/d.
CHAUI, M.S. O que é ldeologia. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982. CONSUMO SUSTENTÁVEL. Manual de educação. Brasília: Consumers International/ MMA/ MEC/IDEC, 2005.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 264.
Obras Consultadas
CANTO-SPERBER, M. (org.) Dicionário de Ética e Filosofia Moral. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2003.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento à consciência universal. 12ª. ed. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2005.
SCHAFFER, N. O. et al. Um globo em suas mãos: práticas para a sala de aula. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2005.
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Documentos Consultados ONLINE
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ANOTAÇÕES
Ensino Médio
198 Dimensão Econômica do Espaço Geográfico
Geografia
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FOME: PROBLEMA ECONÔMICO?
- André Aparecido Alflen1
izem que quando ela chega é uma triste sina não tem jeito não […]
A questão é mesmo agora mudar esta história dividir o pão […]
Nesta terra de riqueza ver tanta pobreza […]
- (Roberto Menescal/Abel Silva) Hino do Fome Zero – fomezero.gov.br
1Colégio Estadual Vinícius de Moraes – Campo Mourão – PR
A charge e os trechos da poesia apon- tam para um problema da atualidade. Que problema seria este? Ele possui al- guma relação com a agricultura e com a organização do espaço agrário?
Fome: Problema Econômico?
199
Enquanto nos países pobres aproximadamente 1/3 da população possui uma dieta alimentar insuficiente para atender suas necessidades básicas, nos países ricos e desenvolvidos, o consumo diário se situa na faixa entre 4.000 a 5.000 calorias, o que explica, em parte, o aumento da obesidade nestes países. Apesar disso, a fome também ocorre nes- ses países.
A fome é ainda um grave problema a ser superado pela humanida- de. Pesquisas revelam que os países pobres, entre eles o Brasil, são os que apresentam indicadores mais elevados de fome e desnutrição. Po- rém, as situações mais graves neste sentido ocorrem na Ásia Meridio- nal e na África.
A FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Ali- mentação) estimava em 2005 uma população mundial de 842 milhões de pessoas famintas. Na sua opinião, em que países encontra-se a maior parte destes famintos?
A fome, apesar de ser um problema muito comentado e discutido, ainda está longe de ser resolvido. Milhares de crianças morrem todos os dias, principalmente na faixa etária de zero a cinco anos, vítimas da fome e da desnutrição.
O Fundo das Nações Unidas para Infância – UNICEF – tem dados so- bre desnutrição no Brasil, que constam no Relatório “Situação Mundial da Infância – 2003”. Veja a tabela 1, analise seus dados e responda: Qual é a situação das crianças brasileiras em relação à desnutrição?
TABELA 1
Porcentagem de menores de 5 anos sofrendo de: | |||
Baixo peso | Marasmo | Retardo de crescimento | |
Moderado e grave | Grave | Moderado e grave | Moderado e grave |
6 | 1 | 2 | 11 |
- Fonte: Situação Mundial da Infância 2003 – unicef.org consulta em 10/10/2005.
A desnutrição no Brasil, ao contrário do que se pensa, ocorre em todo o país e não apenas nas regiões mais pobres. O fenômeno se en- contra tanto no meio urbano quanto no meio rural, onde se produz o alimento.
A fome ou a carência alimentar na infância quando não leva à mor- te, pode causar déficits hormonais que desencadeiam problemas de crescimento, de maturação neuronal, comprometimento ósseo-muscu- lar, entre outros. As crianças com estes problemas podem apresentar dificuldades de aprendizagem, sentimento de inferioridade e dificulda- des de convívio social.
Para uma alimentação adequada é necessário ingerir diariamente ti- pos variados de alimentos que contenham carboidratos, proteínas, lipídios (gorduras), glicídios (açúcares), vitaminas e sais minerais. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a FAO recomendam uma ingestão de 2300 ca- lorias diárias para as mulheres e 3200 calorias para os homens, o que cor- responderia às necessidades diárias para uma vida saudável de um indiví- duo adulto em atividade moderada. (DUTRA e MARCHINI, 1998).
A carência alimentar, ou uma alimentação inadequada, pode deixar o organismo suscetível a doenças infecto contagiosas, tais como a tu- berculose, pneumonia, coqueluche; o que reflete nos gastos do sistema de saúde público. Por outro lado, a ingestão de calorias (através dos ali- mentos) maior do que o gasto energético do corpo provocará acúmulo de gordura nos tecidos, ou seja, a obesidade.
De acordo com pesquisas recentes do Instituto Brasileiro de Geo- grafia Estatística – IBGE – a obesidade também estaria ocorrendo en- tre as camadas mais pobres da população. Pesquise, reflita e comente com seus colegas e professor o aumento de pessoas obesas no Bra- sil. Leia o quadro “obesidade”.
Agora pensemos: a fome, a obesidade, a pirâmide alimentar, a má educação alimentar podem nos remeter a reflexões sobre a agricul- tura? Vamos conhecer um pouco da agricultura brasileira para tentar responder a questão.
A partir de 1950, o Brasil começou a desenvolver sua indústria pe- sada ou de base com o objetivo de aprimorar sua industrialização e atrair novas indústrias e investimentos. O desenvolvimento industrial brasileiro a partir desse período combinou investimentos estatais em setores estratégicos como a siderurgia, geração de energia com in- vestimentos estrangeiros, principalmente de empresas multinacionais que se instalaram com o apoio e incentivo do governo brasileiro. A mudança capitalista que se processava no Brasil visava uma maior in- serção na economia mundial, necessitando ampliar as exportações e o desenvolvimento econômico brasileiro.
Naquele contexto de mudança capitalista iniciou-se uma políti- ca de modernização, com o objetivo de tornar a agricultura brasi- leira mais dinâmica e produtiva, buscando aumentar e diversificar a produção agrícola através de financiamentos agrícolas para a com- pra de equipamentos modernos como máquinas agrícolas (tratores, colheitadeiras).
Esta política modernizadora não levou em conta as implicações sociais desse processo. A introdução de novas tecnologias nos cul- tivos agrícolas e de substituição das culturas tradicionais por produ- tos que permitem uma maior mecanização, como a soja, por exem- plo, ocasionaram uma drástica redução da mão-de-obra empregada no campo e, conseqüentemente, o êxodo rural. Você sabe o que é êxodo rural? Pesquise esse tema e o contexto histórico que o desen- cadeou.
Os pequenos proprietários, por terem dificuldade de acesso aos créditos agrícolas, ficaram excluídos do processo de modernização. Isto gerou um empobrecimento destes pequenos proprietários. Mui- tos tiveram que vender suas propriedades para pagar as dívidas ob- tidas na tentativa de modernizar sua produção. Os baixos valores obtidos na venda de seus produtos não eram suficientes para so- breviver e pagar os empréstimos. Desta forma, as grandes empresas agrícolas incorporaram as pequenas propriedades que não tinham condições de competir com elas, contribuindo para uma maior con- centração fundiária.
Enquanto os grandes proprietários pertencentes à classe domi- nante controlam grande quantidade de terras, a maioria dos campo- neses fica com o controle de uma pequena parcela.
Leia o Quadro “Concentração de terras no Brasil” e discuta com seus colegas se ele reflete a realidade de sua região. Faça uma pes- quisa sobre a estrutura fundiária do seu município (para isso, obser- ve, pergunte e, também, consulte a página do www.incra.gov.br). Em seguida construa um gráfico que melhor permita visualizar os re- sultados obtidos. O que você conclui? Existe concentração fundiá- ria na sua cidade? O que predomina: pequenas, médias ou grandes propriedades?
O fato da política de modernização agrícola privilegiar a grande e a média propriedade com créditos agrícolas subsidiados fez com que pro- dutos agrícolas destinados à indústria de transformação e de exportação fossem favorecidos em relação à produção agrícola destinada ao merca- do interno ou a alimentação da população.
Nas sociedades capitalistas a produção sempre se volta para o lu- cro, esta é uma das características do sistema, necessária, portanto, pa- ra sua sobrevivência e para sua reprodução. Desta forma a produção se orienta pela demanda do mercado, seja externo ou interno, que na prática determina o que deve ser produzido, embora este mecanismo não seja simples.
A tabela 2 traz um exemplo de como a agricultura para exportação se destaca em detrimento da agricultura produtora de alimentos para consumo interno.
Vamos analisar a tabela?
TABELA 2
Safra 2004/2005 – LAVOURAS TEMPORÁRIAS | ||||
PRODUTO |
HECTARES CULTIVADOS
Em mil |
% |
PRODUÇÃO
Em mil Toneladas |
% |
SOJA | 23.301,10 | 47,81% | 51.090,00 | 45,04% |
MILHO | 12.025,00 | 24,67% | 34.976,00 | 30,82% |
ARROZ | 3.916,00 | 8,03 % | 13.227,30 | 11,65% |
FEIJÃO | 3.812,80 | 7,82% | 3.044,40 | 2,68% |
TRIGO | 2.756,30 | 5,65% | 5.845,90 | 5,15% |
OUTROS PRODUTOS |
2.956,05 |
6,02% |
5.295,45 |
4,66% |
- Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento- 2005 Tabela elaborada pelo www.conab.gov.br, acesso em 10/09/2005.
Como podemos identificar, a soja, que não é tão presente na me- sa do povo brasileiro, ocupa 47,81% da área cultivada com lavouras temporárias e representa a maior parte da produção nacional de grãos. Com relação ao milho, boa parte de sua produção também se destina à exportação, ocupando uma área de 24,67% das lavouras temporá- rias e boa parte da produção nacional de grãos.
No caso do arroz, do feijão e do trigo, que são produtos para con- sumo interno, percebe-se que possuem em termos percentuais áreas bem reduzidas em relação a outros produtos e a sua participação na produção de grãos é bem modesta. Há ainda um outro aspecto: es- ses produtos vêm, nos últimos anos, perdendo espaço agrícola para os produtos de exportação. É o caso do arroz, que, entre 1980 e 1996, te- ve uma redução de área cultivada de 36%. Mesmo assim, o arroz teve um aumento de 2,1% de produção no período, isso graças à introdu- ção de novas tecnologias no seu cultivo.
Vale salientar que, se excluindo a soja, laranja, algodão, e a cana, mais de 50% da produção de alimentos vem da pequena propriedade, geralmente agricultura familiar. Não se trata de afirmar que a produção para exportação não seja importante, pelo contrário, ela é fundamen- tal para o equilíbrio da balança comercial brasileira e para a geração de riquezas para nosso país, mas se persistir este desequilíbrio, poderá haver necessidade ainda maior de importação de alimentos.
Por que as lavouras destinadas ao mercado interno são preteri- das em relação às lavouras de produtos para exportação?
Ter uma forte produção voltada para o mercado externo pode levar à falta de alimentos para a população brasileira? Seria essa uma das causas da fome? Ela paira na falta de condições econômicas das famílias mais pobres para adquirirem os produtos necessários a uma alimentação digna. O problema é a distribuição de renda.
Mapa 1 – Ocupação da terra pela Agropecuária no Brasil
- Fonte: Atlas geográfico escolar multimídia. Rio de Janeiro, CD-ROM.
No atual estágio de desenvolvimento econômico não é mais possí- vel analisar o campo e a cidade como realidades separadas, pois mo- dernas tecnologias são empregadas na agricultura mudando as condi- ções de trabalho no campo e as características da produção agrícola. Métodos modernos de administração são implantados para se adquirir melhores colheitas e maior produtividade por área cultivada.
Além da introdução de equipamentos modernos, da utilização de fertilizantes que alteram as características dos solos, tornando-os mais férteis, podemos citar o cultivo de plantas em estufa que não depen- dem do ritmo da natureza ou das estações do ano, e ainda a hidropo- nia, que é uma técnica de cultivo dentro da água enriquecida com nu- trientes necessários para o desenvolvimento das plantas.
Por um lado, a agricultura depende menos da natureza do que de- pendia no passado, porém passa a depender cada vez mais da técnica e, conseqüentemente, da indústria ou das grandes empresas ligadas ao co- mércio internacional – que têm o monopólio das pesquisas e das semen- tes melhoradas, das quais necessitam os agricultores para obterem boas colheitas. (Veja o caso dos transgênicos no Folhas “Você toma veneno?”). Deste modo, a agricultura se torna cada vez mais dependente do Capital urbano industrial, colocada a serviço do desenvolvimento industrial.
Quem mais se beneficia nesta relação entre agricultor e empresa fornecedora de insumos?
Os métodos modernos de administração, aliados a tecnologia em- pregada na produção agrícola proporcionam um considerável aumen- to da produção. Essas tecnologias que possibilitam a exploração máxi- ma do potencial agrícola possuem um alto custo, acessível, portanto, às empresas ou proprietários rurais que possuem capital ou acesso aos financiamentos agrícolas. E como ficam os pequenos proprietários ou minifundistas que não possuem esses requisitos? E aqueles que conse- guiram se modernizar?
Geralmente, o uso intensivo de tecnologia na produção agrícola se verifica nas grandes propriedades, mas podemos constatar que exis- tem pequenas propriedades familiares tecnificadas que conseguem ga- rantir bons rendimentos na produção, garantindo assim uma boa qua- lidade e vida.
Quanto aos pequenos produtores, há os que exploram determina- dos nichos de mercado ou possuem contrato com empresas agroin- dustriais que absorvem toda a sua produção, é o caso da agricultura orgânica ou do cultivo de flores. Porém, a maior parte deles se uti-
liza ainda de técnicas tradicio- nais de cultivo, devido ao custo elevado dos insumos e tecno- logias agrícolas. Praticam uma agricultura de subsistência, que nem sempre supre as necessida- des básicas de sua família. Des- ta forma, buscam alternativas de complementação da renda fami- liar, empregando-se como mão- de-obra temporária nas grandes propriedades de monoculturas ou nas cidades mais próximas.
Nestas condições, deteriora- se a qualidade de vida desses camponeses, podendo ocorrer casos de fome e desnutrição.
Foto 1 – Pequena Propriedade familiar de subsistência Campo Mourão/PR.
- Fonte: André Aparecido Alflen – arquivo
O Espaço agrário brasileiro passou, nas últimas décadas, por trans- formações por conta do processo de modernização introduzido na agricultura e, também, da incorporação de novas áreas para produção agrícola observados nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil.
Essas mudanças aumentaram a produção agrícola, alterando as re- lações de trabalho no campo e a distribuição da população entre os espaços rural e urbano. Antes desse período de modernização agríco- la, os trabalhadores eram empregados ou agregados nas fazendas. Es- sa realidade mudou a partir da introdução de tecnologias modernas levadas ao campo pela política de modernização e mudanças na legis- lação trabalhista, o que reduziu drasticamente o contingente emprega- do no campo.
A mudança nas relações de trabalho no campo, principalmente com relação ao surgimento do trabalhador temporário, não pode ser atribuído somente à introdução da tecnologia na produção, mas tam- bém a mudanças na legislação trabalhista, que estabelecia garantias e encargos trabalhistas que os grandes proprietários não queriam assu- mir, dispensando, assim, os trabalhadores. Foi neste contexto que sur- giu o trabalhador temporário na agricultura.
