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LIVRO: A Ditadura Militar no Brasil PDF

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A Ditadura Militar no Brasil

REPRESSÃO E PRETENSÃO DE LEGITIMIDADE 1964-1984

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Reitora Vice-Reitor

Nádina Aparecida Moreno Berenice Quinzani Jordão

 

 

 

 

Editora da Universidade Estadual de Londrina

 

 

Diretora Conselho Editorial

Maria Helena de Moura Arias

 

Abdallah Achour Junior Edison Archela

Efraim Rodrigues

José Fernando Mangili Júnior Marcia Regina Gabardo Camara Marcos Hirata Soares

Maria Helena de Moura Arias (Presidente) Otávio Goes de Andrade

Renata Grossi

Rosane Fonseca de Freitas Martins

 

 

 

 

 

 

 

Maria José de Rezende

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Ditadura Militar no Brasil

REPRESSÃO E PRETENSÃO DE LEGITIMIDADE 1964-1984

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Londrina 2013

 

 

 

 

 

 

 

Capa

Projeto Ilustração – CECA/UEL – Curso Design Coord.: Cristiane Affonso de Almeida Zerbetto Vice-Coord.: Rosane Fonseca de Freitas Martins Aluno: Dennis Henrique Vicário Olivio

Produção Gráfica

Maria de Lourdes Monteiro

 

 

 

 

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.

 

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

 

 

R467d Rezende, Maria José de.

A ditadura militar no Brasil : repressão e pretensão de legitimidade : 1964-1984 [livro eletrônico] / Maria José de Rezende. – Londrina : Eduel, 2013.

1 Livro digital.

Inclui bibliografia.

Disponível em : http://www.uel.br/editora/portal/pages/ livros-digitais-gratuítos.php

ISBN 978-85-7216-695-9

 

  1. Brasil – Política e governo – 1964-1984. 2. Brasil – História –1964-1984. 3. Governo militar – Brasil – História

– Séc. XX. I. Título.

 

CDU 321.64(81)

 

 

 

SffMARIO

 

 

 

 

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………….. 1

Fontes – Material empírico e critério de seleção……………………………. 13

CAPÍTULO I – A PRETENSÃO DE LEGITIMIDADE DA DITADURA MILITAR: ASPECTOS GERAIS QUE

NORTEARÃO A DISCUSSÃO………………………………………………….. 29

Os valores sociais como uma dimensão essencial para se compreender a pretensão de legitimidade da ditadura militar: a Escola Superior de Guerra (ESG) e seu papel na articulação

da denominada estratégia psicossocial…………………………………….. 36

CAPÍTULO II – 1964 A 1973 – AS ESTRATÉGIAS POLÍTICAS, ECONÔMICAS E PSICOSSOCIAIS REVELANDO OS ELEMENTOS CENTRAIS DA PRETENSÃO DE LEGITIMIDADE

DA DITADURA……………………………………………………………………….. 65

A democracia como a normalização da legalidade

pautada nos atos de exceção…………………………………………………… 68

1968 – a justificação do terror em nome de

uma suposta democracia………………………………………………………… 89

1969 – 1973 – a busca de conexidade entre o plano

objetivo e o subjetivo………………………………………………………………. 94

A coroaião da ditadura e a insistência no seu suposto

caráter democrático…………………………………………………………….. 105

O governo Médici e o exercício de convencimento da população de que só restava um caminho a seguir:

aceitar as regras que o regime impunha………………………………….. 113

CAPÍTULO III – AS NOVAS CONDIÇÕES SOCIAIS APÓS 1973 E OS PERCALÇOS DA PRETENSÃO DE LEGITIMIDADE

DA DITADURA………………………………………………………………………. 157

1973-1974 – As novas condições sociais, o grupo de poder e a contínua busca de aceitabilidade……………………………………………………………………………………………. 160

Os dilemas da estratégia de distensão: 1975 e 1976………………….. 174

A ditadura militar e a incessante difusão de seus valores…………. 188

CAPÍTULO IV – 1977-1979: AS CONDIÇÕES OBJETIVAS REVELANDO O CONTÍNUO EMPENHO DOS COMPONENTES DO GRUPO DE PODER PARA INJETAR VIDA NA BUSCA DE ACEITABILIDADE PARA AS MEDIDAS TOMADAS PELO REGIME……………………… 217

O grupo de poder e a busca de adesão da sociedade para a sua proposta de distensão política  228

1979 – a hipotética democracia do regime militar propalada pelos seus condutores como a única democracia possível………………………………………………………………. 238

CAPÍTULO V – A ERA DA ABERTURA POLÍTICA: O EMPENHO DO REGIME PARA A FORMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA

COLETIVA QUE ELIMINASSE TODA POSTURA

CONTESTATÓRIA DA SOCIEDADE……………………………………….. 269

A aceitabilidade da proposta de abertura do regime vinculada

à contínua internalização de seus valores……………………………….. 273

vi

CAPÍTULO VI – 1979-1984 – A INSISTÊNCIA DOS CONDUTORES DA ABERTURA POLÍTICA EM SEDIMENTAR UMA CONSCIÊNCIA POSITIVA SOBRE O REGIME MILITAR COMO UM TODO        285

O empenho do regime para que as dificuldades no interior de sua estratégia militar não comprometessem a busca de

aceitabilidade de seus propósitos……………………………………………. 287

A estratégia econômica e as suas impossibilidades de contribuir para a formação de uma consciência coletiva

favorável ao regime………………………………………………………………. 294

A insistência em projetar para o futuro o ideário de democracia do movimento militar de 1964: elementos

fundamentais de uma determinada estratégia política…………….. 304

Mas, afinal, para os militares o regime chegava ao fim ou

estava sendo apenas suspenso?……………………………………………… 323

A estratégia psicossocial do regime na era da abertura…………….. 329

CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………… 359

BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………….. 375

 

 

 

 

I½TRO ff&½O

 

 

O empenho da ditadura militar, durante toda a sua vigência (1964-1984), para demonstrar que suas ações, medidas, atos e desígnios se consubstanciavam em um determinado sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia se constituiu em um dos pilares de sua pretensão de legitimidade.1 Compreender a forma de construção, desenvolvimento e condução deste processo é o problema central deste trabalho, o qual foi apresentado como tese de doutoramento na Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. José Carlos Bruni.

Desde os primeiros momentos após o golpe de 1964, o

regime tentava conseguir adesão ao seu projeto de organização social insistindo, arduamente, em que seus desígnios e ações estavam fundados no objetivo de instaurar o que ele denominava de “verdadeira democracia” no país. As pressuposições em torno desta democracia perpassaram todo o regime militar, inclusive nos momentos mais repressores como, por exemplo, de 1968 a 1973.

Inicialmente, convém enfatizar que esta análise não está, sob hipótese alguma, supondo que o regime militar tinha qualquer elemento que possibilitasse defini-lo como democrático e/ou possuidor de legitimidade democrática. Não se está, também, buscando traços que atestassem o seu caráter híbrido como foi fartamente discutido pelas ciências sociais.2 A invenção de um suposto ideário de democracia objetivando alcançar reconhecimento em torno dos valores sociais que o norteava não amenizava, em absoluto, o seu caráter ditatorial.3

Pelo contrário, este trabalho pretende demonstrar que a análise das diversas estratégias (econômica, política, militar e psicossocial)4 do regime militar revelavam o quanto era ditatorial o seu projeto de sociedade. Desta forma, tanto no plano objetivo quanto no subjetivo, encontram-se fartos elementos para caracterização do período de 1964 a 1984 como uma ditadura e não como uma situação autoritária.5

 

 

Partiu-se do pressuposto de que a pretensão de legitimidade não é atinente apenas aos regimes democráticos mas todos eles, inclusive as ditaduras, enfrentam o desafio de encontrar meios de alcançar reconhecimento entre os diversos segmentos sociais. Portanto, mesmo não havendo qualquer traço de legitimidade democrática no regime militar, não se pode afirmar que este não se empenhava em encontrar meios de aceitabilidade para o seu projeto de sociedade.

A ditadura construiu uma ampla estratégia nas diversas esferas da vida social visando alcançar adesão para a sua forma de construção, organização e condução de uma determinada ordem social. Desta forma, é preciso que fique plenamente esclarecido que se partiu do pressuposto de que existe um percurso entre a pretensão de legitimidade e a própria legitimidade. A atuação de seus condutores se situou, durante aquelas duas décadas, naquele percurso que, sem qualquer dúvida, rendeu dividendos políticos à ditadura.

A ditadura orientou, no entanto, sua busca de legitimidade através de uma hipotética pretensão democrática que se constituiu numa espécie de fio condutor presente em todos os governos militares. A construção de um suposto ideário de democracia enquanto um sistema que sedimentasse determinados interesses e valores sociais foi, sem nenhuma dúvida, uma das grandes prioridades daquele período o que remete à necessidade de investigar ao mesmo tempo quais eram os elementos subjetivos e objetivos definidores daquele processo.

O sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia que a ditadura procurava elaborar estava estritamente vinculado às suas estratégias de ação nas diversas esferas, ou seja, econômica, política e psicossocial.6 Esta análise se empenhará, então, em apreender a atuação dos condutores do regime nestes diversos campos da vida social visando construir a sua aceitabilidade. Portanto, discorda-se, neste trabalho, das perspectivas que atestam que a busca de adesão ao regime se deu somente no âmbito de sua estratégia de crescimento econômico. Ela foi, sem dúvida, uma das dimensões essenciais daquele processo. Porém, não foi a única.

A formulação de uma estratégia psicossocial possui, desta forma, um papel fundamental e, por isso, é de grande importância

 

 

captar a sua constante relação com as estratégias econômicas e políticas. O encontro entre as mesmas era revelador da insistência do regime em construir uma ordem social em que ele pudesse intervir sobre todos os indivíduos, grupos e instituições ilimitadamente e sob todos os aspectos. O regime militar cavava reconhecimento para os seus propósitos buscando consubstancialidade entre os valores militares e os valores (ligados à família, à religião, à pátria, à ordem e à disciplina) que, segundo ele, eram socialmente fundantes da ordem político- cultural brasileira.

O empenho dos componentes do grupo de poder em propalar que o regime militar tinha como meta a instauração de uma suposta democracia tem que ser analisado como uma espécie de norte da busca de aceitabilidade das novas condições que se estabeleciam. Era, sem dúvida, um despautério a mínima menção da ditadura à democracia.7 No entanto, este trabalho foi obrigado a encontrar alguma forma de nominar as referências do regime militar a ela. Ou seja, não é esta análise que está supondo, sob qualquer aspecto, que havia qualquer possibilidade de referência do regime à democracia. Era ele próprio que se autodefinia como propulsor de uma forma de democracia que seria singularmente ajustada à realidade brasileira.

Historicamente não é novidade alguma que uma ditadura lute por se mostrar democrática; aliás, quase todas o fizeram nos últimos séculos.8 Tocqueville, no século XIX,9 já chamava a atenção para o fato de os déspotas serem beneficiados pela confusão inextricável de idéias em torno da democracia e poderem, assim, se utilizar delas abusivamente.10 Contudo, não se está sugerindo, de forma alguma, que haja qualquer consubstancialidade entre democracia e regimes ditatoriais e/ou despóticos.11

A afirmativa de que a ditadura tentava legitimar12 suas ações e medidas através da construção de um suposto ideário de democracia significa que se está empregando o sentido de legitimidade13 como a busca de reconhecimento, por parte da maioria dos segmentos sociais, em torno dos valores propalados como fundantes do regime militar, bem como a procura de adesão às suas pressuposições em torno da convivência social.

O regime se empenhava, então, para conseguir um consenso

 

 

sobre os valores que deveriam nortear todos os grupos, instituições e indivíduos no processo de sedimentação de uma mentalidade que reconhecesse a sua importância presente e futura.14 A análise do embate travado pelo grupo de poder para tornar real o valor desse consenso exige, porém, que se compreenda os aspectos subjetivos e o quadro objetivo em que se moviam os diversos atores sociais.15

Em termos gerais, pode-se dizer que a busca de legitimidade por parte do regime militar significava, basicamente, que ele se debatia para encontrar meios de obediência, adesão e aceitabilidade para as suas formas de atuação e ação, bem como para as suas crenças e valores. Isto demonstra que não se está tomando aqui a questão da legitimidade sob o enfoque meramente jurídico, mas sim sociológico.16 Através deste último torna-se possível partir do regime político (vigente entre 1964 e 1984) e do grupo social que o conduzia e lhe dava sustentação, para se compreender a sua articulação no processo de construção de sua identificação com os diversos segmentos sociais.

Durante a ditadura, um dos elementos centrais de sua busca pelo reconhecimento era o empenho em atestar, a partir dos valores sociais, principalmente, que havia uma suposta identificação perfeita entre os militares no poder e o povo. O seu pretenso ideário de democracia situava-se constantemente diante do desafio de garantir para os diversos segmentos sociais que sua realização era possível tendo em vista que aqueles primeiros tinham os seus desejos, objetivos e interesses estritamente vinculados aos segundos.

Desmesuradamente os condutores da ditadura labutavam para mostrar que a sua noção de ordem social era produto dos anseios da maioria da população. Nestes termos, o regime insistia em que ele possuía todos os elementos que permitiam a sua identificação com o povo. Ao pressupor que havia esta identificação, os militares circunscreviam a ação de todos à sua ação. Assim, tudo o que estava fora deste limite deveria ser decididamente repelido e/ou eliminado.

Justificava-se, assim, a repressão a determinados grupos que se negavam a identificar-se com o regime em vigor. Portanto, tudo o que estava fora dos limites desta relação de identificação

 

 

em quaisquer campos (objetivo e/ou subjetivo) estava sujeito ao controle, rechaçamento e até eliminação. O regime só admitia, então, aquilo que estava absolutamente integrado ao seu controle num processo de geração contínua de uma ampla consonância com seus propósitos nas diversas esferas da vida social.

Nessas condições, a busca de adesão para o regime e, ao mesmo tempo, para o governo se fundava, durante a ditadura, na sedimentação da crença nos valores daquelas instituições que o regime se dizia empenhado em preservar. Portanto, ela mantinha as instituições políticas como uma referência deste processo; no entanto, as suas descaracterizações eram justificadas a partir da insistência na necessidade de que elas fossem moldadas pelo novo regime político que passava a vigorar.

O desmantelamento paulatino das instituições políticas fazia com que a ditadura buscasse construir sua aceitabilidade a partir de supostas qualidades dos militares no poder; as quais teriam sido conquistadas a partir de sua formação junto às Forças Armadas. Ganhava destaque neste contexto a constante insistência no comprometimento daqueles com os valores vinculados à ordem, à disciplina, à preservação da família, etc…

Mesmo sendo maculados todos os valores fundamentais da vida política, havia uma tentativa de tornar o próprio regime militar objeto de adesão. O apelo à aceitabilidade de suas ações, medidas e valores se situava, grandemente, num árduo processo de convencimento constante de que poderiam até existir problemas na condução de alguns governantes e/ou mesmo com um ou outro presidente da República, mas nunca com o regime. As críticas (quando admitidas) deveriam ser feitas aos primeiros, mas nunca ao último. A contestação da legitimidade do regime militar deveria, segundo ele próprio, ser severamente eliminada. Desta forma, ficava estabelecido que o comportamento de legitimação não se aplicava aos setores que objetivavam mudar o regime e/ou contestar o grupo social no poder.

O que se está denominando, neste trabalho, de pretensão de legitimidade não pode ser enquadrado em qualquer definição teórica rígida daquele conceito.17 Ou seja, o empenho do regime militar para construir o reconhecimento de seus propósitos e valores entre os diversos segmentos sociais está sendo

 

 

caracterizado como fundamento daquele processo; no entanto, tem se clareza de que alguns teóricos alertam para a dificuldade de utilização da noção de legitimidade para pensar o período pós-1964.

No Brasil, o mais expressivo, dentre eles, é Raymundo Faoro, para quem a análise dos fundamentos da legitimidade impossibilitaria completamente a aplicação de sua noção ao processo político brasileiro instaurado em 1964. Isto porque a “legitimidade supõe que, por meio dela, atue a comunidade social, dotada de autoridades, que atuam com o apoio dos governados (…).”18 Ele emprega, então, a noção de legitimidade falsa, fictícia e/ou falaciosa, a qual tem de ser analisada no campo da ideologia, para caracterizar a busca, pela ditadura, de aceitabilidade e adesão entre os diversos setores sociais. 19

Florestan Fernandes destacava que no regime militar foi posta em prática uma ampla repressão “de maneira brutal e ostensiva (…) e fora de qualquer consenso ou legitimidade civil e política”.20 Acredita-se, no entanto, que a singularidade da ditadura estava na combinação de uma enorme repressão com uma pretensão de legitimidade, a qual não era, sob qualquer aspecto, democrática, mas orientava os meios de dominação postos em prática pelos componentes do grupo de poder no seu empenho para sedimentar aquele regime.

O esclarecimento do significado da palavra democracia empregada pela ditadura tornou-se uma necessidade no transcorrer deste trabalho. Ou seja, esta análise foi tomada constantemente pelo dasafio de, ao mesmo tempo, ter de citá-la e/ou mencioná-la da maneira como os condutores do regime faziam e pela premência de distingui-la das noções de democracia desenvolvidas, no plano teórico, no transcorrer dos tempos. Antes de mais nada, é preciso assinalar que a noção de democracia empregada pela ditadura era muito mais que um “lamentável mal-entendido”; era, principalmente, parte de uma dada estratégia de legitimação.21

A veiculação de determinados valores, considerados democráticos pelo regime, era o fundamento de sua estratégia psicossocial, a qual visava criar um determinado consenso sobre a irreversibilidade das condições que se estabeleciam. Isto

 

 

evidencia a necessidade de apreender a subjetividade dos atores sociais que constituíam o grupo de poder o que não quer dizer, de forma alguma, que esta análise se encerra neste aspecto. Acredita- se que é imprescindível, porém, captar os elementos objetivos, uma vez que esses valores, como afirma Mannheim, “não existem num céu abstrato”. Ou seja, é preciso dar “a devida consideração aos dois aspectos do problema”, o subjetivo e o objetivo, uma vez que este último dá ao primeiro “conteúdo e finalidade”.22

A análise do hipotético ideário de democracia construído pelos componentes do grupo de poder, da maneira aqui proposta, passa, então, pela compreensão das condições objetivas em que se produziram as ações e reações dos mesmos diante das condições sociais vigentes naquele momento.

Portanto, as medidas postas em prática no âmbito sócio- econômico e político foram tomadas como uma dimensão essencial, pois através delas, aqueles atores sociais lutavam para estabelecer o encontro entre o plano dos desígnios e o das ações. Não é possível captar o empenho dos condutores da ditadura em torno de sua pretensão de legitimidade somente no âmbito dos interesses, mesmo sendo eles fundamentais. A formulação de um suposto ideário de democracia pressupõe a necessidade de se apreender, além dos interesses, o sistema de valores em que a ditadura se movia tentando constantemente reelaborá-lo de acordo com os seus desígnios.

Privilegiou-se a forma de atuação dos atores que constituíam o grupo de poder: militares, tecnoburocratas, representantes do grande capital e lideranças dos partidos políticos comprometidos de diversas formas com os valores e interesses preponderantes. Esta forma de atuação foi analisada considerando as relações dos atores entre si e em suas relações com os demais atores sociais visando compreender um aspecto ainda pouco explorado do regime que vigorou no país de 1964 a 1984. Ou seja, a construção do reconhecimento de seus propósitos estava centrada na formulação de um sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia que era invocada para justificar todas as suas medidas e ações, bem como todos os seus atos e desígnios.

Nessas condições, é fundamental esclarecer que a adesão ao regime não era uma preocupação somente dos militares, mas,

 

 

também, de outros segmentos sociais do grupo de poder. A busca de aceitabilidade para o regime contou, então, com o empenho dos seus diversos componentes e através dela torna-se possível apreender o processo de imbricação e o de distanciamento entre os seus interesses e os seus valores.

A singularidade deste processo estava exatamente no fato de que tanto no caso de imbricamento quanto no de distanciamento se assistia a um grande esforço para superar as dissensões e/ou resolvê-las intramuros de maneira que não interviessem negativamente na sedimentação de um grau significativo de reconhecimento dos valores divulgados como fundantes do regime que vigia no país. Isto apontou para a necessidade de se trabalhar não somente com um segmento social, mas sim com todos os setores que constituíam o grupo de poder. Considera-se, então, que o grupo de poder no Brasil no período estudado (1964-1984) era constituído pelos seguintes setores sociais: os militares que se encontravam no governo e desfrutavam de posições de mando e decisão e, também, aqueles que chefiavam órgãos e institutos (a ESG, por exemplo) que visavam criar condições no campo objetivo e subjetivo para solidificar o regime em vigor através do estabelecimento de determinados valores sociais; a tecnoburocracia civil que possuía em seu quadro tanto representantes diretos do grande capital (Mário H. Simonsen, Marcos V. Pratini de Moraes, etc.) quanto outros atores sociais que participavam dos mecanismos decisórios no interior do governo e/ou Estado; os representantes do grande capital que possuíam posições de poder (mesmo não ocupando cargos no governo ou no Estado) e que se utilizavam de diversos canais políticos para fazer prevalecer seus valores e interesses; e, por último, os representantes dos partidos políticos que expressavam de diversas formas os seus compromissos com os setores anteriormente citados, atuando no Congresso e em suas bases

eleitorais, negociando em diversas instâncias do governo, etc..

Num âmbito geral, pode-se dizer que a noção de grupo de poder derivou do debate geral sobre grupos nas ciências sociais. Não é possível, no âmbito deste trabalho, entrar na vasta literatura23 sobre a teoria dos grupos,24 bem como nas suas concordâncias e controvérsias. Gurvitch, em uma passagem na

 

 

obra Tratado de sociologia, sistematizou criticamente este debate ao afirmar:

 

Os agrupamentos sociais não são, de modo algum, médias estatísticas.(…) Não constituem simples amontoado de pessoas reunidas e justapostas. (…) Não são nem simples relaiões sociais nem relaiões sociais complementares (Dupreél), nem sistemas ou unidades de interaiões humanas. (…) Não são simples amontoados de estatutos e funiões sociais (Hiller), mas unidades que servem de base a esses estatutos e a essas funiões, os encadeiam, assimilam e modificam graias à sua aião.

Os agrupamentos sociais não podem ser reduzidos às organizaiões, porque existe um número considerável de agrupamentos inorganizados; desde que estejam organizados nunca se exprimem inteiramente na organizaião: ficam-lhe subjacentes, vivificam-na, transformam-na, reconstroem-na e, por isso mesmo, mostram-se, enquanto fenômenos sociais totais, mais ricos do que ela. O grupo é uma unidade coletiva real, mas parcial, diretamente observável e fundada em atitudes que constituem um quadro social estruturável, que tende para uma coesão relativa das manifestaiões de sociabilidade.25

 

A noção de grupo de poder aqui utilizada está, intermitentemente, desafiada pela necessidade de se apreender os valores e as atitudes que fundavam a pretensão de legitimidade do regime; pois eram estes que davam os contornos de um modo de ação que pode ser tomado como expressão de uma relação de grupo. Ou seja, não se tomou, neste trabalho, a noção de grupo de poder dentro daquelas perspectivas em que desaparecem as possibilidades de se dar conta das especificidades dos diversos segmentos e atores sociais que o constituíam. Não seria possível compreender, em absoluto, a atuação do grupo de poder no sentido de sedimentação do regime se fossem dissolvidas as diferenças e singularidades entre os setores que o compunham.

Desta forma, esta análise se debate constantemente para não operar uma equalização absoluta dos valores e interesses das frações que constituem um determinado grupo social. Pois, se assim o fizesse, não seria possível avaliar as suas especificidades no processo político.26  A noção de grupo de poder, neste trabalho,

 

 

está atravessada por singularidades atinentes a um dado momento e às suas condições políticas e sociais. Não é possível utilizar a categoria grupo de poder desconectada da realidade brasileira num determinado período. “Isso implica em que as categorias precisam ser constantemente redefinidas, quer dizer, como `categorias histórico-sociais’ “.27

Construiu-se a noção de grupo de poder tendo em vista um dado momento histórico (1964-1984). Assim, as alianças, a correlação entre as forças sociais, as exclusões, as dissensões, os conflitos circunscritos ou não, os rompimentos, os desígnios, os valores sociais, etc., são elementos básicos para se compreender a atuação do grupo de poder, no Brasil, durante o regime militar. Tanto os militares com poder de mando e decisão que faziam parte diretamente do governo quanto aqueles que tinham posição decisiva no processo de sustentação e sedimentação do regime eram constituintes, evidentemente, do grupo de poder. As suas atuações com objetivo de instaurar uma dada forma de ação e de comportamento para toda a sociedade (grupos e/ou indivíduos) e suas ações para assegurar a prevalência de determinados valores sociais são a base para se compreender o

processo de luta do regime na sua busca de reconhecimento.

O grupo de poder era constituído, também, por determinados grupos de interesse e de pressão28 dos quais faziam parte indivíduos e/ou organizações que possuíam objetivos nem sempre comuns, mas que atuavam politicamente na utilização de diversos canais para assegurar a prevalência de interesses econômicos e de valores sociais. Não se considera, porém, que tanto os primeiros quanto os segundos eram coincidentes. Grupo de poder é, neste trabalho, uma categoria analítica que expressa um conjunto de relações que iam se constituindo de acordo com as possibilidades e dificuldades de ação política tanto dos seus componentes quanto dos demais setores sociais.

A tentativa de suplantar, na teoria dos grupos, a dicotomia entre interesses e valores levou a várias formulações que nem sempre conseguiram resolver o problema. Floresceram as análises sobre os grupos de interesse e de pressão,29 que estariam sempre motivados não apenas pela prevalência de interesses econômicos mas, principalmente, de valores sociais.30 No entanto, ficava

 

 

visível a dificuldade de pensar os grupos nestes dois âmbitos ao mesmo tempo. Na maioria das vezes, as pressuposições situavam- se ora no nível dos interesses, ora no dos valores sociais. A consubstancialidade entre eles continuava sendo o grande desafio. A construção do objeto de pesquisa com base nos grupos sociais levou, a partir dessas questões, a um amplo questionamento sobre a sua viabilidade uma vez que os mesmos já trazem como pressuposto a relação e/ou o jogo rígido entre os diversos interesses. Nestas condições, desapareceria a possibilidade de a

investigação dar conta também dos elementos subjetivos.

Há, contudo, nas ciências sociais, duas perspectivas, distintas no plano teórico, que oferecem subsídios para se refletir sobre a possível construção do objeto a partir da noção de grupos sociais sem se perder numa análise puramente objetiva (interesses) e/ou subjetiva (valores). Mannheim e Gramsci lidaram, cada um a seu modo, ferrenhamente com esse problema e tentaram elaborar uma forma de análise em que os dois âmbitos fossem privilegiados.31

As obras Diagnóstico de nosso tempo, Sociologia sistemática e Liberdade, poder e planificaião democrática, de Mannheim, representam um enorme esforço no sentido de estabelecer uma compreensão da realidade a partir da conexão entre os interesses e os valores sociais.32 É, porém, em sua discussão sobre o padrão de comportamento e personalidade democrática que ele reitera o fato de as condições objetivas darem forma e conteúdo para as subjetivas.33

A vida social só se torna inteligível, para Mannheim, a partir de uma análise capaz de captar a conexão entre a dimensão objetiva e subjetiva dos processos sociais. Para ele, “os interesses mais imediatos de uma camada social, suscitados e mantidos pela participação definida no processo histórico-social, engendram um tipo de concepção do mundo, ou melhor, uma perspectiva que, forçosamente, traduzirá as limitações do sujeito cognoscente”.34

O aspecto fundamental da proposta de análise de Mannheim, para este trabalho, está na possibilidade de se partir dos grupos sociais como elementos constituintes do processo social sem recair em modelos rígidos e estáticos. Para ele, os grupos não podem

 

 

ser pensados como entidades míticas e sim como “a integração de diversas forças e tendências”. Os denominados grupos organizados são formas mais ou menos permanentes de integração social em que os indivíduos “reagem com relação a um determinado conjunto de forças sociais. Eles reagem não apenas aos estímulos externos, mas reagem uns com os outros”.35 A construção do objeto de estudo deste trabalho a partir

do grupo de poder partiu do pressuposto de que este possuía um interesse coletivo “e, ao mesmo tempo, cada membro do grupo (tinha), com relação a ele, um interesse pessoal e coletivo (numa organização) mais ou menos desenvolvida de poder e um sistema de distribuição do poder, (engendrando, assim,) situações específicas”36 de busca de adesão para o regime vigente.

Durante o regime militar, o grupo de poder que o constituía, lutava para imprimir ao Estado uma determinada forma de atuação para fazer prevalecer determinados valores e interesses sociais. Isto demonstra que o grupo de poder não pode ser confundido com o Estado.37 Todavia, captar os aspectos objetivos e subjetivos do empenho dos componentes do grupo de poder para construir um hipotético ideário de democracia que legitimasse o regime conduz ao esclarecimento da relação dos mesmos com

o Estado, bem como com os demais grupos da sociedade.

Os elementos levantados por Mannheim demonstram com clareza a tensão existente nas ciências sociais sobre a possibilidade de se dar conta dos aspectos objetivos e subjetivos na análise dos processos sociais tendo como ponto de partida os grupos. É importante destacar que, na esteira do marxismo, Gramsci foi o que mais contribuiu para este debate, destacando a necessidade de se recusar prontamente a investigação situada somente no campo objetivo e/ou subjetivo.

Em Concepião dialética da história, Gramsci ressaltou que a visão crítica da realidade social só seria possível através de uma análise que conseguisse apreender a atividade histórica e socialmente condicionada dos grupos e classes sociais a partir dos elementos objetivos e subjetivos. Para ele, “o homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa – objetivos ou materiais – com os quais o indivíduo está em relação ativa”.38

As condições subjetivas atuam, para Gramsci, como uma força ao lado das objetivas. Toda organização da vida social se

 

 

estrutura, para ele, com base nesses dois aspectos.39 As condições objetivas “significam precisamente, e tão somente, o seguinte: que se afirma ser objetivo, realidade objetiva, aquela realidade que (pode ser) verificada por todos”.40

A impossibilidade de separar no interior das relações sociais os interesses e os valores se constituiu em um dos temas básicos em Gramsci. De maneira implícita e/ou explícita perpassou em toda sua obra a insistência na necessidade de tomar a vida social como criadora de todos os valores. Recusando abertamente as análises que operam a separação entre a dimensão objetiva e a subjetiva, Gramsci insistia numa forma de investigação que apreendesse as características históricas específicas de cada grupo social, tendo em vista seus interesses e valores sociais. Para ele, estes últimos são fundantes no processo de elaboração de uma dada prática política.

Apontaram-se esses elementos da teoria de Gramsci visando assinalar que a sua perspectiva teórica remete à problemática dos grupos sem, no entanto, se situar somente no âmbito dos interesses, o que também ficou demonstrado nas discussões de Mannheim. Estas duas formas de análises, de cujas diferenças se tem consciência, demonstram ao mesmo tempo as possibilidades e as implicações da tentativa de se captar, ao mesmo tempo, as dimensões objetivas e subjetivas.

Este trabalho, porém, se situa no interior dessa tensão entre os aspectos objetivos (interesses) e os subjetivos (valores) que se constituíram nos elementos fundantes da atuação do grupo de poder para elaboração de um suposto ideário de democracia visando construir um amplo processo de adesão ao regime militar. As indicações de Gramsci e Mannheim visaram demonstrar que este desafio tem persistido nas ciências sociais e tem perpassado perspectivas teóricas diversas.

 

FONTES

MATERIAL EMPÍRICO E CRITÉRIO DE SELEÇÃO

 

A análise da ditadura militar no que diz respeito especificamente à sua busca de adesão aos seus propósitos, valores,

 

 

e por fim, à sua concepção de organização social e de democracia passou, indubitavelmente, pela busca de dados empíricos que demonstrassem a forma de construção, desenvolvimento e condução deste processo.

Tendo em vista a necessidade de reconstituição histórica do período de 1964 a 1984 de forma particular e circunscrita ao problema abordado no âmbito deste trabalho, fez-se necessário reunir um amplo material bibliográfico e, também, dados de fontes secundárias para se alcançar tal objetivo. Portanto, foram selecionados os documentos mais esclarecedores das principais medidas e ações tomadas pelos governos militares, tais como: os Atos Institucionais e os Constitucionais, as Mensagens dos presidentes da República ao Congresso Nacional, bem como seus discursos naquela casa, seus livros publicados pelo departamento de imprensa nacional, seus depoimentos, entrevistas e pronunciamentos na imprensa falada e/ou escrita, seus artigos e conferências publicados em revistas específicas tais como: Segurania e desenvolvimento da ADESG e A defesa Nacional, editada pela Imprensa do Exército.

A justificativa destas medidas baseavam-se em uma suposta intenção de constituir no país a verdadeira democracia. Os dados empíricos, que permitiam a reconstituição deste processo, foram divulgados, no que concerne às posições dos generais- presidentes, também através daqueles materiais citados acima. A compreensão das diversas estratégias da ditadura (política, militar, econômica e psicossocial) exigiu, também, que se trabalhasse com uma farta documentação produzida pela Escola Superior de Guerra e publicada através da revista da ADESG intitulada Segurania e Desenvolvimento e pela A defesa Nacional, organizada por uma espécie de cooperativa de militares para este fim. Principalmente, nestas revistas, as posições e as atuações dos diversos atores sociais (civis e militares), incumbidos de produzir no plano das idéias as condições para sedimentação da ditadura, tornavam-se públicas através de artigos, conferências e planos de cursos e divulgação dos elementos tidos

como essenciais para ganhar adesão ao regime vigente.

Foram também de suma importância os documentos públicos da Escola Superior de Guerra, tais como: Almanaque, da

 

 

Associação dos Diplomados daquele instituto, Complementos da Doutrina, Doutrina Básica e Fundamentos da doutrina, por expressarem de maneira contundente o papel daquele instituto no enlaçamento de setores civis e militares no processo de criação das bases para se alcançar aceitabilidade para a ditadura.

As publicações realizadas pelos componentes do grupo de poder também foram muito importantes para este trabalho. Somente a título de exemplo, tendo em vista que eles foram citados exaustivamente sob forma de notas de rodapé no transcorrer desta análise, pode-se mencionar os seguintes livros: A revoluião de 1964, do Marechal Poppe de Figueiredo; Planejamento estratégico, Conjuntura política nacional e Geopolítica do Brasil, do gal. Golbery do Couto e Silva; A verdadeira paz, O jogo da verdade e Nova consciência de Brasil, do gal. Médici; A revoluião e o governo Costa e Silva, do gal. J. Portella; O outro lado do poder, do gal. Hugo Abreu, dentre outros.41

Tendo em vista que esta análise partiu da atuação dos componentes do grupo de poder não apenas na sua vertente militar, mas englobando também os civis tais como: tecnoburocratas, representantes do grande capital e lideranças políticas comprometidas com a criação das condições para a sedimentação da ditadura militar, lançou-se mão de artigos, pronunciamentos e entrevistas destes três últimos setores que foram publicados na grande imprensa, tais como, revistas (Visão, Veja, Exame, Isto é, etc.) e jornais (Folha de S. Paulo, principalmente, mas também em menor proporção, de O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil).

A compreensão da atuação dos representantes do grande capital no sentido de criar condições favoráveis para que o regime conseguisse reconhecimento e adesão junto às diversas camadas da população exigiu que se examinasse os seus artigos e pronunciamentos publicados em revistas de órgãos representativos da classe empresarial. Neste sentido reuniu-se um material significativo da revista Indústria e Desenvolvimento e da Revista da Indústria, ambas da Fiesp. Foram utilizados, ainda, os pronunciamentos editados na primeira parte dos Relatórios das Diretorias, publicados anualmente por este último órgão.

No entanto, além destes materiais extraídos destas principais fontes citadas anteriormente, utilizou-se, em menor

 

 

número, de alguns documentos, tendo em vista sua pertinência para o tema aqui desenvolvido, de periódicos específicos e de circulação restrita como, por exemplo, a Revista Política, da Fundação Milton Campos e a Revista de Problemas Brasileiros, do Sesc e da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. Na primeira encontraram-se artigos dos membros do partido do governo que se empenhavam em indicar ao regime meios e mecanismos para se construir, no campo dos valores, especialmente, a adesão à ditadura militar.

Ressalte-se, então, que o material empírico foi selecionado tendo como critério o grau de pertinência para o problema de pesquisa proposto. Ou seja, interessaram a esta pesquisa fundamentalmente os documentos que expressavam, de alguma maneira, uma relação explícita e/ou implícita com o processo de busca de legitimidade para a ditadura centrado, fundamentalmente, nas estratégias de construção de um suposto ideário de democracia. Isto exige que os pronunciamentos, depoimentos, entrevistas, etc. dos componentes do grupo de poder não sejam tomados em si mesmos, mas sim tendo em vista os embates que cortavam horizontal e verticalmente a sociedade, os quais se constituíram em elementos fundadores do processo político brasileiro no período de 1964 a 1984.

 

Notas

 

1 Farei acompanhar pelos termos hipotético, suposto, supositício e pretenso todas as referências do grupo de poder do regime militar à democracia.

 

2 Alguns cientistas sociais afirmam que ao conviver com formas ditatoriais e ritos democráticos o regime militar adquiriu uma natureza híbrida. Havia, segundo Kinzo, uma “dificuldade de se fechar todos os canais de representação, pois isto significaria marginalizar os próprios civis que haviam apoiado o golpe militar.”

KINZO, M. D. G. Oposiião e autoritarismo. São Paulo: Vértice, Idesp, 1988. p. 18.

Em Autoritarismo e democratizaião, Fernando Henrique Cardoso afirmava: “De toda forma, esta peculiar articulação entre o sistema

 

 

de decisões político-administrativo e o das decisões político-econômico, garantiu um papel de relevo para o mundo das empresas, privadas e públicas, dando ao regime, neste aspecto, uma conotação de pluralismo relativo que dificulta sua caracterização como totalitário. (…) Neste híbrido político em que se transformou o regime vigente no período Médici, os partidos perderam a função e em seu lugar criaram-se instrumentos políticos menos estáveis e mais ágeis (…)”.

CARDOSO, F. H. Autoritarismo e democratizaião. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p. 208. Ver, ainda: Id, Os impasses do regime autoritário. In A construião da democracia. São Paulo: Siciliano, 1993.

3   “Um teólogo, depois de ouvir o sermão de outro teólogo, comentou:

`a teologia daquele homem é minha demonologia. O que ele descreve como Deus corresponde à minha idéia de demônio”.

FREYRE, G. Sociologia: introduião ao estudo dos seus princípios. V.1. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1945. p. 11.

No que consiste ao suposto ideário de democracia do regime militar pode-se dizer que ocorre o equivalente à passagem citada por Freyre em seu livro Sociologia. Ou seja, o que o movimento de 1964 e seus desdobramentos descreviam como democracia correspondem, nas ciências sociais, pelo menos em sua maioria, à ditadura.

Enfim, este trabalho não pretende, de maneira alguma, identificar a ditadura militar com qualquer perspectiva de democracia, tendo em vista que isto é impossível. Assim sendo, não se lançou mão aqui da noção de democracia autoritária uma vez que não se considera possível haver um regime político ao mesmo tempo democrático e autoritário: o primeiro é a negação do segundo e vice-versa. Não se verificou, então, proximidade alguma entre o pretenso ideário de democracia do regime militar e quaisquer concepções de democracia que se desenvolveram no transcorrer dos três últimos séculos nas ciências sociais. Nesses termos, faz-se necessário ressaltar que o mesmo era uma forma de ditadura absolutamente evidente que se empenhava numa árdua busca de adesão pautado na invenção de um sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia completamente desconexo daqueles propósitos firmados historicamente.

 

4 Os militares utilizavam o termo psicossocial para designar a sua estratégia de atuação sobre a mentalidade de todos os indivíduos, visando alcançar o maior grau possível de internalização dos valores que deveriam ser, segundo eles, norteadores de todas as ações nas diversas esferas da vida social.

 

 

5 O cientista social Juan Linz influenciou inúmeras análises sobre a classificação do regime militar brasileiro como uma situação autoritária. Ele argumentava que “No Brasil, a partir do momento em que muitos partidários do movimento de 1964 viram o poder dos militares como simples processo de internalidade cujo objetivo era preparar, rapidamente, o caminho de volta à democracia, toda a questão de criação de novas condições autoritárias encheu-se de ambigüidades e contradições. (…) Sou levado a pensar que o caso brasileiro é muito mais o de uma situação autoritária do que o de um regime autoritário. Além disso, a natureza do regime que pode vir a surgir ainda é bastante indefinida. A existência de uma situação autoritária, muito mais que um regime autoritário, é uma evidência das dificuldades que se apresentam para a institucionalização deste tipo de regime.”

LINZ, J. O regime brasileiro. Veja, São Paulo: n. 274, p. 3, 05 dez. 1973. Mais elementos sobre a sua posição podem ser encontrados em: Id, An authoritarian regime: Spain. In ALLARDT, E. e ROKKAN, S. (orgs.) Mass politics: Studies in politicalsociology. New York: The Free Press, 1970. p. 251-284.

 

6 O termo psicossocial era fartamente empregado pelos condutores e ideólogos do regime militar. Optou-se pela sua manutenção tendo em vista que ele possui um sentido enormemente significativo para esta análise à medida que expressava a intenção da ditadura de sedimentar um corpo de valores que possibilitasse a ordenação no campo subjetivo da ordem social pretendida pelo movimento de 1964.

 

7 De modo geral, o esclarecimento de algumas das perspectivas fundamentais sobre a democracia desenvolvidas no âmbito das ciências sociais é o norte do processo de distinção daquele pretenso ideário desenvolvido pela ditadura no intuito de construir sua legitimidade. Acredita-se, todavia, que a teoria da democracia, como indica Sartori, tem percorrido um caminho inusitado e pleno de percalços. Vide: SARTORI, G. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Àtica, 1994.

A partir do século XVIII, assistiu-se a um amplo empenho de diversos pensadores, tendo em vista as condições sociais emergentes naquele momento, para se estabelecer os elementos básicos da democracia no mundo moderno. Rousseau, Montesquieu, Jefferson, Madison, dentre outros, destacaram-se, cada um a seu modo, na busca de elementos definidores de uma ordem democrática.

Em termos gerais, somente a título de contextualização da discussão

 

 

sobre a democracia no século XVIII, faz-se necessário destacar que a questão fundamental naquele momento, na Europa principalmente, era o debate sobre a democracia como forma de governo não- despótica. Ganhava relevo, assim, o problema da relação entre democracia e república. Montesquieu com a obra O espírito das leis, escrita em 1748, pode ser tomado como o exemplo mais significativo da preocupação que marcava aquela época, no sentido de definição de formas de governo; as quais poderiam ser republicana, monárquica ou despótica. Para ele, a “república compreende (…) tanto a aristocracia quanto a democracia, conforme o poder seja exercido por todo o povo ou só uma parte”.

BOBBIO, N. A Teoria das formas de governo. Brasilia: UNB, 1980. p. 120.

Tendo em vista a necessidade de definir os pressupostos fundamentais da democracia, Montesquieu destacava que a prevalência da lei era o seu elemento básico. A tematização em torno da igualdade e da liberdade políticas assentava-se inteiramente nela. Para ele, a democracia se arruinaria se o povo não reconhecesse a lei como seu fundamento. Segundo Norberto Bobbio, a república democrática era pensada por Montesquieu a partir do conceito de igualdade. Ou seja, era o que a distinguia de “outras formas de governo, fundamentadas na desigualdade irredutível entre governantes e governados e na irredutível desigualdade entre os próprios governados”.

Ibid, p. 123.

A liberdade e a lei eram indissociáveis, ou seja, a primeira era definida e limitada pela segunda. A separação dos poderes, no entanto, é que fornecia os elementos para a sua discussão em torno da liberdade política. O abuso do poder era, para Montesquieu, sinônimo de desrespeito às leis e, também, de não-separação dos poderes. Ambos inibiam qualquer possibilidade de liberdade política.

Rousseau merece, também, destaque entre os inventores da democracia moderna. Teórico da formação da vontade geral inalienável, destacava, dentre outras questões (social, natural, política e econômica), os aspectos jurídicos como o estatuto fundante da ordem democrática. No entanto, o estabelecimento das condições políticas mínimas para o estabelecimento da verdadeira democracia tinham implicações de ordem jurídica e social. Em O contrato social, Rousseau destacava que um dos princípios básicos da democracia ligava-se à necessidade de desenvolvimento de uma sociedade em que as diferenças sociais não levassem às desigualdades políticas. No livro II desta mesma obra, Rousseau esclarece o significado da vontade geral que “tende sempre para a utilidade pública” para o interesse

 

 

comum. Neste aspecto, principalmente, ela se diferencia da vontade de todos que visa sempre o interesse privado. Sobre esta questão, ver: MACPHERSON, C. B. A democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

  1. 23. Passim.

MANNHEIM, K. Liberdade, poder e planificaião democrática. São Paulo: Mestre Jou, 1972. p. 205.

Cabe ressaltar, assim, que um dos méritos de Rousseau, e o que exige o constante reportar à sua obra como um marco da teoria da democracia moderna, não é por certo, por ele advogar qualquer facilidade no processo de constituição de uma sociedade democrática. “O sistema político descrito em O contrato social não é uma democracia segundo o uso que Rousseau faz do termo. Para ele, `democracia’ seria um sistema onde os cidadãos são executores de leis que eles mesmos fizeram (sistema direto e não representativo) (…)”.

PATEMAN, C. Participaião e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 35.

Isto indicaria, no mínimo, a complexidade do processo de fundação de uma dada forma de organização social democrática.

Os aspectos jurídicos ganharam nas suas discussões um estatuto fundante da ordem democrática, o que tem de ser visto a partir das condições prevalecentes, na Europa, no século XVIII. A defesa dos direitos civis era, como afirma Marshall, um passo indiscutivelmente importante para a formação dos direitos políticos no século posterior. MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 63-89.

As críticas de Rousseau a todas as formas de representação política sintetizavam as suas preocupações em torno da vontade geral. No entanto, é necessário assinalar que ela se situava no interior de um amplo debate que florescia naquele momento em torno da questão da vontade da maioria e da minoria. Estas duas últimas questões apareciam com ênfase nos escritos de Jefferson, Hamilton e Madison. Arblaster diz que Madison, assim como Hamilton, tinha como preocupação central o problema da acomodação entre o poder das maiorias e o das minorias. Para ele, na ausência de controles externos (aplicação de recompensas e penalidades de fora) qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos tiranizaria os demais.

ARBLASTER, A. A democracia. Lisboa: Estampa, 1988. p. 68-69.

 

8    Anthony Arblaster assinala que Mussolini falava em democracia para definir o fascismo como uma democracia organizada e centralizada. ARBLASTER, op. cit, p. 82.

 

 

9    No século XIX, os escritos de Bentham, James Mill, John Stuart Mill e Tocqueville foram os mais importantes sobre a questão da democracia. A segurança, a igualdade e a propriedade eram questões que elucidavam os rumos que estavam tomando os pressupostos em torno da democracia tendo em vista a emergência de novas condições sociais. Buscava-se delinear, mais nitidamente, a relação entre o sufrágio universal e a propriedade; enquanto o primeiro enfrentava muitas restrições, a última tinha supremacia absoluta sobre ele. No entanto, convém destacar que a proteção aos governados de Bentham e James Mill tinha a ver com um tipo de Estado e de sistema político. “Tratava- se de um duplo problema: o sistema político devia produzir governos que tanto estabelecessem e fomentassem uma sociedade de mercado livre quanto protegesse os cidadãos contra governos rapaces”. MACPHERSON, op. cit, p. 39.

A proteção aos cidadãos era o objetivo básico do sistema democrático defendido por Bentham, e este se pautava num governo representativo que se assentava sobre franquias, que devem ser entendidas como privilégios especiais a alguns indivíduos. As franquias limitadas ex- cluíam os trabalhadores, os não-instruídos, as mulheres e os dependentes. As franquias mais ou menos universais excluíam os analfabetos, menores de idade e as mulheres.

Diante da atuação das classes trabalhadoras no século XIX, por melhores condições de existência, John S. Mill advogava a necessidade de desenvolver a mente de todos os membros da sociedade para se alcançar o aperfeiçoamento de um sistema político democrático. Acirrava-se a busca de caminhos para se chegar à sociedade democrática. Novamente vinha à tona a questão da maioria e da minoria. Para J. S. Mill, havia necessidade de estabelecimento de um sistema político onde não prevalecesse o egoísmo tanto da minoria quanto da maioria. O sistema de voto plural (um voto para todos, mas vários para alguns) visava, segundo ele, evitar a imposição de uma maioria para uma minoria. Sobre isto, ver:

ARBLASTER, op. cit, p. 78.

BOBBIO, N. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1988.

 

10 TOCQUEVILLE, A. de. A democracia na América. Belo Horizonte: São Paulo: Itatiaia, Edusp, 1977.

Esta questão foi trabalhada de maneira detalhada por: SARTORI, op. cit, p. 16 et seq.

 

11 Destaque-se que no século XX floresceu uma vasta literatura sobre a equalização e a não-equalização entre capitalismo e democracia. É

 

 

possível afirmar que no bojo dela estão colocadas duas questões centrais: a democracia essencialmente como um sistema político representativo (Schumpeter, Lipset, Sartori, Eckstein, Berelson, Dahl, dentre outros) e a democracia como a publicização do embate entre as diversas forças sociais (Cole, Adler, Bauer, Patmann, dentre outros). Parte significativa da teoria contemporânea da democracia tem seus pés fincados na concepção de Schumpeter da democracia: um arranjo institucional para se chegar a decisões políticas através da luta pelo voto do povo, o qual não deve esperar que possa interferir na ação daquele que elegeu. A liderança tem no método democrático de Schumpeter um lugar fundamental. Para ele, a teoria clássica dava ao eleitorado um papel irreal de iniciativa. “Mas o coletivo age quase que exclusivamente através da aceitação da liderança – esse é o mecanismo dominante em praticamente qualquer ação coletiva que seja mais que um reflexo.”

SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. p. 337.

A competição pela liderança na política tem, para Schumpeter, semelhança com o processo de competição pela liderança, desencadeado na esfera econômica. A concorrência em ambas as esferas não é, para ele, de forma alguma, perfeita. Todavia a liberdade de todos concorrerem para se chegar à liderança política é semelhante à liberdade que qualquer pessoa tem para instalar uma fábrica têxtil. A teoria do elitismo democrático de Schumpeter serviu como base de uma enorme reflexão sobre o voto como meio de manter ativa e estável a forma democrática, a qual se desenvolveu tendo como objetivo básico ressaltar o valor do voto e do ato de votar. A. Downs e W. H. Riker são os principais teóricos desta problemática. Segundo Brian Barry, Downs constrói uma teoria da política na qual há dois tipos de atores: os partidos e os votantes. Os primeiros estariam preocupados, nos mol- des da concorrência empresarial, em ocupar o cargo. Os segundos correspondem aos consumidores, aos quais se faz necessário indagar porque utilizam seu direito ao voto.

BARRY, B. Los sociólogos, los economistas y la democracia. Buenos Aires, Amorrortu, 1970. p. 22.

O elemento central das análises de Downs e Riker é o desinteresse pelo papel que as instituições desempenham num regime político democrático; o que os diferencia de uma enorme literatura, também situada na esteira do elitismo democrático, (Almond, Verba, Eckstein, Lipset, Berelson, Dahl, Sartori, dentre outros), que tem como objetivo central destacar o papel das instituições democráticas e as suas condições de estabilidade.

 

 

Em The civic culture os autores Almond e Verba protcuram enfatizar as atitudes políticas dos indivíduos quanto às instituições que sustentam a democracia. A estabilidade da democracia estaria, para eles, ligada a uma cultura cívica democrática. Portanto, numa sociedade, o grau de cultura cívica define o grau de democracia.

A democracia como processo de publicização das relações sociais é uma vertente que difere das perspectivas colocadas anteriormente. Ela se constituiu a partir da ênfase na necessidade de atuação dos diversos atores sociais. Nessas condições, uma sociedade é democrática quando um determinado setor social tem suas ações balizadas pelas atuações dos demais. Vide:

ADLER, M. Democrazia e consigli operai. Roma: Riuniti, 1970. Id, Democrazia política e democrazia socialle. Roma: Riuniti, 1945.

COLE, G. G. H. The world of labour. Londres: G. Bells & Sons, 1913. PATEMAN, C. Participaião e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

 

12 A afirmação de que o regime militar buscava se legitimar através de uma determinada idéia de democracia não significa, de modo algum, que ele era hegemônico. Seria um erro confundir legitimidade com hegemonia, o que já foi fartamente discutido nas ciências sociais. “Ditadura sem hegemonia, porém, não significa que o Estado (…) possa prescindir de um mínimo de consenso; de outro modo, ele teria de utilizar sempre e apenas a coerção, o que, a longo prazo, tornaria impossível o seu funcionamento.” Neste caso, o grupo de poder da ditadura, como afirma Coutinho, tem a função de domínio e não a de direção.

COUTINHO, C.N. As categorias de Gramsci e a realidade brasileira. In Presenia, São Paulo: n. 7, p. 160, 1987.

Oliveiros Ferreira pode ser citado como um dos teóricos brasileiros que defendeu contundentemente a idéia de que o golpe militar era hegemônico à medida que as Forças Armadas teriam sido o único grupo com capacidade de exercer a função de partido. Vide: FERREIRA, O. O fim do poder civil. São Paulo: Convívio, 1966.

 

13 Weber é, sem dúvida, o teórico por excelência da crença na legitimidade. “…Nem o costume ou a situação de interesses, nem os motivos puramente afetivos ou racionais referentes a valores da vinculação poderiam constituir fundamentos confiáveis de uma dominação. Normalmente, juntam-se a esses fatores outro elemento: a crença na legitimidade. Conforme ensina a experiência, nenhuma dominação contenta-se voluntariamente com motivos puramente

 

 

materiais, afetivos ou racionais referentes a valores, como possibilidade de sua persistência. Todas procuram despertar e cultivar a crença em sua legitimidade.”

WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: UNB, 1991. p. 139.

 

14 “O sentido da palavra legitimidade não é estático, e sim dinâmico; é uma unidade aberta, cuja concretização é considerada possível num futuro indefinido, e a realidade concreta nada mais é do que um esboço desse futuro”.

LEVI, L. Legitimidade. Dicionário de política. Brasília: UNB, Linha Gráfica Editora, 1991. V.2, p. 678.

 

15 Carlos N. Coutinho afirma que o “regime militar-tecnocrático conseguiu conquistar, em alguns momentos, um significativo grau de consenso entre amplos setores das camadas médias. Obteve consenso na medida em que assimilou e deu respostas a algumas demandas dos grupos sociais derrotados em 1964.”

COUTINHO, op. cit, p. 149.

 

16 “Encarando o Estado sob o enfoque sociológico e não jurídico, constatamos que o processo de legitimação não tem como ponto de referência o Estado no seu conjunto, e sim nos seus diversos aspectos: a comunidade política, o regime, o governo e, não sendo o Estado independente, o Estado hegemônico a quem o mesmo se acha subordinado. Conseqüentemente, a legitimação do Estado é o resultado de um conjunto de variáveis que se situam em níveis crescentes, cada uma delas cooperando, de maneira relativamente independente, para a sua determinação.”

LEVI, op. cit, p. 675.

 

17 Há, nas ciências sociais, uma bibliografia considerável sobre a questão da legitimidade. Ver, principalmente:

BOBBIO, N. et al. L’idée de legitimité. Paris: Presses Universitaires de France, 1967.

COTTA, S. Élements d’une phénoménologie de la légitimité. Paris: PUF, 1967.

D’ENTRÉNES, A. Légalité et legitimité. Paris: PUF, 1967. SCHMITT, C. Legalidad e legimidad. Madri: Aguillar, 1971. STERNBERGER, D. Typologie de la légitimité. Paris: PUF, 1967.

 

18 FAORO, R. Os fundamentos da legitimidade. Assembléia Constituinte: a legitimidade recuperada. São Paulo:Brasiliense, 1983. p. 44.

 

 

19 Id, As falácias da legitimidade. op. cit, p. 56-68.

 

20 FERNANDES, F. Resposta às intervenções: um ensaio de interpretação crítica. Encontros com a CivilizaiãoBrasileira. Rio de Janeiro: n. 4, Civilização Brasileira, p. 202-3, 1978.

 

21 Na década de 1930, Sérgio Buarque de Holanda, assinalava que a democracia enquanto ideal e/ou enquanto prática política tinha sido até então, no Brasil, um lamentável mal entendido.

HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. p. 119.

 

22 MANNHEIM, K. Liberdade, poder e planificaião democrática. São Paulo: Mestre Jou, 1972. p. 277.

 

23 Diversas perspectivas teóricas nas ciências sociais têm se debatido em torno da teorização sobre os grupos sociais. Ver:

MERTON, R. Social theory and social structure. Glencoe, Illinois, Free Press, 1957.

MANNHEIM, K. Sociologia dos grupos. In Sociologia sistemática. São Paulo: Pioneira, 1971.

GURVITCH, G. Agrupamentos particulares e classes sociais. In Tratado de sociologia. V.1, São Paulo: Martins Fontes, 1977. p. 259-282.

 

24 Dahrendorf em Homo sociologicus faz uma discussão sobre as diversas teorias “em que o ponto de intersecção entre a sociedade e os indivíduos se dá nos grupos sociais.”

DAHRENDORF, R. Homo sociologicus. Rio de Janeiro: Tempo social, 1991. p. 35 passim.

25 GURVITCH, op. cit, p. 261-2.

 

26 OLSON, M. The logic of collective action: public goods and theory of groups. Cambridge Mass, Havard University press, 1965.

DAHL, R. Dilemmas of pluralist democracy. Londres: Yale University Press, 1982.

Segundo Dahl, nem indivíduos, nem grupos são politicamente iguais. Ver: Id, Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1989. p. 142.

 

27 FERNANDES, F. Fundamentos empíricos da explicaião sociológica. São Paulo: Nacional, 1972. p. 113 “ (…) As categorias devem dar origem a

 

 

uma subdivisão completa do objeto em classes mutuamente exclusivas, sempre que possível. (…) Toda classificação ou tipologia de um objeto – seja esse objeto um aspecto da realidade, seja um juízo ou uma proposição lógica – contém em si algo de subjetivo e aleatório, dependendo da escolha do critério e da construção das categorias”. ABRAMO, P. Pesquisa em Ciências Sociais. In HIRANO, S. (org) Pesquisa social. São Paulo: T. A. Queiróz, 1979. p. 31.

 

28 As confederações e as federações industriais são exemplos de grupos de pressão.

 

29 As confederações e federações industriais, os sindicatos seriam exemplos de grupos de pressão. Essas organizações são classificadas, inclusive, pelo seu desinteresse em atuar diretamente no poder político, mas articulam-se sempre no sentido de influenciá-lo. No esquema de Trumam, os partidos não seriam grupos de pressão, pois estes visariam a articulação dos interesses enquanto os partidos teriam por objetivo agregá-los.

TRUMAN, D. The governamental process: politic interests and public opinion. New York: Knof, 1951.

 

30 Há uma extensa bibliografia sobre os grupos de interesse e pressão. Ver, principalmente:

MAYNAUD, J. Les groupes de pression,. Paris: Presses Universitaires de France, 1965.

SCHMITTER, P. Interest conflict and political change in Brazil. Stanford: Stanford University Press, 1971.

 

31 Para Foracchi, Mannheim tinha sofrido uma influência muito forte de Marx, principalmente pelo destaque que ele deu “às possibilidades humanas de alteração da estrutura econômico-social.”

FORACCHI, op. cit, p. 40.

32 MANNHEIM, K. Diagnóstico de nosso tempo. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

 

33 Sobre a análise dos elementos subjetivos da vida social a partir das condições objetivas em Mannheim, ver: FORACCHI, M. M. Sociologia do conhecimento e planejamento. Mannheim – Sociologia. São Paulo: Ática, 1982. p. 9 -46.

 

 

34 Ibid, p. 14.

 

35 MANNHEIM, K. Sociologia sistemática. São Paulo: Pioneira, 1971. p. 149 et seq.

36 Ibid, p. 154.

 

37 Mannheim afirmava que o Estado é um grupo que inclui todos os demais. Ou seja, é um grupo inclusivo que supõe “uma organização de poder que adquire o maior controle dos grupos existentes dentro de um território e que esteja apto para regulamentar as inter-relações entre todos os outros grupos de luta, competição ou cooperação.” Ibid, p. 163.

 

38 GRAMSCI, A. Concepião dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986. p. 47. Id, Notas críticas sobre uma tentativa de ‘ensaio popular’ de sociologia. In op. cit, p. 141 et seq.

 

39 A investigação de Gramsci sobre o catolicismo, a arte, a cultura e a democracia revelava a sua tentativa de elaborar uma análise dentro desta perspectiva. A concepção de mundo absorvida pelos vários ambientes sociais e culturais só podiam ser captadas, para Gramsci, no âmbito objetivo e subjetivo. Nunca em um só isoladamente.

40 Ibid, p. 69.

 

41 As referências completas destes livros encontram-se sob formas de nota de rodapé e também na bibliografia.

 

 

 

 

 

½APÍTffLO I

 

A PRETENSÃO DE LEGITIMIDADE DA DITADURA MILITAR: ASPECTOS GERAIS QUE NORTEARÃO A DISCUSSÃO

 

 

A pretensão de legitimidade por parte da ditadura militar pode ser explicada num plano mais geral pelo fato de que, como afirma Hannah Arendt, “jamais existiu um governo baseado exclusivamente nos meios de violência. Mesmo o mandante totalitário, cujo maior instrumento de domínio é a tortura, precisa de uma base de poder – a polícia secreta e sua rede de informantes. Somente o desenvolvimento de soldados-robôs que eliminassem o fator humano por completo e permitissem a um só homem com um botão de comando destruir a quem lhe aprouvesse, poderia mudar esta supremacia fundamental do poder sobre a violência. Mesmo a mais despótica dominação que conhecemos: o domínio do senhor sobre os escravos, que sempre o excediam em número, não repousava em tais meios superiores de coação, mas numa organização superior de poder – ou seja, na solidariedade organizada dos senhores”.1

Toda organização de poder se situa diante do desafio de encontrar meios de legitimidade; a qual não é necessariamente de natureza democrática. O princípio daquela primeira pode estar assentado em bases absolutamente autocráticas e/ou ditatoriais; no entanto, o processo de adesão e reconhecimento decorrente destas bases não inviabiliza a sua existência. O poder se define como tal a partir desses elementos. Ou seja, se este for democrático, a natureza da legitimidade também o será, sendo ele autocrático, o princípio da legitimidade situa-se, também, nestas bases.

A ditadura militar assentava a sua pretensão de legitimidade sobre quais elementos? As bases em que ela estabelecia o seu

 

 

empenho para obter reconhecimento dos diversos segmentos sociais para os seus atos, medidas, ações e desígnios eram eminentemente autocráticas. Por isso, os atos institucionais e constitucionais, por exemplo, não se constituíam em empecilhos para que ela tentasse construir sua aceitabilidade e adesão.

Tendo em vista que a busca autocrática de legitimidade não depende da existência de uma ordem jurídica legal, não se entrará, neste trabalho, na discussão sobre o caráter daquela ordem (legal e/ou ilegal?) estabelecida após 1964. A análise de Raymundo Faoro em A evasiva da legitimidade: o remendo constitucional, publicada em Assembléia Constituinte – a legitimidade recuperada, esclarece, significativamente, esta questão ao mencionar aquele momento como uma forma de poder com uma legalidade especifica.2

“Atribui-se a Max Weber, sem maior reflexão acerca da nota tônica da legitimidade nos destinatários do poder, levianamente a idéia de que a legalidade representa toda a legitimidade racional.”3 A idéia básica estaria, então, pautada na necessidade de não confundir e/ou dissolver a legalidade e a legitimidade em um só conceito. Norberto Bobbio, em Sur le principe de legitimité, insiste na necessidade de especificar quais são os problemas relacionados à legitimidade e quais são aqueles relativos à legalidade.4

A análise empreendida neste trabalho se deteve fundamentalmente na questão da legitimidade e não da legalidade, o que é possível tendo em vista os elementos levantados nos parágrafos anteriores, a própria relação entre legalidade e legitimidade e, também, a natureza da abordagem aqui realizada, ou seja, de caráter eminentemente sociológico. Não se desconhece, porém, que há questionamentos sobre a possibilidade de identificar os problemas atinentes à legitimidade neste âmbito somente.5

Uma das críticas à abordagem sociológica do problema da legitimidade foi feita por José Eduardo Faria, em Poder e legitimidade, a qual foi justificada a partir do questionamento das perspectivas de análise sistêmica de alguns teóricos, tais como Easton e Deutsch.6 A partir de alguns aspectos das teorias destes últimos, Faria afirma que as análises de caráter eminentemente sociológico têm como ponto de partida uma categoria geral: a

 

 

eficiência, ou seja, a legitimidade seria pensada essencialmente como forma de atingir a obediência. “Desde que concentrada a discussão no âmbito da categoria geral da eficiência, como se vê, o problema da legitimidade transforma-se numa pura questão de fato e implica, portanto, em uma abordagem eminentemente sociológica. Neste caso, o que realmente importa é descobrir por meio de que instrumentos ou articulações os detentores do poder conseguem impô-lo e mantê-lo durante algum tempo.

 

Portanto, na medida em que definem a política como uma alocaião autoritária de valores ou como a manipulaião do comportamento humano por uma combinaião da ameaia de sanião com hábitos de obediência, autores sistêmicos como Easton e Deutsch transformam o problema da formaião do consenso numa simples questão de eficácia e proporião. O que acaba reduzindo a legitimidade, no fundo, a um conceito basicamente neutro (…).7

 

Antes de mais nada é fundamental esclarecer que este trabalho não se vincula à abordagem sistêmica. Ou seja, ao mencionar a preocupação de realizar uma análise sociológica da pretensão de legitimidade da ditadura militar que se instaurou em 1964, não quer dizer que ela se filia, como ficará demonstrado no decorrer deste trabalho, a perspectivas que pensam a política somente como uma “alocação autoritária de valores” ou como uma forma de “manipulação do comportamento humano” através de uma combinação entre “ameaça de sanção com hábitos de obediência”.8

A pretensão de legitimidade da ditadura é tomada aqui como algo que ia além da tentativa de se conseguir obediência para um determinado sistema de poder. Ela significava um processo muito mais complexo do que isto, na medida em que se procurava construir, de maneira contínua, uma determinada ordem, em que todos aderissem, nos âmbitos objetivo e subjetivo, a uma dada forma de organização social.

Realizar-se-á, então, uma abordagem sociológica sobre a questão da legitimidade, mas de maneira completamente distinta das perspectivas citadas anteriormente que estariam preocupadas em detectar graus de eficiência e/ou os instrumentos para se chegar

 

 

à obediência através de uma pura e simples alocação de valores. Tentou-se aqui, ao contrário, apreender o processo de busca de legitimidade pelo regime militar não simplesmente como um artifício de imposição de uma forma de poder, mas como parte da tentativa de padronização de todas as relações sociais.

Este trabalho se situa, então, diante do desafio de captar o empenho do grupo de poder da ditadura militar, através de suas estratégias de ação nas diversas esferas (econômica, política e psicossocial) visando estabelecer uma determinada forma de sociedade. Ou seja, numa relação que envolvia não somente a construção de artifícios, o que seria absolutamente tênue, mas sim a internalização de uma concepção de mundo por todos os segmentos sociais.

A partir das condições sociais vigentes naquele momento é que se tornou possível analisar as diversas nuanças e implicações daquele processo de busca de legitimidade, do qual a ditadura não tinha como abrir mão. Desta forma, esta análise tentou captar os elementos centrais da articulação de um suposto ideário de democracia que se tornou o ponto de conexão entre as suas diversas ações nas esferas política, econômica e psicossocial.

É, então, uma análise sociológica sobre um processo de busca de legitimidade, num determinado momento histórico e sob condições sociais e políticas específicas que se situa diante do desafio de dar conta de alguns elementos chaves de uma dada forma de organização do poder no Brasil após 1964, no que tange basicamente ao empenho da ditadura para sedimentar, através de um pretenso ideário de democracia, uma determinada ordem social.

O regime político que irrompeu a partir de 1964 se debateu, desde seus primeiros momentos, para atestar a legitimidade de seu poder de mando e decisão. Para isso, ele lidou com dois desafios. O primeiro foi construir os elementos que viessem a certificar, de imediato, que aquele movimento era legítimo. O segundo se caracterizou pelo empenho do grupo de poder em dar continuidade ao processo de construção da legitimidade no transcorrer dos governos ditatoriais.

No que diz respeito ao primeiro desafio, o regime o enfrentou de modo inédito, o que já ficava claramente definido a partir do

 

 

primeiro Ato Institucional, de 09 de abril de 1964. “A mudança institucional especificava-se, desde logo, por um traço característico: o deslocamento do poder constituinte do povo (`todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido’ – Constituição de 1946, art.1) para a revolução (…). `A revolução vitoriosa – declarava o preâmbulo do Ato Institucional nº I – se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte, se legitima por si mesma.9 Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo”.10 Segundo Faoro, o deslocamento da apropriação do Poder Constituinte em favor de uma camada dirigente passava a ser “justificada em si mesma, sem prestar contas ao povo, alheio a qualquer responsabilidade perante a nação”.11

É inegável que no plano da nova ordem institucional foi exatamente isto que ocorreu. Porém, tanto o primeiro Ato Institucional quanto os demais atos e/ou medidas e ações não apareciam desta forma. Ou seja, o regime lutava para construir um sistema de valores e idéias visando sedimentar na sociedade como um todo a crença de que o movimento de 1964 somente se legitimava porque ele expressava sob todos os aspectos os interesses do povo brasileiro.

Desta forma, tem-se a emergência de um modo singular de justificar as novas condições sociais e políticas emergentes. A busca de legitimidade centrava-se na construção de um suposto ideário de democracia que insistia no revigoramento da ordem, do progresso, da justiça social e de uma pretensa legalidade.12

O empenho do grupo de poder do regime militar em construir um hipotético ideário de democracia não resolvia, portanto, a enorme dificuldade da ditadura para consubstanciar autoridade e legitimidade, à medida que o regime ditatorial não confiava, evidentemente, a obediência total dos destinatários do poder à crença nos valores divulgados como democratizantes. Daí a recorrência permanente aos atos institucionais e/ou constitucionais.

Foi visível, durante todos os governos militares, e não apenas durante os primeiros anos, uma constante tentativa de

 

 

montagem da relação autoridade e legitimidade. “Onde existe a autoridade, oriunda da legitimidade, o poder desempenha papel acessório, transformando a obediência dos destinatários do poder em dever, sem que seja necessário acionar as sanções das leis. (…) A confusão das realidades – o poder e a autoridade – nasce do fato de que os dois níveis atuam, em regra, em conjunto. Mas nem sempre o poder possui autoridade, o que leva o governante a supri-la com o aparelhamento da coerção, integrando o déficit de consentimento”.13

José Eduardo Faria, em Poder e legitimidade, faz uma significativa reflexão sobre os elementos políticos e jurídicos da legitimidade; no entanto, segundo ele, esta somente pode ser analisada a partir da compreensão de que “se por um lado é impossível provar-se empiricamente o que é legitimidade, na medida em que ela não se fundamenta por evidências, por outro não se pode deixar de reconhecer a existência de diversas justificativas sobre a natureza das obrigações política e jurídica que vários modelos de legitimidade procuram estabelecer”.14

No regime militar, não apenas no seu início, a ponte entre autoridade e o apelo à legitimidade se assentava basicamente na associação daquela primeira com a responsabilidade. Sem se desviar de sua rota, a ditadura labutava para encontrar formas inéditas de apelo à adesão. Sem incorporar novas forças sociais ao processo político, mas sim, numa operação de crescente concentração do poder, o regime buscava incessantemente fórmulas de aceitabilidade no interior dos diversos setores sociais.

A pretensão de legitimidade não significava, portanto, uma forma de estabelecer limites ao poder ditatorial, uma vez que tais limites somente podem ser fixados com base na capacidade operacional das diversas forças sociais. E isto o regime lutava para cortar na raiz, insistindo sempre que esta devia ser substituída pela não-contestação, pela harmonia, pela integração, dentre outras.

Na suposta consubstancialidade entre as aspirações do povo e das Forças Armadas, no sentido de construção de uma nova legalidade, é que o regime indicava, já nos primeiros pronunciamentos em nome do movimento de março de 1964, o local em que ele procuraria assentar a sua busca de aceitabilidade, a qual não se deu, evidentemente, apenas através da elaboração

 

 

de um sistema de idéias e valores sobre um suposto propósito democrático, mas ele se constituiu numa espécie de desaguadouro para se justificar todas as medidas e ações da ditadura.

O apelo à legitimidade passava a figurar, nos pronunciamentos e ações do grupo de poder da ditadura, através de um elo que se tentava estabelecer entre o regime militar e sua suposta natureza intrinsecamente democrática.15 No entanto, a especificidade deste processo estava no fato de que ele se empenhava em deixar claro, também, que não seria admitida contestação de sua legitimidade, pois ele contava com os meios de se fazer obedecer. Os atos de exceção postos em vigor no transcorrer dos governos ditatoriais podem ser citados como a expressão mais evidente de que as respostas às suas ordens tinham de ser sempre favoráveis aos interesses do regime político que vigia no país.

Por que razão a ditadura militar assentava a sua pretensão de legitimidade na formulação de um suposto ideário de democracia? Seguindo a perspectiva de que a única legitimidade possível é a democrática, a questão poderia ser respondida da seguinte forma: o regime via-se desafiado pela necessidade de justificar todos os seus atos e ações através da elaboração de um sistema de idéias e valores sobre uma supositícia democracia, a qual era mostrada como o fundamento de todo processo alavancado pelas novas condições que se estabeleciam. 16

No entanto, faz-se necessário dar conta de outros elementos neste processo de busca de reconhecimento pela ditadura entre os diversos segmentos sociais através da invenção de um suposto ideário de democracia. A complexidade daquele processo estava no fato de que os condutores do regime partiam da perspectiva de que eles ganhariam adesão à sua proposta de organização se conseguissem uma opinião pública cada vez mais favorável a seus feitos e intenções. Bertrand de Jouvenel, em As Origens do Estado Moderno, afirma que este processo faz parte do princípio da legitimidade democrática.17 Tem-se, então, a ditadura militar lutando para situar a sua forma de busca de aceitabilidade e adesão dentro de um princípio que não era, de maneira alguma, o seu.

A invenção de um suposto sistema de idéias e valores sobre a democracia mascarava o fato de a natureza de seu princípio de legitimidade ser autocrática. As estratégias políticas, econômicas, militares e psicossociais demonstravam que a busca de

 

 

reconhecimento estava assentada contundentemente num árduo processo de conversão, de todos os grupos sociais, para o seu projeto político. Tentava-se, assim, amenizar a natureza ditatorial desta forma de apelo à adesão e ao reconhecimento.

É essencial assinalar, então, que não se partiu, neste trabalho, da perspectiva que pensa a legitimidade somente enquanto parte do processo democrático. Ou seja, todos os regimes, mesmo os ditatoriais, empenham-se desatinadamente na busca de meios para alcançar adesão e aceitabilidade.18 No entanto, a forma como eles o fazem são distintas e, indiscutivelmente, singulares. É exatamente esta particularidade que alinhavará esta análise.

Pode-se mencionar como parte deste processo singularizado de busca de legitimidade, somente a título de exemplo, que a ditadura inventava um ideário de democracia pautado no processo de sedimentação de um sistema de idéias e valores em que a questão da segurança nacional, da ordem, da preservação da família, do saneamento moral, etc. sobrepunham-se em absoluto às questões relativas aos direitos políticos e individuais, dentre outros. A idéia de direito, nos moldes desenvolvidos historicamente, estava completamente ausente.

Assim, torna-se possível entender a natureza do princípio de legitimidade da ditadura, a qual estava pautada na sedimentação de um corpo de valores que enaltecesse continuamente aquele regime de tal maneira que ele obtivesse um grau significativo de aceitabilidade e adesão para possibilitar a construção de uma determinada forma de sociedade.

 

Os valores sociais como uma dimensão essencial para se compreender a pretensão de legitimidade da ditadura militar: a Escola Superior de Guerra (ESG) e seu papel na articulação da denominada estratégia psicossocial

 

A discussão desenvolvida, neste trabalho, em torno dos valores sociais seguiu os ensinamentos de Gurvitch de que “a sociologia não tem que se inquietar com a questão de saber se as

 

 

idéias e valores são irredutíveis aos atos coletivos que os apreendem e realizam, se são seus produtos ou se limitam a constituir elementos do real. O que interessa unicamente ao sociólogo é o fato de, entre os planos sobrepostos da realidade social, se afirmar uma camada de ideais e valores que se encontra, como qualquer outra camada, integrada ao fenômeno social total e em relação dialética com ela e com os restantes planos”. 19

Nesta passagem, Gurvitch, menciona os elementos centrais da problemática dos valores nas principais perspectivas teóricas nas ciências sociais. Ele procura, porém, ao definir o plano dos valores como integrado ao fenômeno social total, mostrar que há uma relação de organicidade entre este último e o plano objetivo. Acredita-se que neste aspecto especificamente a posição de Gurvitch se aproxima de modo significativo de Gramsci, que também estava fundamentalmente preocupado em estabelecer esta relação orgânica entre o plano dos interesses e o dos valores.

Tentou-se, neste trabalho, situar a problemática da relação entre os valores e o plano objetivo proximamente das perspectivas colocadas por Gurvitch e Gramsci, o que não implicou, porém, na suposição de que há um plano de identificação absoluta entre eles. Ou seja, no que tange a esta questão especificamente, verifica-se pontos de conexidade entre as questões levantadas pelos dois à medida que o primeiro insiste na necessidade de se pensar os valores como um plano constituinte da realidade social enquanto o último partia do pressuposto de que as relações sociais somente são inteligíveis na medida em que os homens forem tomados, ao mesmo tempo, como um bloco histórico de elementos subjetivos e objetivos .

Partiu-se, aqui, do pressuposto de que são as relações sociais que tornam os valores inteligíveis e não o sentido da conduta dos agentes sociais aqui analisados.20 Não se tomaram, também, os valores subjetivos como representações falseadas da realidade social, mas sim como uma de suas dimensões constituintes. Convém esclarecer que a tentativa dos militares em constituir e exaltar um corpo de valores que servisse como moldador de todas as relações estabelecidas pelos diversos setores sociais exigiu que esta investigação levasse em conta tanto o plano econômico-social objetivo como também o plano subjetivo em que o grupo de poder,

 

 

principalmente a sua fração militar, se empenhava arduamente em generalizar os seus valores para a sociedade como um todo. Para Gramsci, por exemplo, é na articulação destes dois planos que se fundam as relações sociais,21 por isso ele é considerado o teórico que conseguiu dar a eles organicidade.

O empenho da ditadura militar visando criar um corpo de atitudes coletivas favoráveis aos seus feitos e propósitos é absolutamente complexo, tendo em vista que, como afirmava Gurvitch, “o domínio das atitudes é (…) o domínio dos imponderáveis na realidade social”.22 No entanto, no transcorrer desta pesquisa, ficou evidente a dificuldade e a importância de entender como o regime se debatia para construir o que o último autor citado denominava de reciprocidade de perspectivas entre os diversos grupos sociais.23 Isto é, assistia-se a uma luta do regime em todos os recônditos da vida social visando fixar aqueles valores que possibilitariam atingir um amplo processo de homogeneização e padronização das atitudes, condutas e comportamentos.

A pretensão de legitimidade autocrática24 , por exemplo, dava-se a partir da recorrência constante a um conjunto de valores e medidas que eram, segundo o regime, expressão da singularidade da democracia almejada pelo povo brasileiro. Quanto mais o círculo do poder se fechava, mais os representantes da ditadura insistiam em elaborar um suposto sistema de idéias e valores sobre uma democracia que reiterava, segundo eles, os desejos e a mentalidade cristã da sociedade no sentido de preservação do senso de dever e de autoridade.

A articulação da autoridade a partir do movimento militar de 1964 passava, assim, pela formulação de um sistema de valores e idéias sobre uma suposta intenção democratizante que aparentemente revestia todas as ações e medidas postas em prática naquele momento. Buscando reconhecimento a seus valores, o regime empenhava-se em acentuar a sua disposição em proteger e desenvolver os valores relacionados à família, à escola, à propriedade, dentre outros.

O apelo do grupo de poder da ditadura à adesão dos demais grupos sociais confundia-se, indubitavelmente, com a justificação do poder que a mesma possuía de restaurar a ordem e a legalidade.

 

 

Os valores de preservação da família, da escola, da harmonia no trabalho, da propriedade, da obediência às normas políticas e jurídicas que se estabeleciam, eram apontados pelo regime como garantidores de uma suposta ordem democrática e da suposta forma de sociedade que estaria sendo criada.

O regime militar buscava aceitabilidade exaltando a valorização da instituição família sob um viés singularizado. Ou seja, ele se empenhava em enfatizá-la como expressão de um dos objetivos principais do movimento de 1964. A partir dessas questões, o regime se empenharia em se legitimar através de um suposto ideário de democracia que propagava a remodelação do Estado a partir da valorização da instituição família e de todos os valores que lhe fossem inerentes.

O fortalecimento da família enquanto instituição máxima de internalização e sedimentação dos valores propagados pela ditadura significava, segundo os condutores do regime, o fortalecimento do Estado no sentido almejado pelo movimento de 1964. A exaltação dos valores de integração, harmonia, ordem e disciplina tinha, na família, segundo o regime, seu interlocutor fundamental.

A vinculação, pelo regime militar, de sua suposta democracia a estes valores fazia parte da estratégia denominada de psicossocial pelo gal. Golbery do Couto e Silva.25 O estreitamento da relação entre a suposta intenção democratizante do grupo de poder e os valores ligados à preservação da família, à remodelação da escola segundo os padrões do novo regime, à proteção da propriedade, ao direito de crença religiosa, dentre outros, apreendia, indubitavelmente, a subjetividade de uma larga maioria de indivíduos e/ou grupos sociais.

Pode-se dizer, então, que a busca de adesão e reconhecimento pelo regime militar fundava-se, também, em valores que foram perspicazmente filtrados da própria sociedade. A ditadura foi relativamente bem sucedida em seus propósitos porque ela se empenhava em firmar seu suposto ideário de democracia em valores socialmente atuantes e de grande significado para os diversos segmentos sociais.

Nessas condições, o gal. Castello Branco advertia que a (hipotética) proposta de democracia do regime em vigor possuía

 

 

raízes muito mais profundas do que poderiam imaginar aqueles que contestavam o estado de coisas que se instaurava. Imediatamente, ele remetia as suposições sobre a natural vocação democrática da ditadura que se instaurava ao próprio povo que havia se rebelado e se associado às Forças Armadas.26

Era esclarecedora a observação do presidente Castello Branco de que a proposta da ditadura de resgatar determinados valores possuía raízes profundas. Era em torno desses elementos tidos como inerentes à mentalidade do povo brasileiro que os governos militares elaboravam tanto o seu sistema de idéias e valores quanto as suas medidas e ações na busca incessante de aceitabilidade entre os diversos setores sociais.

A pretensão de legitimidade do regime militar somente pode ser compreendida tendo em vista a atuação de seu grupo de poder para instaurar um processo social no qual se visava criar as condições para potencializar os valores tidos pela ditadura como essenciais e mantenedores da sociedade brasileira. O regime em vigor pretendia, assim, a partir e através destes valores, atuar no sentido de construção de uma ordem social na qual aqueles valores deveriam ganhar proeminência absoluta.

O regime militar considerava que o campo psicossocial se constituía num solo enormemente fértil para se travar uma verdadeira batalha no processo de busca de sua legitimidade. Para alcançar tal objetivo, os seus condutores e ideólogos consideravam importante adquirir um sólido conhecimento sobre a composição da população no que diz respeito à sua distribuição espacial, às migrações, ao seu grau de educação, cultura e adestramento técnico. A estratégia psicossocial teria, então, que ser construída a partir da compreensão da estrutura e da dinâmica sociais e psicológicas, as quais envolveriam o desenvolvimento de formas de atuação sobre os padrões culturais, atitudes sociais e mentalidades de todos os brasileiros.

No âmbito subjetivo, a busca de adesão e reconhecimento estava, então, atravessada por este processo denominado psicossocial, o qual englobava os campos, segundo o gal. Couto e Silva, “cultural e o propriamente social, stricto sensu”.27 A internalização e a aceitação dos valores apresentados como fundantes do regime militar deveriam, assim, ser feitas por todas as instituições da sociedade. Ou seja, através das escolas, famílias,

 

 

empresas, associações de classes, sindicatos, universidades, Forças Armadas, dentre outras.

No que tange à fortificação e divulgação de determinados valores (principalmente os anticomunistas) considerados geradores da ordem social almejada pelos militares, pode-se dizer que o regime possuía, nesta esfera, os pés fincados na doutrina formulada pela Escola Superior de Guerra.28  A estratégia de legitimação do regime através de um suposto ideário de democracia assentava-se nos fundamentos psicossociais desenvolvidos pela ESG como um instrumento de ação fundamental para resolver o problema da segurança nacional.29 Desde a sua criação no final da década de 40, os ideólogos

civis e militares daquela escola afirmavam que os problemas “em aparência os mais materiais: – trabalho mecânico, produção, economia – não serão bem resolvidos senão por meio de valores ideais. Toda força temporal se tem de apoiar em força espiritual. Não nos olvidemos porém: cada momento histórico possuí seus grupos sociais, com características próprias, jungidos aos elementos que os cercam e os conduzem, às forças espirituais que os singularizam e definem. Se ficarmos atentos às qualidades típicas que nos caracterizam e procurarmos agir, guiados por elas, teremos dado o passo mais acertado para nos realizarmos vitoriosamente. Não nos esqueçamos, pois, de que os fundamentos psicossociais das nações diversificam-se de acordo com o meio natural, as tradições, as aspirações, o tipo de cultura”.30

Os textos que compõem a coletânea Geopolítica do Brasil, escritos entre 1959 e 1960 pelo gal. Golbery do Couto e Silva, demonstravam uma enorme preocupação com os fatores relativos aos caminhos que tomavam, no Brasil, os valores que, segundo ele, estavam desconectados da índole e da cultura do povo brasileiro. Portanto, era preciso resgatar, através da elaboração de uma estratégia psicossocial, os verdadeiros valores constituintes e definidores da organização social brasileira. Isto não poderia ser feito, afirmava ele, dentro do sistema de poder vigente naquele momento.31

Era preciso, afirmava Couto e Silva, fortalecer o poder nacional de maneira que fosse possível atuar sobre as condições objetivas e subjetivas. Ficava subentendido, desta forma, que

 

 

somente a instauração de um outro regime político, o qual deveria ser conduzido por aqueles que tivessem condições de agir no sentido do fortalecimento do poder nacional. Ele estava se referindo, certamente, aos militares.

 

Temos, assim, na cúpula da Segurania Nacional, uma estratégia, por muitos denominada Grande Estratégia ou Estratégia Geral, arte da competência exclusiva do governo e que coordena, dentro do conceito estratégico fundamental, todas as atividades políticas, econômicas, psicossociais e militares que visam concorrentemente à consecuião dos objetivos nos quais se consubstanciam as aspiraiões nacionais de unidade, de segurania e de prosperidade crescente. A essa estratégia se subordinam, pois, tanto a Estratégia Militar como a Estratégia Econômica, a Estratégia Política e uma estratégia psicossocial, as quais se diferenciam umas das outras pelos seus campos particulares de aplicaião e pelos instrumentos de aião que lhes são próprios, embora nunca deixem de atuar solidariamente, seja no tempo, seja no espaio.32

 

A doutrina da ESG subdividia o poder nacional em quatro poderes, ou seja, em políticos, econômicos, militares e psicossociais.33 O regime militar instaurado em 1964 se filiava, desde o seu início, a estes fundamentos.34 A formulação da Escola Superior de Guerra sobre os aspectos psicossociais foi, indubitavelmente, o fio condutor seguido pela ditadura no seu intento de ganhar aceitabilidade e adesão para os seus propósitos a partir da constante divulgação de que ela estava preocupada com o desregramento dos costumes e o desrespeito aos valores mantenedores das instituições básicas da sociedade e de sua fórmula de democracia.

Prevalecia entre os preparadores do golpe de 1964 a idéia de que ou a democracia se renovaria de acordo com os símbolos de integração e coesão social para abrir caminho para extirpar todo e qualquer antagonismo no campo dos valores e das ações dos diversos indivíduos e/ou grupos, ou a sociedade brasileira se encaminharia no sentido do aniquilamento.35

O suposto ideário de democracia desenvolvido e divulgado pelo regime tinha como base estes elementos psicossociais, os quais começaram a ser elaborados antes do golpe de 1964. A idéia de

 

 

democracia com responsabilidade propalada por grupos civis e militares (IPES, IBAD, ESG, CONCLAP, etc.) nos anos de 1950 e início de 1960 embasaram e impulsionaram a justificação do movimento militar como fator de criação e proteção dos valores que, segundo eles, eram os salvadores dos valores mais caros para a maioria dos brasileiros.

 

O instrumento da aião estratégica, nesta era de guerras totais, só pode ser o que resulta da integraião de todas as forias nacionais, de todos os recursos físicos e humanos de que dispõe cada naião, de toda a sua capacidade espiritual e material, da totalidade de meios econômicos, políticos, psicossociais e militares que possa reunir para a luta de seu poder nacional, em suma.36

 

Os elementos psicossociais deveriam, então, para os militares e civis que articularam e sustentaram o golpe de 1964, se constituir em um dos fundamentos do poder nacional e, por conseguinte, do Estado que se objetiva criar, a partir de um amplo conhecimento das tradições, aspirações, sonhos, desejos, enfim, todos os elementos constituintes da cultura do povo brasileiro.37 Para isso, a Escola Superior de Guerra convocava, durante

o regime militar, os indivíduos afinados com a sua doutrina e que pudessem prestar informações e esclarecimentos sobre os aspectos básicos da cultura do povo brasileiro.38 O conhecimento destes elementos serviriam, assim, como formuladores dos fundamentos psicossociais que embasariam a elaboração de um suposto ideário de democracia e, por conseguinte, o processo de busca de adesão ao regime militar. Alguns intelectuais brasileiros, como Antônio Carneiro Leão, esclareciam cuidadosamente para a Escola Superior de Guerra quais os caminhos que ela deveria seguir para conhecer e, posteriormente, organizar e reorientar a conduta e/ou os valores do povo brasileiro de maneira geral.

A segurança nacional dependia, assim, para os civis e militares que compunham a ESG antes e durante o regime militar, de uma ampla sondagem que deveria ser feita por diversos pesquisadores sobre as condições naturais, culturais e sociais em todo o território nacional. O objetivo deste processo era detectar os sentimentos, a mentalidade, as atitudes, as aspirações, os sonhos, os desejos, os ideais, enfim, todos os valores que moviam e organizavam a vida social brasileira.

 

 

O apelo à legitimidade centrado num pretenso ideário de democracia era feito pela ditadura durante toda a sua vigência partindo, então, do pressuposto de que o regime conhecia o sentido das ações sociais dos diversos grupos sociais brasileiros. Desta forma, os integrantes do grupo de poder estabeleciam uma verdadeira batalha para mostrar que os objetivos do movimento de 1964 se enquadravam perfeitamente dentro dos anseios e aspirações da maioria do povo brasileiro.

O regime militar seguia rigorosamente, no que diz respeito aos fundamentos psicossociais, a orientação da Escola Superior de Guerra. Ou seja, a tentativa de construção de legitimidade pela ditadura partia, assim, da perspectiva de que o conhecimento das ações e atitudes da maioria da população tinha que servir como subsídio para a formulação do suposto ideário de democracia que nortearia aquele processo.

Nessas condições, as diversas instituições deveriam ser, segundo os condutores do regime, cooptados. A família, a escola, as associações em geral tinham que reproduzir o processo de direcionamento das ações e atitudes dos indivíduos aos objetivos da ditadura. O processo de tomada de conhecimento das mesmas serviriam, então, como um indicador de direção e não como um determinador absoluto das medidas tomadas nas diversas esferas sociais.

Os fundamentos psicossociais deveriam, portanto, servir como um instrumento básico de formulação de um sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia, a qual embasaria a busca de legitimidade pelo regime militar. Através deles seria possível alcançar, segundo os seus condutores, adesão e aceitabilidade para as medidas políticas, econômicas e militares. A Escola Superior de Guerra pretendia ter um papel fundamental neste processo. Tanto que ela se dizia incumbida, desde o golpe de 1964, de organizar atividades das entidades civis (sobretudo nos meios universitários e sindicais) naquele sentido.39 De acordo com os documentos publicados pela Escola Superior de Guerra era visível que o regime objetivava travar uma verdadeira batalha de doutrinação para convencer a população de que os seus métodos, ações, medidas, objetivos e desígnios se consubstanciavam com os anseios da grande maioria

 

 

da população. O denominado Plano de Ação Psicológica (denominado também de plano de Ação Democrática) da ESG pretendia, então, ser um dos principais subsídios na busca de legitimidade para o regime vigente.40

O regime militar, através de seus condutores, insistia no processo de convencimento da população sobre os aspectos psicossociais da segurança nacional. Nesse processo, a ESG desempenhava um papel fundamental. Seus ideólogos, no governo e/ou fora dele, se incumbiam de encontrar e de divulgar supostos pontos de conexidade entre os valores fundamentais das instituições, grupos e indivíduos e as atitudes, ações e medidas tomadas pelo grupo de poder.

Seguindo orientação do sociólogo Antônio Carneiro Leão,41 a ESG batalhava para que o regime estabelecesse uma determinada ordem social na qual fosse possível controlar desde a emoção até a moral dos diversos indivíduos e grupos sociais. A ditadura, segundo os doutrinadores da ESG, conseguiria, assim, construir sua aceitabilidade, se ela fosse capaz de corrigir os desvios de hábitos e de comportamentos que fossem surgindo no transcorrer de sua vigência.

A insistência do regime em eliminar posturas contestatórias, bem como todo e qualquer conflito para se chegar a uma suposta sociedade harmônica e coesa revelava os elementos centrais de sua pretensão de legitimidade; a qual estaria completamente conquistada no momento em que o regime tivesse obtido coesão, civismo, apego aos valores da ordem e da disciplina. A eficiência deste processo seria alcançada, não somente, mas principalmente, através de sua estratégia psicossocial que, segundo ele, possibilitaria atingir uma máxima integração entre a ação de seus condutores e o pensamento dos diversos segmentos sociais. Isto expressaria o alto grau de interação dos setores que faziam parte do grupo de poder com a maioria dos demais componentes da sociedade brasileira.

Atuar no âmbito subjetivo era, sem dúvida, considerado pelos condutores da ditadura essencial no processo de sua manutenção, uma vez que garantia as condições psicossociais da segurança nacional.42 A tarefa dos setores dirigentes tornar- se-ia cada vez mais fácil à medida que os objetivos e desígnios

 

 

da ditadura fossem internalizados pela maioria da população brasileira, a qual deveria passar a acreditar de maneira absoluta que a liberdade não poderia ultrapassar os limites traçados pelos seus condutores, pois ela poderia conduzir a sociedade a uma verdadeira barbárie.

O regime militar entendia, nos moldes da Escola Superior de Guerra, que a busca de sua legitimidade estaria fundada, consideravelmente, nos elementos psicossociais, os quais se pautavam na criação de valores (e/ou na sublevação daqueles já existentes e que fossem compatíveis com os seus objetivos) condizentes com a nova ordem social que exigia um amplo senso de dever e de refutação de toda e qualquer idéia que pudesse levar ao comunismo. Isto exigia, então, o desenvolvimento de um tipo de mentalidade harmoniosa, a qual a ditadura denominava de democrática, que rejeitasse todo e qualquer conflito e/ou rivalidade entre as diferentes classes e grupos sociais.43

Desde o imediato pós-golpe, o regime passava, então, a investir seus esforços para colocar em funcionamento os instrumentos e técnicas de ação indicados pela Escola Superior de Guerra como divulgadores e internalizadores dos valores condizentes com a sociedade pretendida por ele.44 A família, a escola, os grupos de pressão, as associações de pais e professores, as associações de mães, a imprensa, o rádio, a televisão deveriam, segundo a ditadura, ter suas ações e convicções voltadas inteiramente para a construção da ordem, harmonia, coesão e integração nacional.

Sob todos os aspectos, a educação tinha que ser estruturada de forma que ela fosse capaz de criar as condições para legitimar o regime; o que significava adaptar e ajustar as gerações vindouras aos valores concebidos como essenciais pela nova ordem social que estaria sendo criada. A ditadura militar possuía, assim, um projeto de homogeneidade. A insistência na inculcação dos valores patrióticos através dos símbolos nacionais fazia parte das características motivadoras de sua pretensão de legitimidade45; as quais podem se explicadas sociologicamente tendo como ponto de partida que, como afirmava Gerth e Wright Mills, “a violência do exército nacional moderno está legitimada por símbolos e sentimentos de nação e sua causa”.46

 

 

Nas esferas sociais, econômicas, políticas e, até mesmo militares, não foi possível ao regime trilhar o caminho traçado pela Escola Superior de Guerra. Ou seja, como será visto nos capítulos posteriores, no plano objetivo, a ditadura se deparava com inúmeros problemas inusitados, tendo em vista o jogo estabelecido entre as diversas forças sociais, inclusive dentro do próprio grupo de poder.

A doutrina da ESG tentava elaborar fórmulas de condução de todas as esferas da vida social (econômica, política, social e cultural).47 Ela se empenhava, a partir do golpe de 1964, em interferir e direcioná-las de acordo com os seus propósitos e objetivos; o que foi, evidentemente, difícil e nem sempre se logrou os resultados almejados. No entanto, este capítulo tem a intenção de mostrar que no plano subjetivo e/ou dos valores sociais a orientação básica de ação da ditadura era dada essencialmente pela Escola Superior de Guerra.

Analisando os documentos públicos daquele órgão, tais como: Segurania e Desenvolvimento, Doutrina básica, Fundamentos da doutrina, Complementos da doutrina e Manual básico da ESG detecta-se que a Escola Superior de Guerra ditava as linhas básicas de ação para o regime no que diz respeito à forma de atuação no plano subjetivo.48 Ou seja, a busca de reconhecimento e adesão pela ditadura, neste âmbito, era totalmente orientada pela perspectiva de que a segurança nacional tinha como fundamento a garantia de valores que resguardassem a nação das investidas contrárias aos fundamentos da família, da pátria e da propriedade, dentre outros.49

O suposto ideário de democracia que o regime lutava para formular estava, então, centrado na doutrina da Escola Superior de Guerra sobre a necessidade de que a ditadura promovesse o estabelecimento de uma ordem social que resguardasse os valores garantidores da nação e de sua integridade ética e moral. As ações psicossociais agiriam como uma espécie de salvaguarda dos objetivos nacionais, ou seja, minando toda e qualquer possibilidade de ação adversa a eles.50

O sentido das ações dos diversos atores sociais tinha, então, que dar substância ao conjunto de valores socialmente atuantes e integradores da sociedade brasileira. A Escola Superior de Guerra

 

 

se dizia incumbida de se inteirar, profundamente, dos valores que expressavam com maior nitidez o conjunto das relações sociais brasileira e agir de forma que eles fossem sempre destacados como os garantidores da sociedade, da nação e do Estado. Isto embasou, indubitavelmente, a atuação do regime na constituição de seu pretenso ideário de democracia e de sua busca de legitimidade.

A estratégia psicossocial deveria, então, enfatizar que os valores de preservação da família, da moral, dos costumes, da pátria, do patriotismo e da propriedade eram o fundamento do próprio regime em vigor naquele momento. A consubstanciação destes valores presentes na maioria dos segmentos sociais com aqueles defendidos pelos condutores do regime era, assim, o elemento central do ideário de democracia que fundamentava o seu intento de se legitimar.

O campo psicossocial (um elemento básico do poder nacional, segundo a ditadura) se constituiria, então, segundo os doutrinadores da ESG e os condutores do regime, em terreno fértil para a construção da aceitabilidade das condições econômicas, sociais e políticas que se estabeleciam, tendo em vista que a estratégia neste campo reunia todos os requisitos para atingir a “população como um todo, considerada sob os aspectos quantitativos e qualitativos”.51

Objetivamente havia uma maior dificuldade do regime no campo econômico, por exemplo, em convencer a população como um todo de que as medidas postas em prática eram favoráveis e benéficas a todos os setores sociais, na medida em que a luta entre interesses diversos era mais evidente. No entanto, no campo psicossocial e/ou subjetivo a ditadura tentava desencadear um processo em que ela fosse aceita por todos os indivíduos, grupos e instituições.

A insistência da ditadura em mostrar que a preservação de determinados valores sociais expressava os anseios da população como um todo e não de qualquer um de seus segmentos em separado remetia, seguramente, à sua pretensão de legitimidade. A adesão aos seus atos, medidas e ações, bem como a seus desígnios passava, indubitavelmente, pelo plano subjetivo. Nessas condições, a pretensa democracia que o regime se dizia incumbido de criar seria ajustada e disciplinada num campo mais abrangente que o político, ou seja, no campo psicossocial.

 

 

Era visível o empenho da ditadura para convencer a população de que a sua fórmula de democracia estava ligada a um processo de internalização dos valores que, segundo ela, fundamentavam o movimento militar e seus desdobramentos. Seguindo as trilhas da Escola Superior de Guerra, os condutores do regime insistiam, arduamente, em que eles estavam buscando um modo de democracia que eliminasse, no plano dos valores sociais, os antagonismos e as pressões potenciais e/ou presumíveis.52

O combate a toda e qualquer forma de antagonismo passava a balizar a estratégia psicossocial posta em prática pelo regime militar. A construção de uma consciência nacional voltada para a criação e a preservação de condições para o progresso econômico, a soberania política e a evolução moral e cultural do povo brasileiro era apontada como o fundamento de todas as ações e medidas do regime militar, inclusive e principalmente, de seu suposto ideário de democracia.

A cristalização de interesses e de valores sociais era, durante a ditadura, mostrada como a essência daquele processo político. Seguindo a doutrina da ESG no que diz respeito aos denominados grandes “objetivos nacionais”, o regime militar tentava construir sua legitimidade a partir de uma idéia de desenvolvimento (econômico) e de evolução (moral e cultural) que se pautava na idéia de segurança nacional; a qual passava, por sua vez, a justificar todos os seus atos e desígnios.53

O suposto ideário de democracia inventado pelo regime partia, então, do pressuposto de que era necessário desenvolver uma estratégia psicossocial que proporcionasse uma constante integração entre o povo brasileiro e o regime em vigor; o que significava, acima de tudo, a criação de mecanismos de aprovação da ditadura e de seus métodos de tratar os problemas em todas as esferas da vida social.54

A pretensão de legitimidade da ditadura passava, sem dúvida alguma, pela relação estabelecida pelo regime entre interesses e valores sociais. A Escola Superior de Guerra orientava os governos militares no sentido de que eles deveriam divulgar constantemente que “os interesses e aspirações do grupo, da nação ou do Estado (estariam), por conseguinte, associados às aspirações supremas do indivíduo”.55

 

 

A imbricação entre interesses e valores no ideário de democracia do regime se daria, então, através da estratégia psicossocial; a qual deveria atuar continuamente no sentido de construção da aceitabilidade e adesão da maioria da população aos propósitos e desígnios da ditadura. No entanto, para o regime, era preciso despender muitos esforços para vencer as dificuldades de atuar sobre a estrutura psicossocial.56 Fazia-se necessário, então, estabelecer projetos nas áreas educacionais para se conseguir, segundo os condutores do regime, impulsionar a incorporação de todos ao projeto de integração nacional pretendido pelo movimento de 1964.

A adesão ao regime dependia, assim, segundo os seus ideólogos e condutores, da capacidade de direcionamento do sentido das ações dos diversos segmentos sociais. Isto implicava numa luta constante para captar a subjetividade dos indivíduos e grupos sociais. Esta preocupação esteve presente não somente durante todo o regime militar, mas também no período de preparação do golpe que se concretizou em 1964.

Em abril de 1962, o Mar. Humberto de Alencar Castello Branco fez um pronunciamento na Escola Superior de Guerra cuja preocupação central era, já naquele momento, com as possibilidades e condições de legitimidade de um possível novo regime. “Impõe-se, antes de tudo, a legitimidade do poder político nacional, caracterizado sobretudo por sua origem. (…). A legitimidade assenta, portanto, em fatos. Sua origem está na proveniência da escolha, mediante um consenso vitorioso expresso por todos os capacitados para escolher seus delegados no poder. Identifica o indivíduo com o poder”.57

Os doutrinadores da ESG, nos primeiros anos de 1960, preparavam o terreno para atestar a aceitabilidade de um possível novo regime que despontava como uma possibilidade cada vez mais próxima. Em 1962, Castello Branco afirmava que era “também legítimo o poder oriundo de uma revolução vitoriosa, desde que, num prazo que não implique usurpação, garanta a legitimidade de sua continuação pelo voto”.58

Antes mesmo de o golpe militar se concretizar, era visível a preocupação de seus mentores com a questão da busca de legitimidade, a qual deveria atingir as diversas esferas da vida social (econômica, política e psicossocial). Os indivíduos e os

 

 

grupos sociais deveriam estar em comunhão com o poder, ou melhor, procurava-se, nos últimos anos que antecederam o golpe, formas de mostrar que havia uma suposta consubstancialidade entre os anseios e aspirações do povo brasileiro com o novo regime que estaria sendo preparado.

A ditadura militar se empenhou arduamente em cooptar todos os indivíduos, grupos e instituições para o seu projeto de sociedade; o que será fartamente trabalhado nos capítulos posteriores. O caminho seguido na tentativa de construção de sua legitimidade já estava, porém, delineado antes mesmo de 1964.59 Ficava estabelecido que o povo deveria ser convencido de que ele necessitava ser orientado por aqueles que tivessem condições de assegurar-lhe proteção, ou seja, as Forças Armadas. Os meios, as condições e as possibilidades de que ele se reconhecesse no regime adviriam, então, deste processo.

A Escola Superior de Guerra tinha um papel central neste processo uma vez que ela se dizia incumbida de formar indivíduos que seriam encarregados de repassar para outros os seus ensinamentos.60 Eles atuariam como uma espécie de elite subordinada ao poder nacional que estaria sendo comandado pelas Forças Armadas.

A insistência dos condutores da ditadura em que os valores sociais deveriam ser cuidadosamente examinados e, caso fosse necessário, corrigidos para que se resolvessem os desvios de atitudes, comportamentos e sentimentos era coincidente, sob todos os aspectos, com a doutrina formulada e defendida pela ESG durante o regime militar, a qual não escondia em nenhum momento que o seu papel era de preparar pessoas capazes de assessorar os altos escalões governamentais.

 

O primeiro governo revolucionário, tendo à frente a figura invulgar do presidente Castello Branco, antigo chefe do Departamento de Estudos desta casa (ESG), soube aproveitar-se do magnífico método de formulaião da política nacional adotado por este instituto em seus experimentos teóricos doutrinários. Estendeu a todos os setores do governo o método de análise e avaliaião dos fatores políticos, econômicos, psicossociais e militares, assim como difundiu a técnica de planejamento, ambos aqui exercitados.

 

 

Os efeitos benéficos da difusão, pelos egressos da ESG, da metodologia e do hábito de planejamento, levados a todos os recantos do País onde ocupam posiiões de destaque nos governos federal e estadual e nas grandes empresas produziram, sem dúvida, uma admirável unidade de vista e convergência de objetivos, com o que a maior parte de nossa elite aprendeu a analisar e a compreender os problemas magnos da nacionalidade.61

 

Doutrinadores da Escola Superior de Guerra ocupavam- se, em meados de 1970, em demonstrar que os diversos presidentes militares haviam permanecido fiéis àquele instituto, principalmente no que tange às estratégias psicossociais. O maior destaque era dado para Médici e Geisel, os quais teriam trabalhado com enorme afinco para construir as condições para alcançar a legitimidade do regime em vigor a partir da orientação elaborada por aquela escola.

O gal. Antônio Jorge Corrêa, ministro chefe do Estado- Maior das Forças Armadas, em conferência na ESG em 1976, afirmava que o presidente Médici tinha atuado durante todo o seu governo, “dando prova de fidelidade à doutrina da revolução e, de modo explícito ou implícito, reconhecendo que os fundamentos desta doutrina haviam sido extraídos dos estudos da ESG”.62 O mesmo poderia se dizer de Geisel que em nenhum momento, segundo Corrêa, havia deixado de vincular os objetivos da revolução aos objetivos da ESG.

Em 1981, o presidente da república, gal. João Batista Figueiredo destacava em sua Mensagem ao Congresso Nacional o papel que a ESG vinha desempenhando neste processo de assessoramento do regime militar. Ele dizia que “a Escola Superior de Guerra, órgão subordinado ao EMFA, desempenhou, com êxito, importante papel na formação de assessores de alto nível, civis e militares, pertencentes aos mais variados setores das atividades nacionais. Dentro da diretriz recebida do EMFA, foi realçado o estudo e aperfeiçoamento da Doutrina de ação política no âmbito do curso Superior de Guerra e incrementada a contribuição do curso de Estado-Maior e Comando das Forças Armadas para o aprimoramento da Doutrina Militar. (…) Assinale-se ainda a profícua atividade da associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, que através de ciclos

 

 

de estudos realizados nos diversos Estados da Federação vem difundindo os ensinamentos da ESG e proporcionando novos conhecimentos, em prol do aperfeiçoamento das classes dirigentes.”63

O exame dos documentos da Escola Superior de Guerra deixa evidenciado que não houve mudança significativa e/ou modificação de sentido e/ou orientação em seus objetivos e doutrinas no transcorrer do período de 1964 a 1984. Há um fio condutor que seguiu imutável mesmo com as mudanças na conjuntura econômica e política. E este se situava no âmbito da estratégia psicossocial; o que ficará visível nos capítulos posteriores.

Segundo a ESG, o Brasil possuía os requisitos para chegar a grande potência, no entanto, faltava ao país governantes com capacidade de planejamento e execução.64 A hipotética democracia disciplinada que o regime dizia estar criando, durante toda a sua vigência, objetivava convencer a população de que os governos militares eram os únicos com capacidade de inovar o país. Isto fazia, evidentemente, parte de sua estratégia psicossocial. Ou seja, as medidas tomadas pelo regime nas esferas econômica e política eram justificadas no âmbito desta última, o que revelava um processo ordenado de busca de legitimidade para as suas ações, medidas e desígnios, do qual participou com afinco a Escola Superior de Guerra.

O caráter ditatorial do regime militar ficava absolutamente evidenciado através da análise de sua denominada estratégia psicossocial, a qual revelava a busca de uma total homogeneização da sociedade brasileira. Ou seja, lutava-se para criar uma ordem social em que não cabia nenhuma diferença de pensamento, comportamento, atitude e/ou sentimento. O regime dizia-se incumbido de abolir os antagonismos, os conflitos e as diferenças de maneira geral. A suposta busca de coesão e integração social era reveladora deste processo.

Não era somente através do violentíssimo processo de repressão que o regime militar revelava seu caráter ditatorial. A investigação de sua denominada estratégia psicossocial aponta para uma organização de poder em que não se pretendia deixar escapar nada de seu controle, ou seja, batalhava-se cotidianamente para intervir nas entranhas da vida social.

 

 

A análise da estratégia psicossocial leva a crer que o regime militar não possuía, nos seus primeiros anos, como ele tentou fazer parecer, planos efêmeros de permanência no poder.65 Era visível a tentativa de construção de uma ordem social definitiva que funcionaria com os militares e/ou outros grupos formados por eles em escolas como a ESG, por exemplo.

Mas, afinal, que sentimentos eram esses que o regime se dizia empenhado em despertar e proteger? Assim como todas as ordens ditatoriais eram o conformismo, a passividade, a obediência, dentre outros. A sua estratégia psicossocial tinha como objetivo resgatar e propalar justamente os valores mais conservadores da sociedade brasileira. Ele, inclusive, orientou sua busca de aceitabilidade através deles.

A atitude e o comportamento dos indivíduos em todos os âmbitos da vida social deveriam ser intransigentemente controlados. O regime situava, portanto, o seu sistema de idéias e valores sobre a democracia nesta suposta necessidade de intervenção e proteção dos valores sociais que expressavam o sentido das ações e sentimentos da maioria da população brasileira. Por isso, a ESG, que era um dos braços direitos da ditadura (ou seja, o seu laboratório de idéias),66 no que tange à definição de uma estratégia psicossocial, traçava inúmeros planos de ação visando atingir a mentalidade dos indivíduos.

A Escola Superior de Guerra sugeria, assim, que fossem implantados diversos planos de ação dentre aqueles grupos que tinham inserção junto às novas gerações. Os professores de todos os níveis e as “senhoras” eram, então, seu alvo principal. O gal. Paula Couto, importante membro daquela escola, afirmava que a organização de grupos que saíssem em defesa do regime tinha que contar com “as senhoras já organizadas desde antes da revolução”.67 A construção da adesão ao regime deveria ser feita em todos

os recônditos do território nacional. Ou seja, através de uma ampla estratégia psicossocial que conseguisse organizar entidades civis “em cada comunidade do território, e particularmente naquelas onde não existe guarnição militar, devem ser as guardiãs do espírito democrático e dos ideais da revolução de 31 de março, empenhando-se decididamente no sentido de: – aumentar sempre o número de sócios ativos; – promover publicações sistemáticas na imprensa escrita e falada, bem como na TV, dentro dos diversos

 

 

setores da campanha; promover palestras, conferências, exposições, inclusive convidando elementos capacitados de outros centros; – estimular a criação de entidades análogas nas localidades vizinhas”.68

A conquista de mentes a favor do regime em vigor, naquele momento, era o único caminho para impedir, diziam os doutrinadores da ESG e os condutores da ditadura, que fossem abertas quaisquer brechas para a desmoralização dos governos militares. A adesão à ditadura deveria, então, operar uma verdadeira desmoralização dos ideais comunistas. Este processo era denominado de guerra revolucionária, a qual, como parte da estratégia psicossocial, tinha a característica de uma guerra psicológica que atuaria no sentido de evitar que o regime viesse a tomar medidas mais drásticas no futuro.69

As orientações da ESG e da ditadura caminhavam, assim, para sedimentar na mente dos brasileiros os elementos suficientes para que o comunismo fosse, no presente e no futuro, incondicionalmente, rechaçado. Por um lado, havia um enorme empenho no sentido de mostrar para a população que o comunismo sintetizava tudo o que poderia ser entendido por antinacional, antidemocrático, antiesperança, antifamília, etc.. Por outro, ele era um inimigo real contra o qual o movimento de 1964 estaria lutando e, portanto, necessitava contar com a adesão de todos ao seu projeto de organização social.

O apelo anticomunista era, indubitavelmente, um dos aspectos centrais da estratégia psicossocial da ditadura, a qual se empenhava em divulgar que os governos militares estavam somente expressando a vontade da maioria dos brasileiros que ia sempre no sentido de refutar e, se necessário, extirpar, todo e qualquer comportamento, atitude e/ou idéia considerados desviantes.

 

Notas

 

1ARENDT, H. Crises da república. São Paulo: Perspectiva, 1973. Ver também: Id, Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972.

Id, Sobre a violência. Cap. 2. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

 

 

2    FAORO, R. Assembléia constituinte: a legitimidade recuperada. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 67- 80.

3    Ibid, p. 32.

4    BOBBIO, N. Sur le principe de legitimité. Paris: PUF, 1967.

5    Sobre essa discussão ver, dentre outros:

FAORO, op. cit, p. 33 et. seq.

FARIA, J. E. Poder e legitimidade. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 95 et seq.

 

6    Os textos utilizados por José Eduardo Faria para esta crítica foram: DEUTSCH, K. Nature de la legitimité et usage des symboles nationaux de legitimité comme technique auxiliare du controle des armements. Paris: PUF, 1967.

Id, Los nervios del gobierno modelos de comunicación y controles políticos. Buenos Aires: Paidós, 1970.

EASTON, D. Uma teoria de análise política. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. Id, Modalidades de análise política. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

7    FARIA, op. cit, p. 97-8.

8    Ibid.

9    Grifo meu.

10 FAORO, op. cit, p. 18-9.

11 Ibid, p. 20-1.

 

12 Os documentos, trabalhados no próximo capítulo, que apresentam com maior ênfase estes dados, são:

CASTELLO BRANCO. H. de A. Discurso no Congresso. Arquivo de Castelo Branco. CPDOC-FGV, Rio de Janeiro. 11 abr. 1964.

MAGALHÃES PINTO apud ESTE 1º de abril foi pra valer. Visão, São Paulo: n. 14, p. 14, 10 abr. 1964.

MOURÃO FILHO apud ESTE 1º de abril foi pra valer. Visão, São Paulo: n. 14, p. 14, 10 abr. 1964.

MANIFESTO ação democrática. Segurania e desenvolvimento. Revista da Adesg. Rio de Janeiro: n. 144, p. 127/36, 1971.

 

 

13 FAORO, op. cit, p. 27-9.

14 FARIA, J. E. Poder e legitimidade. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 83.

 

15 Dentre inúmeros documentos sobre isto, ver os depoimentos do Marechal M. Poppe de Figueiredo que assumiu o comando do III Exército após o golpe de 1964.

FIGUEIREDO, M. P. de. A revoluião de 1964. Um depoimento para a história pátria. Rio de Janeiro: Apec, 1970.

 

16 Segundo Faoro, a legitimidade “se funda em valores, historicamente realizáveis e socialmente atuantes. (…) No mundo moderno, não há outra legitimidade possível e universalmente consagrada senão a legitimidade democrática, que, embora suponha o consentimento dos cidadãos, não se esgota em tal apoio. Não há senão duas medidas na política contemporânea: a que se fecha no círculo do poder e se arrima na força, configurando todas as formas de autocracia, e a que decorre da democracia e se ancora na legitimidade.”

FAORO, op. cit, p. 53.

 

17 JOUVENEL, B. de. As origens do Estado moderno. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1978. p. 349.

“(…) o que mais importa são as idéias sobre a legitimidade dos dirigentes. Segundo a idéia democrática, os dirigentes são legitimados por sua harmonia com a opinião pública, que não pode ser perfeita, mas não deve ficar abaixo de certo nível. Se há um divórcio muito pronunciado, os dirigentes tornam-se ilegítimos. (…) As coisas se passarão de outra forma se o princípio da legitimação não for democrático, mas de outra natureza. Ele será teocrático se a legitimidade provier de uma doutrina predeterminada. Nesse caso, os dirigentes terão uma missão de conversão e de obtenção de fidelidade. Será a ortodoxia que confere a legitimidade, e o emprego da força pelos dirigentes não se torna condenável num sistema desse tipo, a não ser que cometam um desvio em relação à ortodoxia. (…) Por fim, temos a legitimação exclusivamente pela força. Ela possuí um caráter bárbaro. É alarmante que essa forma de legitimidade venha ganhando prestígio em nossos dias.”

Ibid.

 

18 Maurice Duverger, em As modernas tecnodemocracias, faz uma análise do poder político na Europa, fundamentalmente, entre 1870 e 1945 demonstrando as novas fórmulas de legitimidade buscadas pelas denominadas, por ele, novas oligarquias. Trata-se de uma obra de

 

 

grande importância para a compreensão das particularidades dos meios de legitimidade em um determinado momento histórico.

DUVERGER, M. As modernas tecnodemocracias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

 

19 GURVITCH, G. Problemas de sociologia geral. In Tratado de sociologia. Lisboa: Martins Fontes, 1977. p. 236.

 

20 “(…) de fato, as relações sociais são expressas por diversos grupos de homens que se pressupõem uns aos outros, cuja unidade é dialética e não formal.”

GRAMSCI, A. Concepião dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986. p. 47.

21 GRAMSCI, op. cit, p. 47 passim.

22 GURVITCH, op. cit, p. 230.

23 Ibid, p. 238.

 

24 Raymundo Faoro não considera possível falar em legitimidade no regime militar. Para ele é fundamental pensar a questão da ideologia para desmascarar a mistificação da legitimidade. “Os próprios ditadores, pobres de autoridade, insones com a equação de poder, que deve ser diariamente articulada para justificá-los, se socorrem da legitimidade fictícia, em homenagem que o vício presta à verdade, como ocorre sempre que a hipocrisia entra em cena.”

Ibid, p. 44

 

25 COUTO E SILVA, G. Sístoles e diástoles na vida dos Estados. In Conjuntura política nacional e outros escritos. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 5-21.

 

26 CASTELLO BRANCO apud DEFINIÇÕES de 31 de março puseram pingos nos ii. Visão, São Paulo: n. 14, p. 9, 09 abr. 1965.

 

27 COUTO E SILVA, G. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1981. p. 207.

Este texto foi escrito antes do movimento militar de 1964, ou seja, mais precisamente entre 1959 e 1960.

28 A revista A defesa nacional que divulgava artigos, palestras e conferências

 

 

de um grupo de militares publicou em 1967 um artigo de Max Manwaring, professor da Universidade de Memphis, que reafirmava os pressupostos do regime quanto à sua vocação para o disciplinamento e a vigilância dos valores, crenças e atitudes de todos os componentes da sociedade. Procurava- se, assim, reiterar a necessidade de a ditadura desenvolver uma verdadeira batalha para conquistar a aceitabilidade da população. A legitimação do regime seria alcançada, dizia Manwaring, se os presidentes militares conseguissem a articulação de seus objetivos com as esperanças públicas. MANWARING, M. G. Elites político-militares brasileiras: semelhança e continuidade 1964-1975. A defesa nacional. Revista de Assuntos militares e de problemas brasileiros. Rio de Janeiro: n. 689, p. 108 passim, 1976.

 

29 O gal Golbery do Couto e Silva insistia, desde a década de 1950, em que a solução do problema vital da segurança nacional estava, indubitavelmente, ligada à criação de estratégias psicossociais que facilitassem aos Estados-nações chegarem aos seus objetivos nacionais. Ver:

COUTO E SILVA, G. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 7-15

 

30 CARNEIRO LEÃO, A. O poder Nacional: seus fundamentos psicossociais; instrumentos de ação. Palestra proferida em 27 mar. 1953. In Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro: ano I, V.1, p. 74- 90, dez. 1983. Antônio Carneiro Leão era sociólogo e educador, dentre suas obras, estão: O Brasil e a educaião popular, À margem da história da república, A sociedade rural, seus problemas e sua educaião, Fundamentos de sociologia, dentre outras.

 

31 COUTO E SILVA, G. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1981.

 

32 Ibid, p. 25. Essas posições do Gal. Golbery do Couto e Silva foram também apresentadas em: Id, Planejamento estratégico. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1955.

 

33 No esquema divulgado pela ESG nos anos imediatamente anteriores e posteriores ao movimento militar de 1964, as estratégias econômicas, políticas, militares e psicossociais faziam parte das diretrizes governamentais, as quais tinham que estar sempre subordinadas à política de segurança nacional.

 

 

34 CASTELLO BRANCO, H. de A. O poder nacional e a segurança nacional. Conferência proferida em abril de 1962. In Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro: ano I, n. 3, v. 2, p. 9-21, Ago. 1984.

35 COUTO E SILVA, op. cit, p. 21.

36 COUTO E SILVA, op. cit, p. 13.

 

37 Em um texto do início da década de 1980, Golbery do Couto e Silva afirmava que “na realidade, a vida do Estado é multiforme, estendendo-se lhe a ação promotora, controladora e inibitória ou coercitiva a campos vários e múltiplos setores, todos interdependentes de fato e que mal se enquadram em qualquer das costumeiras demarcações não mais que didáticas – campo político, econômico, psicossocial e militar, por exemplo.”

COUTO E SILVA, G. Conjuntura política nacional. O poder executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 15.

 

38 Com este objetivo o escritor Clodomir Vianna Moog foi convidado a proferir uma palestra na ESG em 1959 sobre a integração psicossocial do povo brasileiro a partir de seu livro Bandeirantes e pioneiros. Segundo ele, as características psicossociais do povo brasileiro eram “a cordialidade, o desejo de comprazer, a ociosidade, a resistência à especialização, a falta de continuidade no esforço, a volubilidade, a ausência de firmeza nas decisões.” Ele tomava, também, o cuidado de definir na ESG o que se devia entender por psicossocial. Ou seja, “formas mais ou menos constantes de reação coletiva capazes de condicionar as expressões emocionais e culturais mais comuns de um grupo social.”

MOOG. C. V. Integração psicossocial do povo brasileiro. In Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro: n. 3, v. 2, p. 57-73, ago. 1984.

 

39 PAULA COUTO, A. J. (Gal). Ação democrática. Um exemplo de ação psicológica. Segurania e desenvolvimento: Revista da Adesg. Rio de Janeiro: n. 144, p. 127-136, 1971.

 

40 O plano de ação psicológica visava abranger, principalmente, os universitários, os professores de maneira geral, e “as senhoras já organizadas em entidades desde antes da revolução.”

Ibid, p. 133.

41 CARNEIRO LEÃO, op, cit, p. 86.

 

 

42 Ibid, p. 74-91.

CASTELLO BRANCO, op. cit, p. 9-21. PAULA COUTO, op. cit, p. 127-136.

ARRUDA, A. A doutrina da Escola superior de guerra. In A defesa nacional: Revista de assuntos militares e estudos de problemas brasileiros. Rio de Janeiro: ano 65, n. 680, p. 127-148, nov. dez. 1978.

 

43 Vide sobre isto a coincidência entre os pronunciamentos dos generais- presidentes e as posições da Escola Superior de Guerra.

CASTELLO BRANCO, H. A. Discursos. Brasília: Secretaria de Imprensa, 1965. p. 34-5.

Id, Discurso no Congresso. 11 abr. 1964. Arquivo de Castello Branco. CPDOC-FGV. Rio de Janeiro.

Id, Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Deptº. de Imprensa Nacional, 1965.

COSTA E SILVA apud O CAMINHO da institucionalização. Visão, São Paulo: n. 19, p. 21, 05 nov. 1965.

Id apud AS NOVAS perspectivas. Visão, São Paulo: n. 1, p. 19, 17 jan. 1969.

MÉDICI, E.G. A verdadeira paz. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971.

Id, Discurso proferido em 30 de out. 1969 apud BRASIL 70. Visão, São Paulo: n. 3, p. 102, 14 fev. 1970.

ASSOCIAÇÃO dos diplomados da ESG. Almanaque. Rio de Janeiro: ESG, 1984.

ESCOLA Superior de Guerra. Complementos da doutrina. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1981.

 

44 ESCOLA Superior de Guerra. Doutrina básica. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1979.

 

45 Sobre o papel dos símbolos nacionais na missão das Forças Armadas para o desenvolvimento da nação brasileira como uma nação cristã e democrática, ver:

ALVARENGA, A. C. G. (Cel). Doutrina militar brasileira. Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro, n. 2, v. 2, p. 61-77, abr. 1984.

 

46 GERTH, H. e MILLS, W. C. El orden militar. Caráter y estrutura social. Buenos Aires: Paidos, 1971. p. 223.

 

47 ARRUDA, A. A doutrina da Escola Superior de Guerra. In A defesa nacional. Revista de assuntos militares e de problemas brasileiros. Rio de Janeiro: n. 680, p. 128 et seq, nov. dez. 1978.

 

 

ESCOLA Superior de Guerra. Doutrina básica. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1979.

Id, Fundamentos da doutrina. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1981.

 

48 Id, Complementos da doutrina. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1981.

Id, Fundamentos da doutrina. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1981.

 

49 ARRUDA, A. A doutrina da Escola Superior de Guerra. In A defesa nacional, Revista de assuntos militares e de problemas brasileiros. Rio de Janeiro: n. 680, p. 127-148, nov.dez. 1978.

Antônio Arruda era chefe na ESG da divisão de assuntos psicossociais e da divisão de assuntos políticos.

 

50 Sobre o papel da Escola Superior de Guerra no regime militar, ver, principalmente:

STEPAN, A. Os militares: da abertura à nova república. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

DREIFUSS, R. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981.

51 ARRUDA, op. cit, p. 132.

 

52 Id, A doutrina da Escola superior de guerra II. In A Defesa Nacional, Rio de Janeiro: n. 681, p. 65-73, nov. dez. 1978.

PEREIRA, F. O governo é ainda obra de cultura. In Política: Revista da Fundação Milton Campos. Brasília: n. 1, p. 3, jul. set. 1976. Francelino Pereira – Presidente da Arena.

 

53 “Desenvolvimento nacional, é, portanto, o processo de aperfeiçoamento e de fortalecimento do poder nacional para a consecução e manutenção dos objetivos nacionais”.

ESCOLA Superior de Guerra. Manual básico da Escola Superior de Guerra de 1977/78. In ARRUDA, op. cit, p. 137.

 

54 Conforme documentos publicados na revista Segurania e desenvolvimento as pressuposições da ESG sobre o papel da estratégia psicossocial na manutenção da segurança nacional era formulada a partir do modelo do National war College dos E.U.A.

 

55 ESCOLA Superior de Guerra. Manual básico da ESG. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1983.

 

 

56 As diretrizes deste processo tinham sido definidas no processo de preparação do golpe de 1964. A conferência do escritor Vianna Moog na Escola Superior de Guerra, em 1959, indicava, naquele momento, os caminhos que deveriam ser seguidos para se operar a integração psicossocial do povo brasileiro.

MOOG, C. V. Integração psicossocial do povo brasileiro. Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro: n. 3, v. 2, p. 57-73, ago. 1984. Em 1962, o Mal. H.de A. Castello Branco fez um pronunciamento sobre a relação entre o poder nacional e a segurança nacional em que ele destacava que os fundamentos psicossociais do poder nacional estavam relacionados sobretudo à estrutura social e aos fatores morais, psicológicos e culturais; os quais seriam, então, um verdadeiro campo de ação. “O poder nacional é assim uma organização para a ação, com meios políticos, morais e materiais e cuja eficiência repousa na contextura sólida dos elementos que entram em sua constituição”. CASTELLO BRANCO, H. de A. O poder nacional e a segurança nacional. Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro, n. 3, v. 2, p. 14, Ago. 1984.

57 CASTELLO BRANCO, op. cit, p. 18.

58 Ibid.

59 Ibid, p. 20-1.

 

60 CORREA, Antônio J. (Gal). Escola Superior de guerra: laboratório de idéias. In A defesa nacional. Rio de Janeiro: n. 667, p. 3-21, maio/jun. 1976.

 

61 Ibid, p. 10. A revista A defesa Nacional tinha como redator-chefe e diretor o militar Geraldo Lasbat Cavagnari Filho que atualmente faz parte do NEE (Núcleo de Estudos Estratégicos) da Unicamp.

 

62 Ibid, p. 12-13. “Forçoso é reconhecer o papel dos vinte anos da ESG no amadurecimento de uma consciência dos novos tempos, que não se perdesse na apreciação exclusiva de determinado aspecto da problemática nacional, mas que tivesse maior amplitude na integração dos quatro campos do poder”.

MÉDICI apud CORREA, op. cit, p. 12.

 

63 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1981. p. 189.

 

 

64 Ibid, p. 7.

 

65 A denominada “linha dura” assumia de modo explícito que suas intenções de permanência no poder não eram efêmeras. Um de seus representantes afirmava: “Nós íamos consertar este país. Na marra. (…) Durasse o que durasse. Quarenta anos, cinqüenta anos, cem anos.” ETCHEGOYEN, C. Depoimento. In SOARES, G. A. D; D’ARAÚJO,

  1. C. e CASTRO, C. (Orgs). Visões do Golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994. p. 185.

 

66 A ESG era definida por seus doutrinadores como um laboratório de idéias sobre a segurança nacional.

 

67 PAULA COUTO, A. J. de. Ação democrática: um exemplo de ação psicológica. Segurania e desenvolvimento: Revista da Adesg. Rio de Janeiro: n. 144, p. 133, 1971.

68 Ibid.

 

69 Ibid, p. 136

 

 

 

½APÍTffLO II

 

1964 A 1973: AS ESTRATÉGIAS POLÍTICAS, ECONÔMICAS E PSICOSSOCIAIS REVELANDO OS ELEMENTOS CENTRAIS DA PRETENSÃO DE LEGITIMIDADE DA DITADURA

 

 

 

 

A busca de legitimidade pelo regime militar, no período de 1964 a 1973, se deu principalmente através de seu empenho para construir um suposto ideário de democracia que visava sedimentar um sistema de idéias, valores e interesses. A insistência em uma fórmula de democracia que pressupunha “liberdade mas não (excluía) responsabilidade, nem importava em licença para contrariar a própria vocação do país”1 era a base deste processo.

As pressuposições dos militares acerca da democracia no imediato pós-golpe possuem raízes longínquas que somente podem ser apreendidas através de uma análise da história política brasileira;2 o que não será possível fazer no âmbito deste trabalho.3 No entanto, é importante mencionar que as duas últimas décadas que antecederam a do movimento militar desempenharam um papel importante ao delinear com maior visibilidade as posições políticas das Forças Armadas, que vieram a público após o golpe militar.4

João Quartim de Moraes afirma que “poucas viradas políticas apresentaram tanta importância para a compreensão da história contemporânea do Brasil quanto a ruptura da aliança entre o cesarismo varguista e a cúpula militar”. Desde então, esta última “se mostrou coerente em sua opção pelo alinhamento ativo no campo norte-americano, assimilando os postulados estratégicos da guerra fria e, no plano interno, por sua hostilidade aos sindicatos e às forças políticas progressistas.”5

 

 

Tanto a opção dos militares pelo alinhamento ativo no campo norte-americano e a forte assimilação dos postulados estratégicos da guerra fria quanto as suas hostilidades aos sindicatos e às forças progressistas foram definidoras de suas investidas, durante todo o regime militar, para construir um ideário de democracia, no qual sobressaía a insistência na necessidade de criar, desenvolver e preservar o que eles denominavam responsabilidade democrática.

A conjunção da atuação de setores militares e empresariais, no final da década de 50 e início da década de 60, em institutos como o IPES e o IBAD, sedimentava uma perspectiva de democracia que se estruturava sobre a não-aceitação e a não- tolerância de toda e qualquer ação e/ou reivindicação, as quais eles consideravam subversivas e contrárias à democracia com responsabilidade.

Thomas Skidmore, em Brasil de Castelo a Tancredo, afirma que os conspiradores contra o governo Goulart sustentavam e divulgavam “idéias marcadamente anticomunistas desenvolvidas na ESG, segundo o modelo do National War College dos E.U.A.”6 Para a doutrina da Escola Superior de Guerra, a ameaça (comunista) vinha “não da invasão externa, mas dos sindicatos trabalhistas de esquerda, dos intelectuais, das organizações de trabalhadores rurais, do clero e dos estudantes e professores universitários. Todas essas categorias representavam séria ameaça para o país e por isso teriam que ser todas elas neutralizadas ou extirpadas através de ações decisivas”.7

Estavam de acordo com essas ações decisivas os membros que compunham o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Conselho Superior das classes produtoras (CONCLAP) que vão desenvolver e divulgar, juntamente com setores militares, a necessidade de moderação nas reformas político-econômicas em nome de uma responsabilidade democrática8 que serviria como uma espécie de subsídio para o suposto ideário de democracia que o regime militar se debateria para elaborar no seu intento de construir sua legitimidade.

O IPES, por exemplo, ajudava a sedimentar os pilares de uma suposta responsabilidade democrática ao divulgar que seu objetivo era contribuir para a “educação cultural, moral e cívica dos indivíduos” no sentido de contribuir para o “progresso

 

 

econômico, o bem-estar social e o fortalecimento do regime democrático do Brasil”.9

Todavia, as suas operações, as manipulações de opiniões e a atuação no Congresso visando minar as possibilidades de reformas e de atuação da esquerda trabalhista eram reveladoras de uma perspectiva de democracia em que se abominava qualquer possibilidade de que a correlação entre as forças sociais adquirissem contornos definidores do processo político brasileiro.10 Uma parte significativa dos setores médios (técnicos e militares) e empresariais que se uniram em torno do IPES/ IBAD, por exemplo, deram substância a uma concepção de democracia que ganhou fôlego, principalmente no interior do grupo de poder, na década de 60 adentro, fundada no princípio de desarticulação e/ou eliminação, através de inúmeros instrumentos, das forças sociais opostas.

A democracia adquiria para os setores que se amparavam na liderança do IPES/IBAD uma feição de combate aos comunistas. Ser democrata era lutar contra as possibilidades de reformas de base, as convicções não-cristãs e as organizações sindicais e trabalhistas de esquerda que, para eles, só serviam para tornar desacreditada a empresa privada.

Enquanto órgão de educação cultural e moral, o IPES, através de seu Grupo de Opinião Pública, incumbia-se de divulgar uma denominada, por seus membros, literatura democrática para fazer frente à literatura marxista que, segundo eles, enchiam as livrarias. A equalização democracia e empresa privada eram mostradas como sinônimos de democracia moderna que tinha como significado maior a responsabilidade democrática.

O gal. Golbery do Couto e Silva, que havia chefiado um dos grupos do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), no início da década de 60, argumentava que o movimento de 31 de março teria sido o coroamento do processo de busca de responsabilidade democrática, ou seja, “como simples expedientes temporariamente indispensáveis à própria manutenção da ordem pública recém-inaugurada, ao saneamento da economia altamente inflacionada e combalida e, pouco depois, às investidas irracionais de um terrorismo urbano-rural sem quaisquer compromissos com a realidade nacional.”11

 

 

Indicou-se, a grosso modo, estas questões, para demonstrar que a tentativa de elaboração pelo regime militar de um suposto ideário de democracia lidava com elementos que se colocavam anteriormente a ele, mas como será visto no transcorrer deste capítulo, não se encerrava nos mesmos, tendo em vista as modificações das condições sociais e políticas após o golpe de 1964. Desvendar, porém, a singularidade desta busca de aceitabilidade e adesão, a partir do empenho da ditadura, para construir um sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia exige que se leve em conta as condições sociais vigentes naquele momento, bem como o processo de imputação a ela de um sentido inimaginável.12 Portanto, no plano da ação política assistia-se, ao mesmo tempo, à negação absoluta da democracia e à busca de legitimidade através da formulação de um pretenso sistema de idéias e valores sobre ela.

 

 

A democracia como a normalização da legalidade pautada nos atos de exceção

 

Tanto os militares quanto os civis que integravam o grupo de poder a partir do movimento militar de 1964 apareciam como legítimos defensores de uma dada forma de democracia que, segundo eles, buscava a normalização da legalidade. O gal. H. de Alencar Castello Branco, em pronunciamento no Congresso que foi convocado para elegê-lo, dizia-se incumbido de cumprir “plenamente os elevados objetivos do movimento vitorioso de abril, no qual se irmanaram o povo inteiro e as Forças Armadas na mesma aspiração de restaurar a legalidade, revigorar a democracia, restabelecer a paz e promover o progresso e a justiça social”.13

A democracia era tomada pelos militares e civis que conduziam o movimento de 1964 como um regime político que não tinha que ser, necessariamente, controlado pelos civis.14 Ou seja, a sua suposta democracia seria revigorada através da restauração de uma legalidade, de uma paz e de um progresso com justiça social a partir da atuação de um determinado grupo

 

 

que estaria incumbido desta tarefa em nome de um todo abstrato definido como povo.

O sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia que o regime militar tentava elaborar no seu intento de ganhar adesão assentava-se numa relação entre valores e interesses extremamente complexa, o que torna impossível, como será visto posteriormente, o seu enquadramento dentro de qualquer modelo teórico fechado. Não é possível a sua mera definição como elitista, por exemplo, nem mesmo com relação ao elitismo clássico do início do século15 (Mosca e Pareto).

Mosca afirmava que a elite e/ou a minoria era capaz de um alto nível de organização com ações contínuas e coordenadas que poderiam ou não ser democráticas, no sentido da democracia política exclusivamente. No entanto, mesmo para Mosca, que não se entusiasmava com os benefícios da democracia, esta era uma espécie de competição entre minorias e/ou elites.

A dificuldade de enquadrar a concepção de democracia do grupo de poder como elitista, nos moldes teóricos dos clássicos, está na particularidade da atuação do mesmo. Ou seja, este não era, certamente, uma elite que atuava de forma coordenada e organizada. Pelo contrário, ao defender o golpe de 1964 como um processo de consolidação da democracia, transpareciam as enormes dissensões no seu interior, muitas das quais insuperáveis, como pode ser detectado no desenrolar do processo socioeconômico e político no transcorrer da ditadura militar.16

Indubitavelmente, o hipotético ideário de democracia que os componentes do grupo de poder do regime militar tentavam elaborar se beneficiava enormemente da confusão teórica que se estabeleceu em torno da questão da democracia. Era detectável uma proximidade com a teoria elitista clássica, do início do século, à medida que a suposta democracia defendida por eles rejeitava a menor possibilidade de atuação das diversas forças sociais na política.

Todavia, o suposto sistema de idéias e valores sobre a democracia que a ditadura militar tentava construir não admitia nem mesmo uma forma de governo que viesse expressar uma luta entre os setores que compunham o grupo de poder. Neste aspecto, principalmente, se evidenciava que ele não se filiava à teoria elitista

 

 

clássica cujo centro é “a afirmação de que a democracia, no estrito sentido tradicional de governo do povo, é impossível: todos os governos são governos das elites ou pelo menos de uma entre as várias elites em competição.”17 A ditadura batalhava para construir sua aceitabilidade atestando que o regime em curso era sinônimo de governo do povo, não admitindo que aquele era um governo de elite e/ou de competição entre elites.

A incredulidade nos benefícios da democracia enquanto governo da maioria, presente na teoria elitista, (Mosca, Pareto e Michels)18, por exemplo, e/ou a perspectiva de que a participação era o fundamento da democracia, segundo a visão clássica de democracia (Rousseau, J.S.Mill, dentre outros) não eram questões reafirmadas e/ou negadas, explicitamente, neste embate do regime para construir seu suposto ideário de democracia. Demonstrar-se-á, posteriormente, que ele evitava estabelecer abertamente um diálogo com qualquer perspectiva teórica.

É evidente que o embate teórico sobre a democracia ressoava nos pressupostos dos componentes do grupo de poder do regime militar, mas de uma forma absolutamente singularizada pelas condições sociais vigentes, em que se lutava para elaborar uma perspectiva de democracia angulada por valores tais como: associação de liberdade e autoridade, ordem e disciplina, combate ao comunismo, defesa da família, da propriedade e da empresa privada, dentre outros. Desta forma, a ditadura pelejava para criar uma consciência coletiva favorável a ela alegando que somente um setor do grupo de poder, no caso, os militares, teriam condições de resguardar e desenvolver esses valores que seriam o próprio fundamento, segundo eles, do movimento de março de 1964.

Nos primeiros pronunciamentos, pós-golpe, de militares e civis que constituíam o grupo de poder assistia-se à insistência de que a legalidade dos atos e ações eram o fundamento daquele movimento. Magalhães Pinto afirmava que “as forças sediadas em Minas, responsáveis pela segurança das instituições (…) consideram seu dever entrar em ação, a fim de assegurar a legalidade ameaçada pelo Presidente da República (J.Goulart)”.19 Eurico de Lima Figueiredo, em Os militares e a democracia, afirma que nos pronunciamentos de Castelo Branco a democracia era mostrada como a garantia do governo à vontade da maioria,

 

 

principalmente porque o executivo seria responsável pela autonomia do legislativo, “assegurando-lhe o pleno exercício de seus poderes”.20 O fato de todos os poderes estarem concentrados no executivo não era, para os militares no poder, empecilho para se buscar meios de adesão, entre os diversos grupos sociais para o regime em vigor.

A liberdade política era imediatamente descartada do hipotético ideário de democracia que o regime militar insistia em elaborar. A ditadura tentava, então, reinventar um sentido para a democracia desvinculado deste (e de todos os outros) princípio básico que se desenvolveu a partir do século XVIII. Para Montesquieu,21 por exemplo, a separação dos poderes é que fornecia os elementos para a liberdade política, a qual era inibida sem aquela primeira. O abuso do poder era, portanto, sinônimo de desrespeito às leis e de não-separação dos poderes.

A liberdade era, de maneira geral, angulada pela perspectiva militar, a qual só seria possível se vinculada à ordem e à disciplina. Estes seriam, assim, os elementos fundantes daquela primeira. As declarações e manifestos em defesa do movimento militar de 1964 insistiam no seu caráter defensor das liberdades. O gal. Mourão Filho conclamava “todos os brasileiros e militares esclarecidos para que unidos conosco, venham ajudar a restaurar no Brasil o domínio da constituição e o predomínio da boa fé no seu cumprimento”.22

A liberdade aparecia nos pronunciamentos do grupo de poder após 1964 como sinônimo de oposição ao comunismo23, por exemplo. A associação da liberdade com a democracia era, nas suas falas, uma forma de combate às esquerdas e/ou quaisquer oposições que tinham suas ações taxadas constantemente como antidemocráticas. Esses elementos demonstram que o grupo de poder, já no imediato pós-golpe, passou a buscar formas de aceitabilidade para as suas ações numa hipotética idéia de democracia que se assentava numa suposta forma de liberdade absolutamente desconectada de seus princípios desenvolvidos no decorrer dos últimos séculos.

Observava-se, imediatamente após 1964, que o valor da liberdade era situado num patamar que o desvinculava da igualdade jurídica, por exemplo, o que deixava livre o caminho

 

 

para os atos institucionais e constitucionais, o que culminou no AI-5, que era a negação de qualquer liberdade pautada na igualdade jurídica nos moldes discutidos por Rousseau.24 Ficava evidenciado mais uma vez que o regime militar se debatia para inventar um pretenso ideário de democracia singularizado por atos de exceções, ausência de liberdade política, concentração dos poderes no executivo, etc..

Os atos de exceções eram mostrados como a única maneira possível de proteção de uma liberdade que se opunha a uma espécie de liberdade perversa que conduziria a sociedade brasileira à ruína, tais como: o desmantelamento da família, do direito de religião e de propriedade, etc.. Um determinado setor, no caso os militares, era apontado como único capaz de garantir a aplicação desta liberdade que se opunha ao comunismo por estabelecer, dentre outras questões, um controle rígido sobre a política.

Abria-se, assim, o processo de negação da possibilidade e da necessidade de participação dos indivíduos nas decisões tomadas no âmbito do Estado e do regime. A liberdade e a igualdade eram tematizadas por um viés totalmente estranho aos elementos fundantes da democracia que foram enormemente polemizados no século XVIII e XIX. Em Rousseau, por exemplo, a democracia se assentava na máxima participação do indivíduo no processo político.

O regime militar, no entanto, insistia na formulação de um hipotético ideário de democracia em que se abolia o próprio espaço da política. Tanto nos dois séculos acima mencionados como no posterior ficou estabelecido, no plano teórico, a impossibilidade de se falar em democracia num processo em que se elimina sucessivamente a política.

As análises de Rousseau, Montesquieu, Hamilton, Jefferson e Madison, no século XVIII, e as de James Mill, J.S.Mill, Bentham e Tocqueville, no século seguinte, tinham enormes diferenças entre elas; no entanto, colocavam alguns elementos que se constituíram em pilares da democracia e, dentre eles, pode-se citar a valorização do espaço da política como fundante da ordem democrática. Os seus pressupostos em torno da liberdade e da igualdade, democracia direta e/ou representativa, maioria e minoria podem ser citados como exemplo deste embate sobre a constituição e a

 

 

sedimentação de espaço da política como forma de se alcançar a democracia.

Em Rousseau o estabelecimento das condições políticas mínimas era o fundamento da democracia que, por sua vez, possuía implicações de ordem jurídica e social. Enquanto ele destacava a democracia direta (deveria haver eleição mas os magistrados não se tornavam representantes do povo, uma vez que este não delegava e nem renunciava ao seu poder) como única possibilidade de não-desvirtuamento de suas condições, Jefferson, Hamilton e Madison25 estavam basicamente interessados na sedimentação dos pilares da democracia representativa, cujo traço básico era a delegação de poder a um pequeno número de indivíduos escolhidos pelo povo. O problema da acomodação entre o poder das minorias e das maiorias que perpassou as teorizações sobre a democracia no século XVIII é exemplo de que o espaço da política tem sido no decorrer dos tempos o fundamento da busca incessante dos caminhos da democracia.

O regime militar, no entanto, se empenhava em construir um suposto ideário de democracia que se constituiu na base de seu apelo à legitimidade, no qual o espaço da política perdia paulatinamente o sentido, não em um processo de negação ostensiva de sua importância, mas pela atuação no sentido de minar toda e qualquer possibilidade de que os agentes sociais se colocassem na arena política.

Nos primeiros anos pós-golpe, para os militares e civis, que compunham o grupo de poder, somente os espaços políticos que haviam sido capturados e podiam ser controlados pelo regime deveriam ser mantidos, os demais eram sinônimo de subversão e abertura do caminho para o comunismo. Nas suas estratégias de criação de uma mentalidade altamente favorável à ditadura este último era um dos elementos mais enfatizados.

O golpe militar era mostrado, inclusive, por uma parte significativa da grande imprensa (vide revista Visão de 24 abr. 1964) como uma resposta ao desrespeito que a democracia representativa vinha sofrendo. Esta seria, então, salva pelo novo regime que se empenharia no cumprimento da Constituição e da legalidade. Desde os primeiros atos institucionais, as formas de representação eram paulatinamente desmanteladas e algumas

 

 

permaneceram apenas como um ritual. No entanto, a reforma político-partidária realizada em 27/10/65 através do Ato Institucional nº 02, que estabelecia a reforma do Congresso, do poder Judiciário, do sistema de governo, dos partidos, dentre outras, eram mostradas como a maneira de preservar os órgãos representativos da democracia.

Era em torno de desígnios, principalmente, que o regime tentou construir este ideário de democracia que legitimasse as suas ações e atos. Em Mensagem ao Congresso Nacional, o presidente Castello Branco afirmava: “(…) pretende o governo dotar o país de um estatuto legal dos partidos políticos, que complemente o Código Eleitoral. Não é preciso encarecer a importância dos Partidos na política moderna, pois constituem instrumentos essenciais da atividade pública e como tais estão consagrados em nossa constituição. O que falta é lhe dar organicidade e condições de eficiência, para que possam cumprir a alta missão a que se destinam”.26

A suposta forma de democracia do regime passava a ser vinculada, indubitavelmente, ao restabelecimento da autoridade. O casamento entre democracia e autoridade, no Brasil, não era, por certo, uma invenção deste período, mas a forma de associação entre elas ganhava contornos singulares.

Na década de 30, por exemplo, a defesa do autoritarismo era feita em nome de uma dada democracia.27 Oliveira Vianna e Azevedo Amaral28 defendiam a criação de um Estado que fosse autoritário e democrático ao mesmo tempo. Aquele último argumentava inclusive que o verdadeiro sentido da democracia restaurava o prestígio do autoritarismo. O Estado autoritário era, para Azevedo Amaral, um órgão de criação da verdadeira democracia, o que significava o início da construção do Brasil.29 A associação entre democracia e Estado forte em Azevedo Amaral era, sem dúvida, distinta dos postulados de democracia do regime militar,30 o qual lutava para dissociar a idéia de autoritarismo com de autoridade, ou seja, mostrava que as mesmas eram completamente distintas, o que não tinha sido preocupação de Azevedo Amaral, mas sim de Gilberto Freyre31 na década de 30. Gilberto Freyre destacava que a democracia no Brasil era possível devido à democracia racial e a uma forma de domínio

 

 

que se cristalizou na nossa tradição pautada no senso de autoridade e de dever e não no autoritarismo.32 O hipotético ideário de democracia que o regime se empenhava em construir visando alcançar adesão e aceitabilidade para as suas ações guardava uma estreita relação com esta perspectiva de Freyre que concebia a democracia a partir de uma forma de domínio pautada em uma relação de mando que pressupunha a não-necessidade de publicização do conflito e do jogo entre as forças sociais.33

Nos livros Sobrados e mucambos e Ordem e progresso, Gilberto Freyre deu destaque às noções de equilíbrio e conciliação como fundamento da democracia. Ao pensar a democracia em termos de acomodação social, ele deixava evidenciado que os agentes portadores da democracia eram aqueles que conseguiam estabelecer a integração e o equilíbrio. Pressupostos desta natureza estavam presentes no suposto ideário de democracia que a ditadura se empenhava em elaborar, à medida que os militares buscavam adesão para o regime se auto-intitulando possuidores desses requisitos34.

As perspectivas de Gilberto Freyre35 e Azevedo Amaral eram distintas, este último expunha claramente, em O Estado autoritário e a realidade nacional, que eleições diretas, temporariedade dos mandatos, restrições da autoridade executiva e ficção da divisão dos poderes eram perversões enxertadas na doutrina da democracia;36 o que aparece de forma distinta na tentativa do regime militar de criar um pretenso sistema de idéias e valores sobre a democracia. Os componentes do grupo de poder, mais especificamente a sua fração militar, buscavam adesão dos diversos segmentos sociais para a ditadura reiterando constantemente as suas intenções de manter as eleições, a temporariedade dos mandatos, os partidos (inclusive um de oposição), a divisão dos poderes, etc..