Por não ter qualificação profissional, o trabalhador temporário tor- nou-se mão-de-obra barata e abundante para as grandes propriedades, reduzindo os custos de produção, contribuindo para a competitivida- de do produto no mercado. Normalmente são contratados por tercei- ros, o que aumenta ainda mais a exploração do trabalho.
Para o proprietário, a mão-de-obra temporária é um bom negócio, pois não acarreta encargos trabalhistas. Para os trabalhadores, fica a sobrevivência nas periferias das cidades com o pouco que recebem, que normalmente não é suficiente para uma alimentação adequada, gerando problemas de saúde e agravando ainda mais os problemas ur- banos. É a fome que se manifesta na população, tornada urbana, em função das mudanças fundiárias e trabalhistas ocorridas no campo.
Além das relações já descritas anteriormente, é preciso discutir, tam- bém, a unidade familiar de produção, os arrendatários e os parceiros que se constituem relações muito utilizadas no sistema agrícola brasi- leiro. Fica aqui a sugestão de pesquisa sobre esses temas.
Mas, afinal, existe alguma relação entre a produção agrícola e a fo- me? A partir das reflexões propostas pelo texto, de que forma poderí- amos resolver ou amenizar o problema da fome?
Leia, cante e interprete a música “Meu País” de Zezé Di Camargo e Luciano e descreva as relações nela apontadas e a questão da fome no Brasil.
Faça ainda um comentário sobre as relações de trabalho no campo e como elas afetam a vida e o trabalho nas cidades.
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iHino do Fome Zero, a letra toda e o arquivo da canção, bem como mais informações a respeito do Programa Fome Zero podem ser obtidos no site www.fomezero.gov.br
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Dimensão Socioambiental do Espaço Geográfico
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Você pode apontar alguns problemas relacionados ao meio-am- biente? Um somente não, mas muitos, não é mesmo?
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O meio-ambiente tem sido motivo de debates e de preocupações internacionais. Isso é possível verificar nos múltiplos eventos que vêm ocorren- do desde o final da década de 60 do século XX, dentre eles: Conferência da Biosfera, em Paris/ França, 1968; Conferência de Estocolmo, na Sué- cia, 1972; Eco 92, no Rio de Janeiro/Brasil, 1992; Protocolo de Kyoto, no Japão, 1997; Haia, nos Países Baixos, 2000; Bonn, na Alemanha, 2001; Marrakech, em Marrocos, 2001; a Cúpula Mun- dial sobre o Desenvolvimento Sustentavel, Jo- hannesburgo, na África do Sul, 2002; Conferência das Partes da Convenção sobre a Biodiversidade Biológica, em Curitiba/Brasil, 2006.
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Mas o que gerou tamanha preocupação? O que levou estas pessoas a reunirem-se e orga- nizarem-se no sentido de preservar o ambiente?
Seria o fato de não termos para onde ir se a Terra acabasse?
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A preocupação com a natureza nasceu junto com a ciência Geográfi- ca, no século XIX, mas os primeiros indícios desta preocupação com os fenômenos relacionados à natureza e ao meio-ambiente surgiram prati- camente com a própria humanidade. O homem primitivo deslocava-se constantemente a procura de alimentos e melhor local para se acomodar. Sua acomodação (fixação) era efêmera, dependendo da disponibilidade de abrigo (caverna, por exemplo) e da facilidade de obter alimentos, o que demandava conhecer o período em que as árvores frutíferas estavam produzindo, bem como a dinâmica das estações do ano, pois em locais onde o inverno ou estação seca eram rigorosos, as migrações eram estra- tégias de sobrevivência. Desse modo, a observação da natureza e o reco- nhecimento, mesmo que simplista, de seus fenômenos eram vitais.
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Nos últimos três séculos, a relação sociedade-natureza tem se dete- riorado, criando ambientes inadequados para a vida humana, para as plantas e demais animais. Algumas práticas humanas são causadoras deste desequilíbrio. Você poder indicar quais são estas práticas?
O conhecimento geográfico foi construído e acumulado durante sé- culos e tornou-se ciência no final do século XIX. Desde então, sofreu reformulações, passou a considerar, cada vez mais, e de maneira mais crítica, a ação da sociedade sobre a natureza. É importante destacar que a relação sociedade-natureza não é o único campo de estudo da Geografia, porém esta ciência chega ao século XXI procurando expli- cações e soluções para os desequilíbrios ambientais e as alterações da dinâmica da natureza.
Como se pode verificar no quadro 2, o conceito de meio ambien- te para a Geografia não se refere somente aos elementos da natureza. Ela buscou adotar uma outra expressão para lidar com a problemática ambiental: o termo socioambiental. O termo “sócio” aparece referin- do-se à sociedade, que é sujeito fundamental dos processos ligados à problemática ambiental contemporânea, visto que tal problemática sur- ge juntamente com a apropriação e exploração que a sociedade faz da natureza. Este tema será tratado mais detalhadamente nos Folhas “Você toma veneno?”, “Os seres humanos são racionais. Será?”, “Pare de so- nhar com um carro!” e “Catástrofes são evitáveis ou inevitáveis?”.
O que ocorreu nestes três últimos séculos para que os desequilí- brios ambientais se ampliassem tanto?
A relação de dependência sociedade-natureza se alterou. Novas técnicas, máquinas, pesquisas científicas, novas relações de trabalho, acumulação de riqueza, produção industrial, entre outros fatores que se estabeleceram a partir da Revolução Industrial, criaram um ambien- te onde a natureza passou a ser vista somente como fonte de riqueza, a ser explorada e dominada. Aliado a isto, há também uma ampliação do consumo e, conseqüentemente, uma ampliação dos resíduos gerados.
Até algumas décadas atrás, a natureza era vista como capaz de se recompor dos problemas gerados pela sociedade e de seu modo de produzir e consumir. Porém, a grande quantidade de rios contamina- dos, cidades com ar poluído causando problemas respiratórios, conta- minação por agrotóxicos, aquecimento da atmosfera, acidentes radio- ativos, destruição da camada de ozônio, entre outros, levaram setores da sociedade a repensar a relação sociedade/natureza.
Após mais de 30 anos, desde o primeiro evento ambiental (Paris, 1968), conseguimos resolver nossos problemas ambientais?
Nas palavras de Herman Daly (1984) – economista e professor da Universidade de Maryland/Estados Unidos da América – “lidamos com a Terra como se ela fosse um negócio do qual queremos nos livrar”. Você concorda com ele?
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Mesmo depois de tanto avanço científico, o homem não tem co- mo prever e evitar muitas catástrofes. Ainda que algumas delas tenham origem na dinâmica da natureza, como os terremotos e o vulcanismo, afetam muitos seres humanos, o que torna necessário analisá-las de uma perspectiva social (para obter mais detalhes veja o Folhas “Catás- trofes são evitáveis ou inevitáveis?”). Sobre as catástrofes previsíveis e provocadas pela ação humana, os estudos possibilitam o levantamen- to de hipóteses, como no caso do aquecimento global, mas não a so- lução do problema.
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Não podemos nos esquecer que a Terra é nossa morada, nossa ca- sa, e não temos como conseguir outra, ou temos? Será que a melhor solução seria deixar este planeta e buscar outro?
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Porém, se partirmos com a mesma organização econômica que te- mos, iremos destruir mais um planeta. Pois os desejos que a socieda- de e o sistema capitalista têm, vão na contramão da recuperação dos ambientes terrestres, visto que a procura por maiores lucros levam à maior produção, o que demanda maior consumo de recursos – natu- rais, humanos, ambientais. A produção precisa ser consumida, o que gera resíduos após o consumo – o lixo. E assim seguimos destruindo a natureza e os ambientes terrestres.
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Você já se perguntou por que consumimos objetos descartáveis? Por que temos a moda? Por que somos convencidos a trocar de carro, eletrodomésticos e outros objetos de uso pessoal ou familiar, mesmo que eles ainda estejam em boas condições de uso e funcionando?
A criação de necessidades incentiva uma postura consumista, im- portante para a produção capitalista, pois só assim a economia não pá- ra de crescer.
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A economia precisa continuar crescendo para que toda a socieda- de possa usufruir das riquezas, não é mesmo? Mas será que a riqueza produzida no mundo já não é suficiente para atender toda a humani- dade? E será que essa riqueza é distribuída de forma que toda huma- nidade seja beneficiada?
ã
o
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Estes questionamentos têm como objetivo levar você a pensar um pouco nos problemas socioambientais que afetam nossas vidas, bem como nas alterações sofridas pela dinâmica da natureza nas últimas dé- cadas. Os Folhas deste Conteúdo Estruturante abordam alguns temas relacionados à problemática ambiental, porém, esse assunto está lon- ge de ser/estar esgotado.
Torcemos para que após os estudos destes Folhas a Terra já seja um lugar melhor para toda a humanidade. Bons estudos!
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A
Ensino Médio
216 Dimensão Socioambiental do Espaço Geográfico
Geografia
14
OS SERES HUMANOS SÃO RACIONAIS. SERÁ?
- Marcia Regina Garcia1
ocê cuida de tudo o que precisa? Que tratamento você dá a algo do qual sua vida e das futuras gerações
dependem? Você tem algum cui- dado especial para com a natureza do lugar em que vive? Além de você,
quem mais é responsável por esses cui- dados? Você acha que os seres huma- nos têm atitudes racionais para com o planeta Terra?
1Colégio Estadual Barbosa Ferraz – Andirá – PR
Os Seres Humanos São Racionais. Será?
217
Calcula-se que a origem do planeta Terra deu-se há aproximada- mente 4,5 bilhões de anos. Inicialmente era muito diferente, lentamen- te nosso planeta foi adquirindo as características físicas atuais. Observe a tabela geológica para você ter uma noção das transformações ocor- ridas neste período.
Antes de continuar, uma observação importante sobre a construção de uma tabela geológica: sua leitura deve ser feita da parte inferior (Era mais antiga) para a superior (Era recente). Isto porque a tabela é cons- truída como a deposição de sedimentos na Terra. Os mais antigos ge- ralmente são encontrados em maior profundidade (embaixo) e os mais recentes na parte mais superficial (em cima).
TABELA GEOLÓGICA
ESCALA GEOLÓGICA DO TEMPO | |||
Eras |
Duração aproximada em anos |
Períodos |
Características principais |
Cenozóica | + 1 milhão | Quaternário | Surgimento dos seres humanos. |
+ 69 milhões |
Terciário |
Surgimento dos grandes mamíferos;
Formação das grandes cadeias mon- tanhosas. |
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Mesozóica ou Secundária |
+ 120 milhões |
Cretáceo Jurássico Triássico | Grandes répteis (dinossauro, etc.); Intensas erupções vulcânicas. |
Paleozóica ou Primária |
+ 310 milhões |
Permiano Carbonífero Devoniano Siluriano Ordoviciano Cambriano |
Formação dos oceanos e mares; Surgimento da vida animal e vegetal; Soterramento de grandes florestas. |
Pré-cambriana ou Primitiva |
+ 4 bilhões |
Algonquiano ou Proterozóico
Arqueano ou Arqueozóico Azóico |
Intenso metamorfismo, com a forma- ção de jazidas de minerais metálicos;
Formação da crosta terrestre; Ausência de vida. |
A parte superior da crosta terrestre, a litosfera, está associada às mas- sas líquidas (rios, oceanos, lagos, etc.) que, juntamente à baixa atmosfe- ra e a biota, formam um conjunto que dão suporte e sustentação para a vida na Terra. É nesse espaço que a vida se desenvolve, que as socieda- des humanas se estabeleceram e se desenvolveram, realizando constan- tes e grandes transformações na natureza. Caso ela seja destruída onde vamos viver? Temos a possibilidade de nos mudar de planeta?
Se a existência humana, caso comparada ao tempo geológico de nosso planeta, pode ser considerada extremamente recente, pense en- tão em sua existência como sociedade organizada! Mesmo assim, ao longo de sua evolução, como grupos nômades e posteriormente como sociedades sedentárias, foram e continuam sendo imensas as transfor- mações realizadas por estes seres na natureza.
De modo geral, tem-se a noção de que a poluição e a degradação ambiental são produtos da sociedade pós Revolução Industrial do sé- culo XVIII e que, a partir daí, se expandiu afetando diversos locais. A degradação ambiental seria fruto da evolução tecnológica, efetivada pelas indústrias e pela sociedade contemporânea, que passou a des- matar em larga escala para produzir alimentos para atender a uma po- pulação crescente e gerar lucro. Os grupos pré-históricos, as socie- dades antigas e as sociedades medievais viviam em harmonia com a natureza (fauna, flora, solo, recursos hídricos…). Triste engano!!! É ver- dade que, no passado, quando as técnicas utilizadas pelos seres huma- nos eram mais simples, as transformações eram mais lentas, mas as de- gradações ambientais sempre existiram.
Para sua melhor compreensão e para reforçar o assunto que se se- gue, localize o Novo México em um Atlas Geográfico e faça uma bre- ve pesquisa sobre suas características naturais – clima, vegetação, so- lo, hidrografia.
O professor Fernando Fernandez (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em sua obra “O poema imperfeito”, questiona se os grandes impactos e as grandes transformações da natureza só ocorreram após a Revolução Industrial. Defende a tese de que a ruína e a ascensão de ci- vilizações estão relacionadas com a forma destas se relacionarem com a natureza. Cita como exemplo o pueblo de Chaco Canyon, construído por um povo que existiu na região do atual Novo México (Estados Uni- dos da América) conhecido como Anasazi. Mas o que estas pessoas fi- zeram de tão grave assim?
O pueblo de Chaco Canyon foi construído pelos “indígenas” por vol- ta do ano 900 d.C., com grossos troncos de árvores e pedras. Uma imen- sa construção de cinco andares, com 650 habitações, mais de 201 metros de comprimento por 95 metros de largura, suficiente para abrigar 3.000 pessoas. Em sua construção foram gastos 200 mil magníficos troncos de árvores de 5 metros cada! E Chaco Canyon não era o único, mas apenas o maior entre os pueblos construídos pelos Anasazi.
Quando os espanhóis chegaram à América, encontraram tais edifi- cações abandonadas. Mas, por que foram abandonadas? Qual teria si- do a reação dos espanhóis ao se depararem com tamanha construção arquitetônica?
Ao realizar sua pesquisa, você deve ter percebido que no Novo Mé- xico existe uma significativa variação climática e Chaco Canyon está construído num deserto. Mas por que realizar uma construção gigan- tesca como esta num deserto? De onde teria vindo a imensa quantida- de de madeira utilizada nesta construção?
Pasmem, toda a madeira foi retirada dali mesmo! Sim. Estudos pa- leobotânicos mostraram que ali existiu uma rica floresta de árvores decíduas e coníferas que foi sendo gradualmente derrubada para for- necer lenha para a construção dos pueblos, também para o aprovei- tamento agrícola do solo e como fonte de energia no preparo de ali- mentos, aquecimento e outros.
Eles teriam ido cada vez mais longe para conseguir madeira para suas construções (até 80Km) e lutado, por muito tempo, contra a ero- são que corroía os solos por eles cultivados. Entretanto, chegou um momento que não deu mais e esta sociedade sucumbiu aos efeitos de seus atos. O clima da região havia mudado; a flora e a fauna nativas já não existiam mais; o solo, da forma que era utilizado, não produzia o suficiente para o sustento de todos. Era necessário deixar tudo pa- ra trás se quisessem sobreviver. E acredita-se que foi isso que fizeram. Migraram em grupos menores para diferentes regiões, mas nada mais se soube desse povo.
Chaco Canyon, Ilha de Páscoa e Machu Picchu são apenas alguns exemplos ou grandes pontos de interrogação de nosso passado, isso somente citando algumas sociedades que existiram no continente ame- ricano. Existem muitos outros casos intrigantes.
Os seres humanos dependem da manutenção dos recursos naturais para sua sobrevivência. Entretanto, agem alheios a tudo, como se suas vidas não dependessem de determinados fatores que a tornam possível na Terra, como solo para produzir alimentos, água de qualidade, tanto para saciar a sede e higiene, quanto para a produção de seus alimentos no dia-a-dia, ar puro, dentre outros recursos, que se prejudicados afeta- rão, conseqüentemente, outros.
As ações humanas têm causado muitos danos ao meio, como: ex- tinção de espécies animais e vegetais; degradação de solo, causando erosão; desertificação e salinização; degradação dos recursos hídricos; contaminação do solo e da água por produtos químicos diversos; e tantos outros atos.
São várias as conseqüências da degradação dos solos. Vejamos um pouco sobre a erosão, a desertificação e a salinização dos solos.
Foto 1 – Erosão pluvial em terreno sedimentar.
Erosão
O processo de degradação da terra é abrangen- te. Primeiro ocorre a degradação da vegetação, que é retirada para o aproveitamento do solo para a agri- cultura ou pecuária. Com a retirada da vegetação, teremos também a degradação dos recursos hídri- cos, pois os mananciais, rios e lagos, ficam despro- tegidos de vegetação ciliar e ocorre o assoreamento. Lentamente o processo erosivo vai se intensificando e os solos passam a ser cada vez menos férteis, pois perdem seus nutrientes, fato que afeta diretamente a qualidade de vida da população local.
A erosão, isto é, o transporte das partículas su- perficiais do solo pela água ou pelo vento, é um fenômeno natural. Embora os agentes erosivos já
- Fonte: http://www.sxc.hu
afetassem o solo antes do homem iniciar sua ação, a perda de par- tículas era compensada pela formação natural do solo e pela co- bertura vegetal natural. Com as atividades praticadas pelo homem, o risco de erosão aumenta, pois a pressão por alimentos levou a uma exploração intensa de algumas áreas, sendo esta superior a sua capacidade de suporte.
A erosão do solo provoca perdas de nutrientes e de matéria orgânica, alterações na textura, estrutura e quedas nas taxas de infiltração e retenção de água. Este processo reduz a produtivi- dade da terra, o que leva a uma ampliação do uso de fertilizan- tes químicos na produção agrícola. (Veja mais sobre este tema no Folhas: “Você toma veneno?”).
Desertificação
Você sabe o significado dessa palavra? Já ouviu falar ou leu algo sobre o assunto? Conhece alguma região que vem sofrendo desertificação?
Desertificação é a degradação de terras em regiões com escassa precipitação, podendo esta tornar-se árida, ou seja, um deserto.
Durante a evolução geológica da Terra, a vegetação sofreu intensas transformações, ora se expandindo, ora regredindo, ora se adaptando às novas condições ou até desaparecendo de um determinado local devido às variações climáticas.
A vegetação das regiões de escassez de precipitação foi se adap- tando lentamente ao meio, pois as mudanças climáticas também foram ocorrendo lentamente. Com o aumento populacional, a intervenção humana foi se intensificando cada vez mais, devido à necessidade cres- cente de alimentos, a pressão populacional gerou um desmatamento cada vez maior para sustentar e abrigar uma população também cada vez maior. Entretanto, no momento atual, podemos afirmar que a am- bição, ou necessidade de acumulação de capital (riquezas), tem levado a uma exploração excessiva desses ecossistemas frágeis, tornando-os em áreas de risco de desertificação, esgotando sua biodiversidade.
Observe no mapa “Risco de desertificação no mundo, segundo a sua gravidade” as regiões mais propícias à desertificação, compare esta infor- mação com um mapa-múndi de densidade demográfica e responda: Qual é o tamanho da população mundial que sofre com a desertificação?
Mapa 1 – Risco de desertificação no mundo, segundo a sua gravidade
- Fonte dos dados:
Mais de um terço das terras emersas corresponde a áreas áridas, isto é, regiões que sofrem déficit de água permanente ou por um determi- nado período do ano (sazonal). As atividades humanas têm contribuído
para a degradação destas áreas que são ambientalmente frágeis, o que as fazem mais sujeitas a degradação. “O desmatamento desenfreado e as práticas erradas de uso do solo fazem com que, a cada minuto, 12 hectares de terra virem deserto no mundo.” (Revista
Comciência – Unicamp, 1999)
Será que o Brasil possui áre- as suscetíveis à desertificação?
Observe o Mapa 2 e confron- te este com outros mapas (polí- tico e físico), verificando os esta- dos onde o risco deste processo é mais intens3. Analise a vegeta- ção original dessas áreas, a ve- getação atual, o clima, o solo e a hidrografia.
Mapa 2 – Áreas no Brasil suscetíveis a desertificação
É comum encontrarmos referência a um processo de desertifica- ção no sudoeste do Rio Grande do Sul (Quaraí, São Francisco de Assis e municípios próximos). A professora Dirce Suertegaray (UFRS – Uni- versidade Federal do Rio Grande do Sul) tem dedicado seus estudos à área. Em seu livro “Deserto Grande do Sul: controvérsia”, a professora questiona tal denominação. O quadro contém um trecho do livro, leia e responda: Por que a autora afirma que áreas arenosas dessa região não correspondem a áreas desérticas?
Segundo a Agenda 21, a desertificação afeta 1/6 da população da Terra. Qual é a população total da Terra? Quanto representa 1/6 desta população? Faça os cálculos de quantas pessoas são afetadas pela desertificação.
Retomando a atividade do mapa “Risco de desertificação no mundo segundo sua gravidade”, em que porção do mundo vive a maior parte da população atingida pela desertificação?
Você sabe o que é “Agenda 21”?
Em 1992, realizou-se no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio-Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio-92 ou ECO-92. Foi um importante marco nas discussões ambientais em nível global. Deste encontro surgiu um importante documento, co- nhecido como Agenda 21, que trata de ações a serem postas em prá- tica pelas nações na tentativa de reverter ou evitar a degradação am- biental. No sítio do Ministério do Meio Ambiente você tem acesso às informações a respeito da Agenda 21, bem como ao documento com- pleto da Agenda 21 (40 capítulos) – www.mma.gov.br.
No capítulo 12 da Agenda 21, desertificação foi definida como sendo “a degradação do solo em áreas áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, resultante de diversos fatores, inclusive de variações climáticas e de ativi- dades humanas”. Para chegar a tal definição, foram necessários estabele- cer alguns pontos, que foram aceitos pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), que serviram de base para a definição de áreas suscetíveis à desertificação, que podem ser observados a seguir:
- No que diz respeito às variações climáticas, a seca é um fenômeno típico das regiões semi-áridas;
- No que diz respeito às ações de degradação da terra induzidas pelo homem, deve-se entendê-la como tendo, pelo menos, cinco com- ponentes, conforme propõe a FAO (Organização das Nações Uni- das para Agricultura e Alimentação):
- Degradação das populações animais e vegetais (degradação bi- ótica ou perda da biodiversidade) de vastas áreas do semi-árido devido à caça e extração de madeira;
- Degradação do solo, que pode ocorrer por efeito físico (erosão hídrica ou eólica e compactação causada pelo uso da mecaniza- ção pesada) ou por efeito químico (salinização ou sodificação);
- Degradação das condições hidrológicas de superfície devido à perda da cobertura vegetal;
- Degradação das condições geohidrológicas (águas subterrâne- as), devido a modificações nas condições de recarga – reabaste- cimento dos lençóis freáticos;
- Degradação da infra-estrutura econômica e da qualidade de vi- da dos assentamentos
Durante a realização da RIO-92, foi proposta, por diversos países com problema de desertificação, a aprovação de uma Convenção In- ternacional sobre Desertificação. A proposta foi aceita. Posteriormen- te, a ONU (Organização das Nações Unidas) designou o dia 17 de ju- nho como o “Dia Mundial de Luta contra a Desertificação e a Seca”, data que marca o aniversário da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.
No Brasil, as áreas mais afetadas pela desertificação foram definidas pela Embraba como sendo os núcleos de Cabrobó – PE, Gilbués – PI, Irauçuba – CE e Seridó – RN.
Salinização
Os solos apresentam sais em níveis diferenciados. Quando este ní- vel se eleva, chegando a uma concentração muito alta, pode prejudicar o desenvolvimento de algumas plantas mais sensíveis ou mesmo impe- dir o desenvolvimento de praticamente todas as espécies. Cada planta possui seu nível de tolerância a sais.
Mas como ocorre a salinização? Será que todos os solos apresentam a possibilidade de se tornarem salinos?
Geralmente a salinização dos solos ocorre em regiões de baixa pre- cipitação pluviométrica, que apresentam alto deficit hídrico e onde existe dificuldade de drenagem.
A água das chuvas, ao cair e penetrar no solo, solubiliza e transporta íons de Cálcio (Ca++), Magnésio (Mg++), Sódio (Na+), Potássio (K+), assim como radicais Hidrogeno-carbonato (HCO -1), Carbonato (CO -2),
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Sulfato (SO -2), transformando-se em uma solução que vai para os rios,
lagos e reservatórios. Quando esta água é utilizada para irrigar um solo (principalmente quando esse é raso) em locais de baixa precipitação, que apresenta deficit hídrico e dificuldade de drenagem, este se tornará salino com o passar do tempo.
No Brasil, o risco de salinização dos solos se concentra no semi- árido nordestino e no norte de Minas Gerais. Regiões onde o período seco é superior a 5 meses por ano, ou seja, o deficit hídrico é muito grande, por isso a evaporação direta do solo e a transpiração das plan- tas – evapotranspiração – são intensas. Quanto menor for o valor da precipitação média anual e maior for a evapotranspiração, maior será o risco de salinização dos solos quando estes forem irrigados.
Mas as plantas transpiram? As plantas são compostas majoritaria- mente de água, cerca de 85% a 95%; parte desta água pode ser libera- da pelas folhas – transpiração foliar – sob a forma de vapor, é o pro- cesso de transpiração das plantas. A transpiração foliar é o conjunto da transpiração estomática (que ocorre através dos estômatos onde tam- bém ocorre a respiração da planta) e da transpiração cuticular (perda de vapor d’água através da cutícula). Essa transpiração será diferente conforme o clima da região, assim, algumas plantas, como os cactos, adaptaram-se às regiões secas para reduzir a transpiração.
Muitas regiões de clima temperado apresentam praticamente as mesmas médias anuais de precipitação, mas a evaporação nestas áreas é menor que em regiões de clima tropical, tornando esta última mais suscetível aos danos causados por esse processo.
Muitos países apresentam áreas salinizadas desde os tempos antigos, que foram abandonadas por se tornarem impróprias para a agricultura. Antes isso acontecia pelo completo desconhecimento do processo, mas hoje, com o avanço tecnológico e científico, isso acontece, na maioria dos casos, por negligência. A ganância pelo lucro fácil e rápi- do fala mais alto. O solo do perímetro irrigado de Custódia – PE teve sua atividade agrícola interrompida pela salinização.
No semi-árido nordestino, no vale do São Francisco, a irrigação é bastante utilizada e, na maioria das vezes, mal utilizada, pois em vez de irrigar na medida certa, encharca-se o solo. Conforme João Suassu- na, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, “irrigar não significa, apenas, levar água às culturas por meio de tubulações ou canais pre- viamente calculados. Significa, também, ajustar as quantidades aplica- das às necessidades hídricas dos vegetais, levando-se em conta as ca- racterísticas do solo e clima locais, bem como, a qualidade da água utilizada na irrigação”.
Quadro 3
O mar de Aral ou de algodão
- Marie-Hélène Mandrillon
A partir da década de 1970, o mar de Aral, um lago salgado situado no coração da Ásia Central, na fronteira entre o Casaquistão e o Uzbequistão, viu a sua superfície drasticamente reduzida. O cau- dal dos rios Amou-Daria e Syr-Daria, que o alimentavam, não só diminui para metade, mas até desapa- receu totalmente, no início dos anos 80. No entanto foi necessário esperar por 1988 e pela política de glasnost de Mikhail Gorbatchev, para que a imprensa moscovita desse o alarme: o Aral perdeu meta- de de sua superfície e o seu nível baixou 15 metros. Os prejuízos foram enormes: em alguns lugares, o mar recuou, realmente, mais de 100 Km, o que fez com que os portos de pesca de Aralsk e de Mouï- nak passassem a localizar-se no interior; o sal, espalhado pelo vento, afetou grandes extensões de ter- ras e, além disso, muitas espécies de peixes extinguiram-se definitivamente.
A agonia do mar de Aral é a revelação espetacular do fracasso de uma política de irrigação em gran- de escala, que permitiu que 7 milhões de hectares fossem inteiramente dedicados à monocultura do algodão. Além de que, juntamente com as águas do mar, perderam-se 60 mil empregos e a memória de uma paisagem desfez-se para sempre.
Com o aproveitamento hidráulico do Amou-Daria e do Syr-Daria, a partir dos anos sessenta, os seus deltas secaram, ao mesmo tempo em que a população que vivia perto do mar, e que mal inicia- ra o processo de transição demográfica, passou a ter a cultura industrial do algodão, o “ouro branco”, como única fonte de rendimento.
- Fonte: MANDRILLON, Marie-Helène. Estado do Meio Ambiente no 1993.
A salinização é também uma forma de desertificação, pois torna os solos impróprios para o cultivo, forçando a população local a migrar para outras áreas.
Referências Bibliográficas
CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO (1992: Rio de Janeiro). Agenda 21. Curitiba: IPARDES, 2001.
FERNANDEZ, F. O poema imperfeito: crônicas de Biologia, conservação da natureza e seus heróis. Curitiba: UFPR, 2005.
MANDRILLON, M. In: BEAUD, M.C e BOUGUERRA, M. L. Estado do
ambiente no mundo. Lisboa: Instituto Piaget, 1993.
RUSSEL, J. B. Química Geral. São Paulo: Mc Graw-Hill do Brasil, 1981. SUERTEGARAY, D. Deserto Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1998.