As idéias de democracia e de representação, no entanto, eram pautadas na supremacia do executivo sobre o legislativo. Este último teria um papel apenas revisor e referendador dos atos daquele primeiro. O poder executivo era, então, o representante de uma entidade abstrata denominada povo. Em seu nome, tomar-se-iam as decisões principalmente através dos atos institucionais garantindo-se, segundo o grupo de poder, o cumprimento do compromisso entre autoridade e democracia.37

 

 

O Ato Institucional, de abril de 1964,38 dava início ao processo de busca, pelo regime, de reconhecimento em torno de seus valores fundamentais. Aquele era mostrado pelos militares como um elo entre a democracia e a autoridade, uma vez que ele teria mantido a democracia representativa, pois as eleições de 1965 estariam garantidas, bem como a posse do presidente que fosse eleito pelo povo, no ano subseqüente.

As medidas postas em prática pelo primeiro AI eram justificadas como as únicas formas de se alcançar o saneamento do Estado para expulsar os elementos contrários ao novo regime. O saneamento monetário para combater o déficit público e a nova política fiscal que conciliaria estabilidade e desenvolvimento ganhavam centralidade na sua estratégia econômica, a qual se constituiu, como será demonstrado posteriormente, em um dos fundamentos do apelo da ditadura à legitimidade.

A autoridade imporia limites à democracia, ou seja, esta última estaria circunscrita aos parâmetros daquela primeira. Com o primeiro Ato Institucional esclarecia-se o sentido dado pelo regime à democracia: uma forma de submissão do legislativo ao executivo e uma impossibilidade de divergência de toda e qualquer força social. Isto não significa que não houve dissentimentos no interior do grupo de poder e/ou conflitos nas demais esferas da vida social.

Em abril de 1964, com base em documentos publicados na grande imprensa39, por exemplo, já eram detectáveis, por parte dos setores empresariais, enormes preocupações com os rumos do processo político que tendia à exclusão de alguns segmentos que haviam dado amplo apoio ao movimento de 31 de março.

No entanto, nessas condições, o núcleo de poder, composto por militares e civis, empenhava-se na busca de aceitabilidade para as suas ações através de uma constante insistência no caráter democrático das mesmas, visando reafirmar que os segmentos que estavam fora dele eram co-partícipes do processo político em curso.40 Os representantes do grande capital se apegavam a uma suposta idéia de democracia, nestes primeiros momentos pós golpe, ratificando seus receios de uma maior centralização do poder que viesse excluir alguns de seus setores do processo político. A insistência na natureza democrática do movimento

 

 

de 1964, por parte do grupo de poder, objetivava manter um tipo de pacto entre as facções que o haviam apoiado.

A busca de legitimidade através da constituição de um sistema de idéias e valores em torno de uma fórmula específica de democracia era evidenciada pela insistência de Castello Branco em que o movimento de 1964 “era um poder legal, governando a nação com idéias e propósitos revolucionários. Promoverá o desdobramento de sua institucionalização com emendas à Constituição e reformas de ordem política, econômica e social. E o fará com apreço e em colaboração com o Congresso Nacional, e sob o maior respeito à justiça do País”.41

As pressuposições dos militares em torno das composições que deveriam ser feitas, tendo em vista as reformas políticas, marcavam a insistência no caráter legal do regime.42 O adiamento das eleições previstas para 1965 e a possibilidade de uma candidatura única e militar não esmaeciam, mas intensificavam os apelos, no sentido de formar uma mentalidade favorável ao regime. Nessas condições, o seu empenho para constituir um pretenso ideário de democracia era amplamente situado no âmbito daqueles valores que seriam, segundo eles, imaculáveis e garantidores da continuidade do movimento militar Além do âmbito dos valores, a busca de legitimidade situava-se também no âmbito de interesses; o que era visível tanto no plano econômico quanto no político. As medidas dos ministros Octávio Gouvêa de Bulhões, Roberto Campos e Daniel Faraco eram apresentadas como decisões enérgicas (e/ou de autoridade) mas também democráticas, uma vez que tinham como meta o fortalecimento da iniciativa privada43 e a contenção do setor público.

A disciplina política era mostrada como um elemento central de autoridade plenamente conciliável com a democracia que o movimento militar estaria empenhado em construir. A disciplina do trabalho via diminuição das greves e a criação de dispositivos para coibir aquelas que fossem consideradas políticas visavam, segundo os componentes do grupo de poder, criar as bases para a normalidade democrática44 que o regime buscava.

A construção de um suposto ideário de democracia que está sendo considerada a coluna mestra da estratégia política e psicossocial do regime militar era singularizada pela ditadura à

 

 

medida que este pretendia estabelecer valores que enaltecessem a combinação da disciplina com a liberdade de concordar ou se calar (nunca divergir e/ou contestar). Sem nenhuma dúvida, isto tropeçava dentro do próprio grupo de poder nos percalços da reforma partidária que o governo Castello Branco elaborava.

A revista Visão, que se incumbia de divulgar os benefícios do golpe de 1964 e as posições de inúmeros componentes do grupo de poder, insistia na necessidade de restabelecimento da luta pelo poder como forma de revigoramento da vida partidária.45 A luta pelo poder, da qual falavam os grandes empresários, principalmente, estava circunscrita àqueles que apoiavam o regime. Diante da possibilidade de uma concentração do poder na qual se alargassem as exclusões do grupo de poder, algumas frações dominantes advogavam a necessidade de criar alguns suportes para a normalidade democrática46 a fim de evitar uma crise institucional.

No final de 1964, a possibilidade de uma crise institucional levava a um amplo debate, no interior do grupo de poder, sobre as medidas que poderiam concretizar a sua hipotética normalidade democrática sem desencadear a referida crise no período eleitoral, por exemplo. A posição do empresário e governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto,47 sobre a necessidade de convocação de uma constituinte causava uma grande controvérsia no interior do regime.

Com base nos depoimentos dos representantes do grande capital, principalmente, assistia-se, alguns meses após o movimento militar de 1964, ao crescimento das dúvidas com relação à suposta normalidade democrática a que o Presidente Castello Branco se referia. As pressões militares pairavam sobre as supostas reformas políticas que, segundo o primeiro governo militar, iriam no sentido da legalidade.

Ao se referir à normalização democrática, os militares tentavam construir a legitimidade do novo regime entre todos os segmentos sociais. Portanto, as reformas políticas e econômicas visavam tanto ganhar aceitabilidade entre as forças sociais dominantes, quanto consolidar a adesão dos demais setores da sociedade aos objetivos do movimento militar de 1964.

A normalidade democrática vinha associada na fala do grupo de poder (militares e civis), ao combate à subversão, ao

 

 

saneamento financeiro e ao restabelecimento da ordem social como forma de manutenção da liberdade. A denominada ação político-reformista, que atingiria todas as esferas, atuaria no sentido de concretizar tais ideais democráticos. Esta hipotética democracia era definida em termos de restabelecimento da ordem social, principalmente. Portanto, era um ideal a ser alcançado num tempo curto, uma vez que o próprio movimento militar teria se inspirado nele.

Não se encontra filiada a nenhuma perspectiva teórica a definição de democracia pautada no restabelecimento da ordem social, no sentido que era proposto por militares e civis que compunham o grupo de poder no imediato pós-golpe. A ordem era mostrada, pelo grupo de poder, como a base do progresso econômico e social. A insistência em que a sua fórmula de democracia era um regime de extrema confiança no poder executivo, se constituiu, assim, na base de sua tentativa de sedimentação de uma consciência favorável a seus feitos e desígnios.

A inevitabilidade do regime militar era mostrada como um passo necessário na nossa evolução política. Castello Branco afirmava que o restabelecimento da normalidade democrática e da ordem, propostas pelo regime, possuíam raízes muito mais “profundas do que imaginam os que a pretendem limitar a simples episódio de rebeldia popular, ao qual se associaram decisivamente as Forças Armadas.”48 A defesa do regime era feita, então, em nome da preservação dos ideais democráticos almejados pelo povo brasileiro. “Na realidade, a revolução de 31 de março representa estágio inevitável da nossa evolução. Um elo nessa extraordinária cadeia de acontecimentos que nos tem permitido, através de numerosas vicissitudes, progredir sem prejuízo da conservação das características fundamentais dos sentimentos do nosso povo.”49

A constituição de um ideário de democracia que legitimasse o novo estado de coisas passava pela insistência de que o movimento militar representava os interesses populares, bem como os seus valores que encerravam um anseio por liberdade com ordem, o que somente o regime que se instaurava era capaz de garantir. Afirmava o presidente Castello Branco: “Prova inequívoca e incontestável é a própria decisão inicial da Revolução, que, num momento de triunfo e quando nada lhe poderia

 

 

contrariar as determinações, jamais vacilou no empenho de preservar os órgãos representativos da democracia e da legalidade.”50

Os militares no poder insistiam em que os órgãos da democracia representativa estariam preservados à medida que o Congresso e os partidos estivessem submetidos aos ditames do executivo. Este último era, então, o órgão máximo de representação dos interesses do povo; o que vai culminar, nos anos posteriores, com a dispensa de instituições de representação, pois o executivo estabeleceria diretamente, segundo os condutores da ditadura, o contato com todos os setores sociais.

O regime militar construía uma noção de representação fora de qualquer parâmetro das discussões teóricas que se desenvolveram historicamente. Somente a título de exemplo, pode-se citar os pressupostos da democracia liberal51 que se desenvolveram a partir de meados do século XIX e defendiam uma organização política baseada na soberania popular, cidadania, eleições, independência de juízes, liberdades políticas, pluralismo de partidos, etc.. Colocavam-se, assim, as bases de uma idéia de representação fundada nesses elementos.

Não há dúvida, porém, de que a noção de representação do regime militar dialogava com estes elementos, mas de maneira absolutamente deturpada, ou seja, o próprio movimento militar era, segundo os seus condutores, a encarnação da soberania popular, a qual pretendia estabelecer, através de atos pautados na legalidade, as eleições e o bipartidarismo como forma de garantir as liberdades políticas e civis que estariam ameaçadas pelo esquerdismo. Todavia, será demonstrado posteriormente que a partir de 1968, e/ou mais precisamente após a decretação do AI-5, alguns condutores militares e civis do regime defenderão a necessidade de extirpar do sistema político brasileiro todo e qualquer traço da democracia liberal, uma vez que ela proporciona, segundo eles, liberdade em excesso o que conduziria inexoravelmente a sociedade ao comunismo.

A argumentação do regime a favor da preservação de uma suposta legalidade e de pretensos ideais democráticos eram associados de forma mais enfática, pelos detentores do grande capital,52 no imediato pós-golpe, a um compromisso com a preservação de seus interesses e menos aos valores pelos quais

 

 

os militares justificavam o golpe. Tanto que, no primeiro decênio da ditadura, somente os militares falavam sobre qual democracia eles estariam buscando, o que fazia parecer que existia, no plano dos valores, uma sintonia completa entre os integrantes do grupo de poder. Havia um consenso entre eles, de que os militares eram os únicos capazes de sedimentar os valores de uma suposta democracia que convinha aos seus interesses; o que não significava a inexistência de dissensos quanto a esses últimos.

A retomada do desenvolvimento53 e de uma suposta normalidade democrática era apresentada pelo governo como uma promessa que seria cumprida se não fossem atropeladas as condições que se estabeleciam.54 No transcorrer do ano de 1965 eram visíveis as tentativas de realinhamento55 de forças para as eleições que se realizariam em 1966 em meio a uma tentativa do regime de ganhar adesão para o seu suposto ideário de democracia pautado na insistência da não-necessidade de atuação, nem mesmo dos componentes do grupo de poder, no processo político.

Nessas condições, a busca de legitimidade centrada em uma pretensa normalidade democrática do novo regime ia assumindo uma feição cada vez mais inusitada à medida que as reformas (do Congresso, do Poder Judiciário, etc.) se encaminhavam no sentido de fortalecimento do poder central e de esvaziamento da participação política daqueles que davam sustentação ao regime instalado em 1964. Algumas das ambigüidades que acompanharão toda a ditadura militar ficavam evidentes: a autodefinição do movimento de 1964 como democrático na sua essência e a normalidade democrática como uma meta e/ou promessa futura que o regime estaria incumbido de realizar.

Em 27 de outubro de 1965 foi promulgado56 o AI-2, estabelecendo eleição indireta, extinguindo os partidos e dando poderes absolutos para a esfera federal intervir nos estados.57 O referido ato58 de exceção não impedia que o Presidente Castello Branco tentasse ganhar aceitabilidade para essas medidas através da insistência na identificação da “revolução com a democracia e com o Brasil”.59

Ficava estabelecido com a posse de Juracy Magalhães, em 1965, que a tarefa de concretizar os supostos objetivos democráticos do golpe militar pertencia ao Ministério da Justiça.

 

 

O referido ministro estaria incumbido de resolver a crise institucional para se alcançar a estabilidade política, o saneamento moral, o equilíbrio financeiro, o desenvolvimento econômico e o progresso social.60

O saneamento moral era um dos elementos definidores do suposto ideário de democracia da ditadura. O Ministro da Justiça dizia-se incumbido de formar os homens democráticos nos moldes do novo regime;61 o que significava banir da mentalidade dos brasileiros todo e qualquer espírito de oposição e/ou contestação. Os pronunciamentos dos militares e civis que conduziam o regime iam sempre no sentido de estabelecer um conjunto de normas e idéias que criassem atitudes favoráveis ao estado de coisas vigentes.

O saneamento moral era uma espécie de valor objetivo e subjetivo ao mesmo tempo. Objetivo no sentido de que o regime se debatia para formar um juízo favorável sobre ele, as Forças Armadas e as instituições (família, Estado, escola, etc.) que a ditadura se dizia incumbida de proteger. Este empenho devia, então, culminar em aceitação e internalização desses valores pelos indivíduos, grupos e instituições sociais. A criação de valores sociais positivos e/ou favoráveis ao regime visava fundamentalmente alcançar adesão dentro e fora do grupo de poder.

O regime teve êxito no que diz respeito à criação e divulgação da idéia de que ele era democrático, uma vez que a ditadura conseguia fazer com que amplos segmentos questionassem, concordassem e/ou discordassem de que seus atos, intenções e ações se situavam em alguma forma de democracia. No âmbito do Poder Judiciário, por exemplo, havia uma polêmica sobre a forma de condução do processo político. O Ministro Ribeiro da Costa, do Supremo Tribunal Federal, afirmava: “já é tempo de se compenetrarem os militares de que, nos regimes democráticos, não lhes cabe o papel de mentores da Nação (…).”62

Em reação, o gal. Costa e Silva afirmava “que os militares só voltariam aos quartéis quando o povo assim o determinasse e que não importava se o Presidente da República parecia politicamente fraco, porque ele estava militarmente forte”.63 O sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia que o regime lutava para elaborar tentava estabelecer laços que parecessem indissociáveis entre o povo e os militares ou seja, se

 

 

o povo determinasse, os militares voltariam para os quartéis, segundo Costa e Silva. Isto visava criar um contrapeso para o fato de que ele estava militarmente forte.

Operava-se uma nítida separação entre o povo e a política. Eles se situavam, na fala dos militares, em um patamar diferente:

o povo não tinha relação com a esfera política, mas sim com os condutores de um regime que estava buscando, segundo eles, disciplinar aquela esfera que nunca havia servido aos interesses da população. Isto era, sem dúvida, um elemento importante, por captar a subjetividade daqueles que sempre se sentiram excluídos do processo político. O regime excluía e tentava reverter a exclusão que sempre foi a tônica do sistema político brasileiro a favor de sua legitimação.

O regime, segundo os militares e civis que faziam parte do grupo de poder e se empenhavam na busca de aceitabilidade para a ditadura, estaria incumbido de preservar os valores e os interesses condizentes com uma suposta ordem democrática, o que era constantemente reafirmado por órgãos da grande imprensa. A revista Visão, por exemplo, afirmava que “a democracia brasileira (teria sido) salva mais de uma vez em função da existência de Brasília em pleno deserto do Planalto Central. À distância dos tumultos populares e das inquietações militares, o Palácio do Congresso mantém a rotina de seus trabalhos e permanece símbolo atuante (…) de um regime democrático.”64 O funcionamento desta “democracia do deserto” significava um total distanciamento de toda e qualquer manifestação. Isto garantia a separação desta democracia, na acepção dos condutores e sustentadores do regime militar, da repressão aos tumultos.

Nessas condições, esta suposta democracia não excluía a repressão, uma vez que elas se colocavam, para a ditadura, em dimensões diferentes. Aqueles que não aderiam ao regime militar eram considerados fora dos parâmetros democráticos, portanto, expostos a todos os males que isto acarretava. A repressão e a violência contra o movimento operário, a desestruturação dos sindicatos, a limitação da lei de greve, etc., eram garantidas pelos atos institucionais; os quais eram apresentados como uma exigência da democracia que a ditadura estaria criando.65

Assinale-se,  novamente,   que   o   regime   militar

 

 

autodenominava a sua estratégia política de democrática mesmo não existindo qualquer relação entre ela e os elementos que, no decorrer dos tempos, se constituíram em traços centrais das pressuposições em torno da democracia. A busca de legitimidade pela ditadura exigia essa constante recorrência a uma supositícia idéia de democracia que passava ao largo das garantias constitucionais (direitos políticos e sociais), da existência de uma estrutura partidária e de representação que expressasse as diferentes forças sociais, da publicização das decisões tomadas no âmbito do Estado, do controle dos cidadãos sobre as mesmas e da valorização das instituições políticas fundamentais.

As tensões latentes no interior do sistema de poder que se agravavam em 196666 tendo em vista a reformulação político- partidária,67 a forma de condução da política econômica, o encaminhamento do processo sucessório e a crise militar culminaram na promulgação do Ato Institucional n. 03, o qual, assim como os demais atos, era mostrado como um compromisso entre a ordem democrática e o regime militar.68 Este último estaria, segundo ele próprio, recorrendo aos atos institucionais como uma forma de aperfeiçoar o regime e sua forma de democracia.

O Ministro da Justiça, Juracy Magalhães, afirmava que a “missão fundamental do sucessor do Presidente Castello Branco ser(ia) a de garantir a completa normalização da vida democrática do País. Nenhum dos responsáveis pelo Movimento de Março de 1964 desejaria a extensão das medidas excepcionais (…). Muito ao contrário, todos temos, na vida pública brasileira, longa tradição de luta em defesa da democracia. A política, porém, é a arte do possível – e, como tal, é contingente. Assumimos, assim, inteira responsabilidade pelos atos que se tornaram imprescindíveis à recuperação nacional.(…) Passado esse momento excepcional, será preciso assegurar ao Brasil condições que lhe permitam prosseguir na marcha tranqüila e firme, no caminho da completa democratização.”69 Ele argumentava ainda que essa tarefa de completa democratização do Brasil iria ser cumprida pelo gal. Costa e Silva, o qual possuía, segundo Magalhães, as mais firmes convicções democráticas.70

As supostas convicções democráticas dos militares se tornaram o elemento básico das investidas do regime para ganhar

 

 

aceitabilidade entre os diversos segmentos sociais. Tanto os seus pronunciamentos em favor da família, da empresa privada, do direito de religião, dentre outros, que eram um ataque ao comunismo, quanto as suas afirmações de que iriam respeitar os ritos no processo de sucessão e no andamento do seu governo, eram divulgadas como provas de que suas formações expressavam a única democracia que convinha ao país.

Costa e Silva, candidato à presidência da República, afirmava: “considero igualmente democráticos os sistemas direto e indireto de eleição, e isso está na doutrina e na experiência das grandes democracias do mundo. (…) Desde que tornei pública a minha disposição de concorrer ao pleito, jamais deixei de conformar-me às normas e aos ritos estabelecidos para a sucessão. Não pretendo mais do que o desdobramento lógico, até o final, dessas normas e desses ritos”.71

Segundo os militares, a adesão dos diversos grupos sociais ao regime seria paulatinamente construída. Deste processo deveriam participar todos os componentes do grupo de poder através da formação, em toda a sociedade, de novos valores de acordo com os valores da instituição militar, em que prevalecia um senso de ordem e disciplina como fundamento da liberdade social, que assumia uma conotação de que nas relações interativas entre pessoas e grupos, os militares seriam os protetores para que ninguém agisse e/ou levasse a termo decisões não- condizentes com os propósitos do regime instaurado em 1964.

Nessas condições, o grau de liberdade social seria definido inteiramente pelos militares, numa relação em que era subtraída das pessoas e dos grupos qualquer liberdade de emitir opiniões divergentes, opostas e/ou contestatórias.72 A liberdade assumia um significado estritamente singular na acepção dos componentes do grupo de poder, ou seja, a relação liberdade/não-liberdade tinha, para os militares, diferentes acepções: tinha uma acepção quando atribuída aos governados e outra, para os governantes.73

Em seu apelo à legitimidade, os militares afirmavam que estariam empenhados em construir um tipo de sociedade em que os indivíduos e grupos sociais somente estariam livres para atuar no sentido de fazer prevalecer os valores e interesses que a ditadura estava incumbida de defender. Esta liberdade não consistia em

 

 

poder fazer aquilo que se queria mas sim o que se devia, pois era o regime militar que decidia o que os governados deveriam querer, o que, evidentemente, não aparecia desta forma, mas como um processo de interação entre o povo e o regime.

 

A democracia, para mim, é muito mais participativa do que propriamente garantia de liberdade. um mínimo de liberdade que é indispensável, realmente, e deve ser assegurada à sociedade, mas desde que a sociedade participe das grandes decisões e colabore com o governo nas leis e nas medidas que devam ser tomadas.74

 

Os representantes da ditadura militar argumentavam que a democracia era a combinação da liberdade com a autoridade, num processo em que se definia arbitrariamente o que era ser livre. Impunha-se à sociedade a idéia de que ela possuía liberdade de se proteger contra aqueles que subjugaram os valores e os interesses que o regime estava resguardando. A incorporação e a aceitação dos princípios de liberdade do regime vigente deveriam ser feitas, então, de várias maneiras, para abranger as diversas instituições sociais e políticas.

Num quadro de fortalecimento75 da “linha dura”76 dentro do governo77, Costa e Silva mostrava-se preocupado em definir no âmbito político o processo de incorporação dos diversos princípios do regime militar dentro da constituição, o que deveria ser feito com a ajuda do Congresso.78 A efetivação do regime, segundo ele, se daria por esse processo. Tanto o primeiro quanto o segundo governo militar argumentavam ora que as liberdades democráticas eram o próprio fundamento do regime militar, ora que eram conciliáveis com o mesmo a partir da consolidação constitucional.

Nas entrevistas e nos pronunciamentos de Costa e Silva, a suposta verdadeira democracia assumia uma feição de não- oposição, não-contestação, não-participação das diversas forças sociais no processo político. As cassações e suspensões dos direitos políticos, segundo ele, faziam parte da hipotética normalização democrática do regime. A liberdade de pensamento, por exemplo, era permitida apenas àqueles que concordavam com o processo político em curso. Costa e Silva denominava a isto liberdade com responsabilidade.79 Todo e qualquer desacordo era considerado

 

 

antidemocrático e prejudicial ao andamento do processo de restauração do Brasil.

Os tecnoburocratas,80 peças chaves do grupo81 de poder no processo de busca de aceitabilidade e adesão para o regime pós- 1964, definiam a democracia tendo em vista a eficiência das reformas econômicas e políticas. Em A fala dos homens, Maria de Lourdes Covre mostra com precisão a emergência do tecnocratismo e o desenvolvimento de uma “idéia de democracia (que) perde (..) sua substância clássica: no lugar da vontade política popular estabelece-se a determinação objetiva das coisas, que o próprio homem produz como ciência e trabalho”.82

A formulação de um ideário de democracia pelos militares, tecnoburocratas e representantes do grande capital objetivava funcionar como um tipo de esteira para amenização dos conflitos sociais. A partir disto seria, então, possível ir formando, segundo eles, um grau cada vez maior de aceitação das condições que se estabeleciam naquele momento. As classes empresariais, por exemplo, mostravam-se descontentes com os rumos83 que tomava a política econômica84 e exigiam a expansão do crédito e dos meios de pagamentos. No entanto, endossavam85 as medidas do governo no plano político e consideravam que o caminho da conciliação de uma supositícia normalização democrática com formas de controles ditatoriais estava corretíssimo.

Theobaldo de Nigris, Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, dentro desta perspectiva de uma necessária solução dos problemas e conflitos como forma de alcançar um alto nível de adesão ao regime, afirmava que era necessário “aplaudir um governo que veio para pôr um paradeiro a esse estado de coisas (o caos anterior ao Governo da Revolução) e reerguer a economia do país.”86 Examinando declarações de outros representantes do capital, naquele momento (1966), como Antônio Carlos do Amaral Osório, presidente da Confederação das Associações Comerciais do Brasil e Daniel Machado de Campos, presidente da Associação Comercial de São Paulo,87 ficavam evidenciadas as suas insistências em assinalar que o governo estava correto quanto à condução do processo político que visava a eficiência econômica e o estabelecimento da ordem social.

 

 

No debate sobre a reforma constitucional, em 1967, a idéia de democracia dos membros do Congresso, tanto do MDB quanto da ARENA, ganhava um sentido muito próximo àquela dos militares e dos representantes do capital. Prevalecia a ligação da democracia com o restabelecimento da ordem e do crescimento econômico. O aspecto mais singular, porém, era a associação da primeira ao aprimoramento do regime em vigor.

No caso da reforma constitucional, por exemplo, o MDB defendia a sua necessidade e a Arena discordava.88 Todavia, os dois partidos justificavam suas posições em nome do aperfeiçoamento89 do regime militar. O Deputado arenista Clóvis Stenzel, afirmava que o regime era democrático, pois a democracia deveria ser entendida como um governo da maioria, e esta estaria apoiando o regime implantado em 1964. As imposições realizadas nos governos militares eram democráticas, “porque vem de uma maioria. A imposição só é ditatorial quando vem de um governante ou de um grupo. Aqui, trata-se de uma imposição democrática.”90 A questão de fundo era o empenho, das diversas instâncias, em atestar que o processo político em curso era legítimo.

Reiterando as palavras de Maria de Lourdes Covre, no livro A fala dos homens, o significado da democracia ligava-se à determinação objetiva das coisas, ou seja, as imposições eram uma necessidade (porém legítimas) que davam razão aos atos institucionais, aos atos constitucionais e às medidas econômicas e políticas. Dessa forma, o grupo de poder justificou o mais violento ato de exceção (AI-5) como uma imposição democrática que objetivava assegurar os anseios da maioria do povo brasileiro no sentido de aperfeiçoar o regime militar.

 

 

1968: a justificação do terror em nome de uma suposta democracia

 

“Já no decorrer do ano de 68 – com maior visibilidade a partir do AI-5 – é possível perceber a montagem de uma estratégia de implantação do terror por parte do Estado, a partir do endurecimento político do Governo Costa e Silva91 e da preponderância cada vez maior da linha dura no interior do aparelho de Estado.”92 Irene de Arruda Ribeiro Cardoso destaca, no artigo Memória de 68: terror e interdiião do passado, que ficava estabelecida a impossibilidade da política com a implantação do terror em 1968.

Prevalecia o arbítrio e institucionalizava-se a repressão e a tortura, mas mesmo assim o grupo de poder (militares, representantes do grande capital e tecnoburocratas) continuavam tentando ganhar adesão para o regime em vigor através da insistência de que as medidas postas em prática reiteravam e, portanto, não negavam o sentido que eles imputavam à democracia.

Delineava-se o fechamento do regime e/ou a centralização do poder que tomou sua forma mais acabada no Governo Médici93 (1969-1973), no qual ocorreu o fortalecimento do “sistema”. Segundo Fernando Henrique Cardoso, “com o correr do tempo, (…) os choques (por exemplo, quanto à política de concentração de renda, quanto às fusões bancárias, quanto à dependência externa) em vez de levar à institucionalização de formas de debates no interior do aparelho de Estado mais ou menos legitimados, criaram pseudo-consensos94 em nome da segurança nacional e levaram ao fortalecimento de uma espécie de poder paralelo95 chamado ‘sistema’”.96

As movimentações contrárias ao regime97, em meados de 1968, vinham de diversos setores. Os movimentos grevistas e estudantis eram encarados como clandestinos e ilegais pelo governo militar. As greves dos bancários e metalúrgicos em Minas Gerais, em outubro de 1968, eram vistas como atentados à ordem institucional. O ministro do Trabalho afirmava: “Não se trata de

 

 

salários. É a ordem que está em jogo”.98 O Conselho de Segurança Nacional99 passava a discutir sigilosamente quais seriam as estratégias diante dos movimentos que contestavam o regime. Com o aparecimento das primeiras atividades da esquerda armada, os diversos setores que compunham o grupo de poder (civis e militares) se colocavam de acordo com o fechamento do regime100 e, portanto, com o endurecimento do “sistema” de poder.

O ressurgimento das greves101 no cenário político apavorava os representantes do capital com a possibilidade de crescimento desses movimentos e sem hesitação eles concordavam com a ditadura102 de que a questão em jogo não era aumento103 de salário, mas sim o questionamento do processo político-econômico e, por conseguinte, da legitimidade do regime e de sua suposta democracia que estava sendo implantada.

Os militares, os tecnoburocratas e os representantes do capital104 estavam de acordo quanto ao caráter subversivo de todos os movimentos estudantis e grevistas. O terreno para a instalação do terror105 foi se preparando durante o ano de 1968. Os líderes sindicais tidos como esquerdistas eram perseguidos e os sindicatos desmantelados em nome da institucionalização do movimento de 1964 e de uma fictícia normalidade democrática. Os trabalhadores estariam sendo influenciados contra o regime por grupos clandestinos e subversivos. O grupo de poder justificava, assim, a repressão a todo o movimento considerado perigoso e nocivo à sociedade. A ditadura estabelecia uma verdadeira batalha para conseguir dividendos políticos do próprio processo de recrudescimento que se estabelecia. Continuavam, então, a justificar que suas medidas eram uma forma de proteger a maioria da população das investidas de uma minoria. Em novembro de 1968 estava claramente delineado que o regime caminhava para o recrudescimento. Componentes do grupo de poder se declaravam favoráveis à utilização de novas medidas de exceção caso fossem necessárias. O presidente da Associação dos Diretores de Empresas de Crédito, Investimentos e Financiamentos, Luís Moreira de Souza, afirmava: “o mais importante do encontro foi a convicção com que o Presidente (da República) demonstrou que não pretende usar a força senão na estrita medida da necessidade de defender o regime e as

instituições”.106

 

 

Nos casos de defesa do regime era plausível, segundo o último empresário citado, a utilização das mais duras medidas de exceção. Posições como estas embasavam a implantação do estado de terror que culminaria um mês depois no AI-5 e serviam também como sustentáculo para as posições de que a “revolução não seria perdida por timidez”, portanto, seriam tomadas as medidas necessárias para garantir a viabilidade política do regime.107

Os condutores e sustentadores da ditadura militar tentavam arrancar da natureza do próprio poder os meios de justificá-lo. Portanto, a lógica da legitimidade coercitiva supunha que o regime vigente era o gerador e o mantenedor do consentimento e não a coletividade social. Nessas condições, a ditadura deixava transparecer, mesmo tentando ocultar, que a viabilidade política do regime dependia muito mais de quem comandava do que de quem obedecia.

Em 13 de dezembro de 1968 passou a vigorar o Ato Institucional nº 5108, o qual significava a implantação do estado de terror em nome da continuidade e do aprimoramento da ordem institucional. O executivo passava a ter poderes para intervir em todas as esferas da sociedade. Institucionalizava-se a tortura e outras formas de repressão.109 O grupo de poder justificava o golpe dentro do golpe como a única saída, tendo em vista que os movimentos de resistências criavam uma situação de embaraço para o governo e para o próprio regime.

“Em dezembro de 1968, o AI-5 demonstrou que para os nacional-estadistas do General Albuquerque Lima (…) e para o

`sistema’, a oposição ativa nas ruas e no Congresso era incompatível com o desenvolvimento e com a Segurança Nacional”.110 O Ato Institucional n. 05 com seus dispositivos altamente repressores foi, também, justificado pelos civis e militares que conduziam e buscavam aceitabilidade para o regime em nome de um devir111 hipoteticamente democrático, o Presidente Costa e Silva afirmava: “Com ele (AI-5) entramos no novo ano de governo, dispostos a completar as reformas da revolução.(…) Compatibilizando o poder Legislativo com a altíssima missão que lhe reserva o povo brasileiro, em sua ânsia de desenvolvimento e em sua preferência indiscutível pelas formas de convivência democrática”.112

 

 

Portanto, o presidente Costa e Silva dizia que o AI-5 era uma forma de restabelecimento do “regime político tradicional e, ao mesmo tempo, dotando o Governo dos instrumentos indispensáveis à manutenção da ordem, da tranqüilidade e da paz pública, a nova lei básica afirmou o princípio de autoridade e realizou, sabiamente, a síntese dos ideais democráticos113 com os ideais revolucionários.”114

O AI-5 teria, então, o objetivo de completar a revolução que, segundo Costa e Silva, já era democrática na sua origem, porque levava em conta os anseios do povo brasileiro. Os condutores do regime mostravam-se como os tradutores únicos dos desejos de toda população que eram, segundo eles, os de fornecer ao poder executivo todos os poderes para que a ordem fosse mantida.

O Ato Institucional de 13 de dezembro de 1968 era democrático, segundo Costa e Silva, porque respondia aos anseios do povo de manutenção da ordem, da disciplina e de uma paz pública pautada na autoridade e num alto grau de controle sobre a sociedade. O movimento militar estaria, então, transformando os desejos do povo em atos e medidas concretas como forma de fortificar um sistema de idéias e valores democráticos que era ao mesmo tempo, segundo ele, algo inerente ao espírito dos brasileiros e fundamento da atuação dos militares no poder.

Confirmava-se, assim, a contínua preocupação da ditadura com a elaboração de um sistema de idéias e valores sobre todos os elementos constituintes da vida social. Portanto, o suposto ideário de democracia que o regime formulava funcionava como uma espécie de desaguador e justificador das demais idéias e dos demais valores que ele se dizia incumbido de defender e difundir.

O grupo de poder buscava adesão para as suas ações, medidas e desígnios nas diversas áreas da vida social. Porém, a sua estratégia de atuação no campo dos valores era, certamente, essencial. O presidente Costa e Silva, por exemplo, ressaltava que o governo precisava de símbolos que expressassem a cooperação entre as diversas classes sociais e entre estas e o governo. Segundo ele, a iniciativa privada precisava atuar de modo que esses símbolos fossem multiplicados.

A estratégia psicossocial traçada pelo regime teria começado a dar frutos, dizia ele, à medida que símbolos de cooperação,

 

 

harmonia, coesão e integração começassem a florescer por todo território nacional. Por ocasião da inauguração de um centro desportivo e cultural pelo SESC, em São Paulo, o presidente Costa e Silva afirmava que via ali “o resultado de um grato trabalho em que se empenha(vam), com inteira compreensão, empregadores e empregados. Obras como estas devem prosseguir. Alegro-me por ver no Brasil de hoje todos irmanados, classes empresariais e governo, trabalhando pelo progresso do país, e por saber que as empresas procuram colaborar com a mensagem do governo, que é a de dignificar o homem. Principalmente quando se trata do setor educacional, que a União considera de vital importância para o futuro da nação.”115

Havia uma constante insistência na idéia de que a ditadura tinha como objetivo básico dignificar o homem. O seu hipotético ideário de democracia era formulado, também, a partir dessa noção. A educação seria, assim, a instância básica em que a ditadura iria construir esse novo homem supostamente dignificado. A internalização dos valores de não-contestação e não-conflito pelas diversas instituições sociais (empresa, escola, família, dentre outras) objetivava conduzir todos os indivíduos ao congraçamento total com o regime.

“É muito importante que todas as classes estejam perfeitamente sintonizadas para (…) alcançar a meta do século: o homem. O patrão que vem dizer ao empregado que ele é uma criatura humana, automaticamente apóia os desejos governamentais, que podem ser sintetizados na dignificação do homem”.116 O presidente Costa e Silva exigia apoio automático, de todos os setores sociais, aos desejos governamentais, uma vez que estes se situavam dentro dos parâmetros de uma democracia com responsabilidade voltada, dizia ele, para o homem; o qual deveria ser despido e/ou desarmado de todo e qualquer sentimento contrário aos desígnios dos governos militares. A adesão e a aceitabilidade inquestionáveis eram extremamente reveladoras da natureza da legitimação pretendida pela ditadura. O regime militar pretendia, através de sua estratégia psicossocial, promover não o entorpecimento da consciência da maioria da população, mas formar uma consciência favorável e, portanto, participativa no sentido de defender e propagar, de

forma contínua e sucessiva, os valores essenciais da ditadura.

 

 

O desenvolvimento de uma consciência altamente favorável à ditadura dependia, segundo o presidente Costa e Silva, da multiplicação dos símbolos que expressassem a cooperação e a aceitação dos diversos grupos sociais com o regime em vigor. A busca de internalização, pela maioria da população, de determinados valores sociais tidos pelo regime como um dos fundamentos de sua existência fazia com que a ditadura insistisse constantemente na exaltação de uma série de símbolos.

Na esfera da educação formal, as escolas deveriam reforçar com grande assiduidade os símbolos que expressavam o patriotismo. A bandeira nacional, o hino nacional, as datas comemorativas como a semana da pátria, dentre outros, podem ser citados como exemplo. Na esfera da família, o regime batalhava para que fossem propagados, também, símbolos que enaltecessem os valores considerados por ele como fundamentais. Na esfera empresarial, a ditadura solicitava que fossem multiplicados continuamente os símbolos de congraçamento e de cooperação entre o patrão e o empregado.

Costa e Silva afirmava que o regime precisava indiscutivelmente destes símbolos.117 Para o presidente Costa e Silva (1967-1969) a fundação de centros desportivos e recreativos pela indústria e pelo comércio através do SESC e do SENAI deveriam servir como exemplo da implantação de símbolos de coesão e integração que o regime vinha defendendo desde o seu início.

 

1969 – 1973: a busca de conexidade entre o plano objetivo e o subjetivo

 

Os integrantes do grupo de poder da ditadura assinalavam que havia diferenças entre a sua política de proteção dos valores ligados à família e o desenvolvimento de uma política personalista e/ou particularista. Ou seja, o regime estaria fornecendo, segundo ele, os instrumentos para o desenvolvimento de um Estado que, afirmavam os militares, não expressaria as vontades individuais e/ou de grupos, mas sim a preservação das instituições mantenedoras do próprio Estado.

 

 

Em diversos momentos da história política brasileira, o Estado foi tomado como uma prolongação da família. Via-se, assim, como afirmava Sérgio Buarque de Holanda, o Estado como a ampliação do círculo familiar, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas.118

De maneira sumamente singularizada, o regime atuava no sentido de potencializar, porém, os traços oligárquicos deste tipo de Estado. Os últimos elementos apontados como fundantes do Estado em outros momentos da história política brasileira ganharam, na ditadura militar, contornos que os combinaram perfeitamente com as novas condições. No entanto, a ditadura tentava construir um sistema de idéias e valores que exaltavam que o poder na mão dos militares expressava uma forma de política não-personalista e não-particularista.

O grupo de poder insistia em que se estava criando um novo Estado que, segundo ele, se diferenciava de tudo o que se conhecia até então. Daí a negação de seu caráter oligárquico, o que era feito, evidentemente, apenas no nível da retórica, à medida que a prática política o sedimentava com uma força exorbitante e renovada. O apelo à legitimidade exigia que o regime, ao menos no plano da retórica, aparecesse preocupado com a distinção entre o que é público e o que é privado. Pois, “dela surge a idéia do governante como um servidor da cidadania, em cuja representação administra os interesses públicos.”119

Esses elementos não poderiam, evidentemente, estar presentes, de fato, num regime ditatorial, o qual era exatamente a negação daquela separação à medida que os condutores do regime não tinham, sequer, seus atos sujeitos à lei (vide conteúdo do AI- 5, por exemplo). No entanto, eles buscavam legitimidade construindo um sistema de idéias e valores calcado numa suposta separação entre a esfera pública e a esfera privada.

Neste processo, a ditadura militar se favorecia da separação entre a vida social e a vida política que, segundo Sérgio B. de Holanda, era engendrada e engendrava ao mesmo tempo o alheamento da política como algo culturalmente presente no espírito dos brasileiros.120 A existência de figurantes mudos que perpassou toda a história política brasileira garantia a manutenção da autoridade tutelar para o último autor citado.

 

 

A possibilidade de que a busca de adesão, pela ditadura, estivesse centrada num sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia somente pode ser entendida a partir da cristalização de um processo de exclusão social extremo que sempre foi a tônica da política brasileira. A invenção de um sentido para a democracia nos termos realizados pelo regime militar não seria possível sem a separação exorbitante entre a vida social e a vida política.121 Nunca existiu na sociedade brasileira qualquer base (social, política e cultural) para a democracia, porém era exatamente a partir dessas condições que o regime militar, desde o seu início, se dizia empenhado em construí-la.

A busca de legitimidade pela ditadura mantinha o princípio de autoridade assentado em relações privadas, o que não o impedia de insistir em que o movimento de 1964 estava estabelecendo uma relação de autoridade que se pautava na democracia com responsabilidade, a qual necessitava ser tutelada pelos militares que se autodefiniam como únicos portadores dos requisitos para exercer essa tutela. O afastamento dos diversos setores sociais das decisões políticas fazia com que o apelo à legitimidade fosse embasado em fórmulas para justificar esse afastamento. Havia necessidade, segundo os componentes do grupo de poder, de educar a democracia, de domá-la. Desta forma, mesmo a sua supositícia democracia precisava ser continuamente disciplinada aos objetivos da “revolução” de 1964. A insistência na não-necessidade de atuação, inclusive dos próprios componentes do grupo de poder no processo político em curso fazia parte deste processo de disciplinamento da suposta democracia que a ditadura estaria construindo. Este teria como objetivo principal alcançar a estabilidade política almejada pelos componentes do grupo de poder, a qual estaria fundada tanto no saneamento moral quanto nas demais medidas das

esferas econômica, social e política.

No entanto, o saneamento moral passava a ser a chave central do empenho do regime militar para a construção de sua aceitabilidade. Todas as demais medidas eram indubitavelmente remetidas a ele. A ditadura, no imediato pós-golpe, apostava na possibilidade de moldar a mentalidade de todos às novas condições que se implantavam, o que era, sem dúvida, um contra-

 

 

senso pois ela se auto-intitulava, ao mesmo tempo, a expressão máxima dos desejos, aspirações e valores sociais da maioria dos brasileiros. Se a “revolução”, como o grupo de poder a designava, era somente a externalização dos valores sociais mais significativos da maioria da população brasileira, por que haveria, então, a necessidade de um saneamento moral que viesse moldá- la às novas condições?

Essa ambigüidade perpassou todo o período de 1964 a 1984 de maneira às vezes mais, às vezes menos acentuada. Os ideólogos e condutores da ditadura insistiam de maneira geral, que a “revolução” era legítima tendo em vista que ela expressava o que havia de mais profundo nos anseios da própria população brasileira. Em última instância, ela era mostrada como uma espécie de materialização dos desejos e valores sociais dos brasileiros.

No entanto, a todo momento, a ditadura se via diante da necessidade de justificar os seus atos e ações como parte do processo de moldagem de todas as mentalidades de acordo com os objetivos do movimento de 1964. A não-solução dessa ambigüidade potencializava, por um lado, a suposta identificação entre o povo e a revolução num plano geral e abstrato e exigia, por outro, no plano das ações e medidas específicas da ditadura a justificação de que as mesmas tinham como objetivo moldar a sociedade em geral e os indivíduos em particular às condições sociais que emergiam da “revolução”.

O regime tentava construir laços indissociáveis entre o povo e os militares, os quais somente podiam ser estabelecidos no plano dos supostos valores subjetivos que eram apresentados como uma das razões básicas do movimento de 1964. Está sendo demonstrado que todos os condutores da ditadura se diziam, assim, incumbidos de corrigir e/ou ajustar toda a sociedade ao regime militar e nunca este último àquela primeira.

O apelo à legitimidade, tanto no governo Costa e Silva quanto nos demais, dava ênfase às supostas convicções democráticas dos militares, as quais seriam inerentes a eles como uma espécie de valor natural que permitia a justificação das medidas mais repressoras em nome dessa pretensa convicção adquirida pela sua formação militar. Todos os valores atuantes deveriam, assim, incorporar os valores da instituição militar, tais como: o senso de ordem e de disciplina.

 

 

As denominadas, pelo grupo de poder, imposições democráticas eram justificadas a partir desses supostos elementos democratizantes que estariam presentes nos condutores do regime que vigia no país. Assim, nessas condições, mesmo a partir da implantação do Estado de terror com a edição do AI-5 (dez. 1968), em que se abolia paulatinamente os espaços da esfera política, o regime reafirmava de forma inédita a sua pretensão de legitimidade.

A impossibilidade da política pressupõe a impossibilidade da democracia. No entanto, o regime militar insistia em buscar aceitabilidade para suas ações e desígnios mesmo nessas condições. Este empenho não se dava, porém, somente no plano subjetivo, mas também no objetivo. A ditadura fazia conviver ao mesmo tempo o terror institucionalizado e a busca de adesão a seus propósitos.

No plano objetivo prevaleciam as justificativas, por parte do grupo de poder, da necessidade de tomar determinadas medidas visando resguardar, segundo ele, a maioria da população dos atos de uma minoria que contestava a suposta fórmula de democracia da ditadura.122 No plano subjetivo o regime continuava insistindo em alardear pontos de conexidade entre os seus valores e os valores dos demais grupos sociais.

A ditadura militar na sua constante busca de legitimidade divulgava através de diversos atos e pronunciamentos que a vontade popular era transformada em decisões e medidas contidas nos atos institucionais e constitucionais, inclusive no AI-5. Os representantes do grande capital, fração importante do grupo de poder, atuavam no sentido de sedimentar a idéia de que a força era usada apenas no sentido restrito de proteger o regime, suas instituições e sua suposta democracia.123

Desde os primeiros momentos da ditadura militar, era visível que os seus condutores, principalmente os militares, estabeleciam uma relação singular entre a sua suposta fórmula de democracia e a possibilidade de uma normalidade democrática constantemente prometida pelo regime que se instaurava. A partir do exame de suas atuações, medidas e pronunciamentos, é possível afirmar que o grupo de poder se empenhava em tornar aquela primeira um símbolo que pairava sobre a nossa

 

 

organização social. Este deveria, segundo os militares, sintetizar os sonhos, desejos e aspirações de todos os brasileiros.

A pretensão de legitimidade se centrava, então, na construção, pelo regime, de um significado compartilhado entre os diversos setores sociais sobre a sua hipotética democracia. No entanto, a insistência da ditadura em torno da normalidade democrática era a ponte entre as condições objetivas e os valores difundidos pelo regime em vigor. Aquela última aparecia, assim, como um processo de criação das condições políticas, econômicas, sociais e culturais para que a sua suposta forma de democracia disciplinada vigorasse no país.

A ação democrática que era apontada, pelos militares, como uma espécie de ação psicológica fundamentaria a criação de tais condições em todos os âmbitos. Ou seja, era uma espécie de programa que os militares estavam empenhados em desenvolver através da atuação em todas as instâncias sociais. Em um documento publicado pela revista Segurania e desenvolvimento, da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, o gal. Adolfo João de Paula Couto definia o termo ação como uma “atitude dinâmica, seja da comunidade em conjunto, seja – como no caso (…) de grupos selecionados da comunidade.”124

Os militares se referiam a um plano de ação democrática que se assemelhava a uma ação de guerra. A integração dos setores civis na defesa e na internalização dos objetivos do regime era apontada como “um novo tipo de guerra: a guerra revolucionária”.125 Isto porque, segundo eles, a sua suposta fórmula de democracia deveria ser internalizada pelos diversos segmentos sociais para que houvesse um rechaçamento absoluto do inimigo maior que seria o comunismo.

Estabelecia-se, assim, que conseguir aceitabilidade para o regime era a peça chave do processo de supressão das diferenças de concepção de segurança nacional entre os civis e os militares. A criação de uma consciência coletiva homogêea sobre os fundamentos da hipotética democracia que o grupo de poder estaria buscando expressaria, segundo os militares, o ponto máximo de sedimentação dos valores difundidos pela ditadura. A partir daí, a própria Lei de Segurança Nacional seria, diziam eles, responsabilidade de cada cidadão e não mais uma exclusividade das Forças Armadas.126

 

 

Os governos militares investiam, principalmente no primeiro decênio, na adesão ao denominado regime de segurança, o qual, segundo Costa e Silva, era o responsável pelo estabelecimento das condições para se chegar à suposta democracia almejada pela ditadura.127 Em torno da combinação entre segurança e democracia montavam-se inúmeros planos de ação para conseguir aceitabilidade da grande maioria da população.128 Os militares teriam, então, que agir, segundo eles próprios, incansavelmente para conquistar esta última. “Mas o fato é que a guerra revolucionária que interessa tanto ao civil quanto ao militar tem, inexplicavelmente, se conservado como um segredo de exclusivo conhecimento dos últimos. Poucos civis, na realidade, conhecem os processos e técnicas de conquista sucessiva dos povos, através desse diabólico processo revolucionário. O despreparo dos civis, mesmo da elite dirigente, para o assunto e, pois, para o decisivo papel que lhes cabe na segurança nacional, faz com que o militar acorra para procurar cobrir as brechas deixadas na defesa do Estado.”129

A aceitação das medidas postas em prática pela ditadura, bem como a sedimentação de seus valores exigia, segundo os militares, que tanto os civis quanto os militares que apoiavam o regime e/ou possuíam posições de mando e decisão explorassem com veemência os temas que tinham “grande poder de penetração nas massas, como a fome, a miséria, a ignorância, a injustiça social, a doença, etc…”130 O regime arquitetava cuidadosamente os meios de atingir a população. O seu apelo à legitimidade era algo cuidadosamente traçado. Daí a importância da construção de um sistema de idéias e valores que fundisse num único corpo uma hipotética democracia, uma suposta preocupação com o desenvolvimento social e a proteção de valores ligados à família, à escola, à propriedade, ao direito de crença, à pátria, etc.

O militarismo somente seria vencido, segundo os condutores do regime, através da internalização e aceitação total de seus objetivos pelos civis e não pelo ataque de quaisquer grupos aos seus valores. O papel da ditadura seria, então, segundo seus condutores, armar os civis de condições para defender a sua hipotética fórmula de democracia, por isso, o regime estaria estabelecendo uma guerra de dimensões totais, “na qual o objetivo (era) a mente de cada indivíduo”.131

 

 

A singularidade da pretensão de legitimidade do regime estava na forma subjetiva de ele trabalhar suas suposições sobre a democracia. Neste aspecto era visível, durante toda a ditadura, uma significativa homogeneidade no interior dos pronunciamentos, atos e ações dos militares. Ou seja, perpassou, como será visto nos capítulos seguintes, em todos os governos que compuseram aquele regime, o empenho para construir sua aceitabilidade através da atuação junto à mente de todos os indivíduos. Todos deveriam ser atingidos por este propósito através dos sindicatos, das universidades, das fábricas, da família, da escola, da igreja, dos meios de comunicação, etc.. Este processo era denominado pelos militares de ação democrática, uma vez que ela visava criar as bases para se implantar no país o que eles denominavam de a verdadeira democracia. Atingir a mente dos indivíduos significava primordialmente disciplinar a democracia e os indivíduos num mesmo processo de instauração de uma nova ordem social.

Examinando os Planos de Ação Psicológica que eram denominados Planos de Ação Democrática, divulgados pelos integrantes civis e militares do grupo de poder do regime, constata- se que eles objetivavam, estabelecendo missões, entidades e doutrinas, criar uma espécie de religião da suposta verdadeira democracia. Para tal feito, os autores destes planos diziam-se empenhados em nomear comissões, delegados, palestrantes, conferencistas, etc., visando atingir todos os segmentos sociais.132

Todas as medidas econômicas e/ou políticas tomadas pela ditadura vinham acompanhadas de uma enorme articulação no sentido de convencer a população de que as mesmas conduziriam inexoravelmente à suposta democracia com responsabilidade almejada pelo regime. Neste capítulo será demonstrado, por exemplo, que o fechamento do Congresso Nacional era justificado, em meados de 1969, por exemplo, como uma maneira de atingir uma nova forma de democracia partidária, a qual somente seria possível com a submissão do legislativo a todos os ditames do poder executivo.133

A elaboração de um suposto sistema de idéias e valores sobre a democracia era perpassada intermitentemente pela questão da responsabilidade individual e coletiva. Será visto

 

 

posteriormente que os pronunciamentos do presidente Médici iam fundamentalmente neste sentido.134 Havia um empenho da ditadura em criar e divulgar uma noção de responsabilidade que justificasse todas as suas medidas e ações. O apelo à aceitabilidade, no governo Médici, era construído a partir de um sistema de idéias e valores que divulgava a necessária constituição de um governo de compreensão do povo, visando destituir todas as camadas da população de toda e qualquer mentalidade contestatória. A aproximação dos governos militares com o povo se daria, então, tanto através de medidas objetivas quanto subjetivas.

O governo Médici, por exemplo, se empenhou arduamente em consubstanciar as medidas objetivas e subjetivas numa espécie de luta intermitente para ganhar aceitabilidade e adesão.135 As denominadas medidas de impacto como a construção do Brasil Grande Potência, por exemplo, vinham associadas a um processo de condicionamento da mentalidade da maioria da população, via empresa, família, universidades, escolas etc., para convencer a todos de que o regime estaria buscando uma nova fórmula de democracia de acordo com as conveniências das condições sociais existentes naquele momento. O sentido das ações de todos os indivíduos e/ou grupos sociais deveria ser moldado através da imagem de responsabilidade propalada pelo regime como o seu fundamento. O sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia trazia como pano de fundo a insistência numa espécie de responsabilidade inerente às Forças Armadas.Abusca de adesão pela ditadura lidou, durante todos os governos ditatoriais, com a necessária construção e divulgação de uma noção de responsabilidade que, segundo ela própria, a diferenciaria de todos os

demais regimes políticos já existentes no país.

Ao longo deste trabalho procurar-se-á abordar, então, a insistente busca de legitimidade do regime em dois planos básicos: o objetivo e o subjetivo. A atuação do grupo de poder da ditadura naquele sentido não se encerrava somente, apesar de seu papel ter sido fundamental, no âmbito dos pronunciamentos, discursos e/ ou outras formas de moldar a mentalidade às novas condições sociais. Porém, as medidas econômicas e políticas postas em práticas eram justificadas a partir do objetivo a ser atingido.

 

 

Ficará demonstrado posteriormente que no governo Médici, por exemplo, as medidas defendidas pelo grupo de poder da ditadura eram justificadas como necessárias ao fortalecimento do poder executivo, por exemplo. Isto tanto no âmbito objetivo, vide as medidas de impacto, quanto no plano subjetivo. Neste último, operava-se uma verdadeira batalha visando sedimentar a idéia de que todo aquele processo tinha a ver com a necessidade de se alcançar os desejos e aspirações de todo o povo brasileiro.136 A argumentação sobre a necessidade de conciliar segurança com desenvolvimento econômico para se alcançar, através dela, uma hipotética estabilidade política era, também, calcada no sistema de idéias e valores sobre uma supositícia intenção democratizante da ditadura. Os depoimentos tanto dos militares quanto dos civis que compunham o grupo de poderiam

incontestavelmente neste sentido.137

Analisar-se-á que, juntamente com a idéia de responsabilidade, os integrantes do grupo de poder, no início da década de 70, por exemplo, divulgavam, também, que a reconciliação era o fundamento dos propósitos supostamente democráticos do regime.138 Segundo eles, deveria ser feita uma verdadeira doutrinação para convencer o povo de que a única democracia possível era aquela que sedimentasse na mente de todos os indivíduos os valores ligados à responsabilidade e à reconciliação. No seu apelo à legitimidade, o regime procurava justificar a idéia de democracia e de responsabilidade através da insistência em uma sólida formação e em um sólido caráter, igualmente democráticos, dos presidentes militares. Nesses momentos, era visível a importância atribuída, pela ditadura, aos valores sociais tidos como fundantes da ordem que estaria sendo implantada.

Havia uma tentativa de sedimentar a idéia de que os militares se situavam ao mesmo tempo num patamar além dos demais componentes da sociedade brasileira dadas as suas virtudes disciplinares, éticas e morais, mas, também, mantinham laços indissociáveis com a maioria da população no plano desses valores. Todavia, uma das dificuldades de se operar essa sedimentação estava relacionada à falta de hegemonia do grupo dirigente. Ou seja, o apelo à legitimidade esbarrava nesta questão

 

 

à medida que era extremamente difícil, devido à falta de capacidade de direção intelectual e moral de seus condutores, transformar esses valores em bases das ações dos demais atores sociais (inclusive do próprio grupo de poder) e/ou em elementos coordenadores da suposta ordem social que o regime estaria buscando.

A invenção de um suposto ideário de democracia, por exemplo, advinha da própria dificuldade para o grupo dirigente se tornar um guia legítimo dos diversos segmentos sociais. A imposição de um significado para a democracia e, também, o modo de agregar a ela valores singularizados pelas condições sociais vigentes já indicavam os caminhos que o regime seguiria para obter alguma forma de aceitabilidade.

As metas impostas, pela ditadura, à vida social e política não eram ancoradas na crença absoluta de que havia uma aceitação das mesmas por parte da maioria da população. Daí a necessidade de trabalhar a mentalidade dos indivíduos e grupos naquele sentido. O grande problema era, assim, como atingir o estreitamento da relação entre as metas impostas pela ditadura e a sua aceitabilidade.

Nesse processo, o jogo que se estabelecia entre interesses e valores operava, simultaneamente, o processo de mistificação e desmistificação do hipotético ideário de democracia do regime militar. No plano dos valores sociais, tentava-se estabelecer que todos seriam beneficiados com a vigência daquela suposta democracia propalada pelos governos ditatoriais. No entanto, quando a pretensa intenção democratizante era remetida diretamente ao plano objetivo, ficava evidente sua subordinação absoluta aos interesses do grupo de poder.139

A pretensão de legitimidade era, então, sinônimo de criação de um clima de confiança absoluta na ditadura por parte dos diversos setores sociais. Através da abolição das divergências e da capacidade operacional estratégica dos diversos atores sociais, o regime tentava impor um processo de disciplinamento da política como única maneira, segundo ele, de fazer com que a sua (hipotética) verdadeira democracia se impusesse. Era preciso, então, abolir todos os seus riscos de destruição por excesso de divergências e/ou conflitos.140

 

 

A coroação da ditadura

e a insistência no seu suposto caráter democrático

 

A indefinição da noção de liberdade e de democracia tem sido a marca de toda a história política brasileira.141 Tentar ganhar confiabilidade dos diversos setores sociais através de uma idéia vaga de democracia foi algo que percorreu todos os períodos; no entanto, a singularidade da ditadura militar, como está sendo demonstrada, era a seu empenho para ganhar aceitabilidade através da invenção de uma supositícia democracia, a qual era angulada por uma perspectiva particular de liberdade.

Buscando adesão para o regime militar o seu grupo de poder atestava que a despersonalização da política brasileira era, também, o seu objetivo, à medida que o poder político não estaria mais nas mãos de lideranças populistas e/ou de esquerda, mas nas mãos das Forças Armadas, as quais se situavam acima de toda política personalista e, portanto, buscavam uma nova forma de integração entre o povo e o regime.

A luta para a criação de uma consciência coletiva favorável à ditadura era visível a partir de sua obstinação em sedimentar valores e interesses através da insistência no seu desígnio de não- exclusão do povo. Em nome de uma pureza democrática, os militares argumentavam que estariam empenhados em inserir todos os segmentos sociais no processo de proteção da nação contra interesses escusos e opostos à sua vocação. A concentração do poder nas mãos do poder executivo dava-se em nome de um princípio de autoridade que, segundo eles, visava proteger e salvar o país que tinha sido manchado, nos últimos anos que antecederam o golpe de 1964, de corrupção e ideais comunistas.

O regime militar estaria, segundo ele próprio, preparando o povo para um suposto jogo democrático, do qual participariam somente aqueles que internalizassem os valores essenciais que deveriam ser salvaguardados pelas instituições tais como: escola, família, exército, etc. No que tange às instituições políticas (parlamento, por exemplo) elas deveriam ser, segundo os militares, tuteladas e altamente controladas para que não comprometessem o andamento deste processo. A sua liberalização,

 

 

porém, estaria sujeita à comprovação da maturidade dos grupos, dos políticos e da sociedade como um todo.

Os militares seriam, então, responsáveis pela realização de um grande projeto que visava a instauração de uma dada organização social, econômica e política, a qual teria em sua base a formação de uma mentalidade que sedimentasse e apoiasse as fórmulas de democracia e de desenvolvimento propostas pelo regime. Em síntese, estavam impregnados no povo os anseios por essa (hipotética) democracia com responsabilidade, mas os militares estavam, segundo eles próprios, buscando formas de externalizar esses desejos, tornando-os realidade através de suas medidas e ações.

Tentava-se construir a aceitabilidade do regime com base naquilo que o mesmo estaria preparando para o futuro. Daí a questão da democracia, pois qual seria a outra maneira capaz de amalgamar este presente de medidas ditatoriais a um devir que pretendia se institucionalizar em nome da sociedade como um todo? O início de 1969 foi marcado pela insistência dos militares no caráter democrático da nova fase do movimento de 1964.

O Presidente Costa e Silva insistia em que o AI-5 era prova de alerta “contra quaisquer tentativas que visem a impedir a ordem e a derrubar a democracia.”142 Persistia ora a idéia de que o país vivia uma dada democracia e alguns grupos (luta armada, movimento estudantil e grevista, etc.) queriam derrubá-la, ora a de que a democracia era algo que se alcançaria com o reconhecimento e a sedimentação dos valores do regime pela sociedade como um todo.

Os condutores do regime empenhavam-se em construir um processo de adesão à ditadura através de um pretenso ideário de democracia em que se extinguia da democracia seu caráter representativo, o papel dos diversos agentes sociais no sistema político, a aceitação das medidas legislativas e a competição pela liderança na política como fundamento do método democrático. Esses dois últimos nos moldes de Schumpeter.

O denominado elitismo democrático, que tomou fôlego a partir da obra de Schumpeter Capitalismo, socialismo e democracia, empenhou-se em tornar a democracia despida de aspirações participativas populares; no entanto, esta perspectiva teórica tem

 

 

insistido em apontar quais são os elementos definidores do método democrático. A ausência dos mesmos seria a negação da democracia segundo esta teoria. O regime militar, porém, tenta elaborar um ideário de democracia fora, inclusive, dos próprios parâmetros da teoria elitista.

O método democrático de Schumpeter, por exemplo, era pautado na organização institucional, como forma de se chegar a decisões políticas, ganhando papéis fundamentais, nesse processo, as eleições e o voto.143 A importância tanto das primeiras quanto do segundo apareciam nos pronunciamentos dos militares sob uma perspectiva angulada pela necessidade de controle total do executivo sobre todo processo político.

O suposto ideário de democracia do regime estabelecia que o poder executivo era o único representante legítimo dos diversos segmentos sociais. Enquanto a teoria elitista (Schumpeter, por exemplo) define o caráter representativo do método democrático como um arranjo institucional para se chegar a decisões políticas através da luta pelo voto do povo, a ditadura tentava construir a idéia de que o povo estaria participando nas decisões tomadas pelo poder executivo independentemente da existência ou não de eleições.

Em contraposição à teoria clássica que, segundo Schumpeter, dava ao eleitor um papel irreal de iniciativa,144 o elitismo democrático pressupõe que a competição pela liderança na política (que, para Schumpeter, era semelhante àquela engendrada na esfera econômica) desempenha um papel central no seu método político.145 A competição pela liderança na política não era, porém, sequer admitida pelo regime e seu hipotético ideário de democracia, nem mesmo no interior do grupo de poder. É evidente que a concepção de democracia que a ditadura tentava construir não se enquadrava em qualquer modelo teórico. Schumpeter, o expoente principal da teoria elitista, por exemplo, argumentava que o método democrático estaria pautado na existência de um certo número de cidadãos para assegurar o funcionamento da máquina eleitoral e, por conseguinte, dos arranjos institucionais.146 O regime, ao contrário, empenhava-se em sedimentar um sistema de valores e idéias pautado numa suposta fórmula de democracia que, segundo os militares,

 

 

garantia a viabilidade eleitoral e institucional a partir da ação não de um número determinado de cidadãos, mas sim deles próprios junto ao poder público.147

Objetivando negar o papel das instituições políticas para a democracia, o grupo dirigente incumbia-se de mostrar que o Congresso seria inviável caso não soubesse associar representatividade com segurança e estabilidade. Membros do próprio Congresso afirmavam que este só seria viável se fossem expurgados os políticos não condizentes com os interesses do regime militar.148 A democracia liberal149 era atacada pelo deputado da Arena,

Clóvis Stenzel, como a responsável pela desordem das instituições políticas brasileiras. “Pois é ela que proporciona aos inimigos do sistema democrático a oportunidade de vulnerá-lo pelo excesso de liberdade que proporciona a todos.”150 Desta forma, ela deveria ser extirpada, pois conduziria o país inexoravelmente ao comunismo, dizia Stenzel. “Engels já demonstrava que as liberdades concedidas pelas democracias ocidentais no início do século são o melhor instrumento para o processo político do comunismo internacional. Por ironia da história, afirmava o doutrinador marxista, as democracias morrerão por suas próprias mãos, com as suas próprias armas. Um regime que ao mesmo tempo impeça o totalitarismo e o democratismo, eis a missão histórica que, a meu ver, está confiada à revolução”.151

Detectava-se uma visão maniqueísta da democracia por parte dos condutores do regime militar. A democracia que se almejava seria aquela que se fundava no princípio do bem e, portanto, estaria distante da democracia liberal que conduzia inexoravelmente ao mal que seria o comunismo. “Nas verdadeiras democracias, existe a fé de que os bons alcançarão a vitória sobre os maus. Esse é o cerne do pensamento democrático.”152 E, conseqüentemente, também o era do processo de busca da legitimidade pelos governos ditatoriais.

Em meados de 1969, cresciam os debates sobre a necessidade de pôr fim ao recesso parlamentar. O governo insistia em que não estava disposto a mudar a sua “estrutura democrática” de caráter153 representativo e partidário. Ou seja, o recesso, segundo ele, visava proteger a própria democracia que continuava ameaçada por determinados grupos que não tinham compromissos com o Brasil e com o seu povo.

 

 

Naquele momento, já se tornava visível a preocupação de alguns setores sociais (parte da classe média, intelectuais, por exemplo) com o restabelecimento do Estado de Direito. Diante dessa situação e do florescimento de outras formas de resistência, o regime via-se desafiado em seu propósito de ganhar adesão. O grupo de poder passava, então, a se debater formando-se duas correntes no seu interior: a que queria a adaptação do regime militar à democracia representativa e a outra que desejava a adaptação desta última ao primeiro.

O governo Costa e Silva incumbia-se de deixar claro que a normalidade política seria alcançada através do regime de segurança e não contra ele. A democracia partidária seria modelada aos seus objetivos154, bem como todas as demais medidas que se apresentassem necessárias à construção da sua legitimidade.

Diante do debate sobre a criação de condições para a normalização política, o Ministro da Justiça, Gama e Silva, em conferência na Escola Superior de Guerra, afirmava que esta estaria sendo feita obedecendo àquilo que o regime entendia por democracia. Ou seja, esta era “apenas (um) regime político, uma forma de ação do poder público”.155 Desta forma, era preciso adotar, segundo ele, algumas medidas práticas para que esta (hipotética) democracia funcionasse. Dentre elas estavam: a necessidade de estabelecer disciplina partidária, convocação do Congresso em sessão extraordinária somente com permissão do executivo, extinção do pedido de informações aos ministros de Estado, dissolução do Congresso quando necessária e lei de inelegibilidade.

Os militares no poder,156 os tecnoburocratas e os representantes do grande capital, em meados de 1969, continuavam insistindo que a aceitabilidade do regime entre os diversos segmentos sociais continuaria se dando se fosse mantida a fórmula posta em prática desde o movimento militar. Ou seja, valorizando muito mais a segurança no poder do que a renovação da classe político- partidária. A conciliação das mesmas seria possível, para o grupo de poder, a partir da possibilidade de estabelecer uma fórmula de democracia aristotélica-elitista,157 a qual significava, segundo eles, uma diminuição da participação popular no processo eleitoral. No entanto, a renovação seria propiciada somente pela

 

 

introdução de novos elementos na política e estes deveriam sair das fileiras militares e do empresariado.

A hipotética democracia da ditadura seria, então, constituída, dirigida e gerenciada pelos denominados civis militaristas e militares civilistas. Seria uma espécie de imbricação de preocupações sobre a segurança nacional e a segurança militar. Naquele primeiro grupo estariam os ex-alunos da Escola Superior de Guerra, os empresários engajados nas suas respectivas organizações de classe (associações e federações) e os tecnoburocratas, dentre outros.

Os atos institucionais subseqüentes ao AI-5 também eram justificados como ofensivas democratizantes. O AI nº 11158, em meados de 1969159, era apresentado como uma forma de ampliar a suposta democracia que o regime estaria buscando em meio a medidas tais como: convalidação da sublegenda partidária de acordo com os atos institucionais e constitucionais e o estabelecimento de prazos e formas de escolha dos candidatos.

Havia na Arena deputados que insistiam na dificuldade de reabrir o Congresso, pois este “não (podia) existir como poder harmônico com a Revolução. Ou ele a integra, e haverá Congresso, ou não, e não haverá Congresso.”160 Essa discussão tomava fôlego diante da possível convocação do Congresso para eleição do próximo Presidente da República. Alertava-se, assim, para o fato de que a reabertura do Congresso seria controlada, uma vez que mesmo a (hipotética) democracia proposta pelo regime era muito “difícil para nações como a nossa, subdesenvolvida econômica e culturalmente. Nossa democracia ainda será incipiente por muitos anos. Mas concluir daí que se deva acabar com a democracia é prova de ignorância, porque o sentido da história universal e nacional é sempre democrático”.161 O pressuposto de que o regime estaria recriando um sentido para a democracia brasileira tendo em vista o seu sentido universal pode ser tomado como o coroamento do processo de luta do regime para ganhar aceitabilidade entre os diversos setores sociais. O candidato a antepenúltimo presidente do regime militar deixava isto evidenciado ao afirmar que “o povo, que apóia a Revolução, não está pedindo a volta ao passado, mas o apressamento para o futuro, supondo a existência da liberdade

 

 

sem excluir a responsabilidade individual e coletiva e nem permitir licença para contrariar a vocação política da nação”.162 A ditadura militar através de seu suposto ideário de democracia empenhava-se em alcançar um ponto de conexidade entre os valores e os interesses. A insistência na necessária harmonização das relações entre patrão e empregado, bem como a eliminação de todos os conflitos seria,163 então, a sedimentação da democracia que a ditadura estaria buscando, a qual teria a

disciplina e a ordem militar como seu fundamento.

A busca de adesão ao regime era alimentada constantemente por uma pretensão democrática perpassada pela questão da hierarquização militar e, portanto, harmonização das forças sociais significava, basicamente, submissão do trabalhador, por exemplo, ao patrão, e de ambos ao Estado de Segurança Nacional conduzido pelas Forças Armadas. Somente a partir daí era possível, segundo o ministro do Interior, gal. Albuquerque Lima, convocar amplos setores da população “para transformar o Movimento de 1964 numa autêntica revolução da democracia e do desenvolvimento”.164

O estabelecimento de contatos diretos entre o governo e o povo passavam a ser enfatizados como o fundamento deste processo. O regime iria dispensar as instituições porque elas estavam repletas de vícios que descaracterizavam a supositícia democracia pretendida pelos condutores e sustentadores da ditadura militar. O gal. Médici afirmava que iria realizar um governo de “compreensão do povo” e que até o final de seu mandato teria estabelecido uma “democracia autêntica”.165 Esta, por sua vez, iria estabelecer muros entre os que apedrejavam o regime e os que o apoiavam e aceitavam as suas regras. Somente estes últimos seriam enquadrados nos seus pressupostos de democracia. Os demais seriam duramente combatidos.

Despia-se a democracia de qualquer preocupação com as formas de mantê-la ativa e estável através dos partidos e dos votantes nos moldes defendidos por Downs, Riker e Olson, por exemplo. Antony Downs, em Uma teoria econômica da democracia, escrito em 1957, construiu um enorme argumento sobre os efeitos da decisão de votar e a de não votar para a democracia.166 O ideário de democracia que o regime tentava elaborar não tinha como pressuposto a concorrência entre os partidos nos moldes

 

 

empresariais como a teoria da democracia centrada em dois tipos de atores: os partidos e os votantes.167

O governo Médici, ao insistir numa forma de relação direta entre ele e o povo, desvalorizava a importância do voto no que se referia tanto à ação do indivíduo quanto ao papel das instituições políticas. Isto confirmava a tentativa de o regime militar inventar um sistema de idéias e valores sobre a democracia que se colocava num patamar completamente diferente tanto da teoria de participação política, enquanto ação racional (Downs, Riker e Olson) quanto daquelas que deram destaque ao papel das instituições políticas como fundamento da democracia (Almond, Verba, Eckstein, Lipset, Berelson, Dahl e Sartori).168

A teoria da ação racional procura demonstrar quais seriam as recompensas e os efeitos psicológicos do ato de votar. Segundo Riker, para os indivíduos, os custos seriam muito menores se eles votassem pois, assim, ficariam confirmadas as suas lealdades ao sistema político democrático, à ética do voto e à preferência partidária, o que evidenciaria sua capacidade pessoal de intervir no sistema político.

O hipotético sistema de idéias e valores sobre a democracia tinha, segundo Golbery do Couto e Silva, uma estratégia psicossocial que visava neutralizar as perspectivas opostas ao regime em curso através de instituições da sociedade civil, tais como: a família, a escola, a universidade, os meios de comunicação de massa, os sindicatos, a igreja e a empresa privada. A ação de cada indivíduo deveria ser demarcada muito mais neste terreno do que naquele da expectativa de intervenção nas instituições políticas,169 as quais estavam, segundo o regime, maculadas.170

A teoria da ação racional procura calcular a importância de cada indivíduo e de sua ação para a manutenção da democracia como uma espécie de ponte para pensar a ação coletiva (Olson) e a inserção dos grupos de pressão na fundamentação do sistema democrático.171 Contrariamente, o regime propunha uma fórmula de organização social que ele divulgava como a expressão da verdadeira democracia que neutralizasse e/ou mesmo desmantelasse a mínima capacidade de ação dos indivíduos e grupos sociais. A extinção paulatina dos espaços da política eram reveladores desse processo desde os primeiros momentos após o golpe de 1964.

 

 

O governo Médici e o exercício de convencimento da população de que só restava um caminho a seguir: aceitar as regras que o regime impunha

 

Num clima político constantemente ameaçado por retrocessos, o Congresso reabriu em 23 de outubro de 1969, para ratificar o nome do penúltimo presidente da República do regime militar. Nos seus primeiros discursos, Médici dizia-se empenhado em uma hipotética forma de democracia associada à construção do Brasil Grande Potência. No entanto, ele alertava que não aceitaria nenhuma espécie de crítica ao regime e/ou ao movimento de 1964.

Passava a prevalecer a idéia de que todos os setores sociais, inclusive os que compunham o grupo de poder, se contivessem para evitar retrocessos. A melhor maneira de servir à sua suposta democracia, diziam os componentes do governo, era aceitar as regras que o regime impunha,172 uma vez que, segundo o ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, o governo Médici estava tentando “dotar o país de estruturas flexíveis, na área do Governo, das empresas, da universidade, das instituições econômicas, sociais e políticas, dentro do condicionamento do projeto Desenvolvimento-Democracia”.173

O regime militar através de sua estratégia psicossocial continuava, assim, insistindo na busca de uma fórmula de interação das diversas instituições sociais com os objetivos políticos da ditadura. A idéia de condicionamento era, por certo, reveladora desse processo e significava que o regime estaria empenhado em fazer com que as diversas instituições da sociedade associassem os princípios básicos estabelecidos pelo regime em vigor. A resposta dessas instituições às pressuposições dos governos militares sobre desenvolvimento e democracia deveria, então, expressar continuamente este processo de busca de internalização dos valores da ditadura.