Obras Consultadas
ATKINS, P.; JONES, L. Princípios de química: questionando a vida moderna e o meio ambiente. Porto Alegre: Bookman, 2001.
DREW, D. Processos interativos homem-meio ambiente. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
OLIVEIRA, E. C. de. Introdução à biologia vegetal. São Paulo: EDUSP, 2003.
SANTANA NETO, J. L.; ZAVATINI, J. A. Variabilidade e mudanças climática. Maringá: Eduem, 2000.
SUGUIO, K.; SUZUKI, U. Evolução geológica da Terra e a fragilidade da vida. São Paulo: Editora Edgard Blucher Ltda, 2003.
Documentos Consultados ONLINE
AUDRY, P.; SUASSUNA, J. Estudo da salinidade das águas de irrigação das propriedades do GAT1 e da sua evolução sazonal durante os anos de 1988 e 1989. Disponível em: http://www.fundaj.gov.
br/docs/ tropico/desat/catal.html. Acesso em 16 fev. 2006.
Bley Jr., C. Erosão Solar: Riscos a considerar para a agricultura nos trópicos. Disponível em: www.ecoltec.com.br/pub4.html
www.iica.org.br. Acesso em: 17 dezembro 2005.
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www.mma.gov.br/port/srh/acervo/publica/doc/drena/cap04.pdf.Acesso em: 16 fev. 2006.
ANOTAÇÕES
Ensino Médio
230 Dimensão Socioambiental do Espaço Geográfico
Geografia
15
PARE DE SONHAR COM UM CARRO!
- Marcia Regina Garcia1
ocê consegue imaginar sua vida ou a vida de nossa sociedade sem automóveis circulando pelas ruas e sem a comodidade proporcionada pe- los eletrodomésticos que dispomos
em nosso dia-a-dia? Você acha que ha- veria alguma possibilidade disso vir a acontecer?
Que fatores poderiam levar a isto? Que forças possibilitam que estas coisas fun- cionem? Como estas questões afetam a (des)organização do espaço geográfico?
1Colégio Estadual Barbosa Ferraz – Andirá – PR
Pare de Sonhar com um Carro!
231
A Geografia é uma ciência que estuda o espaço, a relação socieda- de-natureza e sua transformação. Esta afirmação ajuda você a respon- der a questão anterior?
Existem em nosso planeta muitas sociedades que, em função de características culturais peculiares, mantêm uma relação diferenciada com a natureza, explorando-a ou modificando-a de acordo com seus anseios. Para esclarecer esta idéia, precisamos refletir um pouco.
Durante sua evolução, o ser humano aprendeu a utilizar diversos recursos naturais, transformando-os para atender suas necessidades, inclusive como fontes de energia. Estes recursos possibilitaram às di- ferentes civilizações um maior grau de desenvolvimento que outra, ou seja, o desenvolvimento precoce de técnicas em relação aos demais, para um melhor aproveitamento dos recursos.
Você sabe qual foi o primeiro recurso energético a ser utilizado pe- los seres humanos? Foi a biomassa, ou seja, a lenha, utilizada desde os primórdios para as pessoas se aquecerem do frio, para afugentar animais, para cozer e assar alimentos, depois para fundir e forjar me- tais utilizados na fabricação dos mais diversos utensílios. Ainda hoje, a biomassa é utilizada, principalmente, nos países pobres, embora nu- ma proporção menor que o carvão mineral, o gás natural, o petróleo e a hidreletricidade.
O uso indiscriminado de madeira pode colocar em risco áreas florestais ainda existentes em nosso planeta, principalmente devido à exploração ilegal que ocorre tanto para gerar carvão vegetal quanto para o comércio de madeira de lei.
As floretas do Paraná sofreram esse tipo de ação. Você sabe qual foi o destino dado às nossas árvores de madeira de lei? Foi um des- tino “nobre” ou serviram apenas de lenha? Pesquise sobre esse as- sunto e indique, no mapa, a localização que estas florestas tiveram no Paraná.
É preciso lembrar, ainda, que as florestas derrubadas (são mui- tas vezes imensas áreas arrasadas por “correntões” puxados por tra- tores potentes) deram lugar à pecuária e/ou agricultura. Mas isso é outra história!
Atualmente, devido aos avanços tecnológicos, os recursos energé- ticos mais utilizados são os combustíveis fósseis (carvão mineral, pe- tróleo e gás natural), a hidreletricidade e a energia nuclear. Outras for- mas, menos difundidas, referem-se à energia eólica (modalidade onde a cidade de Palmas, no Paraná, é precursora em sua utilização na re- gião Sul), geotérmica, solar e de marés. Todas as fontes de energia, se- jam elas convencionais ou alternativas, necessitam de tecnologia para sua exploração e aproveitamento.
Foto 1 – Usina Hidrelétrica de Itaipu, PR Foto 2 – Termoelétrica de Uruguaiana, RS
- Fonte: itaipu.gov.br n Fonte: www.fundaj.gov.br
Foto 3 – Energia eólica de Palmas, PR Foto 4 – Energia solar
- Fonte: Marcio Miguel de Aguiar n Fonte: sxc.hu
O uso de tais formas geralmente está relacionado com a disponi- bilidade destes recursos em um determinado país ou região. Entretan- to muitos países são carentes de fontes de energia e as importam (car- vão, mineral radioativo, petróleo) ou mesmo a energia já transformada para atender às suas necessidades.
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ener- gia é a “propriedade de um sistema que lhe permite realizar traba- lho”. A energia pode ser classificada em dois grandes grupos: cinéti- ca ou potencial.
A energia cinética é a energia associada ao movimento e energia potencial é a energia armazenada, que pode ser transformada, em ou- tro tipo de energia, a qualquer momento.
Para se produzir energia elétrica − como a que possibilitou acender as lâmpadas de sua sala − a partir das águas de um rio torna-se neces- sária a construção de um reservatório, cujas águas terão maior energia potencial gravitacional quanto mais íngreme for a queda das águas. A medida que a água se desloca do reservatório em direção à turbina, a energia potencial gravitacional da água transforma-se em energia ci- nética (de movimento). A medida que a altura diminui, também dimi- nui a energia potencial, aumentando a cinética. Importante, quando água está no limiar de colidir na turbina, a energia é praticamente to- da cinética. Já o carvão é uma fonte de energia química que, pelo pro- cesso de combustão, transforma-se em energia térmica que aquece a água, gerando vapor a 100 ºC e este, em alta pressão, movimenta o ge- rador, transformando-se em energia elétrica. Nas usinas termelétricas a gás, é realizada a transformação da energia química das moléculas que constituem o gás natural em energia mecânica e depois em ener- gia elétrica. Nos automóveis, a energia química (seja da gasolina, do óleo diesel, do gás ou do álcool) é transformada em movimento (ener- gia cinética). Quando preparamos um churrasco, a energia química da combustão do carvão vegetal (ou da lenha) se transforma no calor que assa a carne.
Nestes exemplos, podemos identificar de forma simples algumas das transformações necessárias nas fontes de energia (a água do rio, o gás natural, o carvão vegetal, a gasolina, o álcool, a lenha…), para que possamos utilizá-las no dia-a-dia.
Através de máquinas, uma forma de energia pode transformar-se em outra. Você poderia apontar alguns exemplos deste fato? Vejamos agora algumas fontes, selecionadas em função de seu uso.
Carvão mineral
O carvão mineral é uma rocha sedimentar (combustível fóssil) for- mada a partir do soterramento e compactação de vegetais em ambien- tes anaeróbicos (antigas áreas pantanosas). A partir do momento em que a matéria vegetal é soterrada, inicia-se o lento processo de forma- ção do carvão, devido ao aumento da pressão e da temperatura.
No período Carbonífero da era Paleozóica (aproximadamente 350 milhões de anos atrás), o clima existente em certas regiões do hemisfé- rio norte possibilitou o desenvolvimento de exuberantes florestas cujos restos vegetais soterrados ao longo do tempo deram origem ao carvão. Tais florestas também puderam se desenvolver no sul do Brasil.
Os ambientes propícios à formação de carvão são as bacias rasas, estuários, deltas ou pântanos (áreas mal oxigenadas). Lentamente de- tritos vegetais vão se depositando em uma depressão, como um lago, por exemplo. Estes sedimentos vão tornando-o cada vez mais raso e a vegetação existente nas margens começa a invadi-lo e o lago transfor- ma-se num pântano, onde os restos vegetais cobertos pela água e por sedimentos, lentamente, formam a turfa. Faça uma pesquisa e concei- tue delta, estuário e pântano.
A formação do carvão mineral ocorreu, principalmente, em áreas onde existiam grandes florestas pantanosas (Europa, Ásia e América do Norte) e apresentavam instabilidade tectônica. Estas áreas estavam sofrendo um contínuo e lento processo de subsidência sendo a turfei- ra continuamente soterrada com novos depósitos sedimentares, o que deu origem a muitas camadas de carvão.
Sua distribuição pelo planeta é muito irregular, concentrando-se em praticamente dois países, Rússia e Estados Unidos, contando estes, res- pectivamente, com 50% e 30% das reservas mundiais. Segundo estima- tivas, o Brasil possui 0,1% das reservas conhecidas (TAIOLI, 2001).
Você sabia que o poder calorífico (capacidade de gerar calor) do carvão está diretamente relacionado à quantidade de carbono exis- tente nos restos vegetais litificados? Temos quatro tipos diferentes de carvão na natureza, com diferentes concentrações de carbono, que são: turfa, linhito, hulha (carvão betuminoso) e antracito. Observe a concentração de carbono em cada etapa do processo de formação do carvão:
A turfa apresenta cerca de 55% de carbono e apresenta pouco va- lor econômico;
O linhito: apresenta teor de carbono entre 65% e 75%;
A hulha: tipo mais abundante e mais consumido, apresenta entre 75% e 90% de carbono;
O antracito: difícil de ser encontrado, apresenta entre 90% e 96% de carbono, assim, com maior poder calorífico.
Sua utilização como recurso energético é antiga, pois os romanos usavam-no para aquecer suas casas. Entretanto, seu uso se intensi- ficou a partir do século XVIII, sendo o recurso energético adotado na primeira fase da Revolução Industrial, que se iniciou na Inglater- ra (veja o Folhas “A indústria já era?”). Nesse período, devido à difi- culdade de transporte, as indústrias concentravam-se perto dos locais onde o carvão mineral era explorado (minas) ou próximo a um rio, que além de fornecer água para o processo produtivo, poderia ser utilizado como via de transporte.
Já ocorreram muitas guerras pelo domínio de jazidas carboníferas, pois até as primeiras décadas do século XX, um país para ser conside- rado poderoso deveria ter um grande “espaço vital” (veja o texto de apresentação do conteúdo Geopolítica) com reservas de recursos na- turais que garantiriam o atendimento das necessidades de sua popula- ção e o desenvolvimento econômico da nação.
Os maiores produtores mundiais de carvão são também os maiores consumidores e exportadores? Utilize a tabela 1 como ponto de parti- da para responder esse questionamento.
TABELA 1
Maiores produtores mundiais de carvão | |
China | 33,8% |
Estados Unidos | 25,6% |
Índia | 8,3% |
- Fonte: Agência Internacional de Energia
Dentre muitos países que utilizam o carvão mineral como fonte de energia, a China é um país altamente dependente desta fonte, tendo milhares de minas em seu território, muitas funcionando em péssimas condições, responsáveis anualmente pela morte de milhares de minei- ros que ficam soterrados ou se queimam em explosões.
Leia o texto “China cogita fechar 4.000 minas por falta de seguran- ça” para entender um pouco o que ocorre por lá.
Mapa 1 – Ocorrência de carvão mineral
A existência de carvão mineral no Brasil é co- nhecida desde o século XIX, através dos tropeiros que viajavam pela região Sul, mas sua exploração ganhou impulso a partir da Segunda Guerra Mun- dial, pela necessidade de substituir combustíveis importados (derivados de petróleo).
Observe no mapa 1 que a faixa permocar- bonífera do Brasil (termo referente aos depósi- tos dos períodos Carbonífero e Permiano da era Paleozóica, correspondendo, respectivamente, a 350 e 270 milhões de anos atrás, aproximada- mente), apresenta a forma da letra S. Tais de- pósitos encontram-se nos estados de São Pau- lo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Já são pesquisadas as reservas de carvão no Pa- rá (Serra dos Carajás) e outros estados.
O carvão produzido nos estados da região sul é utilizado também para gerar energia elétrica em usinas termelétricas. Podemos citar as termelétricas de São Jerônimo, Candiota, Gasômetro e Charqueadas, localizadas no Rio Grande do Sul; em Santa Catarina temos a Usina Termelétrica da Companhia Siderúrgica Nacional, em Siderópolis, e a Sociedade Termelétrica de Capivari. O carvão paranaense é utilizado nas usinas de Harmonia e Figueira, além da Fábrica Presidente Vargas (Indústria de Material Bélico do Brasil), que se localiza em Piquete – SP, onde se produz explosivos para o exército.
Até o momento, o carvão metalúrgico só é extraído de Santa Cata- rina. Este carvão apresenta grande quantidade de hidrocarbonetos pe- sados, podendo ser transformado em coque. Nem todo carvão pro- duzido no Brasil é coqueificável, devido à sua má qualidade (grande quantidade de impurezas).
A exploração do carvão mineral causa muitos danos à natureza, pois é necessária a remoção de toda matéria vegetal e mineral (solo e rochas) para chegar à reserva. Entretanto, quando sua exploração ini- ciou-se, não se falava em preservação e imensas áreas foram degra- dadas. Tal tipo de exploração pode causar a acidificação da água dos rios, chuvas ácidas, subsidência no local de exploração, deterioração da paisagem, danos à saúde dos mineradores e muitos outros.
Por se formar em condições anóxicas (ausência de oxigênio), o carvão está comumente associado a sulfetos (íon de enxofre: S-2), principalmente a pirita (FeS2), conhecida popularmente como ouro dos tolos, que, exposta à ação do oxigênio e da água, sofre oxida-
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ção, gerando uma solução de ácido sulfúrico (H2SO4) e sulfato fer- roso (FeSO4), altamente poluidora. Estas substâncias acidificam as águas, aumentando o teor de sulfatos (íon de enxofre ligado a qua- tro átomos de oxigênio: SO –2) que causam uma série de reações quí- micas como, por exemplo, a solubilização (capacidade que tem uma substância de se dissolver em outra) de metais pesados, cálcio, só- dio, ferro e outros.
A oxidação (oxidação é a perda de elétrons por uma espécie quí- mica) dos sulfetos também pode gerar calor e induzir a autocombus- tão do carvão, liberando ácido sulfídrico (H2S), que possui cheiro mui- to desagradável, além de provocar chuvas ácidas que, muitas vezes, pela dinâmica da atmosfera, ocorrem em áreas distantes da área po- luidora, ou seja, suas conseqüências podem atingir sociedades que não possuem relação direta com a área de exploração, não respeitan- do fronteiras.
O smog é um tipo de poluição atmosférica composta por fuligem e enxofre. No ano de 1952, em Londres, mais de três mil pessoas morre- ram em poucos dias devido ao aumento da concentração de poluen- tes que se acumularam, aprisionados em uma massa de ar que perma- neceu estacionada devido a uma inversão térmica.
Até a década de 1970, todos os rejeitos, da exploração do car- vão, ficavam a céu aberto. A partir da década de 1980, surgem as pri- meiras iniciativas na tentativa de minimizar os impactos ambientais dessa exploração. Estudos estão sendo realizados para o desenvol- vimento de tecnologias limpas para o uso do carvão, tentando mini- mizar os impactos ambientais e obter maior eficiência energética. Es- te processo pode ser realizado por meio da pré-combustão, durante a combustão, pós-combustão ou pela conversão do carvão em ou- tros combustíveis. Que tal realizar uma pesquisa para conhecer me- lhor esses processos?
Hidreletricidade
Este tipo de energia elétrica é responsável pelo abastecimento de aproximadamente 90% do consumo nacional. A água é utilizada des- de a antiguidade como fonte de energia para mover moinhos ou ou- tros equipamentos. Mas quando ela passou a ser utilizada como fonte geradora de energia elétrica?
As primeiras usinas hidrelétricas que surgiram no Brasil eram priva- das e visavam atender às necessidades de uma tecelagem, mineração ou de uma fazenda; posteriormente as usinas foram destinadas à ilu- minação pública e ao atendimento à população.
Antigamente, para a construção de uma usina hidrelétrica não era necessário conseguir autorização governamental, nem havia necessi- dade de estudos de impactos ambientais. Lentamente isso foi mudan- do, e hoje vários estudos são realizados, por exemplo: Estudos Pré- vios de Impacto Ambiental (EPIA), Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e posterior Relatório de Impactos Ambientais (RIMA) para verifi- car as possíveis interferências ambientais, socioculturais e econômicas na área atingida. Mesmo assim, os impactos podem ser significativos. Você poderia indicar alguns impactos na vida da população atingida pela construção da barragem?
Para a instalação de uma usina hidrelétrica deve-se considerar a to- pografia do entorno, a largura do rio e o caudal, objetivando maior aproveitamento do potencial hidráulico e evitando, assim, o alagamen- to de grandes áreas e seus impactos.
A energia elétrica produzida pela força da água é considerada re- novável, uma vez que a água utilizada para gerar energia não se esgo- ta no processo, podendo ser utilizada para outros fins. O lago forma- do pela barragem do rio pode ser utilizado para a navegação, uma vez que elimina as quedas d’água, que dificultavam o percurso antes de sua formação. Também pode ser utilizado para o desenvolvimento da piscicultura, recreação, irrigação e outros.
E a fauna aquática? Será que a construção de um lago pode interfe- rir na vida dos peixes e outras espécies?
O rio forma um ambiente lótico, onde a movimentação é inten- sa e constante. Ao formar o lago, este passa a lêntico, e toda a fau- na aquática sofre com isso. Nesse processo, muitos peixes desapare- cem, pois precisam realizar a piracema, que é o processo migratório que ocorrem todos os anos em direção a montante (rio acima, contrá- rio à correnteza) para que ocorra maturação gonadal e possam pro- criar e perpetuar a espécie. Estes, presos num lago, não se reprodu- zem. Uma tentativa para minimizar este impacto é a construção das escadas para peixes.
A energia hidrelétrica durante muito tempo foi considerada uma energia limpa, mas recentemente essa classificação está sendo questio- nada. Segundo o pesquisador Philip M. Fearnside, do Instituto Nacio- nal de Pesquisas da Amazônia (INPA), instituto do Ministério da Ciên- cia e Tecnologia, que estuda as barragens amazônicas, estas são fontes de gases de efeito estufa e, na região, o impacto maior seria causado por Tucuruí, Balbina, Samuel e Curuá-Uma, todas na bacia amazônica. Ele considera que tais usinas (reservatórios) causam pelo menos o do- bro do impacto de gerar a mesma energia com petróleo.
TABELA 2
Relação potência/volume/área alagada de usinas selecionadas | |||||
Usina | Ano | Rio/Estado | Potência MW | Volume 106 m3 | Área Km2 |
Balbina | 1989 | Uatumã/AM | 250 | 17.500 | 2.360 |
Paulo Afonso | 1955 | S. Francisco/BA | 3.984 | 128 | 16 |
Itaipu | 1991 | Paraná/BR-PY | 12.600 | 29.000 | 1.360 |
Porto Primavera | 1995 | Paraná/SP-MS | 1.818 | 18.500 | 2.250 |
Salto Osório | 1975 | Iguaçu/PR | 1.332 | 6.750 | 41 |
- Fonte de dados: MÜLLER, C., 1995. Adaptada pela autora.
A partir da crise do petróleo de 1973, iniciou-se no Brasil uma cor- rida por outras fontes de energia, na tentativa de diminuir nossa de- pendência do petróleo importado, que era muito grande. Nesse perí- odo, teve início a construção de grandes usinas, na maioria das vezes, com impactos tão grandes quanto o tamanho das usinas construídas, que consumiram cifras exorbitantes dos cofres públicos. Todos os rios brasileiros foram estudados para verificar as possibilidades de aprovei- tamento, instalando-se pequenas, médias ou grandes usinas.
O território paranaense é responsável pela geração de mais de 20% da energia hidrelétrica consumida no Brasil, pois possui grandes usi- nas como Itaipu, Foz do Areia, Salto Osório, Salto Santiago e outras, com grande potência, atendendo às necessidades de sua população e distribuindo energia para outros estados. Este potencial é explorado pela Copel – Companhia Paranaense de Energia Elétrica – exceto Itai- pu e usinas hidrelétricas localizadas ao longo do rio Paranapanema.
Existem também projetos para construção de novas usinas, entre estes estão os projetos para o rio Tibagi, que alagará terras de reservas indígenas. Bom lembrar que os povos indígenas já sofreram ao longo dos séculos e, de certo modo, ainda não conseguiram uma área efe- tivamente sua, pois precisam mais uma vez “ceder” sua área para o “bem” da sociedade. Será que a sociedade em geral pensa no bem es- tar dos indígenas? Como você pensa esta questão?
Veja a seguir as usinas da Copel, listadas por ordem decrescente de potência.
Mapa 2 – Paraná – Usinas Hidrelétricas e Termolétricas
Usina Hidrelétrica Gov. Bento Munhoz da Rocha Netto (Foz do Areia)
Usina Hidrelétrica Governador Ney Braga (Segredo)
Usina Hidrelétrica de Salto Caxias
Usina Hidrelétrica Governador Parigot de Souza
Usina Hidrelétrica Guaricana Usina Hidrelétrica Chaminé Usina Hidrelétrica Apucaraninha Usina Hidrelétrica Mourão
Usina Hidrelétrica Derivação do Rio Jordão
Usina Hidrelétrica Marumbi Usina Hidrelétrica São Jorge Usina Hidrelétrica Chopim I Usina Hidrelétrica Rio dos Patos Usina Hidrelétrica Cavernoso Usina Hidrelétrica Melissa
Usina Hidrelétrica Salto do Vau Usina Hidrelétrica Pitangui Usina Termelétrica Figueira
Petróleo
O petróleo é o recurso energético mais consumido em nível mundial, sendo estratégico para o desenvolvimento das nações, podendo, no mo- mento, ser também responsável por sua ruína. É um combustível fóssil, assim como o gás natural e o carvão mineral. Você sabe qual a sua ori- gem e quando este importantíssimo recurso energético se formou?
Várias são as teorias sobre sua origem, entretanto a mais aceita atu- almente é que tenha surgido a partir da decomposição de matéria or- gânica animal e vegetal (principalmente algas e plânctons), soterrada por sedimentos lacustres ou marinhos. Em ambientes rasos (platafor- mas continentais), devido à rápida sedimentação – ou no fundo do oceano, devido ao menor teor de oxigênio – a oxidação da matéria or- gânica não ocorre plenamente e esta vai se transformando com a per- da dos componentes voláteis e concentrando carbono, até se transfor- mar em hidrocarbonetos. Este processo leva milhões de anos.
Para fazer a perfuração estudos geológicos e geofísicos são realiza- dos na área, além de análises geoquímicas e paleontológicas de amos- tras, que possibilitarão constatar a existência ou não de hidrocarbone- tos, evitando maiores gastos.
Sua ocorrência no globo é variável, pois novas reservas podem ser descobertas, ao mesmo tempo em que outras estão se exaurindo. No momento atual, a maior concentração de petróleo está no Oriente Mé-
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dio e de gás, na Europa Oriental.
Seu uso é conhecido desde a an- tiguidade. Estima-se que o betume tenha sido usado na construção das muralhas da Babilônia, na Mesopo- tâmia. Era conhecido pelos antigos egípcios e utilizado na pavimentação de estradas dos Incas, na América.
No Brasil, encontramos referência à existência de petróleo na Bahia, no final do século XIX, período em que se construía a Estrada de Ferro Leste Brasileiro. Relatos informavam que as ferramentas utilizadas na constru- ção ficavam sujas de óleo. Entretan- to, a primeira descoberta com inte- resse comercial foi feita em Lobato, também na Bahia, no ano de 1938. Em 1953, foi criada a Petrobrás (Pe- tróleo Brasileiro S.A.).
Mapa 3 – Brasil: refinarias de petróleo – 2005
A primeira descoberta de petróleo na plataforma continental brasi- leira foi realizada em 1968, em Sergipe. Hoje, a maior parte do petró- leo nacional é retirado da plataforma continental, em águas profundas (superiores a 800m), com destaque para a bacia de Campos, litoral flu- minense, onde se concentra a maior extração no momento. Devido às especificidades da exploração na plataforma continental, o Brasil de- senvolveu tecnologia que, atualmente, é exportada.
Há ainda a possibilidade de existir petróleo no subsolo amazônico brasi- leiro, uma vez que a Venezuela – país cujo território contém parte da Ama- zônia – é um dos maiores produtores mundiais desse recurso mineral.
Nas últimas décadas, o petróleo virou motivo de guerras (Guerra do Golfo: invasão do Iraque pelos EUA, Reino Unido e demais países que os apoiaram), pois fortes economias seriam arruinadas sem a ga- rantia de sua oferta. Uma das estratégias utilizadas nos conflitos foi co- locar fogo nos poços, ação que leva grande quantidade de CO2 para a atmosfera, podendo intensificar o efeito estufa.
Hoje, os maiores conflitos, ou pelo menos os mais divulgados pela imprensa, embora com outra roupagem, são os que se originam pela posse do petróleo, mas já existem vários conflitos por domínio de água. Será que um dia poderemos presenciar um desses conflitos em nosso território? (Sobre esta questão, leia o Folhas “A água tem futuro?”.)
A sociedade atual é altamente dependente dessas fontes de energia, pois sua manutenção provém, basicamente, destas três fontes – carvão mineral, hidreletricidade e petróleo; ao que tudo indica, alguns países seriam capazes de passar por cima de tudo e de todos para consegui- rem garantir a manutenção de seu padrão de vida.
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CANTO, E. L. do. Minerais, minérios e metais. De onde vêm? Para onde vão? Coleção Polêmica. São Paulo: Moderna, 2001.
GUERRA, A. T.; GUERRA, A. J. T. Novo dicionário geológico- geomorfológico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
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Documentos Consultados ONLINE
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Ensino Médio
246 Dimensão Socioambiental do Espaço Geográfico
Geografia
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CATÁSTROFES SÃO EVITÁVEIS OU INEVITÁVEIS?
- Roselia Maria Soares Loch1
or que chamamos de “catástrofe” os furacões, terremotos, erup- ções vulcânicas, secas, enchentes,
deslizamentos de encostas e tsunamis? Como evitar uma “catástrofe”?
1Instituto de Educação do Paraná Prof. Erasmo Piloto – Curitiba – PR
Catástrofes são Evitáveis ou Inevitáveis?
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Para entender o que é uma “catástrofe natural”, vamos definir as duas palavras que formam a expressão: catástrofe, segundo o Novo Di- cionário Aurélio da língua portuguesa, é um “acontecimento súbito, de conseqüências trágicas e calamitosas”; natural, segundo o mesmo di- cionário, é “referente à natureza; aquilo que é conforme a natureza”. E então, continua com a mesma opinião?
As catástrofes naturais são eventos com os quais todas as socieda- des convivem. Em alguns lugares elas são muito freqüentes, em outros são relativamente raras; no entanto, em todas as sociedades elas repre- sentam um desafio. Só é pertinente referirmo-nos a “catástrofes natu- rais” quando estas afetam direta ou indiretamente a sociedade de uma forma significativa com danos graves causados a pessoas, a bens (pré- dios, lavouras, estradas, etc.) e ao ambiente. Elas constituem um pro- cesso de ruptura entre o sistema social e natural. Ocorrem desde que a Terra se formou, mas há uma percepção que elas se intensificaram na atualidade. Você também acredita que elas tenham se intensificado? Qual é a sua explicação para isto?
Recordando
Vamos relembrar alguns acontecimentos, que marcaram esta ruptura recentemente.
Assistindo à televisão no mês de março de 2004, ficamos sabendo de um fenômeno que atingiu o litoral sul do Brasil. Começou como um ciclone extratropical, mas à medida que foi evoluindo, ganhou características incomuns. Batizado de Catarina, foi classificado como fu- racão. No mesmo ano, em dezembro, soubemos
que a terra tremeu mais uma vez. Dessa vez foi na Ásia, tre-
meu sob as águas do Oceano Índico provocan- do ondas gigantes conhecidas como tsunamis. E o furacão Katrina, 11ª tormenta Atlântica de 2005 chega aos Estados Unidos.
Eventos como estes não podem passar despercebidos e devem ser colocados no centro dos debates a respeito das relações sociedade-natureza, bem como a questão da fragilidade dos seres humanos. Vamos refle- tir um pouco sobre este assunto. Que expli- cação você daria para a questão a seguir?
Classificação das “Catátrofes Naturais”
Tabela 1
CATEGORIA | TIPO DE EVENTO |
Meteorológico | furacão, tufão, tornado, ciclone |
Hidrológico | inundação, seca, incêndio |
Geológico |
terremoto, maremoto, ondas gigantes, vulcão |
- Adaptado: TENAN, Coriolano Calamidades naturais.Rio de Janeiro. SUNAB, 1974.
Existem outras classificações mais abrangentes que podem ser em- pregadas na confecção de relatórios e também para estudos compa- rativos e análise do comportamento de cada um. A elaboração desta classificação justifica-se por facilitar o ordenamento e as generalizações das ocorrências dos eventos.
De maneira geral, as “Calamidades Naturais” têm sido classificadas e ordenadas de acordo com os seus processos desencadeadores.