 

Não indago se o regime político, em que esse programa de governo se cumpre, na mais estrita sintonia com as aspiraiões do povo, corresponde, nas suas linhas fundamentais, à democracia de tipo anglo-saxônico ou

 

 

anglo-americano, deste ou de séculos passados, ou se ajusta aos moldes da democracia de tipo latino ou germânico, quer dos nossos dias, quer de outros tempos. Basta-me saber, a esse propósito, que a democracia, como forma de convivência política, não constitui categoria lógica, imutável no tempo e no espaio, porém conceito histórico, sujeito às revisões impostas pela conveniência social.174

 

A ênfase na necessária revisão do significado da democracia foi a base sob a qual se centrou, durante toda a ditadura, a busca de formação de uma consciência coletiva favorável a ela. Todas as medidas tomadas pelo governo eram justificadas neste âmbito. A invenção de um outro sentido para a democracia de acordo com as exigências da realidade social brasileira norteou a busca de aceitabilidade e adesão ao regime político instaurado em março de 1964.

Os condutores do governo insistiam, em que era conveniente o Congresso sustentar e endossar na íntegra e incondicionalmente os propósitos e objetivos do regime militar. A abertura democrática, mencionada desde o governo Castello Branco, tornar-se-ia possível à medida que o poder legislativo entendesse de uma vez por todas que o controle político estaria nas mãos do executivo.

Os denominados dispositivos democráticos, no governo Médici, (como, por exemplo, a reabertura do Congresso e a realização de eleições municipais) eram vistos por congressistas da ARENA e também do MDB como o caminho para a concretização da normalidade democrática alardeada pelo regime. No entanto, o gal. Médici deixava claro em seus depoimentos e ações que ele faria a coordenação político- parlamentar e que haveria recuos se o Congresso não atuasse no sentido de legitimar o regime.

Roberto Campos, ministro no governo Castello Branco, assinalava, em 1970, que “a opção política que nos convém – e que é na realidade a opção consagrada pela revolução de 1964 – é a de democracia participante com um executivo forte, o modelo apropriado é o da reconciliação pois que nossa sociedade, pelo menos em algumas regiões, já transitou da fase de modernização para a industrialização”.175

 

 

Em torno da idéia de fomento da competição nacional como prioridade da modernização que estava em andamento, assistia-se ao florescimento do “Projeto Brasil, Grande Potência”, no governo Médici, como forma de solução dos problemas econômicos e também políticos. No entanto, o governo insistia em que as operações de impacto não objetivavam de forma alguma criar qualquer efeito político. João Paulo dos Reis Velloso afirmava que o “atual governo jamais cogitou de lançar qualquer

`operação de impacto’, que implica em simultaneidade de medidas, para produzir efeito principalmente político. O que se está preparando, para incluir no documento de `bases’, é um elenco de projetos de impacto efetivo em áreas estratégicas”.175

Os integrantes do grupo de poder do regime militar se empenhavam em demonstrar que existiam pontos de conexidade entre a sua proposta de democracia e as realizações econômicas daquele período. O denominado “milagre econômico”177 era enfatizado como a ratificação dos propósitos da ditadura de construção de uma nação em que prevalecesse a sua suposta democracia com responsabilidade. Enquanto elemento importante de busca de legitimidade pelo regime, o crescimento econômico era constantemente divulgado como algo que se projetava para a hipotética forma de democracia social em que o movimento de 1964 teria, segundo os seus condutores, pautado seus objetivos. A combinação de uma suposta democracia178 com um executivo forte189 ganhava sua máxima expressão nas falas dos atores que compunham o grupo de poder visando justificar as denominadas medidas de impactos,180 como uma forma de imprimir ao pretenso regime democrático os traços que, segundo Médici, correspondiam aos interesses do povo brasileiro. O Senador Milton Campos, defensor ardoroso do movimento de 1964, insistia na necessidade de conciliar segurança, desenvolvimento político e representação. O apelo à legitimidade exigia, porém, que se insistisse constantemente em que as medidas tomadas no governo Médici eram expressão de um regime de autoridade e não de um regime ditatorial. Aquela primeira aparecia sempre como uma forma de garantir a segurança do Estado para extirpar os radicalismos e ratificar as

instituições democráticas.181

 

 

Os integrantes do grupo de poder insistiam em que o regime militar estaria procurando conciliar desenvolvimento econômico com desenvolvimento político. O Senador da Arena, Milton Campos, afirmava que o executivo seria fortalecido “até onde não comprometesse os direitos do homem. E ele seria mais forte na medida em que pudesse garantir esses direitos. (…) Assim, o modelo brasileiro deveria ter por base a garantia dos direitos humanos, com a escolha popular dos responsáveis pela execução dessa garantia.”182

Os representantes civis e militares do regime teimavam que não havia perda de direitos humanos para aqueles que confiavam na compatibilidade de uma suposta fórmula de democracia com o regime militar. O AI-5, por exemplo, não ameaçava, segundo eles, a maioria da população, uma vez que esta estava de acordo com os seus dispositivos. Havia uma nítida separação entre os que aceitavam as regras da ditadura e os que as contestavam. Subtrair alguns direitos de determinados indivíduos era uma forma, diziam eles, de atender aos interesses da maioria. Instaurava-se o ápice do mal-entendido no que diz respeito à defesa das instituições democráticas. Tancredo Neves, um dos políticos mais importantes da oposição, também defendia um executivo forte, afirmando: “De maneira que acho que no Brasil o que tem de ser feito é um executivo forte, moderno, dotado de todos os instrumentos que a técnica política de hoje coloca a serviço de seus órgãos, mas acompanhado de um legislativo que disponha de todos os instrumentos mais

eficientes para controlar o executivo.”183

Tancredo Neves insistia no necessário fortalecimento das instituições democráticas mas, ao mesmo tempo, afirmava que tinha pouca significação o fato de as eleições serem diretas ou indiretas. Para ele, interessava restaurar a participação popular dentro do contexto político existente, mas não esclarecia de que forma, o que acabava por confirmar a perspectiva dos componentes do grupo de poder sobre os iguais efeitos das eleições diretas e indiretas.

Posições desta natureza contribuíam com a busca de aceitabilidade e adesão ao suposto sistema de idéias e valores democráticos difundido pelo regime, que assumia uma conotação que se singularizava tanto nas falas e ações do grupo de poder

 

 

quanto na de outros atores sociais que acabavam, por caminhos enviesados, fortalecendo as perspectivas de que o “regime de partido dominante (é que deveria exercer) o duplo papel de instrumento de governo e veículo de participação política”.184

Nos primeiros anos da década de 70, o suposto ideário de democracia do regime militar continuava tendo o objetivo de convencer a população de que era preciso não titubear em aceitar as regras que estavam sendo impostas. Portanto, o fim de todo conflito, a instauração da cooperação como a base do fortalecimento de instituições, tais como a família, bem como as idéias de harmonia e consenso passavam a ser mostrados como o fundamento daquele governo num momento de recrudescimento total do regime militar.185

O presidente Médici afirmava: “Homem de família, creio num diálogo entre as gerações e as classes, creio na participação. Homem do povo, creio no homem e no povo, como nossa potencialidade maior, e sinto que o desenvolvimento é uma atitude coletiva, que requer a mobilização total da opinião pública. Creio no poder fecundante da liberdade. Convoco a vontade coletiva, a participação de todos os que acreditam na compatibilidade da democracia com a luta pelo desenvolvimento.”186

O presidente Médici foi, indubitavelmente, o que mais procurou assentar a sua busca de aceitabilidade nos valores de preservação da família, a qual teria, segundo ele, que internalizar valores de conciliação e diálogo como forma de harmonizar inclusive as relações entre as classes sociais. Outros elementos fundantes de seus pronunciamentos eram a questão do desenvolvimento e da liberdade, esta última tinha a mesma conotação dada pelos presidentes militares anteriores: o combate ao comunismo.

O regime buscava, assim, o estabelecimento (através da família, da escola, das Forças Armadas, etc.) de uma atitude coletiva e/ou de uma opinião pública favorável a uma denominada democracia associada ao desenvolvimento. As instituições da sociedade civil deveriam ser estáveis (nos molde da ditadura) para apoiar o controle do executivo sobre instituições políticas como o Congresso que deveria ter mais funções auditoriais e menos legislativas.187

 

 

A ditadura militar procurava, nessas condições, singularizar a seu modo a questão das instituições sociais e políticas. Estas últimas, para os componentes do grupo de poder, não teriam o papel de construir e viabilizar a democracia, mas sim de ratificar os atos e ações da ditadura para que ela pudesse implementar a suposta forma de democracia que convinha ao Brasil. As instituições deviam, então, motivar e coagir ao mesmo tempo para que as atitudes dos indivíduos fossem incontestavelmente favoráveis aos hipotéticos métodos e pressupostos democráticos do regime.

Uma grande parte da teoria democrática contemporânea188 dá destaque ao papel das instituições no processo de constituição e estabilização da democracia sendo que nenhuma delas, mesmo as mais reducionistas, tomam as instituições como forma de legitimar os métodos e ações pré-estabelecidos por um grupo no poder que toma para si, unicamente, a tarefa de construir uma suposta democracia. As instituições desempenham nas teorizações da segunda metade do século XX um papel ativo de formulação dos caminhos da democracia, enquanto que nas pressuposições do grupo de poder da ditadura, elas são atuantes somente no sentido de legitimar o modo e os métodos da supositícia democracia dos militares.189

Em The civic culture, os autores Almond e Verba afirmam que as instituições sustentam a democracia. E esta tem sua estabilidade ligada a uma cultura cívica democrática que tem seu desenvolvimento conectado às suas possibilidades de participação na família, na escola, no trabalho, etc.. Ou seja, quanto mais autoritária for a relação numa família, por exemplo, maiores serão as dificuldades de seus membros desenvolverem um senso democrático. 190

As instituições, para os condutores civis e militares da ditadura, deveriam ter braços fortes para impor a seus membros um senso, que eles denominavam de patriótico, de aceitação das prerrogativas do regime em torno da democracia. Subtraía-se das instituições, tanto políticas quanto sociais, qualquer possibilidade de definição dos rumos do processo político em curso. O suposto ideário de democracia que o regime tentava construir tinha como um de seus principais objetivos moldar as instituições sociais ao

 

 

modelo das instituições militares e as instituições políticas não estariam incumbidas de criar e desenvolver uma cultura de participação dos indivíduos no processo político, mas sim de respaldar a ação do grupo no poder.

A imposição de limites às instituições políticas (parlamento, por exemplo) era justificada pela ditadura militar em nome de uma suposta necessidade ditada pelas condições sociais vigentes naquele período. Nesse aspecto, especificamente, ele se aproximava de algumas teorias do leque denominado de elitismo democrático. A teoria da democracia estável de Eckstein, por exemplo, tenta traçar os limites aos quais as instituições poderiam chegar. Para ele, algumas estruturas de autoridade poderiam, no máximo, fingir que são democráticas. Dentre elas, estariam a escola e a família. 191 A combinação de elementos democráticos e autoritários seria, para Eckstein, muito saudável, à medida que em todas as sociedades há necessidades políticas e psicológicas quanto à tomada de decisões e de lideranças e estas não ocorrem despidas de traços autoritários.

Sob esses aspectos, particularmente, há uma proximidade dessas últimas formulações com o pretenso ideário de democracia do regime militar. No entanto, isto não pode ser afirmado com relação a outras questões. As discussões de Eckstein sobre os arranjos institucionais, por exemplo, filiavam-se à perspectiva de Schumpeter, o qual define a participação da maioria em termos de escolha daqueles que tomam as decisões. A ditadura, no entanto, centrou a sua busca de aceitabilidade somente em termos de sedimentação de um sistema de valores e idéias favoráveis às suas medidas e ações e não em termos de arranjos institucionais baseados em lideranças como defendiam os teóricos do elitismo democrático. 192

Contudo, o regime assinalava que possuía uma suposta intenção de chegar a uma normalidade política, o que exigia seu constante reportar à busca de uma forma de arranjo e organização institucional estável, a qual não excluía a constante recorrência aos atos institucionais e constitucionais perante toda e qualquer pressão dos diversos setores sociais.

O Presidente Médici, por exemplo, ante as crescentes indagações de diversos setores da sociedade civil sobre o fim do

 

 

AI-5, afirmava que os poderes do referido Ato não se constituíam em entrave na luta político-democrática. 193 Portanto, o regime de exceção não seria suspenso na sua totalidade, mas paulatinamente através da adaptação das instituições democráticas às necessidades do regime. 194

 

Insisto em dizer, no entanto, que, não sendo fim em si, a democracia é simples meio ou instrumento para que determinado fim se alcance. Mero processo técnico para a promoião da felicidade coletiva, a democracia do nosso tempo há de ajustar-se, para bem cumprir as suas funiões, às exigências da humanizaião do convívio social e político. 195

 

No plano das ações políticas e de quaisquer outras, era cada vez mais absurdo qualquer menção da ditadura à democracia. 196 No entanto, o governo Médici continuava insistindo em que ele estava incumbido de formular uma nova estrutura democrática, a qual significava “uma sociedade politicamente aberta,” o que somente pode ser interpretado como parte do processo de convencimento da população das supostas benesses da ditadura. O Estado revolucionário estaria, assim, incumbido de implantar “as estruturas política, administrativa, social e econômica197 capazes de promover a integração de todos os brasileiros aos níveis mínimos de bem-estar”. 198

Os dispositivos excepcionais seriam, então, usados em nome da segurança, do desenvolvimento e do progresso, portanto, em nome da criação de uma sociedade democrática pautada no bem-estar social199 da população a partir do aumento de seu padrão de vida. A vinculação da segurança, do progresso econômico e de uma inusitada (diante do quadro de crescente empobrecimento) democracia social passa a nortear, juntamente com a estratégia psicossocial, a busca de legitimidade política do regime.

Ao vincular a realização da democracia aos índices de crescimento econômico, ao bom comportamento dos setores empresariais e da sociedade como um todo, o regime propunha uma reconciliação democrática como um prêmio raro que se teria ou não.200 Em pronunciamento na Escola Superior de Guerra, o Presidente Médici afirmava que “a verdadeira democracia jamais

 

 

foi praticada no Brasil”201 . Ela, dizia ele, seria alcançada através do desenvolvimento ora em curso que combinava justiça social e integração. Estas seriam alcançadas através de projetos como a Transamazônica. As questões sociais deveriam, então, ganhar proeminência sobre as questões políticas.202

A verdadeira democracia203 seria atingida, segundo o regime, a partir do momento em que fossem criadas as condições sociais que embasariam a estabilidade política. A democracia era um momento anterior à solução dos problemas políticos, portanto, estes ficariam em suspenso até se resolver os problemas sociais. A noção de democracia do regime, em alguns momentos, operava uma nítida separação entre fim e meio. Ora a democracia aparecia como um simples meio ou instrumento e ora a democracia era um fim e não um meio.204

Os atos institucionais e constitucionais eram mostrados como uma forma de estabelecimento das condições necessárias para as reformas que preparariam a sociedade para a democracia. Se nos primeiros anos o regime insistia no seu caráter democratizante, neste momento, ou seja, nos primeiros anos205 da década de 70, havia muito mais a preocupação de justificar que a democracia seria alcançada quando existissem bases seguras para o seu funcionamento. Milton Campos, Senador da Arena, afirmava: “As eleições de 15 de Novembro (1970)206 constituem um momento significativo no caminho para a retomada da vida democrática. (…) Mas, como quer que seja, o plano do governo, ou da Revolução, é a conquista gradual do estado de direito, o que pressupõe a submissão do poder à legalidade com a recomposição das instituições livres.”207

O Senador Dinarte Mariz, da Arena, quando indagado sobre quais seriam as possibilidades de se falar em democracia com a existência do AI-5, argumentava que o referido ato “deveria ser incorporado em sua essência à constituição. Democracia é aquilo que cada governo pode oferecer aos seus cidadãos dentro de suas condições econômicas.”208 A subordinação de uma suposta democracia às realizações econômicas era uma constante. No entanto, diversos componentes do grupo de poder atestavam que as questões políticas possuíam um peso significativo.

Tarcísio Padilha, da ESG, afirmava que não havia um

 

 

modelo político à vista naquele momento.209 Roberto Campos argumentava que o regime estava caminhando para a democratização à medida que objetivava substituir a coação pela reconciliação.210 O senador José Sarney, da Arena, destacado membro do grupo de poder, definia a democracia como um sistema de defesa e atribuía ao governo Médici a incumbência de criar esse sistema, o qual só seria estabelecido de fato a longo prazo, pois era necessária uma verdadeira doutrinação para convencer o povo da importância dos valores democráticos. O regime em vigor era, segundo Sarney, o portador de genuínos valores democráticos que o povo desconhecia. Os militares eram, para ele, possuidores do verdadeiro poder criador da democracia, enfim, de uma sociedade aberta.211

A construção de um pretenso ideário de democracia como forma de ganhar aceitabilidade para o regime militar era, seguramente, o elemento mais complexo que os componentes do grupo de poder enfrentavam no início da década de 70. Ora o regime era o portador máximo dos valores democráticos, ora era o povo que os possuía e estava confiando aos militares a sua sedimentação. Estes últimos insistiam nesta segunda tese. José Sarney, no entanto, afirmava que os genuínos valores democráticos estavam no regime e não no povo. Este deveria ser fiador dos intentos daquele – o verdadeiro poder gerador da democracia no país.

Todos os componentes do grupo de poder, não apenas os militares, mas também os civis, definiam suas práticas políticas em nome de um devir democrático. Justificavam seu apoio ao regime em nome do compromisso democrático daquele com a sociedade. Magalhães Pinto212 afirmava que o movimento de 1964 tinha um compromisso inalienável com a democracia e que deveria ser feito, naquele momento (1971), um apaziguamento interno como forma de fortalecer a democratização. Estes elementos mostravam o caminho que tomava o empenho de todos as frações do grupo de poder no árduo processo de convencimento da população de que ela deveria apoiar incontestavelmente o regime vigente.

No final de 1971 ganhava ênfase, no interior do grupo de poder, a defesa da institucionalização do regime, o que exigia a constante menção de um compromisso do governo com a normalidade democrática a partir de algo absolutamente

 

 

subjetivo: a formação, a sensibilidade e o caráter democrático do Presidente da República. Para Etelvino Lins, Deputado Federal pela Arena, cuja posição era a de que a revolução tinha sido feita para preservar, antes de tudo, o sistema democrático e que antes de ser ameaça, o AI-5 (era) a sua garantia. Argumentava, ainda, que era uma grande injustiça não reconhecer que o Presidente Médici, que tinha uma sólida formação democrática, empenhava- se na eficácia de suas intenções democratizantes como forma de alcançar respeitabilidade interna e externa.213

A insistência na sólida formação democrática dos presidentes militares e nos seus engajamentos nos valores da família ganhava, no governo Médici, sua melhor forma. As medidas ditatoriais eram mostradas como enlaçadas a intenções democráticas em todas as esferas da vida social. A busca de adesão, num dos períodos mais repressivos da história política brasileira, dava-se, principalmente, pela obstinação em torno da idéia de que o presidente da República possuía um caráter altamente democrático.

O gal. Alfredo Souto Malan, Chefe do Estado-Maior do Exército, afirmava que “as Forças Armadas deram resposta à opção do povo a 31 de março e proporcionam ao país a segurança para que o governo, através de seus poderes constituídos, formule o modelo brasileiro de instituições e de desenvolvimento, no quadro da democracia e do capitalismo, temperado firmemente pela prevalência do interesse social”.214 A democracia ganhava um sentido inoperante baseado num suposto prevalecente interesse social absolutamente impreciso e/ou indefinido.

Este pronunciamento do gal. Malan explicitava a imbricação de valores e interesses nas suas pressuposições sobre a democracia. Segundo ele, o governo tinha feito uma opção pelo capitalismo no que concerne aos seus valores e interesses. A preservação das instituições (família, escola, igreja, empresa privada, etc.) e, por conseguinte, da disciplina e da ordem serviria para fortalecer o capitalismo brasileiro, o que aboliria, então, toda e qualquer ameaça de suplantação do mesmo.

Nessas condições, torna-se imperativa a necessidade de “explicitar as várias idéias de democracia, e isto implica localizar quem, como e porque se fala(va) de democracia”,215 naquele

 

 

momento e, também, posteriormente.216 Esclarecer a forma que a democracia assumia para o grupo de poder na sua tentativa de legitimar o regime possibilita esclarecer um dado sentido que foi217 imputado a ela.218

Estabelecia-se um verdadeiro jogo entre os elementos objetivos (interesses) e os subjetivos (valores). Não se esclarecia em nenhum momento o que significavam, de fato, as intenções democratizantes dos generais-presidentes. Estas, segundo eles próprios, tinham relação com os seus apegos aos valores da família, ou seja, eram intenções natas que se aperfeiçoaram junto às Forças Armadas.

O pretenso ideário de democracia ao qual os militares lutavam para dar forma e conteúdo ligava-se, indubitavelmente, a interesses, no entanto, ele aparecia sempre vinculado exclusivamente a valores, ou seja, era em nome dos mesmos que se buscava aceitabilidade para o regime. As Forças Armadas se auto-intitulavam acima de interesses específicos e/ou de grupos. Os interesses que elas defendiam eram, segundo os militares, equivalentes aos do povo brasileiro.

No entanto, o empresário Mário Henrique Simonsen, membro proeminente do grupo de poder, em discurso em 1971, por ocasião do recebimento do título de homem de visão, ressaltava o papel dos elementos objetivos nas pressuposições de democracia do grupo de poder. Ele afirmava: “precisamos, agora, sedimentar um modelo político, adequado (ao) crescimento econômico e ao bem estar-social, mas suficientemente pragmático para que, no futuro, a experiência não o tenha que infiltrar com a cunha dos regimes de exceção. Em uma palavra, devemos aspirar à restauração da normalidade democrática. Mas de uma democracia que não represente, como no passado, o direito de pleitear o incompatível”.219

Pleitear o incompatível era, por exemplo, reivindicar aumentos salariais, uma melhor distribuição de rendas, etc.. Os ministros Reis Velloso e Costa Cavalcanti insistiam em que o Brasil ainda era um país pobre e não tinha o que distribuir entre os seus habitantes.220 Aquele último asseverava, ainda, que “desenvolvimento, longe de significar euforia, impõe renúncia, paciência e determinação. Aventuras redistributivas prematuras poderiam comprometer os resultados almejados.”221

 

 

Nesse sentido, alguns componentes do governo e de seu partido preocupavam-se em demonstrar que a bandeira redistributivista da oposição oficial (MDB) era inteiramente descabida, e que a democracia com justiça social era, antes de mais nada, uma bandeira do próprio movimento de março de 1964.222

Através da insistência de que a ordem e o desenvolvimento econômico estavam respaldados no caráter legal e democrático do regime de exceção, Médici afirmava que não era admissível qualquer proposta de alteração nas regras básicas do regime, dentre elas, o AI-5. “Não refugiando aos deveres que lhe impõe a ordem jurídica, tal qual se acha estruturada, não abdica o governo, igualmente, das prerrogativas ou poderes que lhe foram atribuídos”.223

A democracia estaria sob o controle do regime, ou seja, esta estaria sendo moldada pelo mesmo. Todas as interferências contrárias à constituição desta democracia de exceção seriam incondicionalmente extirpadas, segundo o Presidente Médici. O próprio ordenamento jurídico do país devia ser, segundo ele, constantemente modificado e corrigido para que o movimento de 1964 se institucionalizasse.224

A segurança nacional era tomada pelo regime como uma forma de garantir a segurança econômica e social que se justificava não apenas no desenvolvimento econômico mas também numa forma de democracia denominada, por Médici, de humanista. “A democracia da revolução continuada e permanente, a democracia das prerrogativas e poderes excepcionais do executivo”.225

As mudanças conjunturais introduziam novos elementos no processo de busca, pela ditadura, de legitimidade. Nessas condições, a democracia de voto e veto e/ou aquela que mantinha as prerrogativas e poderes excepcionais do executivo eram respostas tanto às demandas de setores do próprio grupo de poder para que se abrissem espaços para a discussão da sucessão presidencial, quanto às reivindicações de eleições diretas em 1974, supressão do AI-5, etc., que ganhavam desenvoltura no interior da sociedade civil.

 

 

Notas

 

1    CASTELLO BRANCO, H. de A. Discursos. Brasília: Secretaria de imprensa, 1965. p. 34/5.

 

2    O primeiro capítulo do livro Estado e oposiião no Brasil (1964-1984), de Maria Helena Moreira Alves, é uma análise sobre as origens e desenvolvimento da doutrina de Segurança Nacional no Brasil. MOREIRA ALVES, M. H. Estado e oposiião no Brasil ( 1964-1984 ). Petrópolis, Vozes, 1984. p. 33-51.

3    Sobre esta questão ver, principalmente:

STEPAN, A. The military in politics: changing in patterns in Brazil. Princeton, Princeton University Press, 1971.

 

4    Há uma bibliografia significativa sobre esse processo. Ver, principalmente:

DREIFUSS, R. A. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis, Vozes, 1987. OLIVEIRA, E. R. de et. al. As Forias Armadas no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.

FIGUEIREDO, E. L. Os militares e a democracia. Rio de Janeiro: Graal, 1987.

 

5    MORAES, J. Q. de. O argumento da força. In As Forias Armadas no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987. p. 34.

 

6    Sobre o papel dos E.U.A. no processo de articulação do golpe militar de 1964, ver:

SODRÉ, N. W. O golpe militar no Brasil. In O governo militar secreto. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. p. 67-80.

 

7 SKIDMORE, T. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 22.

Segundo Stepan “desde o princípio a ESG era anticomunista e estava empenhada na guerra fria. Mesmo antes que a ênfase na guerra fria mudasse, nos Estados Unidos, da guerra atômica para a revolucionária, a ESG tornou-se o centro do pensamento ideológico relativo à estratégia contra-revolucionária no Brasil. Já que o comunismo era um inimigo, os Estados Unidos, sendo o principal país anticomunista, era um aliado natural”.

STEPAN, A. Os militares na política. Rio de Janeiro: Artenova, 1975. p. 132.

 

 

8 IPES. A responsabilidade democrática do empresário. Rio de Janeiro: Ipes, 1962. O Gal.Golbery do Couto e Silva era chefe de um dos grupos do IPES. O empresário Glycon de Paiva, um dos líderes do IPES, afirmava que o supracitado general “não dava explicações. Nós não sabíamos como ele agia nem quantos homens trabalhavam com ele. A gente só pagava as contas. O que se sabia é que ele tinha gravadores espalhados por todo lado e fazia muitas investigações. Golbery fez toda a parte cerebral da tomada do poder. Sem o seu trabalho, não seria possível a revolução de março.”

PAIVA apud DE CONSPIRADOR a mágico da abertura. Isto é, São Paulo: n. 242, p. 21, 12 ago. 1981.

9    DREIFUSS, op. cit, p. 162 e 210.

10 Ibid.

 

11 COUTO E SILVA, G. Conjuntura política nacional: Conferência na ESG. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.

 

12 “Que a ‘democracia’ tenha diversos significados é algo com que podemos conviver. Mas se a ‘democracia’ pode significar absolutamente qualquer coisa, aí já é demais.”

SARTORI, op. cit, p. 22.

 

13 CASTELLO BRANCO, H. de A. (Gal). Discurso no Congresso. 11 Abr. 1964. Arquivo de Castelo Branco. CPDOC -FGV, Rio de Janeiro, 1964.

 

14 “Os defensores de qualquer tipo de regime afirmam tratar-se de uma democracia, e têm medo de serem obrigados a parar de usar a palavra se esta for vinculada a um significado, qualquer que seja”.

ORWELL apud SARTORI, G. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática, 1994. p. 18.

 

15 Para a teoria elitista clássica do início do século, a democracia era sempre um governo de elite (e não de participação) que emprega a astúcia e/ou a força. A primeira teria, no entanto, que prevalecer sobre a segunda.

PARETO, V. Transformazione della democrazia. Milão, Corbacccio, 1921.

 

16 A ligação entre a ditadura militar e a realização de uma suposta verdadeira democracia era feita não apenas pelos condutores do golpe de 1964. Nelson Werneck Sodré, por exemplo, afirmava, logo após a

 

 

instauração do regime militar, que a ditadura teria conseguido um milagre político, ou seja, “ajudar as condições para a formação da frente democrática. (…) É nesse quadro que se coloca a necessidade de tirar proveito da lição em que se constitui o golpe de 1964”. A ditadura, segundo ele, se inseria no quadro da revolução brasileira. SODRÉ, N. W. O problema democrático. Introduião à revoluião brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. p. 256.

17 ARBLASTER, A. A democracia. Lisboa: Estampa, 1988. p. 84.

Vilfredo Pareto desenvolveu uma discussão sobre os regimes pluto- democráticos, os quais possuem uma elite governante suficientemente astuciosa e sutil que se mantém no poder pela propaganda no sentido de convencer o povo de que seu poder é legítimo.

PARETO, V. Transformazione della democrazia. Milão, Corbaccio, 1920.

 

18   MOSCA, G. The ruling class. New York: Mcgraw-Hill, 1939. PARETO, V. Transformazione della democracia. Milão, Corbaccio, 1920. Id, Manual de economia política. V.1 e 2, São Paulo: Nova cultural, 1988. Coleção Os economistas.

MICHELS, R. La sociologia del partito politico nella democrazia moderna. Milão, Corbaccio, 1912.

Destaque-se que A. Hirschman escreveu uma excelente crítica a estas análises. Vide:

HIRSCHMAN, A. O. A retórica da intransigência. São Paulo: Cia das Letras, 1992.

 

19 MAGALHÃES PINTO, J. apud Este lº de Abril foi pra valer. Visão, São Paulo: n. 14, p. 14, 10 Abr. 1964.

 

20 FIGUEIREDO, E. de L. Os militares e a democracia. Rio de Janeiro: Graal, 1980. p. 70.

21 Sobre esta questão especificamente, ver:

MONTESQUIEU, C. O espírito das leis. São Paulo: Abril, 1973. p. 69-

  1. (Coleção Os pensadores).

BOBBIO, N. A teoria das formas de governo. Brasília: UNB, 1980. p. 120 passim.

22 MOURÃO FILHO apud ESTE 1º de abril foi pra valer. Visão, São Paulo:

  1. 14, p. 14, 10 abr. 1964. Manifesto lançado pelo Gal. supra citado.

 

 

23 Conforme documento denominado Ação Democrática (um exemplo de ação psicológica) publicado na Revista da ESG.

AÇÃO democrática. Segurania e desenvolvimento. Rio de Janeiro: n. 144, p. 127/36, 1971.

24 ROUSSEAU, J. J. O contrato social. São Paulo: Cultrix, 1978.

Id, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Cultrix, 1978.

 

25 JEFFERSON, T. Escritos políticos. São Paulo: Abril, 1979. p. 01-40. Coleção Os pensadores.

HAMILTON, A. Os federalistas. São Paulo: Abril, 1979. Coleção Os pensadores.

MADISON, J. Os federalistas. São Paulo: Abril, 1979. p. 87-181. Coleção Os pensadores.

DAHL, R. Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.

  1. 16 et seq.

BOBBIO, N. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 33 et. seq.

ARBLASTER, op. cit, p. 66 et. seq.

 

26 CASTELLO BRANCO, H. de A. Mensagem ao Congresso Nacional. Departamento de Imprensa Nacional, Brasília: DF, 1965.

 

27 Na segunda década do século XX, Alberto Torres destacava a necessidade de uma organização nacional a partir da convicção de que convinha ao Brasil um governo autoritário e/ou elitista. No entanto, ele não defendia o autoritarismo em nome de uma suposta democracia. Para ele, a democracia política era apenas “obra da burguesia do dinheiro e das letras, ela realizou a ascensão desse novo poder, consagrando expressamente, para todos, os direitos de que estes careciam e que reclamavam; direitos que, assim outorgados à massa proletária e miserável, nada lhes conferindo que fosse realmente prático, não as elevaram, também, ao nível do seu oficioso patrono e porta voz”.

TORRES, A. S. Martins de. A organizaião nacional. São Paulo: Nacional, 1978. p. 229.

Alberto Torres caracterizava criticamente o regime político daquele momento de democrático, no qual prevalecia a insuficiência e a desordem, o que era o bastante, segundo ele, para convencer a todos da necessidade de um governo fortíssimo.

 

 

28 AMARAL, Azevedo. O Estado autoritário e a realidade nacional. Brasília: Câmara dos deputados, UNB, 1981.

OLIVEIRA VIANNA, F. J. de. O idealismo da evoluião política do império e da república. São Paulo: Biblioteca d’O Estado de São Paulo: 1922. Id, Populaiões meridionais do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, Niterói, UFF, 1987.

Id, Instituiiões políticas brasileiras. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, Niterói, UFF, 1987.

Id, O idealismo na constituiião. s/ed, 1927.

 

29 Wilson Martins, em História da Inteligência Brasileira, afirma que o integralismo atribuía-se, também, a incumbência de implantar no Brasil a verdadeira democracia e esta era oposta à democracia liberal. Plínio Salgado afirmava que a democracia integralista era a única que poderia salvar o Brasil do bolchevismo e do capitalismo internacional, ligado secretamente a Moscou. É impossível relatar, no âmbito deste trabalho, as inúmeras posições sobre a democracia nos anos 1930. Talvez, seja importante ressaltar, que a idéia predominante era a de associação entre governo forte e democracia. O movimento “A Bandeira”, por exemplo, que surgiu em 1936, defendia a necessidade de fundar uma democracia tipicamente brasileira dentro desta perspectiva.

MARTINS, W. História da inteligência brasileira. V.7. São Paulo: Cultrix, Edusp, 1978. p. 70 passim.

Ver, também, sobre a relação democracia e governo forte na década de 1930 a seguinte obra: MEDEIROS, J. A ideologia autoritária no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1978.

30 Sobre isto ver, principalmente:

MURICY, A. C. da Silva (Gal) Os motivos da revoluião democrática brasileira de 1964. Palestras pronunciadas na televisão nos dias 19 e 25 de maio de 1964. Recife, Imprensa Oficial, 1964.

 

31 “Entre essas duas místicas – a da ordem e a da liberdade, a da autoridade e a da democracia – é que se vem equilibrando entre nós a vida política.” FREYRE, G. Sobrados e mucambos. T. 2. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1961. p. 52.

32 Id, Casa-Grande e Senzala. T. 1. cap.1. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.

33 Id, Nordeste. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1967.

Id, Interpretaião do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1947 Id, Ordem e progresso. T. 1, cap. 1 e 2, Rio de Janeiro: 1959

 

 

34 Um exemplo deste tipo de postura de que apenas os militares estavam preparados para determinadas missões e tarefas está em:

PIRES GONÇALVES, L. (Gal) Depoimento. In SOARES, G. A. D.;

D’ARAÚJO, M. C. e CASTRO, C. (orgs). Os anos de Chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994. p. 255.

 

35 As análises de Sérgio Buarque de Holanda que propunham uma desmistificação do passado eram opostas às discussões de Freyre. Para aquele o conhecimento do passado deveria ser utilizado para derrotar os elementos autoritários e excludentes da vida política e social brasileira e jamais para justificar a sua permanência. A modernização política brasileira era, para ele, absolutamente difícil numa sociedade que tinha se firmado sobre as bases da exclusão. A democracia só vingaria entre nós se fosse derrotada a mentalidade senhorial que impregnava os valores, os costumes, as atitudes e as instituições sociais e políticas. Diferentemente de Gilberto Freyre, S .B. de Holanda considerava o nosso passado oligárquico responsável pela extrema dificuldade encontrada para democratizar o país. A defesa de uma revolução vertical em Raízes do Brasil tinha o objetivo de demonstrar que as bases da democracia tinham que ser criadas não a partir de nosso passado oligárquico, mas a partir dele. Vide:

HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. Id, A democracia é difícil. Veja, São Paulo: n. 386, p. 4, 28 jan. 1976.

 

36 No início do século XX diversos teóricos brasileiros, tais como: Alberto Torres, Azevedo Amaral e Oliveira Vianna culpavam o liberalismo de perverter a democracia brasileira. Raymundo Faoro em Existe um pensamento político brasileiro? oferece os elementos seguros para a compreensão do enorme equívoco daqueles pensadores quanto a aquela afirmação. “A ausência do Iiberalismo, que expressava uma dinâmica dentro da realidade social e econômica, estagnou o movimento político.(…) O liberalismo, ao se desenvolver autenticamente, poderia, ao sair da crisálida da consciência possível, ampliar o campo democrático, que lhe é conexo, mas pode ser-lhe antagônico. (…) Chegar-se-ia a um ponto em que o que fosse democrático pressuporia o espaço dos direitos e garantias liberais, ampliáveis socialmente. A democracia numa fase mais recente, partiria de um patamar democrático, de base liberal, como valor permanente e não meramente instrumental.”

FAORO, R. Existe um pensamento político brasileiro? São Paulo: Ática, 1994. p. 84-5.

 

 

37 “Um dos mitos mais difundidos e conseqüentemente com maior aceitação no Brasil e no resto da América Latina foi o relativo ao espírito democrático e progressista das Forças Armadas brasileiras. Cuidadosamente criado e divulgado pela historiografia oficial, o mito foi alimentado inclusive por historiadores marxistas, como Nelson Werneck Sodré (…).”

SCHILLING, P. “Como se coloca a direita no poder”. São Paulo: Global, 1979. p. 66.

“Encontra-se sempre em Nelson Werneck Sodré a expectativa de que as Forças Armadas são necessariamente democráticas. Se vocês, por curiosidade ou por conhecimento anterior, se reportarem a ele sobre 64, ou vários outros momentos, perceberão que as Forças Armadas são vistas sempre como democráticas e o contrário disto – isto é, o autoritarismo que se desenvolve nelas – é tomado como uma excrescência e como uma negação, não como parte integrante da sua história.”

OLIVEIRA, E. R. de. Forças Armadas: pensamento e ação política. In MORAES, R; ANTUNES, R; FERRANTE, V. B. (orgs). Inteligência

brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 265.

 

38 Sobre os atos institucionais nº 01 e nº 02 como forma de criar as bases do Estado de segurança nacional, ver: MOREIRA ALVES, op. cit, p. 52-95.

 

39 SOB o signo da autoridade. Visão, São Paulo: n. 16, p. 26-28, 24 abr. 1964.

REFORMA do sistema eleitoral está na mira. Visão, São Paulo: n. 17, p. 11-12, 01 maio 1964.

BATALHA da propaganda está sendo perdida. Visão, São Paulo: n. 20, p. 11-13, 22 maio 1964.

 

40 Eliézer Rizzo de Oliveira faz parte do amplo debate sobre a questão da hegemonia e da legitimidade no governo militar. Para ele, a ESG se debateu para desenvolver um projeto de hegemonia política; no entanto, “a teoria da ação política da ESG era destituída” de legitimidade nos moldes colocados por Weber.

OLIVEIRA, E. R. A doutrina de segurança nacional: pensamento político e projeto estratégico. Militares: pensamento e aião política. Papirus, Campinas: 1987. p. 75 et seq.

 

 

41 CASTELLO BRANCO apud FALOU à imprensa. Visão, São Paulo: n. 20, p. 12, 22 maio 1964. Entrevista coletiva à imprensa nacional e internacional.

 

42 Em termos genéricos, “na linguagem política, entende-se por legalidade um atributo e um requisito do poder, daí dizer-se que um poder é legal ou age legalmente ou tem o timbre da legalidade quando é exercido no âmbito ou de conformidade com as leis estabelecidas ou pelo menos aceitas. Embora nem sempre se faça distinção, no uso comum e muitas vezes até no uso técnico, entre legalidade e legitimidade, costuma-se falar em legalidade quando se trata do exercício do poder e em legitimidade quando se trata de sua qualidade legal: o poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente; o poder legal é um poder que está sendo exercido conforme as leis.”

BOBBIO, N. Legalidade. In Dicionário de política. Brasília: UNB, Linha Gráfica Editora, 1991. V.2, p. 674. A questão da legitimidade é tratada neste trabalho em termos específicos e não genéricos, ou seja, no sentido de que “todo poder busca alcançar consenso, de maneira que seja reconhecido como legítimo, transformando a obediência em adesão. A crença na legitimidade é, pois, o elemento integrador na relação de poder que se verifica no âmbito do Estado”. Ibid, p. 675.

 

43 CAMPOS e BULHÕES apud AS REFORMAS e o planejador. Visão, São Paulo: n. 17, p. 12, 1 maio 1964.

 

44 Vide discussão na imprensa sobre a lei que regulamentava o direito constitucional de greve.

AÇÕES executivas e legislativas. Visão, São Paulo: n. 22, p. 15-16, 05 Jun. 1964.

 

45 PRIMEIRAS reações à reforma partidária. Visão, São Paulo: n. 12, p. 13, 18 set. 1964.

46 Conforme depoimentos em: QUESTÕES políticas voltam ao debate.

Visão, São Paulo: n. 14, p. 13-14, 2 out. 1964.

47 MAGALHÃES PINTO apud QUESTÕES políticas voltam ao debate.

Visão, São Paulo: n. 14, p. 13, 02 out. 1964.

 

48 CASTELLO BRANCO apud DEFINIÇÕES de 31 de março puseram pingos nos ii. Visão, São Paulo: n. 14, p. 9, 09 abr. 1965.

 

 

49 Ibid.

50 Ibid.

51 Sobre a democracia liberal, ver:

DUVERGER, M. As modernas tecno-democracias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p. 56 et.seq.

SARTORI, G. Teoria democrática. Lisboa: Fundo de cultura, 1965. p. 367 passim.

HOBSBAWN, E. As forças da democracia (1848-1875). A era do capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 117.

 

52 Sobre a atuação dos empresários, tanto na preparação do golpe de 64 quanto no período posterior, ver: DREIFUSS, R. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis, Vozes, 1981.

53 CASTELLO BRANCO, H de A. Confiança no Brasil. Visão, São Paulo:

  1. 17, p. 26, 22 out. 1965. Entrevista.

54 BULHÕES, O. G. Para tornar o fisco mais justo. Visão, São Paulo: n. 7,

  1. 44-45, 13 ago. 1965. Entrevista.

CAMPOS e BULHÕES apud SETE dias na base do movimento. Visão, São Paulo: n. 17, p. 12, 30 abr. 1965.

CAMPOS, R. Confiança no Brasil. Visão, São Paulo: n. 17, p. 26, 22 out. 1965. Entrevista.

 

55 Vide manifestações do governador de São Paulo: Adhemar de Barros, para tentar sensibilizar industriais paulistas e outros descontentes. SETE dias na base do movimento. Visão, São Paulo: n. 17, p. 11, 30 abr. 1965.

 

56 As principais entidades das classes produtoras apoiaram a promulgação do AI-2.

 

57 Alguns dias antes da promulgação do AI-2, o governo não vislumbrava a possibilidade de conseguir os 205 votos necessários para aprovar no Congresso uma Emenda Constitucional que ampliava a intervenção federal nos Estados.

 

58 A denominada “crise de posse” dos eleitos Negrão Lima, na Guanabara, e Israel Pinheiro, em Minas Gerais, em 1965, desencadeou uma enorme crise no governo Castello Branco que culminou com a promulgação do AI-2. Negrão de Lima afirmava: “o povo, que não é ingênuo, recusa-se a aceitar a imputação de subversivo atirada a um

 

 

homem cuja (…) vida pública se caracterizou pela lealdade aos princípios democráticos e pelo combate ao comunismo.”

NEGRÃO DE LIMA apud O ATO foi garantia e ameaça. Visão, São Paulo: n. 24, p. 27, 10 dez. 1965.

59 CASTELLO BRANCO apud OS CONTORNOS de uma nova fase.

Visão, São Paulo: n. 18, p. 18, 29 out. 1965.

60 MAGALHÃES apud OS CONTORNOS de uma nova fase. Visão, São Paulo: n. 18, p. 19, 29 out. 1965.

61 Ibid. p. 18.

62 RIBEIRO DA COSTA apud OS CONTORNOS de uma nova fase. Visão, São Paulo: n. 18, p. 19, 29 out. 1965. A denominada linha dura considerava o STF um poderoso órgão contra o regime militar.

 

63 COSTA E SILVA apud O CAMINHO da institucionalização. Visão, São Paulo: n. 19, p. 21, 05 nov. 1965.

64 TERMÔMETRO de Brasília. Visão, São Paulo: n. 18, p. 21, 29 out. 1965.

 

65 “O movimento (operário) não conseguiu resistir às investidas que se seguiram ao golpe de Estado e, passados alguns meses, bastou que o novo regime tratasse de pôr em funcionamento a legislação herdada dos períodos anteriores para que a classe operária se encontrasse lançada no mais profundo imobilismo (sem esquecer, certamente, a violência da repressão que se abateu sobre o movimento operário, a limitação da lei de greve e o fim da estabilidade no emprego).” MOISÉS, J. A. Problemas atuais do movimento operário. In Brasil: do “milagre” à “abertura”. São Paulo: Cortez, 1982. p. 57.

 

66 O Ato Institucional n. 03, de 05 de fevereiro de 1966, estabelecia o calendário eleitoral, que as eleições de Governador deveriam preceder as de Presidente da República e, ainda, fixava que as eleições de senadores e deputados federais e estaduais seriam realizadas em último turno. Outro ponto deste Ato era a escolha dos governadores de onze estados pelas assembléias legislativas.

 

67 Em 1966, os denominados lacerdistas afirmavam que a reformulação partidária objetivava manter um arremedo de democracia, na qual uma oligarquia se beneficiava e o povo era excluído. Vide depoimentos publicados em:

 

 

GOVERNO espera só a desincompatibilização Visão, São Paulo: n. 5, p. 11-13, 04 fev. 1966.

 

68 Destaque-se que além dos atos institucionais existiam ainda os atos constitucionais. Entre outubro de 1965 e janeiro de 1966, foram promulgados 07 atos constitucionais. O n. 03 referia-se ao processo de cassações, suspensão de direitos políticos e perdas de garantias constitucionais e legais.

 

69 MAGALHÃES apud COSTA tem tudo para ser o sucessor. Visão, São Paulo: n. 15, p. 14-15, 15 abr. 1966.

 

70 Em 1966 assistia-se ao acirramento da crise entre os militares no poder. A pressão da denominada linha dura tornava-se cada vez mais ostensiva.

 

71 COSTA E SILVA apud CANDIDATO traça os seus rumos. Visão, São Paulo: n. 02, p. 11, 08 jul. 1966. Entrevista.

 

72 Não é possível fazer no âmbito deste trabalho uma discussão teórica sobre a questão da liberdade. Ver:

ARON, R. Essai sur les libertés. Paris: Calman-Lévy, 1965.

BAY, C. The structure of freedom. Stanford: Stanford University, 1958.

 

73 Felix E. Oppenheim afirma que “numa democracia, as liberdades e as não-liberdades são colocadas de maneira mais igual, por exemplo, entre os vários escalões do governo, entre o governo e os governantes, entre a maioria e a minoria. Igual liberdade, não mais liberdade, esta é a essência da democracia”.

OPPENHEIM, F. Dimensioni della libertá. Milão, Feltrinelli, 1964.

74 COUTO E SILVA, G. Planejamento estratégico. Brasília: UNB, 1981. p. 501.

 

75 Costa e Silva começou “reagrupando a oposição política a Castello: a parte do pessedismo marginalizada, o empresariado nacional contrariado pela política econômica de Campos, a `linha dura’ que também queria `humanizar’ a política econômica e se aliava aos setores estatistas contra o favorecimento das empresas estrangeiras realizado no Governo anterior”.

CARDOSO, F. H. Autoritarismo e democratizaião. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p. 200/1.

 

 

76 O coronel Ruy Castro, um dos principais teóricos da “linha dura” culpava as ciências sociais pela expansão do militarismo no mundo. O defensor de um equilíbrio rígido entre o poder civil e o poder militar, onde se teria a preponderância do segundo logicamente, afirmava: “Acentua-se o risco do militarismo em todo o mundo pelo atraso das pesquisas sociológicas que não fornecem ainda à política instrumentos e orientações científicos para que as democracias se atualizem.” CASTRO, R. A “linha dura”, segundo seu teórico. Visão, São Paulo: n. 21, p. 12, 09 jun. 1967.

 

77 Vários membros do governo Costa e Silva pertenciam à “linha dura”: Augusto Rademaker (marinha), Márcio de Souza Melo (aeronáutica), Jayme Portella (gabinete militar), Gama Filho (justiça), Afonso Albuquerque Lima (interior), Costa Cavalcanti (minas e energia) e Ivo Arzua (agricultura).

 

78 Era crescente a crise política no Congresso. A instituição do bipartidarismo não resolveu as dissensões. Estas não tinham a ver somente com atuação do MBD, mas da própria ARENA. O processo de descastelização da ARENA no Governo Costa e Silva revelava as dificuldades de ajustar o próprio partido, na sua totalidade, aos ditames do novo regime.

 

79 COSTA E SILVA apud A LONGA espera não corre risco. Visão, São Paulo: n. 16, p. 14/16, 14 out. 1966.

 

80 “Assim, a nosso ver, se aparentemente são os militares que têm mais o Estado autoritário, pela própria violência (Lei de Segurança Nacional), os tecnocratas (e aí se imbricam com os militares tecnocratas) são os que organizam esse poder mais como `consenso’. Os militares compuseram mais a `legitimidade’ do Estado pela chamada legalidade, leis, atos institucionais que imprimiram pela força determinadas mudanças, justificadas como defesa contra `subversão’, contra o `caos’ econômico e político. Os tecnocratas compuseram a `legitimidade’ pela efetivação da `administração racional’, pelo índice de crescimento da economia, pelo nível de desenvolvimento econômico”.

COVRE, M. de L .M. A fala dos homens. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 246.

 

81 Pode-se citar os seguintes tecnocratas civis que desempenharam um papel fundamental no interior do grupo de poder: Octávio G. de Bulhões, Roberto Campos, Mário Henrique Simonsem, Antônio Delfim Netto, João Paulo dos Reis Velloso, dentre outros.

 

 

82 COVRE, op. cit, p. 247.

 

83 Em 1966 já se esboça uma crítica dos representantes do grande capital à forma de intervenção do Estado na economia. Conforme seus depoimentos no debate sobre o papel desempenhado pela iniciativa privada numa economia de duplo setor, do tipo da economia brasileira, que foram publicados em:

PRAGMATISMO é a palavra de ordem. Visão, São Paulo: n. 08, p. 36/ 7, 19 ago. 1966.

 

84 As posições de Bulhões quanto à política gradualista de combate à inflação está em:

BULHÕES apud BULHÕES, doutor em crises, continua tranqüilo.

Visão, São Paulo: n. 10, p. 22/5, 2 set. 1966.

 

85 Existiam divergências no interior da classe empresarial quanto à avaliação da política econômica do governo. Alguns representantes do capital destacavam os benefícios e as vantagens. José Luiz de Almeida Bello da ABDID (Associação Brasileira de Desenvolvimento da Indústria de Base)pode ser tomado como um exemplo. ALMEIDA BELLO apud PLANO decenal tem toque de pioneiro. Visão, São Paulo: n. 12, p. 24/6, 16 Set. 1966.

 

86 NIGRIS apud EMPRESÁRIOS coincidem. Visão, São Paulo: n. 17, p. 25, 21 out. 1966.

 

87 OSÓRIO e CAMPOS apud AS CARTAS estão na mesa. Visão, São Paulo: n. 17, p. 25/6, 21 out. 1966.

 

88 Os depoimentos dos deputados José Bonifácio (Arena) e Paulo Macarini (MDB) e do Senador Josaphá Marinho (MDB) estão em: MARINHO, BONIFÁCIO e MACARINI apud O PANORAMA visto do Congresso. Visão, São Paulo: n. 11, p. 12-13, 21 Set. 1967. STENZEL e MACARINI apud PARA mudar, só se MDB subir. Visão, São Paulo: n. 19, p. 15-16, 16 nov. 1967.

 

89 O Deputado Paulo Macarini afirmava que “as atuais emendas representam um esforço do MBD para aprimorar o regime, restaurar a democracia, dar ao poder civil a supremacia que lhe é peculiar, e, por fim, criar condições de emancipação econômica e desenvolvimento com liberdade.”

MACARNI apud PARA mudar, só se o MDB subir. Visão, São Paulo: n. 19, p. 15, 16 nov. 1967.

 

 

90 STENZEL, op. cit, p. 15.

 

91 O ministro da Casa Militar, Gal. Jayme Portella, oferece dados sobre esse processo em:

PORTELLA, J. A revoluião e o governo Costa e Silva. Rio de Janeiro: Guavira, 1979.

 

92 CARDOSO, Irene de A. R. Memória de 68: terror e interdição do passado. Tempo social. Revista de Sociologia da USP, São Paulo: 2(2), p. l06, 2. sem. 1990.

 

93 Sobre a consolidação da ditadura militar no período de 1968-1974, ver: SADER, E. Um rumor de botas. São Paulo: Polis, 1982. p. 159 et seq.

 

94 A imprensa da época afirmava que esse consentimento era de caráter negativo, uma vez que ele resultava da falta de alternativa política não-autoritária. Vide revistas Visão e Veja do ano de 1968.

 

95 Acredita-se que o sistema era mais que um poder paralelo. Ou seja, ele assumia dimensões maiores que isso à medida que se colocava não paralelamente ou fora do Estado. Ele atuava dentro deste último, pressionando constantemente todas as instâncias de poder.

 

96 CARDOSO, F. H. Autoritarismo e democratizaião. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p. 218.

 

97 “No início de novembro de 1968, foi levado ao presidente Costa e Silva um documento em nome das `classes produtoras’ conclamando o governo a reafirmar os `princípios revolucionários’. Menos de um mês depois, veio o AI-5.”

UM ESTRANHO manifesto. Isto é, São Paulo: n. 73, p. 84, 17 maio 1978.

 

98 PASSARINHO apud A GREVE é ilegal. Veja, São Paulo: n. 04, p. 21, 02 out. 1968.

 

99 Das reuniões do CSN participavam o Presidente Costa e Silva, o vice Pedro Aleixo, os ministros Magalhães Pinto, Mário Andreazza, Jarbas Passarinho, Delfim Netto, Leonel Miranda e Albuquerque Lima e o grupo ministerial da segurança nacional composto pelos ministros militares, pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, pelo chefe da Casa Militar, do SNI e pelo Ministro da Justiça, dentre outros.

 

 

100 “O AI-5 derruba o padrão político evolutivo plantado desde a independência pelos herdeiros do despotismo ilustrado pombalino. Este padrão pressupunha um espraiamento progressivo das liberdades reservadas à burocracia do Império e às oligarquias. Instituições embrionariamente democráticas iriam ampliando seu escopo, à medida que a população fosse `civilizada’ pelas elites. Doravante, a regra não tinha mais validade. A ‘evolução civilizadora’ foi rompida por elites que enveredavam pela barbárie”. ALENCASTRO, L. F. de. 1964: Por quem dobram os sinos? Folha de S.Paulo, São Paulo: 16 maio 1994. C.1, p. 3.

 

101 Há vários textos sobre as greves neste período. Ver, principalmente: SOUZA MARTINS, H. H. T. de. O Estado e a burocratizaião do sindicato no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1979.

WEFFORT, F. Participação e conflito industrial: Contagem e Osasco- 1968. Cadernos Cebrap, São Paulo: n. 5, 1972.

 

102 O Ministro do Trabalho afirmava: “o Governo está forrado de moral para partir para a reação contra a ação agressiva que recebe das minorias radicais”.

PASSARINHO apud O MINISTRO do afrouxo. Veja, São Paulo: n. 05, p. 27, 09 out. 1968.

 

103 Havia uma enorme possibilidade de crescimento do número de greves nos últimos meses de 1968. Além dos bancários, que tentavam entrar em greve em vários estados, outra categoria também estava disposta a deflagrar greve: os metalúrgicos de Minas Gerais, São Paulo e Guanabara. Em outubro de 1968, ocorreu a concretização de alguns movimentos grevistas: metalúrgicos de Minas Gerais, bancários e metalúrgicos cariocas, bancários do Paraná (estes 3 últimos conseguiram 30% na justiça depois de um dia de greve) e a greve dos bancários de Fortaleza que foi duramente reprimida.

 

104 “Dois membros do `establishment’ paulista, dois civis, catedráticos da USP, tiveram um papel crucial na implementação do texto mais celerado da história brasileira: o ex-reitor Gama e Silva, ministro de Justiça, que açulou a crise e urdiu o conteúdo do Ato Institucional, e Delfim Netto, ministro da Fazenda. Foi o Sr. Delfim Netto que trouxe a um Costa e Silva ainda hesitante a garantia de que o AI-5 não encontraria oposição entre o empresariado (…). O então ministro da Fazenda fez juízo certo.”

ALENCASTRO, loc. cit.

 

 

105 Zuenir Ventura afirma que a reunião em que se decidiu pela implantação do AI-5 não ofereceu surpresas. “Costa e Silva levara anotações das medidas a serem tomadas e, no final, pediu ao ministro da Justiça e ao deputado Rondon Pacheco que transformassem o esboço no que viria a ser o Ato Institucional nº 05. Mas antes, por sugestão de Rondon, mandou chamar os ministros do planejamento e da Fazenda para saber se a medida provocaria repercussões negativas na política econômico-financeira do governo. Jayme Portella (Chefe da Casa Militar), o emissário da convocação, relata:

`Os ministros Hélio Beltrão e Delfim Netto declararam que nada a afetava, podendo ser o ato editado tranqüilamente’.”

VENTURA, Z. 1968 – o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. p. 273.

 

106 MOREIRA DE SOUZA apud A PAUSA dentro da crise. Veja, São Paulo: n. 9, p. 21, 06 nov. 1968. Grifo meu.

 

107 ALBUQUERQUE LIMA apud OS MILITARES. Veja, São Paulo: n. 10, p. 12, 13 nov. 1968. O referido general era Ministro do Interior.

 

108 Os principais dispositivos do AI-5 davam poderes absolutos para o poder executivo. O Presidente poderia:

  • Decretar o recesso do Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras de
  • Decretar a intervenção nos Estados e Municípios.
  • Suspender direitos políticos de quaisquer cidadãos.

Também ficariam suspensas as garantias constitucionais e de habeas- corpus. E ainda excluía qualquer apreciação judicial de todos os atos praticados de acordo com o referido Ato.

 

109 Há inúmeros trabalhos sobre este período, dentre eles, ver: CARDOSO, I. A. R. op. cit, p. 101-112.

CHAUÍ, M. Um regime que tortura. I Seminário do Grupo Tortura Nunca mais. Depoimentos e Debates. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 28-37.

FON. A. C. Tortura – a história da repressão política no Brasil. São Paulo: Global, 1979.

110 CARDOSO, F. H. op. cit, p. 201.

 

111 Desde os primeiros momentos do movimento de 1964 encontrava-se a idéia de democracia relacionada à construção do futuro. Os discursos do Presidente Castello Branco são os mais reveladores deste sentido.

 

 

112 COSTA E SILVA apud O FUTURO da classe política. Visão, São Paulo:

  1. 6, p. 19, 28.Mar. 1969. Pronunciamento no rádio e na TV no dia 15 de março de 1969.

 

113 O AI-5 favorecia a tomada de decisões pelo governo na área econômica sem necessidade de negociação no Congresso, por exemplo. A execução da medida que liderava recursos para o capital de giro das empresas (Decreto-lei nº 62) e a continuidade de incentivos fiscais ao mercado de capitais, etc., passaram a ser decididas no âmbito do governo e dos respectivos interessados. O estreitamento do processo decisório, com o passar do tempo, criou grandes impasses no interior do próprio grupo de poder.

 

114 COSTA E SILVA apud REVOLUÇÃO, ano zero. Veja, São Paulo: n. 15, p. 16, 18 dez. 1968.

 

115 COSTA E SILVA, A. da. Símbolos que a iniciativa privada precisa multiplicar. Problemas brasileiros. Revista do Sesc e da Federação do Comércio de São Paulo. São Paulo: n. 56, p. 1-2, nov. 1967.

116 Ibid.

117 Ibid, p. 2.

 

118 Sérgio Buarque de Holanda demonstrou em vários trabalhos os elementos básicos deste processo nos diversos momentos da história política brasileira. Ver, principalmente:

HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. O vigor do poder privado no país foi destacado por diversas obras de interpretação do Brasil. Ver:

AZEVEDO, F. Canaviais e engenhos na vida política do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1958.

DUARTE, N. A ordem privada e a organizaião política nacional. São Paulo: Nacional, 1939.

LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-ômega, 1986. FAORO, R. Os donos do poder. Rio de Janeiro: Globo, 1989.

119 O’ DONNELL, G. Transições, continuidades e alguns paradoxos. In

A democracia no Brasil. São Paulo: Vértice, 1988. p. 64.

120 HOLANDA, S. B. de. O poder pessoal. In História geral da civilizaião brasileira. T. 2, v.5, São Paulo: Difel, 1972. p. 72-8.

 

 

Id, A democracia improvisada. In História geral da civilizaião brasileira.

  1. 2, v.5, livro 2, cap.2. São Paulo, Difel, 1972. p. 79-87.

121 Esta separação poderia, certamente, ser tomada como um dos elementos para explicar a dificuldade, mesmo após o regime militar, de crescimento do índice de preferência por democracia a qualquer outro regime político. Em pesquisa do DataFolha assistiu-se ao crescimento do índice de preferência pela democracia entre setembro de 1989 (43%) a março de 1993 (59%). No entanto, em março de 1995 deparou-se com um declínio deste índice para 46%. Ao serem indagados, em março de 1993, se o Brasil funcionaria melhor se os militares voltassem ao poder somente 40% dos entrevistados discordaram totalmente. 49% ficaram entre concordar muito, concordar pouco e discordar pouco. 59% dos entrevistados afirmaram em março de 1993 que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo, no entanto, somente 40%, na mesma pesquisa disseram discordar totalmente de que o Brasil funcionaria melhor com os militares. Havia, então, quase 20% dos entrevistados que diziam preferir a democracia e o regime militar ao mesmo tempo, e/ ou ainda, que preferiam a democracia mas não sabiam se com os militares o Brasil funcionaria melhor ou não.

DEMOCRACIA x ditadura. Pesquisa DataFolha. Folha de S.Paulo. São Paulo: 11 jul. 1993. C.6, p. 4.

A tabela trazia dados de setembro de 1989 a novembro de 1993. PREFERÊNCIA por democracia cai em dois anos. Pesquisa DataFolha. Folha de S.Paulo. São Paulo: 03 abr. 1995. C.1, p. 8. José Álvaro Moisés elaborou um trabalho partindo dos dados acima (ou seja, de 1989 a 1993) e demonstrou, dentre outros elementos, que estaria havendo um aumento significativo da preferência dos brasileiros por democracia. No entanto, como foi visto acima, a pesquisa de 1995 já apontava um enorme declínio daquele índice.

MOISÉS, J. A. Os brasileiros e a democracia. São Paulo: Ática, 1995.

 

122 Estas questões que serão trabalhadas no próximo capítulo foram amplamente discutidas em:

PASSARINHO apud O MINISTRO do afrouxo. Veja, São Paulo: n. 05, p. 27, 09 out. 1968.

Id apud A GREVE é ilegal. Veja, São Paulo: n. 04, p. 21, 02 out. 1968. Ministro do Trabalho.

COSTA E SILVA apud AS NOVAS perspectivas. Visão, São Paulo: n. 1, p. 19, 17 jan. 1969.

 

 

123 MOREIRA DE SOUZA apud A PAUSA dentro da crise. Veja, São Paulo: n. 9, p. 21, 06 nov. 1968. Presidente da Associação dos Diretores de Empresas de Crédito, Investimento e Financiamento.

 

124 PAULA COUTO, A. J. de. Ação democrática (um exemplo de ação psicológica). Segurania e desenvolvimento. Rio de Janeiro: ESG, n. 144, p. 129, 1971.

125 Ibid, p. 131.

126 Ibid, p. 130.

 

127 COSTA E SILVA apud DEMOCRACIA partidária. Visão, São Paulo: n. 12, p. 23, 20 jun. 1969.

128 PAULA COUTO, op. cit, p. 127 et. seq.

129 Ibid, p. 130.

130 Ibid, p. 130 et. seq.

 

131 Ibid, p. 132. O boletim nº 189, de 30 de setembro de 1964 do III Exército convocava um grupo de trabalho para organizar um Plano de Ação Psicológica nestes termos.

 

132 Vide: AÇÃO democrática. Um exemplo de ação psicológica. Segurania e desenvolvimento. Revista da Adesg. Rio de Janeiro, n. 144, p. 133-6, 1971.

133 Estes dados estão em:

COSTA E SILVA apud DEMOCRACIA partidária. Visão, São Paulo: n. 12, p. 23, 20 jun. 1969.

GAMA E SILVA apud DEMOCRACIA partidária. Visão, São Paulo:

  1. 12, p. 23, 20 jun. 1969. Ministro da Justiça.

 

134 MÉDICI apud A MARCHA da sucessão. Visão, São Paulo: n. 8, p. 20, 10 out. 1969.

Id apud MÉDICI governo de participação. Visão, São Paulo: n. 9, p. 21, 24 out. 1969.

 

135 Id, A verdadeira paz. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971.

 

 

136 Estes elementos aparecem explicitamente em: Ibid.

VELLOSO apud VELLOSO e seus grandes impactos. Veja, São Paulo: n. 71, p. 18/19, 14 jan. 1970.

Id apud A RESPOSTA do ministro. Veja, São Paulo: n. 72, p. 20, 21 jan. 1970. J. P. dos Reis Velloso era ministro do Planejamento no governo Médici.

CAMPOS apud CONFRONTO revela dilemas políticos. Visão, São Paulo: n. 3, p. 56, 14 fev. 1970.

Milton Campos era Senador da Arena e um dos mais árduos defensores da ditadura militar.

 

137 Vide depoimento de: CAMPOS, op. cit, p. 66.

138 Os dados para esta análise foram retirados de:

CAMPOS apud COQUETEL de reformas. Veja, São Paulo: n. 118, p. 19, 09 dez 1970. Roberto Campos foi ministro no governo C. Branco. SARNEY, J. A velha ordem acabou. Veja, São Paulo: n. 125, p. 4, 27 jan. 1971. Líder da Arena.

PINTO apud A PRESSÃO das palavras. Visão, São Paulo: n. 2, p. 17, 31 jan. 1971. Magalhães Pinto empresário e um dos líderes civis mais importantes do movimento de 1964.

 

139 Sobre isto, ver pronunciamento de Mário H. Simonsen, empresário e por várias vezes ministro durante a ditadura.

SIMONSEN apud UM EVENTO na vida nacional. Visão, São Paulo: n. 11, p. 21, 06 dez. 1971.

 

140 BUZAID apud A DEMOCRACIA de voto e veto. Visão, São Paulo: n. 12, p. 17, 19 jun. 1972. Ministro da Justiça no governo Médici. MÉDICI apud METEOROLOGIA do poder. Veja, São Paulo: n. 201, p. 22, 12 jun. 1972.

Id apud O ESTADO tutelar. Visão, São Paulo: n. 2, p. 17, 17 jul. 1972.

 

141 PRADO JÚNIOR, C. Evoluião política brasileira: Colônia e império. São Paulo: Brasiliense, 1987.

FAORO, R. Os donos do poder. Rio de Janeiro: Globo, 1989. HOLANDA, S. B. de Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. Id, História geral da civilizaião brasileira. São Paulo: T. 1, v. 2; t. 2, v. 2; t. 2, v. 5. Difel, 1960, 1964, 1972.

 

142 COSTA E SILVA apud AS NOVAS perspectivas. Visão, São Paulo: n. 1, p. 19, 17 Jan. 1969.

 

 

143 “Antes de mais nada, segundo a visão que adotamos, democracia não significa e não pode significar que o povo realmente governe, em qualquer sentido mais óbvio dos termos `povo’ e `governe’. Democracia significa apenas que o povo tem a oportunidade de aceitar ou recusar as pessoas designadas para governá-lo. Mas como o povo pode decidir isso de maneira inteiramente não-democrática, temos de aceitar estreitar nossa definição, acrescentando mais um critério que defina o método democrático, ou seja, a livre competição entre líderes potenciais pelo voto do eleitorado”

SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. p. 355.

144 Ibid, p. 337.

 

145 Schumpeter argumenta que é necessário restringir “o tipo de competição pelo voto livre. A justificativa para isso é o fato de a democracia parecer implicar um método reconhecido pelo qual se pode conduzir a luta competitiva, e de o método democrático eleitoral ser praticamente o único disponível a comunidades de qualquer tamanho.”

Ibid, p. 338

Em termos de acesso para se competir pela liderança política, ele afirma que a liberdade de todos concorrerem para se chegar a esta última é o mesmo que dizer que qualquer pessoa é livre para instalar uma fábrica têxtil.

 

146 “O princípio da democracia significa, então, meramente que as rédeas do governo devem ser dadas àqueles que têm mais apoio do que quaisquer dos indivíduos ou grupos em competição. E isso, por sua vez, parece garantir a permanência do sistema da maioria dentro da lógica do método democrático, embora ainda possamos condená-lo em bases que se situam fora dessa lógica.”

Ibid, p. 340

147 GAMA E SILVA apud DEMOCRACIA partidária. Visão, São Paulo:

  1. 12, p. 26, 20 jun. 1969. Ministro da Justiça.

 

148 STENZEL apud UM LAMENTO político. Visão, São Paulo: n. 6, p. 22, 28 mar. 1969. Clóvis Stenzel era deputado da Arena-RS, ligado à linha dura.

 

149 Para o Deputado Ulisses Guimarães do MDB-SP “a democracia (era) a técnica política dos freios e contrapesos dos poderes que exercitam

 

 

a atividade do Estado.” A democracia deveria garantir que o homem não se transformasse em vítima do Estado.

GUIMARÃES apud QUAL a melhor constituição para o Brasil. Veja, São Paulo: n. 39, p. 18, 04 jun. 1969.

150 STENZEL, op. cit, p. 22.

151 Ibid.

152 Ibid.

153 Ver depoimentos publicados em:

O CAMINHO do partido dominante. Visão, São Paulo: n. 11, p. 21/ 22, 6 jun. 1969.

 

154 COSTA E SILVA apud DEMOCRACIA partidária. Visão, São Paulo: n. 12, p. 23, 20 jun. 1969.

 

155 GAMA E SILVA apud DEMOCRACIA partidária. Visão, São Paulo: n. 12, p. 26, 20 jun. 1969.

 

156 O Presidente Costa e Silva afirmava: “o mundo precisa saber que o nosso Governo não é um Governo militarista. Somos um Governo civilista”. COSTA E SILVA apud ACORDO transparente. Veja, São Paulo: n. 42, p. 17, 25 Jun. 1969.

 

157 Os depoimentos de Gama e Silva, Pedro Aleixo, Carlos Medeiros, Miguel Reale e Rondon Pacheco sobre esta democracia aristotélica elitista está em:

ESTADO de direito com uma nova elite de poder? Visão, São Paulo: n. 4, p. 53/6, 15 ago. 1969.

Os três últimos eram assessores do vice-presidente Pedro Aleixo que coordenava a reforma constitucional.

 

158 O Ato Institucional n. 11 convocava eleições municipais em vários estados, ou seja, em 870 municípios.

 

159 O Ato Institucional nº 12, de agosto de 1969, estabelecia que os ministros militares (Augusto Rademaker, Lyra Tavares e Márcio de Souza e Melo) passavam a acumular as funções do presidente da República por ocasião da doença do Presidente Costa e Silva. O referido Ato reafirmava o AI-5 e os atos constitucionais em vigência.

 

 

160 STENZEL, C. Os políticos não entendem a Revolução. Veja, São Paulo:

  1. 55, p. 20, 24 Set. 1969. Entrevista.

161 Ibid.

 

162 MEDICE apud A MARCHA de uma sucessão. Visão, São Paulo: n. 8, p. 20, 10 out. 1969.

 

163 PASSARINHO,J. Eu não me escolheria para vice-presidente. Veja, São Paulo: n. 58, p. 3/5, 15 out. 1969.

 

164 LIMA apud MEDICE e o governo de participação. Visão, São Paulo: n. 9, p. 21, 24 out. 1969.

 

165 MEDICE apud MEDICE e o governo de participação. Visão, São Paulo: n. 9, p. 22, 24 Out. 1969.

Id, apud As primeiras opções do presidente. Visão, São Paulo: n. 10,

  1. 19, 07 nov. 1969. Neste último depoimento, Médici afirmava que deixaria o seu mandato com a democracia definitivamente instaurada.

 

166 DOWNS, A. Teoría económica de la democracia. Madrid: Aguilar, 1961. RIKER, W. H. The theory of political coalitions. New Haven, Conn, Yale University Press, 1962.

Id, e ORDESHOOK, P. C. A theory of the calculus of voting. American Political Science Review, n. 62, p. 25 -42, 1968.

 

167 Brian Barry faz uma ampla discussão sobre estas teorias de Olson, Downs e Riker. Ver:

BARRY, B. Los sociólogos, los economistas y la democracia. Buenos Aires: Amorrortu, 1970.

 

168 ALMOND, G. e VERBA, S. The civic culture: political attitudes and democracy in five nations. Princeton: University Press, 1963. ECKSTEIN, H. Division and cohesion in democracy. Princeton University Press, 1966.

LIPSET, S. M. O homem político. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. BERELSON, B. R; LAZARSFELD, P. F; MACPHEE, W .N. Voting.

University of Chicago Press, 1954.

DAHL, R. Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1989. Id, Modern political analysis. New Jersey, Prentice Hall, 1963.

SARTORI, G. Teoria democrática. Lisboa: Fundo de cultura, 1965.

 

 

169 “A maior parte dos analistas contemporâneos enfatiza os entraves – políticos, culturais – à consolidação de instituições representativas estáveis e razoavelmente democráticas. A tese clássica de Raymundo Faoro sobre a privatização exacerbada do poder político – o Estado patrimonial, a conciliação e a cooptação, ‘os donos do poder’ – assim como o ceticismo de Sérgio Buarque de Holanda – ‘a democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido’ – permanecem referências fundamentais”.

BENEVIDES, M. V. M. A cidadania ativa. São Paulo: Ática, 1991. p. 26.

 

170 COUTO E SILVA, G. Conjuntura política nacional, o poder executivo & geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1981.

ESCOLA Superior de Guerra. Manual básico da Escola Superior de Guerra. Estado-Maior das Forças Armadas – Escola Superior de Guerra, Departamento de Estudos, 1976. Seção III, p. 355-371.

 

171 Olson afirma que nem todos os interesses compartilhados existentes numa sociedade conseguem se constituir como grupos de pressão. OLSON, M. The logic of collective action: public goods and the theory of groups. Havard University Press, 1965.

172 Conforme depoimentos de alguns militares em:

OS LIMITES da oposição. Visão, São Paulo: n. 11, p. 21/22, 21 nov. 1969.

 

173 VELLOSO apud DE UM ANTIGO debate, uma nova fórmula. Visão, São Paulo: n. 11, p. 24, 21 nov. 1969.

 

174 MÉDICI, E. G. A verdadeira paz. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971. p. 166.

175 CAMPOS apud O Estado de S.Paulo. São Paulo: p. 05, 17 maio 1970.

 

176 VELLOSO apud A RESPOSTA do ministro. Veja, São Paulo: n. 72, p. 20, 21 jan. 1970.

 

177 Sobre o “milagre econômico” há uma extensa bibliografia, ver, principalmente:

SINGER, P. As contradições do “milagre”. In KRISCHKE,P. Brasil: do “milagre” à “abertura”. São Paulo: Cortez, 1982.

MENDONÇA, S. R. de. Estado e economia no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

 

 

OLIVEIRA, F.de. Padrões de acumulação, oligopólios e Estado no Brasil. In A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1977.

 

178 “Creio, em última análise, que a nação brasileira, no pleno exercício de sua soberania, é capaz de autodeterminar-se politicamente, imprimindo ao regime democrático, dentro do qual deseja construir a sua grandeza, os traços que melhor consultam aos interesses do povo.”

MÉDICI, E. G. A verdadeira Paz. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971. p. 166.

 

179 De março de 1964 a janeiro de 1970, o regime militar já tinha editado 95 atos (17 institucionais e 78 constitucionais).

 

180 Vide depoimentos do Ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, publicados na imprensa da época. VELLOSO apud VELLOSO e seus “grandes impactos”. Veja, São Paulo: n. 71, p. 18/ 19, 14 Jan. 1970.