Observe os tipos de eventos na tabela “Classificação das Catástro- fes Naturais” e reflita: Por que certos eventos ocorrem com mais fre- qüência em determinados períodos do ano do que em outros? Quais fenômenos naturais ocorrem mais no verão que no inverno? Você per- cebe diferenças nos fenômenos naturais, em sua região, nas diferen- tes estações do ano?
Além de observar a distribuição temporal dos eventos, a localização geográfica é imprescindível, pois permite caracterizá-lo geofisicamente, ou seja, sua espacialidade pode ser definida, seu mapeamento estabele- cido e seu risco conhecido através de sua determinação no espaço.
Muitos eventos geofísicos podem ser identificados por sua localiza- ção, pois aqueles mais extremos não ocorrem em muitos lugares, co- mo é o caso de furacões e vulcões. Pesquise, num dicionário geográfi- co o que são e quais são os fenômenos geofísicos.
Em um Atlas Geográfico busque o planisférico de “tormentas e inundações” e responda a que regiões da Terra os furacões são mais freqüentes.
Classificados como eventos meteorológicos, os furacões, os ciclo- nes, os tufões e os tornados são eventos que produzem um resultado destrutivo, mas ainda há muitas dúvidas a respeito deles. Afinal, como são formados esses fenômenos atmosféricos? Quais as diferenças entre eles? Por que alguns lugares são atingidos por eles e outros não? Quais as conseqüências desses fenômenos no espaço e na sociedade?
Vamos saber um pouco mais sobre as características de cada um deles e entender os impactos provocados.
Mesmo se tratando dos mesmos fenômenos, os furacões recebem diferentes nomes. Tudo depende do espaço terrestre onde acontecem e da velocidade dos ventos existentes.
Foto 1 – Destruição causada pelo furacão Katrina (2005), Nova Orleans, EUA.
- Fonte: sxc.hu
A mais poderosa tempestade do nosso pla- neta é o furacão. Um fenômeno que se forma nas águas quentes das regiões trópicas. A mes- ma água quente que atrai os turistas às regiões tropicais serve de combustível para os furacões. Quando sua rota segue em direção às áreas po- voadas, o resultado é altamente destrutivo. Uma inquietação no tempo, oceanos tropicais mor- nos, umidade, e ventos relativamente fortes em níveis superiores da atmosfera são as condições necessárias que podem combinar e dar origem a ventos violentos, ondas gigantes, chuvas torren- ciais, e inundações associadas a este fenômeno.
É fácil identificar um furacão através de uma imagem de satélite. Is- so porque o furacão possui uma densa nuvem em forma de espiral e o famoso “olho” do espaço parece um frágil redemoinho, porém na ter- ra tem um poder destrutivo.
O maior perigo está na água, pois a pressão baixa no olho do fura- cão pode levar bilhões de toneladas de água do mar para as praias for- mando uma tempestade de grandes proporções. Não é por acaso que 90% das vítimas de furacão morrem afogadas.
Para medir a intensidade dos furacões utiliza-se a escala Saffir-Simp- son, ela mede a força dos ventos numa categoria que vai de 01 a 05. Leia a tabela “escala de Furacões” para saber a categoria e a velocida- de dos ventos. O furacão Katrina, já citado anteriormente, chegou à ca- tegoria 5 ao se aproximar de Louisiana nos Estados Unidos.
A partir dos anos 70, com as tecnologias mais avançadas, os saté- lites permitiram previsões mais precisas das áreas a serem atingidas e a categoria dos furacões, podendo dessa forma retirar a população de áreas com possibilidade de serem atingidas ou colocando-os em abri- gos. Mas mesmo assim os furacões continuam fazendo estragos. Ma- tam milhares de pessoas todos os anos.
De acordo com o lugar onde se formam ganham nomes diferentes. No oeste do Pacífico, nas regiões do Japão, China, Coréia, Filipinas são chamados de tufões e são mais poderosos que os furacões atlânticos. Os tufões dispõem de uma área maior de oceano quente para viajar e se fortalecer. Mais de 20 tufões se formam no oeste do pacífico num ano comum. As mesmas tempestades são conhecidas como Ciclones, a diferença está na área de atuação.
O ciclone tem uma extensão geográfica maior do que a do fura- cão, mas os ventos são mais calmos, não há nuvens espiraladas nem a formação de “olho”. No Hemisfério Sul, giram no sentido dos pon- teiros do relógio (sentido horário) e, no Hemisfério Norte, giram no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio (sentido anti-horário). A ocorrência de um ciclone não indica necessariamente que haja tem- pestade, embora seja comum os ciclones virem acompanhados da for- mação destas. Quando se forma longe da Linha do Equador, em águas frias, ele é chamado de ciclone extratropical.
O tornado, outro fenômeno meteorológico de grande poder de destruição, se diferencia dos furacões por se formar sobre o continen- te. As superfícies continentais super aquecidas geram ventos verticais e isto contribui favoravelmente para o desenvolvimento da tempestade que dá início ao tornado. Quando um tornado atinge os oceanos são chamados de tromba d’água.
Os Tornados são medidos pela intensidade dos estragos que causam, e não pelo seu tamanho físico. Tornados grandes podem ser fracos, e tor- nados pequenos podem ser violentos. São considerados a mais destrutiva
de todas as tempestades na escala de classificação dos fenômenos atmos- féricos. A intensidade dos tornados é classificada na Escala Fujita que vai de F1 até F5, sendo o F1 o menos intenso e o F5 o mais intenso.
Podem ocorrer em qualquer parte do mundo, desde que existam condições favoráveis; entretanto, observa-se com uma maior freqüên- cia nos Estados Unidos numa área confinada entre as Montanhas Ro- chosas (a oeste) e os Montes Apalaches (a leste). A região onde fica situado o estado americano de Oklahoma é considerado a aléia de tor- nados, região onde são mais freqüentes.
Se você quiser ter uma noção do efeito destrutivo de um tornado, assista ao filme Twister, que tem Oklahoma como cenário e o “astro principal” é um fenômeno meteorológico!
Mas nem todas as “cala- midades naturais” podem ser atribuídas a eventos meteo- rológicos. Enquanto os fura- cões são classificados como eventos da geodinâmica ex- terna da Terra, os terremotos, maremotos e vulcões têm sua origem na geodinâmica inter- na da Terra, são os chamados eventos geológicos.
Você já imaginou como devem se sentir as pessoas
que são atingidas por este fenômeno? O clássico “não entre em pânico” é, nesta situação, imprescindível. Imagine a sensação esquisita sob os pés, que balança os móveis, faz tremer janelas e não dura mais que al- guns segundos.
Terremotos, abalos sísmicos ou tremores de terra são termos utili- zados para identificar eventos sísmicos, classificados conforme o seu “tamanho”. Desta forma, o termo terremoto é reservado para eventos grandes, geralmente aqueles com perdas humanas e grandes estra- gos. Fenômeno de vibração brusca e passageira da superfície da Ter- ra são resultante de movimentos subterrâneos de placas rochosas, de
atividade vulcânica, ou por deslocamentos (migração) de gases no in- terior da Terra. O movimento é causado pela liberação rápida de gran- des quantidades de energia na forma de ondas sísmicas.
A maior parte dos terremotos ocorre nas bordas das placas tectôni- cas (“tectônica” vem da palavra “construção” em grego) ou em falhas entre dois blocos rochosos. Pesquise em um Atlas Geográfico o planis- fério “placas tectônicas” e identifique os limites das placas e a direção de seus movimentos.
O comprimento de uma falha pode variar de alguns centímetros até milhares de quilômetros, como é o caso da falha de San Andreas na Cali- fórnia, Estados Unidos. Só nos Estados Unidos ocorrem de 12 mil a 14 mil eventos sísmicos anualmente (ou seja, aproximadamente 35 por dia). Ba- seado em registros históricos de longo prazo, aproximadamente 18 gran- des terremotos (de 7,0 a 7,9 na Escala Richter- veja a tabela das escalas) e um terremoto gigante (8 ou acima) podem ser esperados num ano.
Entre os efeitos dos terremotos estão a vibração do solo, abertura de falhas, deslizamentos de terra, tsunamis, mudança no eixo de ro- tação da Terra, além de efeitos destrutivos em construções feitas pelo homem, resultando em perda de vidas, ferimentos e altos prejuízos fi- nanceiros e sociais (como o desabrigo de populações inteiras, facilitan- do a proliferação de doenças, fome, etc.).
A região onde ocorre a liberação de energia sísmica (ondas sísmi- cas), ou a falha na rocha, é chamada de região focal ou foco sísmico – hipocentro. O ponto diretamente acima do foco, na superfície da Terra, é chamado de epicentro. A zona ao redor do epicentro é normalmente a mais afetada por um abalo sísmico. Se este ponto se localizar no mar ou em zonas desabitadas, o sismo pode não provocar estragos.
Em alguns terremotos, os tremores só podem ser registrados por aparelhos denominados sismógrafos. Outros são abalos tão violentos que devastam extensas regiões. O maior terremoto já registrado foi o Grande Terremoto do Chile, em 1960, atingindo 9.5 na escala de Ri- chter, em seguida o da Indonésia, em 2004, registrando 9.3 na mesma escala.
O que um terremoto provoca na superfície da Terra, tal como, tre- mor sentido pelas pessoas, rachaduras nas paredes ou no solo, desa- bamentos de edificações, etc., pode ser medido como sua intensidade, na escala denominada Escala Mercalli. Em virtude dos desmoronamen- tos de edifícios e dos incêndios resultantes, alguns terremotos foram causadores de grandes catástrofes.
A escala de Mercalli tem uma importância apenas qualitativa e não de- ve ser interpretada em termos absolutos, uma vez que depende de obser- vação humana. Por exemplo, um sismo com 8 na Escala Richter num de- serto inabitado é classificado como I na escala de Mercalli, enquanto que um sismo de menor magnitude sísmica, por exemplo 5, numa zona on-
Tabela 2
de as construções são débeis e pouco preparadas para resistir a terremo- tos pode causar efeitos devastadores e ser classificado com intensidade IX, na escala Mercalli.
E os Maremotos? Há quem identifique o termo “maremoto” como “tsunami” – contudo, maremoto refere-se a um sismo no fundo do mar, semelhante a um sismo em terra firme e que pode, de fato, originar um(a) tsunami.
A palavra ‘’tsunami’’ quer dizer, em japonês, ‘onda do porto’ – tsu (porto, ancoradouro) e nami (onda, mar) é uma onda ou uma série de- las que ocorrem após perturbações abruptas. Mas para entender me- lhor como funciona um Tsunami, ou uma onda, é preciso antes saber o que é uma perturbação.
Escala Mercalli | |
Mag | Efeitos percebidos. |
I | Nenhum movimento é percebido. |
II | Algumas pessoas podem sentir o movimento se elas estão em repouso e/ou em andares elevados de edifícios. |
III | Diversas pessoas sentem um movimento leve no interior de prédios. Os objetos suspensos se mexem. No exterior, no entanto, nada se sente. |
IV | No interior de prédios, a maior parte das pessoas sente o movimento. Os objetos suspen- sos se mexem, e também as janelas, pratos, armação de portas. |
V |
A maior parte das pessoas sente o movimento. As pessoas adormecidas se acordam. As portas fazem barulho, os pratos se quebram, os quadros se mexem, os objetos pequenos se deslocam, as árvores oscilam, os líquidos podem transbordar de recipientes abertos. |
VI |
Todo mundo sente o terremoto. As pessoas caminham com dificuldade, os objetos e qua- dros caem, o revestimento dos muros pode rachar, árvores e os arbustos são sacudidos. Danos leves podem acontecer, mas nenhum dano estrutural. |
VII |
As pessoas têm dificuldade de se manter em pé, os condutores sentem seus carros sa- cudirem, alguns prédios podem desmoronar. Os danos são moderados em prédios bem construídos, mas podem sofrer danos no resto. |
VIII |
Os condutores têm dificuldade em dirigir, casas com fundações fracas tremem, grandes es- truturas, como chaminés e prédios podem se torcer e quebrar. Prédios bem construídos so- frem danos leves, contrariamente aos outros, que sofrem severos danos. |
IX | Todos os prédios sofrem grandes danos. As casas sem alicerces se deslocam. Algumas canalizações subterrâneas se quebram, a terra se fissura. |
X |
A maior parte dos prédios e suas fundações são destruídas, assim como algumas pontes. As barragens são significativamente danificadas. Largas fissuras aparecem no solo, os tri- lhos das ferrovias entortam. |
XI | Grandes partes das construções desabam, as pontes e as canalizações subterrâneas são destruídas. |
XII | Quase tudo é destruído. O solo ondula. Rochas podem se deslocar. |
- Fonte: apolo11.com/richter.php – acesso em 19/12/05 (com adaptações)
Tabela 3
Escala Richter | |
Mag | Efeitos percebidos. |
1 | Não é sentido pelas pessoas. Só os sismógrafos registram. |
2 | É sentido nos andares mais altos dos edifícios. |
3 | Lustres podem balançar. A vibração é igual à de um caminhão passando. |
3.5 | Carros parados balançam, peças feitas em louça vibram e fazem barulho. |
4.5 |
Pode acordar as pessoas que estão dormindo, abrir portas, parar relógios de pêndulos e cair reboco de paredes. |
5 |
É percebido por todos. As pessoas caminham com dificuldades, livros caem de estantes; os móveis podem ficar virados. |
5.5 | As pessoas têm dificuldades de caminhar, as paredes racham, louças quebram. |
6.5 |
Difícil dirigir automóveis, forros desabam, casas de madeira são arrancadas de fundações. Algumas paredes caem. |
7 |
Pânico geral, danos nas fundações dos prédios, encanamentos se rompem, fendas no chão, danos em represas e queda de pontes. |
7.5 |
Maioria dos prédios desaba, grandes deslizamentos de terra, rios transbordam, represas e di- ques são destruídos. |
8.5 | Trilhos retorcidos nas estradas de ferro, tubulações de água e esgoto totalmente destruídas. |
9 | Destruição total. Grandes pedaços de rocha são deslocados, objetos são lançados no ar. |
- Fonte: apolo11.com/richter.php – acesso em 19/12/05 (com adaptações)
Em dicionários, a idéia mais comum encontrada de “perturbação” vem dos seus sinônimos: “desordem”, “transtorno”. Ou seja, uma per- turbação é algo que “altera o estado normal” de um ambiente, provo- cando alguma mudança que desequilibre esse ambiente. É comum, por exemplo, dizermos: “pare de me perturbar, você vai me tirar do sé- rio!”. Em Física, “perturbação” tem um significado muito parecido: per- turbação é uma modificação em algum ponto de um meio que causa algum desequilíbrio neste. Por exemplo, o tsunami que arrasou muitas regiões da Ásia, no final de 2004, foi extremamente devastador por ser uma perturbação associada a uma quantidade gigantesca de energia. Essa energia originou-se em um sismo no fundo do oceano e a per- turbação causada na superfície transportou essa energia, espalhando-a por centenas de quilômetros. Quanto mais próximo da região onde a perturbação se deu, tanto maior a perturbação e a quantidade de ener- gia contida em seu movimento.
Observe na figura como se forma o tsunami:
Quadro 2
Ondas
A velocidade do tsunami é reduzida conforme ele vai chegando à praia (menor profundidade). Observe a figura “Como se forma um tsunami”, as últimas ondas, por terem maior velocidade, empilham-se nas ondas que estão na frente, fazendo aumentar a altura e a amplitude destas. Assim, à medida que a onda se aproxima de terra, a sua freqüência e altura aumen- tam e sua velocidade diminui. Veja mais detalhes no quadro “Ondas”.
Você deve ter percebido que os fenômenos naturais de origem na geodinâmica interna são propa- gados por meio de ondas: as ondas sísmicas dos terremotos; as ondas das tsunamis.
Apenas para lembrar, as ondas em questão são mecânicas, porque propagam-se em um meio material (água). Se uma onda que se propaga em determinado meio, encontra a superfície de outro meio pode sofrer reflexão, absorção e/ou refração. Esta última, é o caso da tsunami.
A ilustração mostra os parâmetros que caracterizam uma onda: comprimento e amplitude de on- da (crista, vale e altura), além da freqüência de oscilação e velocidade de propagação. Observe que a amplitude é medida a partir do nível do mar (caso das ondas oceânicas) e a altura é a distância vertical entre a crista de uma onda e o vale da onda adjacente.
- Fonte: Curso de Oceanografia da Universidade de Santa Cecília de Santos – Unisanta – disponível em http://cursos.unisanta.br/oceanografia/ondas.htm)
Os tsunamis podem caracterizar-se por ondas gigantescas, causan- do grande destruição. Embora os tsunamis ocorram mais freqüente- mente no Oceano Pacífico, podem ocorrer em qualquer lugar. Existem muitas descrições antigas de ondas repentinas e catastróficas, particu- larmente na região do Mar Mediterrâneo. Milhares de portugueses que sobreviveram ao grande terremoto de Lisboa, em 1755 foram mortos por um tsunami que se seguiu poucos minutos depois. Antes da gran- de onda atingir a costa, as águas do porto retrocederam, revelando car- regamentos perdidos e naufrágios abandonados.
A costa brasileira pode sofrer futuramente algum impacto de tsunami? Em 2001, cientistas previram que uma futura erupção do instável vulcão Cumbre Vieja em La Palma (das Ilhas Canárias) poderia causar um supergigante deslizamento de terra para dentro do mar. Nesse po- tencial deslizamento de terra, a metade oeste da ilha iria catastrofica- mente deslizar para dentro do oceano. Esse deslizamento causaria uma megatsunami com ondas de 100m de altura que devastaria a costa da África noroeste, com uma tsunami de 30m a 50m alcançando a costa leste da América do Norte muitas horas depois, causando devastação
costeira em massa e a morte de prováveis milhões de pessoas.
Você levaria a sério esta previsão anunciada pelos cientistas? An- tes de responder, leia com atenção a afirmação a seguir.
Após a passagem do furacão Katrina, inúmeras agências de notícias afirmaram que especialistas americanos alertavam, há 03 anos, para o risco de destruição da cidade de New Orleans, no estado da Louisiana (Estados Unidos da América) em caso de furacão, caso nada fosse fei- to para resolver o problema da precariedade dos diques. Como nada foi feito, o resultado foi estampado em todos os noticiários da impren- sa falada e escrita em setembro de 2005.
E agora, podemos dar créditos aos cientistas?
Figura 1- Placas tectônicas
Lembre-se de que a notícia é um texto enxuto que se concentra em descrever concisamente um determinado acontecimento. Já a reportagem é um texto mais extenso e resulta de uma investigação mais detalhada dos fatos. A reportagem faz uma apresentação mais panorâmica e em maior profundidade das informações. Ela se faz presente com mais freqüência em revistas. Já a notícia é um texto informativo, comum no jornal.
Num artigo publicado na revista Isto É “Deu a louca no mundo”, em fevereiro de 1995, o jornalista Peter Moon montou um mapa da Terra com a indicação das principais catástrofes que eclodiram nos últimos anos. O quadro mostrava ocorrências de terremotos, enchentes, erup- ções vulcânicas, ciclones, secas, incêndios, dava o número de mortos e de desabrigados, e ainda mencionava o buraco na camada de ozônio e o efeito estufa.
Tabela 4
Calamidades Naturais da História do mundo | |||||||
DATA | TIPO | LOCAL | MORTOS | DATA | TIPO | LOCAL | MORTOS |
1138 | Terremoto | Síria/Aleppo | 230 mil | 1920 | Terremoto | China/ Gansu | 200 mil |
1556 | Terremoto | China/Shaansi | 830 mil | 1923 | Terremoto/ Incêndio | Japão/ Kanto | 143 mil |
1737 | Terremoto | Índia/Calcutá | 300 mil | 1948 | Terremoto | Turcomenistão | 110 mil |
1755 | Terremoto | Portugal/Lisboa | 100 mil | 1970 | Ciclone | Paquistão/ Bangladesh | 300 mil |
1815 | Erupção | Indonésia Vulcão Tambora | 92 mil | 1976 | Terremoto | China/ Tangshan | 255 mil |
1883 | Erupção/Tsunami | Indonésia/ Kracatoa | 36 mil | 1991 | Ciclone | Bangladesh | 138 mil |
1887 | Inundação | China | 1 milhão | 2003 | Terremoto | Irã/Bam | 31 mil |
1902 | Erupção | Martinica/ Mt.Pelee | 40 mil | 2004 | Terremoto/ Tsunami | Ásia/África | 255 mil |
1908 | Terremoto/ Enchente | Itália/Messina | 100 mil | 2005 | Furacão/ Enchente | Estados Unidos da América | 1037 |
- Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/Lista_dos_maiores_desastres_naturais (Com adaptações).
Agora você pode responder a pergunta feita no início deste Folhas.
As catástrofes são evitáveis ou inevitáveis? Qual sua conclusão?
Referências Bibliográficas
FOLHA DE SÃO PAULO, São Paulo, 22 set. 2005.
MOON, P. Oásis secou. Revista ISTOÉ, 1324, p.76-77, 15 de fevereiro de 1995.
TENAN, C. L. Calamidades naturais. Rio de Janeiro. SUNAB, 1974.
Obras Consultadas
Enciclopédia Microsoft Encarta 2001- Vulcão.
FERREIRA, A. B. de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1986.
ORIEUX, M. Fenomenos geológicos. Rio de Janeiro: Liceu, 1968.
VASCONCELOS, R. A. FILHO, A. P. Atlas geográfico ilustrado e comentado. São Paulo: FTD, 1999.
Documentos Consultados ONLINE
BERZ, G. O preço das mudanças climáticas. Disponível em: www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./gestao/index. html&conteudo=./gestao/artigos/mudancas_climaticas.html. Acesso em 07 de setembro de 2005.
CALAMIDADES NATURAIS DA HISTÓRIA DO MUNDO. Tabela disponível
em: www.wikipedia.org/wiki/lista_dos_maiores_desastres_naturais
CURSO DE OCEANOGRAFIA DA UNIVERSIDADE DE SANTA CECÍLIA DE
SANTOS. Ondas. Disponivel em: www.cursos.unisanta.br/oceanografia/ ondas.html
Enciclopédia virtual livre. Disponível em: www.pt.wikipedia.org/wiki/ Vulc%C3%A3o. Acesso em: 10 de setembro de 2005.
ESCALA MERCALLI – Tabela disponível em: www.apolo11.com.richter.php. Acesso em 19 dez. 2005.
ESCALA RICHTER – Tabela disponível em: www. apolo11.com.richter.php. Acesso em 19 dez. 2005.
MARIENSE, L. P. Vulcões. Boletim do Museu de Geologia. Disponível em: www.cprm.gov.br/sureg-pa/dinos.html. Acesso em 11 de setembro de 2005.
MATTEDI, M. A.; BUTZKE, I. C. The relation between the social and the natural in the approach of hazards and disasters. Ambient. soc., July/ Dec. 2001, no.9, p.93-114. ISSN 1414-753X. Disponível em : www.scielo. br/pdf/asoc/n9/16877.pdf. Acesso em: 01 de setembro de 2005.
NASCIMENTO. E. L. Quão realista é o filme “Twister”? Disponível em: www.lemma.ufpr.br/ernani/ twister.html – 06/09/2005.
PAIVA, P. Agosto de furacões, tufões, terremotos e ciclones. Disponível em: www.tempoagora. com.br/report_view.php?nid=91. Acesso em: 10 de agosto de 2005.
www.pt.wikipedia.org/wiki/new_Orleans ww.sxc.hu
ANOTAÇÕES
Ensino Médio
262 Dimensão Socioambiental do Espaço Geográfico
Geografia
17
VOCÊ TOMA VENENO?
- Gisele Zambone1, João Carlos Ruiz2, Leda Maria Corrêa Moura3
uito se tem falado na importância de uma vida saudável, sem vícios, com boa alimentação e exercí- cios. Mas será que todas as pessoas que dizem
ter este estilo de vida estão mesmo livres dos envenenamentos?
Qual a ligação deste fato com o espaço geográfico?
1Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins – Curitiba – PR 2Colégio Estadual Rosa D. Calsavara – Cambira – PR 3Colégio Estadual Euzébio da Mota – Curitiba – PR
Você Toma Veneno?
263
A produção de alimentos, no modo capitalista de produção, vem sendo marcada, há várias décadas, pelo uso de inseticidas e outras subs- tâncias tóxicas, que contaminam o solo, os rios, o ar e os alimentos. Por que envenenamos os lugares onde vivemos?
A agricultura, considerada uma das mais antigas formas de organi- zação do espaço pelo homem, é também um dos meios de mudança de um espaço, transformando-o de natural em social. Esta relação po- de produzir desequilíbrio no planeta? Esta relação pode garantir a pre- servação do equilíbrio ecológico?
Para o equilíbrio da natureza, deve-se levar em consideração que o cli- ma, a vegetação, a temperatura, a umidade, o solo, o relevo, a rede hidro- gráfica e os seres vivos estão intimamente ligados entre si. A alteração em um destes elementos altera todos os demais, ou seja, quebra o equilíbrio.
Mas as alterações provocadas pela agricultura no meio natural sem- pre tiveram a mesma intensidade?
As técnicas da agricultura itinerante primitiva causavam pouco im- pacto ambiental, visto que eram feitas em pequenas áreas, as quais eram abandonadas quando apresentavam sinais de exaustão, o que possibilitava sua recomposição natural.
Nos sistemas agrícolas atuais, geralmente grandes áreas são cultiva- das com um só tipo de vegetal – monocultura – o que exige controle de pragas e implica na utilização de agrotóxicos. Como a produção é destinada à exportação, são necessários cuidados com a reposição da fertilidade do solo, utilizando insumos e adubos. Além disso, esse tipo de agricultura necessita de uso intensivo de máquinas.
Qual é a função da agricultura para a sociedade humana? Esta fun- ção sempre foi a mesma?
Observe a produção agrícola existente em seu município. Todos os produtos agrícolas produzidos são utilizados para a alimentação? Qual o destino dos produtos aí cultivados? Pesquise.
A agricultura moderna precisa produzir para atender o mercado com alimentos e com matérias-primas. Atende com alimentos você e sua família, mas estes alimentos não chegam (sempre) direto da roça para sua mesa. Por exemplo, uma fábrica de polpa de tomate, uma fá- brica de fios de algodão, uma usina de açúcar e álcool ou uma fábrica de ração animal utiliza matérias-primas que são processadas e transfor- madas em alimentos industrializados.
Para atender a demanda por alimentos – in natura ou industrializa- dos – das cidades, é preciso grandes produções. Como conseguir isto?
O tamanho da área de plantio pode ser importante dependendo do tipo de produto cultivado. Mais do que isto, é preciso uma grande pro- dutividade, o que implica em:
solo naturalmente fértil ou fertilizado quimicamente através de apli- cação de técnicas reparadoras;
umidade – água – disponível naturalmente ou por sistemas de irri- gação artificial;
lavoura “saudável”, o que pode ser mantido através de inseticidas, acaricidas e outros;
cultivos e colheitas feitas de forma rápida e sem desperdício, o que pode ser feito utilizando implementos agrícolas e, em alguns casos, máquinas;
sementes selecionadas que germinem rapidamente, que produzam em maior quantidade e que estejam prontas para a colheita em pouco tempo. Em alguns casos o agronegócio utiliza sementes ge- neticamente modificadas.
Todas estas intervenções geram desequilíbrio ambiental. Na busca de maiores ganhos a agricultura moderna, capitalista, tem utilizado re- cursos que, ambientalmente, nem sempre são adequados.
Aqui vale um lembrete: estamos tratando da produção vegetal de forma mais direta, mas isto não significa que a produção animal (pe- cuária) não sofra as mesmas exigências do mercado e a busca do lu- cro. É claro que a tecnologia de produção, neste caso, é diferente, po- rém envenena os consumidores da mesma forma.
Para se ter uma grande área para produção – agrícola ou pecuária – a vegetação natural precisa ser alterada. A vegetação original que pode ser composta de florestas, matas, campos, ou seja, de grande variedade de espécies vegetais, cede lugar à monotonia vegetal – a espécie culti- vada – dificultando ou impedindo a sobrevivência de espécies animais e vegetais originárias da região e facilitando a proliferação de espécies específicas que causam danos ao cultivo, daí o uso intenso de contro- ladores. Veja no texto “Cultivo de soja empurra boi para áreas de flo- resta” um caso concreto de destruição da vegetação.
O mau uso do solo tem, como conseqüências, diversos problemas referentes à sua fertilidade bem como ao meio ambiente. Busca-se, en- tão, corrigir a perda de fertilidade, ação que gera danos ambientais. Por exemplo, para corrigir a acidez é acrescentado ao solo o calcário dolomítico (CaCO3); para o bom desenvolvimento da planta, são acres- centados nutrientes, como os elementos químicos Nitrogênio (N), Fós- foro (P) e Potássio (K). Porém, estes elementos não permanecem só onde foram lançados, parte vai para os cursos d’água alterando a com- posição das águas, e o equilíbrio natural, matando algumas espécies e permitindo a outras, que se adaptam mais rapidamente ao novo am- biente, o dominem.
Quadro 2
Cultivo de soja empurra boi para áreas de floresta
- Claudio Angelo
Relatório de organizações não-governamentais brasileiras confirma uma suspeita trágica para a Amazônia: a expansão do cultivo de soja está de fato empurrando a pecuária para áreas de floresta, especialmente em Mato Gros- so e Rondônia.
Alguns de seus resultados já vêm sendo divulgados desde o início do ano, mostrando, por exemplo, que há uma correlação entre os grandes des- matamentos ilegais e a expansão da agricultura em Mato Grosso, onde 70% dos desmatamentos com mais de 1.350 hectares são usados para agricultu- ra, sendo a soja a principal cultura plantada.