 

181 CAMPOS apud CONFRONTO revela dilemas políticos. Visão, São Paulo: n. 3, p. 56 passim, 14 fev. 1970.

182 CAMPOS, op. cit, p. 66.

 

183 NEVES apud CONFRONTO revela dilemas políticos. Visão, São Paulo: n. 3, p. 65, 14 fev. 1970.

 

184 SÁ apud CONFRONTO revela dilemas políticos. Visão, São Paulo: n. 3, p. 73, 14 fev. 1970.

Mem de Sá era Senador da Arena e Ex-Ministro da Justiça de Castello Branco.

 

185 A Revista Visão promovia debates nos primeiros anos da década de 70 visando reiterar as perspectivas de uma democracia fincada nestes pressupostos.Ver:

UMA DÉCADA decisiva à consolidação da democracia no Brasil.

Visão, São Paulo: n. 3, p. 37/52, 14 fev. 1970.

 

186 MEDICI, E. G. Discurso proferido em 30 Out. 1969. Publicado em: Brasil 70 – Política e debate. Visão, São Paulo: n. 3, p. 102, 14 fev. 1970.

 

 

187 A escolha dos governadores dos estados, em 1970, revelava o nível de controle do regime sobre o processo político. O presidente da Arena Rondon Pacheco e o SNI recenseavam os nomes, estes eram examinados pelos comandos militares regionais e por elementos da confiança pessoal do Presidente Médici que daria sua palavra final no processo de escolha dos governadores.

188 Sobre a teoria democrática contemporânea, Ver:

PATEMAN, C. Participaião e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

SARTORI, G. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Àtica, 1994.

 

189 Tem-se consciência de que há várias perspectivas acerca da questão da relação entre os indivíduos e as instituições nas inúmeras teorias da democracia. A teoria participativa, nas suas várias vertentes, não está sendo utilizada como parâmetro de comparação com os pressupostos de democracia do regime militar, pois há dificuldade de se estabelecer proximidades daqueles, mesmo com a teoria elitista. Sobre a teoria participativa, ver:

BLUMBERG, P. Industrial democracy: the sociology of participation. Londres: Constable, 1968.

MACPHERSON, C. B. A democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. PATEMAN, C. Participaião e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

 

190 ALMOND e VERBA, loc. cit. A participação tem, para Almond e Verba, um efeito cumulativo, que favorece sempre os indivíduos melhores colocados na escala social. A cultura política que advém dessa participação e que garante a estabilidade democrática está, assim, concentrada nas mãos desses grupos sociais.

191 ECKSTEIN, loc. cit.

PATEMAN, op. cit, p. 22 passim.

 

192 Inspirado em Schumpeter, Lipset define a democracia da seguinte forma: “A democracia, numa sociedade complexa, pode-se definir como um sistema político que fornece oportunidades constitucionais regulares para a mudança dos funcionários governantes, e um mecanismo social que permite a uma parte – a maior possível – da população influir nas principais decisões mediante a sua escolha entre os contendores para cargos políticos”.

LIPSET, S .M. O homem político. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 46.

 

 

193 MÉDICI, E. G. A verdadeira paz. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional. 1971. p. 173.

 

194 Id apud OS CAMINHOS de Médici. Veja, São Paulo: n. 78, p. 20, 04 mar. 1970. Entrevista coletiva.

 

195 Id, A verdadeira paz. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971. p. 176.

 

196 Segundo Médici, alcançar a democracia superior dependia “muito mais dos militantes da política partidária, que do próprio Presidente da República.” A democracia superior era por ele definida como o momento em “que se debatam as idéias com grandeza, em que se encare o futuro sem preconceitos, sem ódios, sem temores.”

Id, O jogo da verdade. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1970. p. 50.

 

197 No campo econômico, na época do milagre, os empresários que faziam parte do grupo de poder diziam-se entrosados com o governo, mas o ideal ainda não havia sido atingido. Ruy Gomes de Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações Comerciais e, Daniel Machado de Campos, presidente da Associação Comercial de São Paulo: afirmavam: “ O entrosamento classes produtoras – governo, nosso principal objetivo, foi atingido. Mas o importante é que os empresários levem daqui a mentalidade realista de Goethe – o ideal é aquilo que está lá longe. Nós não podemos vibrar com aquilo que já foi atingido.”

ALMEIDA e CAMPOS apud A GRANDE aliança. Veja, São Paulo: n. 79, p. 39, 11 mar. 1970.

 

198 MÉDICI apud A NOVA segurança. Veja, São Paulo: n. 80, p. 22, 18 mar. 1970.

 

199 Sobre a definição da democracia como democracia social, ver: COVRE, op. cit, p. 234 et seq.

 

200 “Reitero que todo brasileiro tem o direito de fazer oposição ao governo. Considero imprescindível ao bom funcionamento do regime a existência de opositores. Por isso mesmo, não serei hostil aos que de mim discordarem. No meu governo não houve, não há, nem haverá coação por motivos puramente políticos”.

MEDICE apud MDB: a vontade sem força. Visão, São Paulo: n. 7, p. 20, 12 abr. 1971.

 

 

201 Id, apud O TRINÔMIO da reabertura. Veja, São Paulo: n. 106, p. 17, 16 Set. 1970.

 

202 “Trata-se, então, de ajudar a construir, no Brasil, a sociedade desenvolvida, democrática, independente e livre, assegurando, assim, a viabilidade econômica, social e política do país.”

MÉDICI, E. G. Nova consciência de Brasil. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1970. p. 60.

 

203 “As instituições democráticas não foram assaltadas pelos militares, mas, de fato, foram sustentadas pelos mesmos, na hora em que os próprios homens que ocupavam o Poder nacional iniciaram a destruição dos mais altos valores da nacionalidade. Essa é a verdade revolucionária que precisa ser compreendida, e de que não aceito e nem aceitarei contestação”.

Ibid, p. 28.

 

204 A execução de determinados projetos (política econômica, integração social e a transamazônica) era mostrada como condutora da democracia como um fim. No campo político as medidas eram apresentadas como um meio para se alcançar alguns objetivos que levariam à democracia.

MÉDICI, E. G. A verdadeira Paz. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1971. p. 176.

Id apud O TRINÔMIO da reabertura. Veja, São Paulo: n. 106, p. 17/ 18, 16 set. 1970.

 

205 Vide depoimentos em: UM ANO de Médici. Veja, São Paulo: n. 113, p. 14/18, 04 nov. 1970.

 

206 O Senador do MDB, Oscar Passos, em uma entrevista, fazia uma análise das possibilidades e dificuldades do estabelecimento da democracia tendo em vista as eleições de 1970, as quais culminaram em uma derrota da oposição.

PASSOS, O. O MDB não deve acabar. Veja, São Paulo: n. 116, p. 3/5, 25 nov. 1970. Entrevista.

 

207 CAMPOS, M. O essencial é votar. Veja, São Paulo: n. 114, p. 3, 11 nov. 1970. Entrevista.

 

208 MARIZ apud O COQUETEL da reforma. Veja, São Paulo: n. 118, p. 17, 09 dez. 1970.

 

 

209 PADILHA apud O COQUETEL da reforma. Veja, São Paulo: n. 118, p. 19, 09 dez. 1970.

210 CAMPOS apud O COQUETEL de reformas. Veja, São Paulo: n. 118,

  1. 19, 09 dez. 1970. No plano político não eram, no entanto, visíveis estas reconciliações. Pedroso Horta, do MDB, denunciava o constrangimento de um regime que admitia a existência de um partido de oposição, mas que não permitia que esse partido fizesse qualquer manifestação política.

HORTA, O. P. A arena não é um partido. É coro de dizer amém. Veja, São Paulo: n. 123, p. 3-5, 13 jan. 1971.

 

211 SARNEY, J. A velha ordem acabou. Veja, São Paulo: n. 125, p. 4, 27 jan. 1971. Entrevista.

 

212 PINTO apud A PRESSÃO das palavras. Visão, São Paulo: n. 02, p. 17, 31 jan. 1971.

 

213 LINS, E. Institucionalizar o AI-5. Veja, São Paulo: n. 155, p. 4, 25 ago. 1971. Entrevista.

“Legitimação e institucionalização não são a mesma coisa. Há exemplos de regimes autoritários que se institucionalizaram, mas que não pretenderam se legitimar através de mecanismos democráticos. Por sua vez, a institucionalização – a elaboração e implementação de processos e instituições coerentes que permitam ao regime autoritário funcionar sem crises contínuas – não é condição necessária para que um regime dure. No Brasil, o regime não estava institucionalizado e, não obstante, foi durando. No início da década de 70, após vários anos de poder militar, começou-se a falar seriamente em institucionalizar o regime. Em verdade, algumas destas iniciativas partiram de políticos interessados em diminuir a arbitrariedade do sistema. No pensamento deles, um regime com regras autoritárias seria preferível a um completamente arbitrário.”

SOARES, G. A .D; D’ARAÚJO, M. C; CASTRO, C.(orgs). A volta aos

quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. p. 25.

214 SOUTO MALAN apud LINS, op. cit, p. 5.

 

215 FERNANDES, H .R. Vicissitudes da democracia reinventada. Folha de S.Paulo, São Paulo: 13 set. 1984. C.1, p. 3.

 

 

216 O governador Antônio Carlos Magalhães afirmava, em 1972, que o AI-5 não estava fazendo mal a ninguém e que a ordem reinante naquele momento devia-se à sua existência. Para ele, era preciso indagar se o momento era propício ou não para se falar em abertura. MAGALHÃES, A. C. O AI-5 não faz mal a ninguém. Veja, São Paulo: n. 177, p. 3/5, 26 jan. 1972. Entrevista.

 

217 O Presidente da Câmara, Ernesto Pereira Lopes, nomeado pelo Presidente Médici, insistia em que o regime militar estava empenhado na normalização democrática, mas o AI-5 deveria permanecer intocado. Este era, inclusive, o caminho escolhido para solidificar uma democracia que deveria garantir liberdades compatíveis com os ideais do movimento de março de 1964. Atingir a plenitude democrática significava, para ele, fortalecer o legislativo para que este apoiasse incondicionalmente as medidas do executivo para que pudéssemos alcançar o desenvolvimento que traria “fatalmente essa democracia” que o regime estava buscando.

LOPES, E. P. O AI-5 deve ficar onde está. Veja, São Paulo: n. 170, p. 3/ 5, 08 dez. 1971.

 

218 Felinto Müller, um dos mais importantes políticos da Arena, nos tempos de Médici, afirmava que a revogação do AI-5 era algo secundário. O fundamental era criar confiança interna. Assim o ato morreria de inanição. Argumentava ainda que não tinha havido uma só punição no governo Médici por motivos políticos. (Afirmações desta natureza escamoteavam a ampla perseguição e repressão política daquele momento).

MULLER apud O SENADOR da república. Veja, São Paulo: n. 186, p. 30, 29 mar. 1972.

219 SIMONSEN apud UM EVENTO na vida nacional. Visão, São Paulo: n. 11, p. 21, 06 dez. 1971.

 

220 VELLOSO apud O RECADO dos ministros. Visão, São Paulo: n. 2, p. 17, 31 jan. 1972.

 

221 CAVALCANTI apud O RECADO dos ministros. Visão, São Paulo: n. 2, p. 17, 31 jan. 1972. Costa Cavalcanti era ministro do interior.

 

222 Ressalte-se que as discussões em torno da democracia davam-se no interior do grupo de poder e da oposição consentida. A oposição não reconhecida pelo regime estava, nesse momento, sofrendo a mais violenta repressão política. Destaque-se que esta última estava

 

 

preocupada com as possibilidades de uma revolução social e não com a democracia. Sobre esta questão ver:

WEFFORT,   F.   Por   que   democracia?   In   STEPAN,   A.   (org)

Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 483-519.

 

223 MEDICE apud METEOROLOGIA do poder. Veja, São Paulo: n. 201, p. 22, 12 jul. 1972.

224 Id apud O ESTADO tutelar. Visão, São Paulo: n. 02, p. 17, 17 jul. 1972.

 

225 Ibid, p. 18

 

 

 

½APÍTffLO III

 

AS NOVAS CONDIÇÕES SOCIAIS APÓS 1973 E OS PERCALÇOS DA PRETENSÃO DE LEGITIMIDADE DA DITADURA

 

 

O hipotético ideário de democracia que o regime militar lutou para elaborar desde o seu início, visando se legitimar junto aos diversos setores, tentou criar um consenso de que os interesses e os valores defendidos por ele e seu grupo de poder expressavam a totalidade dos grupos sociais. As condições objetivas e subjetivas eram consideradas essenciais diante do desafio do regime para se legitimar. Portanto, houve uma enorme insistência no saneamento moral, na criação de homens condizentes com o novo estado de coisas, na preservação dos valores da família e de outras instituições sociais.

A liberdade, a disciplina, a ordem, dentre outros elementos, eram tematizadas pelo grupo de poder do regime militar, desde o seu primeiro decênio, tendo em vista um pretenso ideal de democracia que preservava, segundo os seus componentes, os valores condizentes com uma sociedade que se fazia diferente e/ou singularizada pela atuação de alguns homens cuja formação militar possibilitaria alcançar a integração e o equilíbrio em todas as esferas da vida social. A insistência dos militares no poder de que eles estavam incumbidos de proteger a sociedade brasileira do aviltamento de seus valores essenciais se constituiu num importante sustentáculo do processo de busca de aceitabilidade pelo regime.

A partir de 1973, com a emergência de novas condições sociais, (as quais eram estabelecidas pelas crescentes dissensões no interior do grupo de poder, o ressurgimento de alguns setores sociais até então banidos da arena política e o início do processo de agravamento de uma significativa crise econômica), criavam-se

 

 

grandes dificuldades para o suposto ideário de democracia do regime militar e, por conseguinte, para a sua busca de legitimidade. O regime, porém, continuava insistindo em que estava defendendo valores de integração e harmonia nas relações entre patrões e empregados, por exemplo, como uma forma de proteger esses dois atores sociais no processo de criação de uma sociedade na qual esses valores deveriam se situar acima de interesses de grupos. Os benefícios econômicos e políticos obtidos pelos integrantes do grupo de poder a partir da não-contestação, da não-reivindicação e do não-confronto eram, assim, escamoteados. A busca de legitimidade continuava enfatizando os valores de preservação da família e de outras instituições sociais; os quais eram remetidos a um patamar em que se operava uma desconexão dos mesmos com os interesses preponderantes dentro

daquele sistema de poder.

Nessas condições, como será demonstrado neste capítulo, o regime continuava buscando legitimidade através deste sistema de idéias e valores; no entanto, a insistência em que a preservação destes valores se situava acima de interesses de grupos era pontuada pelos embates dentro e fora do grupo de poder. Os valores defendidos pelos setores preponderantes passavam a evidenciar, a partir daquele momento, de maneira mais clara a sua vinculação com o mundo objetivo, o que tinha sido constantemente obscurecido pelo ideário de democracia do regime militar que se pautava numa singular relação entre os interesses e os valores. Os militares insistiam em que os interesses de todos os setores sociais iam ao encontro dos valores de preservação da família, da pátria, da harmonia, da ordem e da disciplina. Portanto, os valores não eram concebidos como engendrados pela vida social num determinado momento histórico, mas sim como valores universais que sempre tinham pairado sobre a sociedade brasileira.

Os militares se autodenominavam guardiões destes

valores, tendo em vista a sua formação disciplinada e voltada para a proteção da ordem social, o que desaguava, indubitavelmente, na suposição de que eles eram os únicos portadores de uma natural vocação e de um inquestionável dever de formulação de um pretenso sistema de idéias e valores sobre qual democracia convinha ao país naquele momento. A formação

 

 

de uma consciência coletiva favorável às medidas tomadas a partir de 1973 tinha evidentemente suas especificidades, mas continuava tendo os pés fincados naqueles elementos.

A maneira como o regime militar se colocava diante das novas condições que emergiam no pós-1973 e como ele continuava buscando meios e mecanismos para que os diversos segmentos sociais aderissem à sua proposta de organização social e política torna-se a questão fundamental a ser investigada neste capítulo. Analisar as persistências e as modificações de seus intentos no sentido de construir uma consciência coletiva favorável às ações passadas, presentes e futuras da ditadura elucidam, sem dúvida alguma, faces pouco estudadas do processo de distensão e de abertura.

A negação da consubstancialidade entre os valores veiculados como fundamento da ordem social e os interesses do grupo de poder foi a tônica de todo o processo de invenção de um suposto sentido e/ou significado para a democracia. A busca de legitimidade da ditadura contou, dentre outras questões, com a constante insistência na não-equalização entre os interesses preponderantes e os seus valores sociais difundidos como a base da sociedade como um todo.

No entanto, a partir de 1973, com a emergência de novas condições sociais, tornava-se cada vez mais difícil, para os integrantes do grupo de poder, escamotear a correspondência entre os seus valores e os seus interesses. Os militares perceberam isto, bem como os demais componentes do grupo de poder e, desta forma, estabelecia-se um verdadeiro embate para dar novos contornos às suas insistências na necessidade de preservação e sedimentação dos valores ligados à família, à pátria, à obediência, à disciplina, à harmonia, à ordem, etc.. A busca de adesão pelo regime, a partir de 1973, passava a lidar explicitamente com o embate entre os diversos interesses e valores sociais, os quais se tornaram publicizados a partir da emergência de novos elementos no processo sócio-político e econômico.

Há um consenso, nas ciências sociais, entre os diversos estudos sobre as condições sociais brasileiras, de que o ano de 1973 se constituiu num marco no processo de mudanças, as quais foram impulsionadas, principalmente, pelos setores sociais que

 

 

se organizavam contra a exclusão sócio-econômica e política.1 Em síntese, a especificidade daquele período foi introduzir questões inéditas diante do quadro existente, dentre elas estava a luta pela ampliação de espaços políticos que cortavam horizontal e verticalmente a sociedade.

Desta forma, a atuação do grupo de poder do regime militar para construir a aceitabilidade deste último se deparava com novos elementos, os quais somente podem ser apreendidos tendo como pano de fundo tanto a sua ação no processo de distensão política iniciada a partir do governo Geisel,2 quanto a sua relação com os demais setores sociais que tentavam transformar as várias formas de resistência3 em movimentos publicizados de luta contra a exclusão econômica e política.4

A partir de 1973, as pressuposições em torno de uma suposta democracia dos diversos componentes do grupo de poder passavam a enfrentar a perspectiva de democratização dos demais setores sociais, os quais traziam à tona a necessidade de democratizar as diversas esferas da sociedade, lutando para abrir espaços políticos em que prevalecessem a diversidade.5 No entanto, os diversos integrantes do grupo de poder não estavam paralisados diante dessas mobilizações, eles continuavam lutando para legitimar o regime procurando adaptar as suas táticas e atuações às novas condições que emergiam.6

 

1973-1974: As novas condições sociais, o grupo de poder e a contínua busca de aceitabilidade

 

Numa situação de crescente desafio diante dos insolúveis problemas políticos e sociais, o regime militar procurava fórmulas para atestar suas intenções ditas democratizantes. A aliança que mantinha o regime demonstrava sinais de esgotamento, o que era evidenciado pela atuação de membros do grupo de poder (representantes do grande capital, por exemplo) que insistiam na necessidade de o governo ampliar o diálogo e as suas participações no processo decisório.7

Nessas condições, no início de 1973, publicizavam-se as

 

 

primeiras dificuldades no interior do grupo de poder. O problema da sucessão de Médici e a tentativa de realinhamento de forças entre os setores preponderantes levava o antepenúltimo presidente militar a afirmar que a paz política deveria prevalecer como condição fundante da democracia que o regime estava buscando. Portanto, aquela deveria ser mantida de toda e qualquer forma. De preferência pelo consenso.

A idéia de que deveria prevalecer uma determinada paz política perpassava, assim, todo o regime militar e se constituía no elemento chave de seu suposto ideário de democracia e, portanto, de sua busca de reconhecimento, o qual continuava significando a construção de uma mentalidade favorável tanto às ações e aos atos quanto às idéias e aos valores da ditadura.

Os representantes do regime diziam-se incumbidos de satisfazer as aspirações de distensão política que emergiam naquele momento sem a quebra, porém, do padrão de domínio vigente, o que significava que os atos de exceção deveriam respaldar este processo.8 O deputado da Arena, Etelvino Lins afirmava ser devaneio pensar que haveria uma abertura política em que os atos de exceções seriam revogados. “O político precisa sempre ser otimista, mas não ao ponto do devaneio”.9

Ao próprio regime parecia irreversível a necessidade de estabelecimento de mudanças políticas graduais, as quais passaram a ser mencionadas como política de distensão.10 Todavia, para os militares, esta deveria buscar o aprimoramento do regime, o que implicava em ratificar a conciliação da autoridade com a liberdade. Isto demonstrava que os condutores do regime prosseguiam buscando adesão para a ditadura tentado sedimentar valores que consubstanciassem uma suposta democracia com a aceitação de uma disciplina nos moldes militares.

O restabelecimento do estado de direito passava a ser enfatizado pela Arena como uma meta para o novo governo que se iniciava. Aureliano Chaves, líder da Arena-MG, afirmava: “Como o processo de desenvolvimento ingressa numa etapa de razoável estabilidade, é lícito esperar que se caminhe para dar uma base política estável a esse desenvolvimento, mediante a gradativa substituição da faixa de arbítrio por normas de direito”.11

 

 

No entanto, as mudanças políticas graduais, o restabelecimento do estado de direito e a possibilidade de se discutir publicamente os problemas institucionais eram questões que, segundo Chaves, tinham a ver com uma instância que dependia exclusivamente do presidente da República.12 A gradativa substituição do arbítrio significava, para os componentes do grupo de poder, que o governo deveria implantar o estado de direito, mas deveria ao mesmo tempo manter em vigor os atos de exceção para conter qualquer tentativa de subversão da ordem. A maioria dos representantes do grande capital defenderam esta posição durante todo governo Geisel.

A busca de aceitabilidade para o processo de distensão política do regime estava, também, fincada em um pretenso ideário de democracia que reafirmava que os problemas institucionais tinham a ver exclusivamente com os ditames do poder executivo. O presidente da república deveria, assim, continuar tendo em suas mãos, segundo os integrantes do grupo de poder, total controle sobre a possibilidade de tornar públicos (ou não) os problemas institucionais.

O debate nas ciências sociais sobre a distensão e a democratização, que ganhou corpo a partir de 1973, dialogava, então, com essas pressuposições. Alguns teóricos passavam a defender ardorosamente a construção de um processo de descompressão a partir de uma política incrementalista como, por exemplo, Wanderley Guilherme dos Santos que sugeria uma institucionalização da estabilidade política através de um processo de mudanças seguras e controladas. As pressões seriam graduais e os desafios se colocariam dentro de uma margem específica, evitando, assim, os abusos.13

Em sintonia com os caminhos da distensão propostos pelo regime, W.G. dos Santos insistia em que era preciso estabelecer uma hierarquia de prioridades, no topo da qual estariam aquelas medidas que evitassem uma coação generalizada ao sistema de poder vigente, garantindo-se, então, que num primeiro momento ocorreria uma descompressão no interior do mesmo e, somente depois, englobaria o que ele denominava de “vontades políticas”. Alguns intelectuais, Florestan Fernandes, por exemplo, se empenharam em fazer insistentes críticas não somente a posições

 

 

como a última citada, mas a todo processo de distensão política e à sua hipotética forma de democracia. Para ele, em A revoluião burguesa no Brasil, a liberalização proposta pelo regime era somente uma maneira de confirmar a ordem existente e, portanto, as condições brasileiras de dominação imperialista. A democracia burguesa só poderia ser a ratificação de um processo de exclusão econômico e político. Sua preocupação era mostrar a distensão e, depois, a abertura política, como uma forma de adaptação da ditadura e da classe burguesa às novas condições históricas.14

Desta forma, Florestan Fernandes argumentava que a luta política precisava desprender-se da órbita burguesa. Livrar-se da pressão conservadora, bem como de sua concepção de democracia. Para ele, era preciso redefinir a forma política de democracia que se estaria buscando, a qual não tinha nenhum sentido se os diversos setores não encontrassem espaço no cenário político. As suas posições se inseriram num grande debate nas ciências sociais ao fazer uma crítica feroz da transição como um processo de estabelecimento de uma democracia eleitoral e representativa dos mais iguais e dos privilegiados.

A partir de 1973 a “democracia torna-se a palavra chave do discurso intelectual”15, mas em torno dela se agrupavam diversas posições, desde aquelas que abominavam os caminhos propostos pela ditadura até as que defendiam a distensão política do regime como a única possibilidade de liberalização e/ou, até mesmo, de democratização do país.16

No entanto, ganhavam fôlego algumas posições intermediárias, como a de Fernando Henrique Cardoso. Em artigo escrito em 1974, ele insistia na possibilidade de desenvolver uma estratégia de democratização mas, para isso, era preciso romper com “uma concepção puramente instrumental da liberdade e da democracia, que em diversas ocasiões traduziu-se em convergência imediata com o autoritarismo”.17

O hipotético ideário de democracia do regime lidava, então, com os desafios no interior do próprio grupo de poder que se alargaram no transcorrer da década de 70, no sentido de questionar o grau de concentração do poder. Mas, enfrentava, também, o fortalecimento entre intelectuais e outros setores organizados (os populares, por exemplo) de perspectivas de democracia distinta daquela em que o regime vinha insistindo desde o seu início.

 

 

A publicização de outras perspectivas em torno da democracia, a partir de 1973, agia como uma espécie de bloqueador da noção de democracia que tinha reinado quase que de maneira absoluta desde 1964. Com exceção de alguns membros do MDB que, precariamente, se utilizavam de alguns espaços para questionar o pretenso ideário de democracia da ditadura não havia, até o início da década de 70, um enfrentamento, no plano das ações e das idéias dos denominados propósitos democráticos do regime militar. Este passava a ganhar fôlego naquele momento. Portanto, investigar-se-á, nessas condições, qual foi o caminho tomado pelo regime a partir do governo Geisel, tanto no campo dos valores quanto no dos interesses no que tangia aos seus intentos de ganhar aceitabilidade e adesão.

Tendo em vista o debate sobre o fim do AI-5 como condição essencial para a distensão, o indicado a sucessor de Médici, de antemão, fazia declarações de que o mesmo seria incondicionalmente mantido. “No aperfeiçoamento do regime, e, pois, das estruturas pertinentes, dever-se-á, entretanto, evitar o mero formalismo, impedir o retorno ao passado condenado e não abdicar das prerrogativas ou poderes que foram atribuídos ao governo, enquanto essenciais à realização dos objetivos concretos e específicos que lhe cumpre perseguir.”18

Os governos militares que antecederam19 Geisel buscavam aceitabilidade, principalmente, através da promessa de realização de uma dada democracia mas ele insistia em que o regime já era democrático. “Nosso regime democrático que – convém aqui destacar – obedece, entre outras, às regras fundamentais do atendimento das aspirações do povo em geral (…) da representatividade, com organização partidária de natureza plural e da substituição periódica do supremo mandatário, o presidente da República.”20

O sistema de idéias e valores sobre uma hipotética democracia que o regime se debatia para construir visando se legitimar partia de uma idéia de representatividade sumamente singularizada. Ou seja, os militares eram apontados como os representantes máximos do povo em geral, como se demonstrou no capítulo anterior. Os atores sociais (não só os trabalhadores, mas também os setores médios e até mesmo os grandes

 

 

empresários) não tinham representatividade no sistema político vigente, fato este que os condutores do regime insistiam em mostrar como dispensável diante dos propósitos que eles alegavam ser democráticos.21

É preciso distinguir, por exemplo, a situação dos trabalhadores e dos setores médios da dos representantes do capital. Estes últimos assistiram ao enfraquecimento de suas possibilidades de intervenção no sistema político vigente pelo caráter da aliança estabelecida no interior do grupo de poder após 1964. Entre os componentes destes últimos ocorreram inúmeros dissentimentos, mas houve, também, conivência com o processo político colocado em prática, uma vez que os representantes do capital sempre apostaram numa forma de relação direta com o poder executivo, atitude que possibilitou ao regime cortar, paulatinamente, a capacidade de ação política dos diversos setores sociais.22

No final de 1973, os representantes do grande capital industrial percebiam a fraqueza de suas lideranças e de suas capacidades de intervenção no processo político decisório. Queixavam-se de que estariam sofrendo um processo de marginalização tendo em vista a concentração do poder.23 Nunca houve uma simples automaticidade de interesses entre aqueles que constituíam o grupo de poder. No entanto, as dissensões tornaram-se mais agudas com o processo de concentração do poder de decisão nas mãos dos militares e da tecnoburocracia, levando uma fração dos setores empresariais (industriais, principalmente) a exigir que se abrissem alguns canais efetivos de participação; o que levou a partir de 197424, a tentativas de realinhamentos no interior do grupo de poder (entre os setores empresariais) efetivando veladamente demandas que se constituiriam numa necessária redefinição do processo político que culminou na política de distensão no governo Geisel.

As modificações que se visualizaram davam continuidade, porém, de maneira incisiva, à busca de meios de aceitabilidade, entre os diversos segmentos sociais, para as formas de mudanças que a ditadura se dizia incumbida de realizar. Todo o processo de distensão e de abertura deu ênfase aos aspectos que pudessem atuar como fatores de busca de legitimidade para o regime militar.

 

 

O pretenso ideário de democracia do regime aparecia no início de 1974 vinculado a duas preocupações básicas, as quais procuravam operar uma consubstanciação entre os interesses e os valores fundantes da ditadura militar. A forma de condução da economia e as eleições de 1974 eram os elementos definidores das pressuposições dos componentes do grupo de poder em torno de uma suposta democracia. O pleito daquele ano deveria, segundo os condutores do regime, expressar a ampla faixa de internalização dos valores e do modelo de democracia difundidos pelo movimento militar.

No que tange à condução da economia, pode-se dizer que “de uma perspectiva mais ampla, o período que se inicia em 1974, é marcado por um esgotamento relativo do impulso da expansão econômica iniciada em 1968, por dificuldades crescentes no setor externo da economia (…) e pelas clivagens que esses fenômenos produzem no bloco dominante, além de um novo governo que arrisca uma abertura política para resolver a legitimação do regime e de uma ampla oposição democrática que se fortalece constantemente”.25

As clivagens produzidas no bloco dominante não impediram, porém, que os seus componentes continuassem insistindo nos seus compromissos com os supostos ideais democráticos que o regime, desde o seu início, se dizia incumbido de criar, desenvolver e preservar.26 A partir de 1973, tendo em vista as condições econômicas e políticas,27 se aprofundaram as dissensões no interior do grupo de poder. No entanto, este último prosseguiu lutando para dar vida ao processo de busca de legitimidade para a ditadura.28

Enquanto atores sociais participantes do grupo de poder, mas que foram perdendo paulatinamente a capacidade de representação junto ao sistema político vigente, os representantes do capital tinham uma enorme cautela ao se manifestarem sobre a condução do processo político. Eles endossavam um suposto ideário de democracia, no qual eles próprios perdiam paulatinamente a capacidade operacional estratégica no campo político.

Um dirigente sindical patronal paulista dizia: “Política? Eu não entendo de política. Todo o homem de empresa é muito

 

 

atarefado e não tem tempo para pensar em política.”29 Com base nos documentos pesquisados, observa-se que poucos manifestavam abertamente suas opiniões sobre as condições políticas vigentes, o que evidenciava a continuidade do processo de criação de uma mentalidade favorável a um suposto ideário de democracia que tinha a desqualificação do espaço da política como sua referência básica.

Independentemente da não-existência desses espaços políticos, o presidente Geisel atestava que a democracia havia sido construída no transcorrer do regime militar. As dissensões, porém, que se aprofundavam no interior do grupo de poder demonstravam o avolumar dos obstáculos que o regime tinha que enfrentar no seu intento de conseguir adesão. O nível desta dificuldade ficou visível diante das críticas30 dos empresários industriais (do setor de alimentação) às medidas econômicas do governo.

Nessas condições, os representantes do grande capital industrial local, principalmente, mantinham os elementos centrais do hipotético ideário de democracia do regime militar e passavam a questionar nele somente a dificuldade de ampliação, a seu favor exclusivamente, dos mecanismos decisórios. A democracia, para eles, continuava atrelada à necessidade de recuperação econômica e de preservação de valores garantidores deste processo. O II Plano Nacional de Desenvolvimento31 era mostrado pelo governo como o estabelecimento de mudanças32 graduais33 na economia. O sucesso do referido Plano, segundo ele, poderia compatibilizar o regime com as aspirações denominadas democráticas que emergiam no interior do próprio grupo de poder.

A busca de legitimidade para o regime em vigor continuava sendo, no entanto, para os diversos componentes do grupo de poder uma necessidade inquestionável. Os demais setores sociais deviam sempre ser trabalhados no sentido de que aceitassem com menor resistência possível as regras da distensão, bem como todas as outras vindouras. A internalização das mesmas era, então, prioritária para a forma de mudança (não- substancial) que estava em andamento.

O presidente da FIESP, Theobaldo de Nigris, ao reassumir em 1977, afirmava que “ninguém em sã consciência poderá negar

 

 

a um movimento revolucionário, que não é apenas simbólico, o uso de meios que lhe permitam atingir plenamente seus objetivos.34 Democratas, aspiramos à plena ordem institucional, desde que resguardados, no aparelhamento jurídico-constitucional do Estado, os instrumentos de sua segurança em face da reiterada agressão subversiva. O que não podemos querer é um Estado ingênuo e indefeso, sem capacidade de detectar e repelir as conspirações que se articulem contra a sua existência.35 Diálogo, abertura, democracia, são palavras muito em voga”, no entanto, complementava ele, era preciso que o Estado resguardasse a ordem nacional.36

O presidente da Fiesp demonstrava que a grande preocupação dos empresários era encontrar meios de aceitabilidade, por parte da grande maioria da população, dos instrumentos de segurança do Estado, uma vez que o país contava, ainda, com os riscos de uma conspiração comunista. Para ele, ser democrata não estava ligado à defesa de mecanismos de representação e/ou de fortalecimento de instituições políticas e/ou de outros elementos da democracia formal.

O governo, os tecnoburocratas e os líderes da Arena insistiam em que o povo vinha dando até então provas de apoio ao regime político vigente e que as eleições de 197437 iriam comprovar isto mais uma vez. Ou seja, as eleições comprovariam, segundo eles, a legitimidade dos governos militares. O presidente da Arena, Petrônio Portella, comentando a mensagem de final de ano de Médici, afirmava: “A mensagem do presidente foi uma síntese feliz dos rumos políticos do governo. Em linguagem clara e sob a convincente ilustração dos números, o presidente demonstrou claramente o sentido democrático da revolução, que tem tido, nas urnas, o constante apoio do povo”.38

As eleições39 que o governo considerava prova de apoio ao regime militar e ao seu hipotético ideário de democracia eram controladas totalmente pelo poder executivo que intervinha diretamente na escolha dos candidatos do partido do governo. As eleições funcionavam como um ritual, só admissíveis se comprovassem a aceitabilidade do regime.

A larga utilização do AI-540 pelo governo Médici não o impedia de atestar que não havia desrespeitado à Constituição

 

 

e, portanto, havia permanecido fiel à sua promessa de instauração da fórmula de democracia do regime em vigor.41 Alguns órgãos da grande imprensa tentavam dar substância a este processo. A revista Veja, por exemplo, argumentava que o gal. Médici tinha posto a política na geladeira para que ela não fosse atirada ao quintal, o que permitiria, segundo ela, que o próximo governo (Geisel) a conduzisse “para um lugar mais adequado para o bem-estar das instituições”.42

O presidente Geisel deixava implícito nos seus pronunciamentos e também nas medidas tomadas, que não seriam admitidas sequer proposições intempestivas e/ou que deslegitimassem as diretrizes do movimento de 1964. O penúltimo governo militar, ao assumir o poder, pouco se referia à questão da democracia, o que demonstrava claramente uma intenção de esfriar as reivindicações por maiores participações tanto de componentes do grupo de poder quanto dos demais órgãos da sociedade civil.

Líderes da Arena, componentes do governo e representantes do capital insistiam em que mesmo não havendo um compromisso explícito de Geisel com a democracia, esta se colocava num horizonte provável uma vez que havia um compromisso ético do presidente com os seus preceitos.43 Mas, em nenhum momento, houve qualquer esclarecimento sobre o que isto significava, de fato. A insistência numa idéia de compromisso ético dos presidentes generais com as normas e regras da democracia esteve presente durante todo o regime militar como um fator essencial de sua busca de legitimidade, o que ficou demonstrado anteriormente. No entanto, diante das novas condições sociais, estas argumentações eram fortificadas a partir da perspectiva de

distensão política colocada pelo governo Geisel.

Weffort afirmava que a palavra democracia estava sendo usada em tantos sentidos, naquele momento, que cabia questionar se ela tinha de fato algum sentido. “O governo Geisel, por exemplo, pretendeu caracterizar seu período de governo falando de uma democracia relativa. Pretendia o criador da política de distensão apenas repetir um truísmo? Pois não é apenas um truísmo dizer que a democracia – como qualquer forma de regime político, e, aliás, como tudo o mais na vida – é relativa às circunstâncias históricas de um país e de uma época?”44

 

 

Diferentemente dos anos anteriores, a partir de 1974, a democracia passou a ser amplamente problematizada pelas ciências sociais, tanto com relação ao seu sentido e significado, quanto no que se referia às medidas políticas e às ações dos diversos grupos sociais no que dizia respeito aos seus papéis na construção de um processo democratizante. A luta do regime para elaborar um sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia dialogava, a partir daí, com essa gama de discussões e críticas que emergiam das condições sociais vigentes naquele momento.

O regime se debatia para legitimar45 sua estratégia de desengajamento através de seu suposto ideário de democracia. A idéia de liberalização controlada como forma de garantia da ordem, da disciplina e da estabilidade passava a fazer parte da denominada, pelo gal. Golbery do Couto e Silva, estratégia psicossocial, a qual visava atrair para essa proposta de liberalização todos aqueles que já tinham internalizado os valores que tinham sido difundidos pelos militares no poder nos anos anteriores.46

A sociedade como um todo deveria se preparar para o processo político denominado por Geisel de evolução do regime, o qual tinha como prioridade adaptar os indivíduos, os grupos e as instituições a um modo de desengajamento que não quebrasse e/ou alterasse a estrutura de autoridade vigente.47 O governo Geisel insistia em que o reconhecimento que o regime militar tinha alcançado desde 1964, por parte da sociedade, seria a base para a construção de aceitabilidade, por parte da maioria da população, de sua proposta de distensão.

Em um pronunciamento, o General Alfredo Souto Malan48 afirmava que as Forças Armadas deveriam se preparar para o desengajamento controlado; no entanto, era preciso reconhecer as “imposições decorrentes da conjuntura excepcional vivida pelo país.”49 Com o processo de distensão, argumentava ele, “caracterizar-se-á a certeza da estabilidade do modelo brasileiro de instituições democráticas50 – a construção final e duradoura do processo revolucionário iniciado a 31 de março de 1964.”51

Tendo em vista as eleições de 1974, o presidente Geisel asseverava que ninguém deveria avançar o sinal, uma vez que o Poder executivo era o árbitro absoluto para decidir quais seriam

 

 

os passos que se tomariam para “a evolução do regime”. O acirramento dos embates em matéria do desengajamento seria, segundo Geisel, corrigido pelo AI-5,52 o que era, na realidade, uma resposta às manifestações de alguns órgãos da sociedade civil, tais como: SBPC, OAB, CNBB, etc., bem como, às demais reivindicações populares, principalmente, que lutavam para avançar além dos estreitos limites impostos pelo regime.53

Em termos gerais, Geisel advertia que não seria permitido quebrar “o clima de tranqüilidade indispensável ao pleno rendimento do seu labor ordenado e construtivo.”54 Portanto, não seria permitido que as manifestações que surgiam naquele momento conturbassem a nação e/ou contestassem a legitimidade do regime. “Não se aceita, porém, nem se poderia admitir jamais, pressões indevidas ou campanhas reivindicadoras de indivíduos ou grupos quaisquer, que, sob variados pretextos, empunhando até mesmo a bandeira de nobres ideais e valores eternos, pretendem forçar mudanças e revisões inconvenientes, prematuras ou imprudentes, do quadro político nacional.”55

Os ideais e os valores eternos a que Geisel se referia eram, principalmente, as supostas liberdade e democracia defendidas pelo regime, os quais, segundo ele, não podiam ser empunhados pelos movimentos reivindicatórios que emergiam naquele momento, tendo em vista que o movimento de março de 1964 já os tinha colocado como seu parâmetro, enquadrando-os na forma que convinha à sociedade e à sua estrutura política.

Geisel atestava que os movimentos reivindicatórios não deveriam lançar mão da idéia de valores democráticos para tentar forçar e/ou apressar mudanças, as quais levariam indubitavelmente a retrocessos políticos. Era visível que o regime insistia em monopolizar o uso da própria palavra democracia.56 Somente ele teria a autorização, dada pela sua própria história, para utilizá-la. Todavia, o que continuava em questão, no processo de distensão, era que a única forma de democracia admissível era aquela que enaltecesse o regime, suas realizações, seus valores e seus métodos.

O natural desenvolvimento do regime deveria combater, segundo Geisel, tanto a proliferação de organizações reivindicatórias quanto as perspectivas de implantação do

 

 

partido único, por exemplo, uma vez que nos dois casos cerceavam-se as liberdades políticas que o regime visava preservar.57 O presidente asseverava, ainda, que não convinha a ninguém a tentativa de acelerar o processo político em curso.

O regime prosseguia, assim, insistindo em que seu objetivo, desde o movimento de março de 1964, era preservar as liberdades políticas. O seu denominado ideário de democracia continuava se justificando através deste ideal abstrato. As liberdades políticas que o regime estivera sempre defendendo, situavam-se, segundo ele, além do espaço da política.

As únicas formas legítimas de intervenção no processo político eram, segundo Geisel, através dos dois partidos existentes. As demais tentativas de organização da sociedade civil poderiam, segundo o governo, comprometer os passos no sentido da distensão. “Os partidos políticos, do governo e da oposição, são essenciais ao estilo de vida democrático, como veículos exclusivos de participação do povo na organização do poder”.58 A possibilidade de quaisquer outras formas de organização

era considerada uma negação do hipotético estilo de vida democrático que o regime59 se dizia empenhado em construir. Portanto, o acirramento destas tentativas apressaria o jogo de pressões que poderiam “inverter o processo da lenta, gradativa e segura distensão”.60 Enquanto fator de legitimação do regime, as eleições eram mostradas pelo governo como o elo entre o povo e o regime para a consecução dos objetivos que vinham sendo traçados pelo movimento de março de 1964.

Neste contexto que antecedia as eleições de 1974, havia insistência do governo no caráter reiterador da democracia que as mesmas teriam, ao possibilitar o embate das idéias e a crítica construtiva. O regime, através de seu denominado ideário de democracia, prosseguia desqualificando toda e qualquer manifestação, organização e participação que se situassem fora dos parâmetros estabelecidos pela ditadura.

As eleições de 1974, as quais eram mostradas como a coroação da democracia que o regime propunha desde os seus primeiros anos, bem como de sua aceitabilidade, não deveriam criar embaraços61 para a distensão. O governo se comprometia a estabelecer um diálogo efetivo com a oposição que deveria sair

 

 

fortalecida do pleito eleitoral; no entanto, exigia que esta se ajustasse às determinações da distensão lenta, gradual e segura.62 A Arena não obteve os resultados esperados em quase

todos os Estados nas eleições de 1974,63 mas o governo, rapidamente, tentava reverter para o regime os dividendos políticos da eleição justificando que os resultados expressavam confiabilidade da população na sua proposta política de mudanças gradualistas e seguras.64 O político e empresário Magalhães Pinto afirmava que a Arena não tinha falhado. “O que atrapalhou foi a conjugação de fatores acumulados durante vários anos e que ficaram mais evidentes com a crise internacional. Assim, o povo vem ao encontro dos ideais da revolução que tem em mente os ideais do regime democrático”.65 A suposição de que o regime era uma democracia que estava se aperfeiçoando persistia nas falas de componentes do governo e dos líderes da Arena como fator básico de seu intento para ganhar adesão à sua estratégia de distensão. O líder do governo na câmara dos deputados afirmava: “A liberdade em que transcorreu o pleito sob a tutela exclusiva da Justiça Eleitoral demonstra a  viabilidade  das  instituições  democráticas  e  do

processo de distensão preconizado pelo governo Geisel.”66 Terra de Faria, Chefe do Estado-Maior do comando geral

da Aeronáutica, reiterava esta perspectiva afirmando que as eleições estimulavam o gradual e seguro aperfeiçoamento democrático, à medida que possibilitavam “maior participação das elites responsáveis e do povo em geral, para criação de um clima salutar de consenso básico e a institucionalização acabada dos princípios da revolução de 1964”.67

A compreensão do empenho do regime no seu contínuo empenho para formar uma consciência positiva sobre os seus propósitos, a partir das eleições de 1974, é o objetivo da próxima parte deste trabalho. Os representantes do grande capital tentavam definir propostas em torno de uma suposta democracia, mantendo, porém, os traços fundantes do pretenso sistema de idéias e valores, da ditadura, em torno dela. A possibilidade de que suas ações pudessem ser pautadas pelas ações de outros atores sociais era taxativamente recusada.

 

 

Os dilemas da estratégia de distensão:

1975 e 1976

 

Os anos de 1975 e 1976 podem ser considerados como um marco importante no processo de distensão política. Também, naquele momento, o grupo de poder da ditadura buscava legitimidade para as suas ações, estratégias e medidas através de seu pretenso ideário de democracia do qual o regime militar se autodenominava, desde o seu início, propulsor.

Uma fração expressiva dos representantes do grande capital nacional passava a questionar o processo de centralização das decisões, no entanto, este segmento social mantinha o sentido imputado à democracia pela ditadura. O regime enfrentava, porém, dificuldades à medida que se publicizavam outros sentidos e propostas em torno da democracia. Ou seja, a partir de 1975 e 1976, com a emergência dos movimentos populares e de diversas formas de organização da sociedade civil que traziam para a arena política suas reivindicações e, como afirma Vera da Silva Telles, seus desejos de liberdade. “Essa liberdade estava vinculada à conquista de uma vida mais digna – ou à construção de uma nova sociedade, à construção de um novo tipo de partido, de um novo sindicalismo, à construção de um poder popular – ou simplesmente à conquista da democracia no aqui e agora.”68 Em 1975, as organizações da sociedade civil, (OAB, CNBB,

ABI, dentre outras), atuavam de forma que multiplicavam as reivindicações69 acerca da necessidade de estabelecimento do estado de direito70 como pré-requisito para a democracia, a qual poderia, então, ser alcançada num momento posterior. Isto era uma forte contestação ao suposto ideário de democracia do regime que insistia, desde o seu início, na sua automática natureza democrática.

De acordo com esses pressupostos, o presidente Geisel atestava que era preciso vencer toda e qualquer “inepta e já superada postura contestatória”. O comedimento e a autodisciplina deveriam prevalecer em absoluto como pré- condição da continuidade da distensão política. O penúltimo presidente militar insistia na necessidade de que houvesse uma margem significativa de aceitação do regime. Argumentava,

 

 

assim, que trabalharia “para a criação de um consenso básico e a institucionalização acabada dos princípios da revolução.

“(Nessas condições, o AI-5 era uma necessidade) como potencial de ação repressiva ou de contenção mais enérgica e, assim mesmo, até que se vejam superados pela imaginação política criadora”.71 A idéia de austeridade democrática passava a justificar as ações do regime contra todas as manifestações que contestavam o estado de coisas vigentes.

O comedimento e a autodisciplina eram destacados, por Geisel, como valores fundantes da denominada ordem democrática que o regime tinha estado construindo desde o seu início. A internalização de uma disciplina não-contestadora e não- reivindicatória por parte de todos os atores sociais atuaria no sentido de gerar as condições de aceitabilidade de uma democracia moldada por esses valores tidos como essenciais pela ditadura.

Geisel afirmava, em meados de 1975: “o que almejamos para a nação (…) é um desenvolvimento integrado e humanístico, capaz, portanto, de combinar, orgânica e homogeneamente, todos os setores – político, social e econômico – da comunidade nacional. Com esse desenvolvimento é que alcançaremos a distensão – isto é, a atenuação, se não eliminação, das tensões multiformes, sempre renovadas, que tolhem o progresso da nação e o bem-estar do povo”.72 Depoimentos desta natureza mostravam que a distensão clarificava a proposta inicial do regime de eliminação das tensões e dos conflitos sociais. O regime tentava, desde março de 1964, construir um sistema de valores que deveria ser internalizado por todas as instituições e indivíduos e, segundo o qual, o progresso estava ligado a uma ordem social que deveria ter como pressuposto básico a não- contestação, a não-mobilização e a não-reivindicação. A distensão não abandonava estes objetivos, mas, sim, tentava reavivá-los.

Persistiam a tortura e a repressão, porém, Geisel empenhava-se em desmenti-las freqüentemente através de seus pronunciamentos sobre o empenho do governo na eliminação das tensões para sedimentar sua proposta de distensão política e de democracia. No entanto, no final de 1975 e início de 1976, com a morte de Herzog e Fiel Filho, por torturas no DOI-CODI – São Paulo, o governo Geisel ficou exposto a uma situação político-

 

 

militar das mais embaraçosas daquele período e levou-o à necessidade de enfrentar os extremistas militares demitindo o gal. Ednardo D’Ávila Melo, que chefiava o II Exército, responsável pelas atividades do DOI-CODI em São Paulo.73

Em nenhum momento, porém, Geisel admitiu que a demissão daquele general devia-se a seu envolvimento com tortura.74 Alguns dias após substituir D’Avila Melo por Dilermando Monteiro, o presidente afirmou a Severo Gomes que aquele primeiro não estava envolvido com tortura, mas, apenas, não havia conseguido controlar todas as atividades sob seu comando. “A linha dura ficou abalada. Seus integrantes das forças de segurança não mais poderiam presumir que os seus superiores lhes dessem cobertura quando se repetissem ecos de clamor público por causa de violência contra suspeitos políticos”.75

Diante desse quadro eram vozes dissonantes as dos empresários76 que não se diziam apreensivos com o processo político em curso e com os seus possíveis resultados. Eles tinham pavor de que os demais setores sociais viessem a publicizar uma idéia de democracia desvencilhada dos pressupostos que o regime militar havia imputado a ela. Uma pesquisa realizada pela revista Veja, em meados de 1975, perguntava aos empresários o que eles esperavam do governo. A resposta era quase unânime: “segurança, somente segurança”, sintetizava Caio de Alcântara Machado, presidente da Alcântara Machado Empreendimentos. O presidente da Puma, Luís Roberto Alves da Costa, argumentava: “A mesma tranqüilidade, segurança e ordem conseguida após 1964.”77

Uma parte significativa dos representantes do grande capital preferiam não fazer comentário publicamente sobre o que pensavam da distensão política. Outros manifestavam claramente que “a distensão não (podia) prejudicar a segurança e a continuidade do regime. Sem medidas de exceção não teria havido desenvolvimento. Democracia pura não existe. Um regime totalmente democrático se autodestruiria”, afirmava Luís Moraes Barros, vice presidente do Banco Itaú.78

A atuação dos setores empresariais que compunham o grupo de poder procurava fortalecer a aceitação do regime em vigor. Ou seja, havia uma luta para que as dissensões no interior do grupo de

 

 

poder não atuassem como fator de comprometimento, entre os demais setores sociais, da proposta de distensão, por exemplo. Isto será fartamente trabalhado no próximo capítulo.

A democracia como prêmio de bom comportamento79 ganhava dimensões fabulosas. O empresário Domício Gondini afirmava: “Para meus filhos não se esquecerem de como deviam se comportar, eu deixava um rebenque pendurado na porta. Com o país é a mesma coisa. O chicote do Brasil é o AI-5. Sou a favor dele”.80 Para Carlos Chitti, presidente da Romi, era prematuro “pensar numa liberalização total. O país não (estaria) preparado. Para evitar choques a abertura deve ser de fato gradual como o combate à inflação”.81

Os empresários reivindicavam o alargamento dos mecanismos de decisão82 no que dizia respeito às suas participações no processo decisório,83 mas tinham pavor de toda e qualquer manifestação dos demais setores sociais. A possibilidade de que emergissem atores sociais capazes de balizar suas ações levava-os a defenderem ferrenhamente os atos de exceções. “A distensão me deixa um pouco apreensivo porque os homens do Congresso não me parecem preparados para sua função. Mas o governo coibirá os abusos. Meios para isso ele tem e está atento”.84

Em essência, a grande preocupação dos representantes do grande capital era com as brechas que a distensão poderia abrir aos demais setores sociais. Luís E.B. Vidigal Filho era claro ao argumentar que a abertura o preocupava, pois poderia “tumultuar o sistema. O político decide emocional e não racionalmente, o que é um perigo. Por isso sou favorável às medidas de exceção, pois elas contêm os mais afoitos.”85

A capacidade operacional estratégica dos representantes do capital estava, também, cortada.86 Contudo, eles tanto não avançavam no sentido de reconstituí-la, quanto barravam os setores que lutavam para isso. O presidente Geisel afirmava que as regras de exceção eram armas contra “irresponsáveis atitudes de pura contestação às próprias regras do jogo democrático, (e estas seriam colocadas em prática) para garantir a marcha que já empreendemos para o desenvolvimento político”.87

Detectava-se que os depoimentos dos grandes empresários eram coincidentes com o pronunciamento de Geisel, no que tange a uma possível democracia policiada pelos atos institucionais.

 

 

Eles buscavam, ao mesmo tempo, uma descentralização do processo decisório a seu favor, mas reiteravam o aprisionamento dos demais atores sociais através de medidas repressoras.

Todos os setores do grupo de poder encontravam-se preocupados em atestar que o regime político vigente contava com a aceitação e internalização de seus principais valores sociais. No entanto, as dificuldades políticas eram potencializadas no decorrer do ano de 1975. Havia a estratégia de fortalecimento da Arena, os impasses da distensão, o florescimento das discussões sobre o fim do AI-5, da tortura,88 da extrema concentração de renda, da desnacionalização da economia, etc.

O Congresso eleito em 1974 deparou com essas questões que floresciam no interior da sociedade civil e criavam impasses para o próprio MDB89 que lidava com o governo Geisel com muitos melindres que se tornavam maiores com as ameaças de recuos na política de distensão feitas pelo presidente.90 Diante da publicização das denúncias sobre a miserabilidade crescente, o governo Geisel insistia em buscar aceitabilidade para as suas ações através da argumentação de que havia necessidade de se alcançar um desenvolvimento integral e humanista, o qual teria como meta a solução dos problemas sociais. No entanto, ele afirmava que “por circunstâncias várias, estagnou-se o setor político ou, com maior exatidão, retrogrediu, uma vez que, na dinâmica social, a estagnação é meramente episódica, levando, logo a seguir, à involução e ao recesso paulatinos.”91

Evidentemente que esta estagnação não era, em absoluto, algo episódico, mas se constituiu num dos principais elementos do regime instaurado em 1964. O não-desenvolvimento político combinado com a construção de um suposto ideário de democracia marcou a especificidade de um processo singular de busca de legitimidade pela ditadura militar. Estabelecia-se um processo em que, por um lado, o Poder executivo insistia em ter o completo controle do processo de modificações políticas92 graduais que se estabeleciam e, por outro, no Congresso, o MDB insistia em que “o diálogo tinha de ser exercido”, uma vez que era fundamental “acreditar no intuito de democratizar o país, com que as Forças Armadas se comprometeram desde a deflagração da Revolução de 1964.”93

 

 

A insistência na necessidade de que toda a sociedade acreditasse nos desígnios democratizantes das Forças Armadas foi, durante toda a ditadura, cuidadosamente alinhavada como um de seus principais objetivos. Alguns integrantes da denominada oposição oficial, a grande imprensa, os órgãos representativos dos setores empresariais, dentre outros, contribuíam com esse processo ao se encarregar de divulgar estes intuitos ditos democratizantes dos militares.

Ganhava relevo, neste contexto, a idéia de conciliação. Componentes do grupo de poder iniciavam o processo de sua defesa como a única maneira de preservar a normalidade democrática que estaria em curso. Magalhães Pinto destacava que a única maneira de sedimentar o caminho da distensão gradual era a conciliação. “Essa perspectiva não nos assusta: o povo brasileiro tem dado constantes demonstrações de espírito criador em matéria política e as inclinações nacionais são sempre presididas pelo espírito da conciliação.”94

A suposta democracia pretendida pelos componentes do grupo de poder, analisando os seus pronunciamentos e as suas ações, naquele momento, adviria desta política de conciliação e de dotação do Estado de instrumentos de controle e policiamento. Magalhães Pinto, um destacado membro do grupo de poder da ditadura, afirmava: que “toda democracia adjetivada não é democracia. É preciso considerar, porém, que ela não é uma palavra mágica. A democracia exige princípios e normas disciplinadoras de sua implementação. Os instrumentos para a sua autodefesa, dos quais tanto se fala – e é necessário falar – são, por assim dizer, seus anticorpos. Sem ele a democracia estaria destinada a perecer ante o primeiro ataque daqueles que lhe são infensos. (Estes instrumentos não seriam) sinal de condicionamento ou desfiguração da democracia.”95

Havia pouco ou quase nenhum esclarecimento de quais seriam os mecanismos de estabelecimento da representação política dos diversos setores sociais neste suposto processo de constituição da normalidade96 democrática.97 À medida que entravam em cena as forças que contestavam o regime político vigente, o grupo de poder procurava trazer a público que os instrumentos de exceção eram indispensáveis para a política de

 

 

distensão. Isto não impedia, porém, que lideranças da Arena insistissem na necessidade de encontrar as fórmulas (voto distrital ou proporcional, bipartidarismo ou pluripartidarismo, dentre outras) garantidoras de sua suposta democracia.

O líder da Arena, José Sarney, expressava com clareza a necessidade de coibir a liberdade. Ele afirmava que “se o presidente Geisel (chegasse) de repente e dissesse `liberdade absoluta’, a sociedade é que não (iria) suportar esse tipo de abertura, total e violenta, da noite para o dia”.98 A liberdade é que poderia se tornar uma violência para a sociedade, segundo ele. A estratégia da distensão lenta, gradual e segura era mostrada, então, como uma forma de proteger a sociedade no sentido de traçar os limites da liberdade e da abertura que a sociedade supostamente desejava.

As indagações acerca da necessidade de impedir o estabelecimento de uma liberdade que violentaria a sociedade expressava o empenho do regime para convencer os diversos segmentos sociais sobre os benefícios da política de distensão num momento em que uma parte expressiva das urnas tinham questionado a política instituída. Ou seja, a ditadura batalhava incansavelmente para construir um consenso quanto às suas estratégias e objetivos. Nessas condições, os representantes do governo Geisel afirmavam que a distensão somente seria feita com o regime e de forma nenhuma contra ele. Os governos militares não confiavam, porém, o seu projeto a esse possível consenso e alertavam que se sua estratégia fosse aceita seria melhor para todos. De outra forma, eles não hesitariam em baixar medidas que poderiam acabar com a distensão e/ou com a abertura política. Portanto, em nenhum momento, a ditadura confiava cegamente que ela alcançava um grau de aceitabilidade que dispensava, completamente, a necessidade de estabelecer medidas despóticas. A propósito da pressão de familiares de presos e desaparecidos políticos para que fosse instalada uma CPI e diante da possível convocação do Ministro da Justiça para prestar conta do paradeiro de diversas pessoas, Jarbas Passarinho, Senador da Arena, e árduo defensor do movimento militar de 1964, dizia: “Evidentemente está longe de ser uma forma de colaboração, para impedir exacerbações, a ameaça de constituição de tribunais, parlamentares ou não, para os que tiveram a dura – e por vezes

deformante -missão de combater a subversão”.99

 

 

Toda e qualquer manifestação política contra os atos praticados pelo regime militar era considerada uma forma de subverter a ordem. Os movimentos favoráveis ao restabelecimento dos direitos humanos, a favor da anistia, pelo fim da tortura, da censura, dentre outros, eram tidos como movimentos que pretendiam estabelecer mudanças em detrimento do regime; o que não seria admitido, segundo os seus condutores.

No entanto, não eram somente aos setores populares e/ou médios que a ditadura fazia recomendações no sentido de não passar por cima das suas determinações quanto ao processo de mudanças graduais. Os representantes do grande capital, que contestavam a atuação da tecnoburocracia, o crescimento das empresas estatais e a viabilidade do II PND (indústria de base,100 principalmente) eram tidos como criadores de dificuldades para a suposta normalização democrática proposta pelo regime.101 Nessas condições, o governo insistia em que a distensão

era uma meta compulsória do regime militar. Ou seja, ele buscava apoio para o seu projeto de distensão insistindo na idéia de que os objetivos do movimento militar de 1964 eram permanentes e mesmo com o processo de distensão, o regime, segundo seus porta-vozes, não pretendia abrir mão das prerrogativas dos instrumentos de exceção102  em vigor.103

Diante da necessidade de dar respostas às demandas políticas crescentes que advinham de diversos setores sociais, o presidente Geisel, em discurso na televisão no início de agosto de 1975, afirmava que o objetivo central da distensão era o bem-estar social. O regime, porém, continuava apostando no esvaziamento da política. Diante das crescentes pressões de setores da sociedade civil104 sobre o Congresso, por exemplo, Geisel tentava passar uma idéia de não-importância das mesmas, diante de um suposto objetivo maior, que ia além da política: o bem-estar social.105

O penúltimo presidente militar em seu contínuo empenho em criar uma consciência coletiva favorável ao regime insistia em que a Arena era o partido que vinha cumprindo um elenco de realizações, principalmente no campo da justiça social, as quais levariam o partido a uma cabal e irretorquível resposta nas eleições de 1976 e 1978. O governo buscava responder às pressões crescentes dos setores populares através da descaracterização da

 

 

importância de toda e qualquer manifestação política. Ou seja, estas eram mostradas como pressões contestatórias e sem nenhuma razão de ser. A justiça social seria feita dentro e pelo próprio regime, nunca contra este.106

Os temas da justiça social e do bem-estar ganhavam proeminência dentre os demais no apelo do regime à construção de uma mentalidade positiva a seus feitos presentes e aos seus resultados futuros. Eles estiveram presentes durante todo o período ditatorial, mas em determinados momentos, os governos militares se esforçavam para aparecer mais próximos a eles numa espécie de justificação de todos os seus atos, ações e desígnios.

O presidente da Câmara dos Deputados, Célio Borja, dizia que a preocupação de Geisel com o bem-estar social era produto de seu reconhecimento da necessidade de quebrar as tensões sociais que advinham de todos os setores. “De um lado, o empresariado se julga marginalizado e reclama do Congresso Nacional que influa no curso de determinados projetos. De outro lado, talvez por falta de visão política, este mesmo empresariado pressente que poderá enfrentar certas dificuldades com o desenvolvimento da política de distensão. Ele se preocupa e se prepara para o momento em que terá que defrontar-se com reivindicações de ordem salarial. (…) A sociedade brasileira, como um todo, deve se definir, através de suas instituições mais significativas, dizendo o que pretende.”107

O desmantelamento dos espaços da política, durante a ditadura, era escamoteado através da afirmação de que a sociedade deveria se expressar e até se definir através de suas instituições. O regime militar tinha estabelecido uma verdadeira batalha para construir um sistema de idéias e valores sobre uma pretensa democracia que insistia na descaracterização, depreciação e desvalorização das instituições políticas. No entanto, os representantes do regime incumbiam-se de estabelecer quais eram as instituições possíveis e, também, a maneira da sociedade se exprimir através delas naquele momento.

Ficava evidenciado, no início da distensão, o estraçalhamento de todos os mecanismos de representação. Um dos líderes do partido do governo, Célio Borja, afirmou ao empresariado nacional que havia terminado a fase de relacionamento direto com o poder

 

 

executivo e que era preciso, a partir daquele momento, que os mesmos aprendessem a atuar politicamente através dos partidos existentes e de suas instituições.

Atuar politicamente através dos partidos existentes e das instituições permitidas e reconhecidas como não causadoras de problemas para a ordem social vigente era a principal recomendação feita a todos os setores sociais. Esta recomendação supunha a necessidade de aprender a atuar dentro dos moldes que vinham sendo estabelecidos pelos governos militares desde o seu início, numa espécie de evolução natural do regime.

Os empresários deixavam claro que eles entendiam, assim como os demais componentes do grupo de poder, que a distensão tinha um sentido de continuidade dos objetivos estabelecidos pelo movimento de março de 1964. Desta forma, o AI-5 continuava sendo endossado por eles como uma necessidade. A preservação do suposto sistema de valores e idéias sobre a democracia continuava passando, para eles, pelos atos de exceção.

Os empresários José Luiz Moreira de Souza, presidente da ADECIF (Associação de Diretores de Empresas de Crédito, Investimento e Financiamento) e Laerte Setúbal Filho, da Duratex, entrevistados em setembro de 1975, contestavam a posição do presidente da Câmara e afirmavam não ter medo da distensão e/ou da normalização democrática. O segundo argumentava que era “favorável à plena participação, não só do empresário, mas da sociedade como um todo.108 (..) Não acho justo que tenhamos de aceitar, por antecipação, as coisas como estão, como condição indispensável a tal participação. Pessoalmente acho que o AI-5 é uma necessidade, mas disciplinado.”109

Moreira de Souza insistia em que era “pessoalmente, a favor da distensão. Ela é necessária até como preservação de uma evolução contínua essencial,110 em termos econômicos e sociais. Acho muito perigoso, no sentido da defesa da própria iniciativa privada, um sistema no qual o Governo pode tudo, e o empresário, nada.”111

Nessas condições, o suposto ideário de democracia do regime, no final de 1976 passava a enfatizar, de maneira mais intensa, a necessidade de que houvesse uma valorização, por parte de todos os segmentos da sociedade, da concórdia, da

 

 

coesão nacional, da conciliação, do consenso e da integração.112 Em pronunciamento nas comemorações da Semana da Pátria, o presidente Geisel afirmava que a independência nacional “exig(ia) contínuo desenvolvimento – material, cultural e espiritual, a qual somente seria alcançada através do estabelecimento da coesão nacional”.113

Concórdia, conciliação, harmonia, coesão e consenso integravam, desde março de 1964, o elenco de valores considerados construtores da ordem social e política objetivada pelo regime. É possível afirmar que esses elementos anticonflitos constituíram os pilares do processo de busca de aceitabilidade da política de distensão e de abertura. Era significativo, assim, o fato de Geisel destacar o desenvolvimento cultural e espiritual. O mesmo sintetizava a contínua preocupação da ditadura em sedimentar os seus valores sociais, os quais deveriam fundamentar o suposto amadurecimento político pretendido pelo regime em vigor.

Os componentes do governo insistiam em que a conciliação114 e o consenso não significavam que o governo abriria mão das suas prerrogativas. O ministro da Justiça, Armando Falcão, afirmava que a efetivação do movimento de 1964 não se daria por uma “situação simplesmente imposta pela força. Decorrerá, na verdade, de um ordenamento jurídico geral, que vincula o próprio Estado e lhe restringe a ação em diferentes esferas, sem tolhê-lo, contudo, no desempenho do dever de prescrever, acima de toda contingência, a paz e a tranqüilidade da nação.”115

Diante das movimentações no interior da sociedade civil116 assistia-se a uma preocupação de componentes do grupo de poder com os seus possíveis desdobramentos e com as dificuldades daí decorrentes, as quais causariam embaraços à insistência do regime de que suas ações e medidas eram legítimas. Magalhães Pinto afirmava que o movimento de 1964, desde o seu início, lutava para pôr um fim às tentativas de reformas na marra, ou seja, “à margem da lei, pelo arbítrio ou pela violência.”117

Segundo ele, o regime militar continuaria lutando contra essas imposições e/ou reformas na marra, vindas de alguns setores sociais. O presidente Geisel ressaltava que “a evolução seria (indubitavelmente) gradual, no sentido do aperfeiçoamento de nossas instituições sociais e políticas, com base no desenvolvimento econômico”.118

 

 

Os diversos setores sociais que se organizavam no interior da sociedade civil continuavam, na segunda metade da década de 70, sendo acusados, pelos representantes da ditadura, de serem portadores de atitudes violentas e arbitrárias. O regime se empenhava em angariar apoio em diversos segmentos sociais divulgando que os movimentos reivindicatórios e/ou de resistência estavam fora dos parâmetros legais, mas não o regime. O presidente Geisel afirmava que “o atual estágio da civilização faz com que as sociedades humanas se tornem sempre mais exigentes, visando a conquista de novas oportunidades e melhor padrão de vida. Em conseqüência, o complexo desafio que se tem pela frente, como país em desenvolvimento, torna-se ainda mais grave com a convivência de um processo de distensão política, porque, como é natural, exacerbam -se as reivindicações

– muitas vezes desordenadas – como resultado freqüente de manifestações demagógicas. É indispensável, portanto, evitar esse tipo de ação política, afastando-se qualquer pretexto de retorno aos erros e fantasias superadas pela racionalidade dos governos da revolução de março de 1964”.119

O regime militar, desde o seu início até aquele momento, era destacado, pelo presidente Geisel, como portador de um alto grau de racionalidade; a qual teria sido alcançada através da eficiência de suas estratégias econômicas, políticas, militares e psicossociais.120 Estas haviam se empenhado em extirpar da sociedade como um todo as fantasias não convenientes à ordem social que a ditadura tentava estabelecer. Ou seja, o governo militar continuava insistindo, no período da distensão, na criação de uma mentalidade disciplinada em que as perspectivas de futuro tinham que ser traçadas pela suposta racionalidade do regime em vigor.

 

E haveremos de implantar, na vida nacional, padrões cada vez mais elevados de dignidade e de eficiência democráticas, ajustando corretamente os dois vetores básicos – o das franquias individuais e o da participaião responsável de cada um no processo decisório das coletividades que integram, em vários níveis, o organismo nacional.121

 

 

As pressuposições de que a distensão política expressava uma suposta evolução e aperfeiçoamento das instituições tinha seus pés fincados na insistência, do grupo de poder, de que o regime não havia cometido nenhum arbítrio, pois havia atuado para proteger uma abstrata maioria, denominada povo, de alguns indivíduos desordeiros e violentos.

O estabelecimento do consenso visava dissipar as tensões para se caminhar, segundo o regime, no sentido da maturidade política. Não avançar além dos marcos propostos pela ditadura significava, para os seus condutores,122 não-recuos na construção de sua fórmula de democracia. O líder da Arena, Senador Petrônio Portella, afirmava que a ordem vigente só seria modificada pelas vias admitidas pelo regime e não convinha a nenhum setor social tentar desmantelá-la pela força. “Achamos que devemos, a cada dia, aperfeiçoar mais as nossas instituições sociais, econômicas e políticas para que disso resulte uma democracia em que a liberdade conviva com a autoridade, harmoniosamente”.123

Ficava, assim, evidenciado que a distensão política significava para o grupo de poder uma contínua busca de aceitabilidade para o regime em vigor, o que era a todo momento confirmado através de suas suposições em torno de uma hipotética democracia que tinha como principal traço o estabelecimento de uma denominada harmonia entre liberdade e autoridade, na qual o regime militar vinha insistindo desde março de 1964. O sentido de aperfeiçoamento de nossas instituições vinculava-se, segundo os representantes do regime, à nossa forma de organização social e política.

O poder Judiciário124 era mostrado, em meados de 1976, como o responsável pela manutenção da segurança nacional e da democracia dentro dos parâmetros estabelecidos pelo regime. Assistia-se a uma modificação de enfoque na questão da democracia que, até então, era considerada um problema quase que exclusivo do Ministério da Justiça. No entanto, a defesa do AI-5 esclarecia que a mencionada democracia não significava, para a maioria do partido do governo, por exemplo, nem mesmo o restabelecimento das prerrogativas legais.125 Nessas condições persistia a perspectiva de que nem todos estavam submetidos ao “controle do Judiciário”.126

 

 

No final de 1976, o regime continuava insistindo na separação entre os embates políticos e econômicos, ou seja, tentava construir um grau significativo de aceitabilidade e consenso a respeito de suas ações e medidas através deste processo. A crítica dos representantes do capital privado à estatização e às favorabilidades ao capital estrangeiro eram estancadas, na fala dos componentes do governo e da tecnoburocracia, no âmbito econômico.127 Os questionamentos não podiam aparecer como crítica ao regime militar e seu modelo político. Isolavam-se os anseios de diversos setores sociais, ora no caso das frações do grupo de poder, como problemas que seriam resolvidos no âmbito do próprio regime, ora no caso dos demais setores, desqualificando sua importância.

Em agosto de 1976,128 era patente a gravidade da crise institucional. O regime não conseguia estabelecer claramente quais seriam as regras da distensão nas diversas esferas sociais. Todavia, o presidente Geisel reiterava constantemente que era o seu comandante-maior e não aceitaria intransigências de parte alguma.129 Era certo, no entanto, que para o governo as regras da distensão tinham que conciliar o processo de desengajamento com o desenvolvimento de uma consciência coletiva favorável ao regime que vigorava no país desde 1964.

O governo insistia em que as eleições de 1976130 deveriam viabilizar o seu projeto político. O presidente da Arena afirmava que aquelas eleições deveriam contribuir com o processo de institucionalização gradual e seguro da “revolução brasileira, o que parec(ia), (dizia ele), ser, aliás, desejo de toda a nação”.131 No mesmo sentido Geisel argumentava: “Teremos dentro de poucos dias eleições. São eleições para as quais eu também concito a todos que compareçam, cumpram o seu dever, que é votar. Cumpram também o seu direito, que é o de escolher aqueles que consideram melhores. Votem, porque é um dever cívico, porque é através do voto que nós vamos, realmente, como desejamos, dentro de nossa realidade e capacidade, aperfeiçoar gradativamente a nossa democracia. Apóiem a Arena (…) e através desse apoio caminhem com a Revolução, que, como eu já disse muitas vezes, tanto fez, mas tem tanto e muito ainda por fazer”.132

As eleições de 1976133 não foram uma mera repetição do

 

 

ocorrido em 1974, a oposição obteve um número significativo de votos, mas a Arena não perdeu as eleições. O governo se fortalecia e insistia em que os resultados demonstravam confiabilidade no regime e aceitabilidade de sua fórmula de aprimoramento da democracia.

A idéia de democracia continuava sendo empregada para justificar atos de terror e de radicalismos no final da década de

70.134 Dentro da própria Arena, o seu líder na Câmara, José Bonifácio Lafayette de Andrada, pregava abertamente a radicalização da ditadura em nome da democracia. Segundo ele, as cassações pelo AI-5 não tinham que ser explicadas. “O fato de serem justas ou injustas, dizia ele, pouco importa(va)”. O referido Ato Institucional era “o mais firme guardião do aprimoramento democrático. Sua revogação só interessa(ria) a uma elite de pessoas como os senhores Eugênio Gudin (…) e Gilberto Freyre, que esta(vam) esperando esta medida para falarem mal do governo escrevendo artigos comunistas ou fascistas.”135

 

A ditadura militar e a incessante difusão de seus valores

 

Milton Campos, líder da ARENA e um dos mais importantes membros do grupo de poder da ditadura, afirmava que o “governo era uma obra de cultura” no sentido de que ele deveria envolver todas as instituições, grupos e indivíduos no processo de divulgação dos valores norteadores do movimento de 1964. O governo era “obra de cultura” à medida que ele não poderia permitir que ficassem restringidos a uma elite a difusão e a justificação de suas realizações, tanto no plano objetivo quanto no dos valores sociais; os quais tinham que se tornar “o quinhão indistinto de todos os cidadãos”.136

O regime militar apostava, assim, na sua possibilidade de reconstrução da ordem social em termos econômicos, políticos e culturais. Neste último campo um de seus objetivos seria, então, a criação e divulgação de um sistema de valores moldados pelas instituições militares, os quais deveriam atingir todos os indivíduos indistintamente. Estes últimos, por sua vez, tinham que atuar continuamente na reprodução deste processo. Na

 

 

educação formal, por exemplo, o regime forneceria os instrumentos para que o Estado elaborasse técnicas de ação públicas para implementar o conjunto de valores asseguradores do modelo de sociedade pretendido pela ditadura militar.137

Esses elementos da denominada estratégia psicossocial seriam considerados eficientes à medida que eles ganhassem aceitabilidade para o regime vigente. A construção de sua aceitabilidade e adesão seria, assim, “uma obra de cultura”, e/ ou de internalização de seus valores sociais. Demonstrou-se, no capítulo I, que os doutrinadores da ESG insistiam contundentemente neste ponto. As investidas do regime na elaboração de um hipotético ideário de democracia encontravam- se centradas nesta perspectiva de que o governo e o regime eram obras de cultura. Ou seja, no sentido de que eles tinham de ajustar as instituições, os grupos e os indivíduos a um suposto sistema de idéias e valores sobre a democracia que legitimasse incontestavelmente o regime em vigor. Todos deveriam, então, aderir a esta pretensa fórmula de democracia ajustada aos interesses e aos valores que a ditadura mostrava como fundantes da sociedade brasileira.

Os condutores da ditadura militar se consideravam capazes de criar as condições para que ocorresse o que eles denominavam de evolução da cultura. O governo como “obra de cultura” tinha, então, este sentido. Marco Maciel, importante membro do grupo de poder durante a ditadura através de sua liderança na Arena, afirmava que a “evolução na cultura era fenômeno resultante da própria evolução dos grupos sociais”.138 Neste quadro, a escola se impunha, dizia ele, “como instrumento adequado à elaboração e difusão de conhecimentos e técnicas que as sociedades exigem para a realização de seus objetivos”.139 A fixação de valores considerados fundantes da ordem social almejada pela ditadura deveria ser feita através de todas as instituições sociais. Aquele regime político em vigor teria, segundo ele, inaugurado as condições para o enaltecimento de alguns valores já presentes na sociedade brasileira (tais como: apego aos valores relacionados à família, ao não-conflito, à cooperação, etc.) e, também, para a fixação de valores tais como: patriotismo, anti- comunismo, não-antagonismo, integração, disciplina, dentre outros.

 

 

O regime militar se considerava capaz de resolver os problemas relativos à confusão de valores que se estabeleciam, segundo ele, nas sociedades modernas. Ou seja, “tão múltiplas têm sido as opções apresentadas e tão diversificados são os valores propostos, (que) não raro (são) contraditórios e inconciliáveis entre si.”140 A homogeneização dos valores, bem como a sua seleção seriam, então, obra dos governos militares e de seu suposto projeto cultural.

Se os indivíduos, argumentavam os condutores do regime, tinham dificuldade de se posicionar diante dos novos valores que emergiam após a segunda metade deste século, a ditadura se dizia incumbida de tomar para ela esta tarefa. Ela decidiria quais eram os valores que deveriam ser incorporados pelas diversas instituições, grupos e indivíduos. O regime destacava que o mais importante era o contínuo desenvolvimento de valores que refutassem de modo incondicional o comunismo.

A elaboração de um suposto sistema de idéias e valores sobre a democracia se situava dentro deste contexto. Ele sintetizava e/ou expressava num plano mais ordenado a busca de adesão pelo regime no que diz respeito aos valores e aos interesses. Ou seja, o ideário de democracia do regime operava uma espécie de encontro entre as condições objetivas e subjetivas. A suposição de que o regime estaria voltado ao estabelecimento de uma democracia ajustada à nossa realidade no plano dos valores e no plano dos interesses enquadrava-se dentro desta perspectiva de que os governos militares eram, segundo eles próprios, os únicos capazes de resolver não somente os problemas

materiais, mas também os referentes aos valores sociais.

A partir de longas exposições sobre a crise de valores no mundo contemporâneo, alguns ideólogos do regime militar justificavam que este tinha a incumbência de desenvolver e fixar determinados valores entre os diversos grupos sociais. Isto agia como uma espécie de potencializador do papel que a ditadura tinha naquele momento. Ou seja, no plano dos valores sociais ela aparecia vinculada a uma tarefa de resolver um problema que não era exclusivo do país.141

Nessas condições, os condutores da ditadura argumentavam que tinham a obrigação de fazer com que os

 

 

brasileiros se inteirassem da cultura de que eles faziam parte. A estratégia psicossocial defendida pela Escola Superior de Guerra e que respaldava a ação do regime neste campo era perpassada totalmente pela insistência de que a sua atuação ia neste sentido. Isto objetivava fazer com que a maioria da população valorizasse o regime em vigor no país naquele momento. E, portanto, aderisse à sua proposta de governo nas diversas esferas.

Buscava-se, então, legitimidade para a ditadura através deste processo de convencimento dos grupos, instituições e indivíduos de quais eram os traços benéficos de sua cultura. Ressaltar estes aspectos serviria, segundo os formuladores da estratégia psicossocial, para que a maioria se reconhecesse nos propósitos do regime em vigor.142 A ditadura militar se considerava, desta forma, portadora de poderes extraordinários. Seu projeto de governo era, portanto, muito mais complexo e ditatorial do que pode parecer à primeira vista. Tentava-se estabelecer uma forma de organização social em que nada poderia sair de seu controle. Todos os gestos, emoções e sentimentos estariam moldados por ele. Este era o sentido do governo enquanto “obra de cultura”.

Além da tortura, da repressão, do papel do SNI, dos atos institucionais e constitucionais, das medidas no campo político e no campo econômico tem-se, também, que analisar a denominada estratégia psicossocial, a qual era, juntamente com as demais estratégias, reveladora dos traços constituintes da ditadura vigente no país entre 1964 e 1984. Com base naqueles primeiros elementos é mais evidente esta sua natureza ditatorial. Porém, a partir da busca de reconhecimento e adesão em torno de seus valores mantenedores, a ditadura mostrava o grau de sutileza e complexidade de seu projeto de sociedade.

A estratégia psicossocial formulada pela Escola Superior de Guerra e incorporada pelos governos militares como um de seus fundamentos partia da perspectiva de que o povo não sabia e não entendia quais eram, sequer, os traços fundamentais de sua cultura. Os condutores da ditadura estariam, assim, incumbidos de retirá-los do limbo e transformá-los em elementos essenciais de legitimação do regime em vigor. Somente a partir daí torna-se possível compreender, inclusive, o seu sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia.

 

 

O projeto da ditadura militar, era, porém, conseguir aceitabilidade através de um processo de reconhecimento baseado não somente, mas grandemente, em determinados valores. Isto demonstra que ela não se contentaria com uma forma de aceitação esporádica e/ou tênue de seus atos, medidas, ações e desígnios. Não se está considerando que o regime buscava, porém, adesão somente no âmbito dos valores. Está sendo fartamente trabalhado em todos os capítulos que ele atuava em todos os níveis. As suas medidas nas esferas econômicas e políticas eram, também, acompanhadas incansavelmente de apelos à legitimidade.

O regime militar atuava em todas as frentes, ou seja, no campo dos valores e no dos interesses, no âmbito objetivo e no subjetivo; o que era demonstrado como “um processo de aperfeiçoamento e fortalecimento do poder nacional, para alcançar e manter os objetivos nacionais”, (…) visando eliminar “a imprevisibilidade das situações sociais e a impossibilidade de identificação de muitas de suas variáveis (que) (eram) obstáculos que se (estaria buscando) ultrapassar, segundo um membro da ESG, com certo conhecimento global da cultura de um povo, a melhor base para pesar sua capacidade, vulnerabilidade e probabilidades de atitudes e ações.”143

No âmbito dos valores sociais, os doutrinadores da Escola Superior de Guerra procuravam salientar que dentro de sua estratégia psicossocial, o regime deveria preparar as gerações vindouras para que elas não rejeitassem em bloco valores de moralidade e de comportamento.144 Isto deveria ser o fundamento da manutenção da ordem social e da democracia que se estaria buscando. Revelava-se, assim, a amplitude dos objetivos da ditadura militar à medida que ela visava instaurar uma sociedade fundada em seus pressupostos.

A estratégia psicossocial atuaria, desta forma, como uma espécie de pano de fundo que envolvia todas as esferas (econômica, política e social). Ela pode ser sintetizada como uma espécie de penetração dos valores tidos como essenciais pela ditadura em todos os recônditos da vida social. A adesão às medidas políticas e econômicas, por exemplo, adviria da eficácia desta estratégia psicossocial.

A estratégia psicossocial era, então, uma forma de se tentar

 

 

dar sentido para as suas ações políticas e econômicas. A Escola Superior de Guerra orientava os condutores do regime de que estes não deveriam se contentar com a adesão emocional e/ou sentimental a seus propósitos. Os civis e militares que exerciam posições de mando e decisão tinham que preparar suas ações nos diversos âmbitos (econômico, político e psicossocial) de modo que se conseguisse uma adesão racional da grande maioria dos componentes da sociedade brasileira.145

A adesão racional ao regime seria atingida, segundo o chefe de assuntos psicossociais da ESG, tendo em vista que “o homem, brasileiro, isto é, o tipo brasileiro de homem, principalmente definido por características psicoculturais, é a resposta nacional ao desafio do mundo em que vivemos. (…) Aumentar (-se-ia, então) a responsabilidade do papel das elites na configuração do amanhã. Compet(ia)-lhes, inspiradas nos valores que conformam a nacionalidade, eliminar as ameaças universais. (…) Que sempre esteja o homem brasileiro, com serenidade, coragem e sabedoria, consciente do dever perante nossa herança social e moralmente à altura de agir de acordo com o lema, escrito com a pena e exemplificado com a vida, legado por Siqueira Campos: “à pátria tudo se deve dar e nada pedir; nem mesmo compreensão.”146

As estratégias econômicas e políticas também tiveram papel importante, o que está sendo exaustivamente trabalhado, no empenho do regime para construção de sua legitimidade, mas elas sofriam alterações à medida que os condutores do regime se sentiam pressionados pelas mudanças conjunturais, por exemplo. No entanto, a estratégia psicossocial perpassou todo o regime quase que imutável. Ou seja, ela se constituiu numa espécie de fio condutor que perpassou todo o processo de luta do regime, nos seus diversos momentos, para se legitimar.

A análise do modo como a estratégia psicossocial se enlaçava com as demais estratégias (tanto a política quanto a econômica) revela, seguramente, a face mais diluída e mais complexa da ditadura que vigia no país no período de 1964 a 1984, tendo em vista que ela não se expressava através dos atos mais evidentes de repressão como a tortura e outras formas de violências empregadas pelo regime, mas sim por intermédio de uma luta incansável da ditadura para conquistar os indivíduos no plano da subjetividade.

 

 

Notas

1     No que tange especificamente à atuação dos denominados setores populares, ver:

SADER, E. Quando os novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

MOISÉS, J. A.(org) Alternativas populares da democracia. Petrópolis, Vozes, 1982.

SINGER, P. e BRANT, V. C.(orgs.) São Paulo: o povo em movimento. Petrópolis, São Paulo: Vozes, Cebrap, 1981.

“As dificuldades para lidar com uma interpretação unitária destes movimentos ficam mais claras ainda quando se percebe, ao longo destes anos, a proximidade da pesquisa com o acontecer histórico das ações coletiva `de tipo novo’. Como estas foram aparecendo em contextos variados, de modo descontínuo e localizado mas, ao mesmo tempo, abertas à leitura por `outros códigos’, interrogá-las também foi uma prática temporal e fragmentada, sem certezas além daquela que as reconhecia como recriando a possibilidade de participação democrática.”

PAOLI, M. C. As ciências sociais, os movimentos sociais e a questão de gênero. In Estudos Cebrap, São Paulo, n. 31, p. 110, 31 out . 1991.

 

2 Há uma enorme bibliografia sobre a distensão política; ver, dentre outros: LAMOUNIER, B. e FARIA, E. O futuro da abertura: um debate. São Paulo: Cortez, 1981.

Id, Apontamentos sobre a questão democrática. In Como renascem as democracias. São Paulo: Brasiliense, 1985.

SKIDMORE, T. Brasil: de Castello a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

TRINDADE, H. Brasil em Perspectiva: dilemas da abertura política. Porto Alegre: Sulina, 1982.

CARDOSO, F. H. Autoritarismo e democratizaião. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

Id, A construião da democracia. São Paulo: Siciliano, 1993. KUSINSKI, B. Abertura, a história de uma crise. São Paulo: Brasil Debates, 1982.

O’DONNELL, G.(org) Transiiões do regime autoritário. São Paulo: Vértice, 1988.

Id e SCHIMITTER, P. Transiiões do regime autoritário. São Paulo: Vértice, 1988.

STEPAN, A. (org) Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

 

 

3     Uma das formas de resistência ao regime foi estudada em:

FARIA, H. A experiência operária nos anos de resistência. São Paulo: Dissertação de mestrado, PUC, São Paulo, 1986.

 

4     Sobre estes movimentos há uma extensa bibliografia. Ver, principalmente:

GOHN, M. G. A foria da periferia. Petrópolis: Vozes, 1985.

STEPAN, A. (org) Democratizando o Brasil. Parte III. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

CARDOSO, R. Movimentos sociais urbanos: balanço crítico. In SORJ,

  1. e ALMEIDA, M. H. T. de. (orgs) Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense, 1983.

GARCIA, M. A. São Bernardo: a (auto) construção de um movimento operário. Desvios, São Paulo: n. 01, 1982.

HUMPHREY, J. Operários da indústria automobilística no Brasil: novas tendências no movimento trabalhista. Estudos Cebrap, São Paulo: n. 23, 1979.

 

5     Na atualidade há críticas sobre a superestimação dos movimentos sociais como vanguarda da democratização do Estado. Ver: CUNHA, F. S. Movimentos sociais urbanos e a redemocratização. Novos Estudos, São Paulo: Cebrap, n. 35, p. 133-143, mar. 1993. Não é possível, no âmbito deste trabalho, fazer uma análise das diversas abordagens, percepções, etc., sobre os movimentos sociais. Sobre elas, ver: PAOLI, op. cit, p. 110 et seq.; COSTA, S. Esfera pública, redescoberta da sociedade civil e movimentos sociais no Brasil: uma abordagem tentativa. Novos Estudos, São Paulo: Cebrap, n. 38, p. 38- 52, mar. 1994.

 

6 As ciências sociais se debateram em torno destas questões; vide, dentre outros:

PÉCAUT, D. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo: Ática, 1990. MOISÉS, J. A. e ALBUQUERQUE, J. A. G. Dilemas da consolidaião da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

CARDOSO, F. H. Democracia para mudar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

COUTINHO, C. N. A democracia como valor universal. Rio de Janeiro: Salamandra, 1980.

 

7 EMPRESÁRIOS debatem reivindicações. Indústria e desenvolvimento. São Paulo: 7(9): 34-5, set. 1974.

Com relação à crescente estatização, a Associação de Dirigentes de

 

 

Empresas de Crédito, Investimento e Financiamento publicou um documento que indagava: “Suponhamos que o governo, tendo de tomar uma importante decisão sobre o futuro do país no campo empresarial, decidisse ouvir sobre o problema a opinião das dez maiores empresas. Quais as empresas que se sentariam à volta dessa mesa? Os representantes de uma empresa privada nacional, de uma estrangeira e de oito estatais”.

ADECIF apud A ESTATIZAÇÃO, ou o modelo capitalista das grandes unidades. Visão, São Paulo: n. 4, p. 65, 26 fev. 1973. Sobre este processo, ver: VELASCO E CRUZ, S. Empresários e o regime no Brasil: a campanha contra a estatizaião. São Paulo: USP, Tese de doutoramento, 1985.

SUAREZ, M. A. Petroquímica e tecnoburocracia. São Paulo: Hucitec, 1986. PRATINI DE MORAES, M. V. Descentralização, um fato. Veja, São Paulo: n. 237, p. 90-2, 21 mar. 1973. Entrevista. (Ministro da Indústria e Comércio).

 

8 Vide posição dos representantes do grande capital sobre a necessidade de serem ouvidos pelo governo e de manutenção do AI-5, em: PND indústria faz sugestão ao governo. Indústria e desenvolvimento. São Paulo: 7(12): 36, dez. 1974.

 

9 LINS apud GEISEL, candidato e presidente. Visão, São Paulo: n. 1, p. 20, 09 jul. 1973. Ulisses Guimarães afirmava: “Acreditamos ser impossível conciliar o regime democrático com instrumentos autocráticos. O AI-5 anula a constituição, mesmo essa (…) que temos aqui. Portanto, não há o que melhorar nele. Ter um governo semidemocrático? Híbrido? Espúrio?”

GUIMARÃES, U. Eu sou o anticandidato. Veja, São Paulo: n. 262, p. 4-5, 12 set. 1973.

 

10 COUTO E SILVA, G. (Gal) Conjuntura política nacional – o poder executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.

ALBUQUERQUE LIMA (Gal) apud QUARENTA minutos na Arena. Veja, São Paulo: n. 259, p. 20, 22 ago. 1973. Documento enviado para o Gal. Geisel.

 

11 CHAVES apud O ESTADO de direito em festa. Visão, São Paulo: n. 09, p. 21, 10 set. 1973.

 

12 Id, O político da revolução. Veja, São Paulo: n. 265, p. 3-5, 03 de out. 1973. Entrevista.

 

 

13 SANTOS, W. G. dos. Uma estratégia para a descompressão. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 30 set. 1973.

Id, Poder e política: crônica do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978.

Marilena Chauí fez uma das melhores críticas a W.G. dos Santos. Ela questionava a possibilidade de considerar a liberalização nos termos colocados por ele como democratização. Vide:

CHAUÍ, M. Cultura e democracia. São Paulo: Cortez, 1989. p. 224 et.seq.

 

14 FERNANDES, F. Que tipo de república? São Paulo: Brasiliense, 1986. Id, A revoluião burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 212 et seq.

 

15 PÉCAUT, D. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo: Àtica, 1990. p. 193.

 

16 A diferença entre liberalização e democratização foi amplamente discutida nas ciências sociais. Luciano Martins criticava a utilização da expressão transição democrática “como forma de designar o processo que se inicia a partir da liquidação de um regime autoritário. A impropriedade dessa expressão advém do fato de a preposição que liga seus dois termos introduzir, como algo dado, um complemento terminativo (democracia) que cabe ainda verificar”.

MARTINS, L. Ação política e governabilidade na transição brasileira. In MOISÉS,J. A. e ALBUQUERQUE, J. A. G. (orgs). Dilemas da

consolidaião da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p. 225. Ver, ainda: STEPAN, A. Os militares: da abertura à nova república. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

17 CARDOSO apud Jornal Opinião, São Paulo: 26 ago. 1974.

 

18 GEISEL apud GEISEL entre os políticos. Veja, São Paulo: n. 263, p. 23, 19 set. 1973.

 

19 Castello Branco afirmava que o objetivo do movimento de 64 era: “Restaurar a legalidade, revigorar a democracia, restabelecer a paz e promover o progresso e a justiça social.” Costa e Silva destacava que “o exercício da democracia é um dos postulados do meu governo”. Médici dizia que ao término de seu governo esperava “deixar definitivamente instaurada a democracia em nosso país.” CASTELLO BRANCO, COSTA E SILVA, MÉDICI apud A HORA dos políticos. Visão, São Paulo: n. 8, p. 27, 24 set. 1973.

 

 

20 GEISEL apud A HORA dos políticos. Visão, São Paulo: n. 8, p. 27, 24 set. 1973. Geisel assumiu o poder destacando a capacidade e a eficiência dos técnicos. Ou seja, tendo em vista as crescentes críticas de setores dos representantes do capital (industrial nacional, por exemplo) à tecnoburocracia, ele ressaltava a necessidade de que lhe fosse dada credibilidade. Sobre o rompimento da aliança da tecnoburocracia com os representantes do grande capital industrial local a partir de 1976 com o fracasso do II PND, ver:

SUAREZ, op. cit, p. 149 et seq.

 

21 Francisco de Oliveira afirma que, “na verdade, o que o regime militar fez foi excluir do esquema político a representação das novas classes sociais, forjadas pelo próprio desenvolvimento do capitalismo.(…) (E) a alternativa só pode ser a de uma sociedade com atores, com visão e com capacidade operacional estratégica. E isto o regime militar cortou até onde pôde. Para não ser parcial e pensar que eu estou fazendo propaganda política, até a da burguesia foi cortada, não só a dos trabalhadores”.

OLIVEIRA, F. de. Debate: 30 anos depois. Folha de S.Paulo, São Paulo: 27 mar. 1994. C.B, p. 7.

“O que ocorreu depois de 1964 é que todos perderam, de maneiras diferentes, mas perderam”.

WEFFORT, F. Por um novo pacto social. Veja, São Paulo: n. 460, p. 6, 29 jun. 1977. Entrevista.

 

22 “Assim, como ignorar que foi porque a partir de 1964 o Brasil paralisou seu desenvolvimento político – em realidade, retrocedeu nesse plano enquanto sua sociedade crescia e se fazia mais complexa”. FURTADO, C. Brasil – A construião interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 75.

23 Vide diversos depoimentos de representantes empresariais em:

O FRÁGIL poder dos empresários. Visão, São Paulo: n. 11, p. 51/58, 12 nov. 1973.

 

24 Médici afirmava em dezembro de 1973: “Vejo quase de volta à normalidade, um Brasil diferente: sua imagem no exterior quase volta à normalidade”. MÉDICI apud Quatro anos sem prontidão. Veja, São Paulo: n. 275, p. 19, 12 dez 1973.

25 SADER, E. e SANDRONI, P. Lutas operárias e táticas da burguesia.

Cadernos Puc, São Paulo: n. 7, Educ/Cortez, Maio 1981. p. 18.

 

 

26  INDÚSTRIA quer mais diálogo poder público-empresários. Indústria e desenvolvimento. São Paulo: 10 (12):30-1, dez. 1977. Discurso de posse de Theobaldo de Nigris. A revista em questão foi publicada pela FIESP no período de 1968 a 1987. A partir de 1987 foi substituída pela Revista da Indústria.

INDÚSTRIA paulista leva sugestões ao planejamento. Indústria e desenvolvimento. São Paulo: 10 (8):33, ago. 1977. INDÚSTRIA paulista sugere medidas para atingir objetivos econômicos. Indústria e desenvolvimento. São Paulo, 9 (9): 34-35, set. 1976.

27 Sobre a economia brasileira pós-1973, ver:

OLIVEIRA, F. de. A economia da dependência imperfeita. Cap.03 e 04. Rio de Janeiro: Graal, 1980.

MANTEGA, G e MORAES, M. Acumulaião monopolista e crises no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

MENDONÇA, S. R. Estado e economia no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

SUAREZ, M. A, Petroquímica e tecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1986.

 

28 BARDELLA, COSTA SANTOS, GERDAU JOHANNPETER, VELINHO, GEYER, AZEREDO SANTOS apud AS EXPECTATIVAS dos empresários. Visão, São Paulo: n. 6, p. 39/49, 25 mar. 1974. Cláudio Bardella – Industrial do setor de bens de capital; Manoel da Costa Santos – Presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica; Jorge Gerdau Johannpeter, industrial do setor de siderurgias; Paulo Velinho – Presidente da Federação das indústrias do Estado do Rio Grande do Sul; Jorge Franke Geyer – Presidente da Confederação Nacional dos Clubes de Diretores Lojistas; Theóphilo de Azeredo Santos

– Presidente do Sindicato de Bancos do Estado da Guanabara.

 

29 AS EXPECTATIVAS dos empresários. Visão, São Paulo: n. 06, p. 39, 25 mar. 1974.

 

30 Sobre a luta estabelecida pelas várias frações do capital a partir de 1973, ver:

MANTEGA, G. e MORAES, M. Acumulaião monopolista e crises no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. O papel dos grupos empresariais locais enquanto força autônoma na sociedade, bem como sua atuação política foram trabalhadas por: DINIZ, E e BOSCHI, R.R. Empresariado nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense- Universitária, 1978. p. 108

 

 

31 O II PND (1974-1979), segundo o governo, possibilitaria o desenvolvimento de uma sociedade industrial moderna até o final da década de 70. Vide depoimentos em:

UM REMÉDIO para a recessão. Veja, São Paulo: n. 315, p. 124/129, 18 set. 1974.

Sobre os fatores que impossibilitaram que o II PND decolasse. Ver: LESSA, C. A estratégia de desenvolvimento 1974-1976: sonho e fracasso. Tese para concurso de professor titular, UFRJ, 1978.

 

32 REIS VELLOSO, J .P. Como manter o crescimento acelerado. Tendência, São Paulo: n. 14, p. 28/29, nov. 1974. Ministro do Planejamento.

 

33 Vide depoimentos de membros do governo em:SÁ apud UMA DECLARAÇÃO de intenções. Visão, São Paulo: n. 6, p. 19-21, 23 set. 1974.

PND: a opção foi boa, faltam alternativas. Visão, São Paulo: n. 04, p. 65-70, 07 out. 1974.

 

34 Destaque-se que alguns representantes do capital industrial defendiam ferrenhamente o regime autoritário em 1977. Robert Schoueri, do Sindicato de Fiação e Tecelagem do estado de São Paulo: diretor do CIESP e membro da diretoria da FIESP, afirmava: “Neste momento ( em que) tanto se fala e pouco se realiza, num momento em que de fato temos de preservar essa Revolução e que vem sendo, desde há muitos anos, medida também pelas forças da produção, e pela nossa casa.”

SCHOUERI, R. Permanência presidencial. Relatório das diretorias, exercício de 1977. São Paulo: FIESP-CIESP, 1978. p. 35.

 

35 “Não há Estado que não se defenda. O problema é como ele se defende. Aqui, o Estado se defende praticando o arbítrio. O regime é democrático ou não na medida em que coíbe o arbítrio do Estado. A ninguém maduro pode ocorrer que o Estado não se defenda, mas a ninguém decente pode ocorrer que o Estado seqüestre”. CARDOSO, F. H. O incerto caminho até a democracia. Visão, São Paulo: n. 06, p. 13, 24 mar. 1975.

 

36 DE NIGRIS, T. Permanência presidencial. Relatório das diretorias: 1977. São Paulo: FIESP/CIESP, 1978. p. 49-50.

37 “O que as eleições de 1974 mostraram é a existência de uma opinião

 

 

realmente democrática. E que essa opinião não se restringe ao setor das classes altas. Há uma opinião democrática popular. Isso não foi considerado. (…) Todo o ano de 1974, quando (se falava) de distensão, subentendia-se que (se) contava com a vitória da Arena, a qual permitiria que fossem paulatinamente abrindo as comportas. A eleição veio mostrar a ingenuidade dessas expectativas, o dique rompeu-se”. CARDOSO, F. H. Democracia, simplesmente. Isto é, São Paulo: n. 32, p. 35, 03. ago. 1977.

 

38 PORTELLA apud QUATRO anos de governo sem uma crise. Veja, São Paulo: n. 279, p. 23, 09 jan. 1974.

39 Sobre as eleições de 1974, vide:

CARDOSO, F. H. e LAMOUNIER, B. (orgs) Os partidos e as eleiiões no Brasil. Rio de Janeiro: São Paulo: Paz e Terra, Cebrap, 1978.

LAMOUNIER, B. Authoritarian Brazil revisitado: o impacto das eleições na política brasileira – 1974/1982. Dados, Rio de Janeiro: v.29, n. 3, p. 283-318, 1986.

Id, (org) Voto de desconfiania: eleiiões e mudania política no Brasil 1970/ 1979. Petropólis, Vozes, 1980.

 

40 Sobre as punições através dos Atos institucionais no período de 1964 a 1974, ver:

KLEIN, L. e FIGUEIREDO, M. Legitimidade e coaião no Brasil após-1964. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978.

 

41 “De certo modo há uma ambigüidade no regime atual. Uma ambigüidade que se transferiu de Castello Branco para Costa e Silva, deste para Garrastazzu Médici e para Ernesto Geisel, que é a de um regime puramente autoritário com uma pretensão liberal-democrática. Ele inclui como promessa permanente o restabelecimento da democracia, mas não dá espaço para a política, não dá espaço para uma classe política liberal.”

WEFFORT, F. Por um novo pacto social. Veja, São Paulo: n. 460, p. 4, 29 jun. 1977. Entrevista.

 

42 QUATRO anos de governo sem crise. Veja, São Paulo: n. 279, p. 24, 09 jan. 1974.

 

43 Geisel afirmava que não governaria acima do sistema militar, mas sim como expressão máxima da vontade revolucionária.

 

 

GEISEL apud OS RUMOS difíceis da abertura. Veja, São Paulo: n. 02, p. 19, 28 jan. 1974.

 

44 WEFFORT, F. Por que democracia? In STEPAN, A. Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 499 passim.

 

45 Questionou-se nas ciências sociais se o regime estava ou não preocupado em se legitimar politicamente. Para Luciano Martins, por exemplo, “na hierarquia de valores do regime, as garantias da hegemonia social do capitalismo devem ter precedência sobre a legitimação política do regime. (…) A busca e a (necessidade) de legitimação política só parecem ocorrer em sociedades nas quais os valores democráticos estão profundamente enraizados, (…) existe uma forte competição política e os interesses sociais em conflito estão bem estruturados (…). Em sociedades nas quais essas condições não estão presentes, a dominação social e a legitimidade política não têm relação necessária entre si”.

MARTINS, L. A liberalização do regime autoritário no Brasil. In Transiiões do regime autoritário. Rio de Janeiro, Vértice, Revista dos Tribunais, 1988. p. 116-7.

 

46 COUTO E SILVA, G. Conjuntura política nacional. O poder executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.

 

47 Há inúmeros trabalhos sobre esse processo; ver, principalmente: O’DONNEL, G. e SCHMITTER, P. Transiiões do regime autoritário. Rio de Janeiro: Vértice, 1988. p. 27.

Id, Id e WHITEHEAD, L. (orgs) Transiiões do regime autoritário. Rio de Janeiro: Vértice, 1988.

Id, Id e Id, (orgs) Transiiões do regime autoritário:comparaiões e perspectivas. Rio de Janeiro: Vértice, 1988.

48 Chefe do Estado Maior das Forças Armadas.

 

49 MALAN apud OS SINAIS de desengajamento. Visão, São Paulo: n. 02, p. 17, 22 jun. 1974.

 

50 “Hoje em dia, quase todos concordam que a política de distensão teve origem nos próprios meios militares, visando primeiramente, senão de modo exclusivo, controlar uma facção minoritária da

`linha dura’ dentro das Forças Armadas. De início integrada por conservadores intransigentes do ponto de vista ideológico, a

 

 

`linha dura’ já então incluía, tanto oficiais que tinham combatido ativamente as guerrilhas urbanas e rurais, quanto aqueles que vieram a controlar um Serviço Nacional de Informações, então em grande e rápida expansão. Em nenhum momento essa política, ou as modificações subseqüentes que sofreu, pretendeu de fato devolver o poder executivo do governo ao controle civil antes de meados da década de 1990. Numa palavra, a distensão (…) era na verdade uma política estimulada pelo faccionalismo interno dos militares e que visava a assegurar de maneira mais habilidosa o controle militar a longo prazo”.

DELLA CAVA, R. A igreja e a abertura, 1974-1985. In A igreja nas bases em tempo de transiião. Porto Alegre, São Paulo: LP&M, Cedec, 1986. p. 18.

51 MALAN, loc. cit.

52 GEISEL apud O PROCESSO da abertura: as intenções e os limites.

Visão, São Paulo: n. 06, p. 19/20, 09 set. 1974.

 

53 Observe-se que os movimentos populares se desenvolveram, basicamente, a partir de 1974. O Movimento do Custo de Vida, cuja organização foi pioneira, era ainda muito incipiente antes do final de 1974. A partir de 1975 assistiu-se ao seu florescimento.

EVERS, op. cit, p. 73/98.

54 GEISEL apud O PROCESSO da abertura: as intenções e os limites.

Visão, São Paulo: n. 06, p. 20, 09 set. 1974.

55 Ibid.

 

56 “Palavras jamais significam a mesma coisa quando usadas por diferentes grupos, (…) leves variações de sentido nos fornecem as melhores pistas para as diferentes tendências de pensamento (…).” MANNHEIM, K. Conservative thought. In Essays on sociology and social psychology. Londres: Routledge and Kegan Paul Ltd, 1959. p. 74-119.

 

57 GEISEL apud UM DISCURSO para ser lido. Veja, São Paulo: n. 313, p. 20, 4 set. 1974.

58 Ibid, p. 20

59   O governo repreendia, naquele momento, as próprias discussões

 

 

dentro da Arena sobre a extinção do AI-5. O deputado Flávio Marcílio, do partido do governo, dizia: “Pelo progresso político que já alcançamos, não é possível que o Brasil continue a se apresentar no exterior com a imagem de instituições primitivas”.

MARCÍLIO apud UM DISCURSO para ser lido. Veja, São Paulo: n. 313, p. 22, 04 set. 1974.

60 Ibid, p. 21.

61 Conforme depoimentos de componentes do grupo de poder em:

O FRÁGIL coração do Congresso. Visão, São Paulo: n. 08, p. 18/28, 04 nov. 1974.

OS RESULTADOS antes das eleições. Visão, São Paulo: n. 10, p. 20/1, 18 nov. 1974.

 

62 Nos anos 70, as análises acerca do comportamento eleitoral de Bolivar Lamounier, dos partidos e da representação política de F.H.Cardoso, dentre outros, traziam para o centro das discussões as questões atinentes ao processo de mudança que lentamente emergia na sociedade brasileira no período denominado de distensão política. O artigo Comportamento eleitoral em São Paulo: passado e presente, de 1974, escrito por Bolivar Lamounier, trazia elementos significativos para o debate sobre o processo político brasileiro naquele momento. Assistia- se, através de artigos desta natureza, a sedimentação de uma concepção que ressaltava o espaço institucional como fundamentalmente importante no processo de transição para a democracia. “É evidente que o governo Geisel introduziu importantes alterações no processo político brasileiro. Embora o processo de distensão, além de gradual, esteja sujeito a idas e vindas, pelo menos se deu início a uma etapa em que o desenvolvimento das instituições políticas deixa de ser tabu e passa a figurar entre as prioridades”.

LAMOUNIER, B. Comportamento eleitoral em São Paulo: passado e presente. In Os partidos e as eleiiões no Brasil. Rio de Janeiro: São Paulo: Paz e Terra, Cebrap, 1978. p. 43.

 

63 Após as eleições de 1974, “embora permanecendo como minoria no Congresso, o MDB possuía 44% da representação na Câmara dos Deputados e 30% no Senado”.

KINZO, M. D. G. Oposiião e autoritarismo: gênese e trajetória do MBD. São Paulo: Vértice, Idesp, 1988. p. 162.

 

 

64 Conforme depoimentos de componentes do governo e do próprio presidente Geisel em:

A ARENA no dia do MDB. Veja, São Paulo: n. 324, p. 20-31, 20 nov. 1974. O MODELO nasce das urnas. Veja, São Paulo: n. 325, p. 20-34, 27 nov. 1974.

 

65 MAGALHÃES PINTO apud O MODELO nasce das urnas. Veja, São Paulo: n. 325, p. 28, 27 nov. 1974.

 

66 BORJA, C. Os resultados das eleições para MDB e Arena. Veja, São Paulo: n. 325, p. 33, 27 nov. 1974.

 

67 TERRA DE FARIA apud DISCURSO na praia vermelha. Veja, São Paulo: n. 326, p. 22, 04 dez. 1974.

68 TELLES, op. cit, p. 278.

 

69 Após as eleições de 1974, iniciaram-se as pressões de familiares de desaparecidos políticos para que o MDB abrisse uma CPI para apurar as responsabilidades. O regime reagiu imediatamente dizendo que estas eram contrapressões que ameaçavam a distensão lenta, gradual e segura. As posições do MDB, do governo e da Arena estão em:

OS CAMINHOS para o avanço da distensão política. Visão, São Paulo: n. 4, p. 16/7, 24 fev. 1975.

 

70 É sumamente importante destacar que em 1975 a distensão convivia com as organizações de torturas (DOI-CODI, por exemplo) que ainda faziam inúmeros mortos e desaparecidos. As mortes de Vladimir Herzog (jornalista) e de Manuel Fiel Filho (operário) trouxeram à tona as impossibilidades de uma distensão que não garantia sequer os direitos humanos básicos. Sobre o caso Herzog, ver:

JORDÃO, F. Dossiê Herzog. São Paulo: Global, 1980.

ALMEIDA FILHO, H. A sangue quente: a morte do jornalista Vladimir Herzog. São Paulo: Alfa-ômega, 1978.

MARKUN, P. Velado retrato da morte de um homem e de uma época. São Paulo: Brasiliense, 1985.

Sobre o caso de Manoel Fiel Filho, ver: LUPPI, C. A. Manoel Fiel Filho: quem vai pagar por este crime? São Paulo: Escrita, 1980.

71 GEISEL apud A COERÊNCIA das palavras e a permanência dos atos.

Visão, São Paulo: n. 01, p. 15, 13 jan. 1975.

 

72 Id, Discursos. Brasília: Assessoria de Imprensa da Presidência da República, 1976. V.2, p. 139.

 

 

73 Em 1979, com o acirramento das discussões em torno da anistia o Gal.Ednardo D’Ávila Melo afirmava: “Agora todo mundo é democrata. O Golbery é democrata. O Geisel é democrata. E eu sou o fascista.”

Melo apud São todos democratas. E eu? Isto é, São Paulo: n. 141, p. 6, 05 set. 1979.

Os depoimentos de diversos militares publicados em A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura mostram o desprezo com o que eles tratavam os casos de morte por tortura. O gal. Leonidas Pires Gonçalves, membro importante do regime militar e ministro do Exército no governo Sarney, afirmava: “A coisa é muito mais simples do que a gente pensa. Especificamente sobre o episódio Herzog, tenho uma tese. Acho que é um suicida, e não digo por predisposição de liberar a nossa gente. Como vejo o que aconteceu com o Herzog? Era um homem completamente despreparado para a subversão. Era um moço daquela raça estranha, metido a jornalista, e achou bonito ajudar a esquerda. Quando foi descoberto e preso apavorou-se porque ouvia as histórias de torturas.”

PIRES GONÇALVES, L. Depoimento. In SOARES, D’ARAÚJO;

CASTRO (orgs). A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. p. 174.

 

74 GOMES, S. Gato e Fabiano. Folha de S.Paulo, São Paulo: 23 maio 1982. C.1, p. 6.

 

75 SKIDMORE, T. Brasil: de Castello a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 343 et seq.

 

76 José Mindlin era um dos poucos empresários que defendiam a abertura política de forma mais ampla; para ele não havia sentido ter medo da distensão que se iniciava. “É inaceitável o argumento de que a abertura política prejudica os negócios. Não me seduz em absoluto a idéia de negócios que somente sejam viáveis não havendo distensão. Muito pior que a situação econômica é a social, amplamente necessitada e suscetível de melhora, não só na distribuição de renda como em relação a todos os fatores básicos da vida:saúde, educação, habitação, etc..”

MINDLIN apud AS REAÇÕES dos empresários. Veja, São Paulo: n. 359, p. 81/2, 23 jul. 1975.

 

77 ALCÂNTARA MACHADO e ALVES DA COSTA apud AS REAÇÕES dos empresários. Veja, São Paulo: n. 359, p. 81, 23 jul. 1975.

 

 

78 BARROS apud AS REAÇÕES dos empresários. Veja, São Paulo: n. 359, p. 82, 23 jul. 1975.

 

79 O jornalista Fernando Pedreira, em 23 de abril de 1972, publicou um artigo em O Estado de S. Paulo sobre a democracia de bom comportamento.

 

80 GONDIN apud AS REAÇÕES dos empresários. Veja, São Paulo: n. 359, p. 82, 23 jul. 1975. Domício Gondin era Senador da Arena e empresário.

 

81 CHITTI apud AS REAÇÕES dos empresários. Veja, São Paulo: n. 359, 23 jul. 1975.

 

82 Cláudio Bardella, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Base afirmava que era preciso “reconhecer as falhas da iniciativa privada. Ela não tem força política porque não tem poder de aglutinação.”

BARDELLA apud A RESPONSABILIDADE do setor privado. Visão, São Paulo: n. 10, p. 58, 26 maio 1975.

 

83 Cresciam os questionamentos da empresa privada sobre a atuação das empresas estatais, bem como de sua tecnoburocracia. Vide depoimentos em: AS FORÇAS ocultas da estatização. Visão, São Paulo: n. 10, p. 52/62, 26 maio 1975.

 

84 MEDEIROS apud AS REAÇÕES dos empresários. Veja, São Paulo: n. 359, p. 82, 23 jul. 1975. Luís Américo Medeiros era presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem de São Paulo.

 

85 VIDIGAL FILHO apud AS REAÇÕES dos empresários. Veja, São Paulo: n. 359, p. 82, 23 jul. 1975. Vidigal Filho era presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Peças para Automóveis e Similares.

 

86 OLIVEIRA apud DEBATE: 30 anos depois. Folha S.Paulo, São Paulo: 27 mar. 1994. C.B, p. 6. Especial.

87 GEISEL apud A COERÊNCIA das palavras e a permanência dos atos.

Visão, São Paulo: n. 1, p. 16, 13 jan. 1975.

88     Naquele   ano   o   presidente   da   Câmara,   Célio   Borja,   aceitou

 

 

publicamente encaminhar uma carta de Teresinha de Castro Tavares Coelho ao gal.Golbery do Couto e Silva para ser entregue ao presidente Geisel. Ela solicitava o fim da tortura que seu marido (ex- deputado Marco Antônio Tavares Coelho) vinha sofrendo no DOI- Codi. O ministério da Justiça divulgou uma nota afirmando que não havia nenhum fundamento nas denúncias de torturas.

Isto demonstrava que o governo continuava a escamotear a existência da tortura e da repressão. Arealidade, no entanto, foi escancarada logo a seguir, com a morte na prisão, devido a torturas, do jornalista Herzog.

 

89 Thales Ramalho, secretário geral do MDB, afirmava: “Se o presidente Geisel estiver realmente empenhado em conduzir o país para a legalidade democrática, como parece estar, e houver tentativa golpista para impedi-lo, da esquerda ou da direita, ninguém tenha dúvida de que o MDB estará ao seu lado.”

RAMALHO apud A ESPERANÇA dos políticos e o plano do palácio.

Visão, São Paulo: n,5, p. 15, 10 mar. 1975

 

90 Magalhães Pinto, da Arena, afirmava que o presidente Geisel vinha “crescendo cada vez mais no meio político, pela firmeza e pela austeridade de suas atitudes”.

MAGALHÃES PINTO apud A ESPERANÇA dos políticos e o plano do palácio. Visão, São Paulo: n. 5, p. 15, 10 mar. 1975.

 

91 GEISEL apud O CONGRESSO cautelosamente corajoso. Visão, São Paulo: n. 6, p. 8, 24 mar. 1975.

 

92 Em 1975, o governo e a Arena defendiam o estabelecimento de uma nova Constituição pelo executivo, mantendo, porém, o AI-5 intacto.

 

93 GUIMARÃES,U. O Congresso cautelosamente corajoso. Visão, São Paulo: n. 6, p. 9, 24 mar. 1975. Ulisses Guimarães afirmava, nesta entrevista, que a democracia era uma técnica de controle.

94 MAGALHÃES PINTO, op. cit, p. 10.

95 Ibid, p. 10.

 

96 “Há de fato, um processo inicial de afrouxamento que não pode ser explicado sem se levar em conta a história do grupo que foi para o poder. Mas essa história não é aval suficiente para garantir o avanço do processo, é uma caução fraca para a gente poder imaginar o que

 

 

vai acontecer no futuro. É uma ilusão tecnocrática pensar que é possível fazer um planejamento político, dizer, bom, aqui é o limite.” CARDOSO, F. H. O incerto caminho até a democracia. Visão, São Paulo: n. 06, p. 13, 24 mar. 1975.

 

97 José Sarney, líder da Arena, afirmava que o processo de normalização democrática era impulsionado pela opinião pública e pelas dificuldades da economia nacional – “o que leva os setores empresariais a interessar-se por uma abertura -e, finalmente, à liderança incontestável do presidente Geisel, para quem não há desenvolvimento econômico sem desenvolvimento político.” SARNEY, J. O incerto caminho até a democracia. Visão, São Paulo: n. 06, p. 12, 24 mar. 1975.

98 Ibid, p. 16.

99 PASSARINHO apud A DISTENSÃO mais lenta e nem tão segura.

Visão, São Paulo: n. 8, p. 16, 28 abr. 1975

 

100 Há inúmeros pronunciamentos dos empresários do setor da indústria de base sobre a condução da política econômica e do processo de distensão, naquele período. Ver, principalmente:

VILLARES, BARDELLA, KOK, COSTA SANTOS apud EM JOGO, o

futuro da indústria de base. Visão, São Paulo, n. 12, p. 51/60, 23 jun. 1975. Eimar Kok era presidente do Sindicato da Indústria de Máquinas do Estado de São Paulo. Manuel da Costa Santos era presidente da ABIEE, Carlos Villares era vice-presidente da ABDID e Claúdio Bardella presidente.

 

101 Os empresários da indústria de base,(a qual é formada pelos seguintes setores: indústria de bens de capital, siderurgia e metalurgia, química e bens intermediários não-metálicos) em documento enviado para o Ministério do Planejamento, em meados de 1975, deixavam evidente suas apreensões quanto à política econômica em curso, e se diziam interessados em assumir um papel mais ativo nas decisões que correspondiam aos seus interesses diretos. As dissensões no interior do grupo de poder eram crescentes. A tecnoburocracia era tida como aquela que distorcia as medidas da cúpula governamental. “Não obstante, paralela e paradoxalmente, somos freqüentemente surpreendidos por medidas, atos e fatos que contrariam frontalmente aquela política da cúpula governamental”.

VILLARES, apud EM JOGO, o futuro da indústria de base. Visão,

São Paulo: n. 12, p. 52, 23 jun. 1975.

 

 

102 Em 1975, o Senador da Arena, Wilson de Queiroz Campos, acusado de corrupção, foi cassado pelo AI-5, uma vez que não aceitou renunciar. Eurico Rezende, da Arena, afirmava que “O AI-5 foi bem recebido pela opinião pública e o Senado se impopularizou” e José Sarney, Senador da Arena, afirmava que a distensão iria sofrer uma pausa para reavaliação.

REZENDE e SARNEY apud UMA DURA lição aos políticos. Veja, São Paulo: n. 357, p. 22, 09 jul. 1975.

 

103 O empresário Moreira de Souza, presidente da ADECIF, afirmava que o empresário brasileiro tinha voz ativa nos centros de decisão da esfera econômica. “Mas, veja bem, quanto à ação política, não. Mas isto ninguém tem”.

MOREIRA DE SOUZA, J. L. Com a palavra dois empresários que não têm medo da distensão. Visão, São Paulo: n. 6, p. 32, 15 set. 1975. Entrevista.

 

104 “O governo não abrirá mão dos poderes excepcionais de que dispõe, nem admite, sob quaisquer disfarces, pressões de facções ou grupos de interesses visando, artificialmente, queimar etapas no processo de desenvolvimento político.”

GEISEL apud INTERROMPE-SE o diálogo, sem perspectivas concretas. Visão, São Paulo: n. 4, p. 21, 18 ago. 1975.

 

105 O discurso de Geisel na televisão foi publicado na grande imprensa. Ver:

Id apud ASSIM Geisel falou da política. Veja, São Paulo: n. 361, p. 16/17, 06 ago. 1975.

Walter Silva, deputado MDB, afirmava: “Mas nós sabemos que o bem- estar social advém da democracia”.

SILVA apud UM RÉQUIEM para a distensão. Veja, São Paulo: n. 361, p. 17, 06 ago. 1975.

As posições eram divergentes no MDB quanto à necessidade de investir todas as forças na normalização democrática. Epitácio Cafeteira dizia: “Não estou interessado na extinção do AI-5. Meu eleitorado é de origem humilde e o que precisa, acima de tudo, é de assistência social”.

CAFETEIRA apud MDB dividido. Veja, São Paulo: n. 366, p. 20, 10 set. 1975.

 

106 O início de 1976 foi marcado pelas perspectivas de retrocessos na política de distensão. O ato Institucional n. 05 cassou Nadyr Rosseti e Amaury Müller do MDB-RS acusados de pronunciar discursos

 

 

ofensivos ao regime e às Forças Armadas. Há inúmeros pronunciamentos de componentes dos dois partidos no congresso sobre as cassações e as possibilidades de distensão. Vide:

MAGALHÃES PINTO, KRIEGER, PORTELLA, GUIMARÃES, BROSSARD, MONTORO, LYRA apud OS NOVOS tempos na política. Veja, São Paulo: n. 396, p. 20-7, 07 abr. 1976. Os 3 primeiros eram lideranças da Arena e os demais do MDB.

107 Ibid, p. 18.

 

108 No entanto, os empresários não pareciam dispostos a conviver com as incertezas da participação. Setúbal Filho afirmava: “Na política brasileira, a derrota da Arena provocou mudanças tão graves quanto as acarretadas na vida econômica mundial, pela guerra do petróleo.” SETÚBAL FILHO, L. Com a palavra dois empresários que não têm medo da distensão. Visão, São Paulo: n. 6, p. 30, 15 Set. 1975. Entrevista.

 

109 SETUBAL FILHO, L. Com a palavra dois empresários que não têm medo da distensão. Visão, São Paulo: n. 6, p. 28, 15 set. 1975. Entrevista.

110 Grifo meu.

 

111 MOREIRA DE SOUZA, J. L. Com a palavra dois empresários que não têm medo da distensão. Visão, São Paulo, n. 6, p. 30, 15 Set. 1975. Entrevista.

 

112 VIANA FILHO e PORTELLA apud Distensão, diálogo, democracia. Veja, São Paulo: n. 394, p. 21, 24 mar. 1976. Luís Viana Filho e Petrônio Portella eram importantes lideranças da Arena.

 

113 GEISEL apud CHAMADA geral ao combate. Veja, São Paulo: n. 418, p. 100, 08 set. 1976.

 

114 O consenso e a conciliação eram bem aceitos pela oposição (MDB). Vide as posições de Tancredo Neves e Franco Montoro, dentre outros. MONTORO apud DISTENSÃO, diálogo, democracia. Veja, São Paulo: n. 394, p. 21, 24 mar. 1976.

 

115 FALCÃO apud DISTENSÃO, diálogo, democracia. Veja, São Paulo: n. 394, p. 21, 24 mar. 1976.

 

116 “(…) de 1976 e 1977 em diante os trabalhadores iniciaram a passagem da luta meramente defensiva para a luta ofensiva. (…) Essa alteração

 

 

do comportamento operário coincidia com movimentos paralelos no campo e nas cidades, que envolviam índios, negros, posseiros, favelados, mulheres, homossexuais, anistia política, etc..” FERNANDES, F. Que tipo de república? São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 139.

 

117 MAGALHÃES PINTO apud OS NOVOS tempos na política. Veja, São Paulo: n. 396, p. 21, 07 abr. 1976.

 

118 GEISEL apud OS NOVOS tempos na política. Veja, São Paulo: n. 396, p. 21, 07 abr. 1976.

 

119 Id, Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília. Departamento de Imprensa Nacional, 1979. p. 22.

 

120 A racionalidade do regime estava relacionada, segundo Geisel, à “coesão e fidelidade das Forças Armadas em seu papel constitucional de tranqüilas guardiãs da República, ao lado da robusta consciência patriótica de nosso povo”.

Ibid.

121 Ibid, p. 23.

122 Há depoimentos neste sentido em:

OS NOVOS tempos na política. Veja, São Paulo: n. 396, p. 20/27, 07 abr. 1976.

123 PORTELLA, P. Vivemos uma etapa decisiva. Veja, São Paulo: n. 402,

  1. 4, 19 maio 1976. Entrevista.

124 Ibid, p. 6.

 

125 Modernizava-se, no interior dos defensores do regime militar, (como por exemplo, alguns intelectuais e militares) a idéia do controle forte sobre a sociedade. Em 1976, diante das reivindicações pela eliminação do AI-5, cresciam as sugestões ao governo no sentido de criar um conselho de segurança e/ou emergência, “composto por personalidades nacionais, capaz de dar ao presidente, em caso de necessidade, os poderes de emergência”.

GUDIN apud O VELHO mestre. Veja, São Paulo: n. 411, p. 101, 21 jul. 1976. E.Gudin era economista.

MACEDO SOARES(Alm) apud ARRISCAMO-NOS a criar uma nação de amorfos. Veja, São Paulo: n. 410, p. 22, 14 Jul. 1976.

 

 

126 PORTELLA, loc. cit.

 

127 Os indicadores econômicos, em 1976, apontavam para o agravamento da crise econômica que se intensificaria nos anos subseqüentes. A balança comercial era enormemente deficitária, a dívida externa crescia de forma considerável, havia dificuldade de consolidar uma das metas do II PND que era o fortalecimento do setor de bens de capital, a inflação aumentava significativamente, o custo de vida se acelerava, etc..

 

128 Em agosto de 1976 ocorreram 06 cassações de membros da Arena pelo AI-5 sob a acusação de corrupção. O deputado Ney Lopes de Souza pode ser citado como exemplo. As cassações eram utilizadas, pelo próprio partido, para mostrar a Arena como confiável e viável nas próximas eleições.

 

129 Ulisses Guimarães insistia em que os problemas para o processo de distensão cresceriam se os movimentos reivindicatórios dos setores que se organizavam no interior da sociedade civil não obtivessem a devida atenção. Eles tinham que ser identificados e, se as reivindicações fossem justas, era preciso estabelecer um diálogo com os mesmos. Somente assim se estaria caminhando no sentido da democracia, segundo o líder da oposição.

GUIMARÃES, U. O sentido das eleições. Veja, São Paulo: n. 415, p. 26, 18 ago. 1976.

 

130 Nas eleições de 1976 foram escolhidos os prefeitos de 3.789 municípios. Nos demais (capitais, áreas de segurança nacional, etc.) só ocorreram eleições para a câmara de vereadores. Os prefeitos foram nomeados pelo regime militar.

131 PEREIRA, op. cit, p. 26.

 

132 GEISEL apud NAS URNAS começa o debate. Veja, São Paulo: n. 428, p. 20, 17 nov. 1976.

133 Sobre as eleições de 1976, ver:

REIS, F. W. (org) Os partidos e o regime. São Paulo: Símbolo, 1978. LAMOUNIER, B. (org) Voto de desconfiania: eleiiões e mudania política no Brasil-1970-1979. Petropólis: Vozes, 1980.

 

134 As ações terroristas se intensificaram no mês de agosto de 1976 com as bombas na ABI e na OAB.

 

 

135 ANDRADA, J. B. L. de. O pensamento de Bonifácio para toda ocasião.

Veja, São Paulo: n. 416, 25 ago. 1976.

 

136 CAMPOS apud PEREIRA, F. O governo é ainda obra de cultura. Política: Revista da Fundação Milton Campos. Brasília: n. 1, jul/set. 1976. Francelino Pereira era presidente da Arena.

 

137 Milton Campos se referia à educação como uma técnica de ação pública. Ibid, p. 3.

 

138 MACIEL, M. A universidade e o aperfeiçoamento democrático. In Política: Revista da Fundação Milton Campos. Brasília: n. 4, p. 12, abr. jun. 1977.

139 Ibid.

140 Ibid, p. 13.

 

141 Um dos colaboradores da Revista Política, a qual era publicada pela Fundação MIlton Campos, afirmava: “De uma vida tão simples, a humanidade evoluiu para uma vida complexa e instável, na qual não será possível ao homem assimilar o acervo de valores posto em circulação pelos avançados meios de comunicação e pela mobilidade social”.

GUEDES DA SILVA, A. Fatores que impedem a realização da democracia. In Política: Revista da Fundação Milton Campos. Brasília: n. 11, p. 11, jan. mar. 1979.

142 Sobre esta questão, ver:

CUNHA, R. V. da. O homem brasileiro. In A defesa nacional: Revista de Assuntos militares e Estudos brasileiros. Rio de Janeiro: n. 675, p. 155-174, jan.fev. 1978. Chefe das divisões de Assuntos políticos e psicossociais da ESG.

143 Ibid, p. 157.

 

 

144 PAULA COUTO, A. J. de. Ação democrática (um exemplo de ação psicológica). Segurania e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: ESG, n. 144, p. 129, 1971.

ARRUDA, A. A doutrina da Escola Superior de Guerra. A defesa nacional. Revista de Assuntos militares e estudos de problemas brasileiros. Rio de Janeiro: ano 65, n. 680, p. 127-148, nov. dez. 1978. CUNHA, loc. cit.

 

145 CUNHA, op. cit, p. 157 et seq. PAULA COUTO, op. cit, p. 127 et seq. CORREA, op. cit, p. 3 et seq.

146 CUNHA, op. cit, p. 174.

 

 

 

 

 

½APÍTffLO IV

 

1977-1979: AS CONDIÇÕES OBJETIVAS REVELANDO O CONTÍNUO EMPENHO DOS COMPONENTES DO GRUPO DE PODER PARA INJETAR VIDA NA BUSCA DE ACEITABILIDADE PARA AS MEDIDAS TOMADAS PELO REGIME

 

 

 

 

Injetar vida na busca de legitimidade pelo regime foi uma maneira de garantir que o mesmo não perdesse, de forma alguma, o controle do processo de distensão e de abertura política. Todos os componentes do grupo de poder, ou seja, dissidentes, descontentes e/ou não, atuaram desmedidamente para que a ditadura não sofresse uma perda abrupta de aceitabilidade, pois isto levaria a situações desconhecidas e/ou imprevistas. Controlar as demais forças sociais era, naquele momento, o grande desafio do processo de desengajamento. Os representantes do grande capital continuaram apostando que somente o regime militar tinha capacidade para isto.

No final da década de 70 e início da de 80, o regime continuava insistindo em vincular suas medidas e ações a um suposto ideário de democracia que lhe garantisse meios de conseguir adesão e aceitabilidade para as suas medidas nas diversas esferas. No entanto, ele enfrentava, naquele momento, as reivindicações de diversos setores sociais que se organizavam contra ele. Os diversos componentes do grupo de poder (militares, tecnoburocratas e representantes do grande capital) se empenhavam em fornecer ao regime em vigor todos os subsídios para que ele exercesse um alto grau de controle e pressão para que os demais setores sociais não avançassem no sentido de mudanças políticas substanciais.

 

 

A promessa de uma suposta democracia foi algo constante durante a ditadura instaurada em março de 1964, o que já foi fartamente demonstrado. Os militares no poder, a tecnoburocracia e os representantes do grande capital mostravam-se, através de pronunciamentos, silêncios, atos e/ ou omissões, de acordo quanto à suposta natureza democrática do regime que vigia no país.

Não era conveniente que viesse à tona qualquer perspectiva em torno da democracia que não confirmasse o sistema de idéias e valores desenvolvido no transcorrer daquele regime. A suposta democracia a que os diversos componentes do grupo de poder se referiam, também naquele momento, continuava não tendo qualquer relação com a democracia enquanto um processo social substantivo.1

Analisando a dinâmica política no interior do grupo de poder detectava-se que havia, naquele momento, um movimento simultaneamente reforçador daqueles pressupostos democráticos que atuavam como uma espécie de elementos centrais na busca de aceitabilidade do regime, mas, também, clarificador de sua fragilidade diante da própria reivindicação de alguns de seus componentes, os representantes do grande capital, por exemplo, por alargamento dos mecanismos decisórios.

Assim, o regime ratificava para todos os grupos sociais que a democracia2 continuava sendo um prêmio de bom comportamento. Esta pressuposição foi altamente endossada por todos os setores preponderantes diante das demandas dos demais setores sociais que lutavam por construir seus espaços políticos. O início de 1977 foi marcado pela crescente preocupação,

por parte do governo, empresários, políticos e outros setores da sociedade civil, com os rumos que tomariam o processo sócio- econômico e político. O presidente Geisel, em pronunciamento de Ano Novo, convocava o povo para a aceitação de sacrifícios que o momento impunha, principalmente na área econômica.

A austeridade passava a ser uma questão básica na persistente tentativa de alcançar apoio para as suas ações. As soluções dos problemas na economia eram, então, fundamentais, “pelos fortes reflexos que (tinham) sobre os (…) problemas políticos e sociais”.3 Nessas condições, austeridade, “equilíbrio, serenidade e bom senso” eram as recomendações de Geisel para afastar tanto

 

 

o otimismo exagerado quanto o pessimismo derrotista.4 Portanto, fazia-se necessário lutar, dizia o Presidente, contra aqueles que só viam “dissensões, antagonismos e agravos na vã e insana tarefa de semear divisionismos;”5 Isto demonstrava a contínua insistência do regime em injetar formas de esmaecimento e/ou, se possível, de banimento dos conflitos sociais.

O fio condutor que foi estabelecido desde o início de março de 1964 persistia e era reforçado com os argumentos favoráveis a uma suposta serenidade baseada na não-contestação e na não- dissensão tanto no plano horizontal quanto no vertical. Em 1977, era visível a insistência do regime em sedimentar alguns elementos que a rigor se constituíram em marcos de sua busca de sedimentação de uma consciência coletiva favorável a ele.

Deste processo participaram todos os segmentos do grupo de poder, o que será visto a seguir. Uma questão básica e definidora deste processo era visível através da luta dos representantes do capital por alargar a sua participação nos mecanismos de decisão e, ao mesmo tempo, o seu pavor de que

o processo de distensão os colocasse isoladamente frente a frente com os trabalhadores e suas reivindicações, por exemplo.

Os representantes do capital (salvo algumas exceções, Mindlin, Severo Gomes6 e Celso Lafer7, por exemplo) se empenharam, no primeiro mês de 1977, em não deixar que os seus desapontamentos com o regime e suas dissensões viessem a criar embaraços para o regime e seu empenho em construir meios de aceitabilidade e adesão à sua forma de condução do processo político.

Portanto, eles insistiam em situar suas críticas no âmbito puramente econômico. Havia uma recusa8 em associar os problemas econômicos a uma crise política9 que tomava dimensões cada vez maiores. Os empresários não desabonavam, de forma alguma, as medidas políticas10 do governo. Tentavam, sim, valorizá-las no campo econômico, ou seja, naqueles aspectos em que seus interesses eram mais imediatos.11

As hipotéticas liberdade e democracia que os representantes do capital mencionavam, no final da década de 70, estavam conectadas à linha política do governo Geisel. Ela se situava no seu interior, reafirmando a estratégia psicossocial traçada pelos

 

 

ideólogos do regime que vislumbravam a possibilidade de criar uma mentalidade favorável ao regime através da sua perspectiva de democracia que descaracterizava toda e qualquer mobilização social. José Papa Júnior, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, em fevereiro de 1977, fez um pronunciamento que obteve apoio de diversos empresários.12 Segundo ele, “o empresário, ao contrário do que se fala, quer a liberdade, a democracia, as eleições diretas. O empresário ama o estado de direito e (…) está seguindo a linha política do presidente Geisel13 que pediu a colaboração do povo brasileiro em termos de imaginação criadora”.14

Ficava estabelecido, através das falas e ações dos integrantes do grupo de poder, que o vigor contestatório das demais forças sociais soava como uma espécie de heresia contra os pressupostos de democracia que o regime vinha lutando para sedimentar. Os representantes do capital insistiam em que toda e qualquer mobilização só era admissível se não afrontasse os valores desenvolvidos pelo processo sócio-político em curso.

Era, sem dúvida, reveladora a preocupação dos representantes do capital em não se colocarem em confronto com o regime e/ou com o governo numa espécie de estratégia para conseguir adesão dos diversos segmentos sociais à política de distensão. Eles justificavam suas atitudes dizendo que suas propostas tinham como objetivo solucionar os problemas políticos e econômicos e não agravá-los. “O grande perigo é que as sugestões possam ser encaradas como uma espécie de contestação ao regime”.15

Em 1976 foi criado o Instituto para Estudos da Democracia (IDEM) por um grupo de empresários. Paulo Villares, presidente do grupo Villares, deixava claro que o objetivo dos empresários com aquele Instituto não era, de forma alguma, a contestação16 ao governo Geisel. “O IDEM é um grupo de dez empresários, ainda em formação. (…) A idéia é colaborar com estudos para dar consciência política ao empresário brasileiro, que passou os últimos doze anos preocupado apenas em construir. Nós achamos que o empresário precisa desenvolver sua consciência política. Mas tirem da cabeça que o IDEM quer contestar o governo.”17

 

 

Ficava visível que havia um enorme cuidado dos representantes do grande capital para que não fossem tomadas atitudes, entre eles, que pudessem levar à impossibilidade de controle, pelo regime, do processo político em curso. Os dissensos no interior do grupo de poder eram, inclusive, considerados edificantes e construtores; o que demonstrava o seu empenho em apoiar a batalha do regime para encontrar, também naquele momento, meios de aceitabilidade.18

Diante do crescimento de movimentos reivindicatórios19 nos setores populares questionando os limites da distensão política e abrindo o caminho para atenuar esses movimentos nos anos seguintes e do acirramento da contestação do MDB, no Congresso, diante de imposições do executivo, como por exemplo, o projeto de reforma do Judiciário,20 o governo editou21 o pacote22 de abril de 1977 em nome de sua suposta fórmula de democracia.23

Não perder o controle do processo de distensão era a tônica básica do pacote de abril editado pelo presidente Geisel. Naquele momento ficava evidenciado que o regime estava disposto a recuar na sua proposta de distensão caso houvesse tentativas de se avançar para além dos limites que ele vinha delineando há alguns anos. As medidas tomadas por este pacote eram uma espécie de alerta de que os métodos altamente ditatoriais de solução dos problemas na esfera política estavam mais vivos do que alguns setores imaginavam.

 

De fato, as novas medidas, que reduziam ainda mais a já limitada possibilidade de influência da oposiião no processo político, marcaram uma redefiniião da estratégia de distensão do governo, como resposta aos acontecimentos que se seguiram à primeira medida de liberalizaião introduzida no início da administraião Geisel.24

 

A medida mais estarrecedora, diante da denominada distensão política, foi o recesso imposto ao Congresso Nacional e a decisão de que o regime faria todas as reformas que julgasse necessárias. A ditadura tentava convencer a população de que havia um enorme perigo nas denominadas reivindicações insensatas que partiam de grupos descomprometidos com os

 

 

anseios da maioria que era, segundo os condutores do regime, de preservação da ordem e da disciplina.

Os representantes do grande capital ou apoiavam totalmente as medidas de fechamento político (Luiz Eulálio Bueno Vidigal Filho, era um dos membros mais expressivos desse grupo), ou apoiavam com pequenas ressalvas. Estes últimos se diziam apreensivos com os rumos que este processo poderia tomar (Laerte Setúbal, vice-presidente da Fiesp, pode ser citado como exemplo), e afirmavam que “todos nós estamos dentro de uma caldeira em que a pressão já alcança níveis perigosos. E pode explodir em breve, caso não haja uma definição geral. Todos têm de reconhecer que o tema da redemocratização é muito importante”.25

Ganhavam supremacia, então, as posições dos representantes do grande capital nacional que não hesitavam em defender o processo de fechamento político como forma de conter26 as tensões sociais. A normalização democrática a que estes se referiam significava apenas a ampliação de suas participações no interior do processo decisório. No entanto, mesmo esta deveria ser feita de maneira que o regime não fosse impossibilitado de pleitear adesão e/ou aceitabilidade dos demais setores sociais ao seu projeto de distensão em curso.

As reformas impostas pelo executivo no pacote de abril de 197727 foram amplamente criticadas pelos órgãos representativos da sociedade civil. No Congresso, o líder do MDB na Câmara, Alencar Furtado28 (que foi cassado dois meses depois), destacava que aquelas reformas29 iam contra os objetivos da distensão,30 e que se permanecesse a violência, o povo passaria a crer na força e não na lei.31

Também neste período, o regime atestava que havia conexidade entre o pacote de abril, por exemplo, e o seu sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia. As condições objetivas revelavam, claramente, naquele momento, que o grupo de poder não rompia em nada com o hipotético ideário de democracia que a ditadura vinha atestando desde o seu início; o que era visível em meados de 1977,32 nos pronunciamentos dos componentes do governo, empresários33 e das lideranças políticas34 do partido do governo.

Os representantes do grande capital nacional se diziam favoráveis a uma fórmula de democracia que significava

 

 

desestatização,35 fortalecimento da empresa nacional, ampliação de sua participação no processo decisório36 e revitalização da administração pública. A democracia nada significava, para eles, em termos de construção de espaços políticos publicizados, nos quais deveriam fluir os embates das diversas forças sociais.

Partindo do processo de luta, dos movimentos que emergiam no interior da sociedade civil para a construção de espaços plenos de sentido político, pode-se apreender a diferença fundamental entre as diversas pressuposições em torno da democracia que floresciam naquele momento.37 Estabelecia-se um verdadeiro debate sobre os possíveis caminhos da normalização38 democrática.39

Em comemoração aos 150 anos dos cursos jurídicos no Brasil, professores e alunos elaboraram um documento denominado Carta aos Brasileiros, com 14 laudas, cujo teor básico era a necessidade de implantação imediata do estado de direito. “A consciência jurídica do Brasil quer uma cousa só: o Estado de Direito, já.”40

Manifestações como estas, de diversos setores da sociedade civil, eram contestadas pelos representantes do grande capital nacional que tinham pavor de uma excessiva (segundo eles) distensão política. Luís Eulálio Bueno Vidigal Filho, presidente do Sindipeças, afirmava: “Nossa resposta (à Carta aos Brasileiros) será dada pelo Maneco (Manoel Gonçalves Ferreira Filho era Vice- governador do estado de São Paulo). Ele vai ler o Telegrama aos Brasileiros”.41

O discurso do Vice-governador questionava explicitamente a Carta aos Brasileiros afirmando que havia necessidade de “adoção de novas idéias, que (levassem) em conta a realidade nacional”.42 Ou seja, a exaltação em torno do restabelecimento do estado de direito feita pela Carta aos Brasileiros devia ser, segundo ele, amenizada. Diversos empresários mostravam-se de pleno acordo com o pronunciamento do Vice-governador de São Paulo. “Não se pode dizer que há ditadura no Brasil. A volta do estado de direito pressupõe que estamos num estado excepcional. Acho que estamos no meio-termo, tendendo gradualmente para o estado de pleno direito”.43

A afirmação de que não havia ditadura no Brasil ia ao encontro dos pressupostos colocados pelo regime desde o início,

 

 

no seu empenho para construir meios de aceitabilidade. O processo de deslegitimação do regime foi feito, basicamente, pelos trabalhadores organizados que contestavam, durante a década de 70, as medidas e ações da ditadura em nome de uma suposta democracia.

Os representantes dos trabalhadores44 opunham-se contundentemente às afirmações do penúltimo parágrafo dizendo que para “o trabalhador brasileiro nunca existiu” liberdade democrática.45 Arlindo Ramos, presidente do Sindicato dos empregados em estabelecimentos bancários de Belo Horizonte, argumentava que o “país inteiro, através das suas diversas facções, clama por um estado de direito, pela volta das liberdades democráticas, pela revogação do AI-5, (…) pelo direito ao hábeas-corpus. Mas acontece que para nós, trabalhadores, isso não basta”.46

Nesse mesmo sentido, Luís Inácio Lula da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas de São Bernardo, afirmava: “Quem é que não gostaria de viver num estado de direito, com leis respeitadas, liberdade de ir e vir? Qual o líder sindical que não gostaria de ter direito a hábeas-corpus se fosse preso. Mas, se os trabalhadores tivessem feito uma carta aos brasileiros, eu não sei se eles ainda estariam fazendo alguma coisa. Se eu quisesse discutir assembléia constituinte nas reuniões do meu sindicato eu não estaria mais lá. E se os trabalhadores fizessem uma passeata a resposta não seria só um jato de água”.47 Em reunião com o gal. Dilermando Gomes Monteiro,48 do

II Exército, dez lideranças empresariais de São Paulo afirmavam que reconheciam a necessidade de que houvesse uma normalização democrática. Laerte Setúbal, diretor da Duratex e da FIESP e Cláudio Bardella, diretor do grupo Bardella, argumentavam: “Não existe momento certo para a democracia. Ela deve vir já, e a partir daí as coisas vão se ajustando”49.

Bardella afirmava, porém, que os empresários50 não tinham como propor um modelo democrático.51 No entanto, estes representantes do grande capital nacional tidos como a vanguarda dos empresários democráticos tentavam injetar vida no modelo de democracia que o regime vinha defendendo desde o seu início visando construir sua legitimidade. Eles sugeriam e

 

 

concordavam com os militares de que somente estes últimos tinham condições de propor um suposto modelo democrático. Nenhum outro segmento da sociedade seria capaz de o fazer.

Persistia, assim, em meio à política de distensão, um dos valores essenciais que a ditadura se empenhou em sedimentar: a única democracia possível era aquela que os seus condutores sempre propuseram, uma vez que para os empresários havia sempre o temor de que houvesse “uma volta à anarquia que aconteceu antes do ano de 1964”.52 Alguns representantes do grande capital nacional53 como Setúbal, Bardella e Mindlin54 tornavam público que a questão central era a enorme dificuldade dos empresários55 em aceitar o que significava, de fato, um regime aberto, em que eles teriam não só de participar da política, mas também de negociar salários e outras reivindicações56 dos trabalhadores.57 Havia, segundo eles, um pavor das pressões que surgiriam inevitavelmente.

No interior da classe empresarial detectava-se, como dizia Weffort, uma consciência secreta da impossibilidade de falar em democracia58 sem incluir os demais setores sociais. Desta forma, a maioria de suas lideranças defendia que se devia segurar os freios, limitar a abertura, regulamentar muito bem o direito de greve e/ou, até mesmo, não o permitir e, enfim, que se devia elaborar uma legislação que eliminasse os excessos e a imaturidade dos trabalhadores.59 A sintonia com a ditadura era, neste caso, perfeita e contínua.

Floresciam, no interior da classe empresarial, discussões que mostravam o quanto esta tinha internalizado os hipotéticos pressupostos democráticos da ditadura. Nas indagações acerca do estabelecimento do estado de direito restrito e/ou irrestrito, ficava evidenciada a enorme dificuldade em aceitar o estado de direito irrestrito. Aqueles que o defendiam apareciam como promotores de uma espécie de subversão das regras denominadas democráticas da distensão.

As indagações sobre a normalização democrática que se estabeleciam no interior da sociedade civil levava a reações60 diversas no interior do regime e do governo que lutava para costurar formas de aceitabilidade para as suas propostas políticas em curso. Cresciam as dificuldades para lidar com as

 

 

manifestações de desagrado que tomavam corpo nos diversos recônditos da vida social. O regime militar continuava, porém, atuando, no final de 1977, de forma repressora. A invasão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,61 no mês de setembro, dava a idéia da truculência usada pelos radicais defensores da ditadura contra alguns setores da sociedade civil.

Houve, neste período, uma tentativa de realinhamento das linhas-duras. O caso do ministro do Exército, gal. Sílvio Frota, que pode ser sintetizado como uma tentativa de golpe nos denominados moderados ante o processo de sucessão de Geisel. O referido general estava se empenhando em conseguir apoio dentro do exército e do Congresso contra a liberalização que era, segundo ele, uma manobra para favorecer os subversivos.62 O presidente da República demitiu Frota em 12 de outubro de 1977 e este último publicou um manifesto afirmando que era preciso livrar o Brasil democrático do totalitarismo marxista.63

Em 1977 ganhavam supremacia, entre os representantes do grande capital, as posições (como por exemplo as de Luís E.Vidigal Filho – Presidente do Sindipeças e Carlos Moacir Gomes de Almeida

– Presidente da Gomes de Almeida Empreendimentos Imobiliários) que insistiam na proposta do regime de relatividade da democracia.64 Ou seja, uma espécie de alternância de maior e menor democracia.65 Esta era, segundo eles, a fórmula de democracia que convinha a todos os segmentos da sociedade.66

Fortalecia-se, no interior dos grupos empresariais, a ratificação da supositícia perspectiva democrática do regime. Ou seja, aquela que não dispensava o Ato Institucional nº 05.67 Falava- se em aprimoramento das instituições e não se colocava em termos claros a questão da suspensão do estado de exceção que significava a negação da possibilidade de estabelecer qualquer espaço democrático. A estatização aparecia, sem dúvida, como uma pedra maior que o AI-5, no caminho da normalização democrática nos pronunciamentos dos representantes do capital.

Discutir a democracia nestes termos era desconsiderar que “ao longo deste processo, a coerção torn(ou)-se um recurso político cada vez mais importante para a superação do conflito entre a elite militar e os demais grupos. E, ao mesmo tempo, torn(ou)-se gradativamente um elemento habitual na vida política cotidiana,”68 afirmava o professor Marcus de Faria Figueiredo.

 

 

Diante das pressões oriundas de diversos setores da sociedade civil, no final de 1977, o presidente Geisel mencionava a possibilidade de pôr um termo nas leis de exceção, mas advertia que estas seriam substituídas por salvaguardas constitucionais que garantissem a manutenção e o funcionamento do regime.69 O empresário e líder da Arena, Magalhães Pinto, afirmava que o retorno à ordem democrática teria que ter como fundamento o direito e não mais as razões de Estado. Portanto, essas salvaguardas deveriam ser dadas à sociedade e ao indivíduo. O Estado deveria ser o executor dessas garantias.70

As salvaguardas tinham como objetivo, segundo o próprio Presidente, servir ao próprio regime. Havia uma tentativa de mostrá-las como condizentes com o estado de direito. O governo e o regime investiam na criação de outros mecanismos que os protegessem nesse processo de mudanças políticas que urgiam.71 O ajuste da democracia à realidade brasileira seria feito, segundo componentes do governo, através da elevação lenta e gradual de nossa taxa democrática.72 Todavia, o diálogo preconizado pelo líder da Arena, Petrônio Portella, deveria ter papel fundamental neste processo73 de redução da área de arbítrio do regime. As questões do diálogo e da conciliação passavam a ter papel fundamental na busca de apoio e adesão ao projeto de

distensão do governo.