As áreas já abertas para pastagem viram plantações. E as áreas de flo- resta viram pasto, já que o capim, diferente da soja, se dá bem mesmo em regiões acidentadas e com muita chuva.
“A soja em si não pode ser considerada o fator principal – ela é um dire- cionador e acelerador do desmatamento”, diz Roberto Smeraldi, da Organiza- ção Não Governamental Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
O estudo também aponta cenários para a expansão da soja na região estu- dada (Rondônia, Pará, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão), que deverá quase triplicar até 2014 – de 58,2 mil km2 plantados hoje para 170,7 mil km2.
Na última década, a área de soja no Mato Grosso cresceu 400%. O plan- tio começou pelo cerrado, e migrou nesses dez anos cerca de 500 quilôme- tros para o norte. No mesmo período, diz o estudo, a área desmatada no Es- tado aumentou progressivamente. Entre 2002 e 2003, ela cresceu 133%, segundo dados da Fema, o órgão ambiental estadual.
- Fonte: Folha de São Paulo (17/03/2005). http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1703200501.htm
Outro elemento natural importantíssimo é a água (H2O). Desde os tempos mais remotos muitas atividades humanas e até a defini- ção do local de formação de moradia estão condicionadas à pre- sença desse recurso. Ele é fundamental à manutenção do equilíbrio e da preservação ambiental e à manutenção da vida. Sua ampla e inadequada utilização na agricultura pode gerar a salinização* dos solos, tornando este inadequado para o cultivo, como também a mudança dos cursos d’água.
O uso intensivo de técnicas e culturas inadequadas, como a utilização de maquinário que compacta o solo, ou que remove sua camada fértil; a falta de terraciamento* que provoca a perda de solo com as enxurradas, tem provocado um significativo impacto ambiental, originando problemas como: erosão e perda de fertilidade dos solos, a lixiviação*. Estima-se que o Brasil perde, por ano, aproximadamente 840 milhões de toneladas de solos aráveis devido a erosão. Estes solos perdidos vão parar nos rios, as- soreando*-os. O processo de desertificação (para saber mais a esse respei- to leia o Folhas “Os seres humanos são racionais. Será?”) também ocorre devido ao mal uso do solo. Leia o artigo “IBGE investiga o meio ambiente de 5.560 municípios brasileiros” e responda com qual problema (ou pro- blemas) seu município apareceria nesta pesquisa.
Para realização de atividades agrícolas, com menor impacto am- biental, é importante conhecer a composição do solo, o relevo, o tipo de cultura existente ou a ser implementada, as máquinas agrícolas, a necessidade de uso de adubos, agrotóxicos e outros produtos do gê- nero, além dos recursos hídricos e florestais.
Dentre os múltiplos problemas que a agricultura causa à natureza a mais debatida é o uso dos herbicidas, praguicidas, fungicidas e outros chamados de agrotóxicos – veja definição da Anvisa no início deste Fo- lhas. Mesmo sabendo dos problemas causados, o uso destes produtos está largamente difundido. Sua expansão se deve ao rápido avanço da tecnologia agrícola e da necessidade de obtenção de maior produtivi- dade, o que dificulta seu controle ou extinção.
Os agrotóxicos também são transportados pelas águas superficiais para o leito dos rios, por infiltração para os lençóis freáticos, contami- nando-os, além de penetrarem nos alimentos que serão consumidos, sem falar das possibilidades de serem levados pelo vento para áreas distantes ou permanecerem no solo por longos anos contaminando fu- turas plantações. Veja no texto “Resíduos industriais e de serviços de saúde contaminam o solo” como este problema é freqüente no Brasil. Seu município também está na lista de contaminados? Qual a justifica- tiva para sua resposta?
Mas como não usar agrotóxico? A planta precisa estar muito bem nutrida para resistir às pragas, comuns no sistema de monocultura. “O alimento convencional, por sua vez, é como um organismo doente que é mantido por drogas” (CAMPANHOLA & VALARINI, 2001).
Para evitar o uso dos agrotó- xicos, há dois caminhos. O pri- meiro é simplesmente não apli- cá-los nas plantas e criar outros mecanismos de controle, como cuidando meticulosamente da planta (“catação” de pragas ou o controle biológico) e utilizando uma adubação orgânica, ação esta mais dispendiosa de mão- de-obra.
A outra maneira de evitar os pesticidas é fazer com que as
Foto 1 – Cultivo de olerícolas
- Foto: Icone Audiovisual
plantas já nasçam resistentes às pragas e, dessa forma, dispensem a proteção química. Essa foi a perspectiva que a biotecnologia trouxe para a agricultura, desenvolvendo assim os alimentos transgênicos. Ve- ja os dados da pesquisa PG Economics.
Antes de ampliarmos esta discussão é preciso destacar um fato muito importante sobre os trangênicos. Alguns cientistas alegam que um trans- gênico é um Organismo Geneticamente Modificado (OGM), técnica de- senvolvida há muito tempo, na tentativa de melhorar as espécies; outros entretanto, afirmam que há uma grande diferença entre um transgênico
e um OGM. Para estes, os transgênicos são produtos desenvolvidos pe- la engenharia genética, inserindo um gene exógeno (de outra espécie) via transformação gênica, criando seres cujas características não existi- riam naturalmente, ou não se transferiria naturalmente entre os organis- mos, como, por exemplo, um gene de um ser humano para um bacté- ria. Veja mais detalhes no quadro “Plantas transgênicas”.
A constituição das células vivas é determinada pela combinação de vários genes. Eles são o que os seus comportamentos determinam, por serem portadores das instruções químicas necessárias para o organismo.
Esses genes são uma seqüência do DNA (Ácido Desoxirribonucléi- co) que são transmitidos de uma geração para outra. Assim, os filhos herdam as características de seus pais. Por estarem em constante de- senvolvimento, os genes permitem que o organismo, em seu processo evolutivo, se adapte ao meio ambiente.
Através da engenharia genética, a cadeia do DNA pode ser manipu- lada, efetuando enxertos, inclusões e exclusões que alteram sua consti- tuição e sua biologia natural. Dessa forma são atribuídas novas caracte- rísticas que podem ser traduzidas em maior resistência e produtividade (no caso das plantas).
As pesquisas relacionadas à transgenia na indústria farmacêutica tem mais de 25 anos, como o caso da insulina que é produzida por uma bactéria geneticamente modificada com um gene humano.
Depois destes dados, o que você conclui quanto aos produtos que estão nas prateleiras dos supermercados. Eles contêm algum compo- nente transgênico?
Um grande número de produtos alimentícios já sofreram, ou estão sofrendo, alterações em laboratórios. Esses produtos são denominados de transgênicos. A sua produção e comercialização, apesar de muita contestação, já estão sendo feitos em vários países, como, por exem- plo, os Estados Unidos que produzem: tomate, soja, algodão, milho, canola, abobrinha e batata, modificados geneticamente. Na Europa é feito o comércio autorizado de milho, tabaco, soja, canola e chicória. Na França, Alemanha e Espanha apenas o milho está sendo produzi- do, e em pequena escala. No continente Americano, a soja, o milho e a canola transgênica são exportadas para serem usados como alimen- to processado industrialmente e em ração animal.
Estima-se que há, atualmente, uma grande quantidade de deriva- dos de soja e milho transgênicos presente nos alimentos processados industrialmente. Além dos já existentes, existem muitos outros produ- tos alimentícios, como: salmão, truta, arroz, pepinos, prontos para se- rem lançados no mercado.
Em relação aos riscos ambientais, pesquisas afirmam que existem inúmeras evidências que demonstram ser sua prática de alto risco, e que pode causar grandes e irreparáveis danos ambientais. Sabemos que quando um elemento do meio ambiente é modificado, pode haver um efeito dominó com mudanças que afetam todo o ecossistema. Ape- sar disso, o setor da engenharia genética afirma que as espécies trans- gênicas não vão causar problemas.
Outra alternativa para evitar os usos dos agrotóxicos são as plan- tas bem nutridas da agricultura orgânica. Mas o que é a agricultura orgânica?
A agricultura orgânica faz parte do conceito amplo que trata das “agriculturas alternativas”, ou seja, uma proposta diferente do que existe e domina na produção agrícola. Esta envolve também a cha- mada agricultura natural, agricultura biodinâmica, agricultura bioló- gica, agricultura ecológica.
Todas essas práticas agrícolas adotam princípios semelhantes que podem ser resumidos em:
reciclagem dos recursos naturais presentes na propriedade agrícola;
compostagem* e transformação de resíduos vegetais em húmus no solo;
não deixar o solo sem cobertura vegetal morta e viva; diversificação e integração de explorações vegetais e animais; uso de esterco animal;
rotação e consorciação de culturas;
controle biológico de pragas e fitopatógenos, com exclusão do uso de agrotóxicos;
eliminação do uso de reguladores de crescimento e aditivos sin- téticos na nutrição animal.
A agricultura orgânica, além da importância ambiental, é uma op- ção para o pequeno agricultor tornar sua propriedade economicamen- te viável. Esta prática agrícola utiliza mais mão-de-obra e apresenta menor produtividade que os sistemas convencionais. Por outro lado, mostra um desempenho econômico melhor. Isto ocorre porque os pro- dutos orgânicos visam atender a um segmento restrito e seleto de con- sumidores que estão dispostos a pagar um preço maior por eles.
Outro diferencial para o pequeno produtor investir na produção de orgânicos, é que esta não desperta interesse das grandes empresas agropecuárias, pois exige muita mão-de-obra. Entre estes produtos en- contramos as hortaliças e as plantas medicinais que, historicamente, são produzidas por pequenos agricultores.
A diversidade de produtos é importante para a produção orgâ- nica, pois a presença de uma praga não elimina toda a plantação e também permite que outra planta possa agir como repelente de uma praga, mas isto também possibilita ao pequeno agricultor a renda du- rante todo o ano, diminuindo o risco de perder toda a produção de- vido a ocorrência de pragas, doenças, geadas, chuvas de grazino, etc. A exigência de mais mão-de-obra não deve ser vista como empeci- lho, pois o aproveitamento da mão-de-obra familiar pode represen- tar um fator de fixação familiar no campo, além de diminuir os cus- tos efetivos de produção.
Os gastos com adubos podem ser diminuídos na medida que se uti- lize melhor os recursos disponíveis na propriedade, tais como: com- postagem ou reciclagem de material orgânico vegetal e animal gerado no próprio estabelecimento.
A eliminação do uso de agrotóxicos contribui para a redução dos custos de produção e os desequilíbrios biológicos causados nos agro- ecossistemas.
O texto “Produtos desenvolvidos na Esalq atacam pragas de cana, cítricos e outras frutas sem danos ao ambiente” mostra uma aplicação da agricultura orgânica em prática.
Agora, responda: Você acredita em sua eficácia? Ou é melhor con- tinuar tomando veneno?
GLOSSÁRIO
Assoreamento: acúmulo de partículas sólidas arrastadas de par- tes mais altas do terreno para os corpos de água, no processo cha- mado erosão hídrica, que reduz o volume livre para armazenar ou conduzir água (Glossário Embrapa http://sistemasdeproducao.cnp- tia.embrapa.br/FontesHTML/BovinoCorte/BovinoCorteRegiaoSu- deste/glossario.htm. Acesso em: 15 fev. 2006).
Compostagem: processo de degradação biológica da matéria or- gânica sobre condições aeróbias, tendo como resultado um mate- rial, relativamente, estável denominado de composto. (Glossário Embrapa. Disponível em: http://sistemasdeproducao.cnptia.embra- pa.br/FontesHTML/BovinoCorte/BovinoCorteRegiaoSudeste/glos- sario.htm. Acesso em: 15 fev. 2006).
Fitopatógeno: organismo que causa doenças em plantas. (Unicamp na mídia. Disponível em: www.unicamp.br/unicamp/canal_aberto/ clipping/novembro2004/clipping041107_estado.html. Acesso em: 07 nov. 2004.)
Lixiviação: dissolução e remoção dos componentes do solo. (Di- cionário Houaiss de língua portuguesa).
Salinização: Evaporação muito intensa em lagos e lagoas, em cli- mas tropicais áridos ou semi-áridos, produz a concentração progres- siva de sais nesses mananciais. (Disponível em: www.unb.br/ig/glos- sario/verbete/salinizacao.htm. Acesso em: 15 fev. 2006).
Terraceamento / terraciamento: construção de obstáculos seguin- do as curvas em nível ou não, para reduzir a velocidade das águas que escorrem pelo terreno, permitindo que sulcos retenham a umi- dade, aumentem a infiltração e reduzam a erosão. (Disponível em: www.defesacivil.rs.gov.br. Acesso em: 14 fev. 2006).
Voçoroca ou vossoroca: canal, geralmente aberto pela chuva, no qual a água escorre rapidamente sobre a terra. Ela aumenta a velocidade da erosão e torna a terra mais difícil de ser cultivada. O termo tem origem tupi-guarani. (Disponível em: http://preser- veomundo.conhecimentosgerais.com.br/a-expansao-dos-desertos/ glossario.html. Acesso em: 15 fev. 2006).
Referências Bibliográficas
CAMPANHOLA, C.; VALARINI, P. J. A agricultura orgânica e seu potencial para o pequeno agricultor. CADERNOS DE CIÊNCIA & TECNOLOGIA. Brasília, v.18, no 3, p.69-101, set./dez. 2001.
Obras Consultadas
BRANCO, S. M. O meio ambiente em debate. São Paulo: Moderna, 1988.
BASTOS, S. Processos interativos homem-meio ambiente. São Paulo: DIFEL, 1986.
CHIAVENATO, J. J. O massacre da natureza. São Paulo: Moderna, 1989.
CASTRO: I. E. de. Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
LOPES, R. J. Produtos desenvolvidos na Esalq, atacam pragas de cana, cítricos e outras frutas sem danos ao ambiente. USP transforma fungos em bioinseticidas. Folha de São Paulo, em 10 dez. 2003.
HOUAISS, A; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LEPSCH, I. F. Solos: formação e conservação. São Paulo: Melhoramentos, 1993.
MENDONÇA, F. de A. Geografia e meio ambiente. São Paulo: Contexto, 1993.
MÉSZÁROS, I. Produção destrutiva e estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1989.
OLIVA, J.; GIANSANTI, R. Espaço e modernidade: temas da geografia mundial. São Paulo: Atual, 1995.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
Documentos Consultados ONLINE
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www.pick-upau.com.br/mundo/transgenicos_agora/transgenicos_agora. htm. Acesso em: 08 de set. 2005.
www.agrosoft.org.br/trabalhos/ag95/doc44.htm. Acesso em: 08 de set. 2005.
IBGE. IBGE investiga o meio ambiente de 5.560 municípios brasileiros. Disponível em: www.ibge.gov.br/ home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=363&id_pagina=1. Acesso em 25 set. 2005.
IBGE. Resíduos industriais e de serviços de saúde contaminam o solo. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em 25 set. 2005.
www.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias. Publicado 20 out. 2005. www.pr.gov.br/governo.eletronico/jornaltransgenicos.pdf
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