A anistia era mostrada, pelos representantes do regime, como parte deste processo de adequação da democracia à realidade brasileira. O chefe do SNI, gal. João Batista Figueiredo, afirmava que a estratégia gradualista seria aplicada também à anistia que não poderia ser total, pois era absurdo anistiar os condenados pela Lei de Segurança Nacional.74 “No Brasil, a normalização, via violenta repressão tomou a forma: do `milagre econômico’ dos anos 70, da `distensão lenta, gradual e segura’, da `abertura’, da anistia submetida ao veto militar marcada pela interdição de investigação do passado, de fortes prerrogativas militares institucionais, da mais longa transição, que concorre para o esquecimento ou diluição na memória coletiva, do terror implantado pela ditadura militar”.75

O empenho do regime militar, desde o seu início, em construir um suposto ideário de democracia deve ser apreendido como elemento central da tentativa de impedir a formação de

 

 

uma consciência coletiva a respeito do terror e da repressão. A ditadura tentou, constantemente, esconder e/ou anular os efeitos de suas ações repressoras através da idéia de implantação, no país, de uma suposta verdadeira democracia, a qual foi fartamente invocada pelo regime.

 

O grupo de poder e a busca de adesão da sociedade para a sua proposta de distensão política

 

O suposto ideário de democracia do regime militar continuava tendo um papel importante no final da década de 70 como um elemento em torno do qual os componentes do grupo de poder tentavam obter adesão para o processo político em curso. No ano de 1978, foram publicados dois documentos fundamentais, um pela revista Isto é76 e outro pela Folha de S.Paulo,77 que mostravam as impossibilidades de os representantes do grande capital se desvencilharem das hipotéticas pressuposições do regime sobre a democracia.

Estabelecia-se um consenso, por parte destes últimos, de

que a revolução deveria continuar fornecendo “pelo menos, a garantia de uma continuidade do processo econômico,”78 pois isto ela estaria fazendo no processo político.79 A distensão era apontada por esses integrantes do grupo de poder como o coroamento das realizações propostas pelo movimento militar de março de 1964 no que tangia aos seus objetivos políticos.

O sistema de idéias e valores sobre uma pretensa democracia que o grupo de poder tentava sedimentar desde a implantação do regime militar se deparava com as indagações sobre a ausência de canais de representação e de participação política dos diversos setores sociais.80 No entanto, o ideal de democracia proposto pela ditadura continuava, naquele momento, a nortear os denominados objetivos democráticos defendidos pelos representantes do grande capital.81

Ter representatividade junto ao sistema político vigente não era tido, pela maioria das lideranças empresariais, como fundamental. Ela continuava insistindo numa hipotética forma de democracia que dispensava os mecanismos de representação

 

 

e privilegiava os contatos diretos entre alguns grupos e o governo. A última situação era tida como sinal de força, para uma grande parte dos líderes empresariais, na definição dos caminhos da suposta democratização e sinal de fraqueza para uma minoria. Como representante expressivo daquela minoria, Laerte Setúbal afirmava que os empresários não sabiam o que queriam, uma vez que não pensavam politicamente, mas existiam “como suporte importante do governo. Dentro do empresariado percebe- se a falta de uma ideologia, de uma consciência social mais completa. Falta de formação política, porque as possibilidades de acesso ao debate político foram repentinamente truncadas. (…) (o governo) nos atende individualmente, e assim desmonta o empresariado. Estamos na estaca zero. O novo presidente abrirá

ou não abrirá? Nós não temos influência nenhuma nisso”.82

O debate político não tinha sido, porém, truncado repentinamente. Foram quase duas décadas de um processo de estilhaçamento do mesmo, em nome de uma suposta responsabilidade democrática que os setores empresariais endossaram completamente. Na realidade, somente naquele momento, ainda assim, uma minoria, percebia as suas dificuldades políticas de influir decisivamente no processo em curso. Porém, a não-possibilidade de intervenção no processo político não levava esses líderes empresariais a desabonar a perspectiva de democracia da ditadura.

Nos moldes dos militares, os empresários atestavam que eles eram homens empenhados em realizar uma vocação que se chamava democracia.83 Ou seja, diante do processo de liberação das forças de pressão, naquele momento, eles atestavam sua missão de determinar os rumos de uma suposta democracia. A idéia de vocação e/ou missão histórica de alguns para a realização da democracia demonstrava uma insistência na seleção de alguns grupos e/ou indivíduos que deveriam gerir e controlar o processo de distensão e de abertura.84

As crescentes indagações em torno da abertura democrática, no interior da sociedade civil, levava o sucessor de Geisel85 a reiterar que a “revolução não iria acabar” e que dialogaria com os diversos setores sociais desde que não houvesse pressões contrárias ao regime86 e, por conseguinte, à sua concepção de democracia.87

Para o gal. Figueiredo, o “Estado precisava se defender

 

 

contra os extremistas,” daí a necessidade de manter as prerrogativas básicas do regime vigente e, para que isto ocorresse, era preciso que os caminhos da distensão fossem legitimados através das eleições de 1978. Ou seja, a Arena88 tinha que, segundo ele, vencê-las,89 pois de outra forma os caminhos da distensão se tornariam mais ásperos90 e difíceis.

Para os condutores do regime, a vitória da Arena significava adesão da maioria da população à forma de condução do processo de abertura política. As dificuldades crescentes em todas as esferas sociais atingia a ditadura de tal maneira que ela continuava, como fez desde o seu início, a fazer ameaças constantes quanto às possibilidades de continuidade daquele processo. A distensão e a abertura também eram mostradas como um prêmio de bom comportamento que a sociedade teria ou não. A busca de aceitabilidade de seus métodos políticos confundiam- se constantemente com as ameaças de retrocessos.

A democracia, para o futuro presidente Figueiredo, tinha como “princípio básico que todo o poder emana do povo.”91 No entanto, era preciso “buscar a nossa democracia. O processo democrático, mesmo tendo-se presente a democracia em seus valores absolutos, precisará estar adaptado às nossas condições e necessidades. (…) De qualquer forma será uma democracia relativa, porque democracia plena não existe.”92

A formulação de um sistema de idéias e valores sobre uma democracia exclusivamente brasileira continuava sendo, naquele momento, o fio condutor do processo de criação de uma consciência favorável aos feitos e medidas do regime. Todos os generais-presidentes insistiam na especificidade da democracia brasileira, tendo em vista uma suposta realidade que clamava por uma democracia relativizada pelas nossas circunstâncias. A FIESP endossava completamente essa postura do futuro presidente da República.93

Em telegrama enviado ao presidente Geisel, por ocasião da escolha do gal. Figueiredo, ela afirmava: “O empresariado industrial de São Paulo, congregado nas suas entidades sindicais superiores, confia na continuidade revolucionária de governos, assegurando o desenvolvimento econômico e social e com gradual e segura normalização política e institucional.”94

 

 

Em 10 de maio de 1978, o Jornal do Brasil publicou um manifesto assinado por 41 empresários que reiteravam a posição do regime quanto à relatividade da democracia e à necessidade de estabelecer limites precisos para a abertura política.95 “O clima de agitação demagógica em que se tem falado dessa abertura faz com que (…) seja interpretada pela opinião pública estável e conservadora como volta ao clima anterior a 1964”.96 Era visível que havia um pavor de que as mudanças políticas conduzissem a um embate cada vez mais aberto entre os diversos atores sociais.97 Tendo em vista as novas condições sociais, alguns componentes do grupo de poder tentavam angariar dividendos políticos realizando uma espécie de combinação do suposto ideário de democracia do regime com alguns elementos que eles consideravam inovadores. No final de junho de 1978, oito representantes da grande indústria nacional elaboraram um manifesto98 que foi denominado “o documento dos oito”, no qual a democracia era definida como um “sistema superior de vida, mais apropriado para

o desenvolvimento das potencialidades humanas.”99

Eles tomavam esta definição de empréstimo do pensador inglês John Stuart Mill que, em meados do século XIX, afirmava que a boa sociedade era aquela que possibilitava o desenvolvimento da capacidade humana para se alcançar o aperfeiçoamento de um sistema político democrático.100 No entanto, esta definição nada significava assim descolada do interior da obra do mesmo, uma vez que ele a considerava tendo em vista um tipo de sistema político, de voto e de participação que potencializasse o efeito educativo para aperfeiçoamento dessa capacidade humana.

Estes empresários, como nos anos anteriores, mantinham o caráter genérico da definição de democracia, mas lhe davam um retoque tentando, então, redimencioná-la, tendo em vista as novas condições sociais em que floresciam inúmeras pressões vindas de diversos segmentos. O desenvolvimento econômico fundado na justiça social101 e amparado em instituições políticas democráticas era mostrado como expressão dos anseios da sociedade como um todo; o que não era novidade uma vez que o regime militar, desde

o seu início, vinha insistindo nesses elementos que, aliás, tinham fundado a sua busca de legitimidade.

 

 

Marilena Chauí, analisando este manifesto em Cultura e democracia, afirmava que ele deixava claro que a democracia para aqueles empresários102 possuía os protagonistas principais (os representantes do capital nacional, estatal e estrangeiro) que deveriam ter participação e representação direta na política econômica e os protagonistas menores (os trabalhadores e o povo em geral) que aparecem pela mão do Estado. Não há aqui “necessidade de participação e representação direta”.103

O “Documento dos oito” era, para Chauí, “democrático (participação política de todos, instituições que garantam os direitos do cidadão e a liberdade) e liberal (a livre iniciativa e a economia de mercado podem ser mantidas e duradouras). Todavia, possuía um elemento novo que o afasta de um projeto liberal de tipo clássico: o modo pelo qual determina o lugar do Estado no espaço social”.104 Segundo ela, o Estado comparece, no Manifesto dos oito, como parte na política econômica e como todo na política social.105 Os empresários participariam, então, diretamente do Estado-parte que eles queriam democratizar e os demais (o povo em geral) participariam indiretamente do Estado-todo, o qual os representantes do capital, que subscreveram o manifesto, queriam apenas liberalizar.

A partir do jogo de forças que se estabelecia no interior da sociedade, compreende-se o sentido que tomavam, para os diferentes setores sociais, as perspectivas em torno do processo de abertura política, portanto, da democracia. Tanto o regime quanto a oposição oficial tentavam captar essas diferenças e convertê-las em dividendos políticos. O candidato do MDB, gal. Euler Bentes, afirmava que sua candidatura estava buscando a conciliação nacional, “o que significa dizer que hoje ela não existe. (…) (A frente democrática) será de importância capital na luta pela democracia, uma vez que será desaguadouro natural dos diversos segmentos da comunidade brasileira e ponto de convergência dos interesses, aspirações e anseios dela.”106

O governo, diante da movimentação dos diversos setores sociais, buscava aceitabilidade para a sua fórmula de conduzir o processo de transição do regime. A negociação e a conciliação passavam a ser amplamente invocadas. As pressuposições em torno do fim do AI-5 e das reformas políticas eram admitidas

 

 

somente a partir da instalação do diálogo e do consenso. Tinha- se, então, a frente107 pela redemocratização do MDB e a proposta do governo de democratização através de reformas108 e salvaguardas. Estas últimas visavam dar ao regime algumas garantias a partir da extinção do AI-5. Nos dois casos, a negociação e a conciliação109 eram apresentadas como o fundamento da democracia que se estaria buscando.

A causa democrática era, então, a questão central nos debates políticos dentro e fora do governo.110 No interior do regime, a insistência na tese da democracia relativa adentraria na próxima década sob novas roupagens.111 Os condutores da ditadura procuravam justificar para a sociedade as vantagens de uma democracia proporcional às nossas condições. Eles se reportavam, para isso, aos valores que deveriam ser preservados e à necessidade de não-macular as realizações já alcançadas pelo regime.

Os anseios da sociedade civil112 pela democracia eram captados pelo regime que passava a lidar com eles como forma de conseguir dividendos políticos para se estabelecer as reformas que conduziriam a uma transição política plena de singularidades marcadas pelas fórmulas de negociações não estranhas à oposição oficial.113 A democracia, para diversos componentes do grupo de poder (militares, tecnoburocratas114 e uma fração dos representantes do grande capital), não era sequer um “reconhecimento institucional da capacidade de tratar, por vias de eleições livres, de conflitos e escolhas sociais”.115

Os médios e pequenos empresários, na sua maioria, não hesitavam em defender um regime político austero para pôr fim às reivindicações dos trabalhadores. João Ricardo Mendes, por exemplo, presidente da Estub, uma média empresa do setor de materiais para construção civil, afirmava que o brasileiro não estava preparado para sindicatos e/ou sociedades livres.116 Havia um consenso entre eles de que a abertura política deveria ser realizada de forma mais gradual possível.117 Ficava evidenciado em seus depoimentos que a democracia deveria ser restrita a alguns setores sociais.

Havia casos em que isto era levado aos extremos. Em um debate, na Federação do Comércio de São Paulo, entre os médios e pequenos empresários, chegou às mãos de um jornalista, da revista

 

 

Isto é, um bilhete118 em que um empresário afirmava que a única abertura que seus pares desejavam era a abertura de crédito. Um possível excesso de liberdade era ressaltado como problemático tanto por eles quanto pelos grandes empresários.119 Todos se autodefiniam como democratas, porém, tinham pavor de que a denominada abertura política levasse os outros setores a balizarem as suas ações.

Sedimentava-se entre aqueles setores, a partir das explosões das greves120 e/ou outros movimentos reivindicatórios, a idéia de que o Brasil não tinha condições de estabelecimento de uma democracia integral. O gradualismo traçado pelos militares121 encontrava uma enorme faixa de ressonância e ganhava terreno entre amplos setores civis. Esses elementos atuavam no sentido de legitimar a estratégia de distensão e, posteriormente, de abertura política proposta pelo regime em vigor.

No final de 1978122 cresciam as manifestações123 e reivindicações dos trabalhadores e demais setores populares. No final daquele ano, lideranças sindicais124 e membros do Movimento do Custo de Vida estiveram em Brasília objetivando pressionar os congressistas para ampliar o alcance das reformas políticas propostas pelo governo.125 Isto foi tomado por este último como uma provocação, pois o ministro do trabalho, Arnaldo Prieto, já os havia advertido para que não se mobilizassem neste sentido. A atuação dos diversos movimentos populares eram fundamentais no sentido de tentar abrir canais de pressão para alargar a abertura política. No entanto, o movimento sindical126 destacava-se como exemplo de luta pela democratização das relações sociais, cujo significado poderia ser apanhado na sua

tentativa de pautar127 as ações dos representantes do capital.

Todavia, as greves eram tratadas pelo governo e pelos empresários como um problema de segurança nacional. Portanto, segundo eles, as mesmas atrapalhavam a abertura política e a sua fórmula de democracia. O regime e seu grupo de poder atuaram incansavelmente no sentido de mostrar para a população os riscos que a nação estaria correndo por conta da atuação de uma, segundo eles, minoria irresponsável.

A ditadura continuava, no final da década de 70 e início da de 80, lutando para obter apoio e aceitabilidade dos demais

 

 

setores sociais em torno dos mesmos elementos que foram levantados desde o imediato pós-1964. Ou seja, ao enfatizar a questão da segurança nacional, ela demonstrava que persistia em sua tarefa de convencer a população para aqueles aspectos que tinham sido, segundo ela, o fundamento do movimento e de quase, naquele momento, duas décadas de regime militar.

Em dezembro de 1978, o jornal Folha de S. Paulo promoveu um debate durante vários dias cuja temática era A democracia e os empresários. Participaram representantes do capital (Severo Gomes, José Mindlin, Dilson Funaro, Laerte Setúbal, Ticoulat Filho,128 Claúdio Bardella e Henry Maksoud) e alguns intelectuais (Francisco de Oliveira e Wernek Viana).

Em termos gerais, no que dizia respeito às posições dos empresários, este debate reafirmava os traços básicos do suposto ideário de democracia que o regime tentava elaborar. Eles deixavam evidenciado que a necessária amenização das tensões sociais e a definição de regras mais claras no campo econômico eram o fundamento de suas preocupações. A cautela para não entrar em atritos com o governo e o regime eram traços comuns nas suas pressuposições.

Francisco de Oliveira afirmava que todos os documentos em defesa da democracia (Documento dos oito, por exemplo) eram falsos. E a “burguesia não (estaria) interessada na democracia senão conjunturalmente. O que acontece neste momento é uma emergência de forças populares que obriga a burguesia a aceitar novas fórmulas de relacionamento. E ela se adaptará se o parceiro principal tiver força.”129 Luís Wernek Viana, contudo, destacava, além da emergência das forças populares, as dissensões no interior dos representantes do capital para entender os fundamentos de suas pressuposições em torno da democracia. “Há uma dissidência da burguesia em relação ao regime que já foi longe demais para que possa recuar às condições de antes de 1973. E essa dissidência, somada ao cada vez mais progressivo movimento democrático e operário indica uma profunda crise de legitimidade do regime.”130

Era visível, no entanto, que todos os integrantes do grupo de poder (os empresários, principalmente) se empenhavam em escamotear os dados indicativos desta crise de legitimidade do

 

 

regime. Eles procuravam situar suas dissidências e desacordos num âmbito que não trouxesse à tona os traços reveladores daquele processo. O regime não poderia, segundo eles, perder a aceitabilidade entre os diversos segmentos sociais. Portanto, eles atuavam juntamente com os demais componentes do grupo de poder buscando injetar vida na contínua busca de aceitabilidade para o regime junto aos demais setores da sociedade.

Depois de quase duas décadas de ditadura, os denominados empresários democratas afirmavam que tinham chegado à conclusão de que aquele regime não estava submetido ao controle da sociedade e da lei. No entanto, eles continuavam divulgando com grande intensidade as intenções ditas democráticas dos governos militares. Defender a abertura política nos moldes dos militares era mostrado por eles e pela imprensa como um grande avanço, uma grande tomada de posição a favor da democracia. E aproveitavam, assim, para alertar que iriam correr os riscos que essa liberalização traria, mas não aceitariam reivindicações absurdas dos trabalhadores. O abuso, diziam, não seria admitido.131

Mannheim afirmava que “a personalidade democrática acolhe de bom grado o desacordo, porque tem a coragem de se expor às mudanças. Chegamos à raiz do problema, concluímos que a recepção às mudanças está apenas ao alcance das pessoas que se sentem realmente seguras e, portanto, não temem perder a posição social (…). O ponto mais importante dessa observação é a consciência da existência de uma ligação entre a superposição autoritária da própria opinião e o temor de perder o status”.132

Os empresários que se autodenominavam vanguarda de sua classe em relação à democracia tinham uma posição dúbia e inconsistente sobre os partidos. Mindlin afirmava que não havia uma única verdade sobre a liberdade de organização e expressão num regime democrático. O partido comunista, por exemplo, não poderia ser admitido, uma vez que seu objetivo era derrubar a democracia. Este era um indicador da manutenção dos pressupostos básicos que o regime militar vinha defendendo desde março de 1964. A formação de partidos diversos, segundo ele, não asseguraria o sistema democrático. Não esclarecia, porém, o que asseguraria.

 

 

Laerte Setúbal e Dilson Funaro133 defendiam posição semelhante sobre os partidos políticos. Para o segundo, a abertura devia permitir que a organização de partidos representativos fosse caminhando sem criar impasses. Para Setúbal, a liberdade total de associação não seria possível. Ticoulat Filho134 expressava mais claramente qual era a preocupação dos líderes empresariais. Para ele, era preciso criar novos partidos, mas determinar um número, pois a subversão não podia ser aceita, era preciso fazer como Figueiredo sugeria: arrebentar quem se colocasse contra a democracia e fosse favorável a um regime de esquerda.

A forma de representação defendida por esses empresários se situava dentro da perspectiva de representação que os militares colocaram desde o início daquele regime. Indubitavelmente, esta deveria confirmar a supremacia de determinados setores junto ao processo político, o que era feito, evidentemente, em nome de uma suposta maioria. Esta perspectiva de representação estava centrada na idéia de que suas imperfeições e dificuldades eram corrigidas pelo próprio regime, pois havia, segundo ele, uma identificação perfeita do povo com os militares.

A idéia de identificação perfeita, como já foi demonstrado, fundou, desde março de 1964, a busca de legitimidade do regime através de um suposto ideário de democracia. As pressuposições em torno da natureza democrática dos governos militares eram tiradas desta pretensa identificação, o que desempenhou, sem dúvida, um papel importante na forma dos governos Geisel e Figueiredo conduzirem a distensão e a abertura política.

Através dos depoimentos dos setores empresariais que eram considerados por eles próprios e pela mídia como a vanguarda democrática daquele grupo social, ficava estabelecido que encontrar formas de controlar as diversas forças sociais era a essência da suposta democracia que eles defendiam. Este aspecto vinha sendo destacado pelos militares como um dos fundamentos da atuação do regime.

No final da década de 70 ficavam, portanto, patente os traços ditatoriais que nortearam desde o início o regime militar. A desqualificação do outro e do espaço do outro, por exemplo, continuava sendo um princípio básico da política de distensão. A sua suposta fórmula de democracia se situava constantemente

 

 

diante do processo de não-reconhecimento das possibilidades de ação política dos atores sociais que não integravam o grupo de poder.

Neste caso, tinha-se, por um lado, a ditadura se empenhando em delinear quais eram os limites de atuação daqueles setores que ela reconhecia como portadores dos requisitos para pleitear espaços na arena política e, por outro, assistia-se a um processo de desqualificação absoluta dos espaços que os setores populares, por exemplo, lutavam para construir.

 

1979: a hipotética democracia do regime militar propalada pelos seus condutores como a única democracia possível

 

As pressuposições em torno da conciliação, da recessão e das greves forneciam as linhas básicas sobre as quais se tornavam mais delineadas, em 1979, as posições dos diversos setores sociais sobre a democracia. Evidenciava-se com precisão que os diversos componentes do grupo de poder135 tomavam a democracia como a chave de todos os problemas nacionais136 dentro da ótica do regime militar. Os representantes do grande capital137 exigiam a ampliação de sua participação138 nos mecanismos decisórios139 em nome de um aumento na “taxa”140 de democracia; no entanto, a explosão das greves em diversos setores no decorrer de 1979 era mostrada, para os demais setores da sociedade, como democracia em excesso.

A ampliação de espaços democráticos era considerada, também naquele momento, pela maioria dos representantes141 do grande capital, como seu objetivo exclusivo e não como interesse de todos os setores sociais. Isto ficava evidente quando os trabalhadores insistiam em tomar posições nas questões que interferiam diretamente em sua vida (emprego, custo de vida, salário, etc.)142 e exigiam alterações no quadro da abertura política em andamento. A reação da maioria143 dos componentes do grupo de poder144 era sempre no sentido de estancar145 o avanço dessas reivindicações.

 

 

Francisco Weffort afirmava que a lógica da “democratização autoritária” conspirava “contra os `de baixo’, cuja participação só (era) admissível dentro dos estreitos limites definidos pelos interesses dominantes. O que (restaria) fazer (era) tentar descobrir um novo sentido na democracia, que (havia) de contar, sobretudo, com a participação daqueles que a transição (buscava) excluir”.146 O fim do AI-5 foi marcado pelo início das salvaguardas constitucionais que visavam brecar as tentativas de ampliação da abertura política de forma que viesse a comprometer os traços definidores do projeto de distensão147 do regime vigente. No campo das lutas sociais persistiam as ameaças de aplicação dessas salvaguardas, o que era apontado pelo regime não como retrocesso, mas sim como forma de preservar a hipotética democracia da ditadura. A busca de aceitabilidade para estas medidas levava o regime a afirmar que as salvaguardas eram a única possibilidade de ampliar a participação de todos os segmentos sociais no debate político. Assistia-se a uma inversão à medida que as formas de barrar os chamados excessos eram mostradas como as garantias de estabelecimento de regras claras

que levariam a uma suposta democracia.

Karlos Rischbieter, ministro da Fazenda no governo Figueiredo, utilizava-se dessa idéia para explicar inclusive porque o Movimento do Custo de Vida não tinha conseguido um interlocutor no governo anterior. Para ele, não adiantava querer falar com o presidente. No entanto, acrescentava que não se sabia com quem se deveria falar. “Por que? Porque não há regras claras de comportamento.(…) Regra clara, para mim, é sinônimo de democracia (que é sinônimo) de liberdade de opinião.”148

A explosão das greves a partir de março de 1979149 marcou o início do governo Figueiredo. Os avanços da abertura passavam a ser condicionados, pelos componentes do grupo de poder, aos recuos nas reivindicações dos trabalhadores. A greve dos metalúrgicos do ABC paulista, por exemplo, foi julgada ilegal, assim como em 1978. Acirrava-se o processo de repressão aos movimentos grevistas. As negociações e os acordos tornavam-se cada vez mais difíceis. O regime explicitava que a abertura política à qual eles se referiam não objetivava permitir o acirramento deste tipo de conflito.

 

 

Os membros do governo Figueiredo consideravam que a inflação e as greves poderiam colocar em risco o projeto150 de abertura política, por isso, os diversos grupos sociais deveriam se manifestar com bom senso e prudência. O governo justificava, assim, a sua intervenção no estabelecimento de regras para os empresários negociarem com os trabalhadores. Em 1º de maio151 de 1979, o presidente Figueiredo fez um pronunciamento na televisão, por ocasião do Dia do Trabalho, onde destacava o seu empenho em combater a inflação e as reivindicações insensatas de aumentos salariais que a elevava a patamares inadmissíveis. Diante do quadro de greve, ele afirmava: “Não hesitarei em aplicar as leis existentes diante de situações que ameaçam a tranqüilidade da família brasileira ou possam conduzir à desordem social. A principal característica do estado de direito democrático é o respeito de todos à lei”.152

Visando encontrar meios de construir uma consciência coletiva favorável às suas estratégias nas diversas esferas sociais, o regime invocava, como no seu início, a sua vocação e intenção de proteger a família dos males provocados por alguns grupos não-comprometidos com os seus valores fundantes. As medidas tomadas pelo governo, no início da década de 80, eram apresentadas como a única forma de manutenção da ordem e da disciplina que interessava, segundo ele, à maioria da população brasileira.

O regime divulgava até os seus últimos dias que continuava havendo conexidade entre os valores do regime e os valores que eram mantenedores da ordem social brasileira. Buscava-se, assim, aceitabilidade e adesão para as suas ações afirmando que as diversas reivindicações, daquele momento, eram prejudiciais não somente à abertura proposta pelo último presidente militar, mas sim à família, à pátria e à sociedade em geral.153

Todos os componentes do grupo de poder (militares, tecnoburocratas e representantes do grande capital) estavam interessados, naquele momento, em encontrar meios de amenizar as tensões154 sociais,155 o que deveria ser feito, tanto através da enfatização daqueles elementos que apreendessem a subjetividade dos indivíduos e/ou grupos sociais, (como por exemplo aqueles que foram mencionados nos dois últimos parágrafos) quanto através de medidas tais como os decretos do governo.156

 

 

Neste segundo caso, ficava patente para o grupo de poder que as denominadas tensões sociais tornavam imprescindível o encaminhamento de uma urgente reformulação partidária no segundo semestre de 1979, o que significava “de um lado, o esforço do regime para dividir uma oposição que se havia cristalizado unanimemente em torno precisamente de um partido (…); de outro, o movimento da sociedade já então extremamente diversificada, cujas roupagens partidárias estavam longe de representar o amplo leque das forças sociais no Brasil”.157

O gal. Golbery do Couto e Silva afirmava que “pela dissociação pluripartidária158 (buscava-se) melhor caracterização e individualização das forças políticas, através de partidos mais homogêneos e autênticos em sua representatividade”.159 Para o presidente Figueiredo, a abertura lenta, gradual e segura tinha sua expressão máxima, naquele momento, na extinção do bipartidarismo.160 Todavia, não seriam aceitos partidos que desrespeitassem as regras do jogo democrático, como por exemplo, o partido comunista.161

O próprio regime incumbia-se, assim, de reiterar continuamente quais seriam as regras denominadas, por ele, democráticas e, também, quais os grupos sociais e políticos que teriam condições de obedecê-las ou não.162 Desta forma, era contínuo o processo de convencimento da grande maioria de que somente o regime em vigor tinha condições de conduzir as mudanças em favor de uma suposta democracia.

 

Notas

1 A discussão sobre a democracia substantiva foi muito bem elaborada por Mannheim a partir da perspectiva de uma transformação criadora como um “processo social contínuo de mútua assimilação e adaptação, visando elaborar uma política comum por meio da discussão, e que mantenha acima de tudo o amor à liberdade.”

MANNHEIM, K. Liberdade, poder e planificaião democrática. São Paulo: Mestre Jou, 1972. p. 136.

“Democracia não é apenas a forma de organizar o Estado e sua relação institucional com a sociedade. Democracia é um processo que vai à raiz das relações sociais. Ela não se esgota, portanto, no plano formal.

 

 

É certo que não se pode pensar na idéia de democracia sem pensar no estado de direito – pois, sem um conjunto de regras estatuídas, cai-se numa situação de arbítrio. Mas isto não basta. No Brasil, fala-se muito em `nossa tradição democrática’, etc. Ora, substantivamente nunca houve democracia no Brasil”.

CARDOSO, F. H. Chega de retórica. Veja, São Paulo: n. 465, p. 3, 03 ago. 1977. Entrevista.

 

2 “A democracia, corretamente entendida, implica uma teoria do poder visando à definição das formas de distribuição e de controle do poder coletivo, de modo a alcançar o máximo de segurança, eficiência e liberdade”.

MANNHEIM, op. cit, p. 67.

 

3 GEISEL apud VOTOS austeros de ano novo. Veja, São Paulo: n. 435, p. 52, 05 jan. 1977.

 

4 Despontavam, no ano de 1977, as discussões no interior das Forças Armadas e, também, de setores civis sobre a sucessão presidencial. O Presidente recomendava comedimento e fim das especulações sobre este assunto que, naquele momento, era “de competência da área militar”. Afirmava, ainda, que “das Forças Armadas não parti(riam) nem ambições nem reações que venham comprometer o sempre delicado processo de sucessão presidencial”.

GEISEL, E. Pronunciamento aos oficiais-generais das três armas. Brasília: 22 dez. 1976 apud A FALA presidencial.

Visão, São Paulo: n. 1, p. 14/5, 10 jan. 1977.

5    Ibid.

6    “É sempre difícil refazer as instituições democráticas quando as aspirações da sociedade não são percebidas. E não há como captá-las sem que as instituições públicas apresentem razoáveis condições de funcionamento. (…) Mas é justamente nesse momento que vale a pena uma lembrança: o que salvou o capitalismo foi a democracia e nunca o contrário. O exercício da vida política armou, bem ou mal, uma forma mais ampla e constante de participação nos frutos do trabalho comum, pelo aperfeiçoamento da distribuição das rendas”. GOMES, S. Tempo de mudar. Porto Alegre: Globo, 1977.

 

7    “Um sistema aberto absorve melhor as tensões do que um sistema fechado”.

LAFER apud UM DESAFIO para os negócios. Veja, São Paulo: n. 435, p. 57, 05 jan. 1977.

 

 

8 COSTA SANTOS ( Presidente da ABINEE), PAPA JÚNIOR (Presidente da Federação do Comércio de São Paulo), VIDIGAL FILHO (Presidente do Sindipeças de São Paulo), BENVEGNU (Presidente da Federação da Agricultura Gaúcha), BARDELLA (presidente da ABDID) apud UM DESAFIO para os negócios. Veja, São Paulo, n. 435, p. 56/7, 05 jan. 1977.

 

9 A tecnoburocracia cuidava de separar com a precisão possível, os problemas econômicos e os políticos. Vide: UEKI (Ministro das Minas e Energia), BULHÕES (Membro do Conselho Monetário Nacional), DELFIM NETTO (Ex-Ministro da Fazenda), VON DOELLINGER (Secretaria de Planejamento), SUZIGAN (Secretaria de Planejamento) apud UM DESAFIO para os negócios. Veja, São Paulo: n. 435, p. 57/ 65, 05 jan. 1977

10 “A hora é de união”.

MOREIRA DE SOUZA apud POR um lugar no jogo político. Veja, São Paulo: n. 439, p. 73, 09 fev. 1977. José Luiz Moreira de Souza era presidente da ADECIF.

 

11 Os pronunciamentos do presidente da FIESP, Theobaldo de Nigris, eram exemplo de uma postura antidemocrática em nome da democracia.

DE NIGRIS, T. Manifestações e pronunciamentos da presidência.

Relatório das diretorias 1977. São Paulo, FIESP -CIESP, 1978. p. 66-91.

 

12 Eli Diniz e Renato Boschi desenvolveram, no final da década de 1970, uma pesquisa sobre a atuação política dos empresários naquele momento. Para eles, não havia uma posição ordenada e bem definida a favor da democratização.

DINIZ, E. e BOSCHI, R. R. Empresário nacional: ideologia e atuação política nos anos 70. In Empresariado nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978. p. 153-199.

 

13 Todavia, afirmações como estas não resolviam os impasses no interior do grupo de poder. Os ministros João Paulo dos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen demonstravam um certo desapontamento com as posições assumidas pelos empresários, uma vez que o governo, segundo eles, estaria, a partir de 1974, preocupado em fortalecer a empresa nacional.

VELLOSO apud POR um lugar no jogo político. Veja, São Paulo: n. 439, p. 73, 09 fev. 1977.

SIMONSEN apud ATRITOS, atritos – capital à parte. Isto é, São Paulo: n. 12, p. 8, 16 mar. 1977.

 

 

14  PAPA JUNIOR apud POR um lugar no jogo político. Veja, São Paulo: n. 439, p. 72, 09 fev. 1977.

 

16 VILLARES, P. Problemas de comunicação. Veja, São Paulo: n. 462, p. 6, 13 jul. 1977. Empresário do grupo Villares.

 

16 Alguns empresários, no entanto, mostravam-se apreensivos com os rumos tomados pelo processo econômico e político. Laerte Setúbal, diretor da Duratex, dizia: “Atualmente, o empresariado, os políticos estão aturdidos, pois não sabem o que o governo pretende”. SETUBAL apud POR um lugar no jogo político. Veja, São Paulo: n. 439, p. 73, 09 fev. 1977.

 

17 VILLARES apud QUEBRANDO uma tradição. Veja, São Paulo: n. 441, p. 30, 16 fev. 1977.

 

18 MINDLIN e BARDELLA apud POR um lugar no jogo político. Veja, São Paulo: n. 493, p. 73, 09 fev. 1977.

VILLARES apud NO LIMIAR do capitalismo moderno. Isto é, São Paulo: n. 13, p. 30, 23 mar. 1977.

KOK apud NO LIMIAR do capitalismo moderno. Isto é, São Paulo: n. 13, p. 30, 23 mar. 1977. Presidente do Sindicato da Indústria de Máquinas de São Paulo e da Abimaq.

 

19 No final da década de 1970 “ampliam-se as mobilizações de cunho nitidamente social: as greves operárias do ABC e da capital (São Paulo), o Movimento do Custo de Vida, as greves de professores, dos motoristas de ônibus e de táxis, dos lixeiros, dos médicos, dos jornalistas, dos funcionários públicos e, até mesmo, as greves brancas da polícia mostram a amplitude da insatisfação com os salários e as condições de vida; protestos públicos de moradores da periferia e de favelados exprimem os reclamos dos trabalhadores no que se refere ao uso do solo urbano e à política discriminatória dos serviços públicos; o movimento por creches congrega clubes de mães, associações femininas e movimentos feministas revelando um grau de articulação das mulheres em torno dos problemas que as atingem. Ao lado das mobilizações organizadas, ocorrem formas de protesto explosivo: as depredações e motins no centro da cidade, por ocasião da frustrada greve dos bancários, e na periferia, em momentos de elevação dos preços de transportes coletivos ou de colapso do seu já precário atendimento, revelam o potencial de revolta de uma população reprimida anos a fio.”

 

 

BRANT, V. C. Da resistência aos movimentos sociais: a emergência das classes populares em São Paulo. In São Paulo: o povo em movimento. São Paulo: Petropólis, Cebrap, Vozes, 1982. p. 25.

 

20 O Poder executivo enviou para o Congresso um projeto de reforma do Judiciário que não foi aprovado. Através de pressão parlamentar, o MDB tentou avanços no sentido do restabelecimento de algumas prerrogativas básicas do estado de direito, tais como: garantias dos magistrados e o habeas-corpus.

 

21 Marcos Sá Correa, jornalista, afirmava que o regime teria inventado uma nova fórmula de democracia, e esta não possuía mais um caráter evolutivo. “Ela estaciona numa fase em que a normalidade praticamente não existe, suprimem-se as garantias políticas do indivíduo, mas com a promessa de garantir-lhe uma certa dose de inviolabilidade física. Esta parece ser a verdadeira noção de democracia com que o país terá de viver”.

CORREA, M. S. O presidente e o seu estilo. Isto é, São Paulo: n. 16, p. 07, 13 abr. 1977.

 

22 Geisel afirmava que os poderes excepcionais seriam utilizados “transitoriamente não só para fazer a reforma do Judiciário como também, dentro dos limites necessários, para as demais reformas de natureza política”.

GEISEL apud REFORMAS por decreto. Veja, São Paulo: n. 484, p. 28, 06 abr. 1977.

 

23 O Congresso foi colocado em recesso por tempo indeterminado. O regime elaborava as novas regras para manter em suas mãos o controle da distensão política. Dentre as novas medidas estavam: o mandato presidencial passava a ter duração de seis anos (exceto do presidente Geisel), a eleição dos governadores dos estados seriam sempre indireta, um terço dos representantes seria eleito por via indireta, pelo colégio que elegeria os governadores, fixava-se o limite máximo de 420 representantes para a Câmara Federal, as propostas de emenda na Constituição poderiam ser feitas pelo presidente da república e/ou por um terço dos membros de cada casa do Congresso, as limitações impostas às propagandas eleitorais pela Lei Falcão se estendiam para as demais eleições, os prefeitos e vereadores que seriam eleitos em 1980 deveriam exercer mandato-tampão de 2 anos, reforma do judiciário de acordo com o projeto do executivo, passava a ser possível a criação e o aumento da taxa de impostos a qualquer momento, etc..

 

 

As novas regras estabelecidas foram publicadas pela imprensa da época, ver, principalmente:

O FUTURO foi adiado. Veja, São Paulo: n. 450, p. 21/6, 20 abr. 1977.

 

24 KINZO, M. D. G. Oposiião e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB – 1966/1979. São Paulo: Rio de Janeiro, IDESP, Vértice, 1988. p. 184.

 

25 SETÚBAL apud EXISTEM dois Brasis? Talvez mais. Isto é, São Paulo: n. 15, p. 53, 06 abr. 1977.

 

26 VIDIGAL FILHO apud EXISTEM dois Brasis? Talvez mais. Isto é, São Paulo: n. 15, p. 53, 06 abr. 1977.

 

27 Petrônio Portella, Senador da Arena, dizia que as motivações para o pacote de abril foram múltiplas. “Há no país uma revolução, e o mundo político às vezes tenta ignorá-la. (…) É com a visão pragmática de nossa realidade que nós, homens públicos, podemos construir algumas coisas, entre elas a democracia. (…) Entendo que o problema da eleição indireta fundamenta-se em princípios e em atenção aos dados da conjuntura. Ela é também uma eleição democrática, dependendo evidentemente de como ela se processa. Uma eleição direta traria inelutavelmente alguns inconvenientes políticos graves que poderiam levar a desfechos não desejados. (…) O governo não rompeu seus compromissos éticos, existem compromissos éticos muito fortes do governo com o poder político, sobretudo com o regime democrático”.

PORTELLA, P. Entrevista. Isto é, São Paulo: n. 17, p. 10, 20 abr. 1977.

 

28 Em meados de 1977, Alencar Furtado foi cassado após ter feito um pronunciamento na televisão que o regime considerou ofensivo ao movimento militar e às Forças Armadas. O presidente Geisel aproveitava o momento para alertar sobre a relatividade da democracia no país. “As instituições políticas variam em função da natureza do país, das características que ele tem. É evidente que todos desejamos viver no regime democrático, mas esse regime democrático tem que se adaptar às peculiaridades do país.”

GEISEL, E. Discursos. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1979. p. 13.

 

29 Com relação ao pacote da abril, Paulo Brossard, Senador do MDB, que havia apoiado o golpe militar, afirmava: “A revolução não existe mais. O que existe é o arbítrio, puro e simples. (…) O governo abusou

 

 

da força, abusou demais da força. (…) A democracia, ou nós a conquistamos ou não a teremos.”

BROSSARD, P. Foi-se a revolução ficou apenas o arbítrio. Visão, São Paulo: n. 9, p. 16/20, 09 maio 1977.

José Sarney foi designado para responder a Brossard que a revolução continuava existindo e que o governo estava empenhado em defendê-la. SARNEY apud A ESCOLHA do sucessor. Isto é, São Paulo: n. 21, p. 6, 18 Maio 1977.

30 Thales Ramalho, deputado e secretário geral do MDB, dizia que o pacote de abril decretava que o partido de oposição não poderia ascender ao poder. Segundo ele, “isso (era) a negação da existência de plena democracia”.

RAMALHO, T. OU NOS entendemos, ou… Isto é, São Paulo: n. 25, p. 11, 15 jun. 1977. Entrevista.

Observe-se que a oposição continuava lidando com uma idéia de democracia bastante confusa, pois confirmava que existia uma democracia não-plena (ou relativa como atestava o presidente Geisel).

 

31 FURTADO apud O FUTURO foi adiado. Veja, São Paulo: n. 450, p. 24/ 5, 20 abr. 1977. Alfredo Stepan destaca que os militares mudaram as regras do jogo político diversas vezes, no final da década de 1970 e no início da de 1980, e a sociedade civil “quase nunca veio em defesa da sociedade política”.

STEPAN, A. Os militares: da abertura à nova república. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 12.

 

32 Os professores Edmar Bacha e Roberto Mangabeira Unger, em meados de 1977, constatavam um forte apelo, mas segundo eles, desordenado e confuso, por parte de diversos setores sociais, no sentido da democracia. Na tentativa de contribuir para o debate eles elaboraram um projeto intitulado “Democracia para o Brasil” que destacava os principais pontos para uma redemocratização política e econômica. Foram enviadas cópias deste projeto para o presidente Geisel e para o gal.Figueiredo. Os pontos básicos do documento eram: imposto de renda negativo, provisão comunitária de bens essenciais, reforma tributária, sindicalização livre, participação dos trabalhadores na gestão das grandes empresas, dentre outros. Edmar Bacha afirmava que o projeto antecipava “uma democracia com uma política econômica que utilize as instituições que se criaram e se fortaleceram no país a partir do seu primeiro salto de industrialização. E se utilize dessas instituições para garantir que essa democracia possa ser um modelo com dinamismo econômico.” O projeto propunha também um acordo entre os diversos setores sociais (empresários, estudantes,

 

 

advogados, igreja, etc.) insatisfeitos com o estado de coisas vigentes. “O projeto é radical, porque, para nós, radical é a democracia”.

BACHA, E. Há uma saída democrática. Veja, São Paulo: n. 463, p. 3/6, 20 jul. 1977. Entrevista.

SUPLICY, E. M. Dois novos projetos para construir a democracia. Isto é, São Paulo: n. 28, p. 12, 06 jul. 1977.

 

33 Paulo Villares, presidente do grupo Villares, era considerado, naquele momento, um dos empresários que valorizavam a questão da normalização democrática, no entanto, quando indagado: “O que é mais importante para o capitalismo? Que se implante no país um regime de amplas liberdades democráticas ou um regime em que a segurança figure em primeiro lugar?” A resposta foi a seguinte: “Essa pergunta não pode ter uma resposta direta, pois precisamos levar em consideração a situação em que se encontra o país.”

VILLARES, P .D. Problemas de comunicação. Veja, São Paulo: n. 462,

  1. 6, 13 jul. 1977. Entrevista.

 

34 A revista Visão, em junho de 1977, realizou uma pesquisa sobre “o que é democracia” com 71 deputados e senadores, dos quais apenas 54 responderam. O objetivo da pesquisa era mostrar que os políticos defendiam a democracia somente em termos políticos e não econômicos. No entanto, acabou por revelar a enorme confusão em torno da definição de democracia. Francelino Pereira, deputado da Arena, dizia: “Essa pergunta tem sido feita há centenas de anos. Qualquer definição de democracia é sempre repetitiva; na verdade, ela deve constituir-se e traduzir-se num regime que favoreça o povo e as instituições”. Tancredo Neves, deputado do MDB, afirmava: “É muito difícil definir democracia, tantas são as fórmulas que se apresentam para caracterizá-la. O mais fácil é dizer o que a democracia não é.” Freitas Nobre, deputado do MDB, respondeu que não era “fácil definir democracia.(…) A primeira condição é não adjetivá-la, para que ela seja mais ou menos pura”. Teotônio Vilela, senador da Arena, afirmava: “O que é democracia? Bem, eu pergunto: o que é a luz elétrica? É algo que serve para nos iluminar, desde que esteja ligada, não é isso? Pois é, a democracia a gente também precisa ligar.”

PEREIRA, NEVES, NOBRE e VILELA apud O QUE é democracia?

Visão, São Paulo: n. 12, p. 18, 20 jun. 1977.

 

35 “O sentido básico da crise política (vigente), é justamente a tentativa da burguesia de recuperar esse poder perdido, ou parcialmente perdido. Ela volta, então, a pensar em uma democracia como uma arma contra a tecnoburocracia.”

 

 

BRESSER PEREIRA, L. C. A tecnocracia e a crise. Veja, São Paulo: n. 466, p. 4, 10 ago. 1977.

 

36 “Mas o estatismo é uma questão falsa. O que provocou a dissidência (no interior do grupo de poder) foi de um lado a crise econômica e de outro a reemergência da questão nacional, duas coisas que só podem ser separadas em termos analíticos. (…) Resolver a crise pela perspectiva da questão nacional, como indicava o ex-ministro Severo Gomes, em particular com a substituição do modelo exportador por um internalizado, corresponderia a uma mutação econômica, política e social da maior importância. Alteraria todo o sistema de alianças existentes no interior da sociedade.” O desafio para os dissidentes é “inventar um pacto político sem os riscos do atual e sem os riscos do anterior a 1964”.

VIANNA, L .W. Uma luta de interesses. Veja, São Paulo: n. 475, p. 4, 12 out. 1977. Entrevista.

 

37 No ano de 1977 surgiram diversos projetos de democracia para o Brasil. Vide, por exemplo: Alternativas para o Desenvolvimento Nacional elaborado por professores da USP (José Goldenberg, Dalmo Dallari, André Montoro Filho, Antônio Cândido, dentre outros.), Discurso aos democratas, de Roberto Saturnino, que foi publicado pela editora Artenova, em 1977, e o Projeto de Democracia para o Brasil de Edmar Bacha e Roberto Unger, citado anteriormente. Esses projetos destacavam a necessidade da democracia atingir as diversas áreas, ou seja, econômica, política, social e cultural.

 

38 D.Paulo Evaristo Arns declarava, num curso em Itaici, para os Bispos, que tinha esperanças de que o presidente Geisel, em pronunciamento que faria no dia 16 de setembro de 1977, valorizasse a luta de diversos setores da sociedade pela volta ao Estado de direito, pois havia “um consenso nacional que ia se estabelecendo, com aprovação do debate das idéias, de apoio às manifestações pelo retorno ao Estado de Direito”. ARNS apud AGORA são os governistas que falam em “dias melhores”. Visão, São Paulo: n. 5, p. 18, 05 set. 1977.

 

39 “Ainda não se esgotou o conteúdo da democracia, expressão organizada da liberdade e da responsabilidade de um povo. O que é preciso é saber qualificar a democracia, dar-lhe alma e sentido concreto e solidário, para que seja um instrumento de paz social,” argumentava o Cardeal Dom Avelar Vilela.

VILELA, A. B. A igreja e a reabertura. Veja, São Paulo: n. 478, p. 4, 02 nov. 1977. Dom Avelar Vilela – Cardeal.

 

 

40 Carta aos Brasileiros apud UMA CARTA de aniversário. Veja, São Paulo: n. 467, p. 16, 17 ago. 1977.

 

41 VIDIGAL FILHO apud UMA CARTA de aniversário. Veja, São Paulo: n. 467, p. 19, 17 ago. 1977.

 

42 FERREIRA FILHO apud UMA CARTA de aniversário. Veja, São Paulo: n. 467, p. 19, 17 ago. 1977.

43 LIBERAL apud UMA CARTA de aniversário. Veja, São Paulo: n. 467,

  1. 19, 17 ago. 1977. Carlos Almeida Liberal era presidente da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

 

44 Pulsava um desejo no interior da sociedade civil, no final da década de 1970, de entender, de participar do debate sobre o que significava democracia. A revista Isto é fez uma pesquisa entre as pessoas enfileiradas no ponto de ônibus num fim de tarde em São Paulo: no Parque D.Pedro II. A pergunta era: Você sabe o que é democracia? Dentre as muitas respostas de grande significado estavam: “Democracia vem do verbo demonstrar. É a demonstração da vontade popular”; “É viver junto, ter liberdade”; “É poder fazer perguntas”; “É quando o povo participa do governo”, “É a coisa perfeita onde tudo se faz direitinho”; “É o homem livre”; “É uma vida mais elevada, todos têm direito de reclamar”; “Democracia é não ser cativo”. DEMOCRACIA é o homem livre. O estado de direito, na opinião de quem está na fila do ônibus. Isto é, São Paulo: n. 35, p. 9, 24 ago. 1977.

 

45 PIZARRO apud UMA CARTA de aniversário. Veja, São Paulo: n. 467,

  1. 20, 17 ago. 1977. Francisco Pizarro era presidente do Sindicato dos trabalhadores da Construção Civil em Belo Horizonte.

 

46 RAMOS apud UMA CARTA de aniversário. Veja, São Paulo: n. 467, p. 20, 17 ago. 1977.

 

47 LULA DA SILVA apud UMA CARTA de aniversário. Veja, São Paulo: n. 467, p. 20, 17 ago. 1977

 

48 Em entrevista, naquele momento, o Gal.Monteiro justificava o endurecimento do regime, as prisões pelo DOI-CODI, a eficiência incontestável deste órgão e negava a existência de torturas durante os governos militares.

MONTEIRO, D. G. Geisel queria o diálogo. Veja, São Paulo: n. 549, p. 3/6, 14 mar. 1979. Entrevista.

 

 

49 SETUBAL apud ALGUNS industriais paulistas pedem a imediata abertura. Isto é, São Paulo: n. 37, p. 11, 07 set. 1977.

 

50 José Mindlin, considerado por seu grupo e pela mídia como um importante defensor de uma suposta democracia, tinha dificuldade com relação a essa questão e se declarava adepto do modelo americano. “Apesar dos defeitos, ela funciona há duzentos anos. Acredito que um regime com um executivo e um legislativo fortes e um judiciário independente tem os instrumentos para que a sociedade resolva seus conflitos”.

MINDLIN apud ALGUNS industriais paulistas pedem a imediata abertura. Isto é, São Paulo: n. 37, p. 11, 07 set. 1977.

 

51 BARDELLA apud Alguns industriais paulistas pedem a imediata abertura. Isto é, São Paulo: n. 37, p. 10, 07 set. 1977.

 

52 CAMPÍGLIA apud ALGUNS industriais paulistas pedem a imediata abertura. Isto é, São Paulo: n. 37, p. 11, 07 set. 1977. Américo Oswaldo Campíglia era presidente da Associação das Empresas de Créditos e Financiamentos de São Paulo (ACREFI).

 

53 O jornal Gazeta Mercantil fez uma pesquisa entre os empresários para que fossem eleitos 30 deles que poderiam falar em nome das empresas nacionais. Bardella, Severo Gomes e José Mindlin foram os mais votados. Laerte Setúbal Filho ficou em 8º lugar.

54 SETUBAL, BARDELLA, MINDLIN, op. cit, p. 12.

 

55 Destaque-se que havia um número significativo de presidentes de sindicatos dos trabalhadores que simplesmente se recusavam a falar sobre democratização, estado de direito, etc., para não desagradar o governo e não correr riscos. Por exemplo: Luís Generoso Filho, presidente do Sindicato dos empregados no Comércio de Recife, Eraldo Paim, presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia, Lázaro Dumont, presidente da Federação dos Trabalhadores na agricultura, dentre outros. Este segundo dizia: “De política, constituinte, redemocratização, essas coisas todas, não falo, que é para evitar confusão para mim”. Dumont afirmava que estado de direito e liberdades democráticas eram grego para os trabalhadores rurais. GENEROSO FILHO, PAIM, DUMONT apud A QUESTÃO operária. Veja, São Paulo: n. 471, p. 25, 14 set. 1977.

 

56 “Sou a favor de um governo aberto, da democracia. Mas com autoridade. Agora, o trabalhador brasileiro não está preparado para

 

 

ter nas mãos um instrumento como a greve, pois não saberia fazer uso dele”.

ROSCOE apud A QUESTÃO operária. Veja, São Paulo: n. 471, p. 23, 14 set. 1977. Presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Belo Horizonte.

 

57 Theobaldo de Nigris, presidente da FIESP, afirmava: “a redemocratização é um passo muito importante mas, num país como o nosso, receio que traga confusões”.

NIGRIS apud ALGUNS industriais paulistas pedem a imediata abertura. Isto é, São Paulo: n. 37, p. 12, 07 set. 1977.

 

58 “Há uma consciência secreta entre as elites de que não é possível falar da democracia sem a participação dos assalariados”

WEFFORT apud A QUESTÃO operária. Veja, São Paulo: n. 471, p. 23, 14 set. 1977.

 

59 ARP (Presidente do Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem do RJ), KROEFF (presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Mecânicas do RS), MACHADO GUIMARÃES (presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar), VIDIGAL FILHO apud A QUESTÃO operária. Veja, São Paulo: n. 471, p. 23/4, 14 set. 1977.

 

60 O Gal.Cordeiro de Farias, um dos fundadores da ESG, afirmava que era detectável um “consenso mais ou menos geral de que é preciso abrir o leque”.

FARIAS, O. C. de. Geisel vai democratizar. Veja, São Paulo: n. 476, p. 6, 19 out. 1977. Entrevista.

 

61 O Cel.Erasmo Dias e o governador Paulo Egydio coordenaram a operação alegando que a PUC/SP era um centro de comunistas. D.Evaristo Arns argumentava que a “igreja não (fazia) oposição ao governo” mas a alguns atos isolados como estes. “É preciso criar novas formas de democracia, proporcionando a cada homem a possibilidade de formar-se, de exprimir-se, mas comprometendo-o também na responsabilidade comum”.

ARNS apud PELA justiça e paz. Veja, São Paulo: n. 474, p. 25, 05 out. 1977.

 

62 Os detalhes sobre essas crises no interior do governo Geisel, estão em: STUMPF, A. G. e PEREIRA FILHO, M. A segunda guerra: a sucessão de Geisel. São Paulo: Brasiliense, 1979.

GOES, W. O Brasil do General Geisel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. BITTENCOURT, G. A quinta estrela. São Paulo: Ciências Humanas, 1978.

 

 

63 Esse manifesto está em: ABREU, H. O outro lado do poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. p. 144.

 

64 Para Michel Debrum, a ideologia da democracia relativa comportava três andares. “No andar térreo, o mais visível, ela reside na constatação trivial das imperfeições econômicas, sociais e culturais do Brasil, aliada à vontade de redimi-las e à idéia de que, haja visto o grau da imperfeição, árdua e comprida será a caminhada rumo ao absoluto. (…) (No) segundo andar, o da política, a equação entre democracia relativa e democracia imperfeita se dissolve: a relatividade não mais resulta de um cotejo deficitário com o absoluto, com um ideal universal, mas de um suave entrosamento com os traços e exigências de uma realidade social regular. (…) A democracia relativa pode então se tornar algo `perfeito dentro da limitação’. É que ela é cabocla, na expressão do Sr. Marco Maciel. A perplexidade, porém, ainda aumenta quando se chega ao terceiro andar, lá a democracia cabocla se torna o farol da democracia imperfeita (…). As soluções a serem dadas aos problemas econômicos, sociais e culturais, para terem um caráter autenticamente democrático, hão de ser formuladas dentro dos valores e instituições que definem a democracia cabocla”.

DEBRUM, M. Da relatividade da democracia relativa. Isto é, São Paulo: n. 56, p. 24, 18 jan. 1978.

 

65 VIDIGAL FILHO, L. E. B. O sim, o não e o talvez. Veja, São Paulo: n. 479, p. 131, 09 nov. 1977.

GOMES DE ALMEIDA, C. M. Nosso regime é aberto. Veja, São Paulo: n. 479, p. 131, 09.nov. 1977.

 

66 No final de 1977, a democracia ganhava inúmeras denominações, dentre elas: democracia plena, democracia possível, democracia relativa (Geisel), democracia percentual (Eurico Rezende), democracia viável (Petrônio Portella), democracia salvaguarda (José Bonifácio – deputado da Arena), democracia à espanhola, etc.

 

67 Em julho de 1977, o Instituto Gallup fez uma pesquisa em São Paulo e no Rio de Janeiro sobre como deveria ser o regime brasileiro. Onde 50% (São Paulo) e 42% (Rio de Janeiro) responderam que deveria ser mais democrático. Observe-se que a amostra continha indivíduos dos diversos níveis de instrução. Esta tabela foi publicada em: LAMOUNIER, B. Ao menos, a nação sabe o que não quer. Isto é, São Paulo: n. 49, p. 10, 30 nov. 1977.

 

 

68 FIGUEIREDO, M .F. O poder de coerção no sistema político brasileiro.

Veja, São Paulo: n. 483, p. 21, 07 dez. 1977.

 

69 GEISEL apud O COMEÇO do fim do Ato nº 05. Isto é, São Paulo: n. 50, p. 5, 07 dez. 1977.

 

70 PINTO apud O DESAFIO do senador e a cautela do empresário. Isto é, São Paulo: n. 52, p. 4, 21 dez. 1977.

 

71 Naquele momento havia uma discussão entre os componentes do grupo de poder, principalmente, os representantes do capital sobre qual seria o ideal de democracia para o país. As noções de democracia de base e/ou democracia de elite passam a figurar no debate político daqueles setores com grande freqüência. Henry Maksoud insistia na viabilidade da democracia de elite, na qual a livre empresa tivesse preponderância sobre o Estado. Era preciso, segundo ele, ficar claro que a empresa privada era um dos pré-requisitos da vida democrática e a garantia de seu funcionamento. Sob esse aspecto ratificava ele os objetivos democráticos de 64.

MAKSOUD, H. Posição correta da pirâmide democrática. Visão, São Paulo: n. 13, p. 11, 26 dez. 1977.

Id, Fronteiras ideológicas do mundo ocidental. Visão, São Paulo: n. 09, p. 11, 31 out. 1977.

 

72 Ganhavam fôlego, em 1978, as pressuposições em torno da necessidade de adequar a democracia à nossa realidade. O presidente Geisel defendia essa tese dizendo que “as aberturas políticas (…) (tinham) que ser feitas com as devidas cautelas”. O ex-ministro Delfim Netto dizia-se afinado com os ideais de uma liberdade e de uma democracia que fossem ajustadas à realidade brasileira, portanto, a anistia ampla era impossível, as greves não podiam contestar o regime militar, pois isto era subversão e as eleições indiretas eram tão eficazes quanto as diretas.

GEISEL, E. Discursos. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1978. p. 89.

DELFIM NETTO, A. É preciso fazer política. Veja, São Paulo: n. 489, p. 3-6, 18 jan. 1978.

 

73 COUTO E SILVA apud MAESTRO da distensão. Isto é, São Paulo: n. 61, p. 4-8, 22 fev. 1978.

PORTELLA apud EU formulo, tu falas, eles esperam. Isto é, São Paulo: n. 61, p. 8-11, 22 fev. 1978.

 

 

74 “Anistia é esquecimento. E não é possível esquecer os crimes dos que assaltaram bancos, assassinaram e seqüestraram. O alegado motivo político não justifica nada.”

FIGUEIREDO apud A anistia em julgamento. Veja, São Paulo: n. 495, p. 35, 1 mar. 1978.

 

75 CARDOSO, Irene, de A. R. Memória de 68: terror e interdição do passado. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, São Paulo, n. 2 (2), p. 103, 1990.

 

76 DEMOCRACIA, mas como? Debate. Isto é, São Paulo: n. 65, p. 40-48, 22 mar. 1978.

Deste debate participaram os seguintes empresários: Einar Kok (presidente da ABIMAQ), Laerte Setúbal (diretor da FIESP), Vidigal Filho (presidente do Sindipeças), Ayrton Girão (presidente da ABRASCA), Paulo Francini (presidente da Associação Brasileira de Refrigeração) e Claúdio Bardella (ex-presidente ABDID).

 

77 A DEMOCRACIA dos empresários. Folha de S.Paulo, São Paulo: 12 a 20 dez. 1978. Caderno de Economia.

Deste debate participaram Severo Gomes, José Mindlin, Dilson Funaro (presidente da Trol e Vice-presidente da FIESP), Laerte Setúbal, Renato Ticoulat Filho (presidente da Sociedade Rural Brasileira), Claúdio Bardella e Henry Maksoud (presidente da Hidroservice e do grupo visão).

 

78 KOK apud DEMOCRACIA, mas como? Isto é, São Paulo: n. 65, p. 40, 22 mar. 1978.

 

79 VIDIGAL FILHO apud DEMOCRACIA, mas como? Isto é, São Paulo: n. 65, p. 40, 22 mar. 1978.

 

80 Vidigal Filho insistia em que o processo de democratização tinha “de ser vagaroso, e gradual, um liberalismo total e repentino vira baderna”. VIDIGAL FILHO, op. cit, p. 42.

 

81 Ibid, p. 41. “Temos de procurar um modelo democrático, empresário tem de falar com operário. Quanto à expressão democracia relativa, ela realmente é relativa para cada um de nós, cada um tem conceito diferente de democracia. Eu acho que não podemos confundir democracia com sufrágio universal”.

Ibid, p. 42.

 

 

82 SETUBAL apud DEMOCRACIA, mas como? Isto é, São Paulo: n. 65, p. 45, 22 mar. 1978.

 

83 “Nós somos homens empenhados em realizar uma vocação que se chama democracia.”

GIRÃO apud DEMOCRACIA, mas como. Isto é, São Paulo: n. 65, p. 45, 22 mar. 1978.

 

84 O economista Carlos Lessa afirmava que as reformas políticas só seriam substantivas se houvesse a “entrada de novos grupos sociais dentro do processo”. A abertura política somente se concretizaria se as diversas organizações intermediárias da sociedade ganhassem autonomia.

LESSA, C. O II PND, a abertura e o futuro. Isto é, São Paulo: n. 66, p. 90/1, 29 mar. 1978.

 

85 FIGUEIREDO, J. B. (Gal.) A revolução não vai acabar. Folha de S.Paulo, São Paulo: 05 abr. 1978. Entrevista.

 

86 O Senador Paulo Brossard, líder do MDB, dizia que, para os militares, era pecado mortal falar sobre o fim do regime.

BROSSARD, P. A abertura é já ou nunca. Veja, São Paulo: n. 503, p. 4, 26 abr. 1978.

 

87 “Os partidos podem e devem discordar do governo, mas nunca se colocar contra a revolução”.

FIGUEIREDO, loc. cit.

 

88 O processo de escolha dos candidatos da Arena aos governos estaduais foi conduzido pelo presidente Geisel e pelo seu sucessor, o que criou uma série de dissentimentos no interior da Arena. A escolha de Laudo Natel, por exemplo, para o governo de São Paulo: levou componentes da Arena a questionarem os objetivos de redemocratização do governo Figueiredo.

EM BUSCA do voto real. Veja, São Paulo: n. 504, p. 20/6, 3 maio 1978.

 

89 Para o futuro presidente da República, o povo não estava preparado para votar e a opinião pública não existia, era a imprensa que a formava e a desmantelava a seu bel prazer.

FIGUEIREDO, loc. cit.

 

90 “Se o governo perder as eleições de novembro, marcharemos para o imprevisível”.

 

 

FIGUEIREDO apud VAI nascendo o perfil do novo governo. Isto é, São Paulo: n. 68, p. 6, 12 abr. 1978.

“Temos que fazer que o povo nos compreenda e nos apóie, reconheça o nosso trabalho e verifique que a nossa liderança é, sem dúvida, a melhor. (…) E o instrumento que a revolução tem é o partido político.” GEISEL, E. Discursos. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1979. p. 387 passim.

 

91 “Um escoadouro natural da democracia etimológica é a demolatria, isto é, falar muito sobre o povo sem nunca considerá-lo realmente.” SARTORI, G. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática, 1994. p. 45.

 

92 FIGUEIREDO apud VAI nascendo o perfil do novo governo. Isto é, São Paulo: n. 68, p. 5, 12 abr. 1978.

 

93 Uma fração dos representantes do grande capital nacional, da qual Severo Gomes e Dilson Funaro podem ser citados como exemplo, defendiam a abertura de espaços para novas alianças políticas para que não ocorresse o estrangulamento da vida política e econômica do país. Gomes dizia: “ a alternativa política dos empresários brasileiros é buscar um pacto político com as camadas populares que viabilize um projeto econômico capaz de dividir o produto do trabalho dentro do país”. Para Funaro “o momento nacional exig(ia) coragem de olhar a sociedade brasileira em seu conjunto, de reconhecer a legitimidade das forças sociais geradas pelo nosso desenvolvimento econômico nos últimos anos”.

GOMES apud COMO superar o impasse. Isto é, São Paulo: n. 73, p. 82, 17 maio 1978.

FUNARO apud COMO superar o impasse. Isto é, São Paulo: n. 73, p. 82, 17 maio 1978. Funaro era presidente da indústria Trol S. A.

 

94 MANIFESTAÇÕES e pronunciamentos da presidência. Relatório das diretorias – 1978. São Paulo: FIESP-CIESP, 1979. p. 34. O conteúdo deste telegrama foi decidido em reunião executiva de suas diretorias.

O presidente da Fiesp reiterava de maneira contínua que o movimento de 64 tinha sido um marco fundamental na história do país no sentido de combinar a segurança nacional e o desenvolvimento econômico, social e político. “E a chamada abertura gradual (…) é o ajustamento, no jogo das instituições e dos interesses superiores da nação, de sua segurança e de seu desenvolvimento, às liberdades públicas, de opinião, e de participação política”.

DE NIGRIS, T. Manifestações e pronunciamentos da presidência.

Relatório das diretorias. São Paulo: FIESP-CIESP, 1979. p. 108.

 

 

95 Dentre eles, estavam: Jorge D. Figueiredo (Vice-presidente da FIESP), Domício Velloso (presidente da CNI), Fábio Araújo Motta (FIEMG), Paulo Vellinho (Vice-presidente da CNI).

 

96 Manifesto dos empresários. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10 maio 1978.

 

97 Em dezembro de 1978, a FIESP elaborou um documento orientando os seus associados para não negociarem com os grevistas, ou seja, eles deviam partir para a retaliação. Vide artigo do Prof. Paulo Sérgio Pinheiro em: PINHEIRO, P. S. Empresários contra grevistas. Isto é, São Paulo: n. 105, p. 28/9, 27 dez. 1982.

 

98 SÓ a democracia absorve tensões sociais. Manifesto de oito empresários de São Paulo. Folha S. Paulo, São Paulo: 27 jun. 1978. Caderno de Economia, p. 20.

 

99 DOCUMENTO dos oito. Veja, São Paulo: n. 513, p. 80, 05 jul. 1978. Assinaram este manifesto os seguintes empresários: A. Ermírio de Moraes, C. Bardella, J. G. Johannpeter, J. Mindlin, L. Setúbal Filho, P. Vellinho, P. Villares e Severo Gomes.

 

100 MACPHERSON, C. B. A democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. PATEMAN, C. Participaião e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

ARBLASTER, A. A democracia. Lisboa: Estampa, 1988.

BOBBIO, N. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1988.

 

101 O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo afirmava sobre o “Documento dos oito”: “Aparentemente é muito difícil discordar de um documento que fala em democracia, barateamento dos gêneros agrícolas pelo aumento da produtividade, transporte e saúde para os trabalhadores, e assim por diante”.

LULA DA SILVA apud O DOCUMENTO dos oito. Veja, São Paulo: n. 513, p. 80, 05 jul. 1978.

 

102 O Manifesto dizia: “A efetivação de uma política industrial nos moldes que estamos preconizando supõe uma participação ativa do empresariado em sua elaboração. Os órgãos encarregados de sua formulação deverão abrigar representação dos industriais”.

O DOCUMENTO dos oito. Veja, São Paulo: n. 513, p. 81, 05 jun. 1978.

 

 

103 CHAUÍ, M. Cultura e democracia. São Paulo: Cortez, 1989. p. 220.

104 Ibid, p. 220-1.

105 “É necessário que o Estado enfrente as carências (sociais) gritantes.” O DOCUMENTO dos oito, op. cit, p. 80.

 

106 BENTES, E. M. A frente, uma união em torno de idéias. Visão, São Paulo: n. 12, p. 24, 12 jun. 1978.

 

107 A denominada Frente Democrática contava com dissidentes da Arena dos quais o mais expressivo era Magalhães Pinto, que muito rapidamente voltou aos braços do governo, atestando que todas as suas decisões estavam pautadas no seu compromisso com a democracia. PINTO apud MAGALHãES na pista. Veja, São Paulo: n. 515, p. 20/2, 19 jul. 1978. Destaque-se que é impossível, no âmbito deste trabalho, reconstruir a história da aliança entre o MDB e os militares dissidentes. Sobre a sucessão Geisel/Figueiredo ver: STUMPF, A. G. e PEREIRA FILHO, M. A segunda guerra: sucessão de Geisel. São Paulo: Brasiliense, 1979.

 

108 “Estas reformas são o máximo que se pode conseguir agora. E a maior resistência não vem dos militares, vem exatamente dos empresários.” SARNEY apud TEMPORADA de reformas. Veja, São Paulo: n. 517, p. 21, 02 ago. 1978.

 

109 “Neste quadro, o importante porém é que todos, governos (federais, estaduais e municipais), empresários, trabalhadores e povo, nos unamos. (…) Que não tenhamos ações divergentes.”

GEISEL, E. Discursos. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1979. p. 553.

 

110 Alguns tecnoburocratas buscavam ganhar novamente a confiança dos setores empresariais. Delfim Netto passava a defender a democracia e atestar que suas ações sempre tinham ido nesse sentido. Havia também uma tentativa de redimir os governos militares. Delfim Netto afirmava que ele era um dos “execráveis tecnocratas que afastaram o governo do povo”.

DELFIM NETTO apud Delfim em debate. Isto é, São Paulo: n. 96, p. 100, 25 out. 1978.

Id, Sempre quis uma sociedade aberta. Isto é, São Paulo: n. 97, p. 91/ 3, 31 out. 1978.

Id, VELLOSO, SIMONSEN, CAMPOS apud CONVERSÕES. Isto é,

São Paulo: n. 97, p. 88-90, 31 out. 1978.

 

 

111 “Democrata que sou, estou engajado em nossa nova missão: cultivar a planta tenra da democracia, não a democracia teórica, apenas escrita, mas uma democracia real, autêntica, onde tenhamos liberdade com ordem e responsabilidade (…).”

AMARAL DE SOUZA apud O TESTE das eleições. Veja, São Paulo:

  1. 516, p. 24, 26 jul. 1978. José Augusto Amaral de Souza era candidato da Arena, por eleições indiretas, ao governo do RS.

112 Sobre a sociedade civil ver, principalmente, os seguintes textos:

COVRE, M. L. M. A fala dos homens. Análise do pensamento tecnocrático. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 311 et seq.

GRAMSCI, A. Selections from prison notebooks. New York: International Publishers, 1971.

Id, Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

Id, Os intelectuais e a organizaião da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985.

ANDERSON, P. As antinomias de Antônio Gramsci. Crítica marxista, São Paulo: Joruês, 1986. p. 07-70.

CARNOY, M. Estado e teoria política. Campinas (SP), Papirus, 1986. p. 89-117.

 

113 A sociedade civil é composta por diversos organismos, ou seja, dela fazem parte todos os grupos e setores sociais organizados em associações, entidades de classes, sindicatos e/ou outras formas de reivindicação e pressão. No Brasil, no final da década de 1970, já ficava evidente que ela não era constituída apenas pelos representantes do capital. Os setores populares (incluindo aqui os trabalhadores) organizados se constituíam numa importante peça da complexa sociedade civil. “Na linguagem política brasileira, qualquer fragmento organizado que escapasse ao controle imediato da ordem autoritária passava a ser designado por sociedade civil”.

CARDOSO apud STEPAN, op. cit, p. 11

 

114 Os depoimentos de membros da tecnoburocracia atestavam que a democracia e a distribuição de renda seriam decretadas a qualquer momento.

VELLOSO, VIANA, COUTO apud O FUTURO chegou: as propostas estão aí. Isto é, São Paulo: n. 99, p. 88/9, 15 nov. 1978. Reis Velloso era ministro do Planejamento, Costa Couto era secretário geral da SEPLAN e Paulo Vianna era presidente da Comissão de Financiamento da Produção.

 

 

115 TOURAINE, A. A democracia difícil. Isto é, São Paulo: n. 82, p. 42, 19 jul. 1978. Entrevista.

“Quanto à democracia de base, não vejo nem sinal de progresso”, na América Latina, dizia Touraine.

 

116 MENDES apud AS INCERTEZAS dos menores. Isto é, São Paulo: n. 77, p. 73, 14 jun. 1978.

 

117 Estas posições foram publicadas na grande imprensa naquele momento. Ver:

AS INCERTEZAS dos menores. Isto é, São Paulo: n. 77, p. 72-74, 14 jun. 1978.

EMPRESÁRIOS e a abertura. Isto é, São Paulo: n. 105, p. 24-28, 27 dez. 1978.

 

118 Este bilhete foi publicado em: EMPRESÁRIOS e a abertura. Isto é, São Paulo: n. 105, p. 24, 27 dez. 1978.

O pequeno empresário Eduardo di Pietro (presidente da ABRAPEMI

– Presidente da Associação Brasileira das Pequenas e Médias Empresas) afirmava que a abertura desejada era aquela em que o governo abrisse o crédito.

PIETRO apud EMPRESÁRIO e a abertura. Isto é, São Paulo: n. 105, p. 24, 27 dez. 1978.

“Pode-se ter um regime político fechado e economicamente aberto. Democracia? Democracia empresarial.”

MAGALHÃES apud EMPRESÁRIOS e a abertura. Isto é, São Paulo: n. 105, p. 25, 27 dez. 1978.

 

119 “Ninguém pode ser contra a abertura. É uma questão de foro íntimo. Mas ela pode ser prejudicada por um excesso de liberdade ou igualdade”. RAMALHO apud EMPRESÁRIOS e a abertura. Isto é, São Paulo: n. 105, p. 26, 27 dez. 1978. Francisco Ramalho era presidente da Associação Brasileira de Produtos de Limpeza – ABIPLA.

 

120 Em agosto de 1978, vários dirigentes de sindicatos dos trabalhadores se reuniram em Santos-SP e no Rio de Janeiro: para elaborar um documento reivindicando democracia na prática. Direito de greve, autonomia sindical, revogação da Lei Falcão, fim dos senadores biônicos, eleição direta, justa distribuição de renda, etc., eram algumas de suas demandas.

121 Sobre isto, ver: STEPAN, op. cit, p. 41 et.seq.

 

 

122 Em 31 de dezembro de 1978 foi extinto o AI-5. O ex-deputado Márcio Moreira Alves, tido como o pivô da crise que culminou no AI-5, afirmava em 1978 que tinha sido um pretexto total. Dizia ele que o AI-5 tinha caducado. “Até mesmo empresários extremamente conservadores, como Vidigal, estão a favor da abertura. Por quê? Porque é preciso um reajustamento na política econômica também”. MOREIRA ALVES, M. Fui bucha de canhão, um pretexto total. Isto é, São Paulo: n. 103, p. 10/2, 13 dez. 1978.

 

123 No final de 1978, as manifestações pela anistia cresciam e inúmeros casos de mortes e desaparecimentos tornaram-se públicos, o que contribuía enormemente para o debate político.

 

124 As lideranças sindicais dos trabalhadores levaram um documento que foi lido no Congresso pelo Senador Petrônio Portella, da Arena, que sugeriu a sua não-aceitação pelo poder Legislativo. Lula da Silva dizia que o ministro do trabalho havia criado um verdadeiro clima de guerra com as suas idas a Brasilia. Sobre isto, ver entrevista de:

BITTAR, GOMES SAMPAIO, LULA DA SILVA, GONÇALVES, PEANHO, SICOTI, MORAES, PINHEIRO, SANTOS SOUZA apud

PREPARAR as bases: esta é a única saída. Isto é, São Paulo: n. 91, p. 9/ 12, 20 set. 1978.

Os dois primeiros eram líderes de sindicatos dos trabalhadores no setor de petróleo, os quatro seguintes no setor de metalurgia, Moraes, dos jornalistas-SP, Pinheiro do Sindiquímica-RJ e Santos Souza do setor de panificação-SP.

 

125 O movimento do custo de vida ganhou notoriedade após ter enviado ao governo um documento com 1 milhão de assinaturas contra a carestia.

 

126 O 3º Congresso dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no final de 1978, aprovava a formação de uma Central Única dos Trabalhadores. O governo reagia violentamente, através do ministro do trabalho, Arnaldo Pietro, atestando que ela não seria criada porque era contra a lei. Vide entrevista:

PIETRO, A. O decretão é contra ou a favor de quê. Veja, São Paulo: n. 528, p. 132/3, 18 out. 1978.

 

127 Na luta dos trabalhadores para implantação das comissões de fábricas ficava evidente o embate entre eles e os setores empresariais neste sentido. Vide depoimentos das duas lideranças em:

O DIÁLOGO interrompido. Veja, São Paulo: n. 530, p. 87/8, 1 nov. 1978.

 

 

128 Presidente da Sociedade Rural Brasileira.

 

129 OLIVEIRA, F. de. Em cima do muro. Folha de S. Paulo, São Paulo: 13 dez. 1978. Caderno Economia, p. 19.

 

130 WERNEK VIANA, L. A negociação da abertura. Folha de S. Paulo, São Paulo: 14 dez. 1978. Caderno Economia, p. 27.

 

131 MINDLIN, J. Estamos prontos para correr os riscos. Folha de S.Paulo, São Paulo: 13 dez. 1978. p. 20.

 

132 MANNHEIM, K. Liberdade, poder e planificaião democrática. São Paulo: Mestre Jou, 1972. p. 263.

 

133 Setúbal, Funaro e Bardella afirmavam que as multinacionais não estavam interessadas na democratização. O regime fechado era mais interessante a elas. No entanto, Bardella dizia que elas iriam se adaptar ao regime democrático.

SETUBAL, loc. cit. FUNARO, loc. cit.

BARDELLA, C. Devemos exercitar a democracia. Folha de S.Paulo, São Paulo: 17 dez. 1978. Caderno Economia, p. 49.

 

134 TICOULAT FILHO, R. É preciso reconciliar Estado e Nação. Folha de S.Paulo, São Paulo: 16 dez. 1978. Caderno de Economia, p. 19.

 

135 O relatório das diretorias da FIESP e do CIESP, de 1979, fornece elementos significativos das análises, das posturas e das expectativas dos empresários paulistas com relação aos denominados problemas nacionais .

FIESP/CIESP. Relatório das diretorias: exercício de 1979. São Paulo: Fiesp- Ciesp, 1980. 421 p.

 

136 As posições de membros do governo e de representantes do grande capital nacional iam neste sentido. Ver: RISCHBIETER, DELFIM NETTO, apud ABERTURA, a chave do governo para derrotar a inflação. Veja, São Paulo, n. 552, p. 84-85, 04 abr. 1979. O primeiro era ministro da Fazenda e o segundo, da Agricultura.

DINIZ, MINDLIN e BORNHAUSEN apud ABERTURA, a chave do

governo para derrotar a inflação. Veja, São Paulo, n. 552, p. 86-87, 04 abr. 1979. O 1º era presidente do Grupo Pão de açúcar, o 2º, da Metal Leve e o 3º, da Febraban.

 

 

137 A partir de 1979, os representantes do capital estrangeiro passavam a explicitar suas preocupações com o processo econômico. Ver entrevista com o presidente da Volkswagem do Brasil:

SAUER, W. Há ameaça latente de recessão. Exame, São Paulo: n. 171, p. 14/5, 14 mar. 1979.

 

138 MACHLINE (presidente do grupo Sharp), PAES MENDONÇA (presidente da ABRAS), SETÚBAL (presidente da Associação de Exportadores Brasileiros) apud OS EMPRESÁRIOS avaliam as propostas do governo. Exame, São Paulo: n. 171, p. 15/7, 14 mar. 1979. Entrevistas.

 

139 Naquele momento, todos os componentes do grupo de poder insistiam na mesma questão: a necessária ampliação do diálogo entre eles, numa primeira e mais importante instância. Os bons resultados da política do governo estariam vinculados a ela. Vide: SIMONSEN apud O ENCONTRO nacional dos empresários com o governo. Exame, São Paulo: n. 173, p. 24-31, 11 abr. 1979. Ministro do Planejamento no Governo Figueiredo.

 

140 Essa expressão era comumente utilizada por políticos da Arena e pelos militares no poder.

 

141 Severo Gomes tinha clareza de que a mudança no processo decisório estava ligada a uma grande transformação política dentro do país, a qual implicava, para ele, em modificações do próprio modelo econômico a favor do capital nacional.

GOMES, S. Em direção às pedras. Isto é, São Paulo: n. 113, p. 116-118, 21 fev. 1979.

 

142 SADER, E. A democracia começa dentro das fábricas. Isto é, São Paulo: n. 123, p. 80-81, 02 maio 1979.

 

143 Sobre as posições favoráveis de alguns empresários à democratização, dizia Kok: “A rigor, não houve uma manifestação de órgãos representativos do empresariado, mas de alguns empresários, isoladamente, que haviam sentido a necessidade de situar o progresso econômico do Brasil dentro do contexto de poder político.” KOK, op. cit, p. 64.

 

144 Era detectável, mesmo entre aqueles empresários que vinham defendendo uma democratização que incluísse todos os setores sociais, uma postura em que prevalecia a necessidade de que os trabalhadores recuassem nas suas reivindicações e os patrões nas suas

 

 

intransigências. José Mindlin, por exemplo, aconselhava muito juízo por parte do governo, do empresariado e dos trabalhadores.

MINDLIN apud OS LIMITES do programa do governo Figueiredo.

Exame, São Paulo: n. 168, p. 16, 31 jan. 1979.

 

145 “A nossa impressão é que, quando eles (os empresários) falavam em democracia, falavam apenas da boca para fora. Se pudessem, todos eles jogariam os trabalhadores para fora do mundo, mandariam prendê-los, fazer qualquer coisa com eles. Ninguém queria dar aumento, ninguém queria negociar”. Lula da Silva sobre os denominados empresários democratas nas greves de 1978.

LULA DA SILVA, L. I. O avanço sindical. Isto é, São Paulo: n. 113, p. 72, 21 fev. 1979.

 

146 WEFFORT, F. Chega de autoritarismo. Isto é, São Paulo: n. 113, p. 121, 21 fev. 1979.

 

147 Nas mensagens do Presidente Geisel ao Congresso, em 1979, detectava-se uma ausência total de elementos que se referissem à área política. Elas se referiam à política-econômico-financeira, área social, política externa, justiça e Forças Armadas.

GEISEL, E. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1980.

 

148 RISCHBIETER, C. O debate é essencial. Veja, São Paulo: n. 548, p. 78/ 9, 07 mar. 1979. Entrevista.

 

149 Segundo dados do Ministério do Trabalho, houve 107 greves nos primeiros 53 dias do governo Figueiredo.Há uma extensa bibliografia sobre as greves neste período. Ver, principalmente:

SADER e SANDRONI, op. cit, p. 13/43.

ANTUNES, op. cit, p. 39/97.

SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. p. 225.

 

150 Said Farhat, ministro da Comunicação no governo Figueiredo, afirmava que após os 56 meses deste governo o país estaria o mais próximo possível da democracia. Completava, portanto, que “o conceito de democracia varia(va) de segmento para segmento do espectro político. Eu não conheço nem um regime que não se diga democrático. (…) Consideramos democracia a representação política, a legitimidade dessa representação, o funcionamento dos poderes do

 

 

Estado dentro das regras estabelecidas e estáveis, regras estas que variam de país para país”.

FARHAT, S. Entrevista. Visão, São Paulo: n. 3, p. 20, 06 ago. 1979.

 

151 O líder sindical, Lula da Silva, afirmava em discurso para 130 mil pessoas no Estádio de Vila Euclides, em comemoração ao Dia do Trabalho que “somente a união em prol das suas causas (iria) fazer com que a classe num todo (conseguisse) sua emancipação política e sua liberdade de ação”.

LULA DA SILVA apud DO PACAEMBU à Vila Euclides. Isto é, São Paulo: n. 124, 09 maio 1979.

 

152 FIGUEIREDO apud EXCESSO de democracia? Isto é, São Paulo: n. 124, p. 99, 09 Maio 1979.

No final de 1978 o Gal Figueiredo afirmava: “Hei de democratizar este país. É para abrir mesmo. E quem não quiser que abra, eu prendo e arrebento”.

Id apud E AGORA?, só democracia. São Paulo: Visão, n. 9, p. 16, 30 out. 1978.

Outros de seus pronunciamentos podem ser encontrados em:

Id apud PRIMEIRO confronto. Veja, São Paulo: n. 523, 27-29, 13 set. 1978.

Id apud A VERDADE de cada um. Veja, São Paulo: n. 524, p. 32-6, 20 set. 1978.

Id apud AS PROMESSAS. Veja, São Paulo: n. 529, p. 138-140, 25 out. 1978.

 

153 O ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos, afirmava que as greves prejudicavam a sociedade como um todo e não a abertura. MATTOS, D. J. de. Céu de brigadeiro. Veja, São Paulo: n. 559, p. 4, 23 maio 1979.

 

154 No último bimestre de 1979, o governo convocou lideranças (tais como: Lula da Silva – metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Olívio Dutra – bancários de Porto Alegre e Arnaldo Gonçalves – metalúrgicos de Santos e Cubatão) dos trabalhadores das regiões mais industrializadas para propor um pacto de combate à inflação. Delfim Netto propunha reajustes salariais compatíveis com os preços acrescidos de aumentos de aproximadamente 5%, em troca de uma trégua nas greves por dois anos. Vide:

DUTRA, GONÇALVES, LULA DA SILVA, PAZZIANOTTO, DELFIM

NETTO apud OS SINDICATOS aceitam um pacto com o governo?

Exame, São Paulo: n. 190, p. 19-23, 05 dez. 1979.

 

 

155 Luís E.B.Vidigal Filho dizia que era favorável às eleições municipais de 1980, pois elas “ajudariam a descarregar as tensões. (…) As eleições diretas vão aperfeiçoar a democracia brasileira”.

VIDIGAL FILHO, L. E. O lucro não é pecado. Veja, São Paulo: n. 577, 26 set. 1979.

 

156 Walter Barelli, diretor do Dieese, afirmava que o projeto de política salarial do governo, por exemplo, queria “colocar as forças sociais numa forma”.

BARELLI, W. Um avanço. Será? Isto é, São Paulo: n. 127, p. 81, 17 out. 1979.

157 OLIVEIRA, F. de. O elo perdido. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 126.

 

158 O Senador do MDB, Paulo Brossard, afirmava que os atuais partidos só iriam acabar porque o governo temia as eleições, quando não podia mais recorrer ao AI-5. “Estamos sendo assassinados”, dizia ele, referindo-se à extinção dos partidos vigentes.

BROSSARD, P. O último grito do MDB. Veja, São Paulo: n. 581, p. 3-6, 24 out. 1979.

 

159 COUTO E SILVA, G. Conjuntura política nacional – o Poder executivo e Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1981. p. 32.

 

160 A reforma partidária estabelecia que: a)- Estariam extintos os partidos que não se enquadrassem na nova lei. b)- Os partidos teriam que se chamar partidos. c)- Os militantes não poderiam ter como base credos religiosos ou sentimento de raça e principalmente classe. d)- Os partidos que possuíssem 10% na Câmara e no Senado poderiam funcionar imediatamente.

 

161 “Ser comunista, pode ser. O que não pode é organizar um partido comunista, porque isso a constituição proíbe”.

FIGUEIREDO, J .B. Entrevista. Veja, São Paulo: n. 569, p. 20, 01 ago. 1979.

 

162 Por ocasião da formação do Partido dos Trabalhadores (PT), seus organizadores faziam uma ampla discussão sobre qual democracia se estaria buscando. Predominava a idéia acerca da democracia socialista. Jacó Bittar, presidente do Sindicato de Paulínia, dizia: “O PT deve ter uma proposta socialista, ou seja, lutar por uma sociedade em que haja iguais oportunidades para todos. Creio que se o PT

 

 

assumir o poder, não conseguirá conviver com as regras da democracia liberal.”

BITTAR apud UM PARTIDO que não faz falta. Visão, São Paulo: n. 8, p. 21, 01 out. 1979.

Weffort, também um dos organizadores do PT, afirmava: “Acredito que hoje o conceito de democracia está impregnado de uma conotação social, ou seja, não se limita ao formalismo jurídico do século XVII, mas pretende que o regime democrático deva absorver as novas demandas sociais emergentes na sociedade”.

WEFFORT apud UM PARTIDO que não faz falta. Visão, São Paulo: n.

8, p. 22, 01 out. 1979.

 

 

 

½APÍTffLO V

 

A ERA DA ABERTURA POLÍTICA:

O EMPENHO DO REGIME PARA A FORMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA COLETIVA QUE ELIMINASSE TODA                                                            POSTURA CONTESTATÓRIA DA SOCIEDADE

 

 

 

Prevalecia na era da abertura política (1980-1984) a insistência na necessidade de formação de uma suposta consciência democrática que eliminasse toda postura contestatória da sociedade. Naquele momento, continuava tendo um papel fundamentalmente importante a atuação dos condutores do regime sobre a mentalidade de todos os indivíduos e grupos sociais. Isto demonstrava que a ditadura não desistiu, em período algum, de buscar aceitabilidade para as suas medidas e ações. Ou seja, mesmo nos seus últimos anos, assistia-se a seu empenho no desenvolvimento de uma adesão às metas, objetivos e desígnios do regime instaurado em março de 1964.

Os componentes do governo continuavam insistindo, na era da abertura em que a democracia que eles concebiam era aquela que objetivava resolver os conflitos existentes nas diversas esferas da vida social. O ministro da Justiça, Abi-Ackel, argumentava que “a manifestação legítima de uma insatisfação popular não atenta(va), absolutamente, contra o processo de abertura. O governo as assimilar(ia) na medida em que elas se manifesta(ssem)1 democraticamente, isto é, dentro da lei, através de formulações adequadas.”2

O governo alertava, nessas condições, que não submeteria a abertura democrática à solução dos inúmeros problemas sociais, no entanto, a sua suposta democracia deveria funcionar como

 

 

uma espécie de instrumento para a solução dos conflitos existentes. Desta forma, não se aceitariam avanços para além dos limites estipulados.

A partir da reforma partidária de 19793 os militares no poder argumentavam que o PDS era um dos instrumentos básicos no processo de abertura e na construção da suposta democracia4 proposta5 pelo governo. José Sarney, líder deste partido, esclarecia, nos moldes feitos durante toda a ditadura, que para o PDS a democracia não seria apenas formal pois tinha como preocupação central as liberdades sociais. “Defenderemos a liberdade contra a fome, contra a doença, contra os desníveis de oportunidade de emprego, o direito à alimentação, a uma vida digna.6 Enfim, lutaremos pela verdadeira justiça social”.7

O PDS reiterava o suposto ideário de democracia em que o regime vinha insistindo desde o início. Segundo este partido, a sua suposta democracia significava uma sociedade aberta e pluralista que se baseava no diálogo, “na qual todos te(riam) o direito de participar das decisões que afeta(vam) a vida nacional e de questionar e fiscalizar os atos da administração pública”.8 O manifesto ratificava, ainda, que o princípio básico da democracia9 era a tolerância e a comunhão de todas as classes. Mantinham- se, assim, os pressupostos que se tornaram centrais no empenho do regime para conseguir adesão aos seus desígnios e às suas ações.

Buscando identificação entre os militares e o povo, os condutores da abertura argumentavam que a liberalização democrática pretendida por eles e pelos demais setores da sociedade estava sendo lentamente realizada e citavam como exemplo a emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas10 para governadores estaduais em 1982 e a extinção do senador biônico.

O gal. Golbery do Couto e Silva11 defendia uma espécie de democracia forte que fosse capaz de evitar as explosões sociais e políticas. Ele considerava necessário dar forma ao projeto de abertura dentro da perspectiva de que o Estado deveria ser forte e com autoridade suficiente para impor um dado projeto político democrático, o qual teria que sedimentar dois objetivos básicos: encontrar meios eficientes de controle da abertura democrática e buscar o estabelecimento, ao mesmo tempo, de um governo de união nacional, como fórmula de solução das dissensões e conflitos nas diversas esferas.

 

 

O grupo de poder continuava insistindo em que a realização da suposta democracia do regime requeria que fossem selecionados os conflitos que poderiam ser aceitáveis. As greves, por exemplo, estavam fora de qualquer possibilidade uma vez que, segundo ele, extrapolavam os limites da abertura e da suposta democracia pretendida pelo regime.

As greves do ABC no início do ano de 1980,12 por exemplo, eram tomadas como confronto e, portanto, fora dos parâmetros da hipotética democracia proposta pela ditadura. “A greve de 1980 foi pontilhada de acontecimentos que indicavam que o governo não estava disposto a conceder um milímetro de terreno aos grevistas, nem que fosse o espaço de negociação entre empresários e trabalhadores. A imprensa cansou de noticiar que a `dureza’ dos empresários ao se negarem a sequer discutir com os líderes sindicais era orientada, diretamente, pelo ministro Golbery do Couto e Silva (…).”13

O governo, através do ministro do Trabalho, Murillo Macedo, insistia em que a greve era por motivos políticos e não econômicos.14 “O que se pretend(ia), de fato, (era) deslegitimar a greve (…). Deslegitimar o movimento para, no mesmo instante, acrescentar que, se a justiça defini(sse) a greve como ilegal, não restaria ao ministério outra alternativa senão decretar a intervenção nos sindicatos empenhados nos movimentos. (…) É que em nome da abertura democrática, diz que tem de fazer cumprir a lei. (…) Se a preocupação é com a democracia, talvez fosse melhor começar o governo por admitir que, neste caso, a jogada política está muito mais do seu lado do que dos sindicalistas.”15

Os integrantes do grupo de poder buscavam legitimidade para a sua forma de condução do processo social e político afirmando que os problemas sociais seriam resolvidos exclusivamente pelo governo16 e, de forma alguma, pela atuação e/ou atenuação das reivindicações dos diversos setores sociais, trabalhadores, por exemplo. Obviamente que a suposta fórmula de democracia a que eles continuavam se referindo persistia, então, abominando a construção de espaços políticos por onde fluísse toda e qualquer demanda social.

A mobilização de segmentos da sociedade civil em favor dos metalúrgicos do ABC (arrecadações de fundo, passeata, etc.) levava o governo a investir esforços cada vez maiores para

 

 

quebrar a espinha dorsal dos movimentos reivindicatórios. Golbery do Couto e Silva argumentava que não se podia fazer qualquer concessão pois isto os alimentaria.17

Tanto o governo quanto os representantes do grande capital nacional concordavam, após as greves no primeiro semestre de 1980, por exemplo, em que era necessário conduzir a abertura política num ritmo ainda mais lento, uma vez que os movimentos reivindicatórios estariam causando estragos no processo em curso.18 No entanto, também no período da abertura, os componentes do grupo de poder tentavam ganhar aceitabilidade da população para as medidas postas em prática naquele momento.

Divulgava-se, então, de diversas maneiras, que alguns grupos (os grevistas, por exemplo) estavam atrapalhando o projeto do governo. A idéia de subversão entrava, assim, em cena com toda força. Propagava-se que alguns grupos descompromissados com a ordem, a disciplina e outros valores caros à família e à sociedade como um todo, estavam tentando minar os projetos do governo Figueiredo e do próprio regime.

Os generais Octávio de Medeiros (Chefe do SNI) e Golbery do Couto e Silva (Chefe do Gabinete Civil) e o ministro da Fazenda, Delfim Netto,19 insistiam em que as greves do ABC eram movimentos subversivos que impediam a democratização pretendida pelo regime militar. Justificavam, assim, a repressão policial, as prisões,20 etc. como forma de proteger a proposta de abertura política21 do presidente Figueiredo.

A suposta fórmula de democracia que a maioria dos representantes do grande capital nacional continuavam defendendo, nos últimos anos da ditadura militar, mantinha a apropriação e a solução dos problemas que diziam respeito a toda sociedade no âmbito privado. Não há dúvida de que isto expressava o empenho de todos os atores do grupo de poder para injetar vida na busca de aceitabilidade e adesão para os propósitos e realizações do regime na era da abertura.

A criminalização, pelo regime, das greves e/ou toda e qualquer manifestação era feita em nome daquilo que ele tinha realizado, estava realizando e, ainda, pretendia realizar. A ditadura continuava, então, na era da abertura política,

 

 

justificando todos os seus atos e medidas em nome de seu sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia. Isto demonstrava que em nenhum momento esta pretensa idéia de democracia deixou de ser empregada como a razão central da emergência e duração daquele regime.

 

A aceitabilidade da proposta de abertura do regime vinculada à contínua internalização de seus valores

 

Golbery do Couto e Silva persistia argumentando, nos últimos anos do regime militar, que havia uma urgente necessidade de reeducação para a consciência democrática, o que significava a extirpação de toda e qualquer postura contestatória que vinha florescendo no interior da sociedade. “Na frente sindical, liquidar- se um vigoroso movimento grevista que, preferindo a opção revolucionária da confrontação à opção democrática da negociação, extravasa para a contestação de caráter político, desmoralizando- lhes as principais lideranças e, também, os chefes de entidades. (…) Na frente estudantil, desconhecer entidades não representativas (…) e quaisquer pressões contestatórias em relação às medidas anunciadas. (…) Na frente parlamentar, coibir manifestações agressivas e impróprias”.22

A partir da liquidação de toda forma de contestação iniciaria, segundo Couto e Silva, a institucionalização de um sistema democrático mais aperfeiçoado. A construção de um sistema de idéias e valores sobre uma hipotética democracia que não reconhecia qualquer forma de contestação continuava sendo, nos seus últimos anos, o grande desafio do regime militar. A não- possibilidade de prescindir de adesão e/ou aceitabilidade levava- os a investir enormes esforços na divulgação de que o regime tinha todas as suas medidas e ações fundadas na formulação de uma consciência coletiva condizente com as necessidades impostas pelas condições sociais daquele momento.

O projeto de abertura política do governo era mostrado como o início do processo de aperfeiçoamento e institucionalização do hipotético ideário de democracia que o regime vinha construindo desde os seus primeiros dias. O gal. Golbery do Couto e Silva

 

 

afirmava que a opção democrática do movimento de 1964 contava com a adesão da maioria da população. No entanto, para que o projeto de abertura não fosse desestruturado, era preciso lutar contra uma minoria que, segundo ele, continuava fazendo opção pela confrontação e não pela suposta fórmula de democracia proposta pela ditadura.

No início de 1981, os condutores do regime ameaçavam não dar prosseguimento ao projeto de abertura política caso se agravassem as acusações aos militares por torturas cometidas em anos anteriores. Os militares destacavam que a hipotética democracia a que eles se referiam não tinha espaço para revanchismos.23 Desta forma, como tutores dos caminhos de sua suposta democracia, os militares insistiam em que o estabelecimento dos espaços possíveis da abertura política estava sendo feito através da conciliação e da negociação.

“Essa práxis democrática, honestamente implantada no dia-a-dia, casuisticamente, embora ou como quer que venha a ser qualificada, é e será, a nosso ver, base essencial à consolidação da abertura democrática.”24 O estabelecimento das denominadas reformas políticas tinham que absorver, segundo o gal. Figueiredo, dentro dos espaços e limites impostos, todos os anseios de democratização.

No âmbito da política institucionalizada as ameaças de retrocesso por parte do regime, eram constantes.25 O ministro Golbery do Couto e Silva e o presidente João Batista Figueiredo26 insistiam em que o poder legislativo deveria compreender de uma vez por todas que o diálogo e a negociação27 eram as únicas garantias palpáveis de continuidade da abertura.

O presidente da República aconselhava aos partidos “disciplina e comando dentro de cada partido” para que não ocorresse a “degeneração da verdadeira prática democrática em lamentáveis episódios de simples, frontal e desnuda contestação”.28 Examinando as propostas de diálogos e negociações que surgiam naquele momento, Weffort tocava na questão essencial, ou seja, de que “os diálogos pressupõem não apenas assuntos, mas também interlocutores – e aí começam os problemas.”29

As pressuposições em torno da necessidade do diálogo para que não houvesse retrocessos eram justificadas pelos

 

 

militares como uma forma de substituir a Lei de Segurança Nacional pela democracia no programa do movimento de 1964. Os militares no poder preocupavam-se em assinalar que a LSN e a sua fórmula de democracia não eram incompatíveis. Na era da abertura, eles insistiam em que “a revolução prosseguir(ia), portanto, com o seu ideário de democracia e desenvolvimento, superando dificuldades, ultrapassando obstáculos, vencendo resistências e atingindo, num gradualismo seguro e pertinaz, os objetivos30 que se propôs.”31

A explosão de uma bomba no Riocentro, que vitimou dois militares,32 em 1º de maio de 1981, durante festividade promovida pelo Centro Brasil Democrático, entidade ligada ao PCB, criou apreensões quanto aos rumos da abertura, mas acabou por sedimentar a defesa, por uma parte significativa da oposição, de união em torno do presidente Figueiredo; o que favorecia a tese de negociação e diálogo, no âmbito político, em torno da liberalização. A criação da frente anti-terror, da qual participavam Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, José Sarney, dentre outros, levou o gal. Golbery do Couto e Silva a afirmar que “esse apoio (era) muito importante para a consolidação do processo de abertura. Assim, será possível dividir com todos as

responsabilidades assumidas”.33

Buscando convencer a população sobre as suas ações, medidas e desígnios o regime justificava que o movimento militar tinha, desde o seu início, como fundamento a democracia e não a ditadura. Délio Jardim de Mattos, ministro da Aeronáutica, argumentava que “a democracia representa(va) o sonho comum da sociedade brasileira. Acima de uma concepção política, é profissão de fé no homem e na sua infinita capacidade de renovação”.34

A afirmação de que a democracia era um sonho comum que ia além da política pode, sem nenhuma dúvida, ser tomada como a condensação do processo de busca de aceitabilidade pela ditadura. À medida que as condições objetivas negavam qualquer possibilidade de definir o processo em curso como democrático, aqueles que buscavam sustentação para o regime passavam a insistir na prevalência de sonhos, desejos e intenções coletivos favoráveis à pretensa democracia pretendida pelos integrantes do grupo de poder, mais especificamente, a sua fração militar.

 

 

Os militares, principalmente, tentavam, assim, estabelecer um ponto de conexão entre as suas pressuposições em torno da democracia e os sonhos e/ou desejos de democracia do povo brasileiro. O ponto central do empenho para formação de uma consciência coletiva favorável ao regime estava, também, nesta tentativa de consubstanciar as intenções e as ações dos condutores do regime com os hipotéticos sonhos dos brasileiros por uma forma de democracia que confirmava, segundo os militares, os seus propósitos.

A embaraçosa situação dos militares, após a bomba do Riocentro, levava-os a insistir numa estreita ligação entre esquecimento e democracia, a qual exigia que não se deveria buscar culpados e/ou levantar acusações. “O importante não é apontar os culpados mas apontar a saída.”35 Dado o receio, naquele momento, de que a abertura estagnasse, entidades fundamentais da sociedade civil como a OAB e ABI alinharam- se ao movimento de apoio ao presidente Figueiredo na luta contra o terrorismo, coordenado pelo Senador Tancredo Neves.36 “O essencial, agora, é impedir as trombadas do projeto de abertura com a ação destas áreas da caserna que parecem dissentir do presidente quanto à forma de alcançarmos a democracia.”37

As eleições de 1982 eram, sem dúvida, de importância fundamental; era preciso defendê-la ferrenhamente, no entanto, ficou mais ou menos estabelecido, no âmbito da política institucionalizada e também de entidades da sociedade civil que, ou se defendiam as eleições ou se cobrava uma apuração rigorosa dos atos de terror que apontavam diretamente para setores das Forças Armadas. Os percalços evidenciavam-se à medida que se delineavam as dificuldades de articulação das diversas forças e interesses sociais no sentido de exigir, ao mesmo tempo, as eleições e a apuração dos atos de terror.

Os militares no poder passavam a garantir que as eleições de 198238 seriam realizadas pois não havia “mais nada a temer”.39 O país vivia, segundo o ministro da Aeronáutica, momentos normais de uma democracia.40 “Quando o governo se propõe a volta à normalidade democrática, ele já avaliou todos os riscos, inclusive o da perda de parte de seu poder. Então hoje eu acredito, tenho certeza de que o governo está adaptado aos

 

 

rumos democráticos.”41O controle exercido pelos militares neste processo de desengajamento era justificado, por eles próprios, como uma forma de conseguir uma máxima sintonia entre o regime e a população brasileira.

As tentativas dos setores organizados em influir de forma mais direta no processo político, no início da década de 80, tornava claro que os hipotéticos pressupostos de democracia dos militares reafirmavam uma espécie de isolamento entre as diversas atividades que constituem a atividade política. Ou seja, a ação empresarial não devia se ocupar dos problemas da política partidária e as lideranças sindicais, de maneira geral, não deviam ser atraídas, segundoGolbery do Couto e Silva,42 para as atividades políticas.43

Os militares insistiam, assim como teriam feito durante toda a ditadura em que o pacote eleitoral do final de 198144 era mais um passo em direção à abertura política e à fórmula de democracia almejada pelo regime.45 Com esta justificativa, as Forças Armadas advertiam o Congresso exigindo a aprovação do pacote do governo.

O presidente Figueiredo repetia insistentemente que seu propósito de “fazer deste país uma democracia”46 continuava inabalável, porém, reafirmava que não havia espaços para contestações daqueles que não tinham compromissos com a maioria da população brasileira.

A era da abertura mostrava que a busca contínua de adesão e aceitabilidade aos propósitos do regime prosseguia insistindo numa suposta forma de compromisso entre ele e a maioria dos brasileiros; o que não pode ser analisado como pura retórica e/ ou uma simples maneira de falseamento da realidade, pois este processo tinha um significado muito além, à medida que, desde os seus primeiros anos, ele conseguiu possibilitar que a ditadura se empenhasse em construir sua legitimidade a partir de uma suposta conexidade entre os interesses e os valores do regime com os demais segmentos e grupos sociais.

Durante o processo de distensão e de abertura política, o regime se empenhava ainda mais arduamente em destacar que, desde o seu início, ele estava forrado de razão para buscar aceitabilidade e adesão para o seu projeto de sociedade, de

 

 

instituições, de Estado e de regime político. Ou seja, havia uma luta intermitente do regime militar para mostrar que os valores que, segundo os seus condutores, eram fundantes da ordem social brasileira e que haviam movido a sua implantação, davam-lhe condições plenas de pleitear apoio para todas as suas medidas, ações e, também, para os seus desígnios.

A ditadura militar, como foi demonstrado nos capítulos anteriores, tem sua singularidade atravessada pela constante insistência em torno de categorias inerentes à legitimidade. Ela se debatia constantemente para conseguir a aprovação e consentimento da maioria da população em torno de suas realizações e/ou propósitos. A construção de um ideário de democracia somente pode ser compreendida como o fundamento deste processo o qual não foi abandonado durante a distensão e a abertura política, mas sim potencializado.

O regime militar lutava para encontrar meios de se justificar, o que não significava que ele deixava de estabelecer medidas ditatoriais. Combinavam-se, assim, estas últimas com uma procura intermitente de garantir que o poder de decretá-las era legítimo porque expressava os anseios da sociedade como um todo. Os condutores do regime insistiam em propalar que o poder na mão dos militares não era um poder que vinha do alto, ou seja, de um setor minoritário da sociedade.

Assistia-se a uma busca de reconhecimento, por parte dos diversos segmentos sociais, dos valores que o regime definia como essenciais. A formação de uma consciência que eliminasse toda postura contestatória da sociedade, a atuação sobre a mentalidade dos indivíduos como forma de resolver os conflitos sociais e a imposição de um projeto político supostamente democrático eram, no período da abertura, o fundamento do processo de busca, por parte do regime, da aceitação de sua forma de condução do desengajamento militar.

 

 

Notas

 

1 Ressalte-se que no interior da sociedade civil pulsavam constantemente as reivindicações de desconcentração do poder. As associações profissionais manifestavam-se constantemente a esse respeito. No dia 04 de março de 1980, a Associação dos Engenheiros Agrônomos do Paraná realizou um debate sobre reforma agrária e a questão mais ressaltada foi a democracia. Vide depoimentos dos presidentes da ABRA e da CONTAG em:

LORENA e SILVA apud A safra do desencanto. Isto é, São Paulo: n. 168, p. 76-7, 12 mar. 1980.

 

2 ABI-ACKEL, I. A democracia é que resolve os conflitos. Exame, São Paulo: n. 195, p. 19, 27 fev. 1980.

 

3  Extintos os dois partidos existentes, surgem: o PDS, o PMDB, o PP, o PTB que congregavam os integrantes da Arena, do MDB, do antigo PSD e do PTB, respectivamente. Em seguida foram criados também o PDT e o PT.

 

4 MATTOS, D. J. de. Foi por causa do Figueiredo. Isto é, São Paulo: n. 164, p. 16, 13 fev. 1980. Ministro da Aeronáutica.

PIRES e VENTURINI apud UM GESTO simbólico pela abertura. Isto é, São Paulo: n. 164, p. 16, 13 fev. 1980. Valter Pires era ministro do Exército e Danilo Venturi, do Gabinete Militar.

 

5 A proposta de democracia do governo Figueiredo tinha o Ministério da Justiça como um órgão básico. Após a morte de Petrônio Portella, o Gal.Golbery do Couto e Silva influiu severamente na escolha de Abi-Ackel para a sucessão daquele.

 

6 Assim como os demais governos militares, o governo Figueiredo insistia em que sua preocupação central era o bem-estar de todos os brasileiros.

FIGUEIREDO, J. B. Política social. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Depto. de Imprensa Nacional, 1980. p. 95-124.

 

7 ARNEY, J. Somos social-democratas. Visão, São Paulo: n. 03, p. 14, 04 fev. 1980. Entrevista.

 

8 MANIFESTO do Partido Democrático Social. Visão, São Paulo: n. 04, p. 15, 18 fev. 1980.

 

 

9     Os manifestos dos partidos mostravam a enorme confusão que a maioria dos partidos faziam em torno da questão da democracia. O PTB dizia-se incumbido de “promover a diversificação e democratização das relações produtivas, de modo que diversas formas de gestão e propriedade social dos meios de produção (…) (pudessem) ser incorporadas, crescentemente, à vida econômica brasileira. MANIFESTO do Partido Trabalhista Brasileiro. Visão, São Paulo: n. 04, p. 14, 18 fev. 1980.

 

10 Golbery do Couto e Silva afirmava que as eleições deveriam ser diretas, pois “a gente indica e depois os indicados transferem os problemas para nós. (…) O governador tem que ir buscar votos, tem que se comprometer a resolver sua parte nos problemas”.

COUTO E SILVA apud A ELEIÇÃO da abertura. Veja, São Paulo: n. 599, p. 17, 05 mar. 1980.

 

11 COUTO E SILVA apud O FABRICANTE de nuvens. Veja, São Paulo: n. 602, p. 20- 6, 19 mar. 1980.

Id apud O QUE diz Golbery. Veja, São Paulo: n. 602, p. 27-31, 19 mar. 1980.

 

12 Há uma bibliografia significativa sobre estas greves; ver, dentre outros: SADER, E e SANDRONI, P. Lutas operárias e táticas da burguesia. In Cadernos Puc, São Paulo: n. 07, Educ, Cortez, maio. 1981.

ANTUNES, R. A rebeldia do trabalho. São Paulo: Ensaio, Unicamp, 1988. MOISÉS, J. A. Qual é a estratégia do novo sindicalismo. In Alternativas populares da democracia. Petropólis, São Paulo: Vozes, Cedec, 1982. p. 11-39.

 

13 MOISÉS, op. cit, p. 15. A análise feita neste trabalho não concorda que a intransigência dos empresários se devia somente à orientação dada pelo ministro Golbery do Couto e Silva. No decorrer dos demais capítulos foram levantados inúmeros elementos que apontavam para um processo de atuação, no que diz respeito à relação capital e trabalho, enquanto grupo do qual participavam os militares, os grandes empresários e os tecnoburocratas.

 

14 Segundo dados do Dieese de março de 1978, na indústria metalúrgica de S.B. do Campo, 68,1% dos trabalhadores ganhavam até 5,2 salários mínimos.

ECONOMIA. Exame, São Paulo: n. 199, p. 17, 23 abr. 1980.

 

 

15 WEFFORT, F. A greve e os objetivos políticos. Isto é, São Paulo: n. 171, p. 80, 02 abr. 1980.

 

16 “Justamente para evitar que os humildes se tornem humilhados é que o governo Figueiredo, num gesto sábio, resolveu fazer a abertura política. O governo está convencido de que sem o desenvolvimento político, o desenvolvimento econômico não serve ao social”. PENNA, J. C. Não há nenhum incêndio. Veja, São Paulo: n. 604, p. 3- 6, 02 abr. 1980. Entrevista.

 

17 COUTO E SILVA apud CONCILIOU-SE, à força. Veja, São Paulo: n. 608, p. 23, 30 abr. 1980.

 

18 No segundo semestre de 1980 iniciaram os atentados à bomba como forma de inibir a abertura política. Em 26 de agosto de 1980 explodiu uma bomba na OAB que matou a secretária, Lyda Monteiro da Silva, e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro que mutilou o jornalista José Ribamar de Freitas.

 

19 MEDEIROS, COUTO E SILVA, DELFIM NETTO apud A SERVIÇO da segurança. Veja, São Paulo: n. 610, p. 16-22, 14 maio 1980.

 

20 Por ocasião da greve de 1980, Lula da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, ficou preso durante 31 dias e o sindicato sob intervenção. “A gente tentou dialogar e eles (governo e empresários) se trancaram por trás de cassetetes e bombas. A gente quis negociar e eles nos enviaram helicópteros com metralhadoras e ordens de prisão.”

LULA DA SILVA, L. I. Reflexões depois da cadeia. Isto é, São Paulo: n. 179, p. 23, 28 maio. 1980.

 

21 O jornal Voz da Unidade, órgão do PCB, afirmava que as reivindicações não deviam estabelecer um confronto com o regime, pois isto colocaria em risco “as liberdades democráticas já conquistadas”.

WERNECK VIANNA apud A SERVIÇO da segurança. Veja, São Paulo: n. 610, p. 20, 14 maio 1980.

 

22 COUTO E SILVA, G. Conferência na ESG. Veja, São Paulo: n. 627, p. 6, 10 set. 1980.

 

23 O Gal.Valter Pires, ministro do exército, afirmava que repelia as “malévolas insinuações (…) que procuram agora lançar à execração

 

 

pública aqueles que se bateram, em verdadeiras operações de guerra, pela preservação da paz e da tranqüilidade da família brasileira.” O ministro da Aeronáutica, Délio J. de Mattos dizia: “Fomos violentos, injustiças existiram e erros não negamos, mas a quem pode interessar o julgamento de uma fase ultrapassada”.

PIRES e MATTOS apud COM o pé no freio. Veja, São Paulo: n. 650, p. 14, 18 fev. 1981.

 

24 FIGUEIREDO J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Depto. de Imprensa Nacional, 1981. p. XIV.

 

25 Odacir Klein, deputado federal do PMDB, afirmava que o Palácio do Planalto desejava “a manutenção do poder nas mãos de um grupo, mas com uma certa faixa de liberdade e uma certa aparência de democracia, que chegou a ser denominada democracia relativa.” KLEIN apud Constituinte. Visão, São Paulo: n. 14, p. 20, 06 abr. 1981. Ele afirmava, também, que a oposição recusava “um diálogo destinado exclusivamente a ajudar o regime a administrar um projeto de abertura que só serve para manter, com outra roupagem, o mesmo modelo que aí está.”

Id apud O regime tem de acabar. Veja, São Paulo: n. 658, p. 3, 15 abr. 1981.

26 COUTO E SILVA e FIGUEIREDO apud A ABERTURA no funil. Veja, São Paulo: n. 653, p. 20, 11 mar. 1981.

 

27 “A negociação só pode ser feita com quem decide. E o PDS está tão à margem do poder quanto os partidos de oposição”.

FREIRE apud A ABERTURA em negociação. Visão, São Paulo: n. 12,

  1. 16, 23 mar. 1981. Marcos Freire era senador do PMDB.

28 FIGUEIREDO, op. cit, p. 21.

29 WEFFORT, F. Diálogo ou monólogo. Isto é, São Paulo: n. 223, p. 66/7, 01 abr. 1981.

 

30 O gal. Antônio F.Marques, comandante do III exército, afirmava que “a revolução representou o desejo de paz e justiça do povo brasileiro e as Forças Armadas, mais uma vez, se colocaram ao lado desse povo.” MARQUES apud LENDO nas entrelinhas. Isto é, São Paulo: n. 224, p. 12, 08 abr. 1981.

 

31 PIRES apud LENDO nas entrelinhas. Isto é, São Paulo: n. 224, p. 12, 08 abril. 1981.

 

 

32 “A bomba explodiu no governo”.

ABI-ACKEL apud BOMBA fere o DOI-CODI. Veja, São Paulo: n. 661, p. 22, 06 maio 1981.

De janeiro de 1980 à maio de 1981 ocorreram 74 atentados terroristas.

 

33 COUTO E SILVA apud A EXPLOSÃO retardada. Veja, São Paulo: n. 662, p. 22, 13 maio 1981.

O presidente Figueiredo afirmava que “nem uma, nem 2000 bombas modifi(caria) minha decisão de prosseguir com a abertura política”. FIGUEIREDO apud A EXPLOSÃO retardada. Veja, São Paulo: n. 662, p. 22, 13 maio 1981.

 

34 MATTOS apud A RETAGUARDA de João. Veja, São Paulo: n. 665, p. 24, 03 jun 1981.

35 Ibid.

 

36 Por exigir punição aos responsáveis pela bomba no Riocentro, Nivaldo Mello de Oliveira Dias, tenente-coronel, foi preso e mantido incomunicável. Alguns deputados do PT (Ayrton Soares e Freitas Diniz) e do PMDB (Francisco Pinto e Luiz Cechinel) elaboraram um documento de apoio ao militar acima e conseguiram apenas 37 assinaturas no Congresso.

 

37 RAMALHO apud APOSTANDO em 1982. Isto é, São Paulo: n. 233, p. 16, 10 jun 1981. Thales Ramalho líder do PP.

 

38 “Temos agora uma seqüência de manifestações de militares buscando tranqüilizar-nos quanto à abertura. (…) Em face de riscos tão grandes o melhor a fazer é registrar os fatos e colocar as interpretações entre parêntese.”

WEFFORT, F. Do lado escuro da lua. Isto é, São Paulo: n. 240, p. 22, 29 jul. 1981.

39 MATTOS, D. J. Não temos mais nada a temer. Isto é, São Paulo: n. 240,

  1. 20-1, 29 jul. 1981. Entrevista.

 

40 No último semestre de 1981, os representantes do grande capital comercial criaram a Ação Empresarial, uma espécie de “lobby” visando influir no processo político em curso, e principalmente, nas eleições de 1982. Defendiam o voto distrital como forma de romper com o voto de protesto e/ou de reconhecimento. A Ação Empresarial afirmava que possuía intenções de lançar candidatos de “estofo

 

 

intelectual e cultura, sensibilidade e carisma para derrotar os políticos que não se identificam com aqueles que os elege”.

BARRETO apud O LOBBY no país. Visão, São Paulo: n. 32, p. 18/9, 10 ago. 1981. Barreto era presidente da Confederação das Associações Comerciais.

41 Ibid.

 

42 “Há necessidade de líderes autênticos – como o senhor Lula poderia ter sido. Francamente, achava-o um bom líder sindical mas, no fim, acabou decepcionando – a mim, – pelo menos –, atraído que foi para as atividades mais políticas que propriamente sindicais.”

COUTO E SILVA, G. Debate na ESG. Veja, São Paulo: n. 676, p. 26/7, 19 ago. 1981.

 

43 Numa pesquisa do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais Aberto (IDMEC), realizada em agosto de 1981, 72,1% dos empresários defendiam alguma forma de participação no processo político, ou seja, participação mais ativa em geral (28,3%), através de entidades de classes (17,5%), no processo de tomada de decisões do governo (12,7%), através dos partidos políticos (7,2%) e como qualquer cidadão (6,4%). No entanto, 72,9% dos representantes do grande capital diziam preferir um executivo forte a um país economicamente fraco, embora com muitas das franquias democráticas. Seus anseios de participação eram, porém, remetidos a um momento posterior à medida que, para a maioria, (57,7%), a democracia política somente seria possível com altos níveis de desenvolvimento econômico e evitar a estatização era, para 48,7%, mais prioritário do que conseguir a democracia política.Os dados desta pesquisa, realizada em 1981, revelavam de forma ainda mais contundente a identificação dos setores empresariais (72,9%) com os pressupostos do regime militar em torno da importância primordial de um executivo forte.

O QUE os empresários pensam da política. Exame, São Paulo: n. 233, p. 34-5, 26 ago. 1981.

 

44 Os líderes do partido do governo (PDS), em nome da democracia, afirmavam que lutariam para evitar a extinção dos pequenos partidos.

 

45 GEISEL, E. Um forte apoio. Veja, São Paulo: n. 691, p. 22, 2 dez. 1981. Entrevista.

46 FIGUEIREDO apud JOGO bruto em Brasília. Visão, São Paulo: n. 52, p. 12, 28 dez. 1981.

 

 

 

½APÍTffLO VI

 

1979-1984: A INSISTÊNCIA DOS CONDUTORES DA ABERTURA POLÍTICA EM SEDIMENTAR UMA CONSCIÊNCIA POSITIVA SOBRE O REGIME MILITAR COMO UM TODO

 

 

 

 

Procurou-se demonstrar nos capítulos anteriores que através de suas estratégias política, econômica, militar e psicossocial, o regime labutava afincadamente, desde o seu início, para ampliar continuamente o grau de adesão e aceitabilidade ao processo instaurado pelo movimento de março de 1964. A formação de uma consciência positiva e/ou favorável à ordem social que a ditadura tentava instaurar passou a ser um elemento chave em torno do qual o regime se debateu constantemente.

Investigar-se-á, neste capítulo, como se desenvolveu na era da abertura a tentativa de desconstrução contínua do possível processo de generalização de uma consciência negativa sobre o regime em vigor. Se a busca de adesão pela ditadura objetivasse somente criar as condições para a manutenção e a prolongação daquele sistema de poder, ela se esvairia e/ou mesmo perderia o sentido diante da perspectiva de desengajamento militar colocada pela distensão (1973-1979) e pela abertura política (1979-1984).1

No entanto, não foi isto o que ocorreu, pois a estratégia de busca de sedimentação de uma mentalidade favorável ao regime se revelou, no período da abertura, altamente complexa. Ou seja, durante o processo de desengajamento ela trazia à tona os elementos que reafirmavam a questão da sustentação da ditadura através da internalização dos valores objetivos e subjetivos que eram propagados como fundadores da ordem social proposta pelos militares e, também, pelos demais componentes do grupo de poder.

 

 

As medidas e as ações postas em prática naquele momento, através de suas estratégias econômica, política e psicossocial, eram apontadas como a coroação dos objetivos democráticos do movimento de 1964 e de seus desdobramentos. Estas medidas vinham acompanhadas de um amplo processo de justificação da ditadura e de seus feitos.

Durante o último governo militar ficavam fortemente evidenciados os anseios da ditadura para sedimentar uma visão positiva do regime militar que fosse capaz de se projetar para o futuro. A construção intermitente de uma imagem favorável a seus feitos e realizações fez, indiscutivelmente, parte de sua estratégia psicossocial.

A estratégia psicossocial desempenhou, no período da abertura, um papel significativo neste intento da ditadura de construir uma mentalidade altamente positiva sobre ela. A estratégia política voltava-se com ênfase absoluta ao suposto ideário de democracia que o regime vinha elaborando desde o seu início. No entanto, as estratégias econômica e militar enfrentavam grandes problemas que se constituíam em dificuldades crescentes que ameaçavam inviabilizar os seus objetivos de construir uma mentalidade que abonasse no presente e no futuro as realizações da ditadura.

Durante o último governo militar ficou patente, mais uma vez, que o regime não tinha a sua busca de aceitabilidade centrada somente na esfera econômica. A grave crise nesta área, no início da década de 80, pode ser tomada como exemplo disto.2 Todavia, a ditadura, através de seus condutores, continuava empenhada, naquele momento, em suas estratégias psicossocial e política como forma de sedimentar tanto o seu suposto ideário de democracia quanto os demais valores norteadores das ações e dos desígnios do regime que se instaurara em 1964.

A partir do processo de distensão e de abertura, a estratégia militar encontrava-se em enormes dificuldades tendo em vista o embate que se travava no interior das Forças Armadas com relação aos caminhos do desengajamento.3 Os grupos que discordavam dos rumos e das formas, bem como do grau de distensão e de suas condições, revelavam os percalços que esta estratégia enfrentaria. As dissensões no interior dos militares não eram novidade, no

 

 

entanto, elas tomaram fôlego a partir de 1979 e chegaram a um grau exorbitante durante o último governo militar.

 

O empenho do regime para que as dificuldades no interior de sua estratégia militar não comprometessem a busca de aceitabilidade de seus propósitos

 

De acordo com os condutores da ditadura, a organização do poder nacional se daria a partir de suas atuações através de quatro estratégias básicas: a militar, a econômica, a política e a psicossocial,4 as quais deveriam criar as condições para que o regime conseguisse um alto grau de aceitabilidade e adesão entre os diversos segmentos sociais. A estratégia militar, no entanto, tinha, dentre inúmeros outros, o objetivo de impedir que as dissensões no interior dos Forças Armadas comprometessem a busca de meios de controle do desengajamento.

Não será possível, no âmbito deste trabalho, analisar as diversas nuanças e aspectos da estratégia militar. Segundo depoimentos e entrevistas dos próprios condutores do regime, esta estratégia, no que diz respeito à organização do poder nacional, tinha como um de seus objetivos básicos a internalização no seio das Forças Armadas enquanto instituição, dos propósitos do movimento de 1964 e de seus desdobramentos.5 Este processo de internalização que os militares enquanto governo se empenhavam em realizar junto às Forças Armadas como um todo, não extinguia, porém, os dissentimentos. Ou seja, estes nunca deixaram de existir, mas eles se agravaram intensamente a partir de 1973 com a instauração do processo de distensão e de abertura política.

As discordâncias quanto à forma de conduzir a distensão e a abertura se transformaram num grande desafio para o governo e para a sua estratégia militar. Interessa aqui demonstrar como se deu o coroamento deste processo durante o período do gal. João Batista Figueiredo no que tange especificamente às dissensões que emergiam de maneira crescente no interior das Forças Armadas e dificultavam a busca de aceitabilidade para a forma de condução e controle da política de abertura.

 

 

As dificuldades desta estratégia no campo da internalização dos caminhos da abertura entre os militares lidavam, constantemente, com os riscos de que elas pudessem levar os condutores do regime a perderem o controle do processo de desengajamento. Ficava visível naquele momento que havia uma luta no interior das Forças Armadas quanto aos caminhos do movimento de 1964. O gal. Golbery do Couto e Silva alertava que “poder-se-ia, na frente militar, pôr desde logo um paradeiro aos pronunciamentos inconvenientes que possam ser interpretados como sinal de fraqueza do governo ou divisionismos nas Forças Armadas”.6

Em 1993, o gal. Moreira Burnier, em depoimento publicado em A volta aos quartéis, afirmava que o gal. Figueiredo havia jogado por terra os ideais da revolução de 1964. Ele não havia preparado o país para a democracia. A educação continuava desconectada dos supostos ideais democráticos da revolução, os políticos continuavam pregando idéias comunistas, enganando o povo.7 Enfim, para alguns militares, o presidente Figueiredo teria sido o coveiro do regime militar.8

Em realidade, a partir do episódio do general Frota, em 1977, se publicizavam investidas no sentido de realinhamento da denominada “linha dura”; o que expressava, no mínimo, que alguns elementos mantenedores da busca de aceitabilidade, entre os militares, da forma de condução do regime apresentavam-se em dificuldades. Ou seja, a estratégia militar no que diz respeito estritamente ao empenho para que as dissensões no interior das Forças Armadas não comprometessem o apelo da ditadura em torno de determinados elementos (não-conflito, cooperação, harmonia, etc.) estava em parte comprometida.

Cabe ressaltar, porém, que mesmo nessas condições, a estratégia militar do governo não deixava de investir esforços, na era da abertura, para que ela se constituísse em um dos elementos que assessorassem a busca de aceitabilidade ao processo social em curso, bem como auxiliasse na formação de uma consciência positiva sobre o regime. A Doutrina Militar Brasileira (DMB-83) pode ser tomada como exemplo deste processo. Segundo o Cel. Antônio C. Graça Alvarenga (Chefe da Divisão de Assuntos Militares da ESG) a DMB-83 tinha os seus

 

 

fundamentos apoiados nos “interesses e (nas) aspirações vitais da Nação Brasileira, expressos nos objetivos nacionais permanentes. (Nas) tradições pacifistas do povo brasileiro e (no) seu apego aos ideais de liberdade e democracia, (nos) valores éticos, morais e culturais da nacionalidade brasileira, (no) caráter nacional, (nas) bases legais, em especial (na) Carta Magna, (na) concepção política nacional e (na) doutrina da Segurança Nacional e (na) doutrina da Guerra”9.

Isto demonstrava que também no período da abertura política, mesmo com uma publicização maior das divergências entre os militares, o regime investia grandes esforços para divulgar que não havia lutas de grupos no seu interior e que “as indispensáveis unidade e coesão das Forças Armadas (eram) fatores essenciais de fortalecimento da expressão militar do poder nacional”10. A idéia que prevalecia era a da necessidade de atuar no sentido de conseguir fidelidade aos propósitos do regime e unidade de ação entre os seus condutores.

Na tentativa de impedir que as dissensões no interior das Forças Armadas, na era da abertura, comprometessem o empenho do regime no sentido de dar continuidade à formulação de uma consciência coletiva favorável a ele, detectava-se um esforço, também naquele momento, para divulgar que todos os caminhos seguidos pela ditadura, inclusive o do desengajamento, estavam baseados no sentimento “patriótico e na consciência democrática nacional”11.

O suposto ideário de democracia formulado no transcorrer do regime continuava dando, no governo Figueiredo, a tônica para as investidas da ditadura no sentido de conquistar as mentalidades para os feitos e/ou realizações dos governos anteriores. Ganhava destaque nos depoimentos e entrevistas de componentes do grupo de poder, principalmente na sua fração militar, a idéia de que o Brasil possuía naquele momento todas as condições para a coroação da fórmula de democracia vislumbrada pelo movimento de março de 1964. O gal. Golbery do Couto e Silva afirmava que “a abertura não (era) uma idéia nova. Ela (era) a complementação de uma idéia velha que estava na origem do governo Castello Branco. O processo político iniciado em 1964 tinha uma doutrina e um conjunto de objetivos que foram abandonados com o AI-5. Com a distensão do presidente Geisel retomaram-se as idéias do governo Castello Branco”12.

 

 

O grupo militar mentor do processo de distensão e de abertura partia do pressuposto de que era necessário que as estratégias postas em andamento, naquele momento, fossem eficientes no sentido da construção de uma consciência coletiva favorável ao regime como um todo. O gal. Golbery do Couto e Silva justificava a partir daí a própria estratégia de “retirada das Forças Armadas do processo direto das atividades políticas”, isto porque, dizia ele, “se elas se retiram, podem ser chamadas a interferir” novamente13.

No âmbito de suas estratégias militar, política e psicossocial os condutores da ditadura se empenhavam afincadamente para convencer a população de que eles estavam saindo pela porta da frente, ou seja, eles se preocupavam em sedimentar uma imagem favorável do regime naqueles últimos anos. Tentavam, assim, neutralizar a importância das diversas formas de contestações14. No entanto, os escândalos sobre as bombas, sobre o SNI (como exemplo pode-se citar o envolvimento do gal. Newton Cruz nas denúncias do dossiê sobre a revista Cruzeiro),15 dentre outros, eram reveladores das dificuldades que o regime enfrentava durante o período da abertura, o qual passou a concentrar um grande esforço de seus condutores para escamotear a ligação daqueles acontecimentos com o regime em vigor. Tentava-se elevar este último a patamares em que ele fosse capaz de parecer ileso e não-responsável por tais acontecimentos.

Este processo passou a ser central nas estratégias política e psicossocial do regime no decorrer do governo Figueiredo.

Golbery do Couto e Silva, um dos mais importantes mentores da política de abertura, entendia que a estratégia militar posta em prática naquele momento deveria, juntamente com as demais, atuar no sentido de evitar as explosões sociais e políticas, tendo em vista a emergência dos movimentos grevistas e reivindicatórios que eram uma espécie de desafio constante no início da década de 80.16

A estratégia militar no que se refere especificamente aos elementos que tinham como objetivo atuar no sentido de criar as condições para construir a aceitabilidade da forma de condução do processo de abertura política era intermitentemente ligada à estratégia política do regime. O gal. Golbery do Couto e Silva afirmava: “Tal seria o problema estratégico com que se viria a

 

 

defrontar o governo após os episódios decisivos da demissão do general Frota, ministro do Exército, do afastamento do general Hugo Abreu, chefe do gabinete militar da presidência da República, e do esvaziamento da candidatura oposicionista do gal. Euler Bentes Monteiro. O indiscutível êxito traduzir-se-ia pela solução final, tranqüila, do processo sucessório”.17

As amenizações das dissensões no interior da estratégia militar tinham, então, que ser encaminhadas no âmbito da estratégia política da ditadura. A busca de aceitabilidade, entre os diversos segmentos sociais, dos propósitos passados e presentes do regime enlaçavam estas duas estratégias de maneira singularizada pelas condições vigentes naquele momento. “A radicalização menor, a maior liberalização do regime e a tolerância do governo contribuirão largamente para que surjam fortes impulsos de atomização da frente oposicionista”.18

O gal. Golbery do Couto e Silva era o exemplo de um membro do grupo de poder que se situava na posição de mentor tanto da estratégia militar quanto das estratégias política e psicossocial. 19 Na posição de um dos formuladores da doutrina de Segurança Nacional e de articulador político da ditadura, ele pode ser considerado um dos inventores dos meios e mecanismos de busca de aceitabilidade para o regime e para a sua fórmula de desengajamento.

Segundo a doutrina da Escola Superior de Guerra, o problema da Segurança Nacional constituía-se nos elementos básicos da estratégia militar; a qual englobava o poder nacional, a política nacional, a estratégia nacional, o desenvolvimento nacional, informações, mobilização nacional, dentre outros.20 Portanto, as estratégias política, militar, psicossocial e econômica encontravam-se enlaçadas numa relação de subordinação destas três últimas àquela primeira.21

Na era da abertura política, os militares no poder davam prosseguimento à idéia de que havia um estreitamento cada vez maior entre os objetivos da segurança nacional e os objetivos de sua suposta proposta de democracia vinculada à concepção de desenvolvimento formulada no transcorrer da ditadura. O gal. Walter Pires de Albuquerque, ministro do Exército no governo Figueiredo, insistia em mostrar que a estratégia militar expressava a unidade de pensamento das Forças Armadas no que dizia

 

 

respeito à sua “íntima comunhão com o povo, do qual é parcela das mais representativas.”22

As estratégias militares, políticas e psicossociais estariam, então, naquele momento, voltadas para neutralizar aqueles indivíduos e/ou grupos, civis e/ou militares que tentavam, segundo o general Walter Pires, “indispor o cidadão civil com o cidadão fardado, esquecidos de que o soldado é povo, com iguais anseios, idênticas dificuldades e o mesmo acendrado amor à Pátria”.23

A conexão entre o povo e os militares continuava sendo apresentada, na era da abertura, como um dos elementos centrais do suposto ideário de democracia que o regime se empenhava em formular desde o seu início. Persistia em ação a estratégia psicossocial como fator básico do empenho para se atestar que havia uma indiscutível aproximação entre o povo e o militar através de suas perspectivas, anseios, desejos e amor à pátria. Isto era, sem dúvida, um aspecto fundamental da luta dos condutores do regime para construir uma consciência coletiva favorável ao regime em vigor e que esta fosse capaz de se projetar para o futuro.

Um dos aspectos centrais da estratégia militar no que tange à busca de aceitabilidade e adesão para o regime no período da abertura era a tentativa de trabalhar os aspectos objetivos e os subjetivos da segurança nacional, a qual se encontrava na fala dos militares estritamente enlaçada à sua pretensa proposta de democracia.24

A estratégia militar do governo Figueiredo continuava empenhada, então, em difundir para a população que a segurança nacional fundia-se com a suposta democratização proposta pelo regime à medida que somente aquela primeira era capaz de dar garantias, no plano subjetivo e objetivo, de convivência social.25 Isto era, indubitavelmente, uma maneira de valorizar as atuações e medidas do regime no seu transcorrer. Ou seja, somente os condutores e controladores do processo de abertura, a partir da Lei de Segurança Nacional, seriam capazes de atuar objetivamente para eliminar os antagonismos e pressões. Isto seria parte da preparação da sociedade para a descompressão em andamento.

A estratégia militar, na era da abertura, era divulgada para os civis como uma forma de se alcançar o desenvolvimento e todas as outras aspirações da sociedade brasileira.26 As dissensões

 

 

no interior das Forças Armadas eram escamoteadas em nome de uma união absoluta de princípios e interesses entre os seus componentes e destes com o povo brasileiro. A ESG continuava tendo um papel fundamental neste processo no final da década de 70 e início da década de 80.27 Ela se empenhava em divulgar a partir de seu Manual Básico de 1977/78 que o “desenvolvimento nacional, (era), portanto, o processo de aperfeiçoamento e de fortalecimento do poder nacional para a consecução e manutenção dos objetivos nacionais.” 28

No início da década de 80, os condutores do regime se empenhavam em justificar as razões de sua insistente busca de adesão, entre os diversos segmentos socais, no transcorrer do regime em vigor. Ou seja, todas as estratégias de organização do poder nacional (militar, psicossocial, política e econômica) estariam, segundo eles, voltadas para se alcançar a legitimidade do uso do poder tendo em vista que esta era indispensável à suposta fórmula de democracia que o movimento de 1964 vinha buscando desde o seu início.29

Fazia parte da tentativa de construção de uma consciência positiva sobre o regime militar, na era da abertura, o processo de divulgação de que o movimento de 1964 tinha alcançado legitimidade de origem, “isto é, legitimidade de acesso ao poder, decorrente da explícita outorga de faculdades governativas, pela nação, a um de seus membros, legitimidade corrente do uso do poder e legitimidade de destinação do poder”.30

A justificação, durante a abertura política, das atuações dos militares durante os últimos vinte anos se dava a partir de elementos tais como: sua “vocação peculiar que se confundia com as próprias vocações históricas da nacionalidade, (…) vocação de solidariedade para com as populações carentes, (…) vocação para sensibilizar-se e sintonizar-se com as aspirações da nação brasileira (…) e vocação democrática” que tinha fundamento, segundo os ideólogos do regime, em uma repulsa aos regimes comunistas.31

A divulgação destes elementos visavam, indubitavelmente, sedimentar uma consciência coletiva favorável ao regime em vigor. Ou seja, mesmo no período de desengajamento, a ditadura apostava enfaticamente na busca de aceitabilidade e adesão aos valores que ela vinha propagando desde o seu início; o que pode ser

 

 

analisado como indicativo da aspiração de ser reconhecida não apenas naquele momento, mas também no futuro como a semeadora das bases para um tipo de sociedade que supostamente expressava os anseios de todos os brasileiros.

O gal. João Batista Figueiredo insistia que tinha havido e continuava havendo uma afinação absoluta dos militares com a população brasileira. Buscando adesão aos valores e às ações do regime, ele argumentava que o exército se mantinha, assim como em todos os outros momentos da história do país, fiel às suas tradições. “A presença do Exército no campo psicossocial é histórica. O quartel é fator de segurança e tranqüilidade, centro irradiador do progresso social (…) verdadeira sede de aprimoramento dos costumes”.32

A idéia de que somente as Forças Armadas tinham condições de preparar a sociedade moralmente continuava sendo amplamente divulgada no período da abertura política. Fazia parte da estratégia militar e psicossocial a justificação de que o seu suposto ideário de democracia era o único que expressava essa preocupação com os aspectos cívicos e morais da organização social brasileira.33

A estratégia militar era mostrada, no início da década de 80, como intensamente voltada para a criação das condições favoráveis à implantação dos objetivos supostamente democráticos do movimento de 1964.34 Ou seja, a preocupação central era tentar formar uma consciência coletiva de que a nação brasileira não teria perdido nada naquelas duas décadas de ditadura.

 

A estratégia econômica e as suas impossibilidades de contribuir para a formação de uma consciência coletiva favorável ao regime

Na era da abertura política, a estratégia econômica do regime era, sem sombra de dúvida, a mais ineficiente no sentido de se constituir em meios de se ganhar adesão e aceitabilidade, entre os diversos segmentos sociais, para o processo de formação de uma consciência favorável aos feitos e realizações da ditadura militar. Todavia, ela continuou pretendendo desempenhar, juntamente com as demais estratégia (política, psicossocial e militar), este papel.

 

 

Era visível, desta forma, que a partir de 1973, com as crescentes dificuldades enfrentadas pela política econômica do governo, ocorria um empenho maior dos condutores do regime para que se firmassem nas outras esferas as condições e as possibilidades de formação de uma consciência coletiva favorável ao regime como um todo, ou seja, desde a sua implantação.

Para um regime que havia passado quase duas décadas justificando os seus feitos e realizações através de uma fórmula que associava um suposto desenvolvimento econômico com um pretenso ideário de democracia ficava, indubitavelmente, difícil a não-possibilidade de continuar contando com os supostos êxitos da esfera econômica como um fator de busca de aceitabilidade. No início da década de 80, o presidente João Batista Figueiredo remetia o que ele denominava de desequilíbrios na área econômica às “pressões negativas oriundas do exterior” e insistia em que a política econômica do governo estava “reagindo decidida e vigorosamente para repô-la em bases sólidas indispensáveis à recuperação em prazo curto e avanços novos a patamares mais altos”.35 O governo vinculava sempre a sua estratégia econômica às mudanças na esfera política, as quais teriam gerado “profundas modificações estruturais e de comportamento” lançando, porém, “verdadeiramente os alicerces de um país renovado em toda a sua dinâmica, cumprindo-se antigos compromissos de um salutar e decisivo aperfeiçoamento

democrático.”36

À medida que cresciam as dificuldades com a inflação e que se agravavam os problemas oriundos da miserabilidade que atingia patamares altíssimos, naquele momento, o regime passava a investir esforços para associar a sua estratégia econômica à sua estratégia política. O grande investimento ia no sentido de pontuar as dificuldades econômicas remetendo-as, constantemente, para fora de qualquer responsabilidade dos governos militares.

O empenho do governo João Batista Figueiredo contra a sedimentação de uma consciência negativa sobre o regime ganhava proeminência através da insistência de que a não-prosperidade e o não-alcance do bem-estar social eram vinculados a fatores fora do controle do regime em vigor, tais como: clima (seca, geadas e inundações que haviam comprometido o orçamento da união e

 

 

obrigado o regime a recorrer à expansão monetária para atender a esses problemas e ao mesmo tempo sustentar o sistema de subsídios a alguns produtos básicos), crise do petróleo, encarecimento do dinheiro no mercado internacional, elevação da dívida externa, insuficiência da produção, dentre outros.37

Labutava-se para cristalizar nos indivíduos e grupos sociais a convicção de que o regime tinha sido de uma positividade ímpar, inclusive no campo econômico. A necessidade de mostrar que a sua estratégia nesta esfera tinha sido definida, também, tendo em vista o objetivo de organização do poder nacional apontava para um insistente apelo à aceitabilidade da política econômica governamental que estaria, segundo o gal. Figueiredo, procurando “atacar as raízes do processo de desequilíbrio interno e externo”, naquele momento.38 A política do governo, nesta esfera, era continuamente justificada em termos de “ajustamento da economia brasileira às novas condições impostas pela (…) crise do petróleo e de seus desdobramentos”.39            Nos                 inúmeros         depoimentos   e pronunciamentos dos condutores do regime, o III Plano Nacional de Desenvolvimento (1980-1985)40, tinha como prioridade estimular aqueles setores que possibilitassem dar continuidade

aos programas sociais da ditadura.41

Não há qualquer novidade no fato de o regime justificar suas atuações, naquele momento, em termos de aceno ao atendimento das exigências do campo social, pois todos os governos militares o fizeram em outros momentos. Interessa a este trabalho, especificamente, o processo desencadeado pelo regime visando ganhar aceitabilidade para a sua estratégia econômica a partir da manutenção do conteúdo ditatorial do Estado combinada com uma suposta intenção democratizante, veiculada para justificar a atuação do regime em todas as esferas da vida social.

Tentava-se dissolver as impossibilidades da estratégia econômica, no período da abertura, através das demais estratégias. A política e a psicossocial eram aquelas que ganhavam maior ênfase à medida que se encaminhavam as dificuldades econômicas para o âmbito do suposto ideário de democracia que o regime vinha construindo. As soluções da crise econômica eram

 

 

apontadas, então, como vinculadas à mudança de comportamento da sociedade como um todo.42

Nessas condições, dizia o presidente Figueiredo que, “mais do que em qualquer outra época, a educação é decisiva para a solução dos problemas que afligem a sociedade. (…) É preciso que a mocidade adquira consciência dos valores que estruturam nossa civilização e não se deixe arrastar pela miragem de modelos culturais que, já superados, se despedaçam, pelas suas contradições internas, sob nossos olhos. É preciso, especialmente, que os jovens estejam habituados a buscar soluções que correspondam à nossa realidade, ao que temos de peculiar. É preciso que busquem a verdadeira identidade nacional, os valores genuinamente brasileiros, na sua qualidade de elementos que hão de garantir ao nosso país o destino que lhe está reservado”.

 

Obrigada a avaliar permanentemente os seus objetivos, a identificar e promover os valores éticos, sociais e políticos, próprios de uma cultura original (…) Fomentar a educaião está, pois, entre os planos inadiáveis do governo, que não deixará de investir no que, como se costuma dizer, é o nosso mais precioso produto: o ser humano.43

 

De maneira ajustadíssima aos pressupostos básicos colocados a partir do movimento militar de 1964, na era da abertura, assistia-se a uma constante vinculação da solução dos problemas (inclusive os econômicos) à internalização de valores que, segundo o regime, visavam estruturar a própria civilização. A ditadura continuava, sem dúvida alguma, insistindo em que ela possuía as soluções para as diversas esferas da vida social porque ela era portadora e divulgadora dos princípios morais e éticos, ou seja, de um sistema de idéias e valores que garantia a construção de um dado futuro.

O regime militar insistia, desta forma, em que estávamos diante de um presente – a abertura política – cuja construção tinha sido realizada pelas condições objetivas (medidas e ações) e pelas condições subjetivas (sistema de valores éticos e morais) que deveriam se constituir em engrenagem de um futuro que o movimento militar, segundo os seus condutores, já teria decretado desde março de 1964. Os valores genuinamente brasileiros, por

 

 

exemplo, eram, segundo os condutores da abertura, aqueles que as Forças Armadas estiveram sempre incumbidas de sedimentar na sociedade brasileira. Eles seriam uma espécie de reconhecimento de nossa realidade para que fosse possível superar todos os problemas vigentes, tanto naquele momento quanto nos vindouros.

A importância dada pelo regime, no início da década de 80, à estratégia psicossocial se esclarecia à medida que ele tentava justificar todas as suas ações, medidas e intenções no âmbito dos valores sociais. Neste plano, principalmente, havia uma enorme insistência de que o produto mais precioso da ditadura era o ser humano. Desta forma, a política econômica do governo era apresentada como tendo o homem e a esfera social como sua preocupação básica.

A ditadura prosseguia, assim, no seu intento de construir uma mentalidade favorável às suas realizações e feitos, bem como, aos valores que ela se dizia empenhada em proteger e desenvolver. Na esfera econômica era visível, durante o governo Figueiredo, uma estratégia voltada para a justificação de todas as medidas tomadas naquela área, através de uma incessante busca de isenção do regime no que dizia respeito à crise econômica, por exemplo, e todos os problemas dela decorrentes. O presidente Figueiredo pedia ao Congresso que o ajudasse a ajudar a “nação brasileira a vencer as imensas dificuldades do grave momento histórico que abala a estrutura econômica e social da comunidade internacional e prejudica a normalidade de nosso desenvolvimento.”44

Nessas condições, os problemas da recessão, da inflação, da dívida externa, dentre outros, eram remetidos insistentemente para as esferas que, segundo o governo, não dependiam totalmente dele. No que dependesse, ele dizia que estaria voltado para solucioná-los, principalmente, através de sua política de abertura. “A inflação, (a) desaceleração do nível de atividade, a instabilidade social, o desemprego, etc. eram mostrados como problemas econômicos que seriam solucionados no plano político com o sucesso da abertura, dentro dos moldes traçados pelos seus condutores.”45

No plano econômico, porém, os descontentamentos atingiam

 

 

todos os segmentos sociais, inclusive aqueles que davam sustentação ao regime em vigor, como por exemplo, os representantes do grande capital. A estratégia econômica mostrava- se totalmente ineficiente no sentido de ganhar aceitabilidade e adesão à atuação do governo naquela área, mesmo no interior do grupo de poder, à medida que ficava cada vez mais distante a possibilidade de reversão da tendência recessiva.46

A estratégia econômica do governo passava a insistir que a saída para a crise econômica estava na busca de união nacional.47 Num clima de acirramento das dificuldades econômicas e de agudização das formas de resistência dos diversos setores sociais, passava-se a divulgar que a solução era buscar o consenso como única maneira de amenizar as divergências e os conflitos sociais.48

Os condutores do regime divulgavam que encontrar formas de amainar os antagonismos tinha sido, desde março de 1964, o seu fundamento. Apelava-se, assim, para o seu suposto ideário de democracia que estaria voltado para a criação de uma ordem social harmônica e desprovida de qualquer forma de contestação. Havia, então, uma tentativa de estancar as dificuldades econômicas no âmbito da fórmula de abertura proposta pelo governo e de sua estratégia psicossocial. Golbery do Couto e Silva afirmava: “De qualquer forma, aprofunda-se o fosso de retardo cultural entre a marcha institucional para uma democracia que se deseja mais progressista, liberal e participativa e a rigidez da frente econômica, a exigir, esta, maior amplitude e eficiência dos controles governamentais. O que faremos, então?”49 Sob esse aspecto, especificamente, assistia-se a um empenho

de diversos setores que compunham o grupo de poder para criar as condições que legitimassem aquele encaminhamento. Ou seja, havia enormes dissensões entre os representantes do grande capital quanto à forma de condução da economia, no entanto, eles concordavam absolutamente com o governo de que a única possibilidade de se acertar os passos do país era dando prosseguimento àquela estratégia política em andamento, a qual deveria ser controlada inteiramente pelos militares.50

Os componentes do grupo de poder (militares, tecnoburocratas e representantes do grande capital) insistiam em que a política de abertura era, assim, a ponte para se vencer a

 

 

crise econômica e os problemas dela decorrente. O ministro da Indústria e Comércio do governo Figueiredo afirmava: “Justamente para evitar que os humildes se tornem humilhados é que o governo, num gesto sábio, resolveu fazer a abertura política. O governo está convencido de que sem o desenvolvimento político, o desenvolvimento econômico não serve ao social”.51

Depoimentos desta natureza revelavam que o regime se empenhava arduamente em justificar os caminhos por ele propostos tendo em vista as condições sociais existentes. A busca de adesão aos caminhos trilhados pela fórmula de abertura do regime era calcado, naquele momento, na insistência de que o desenvolvimento econômico tinha como pré-condição o desenvolvimento político nos moldes idealizados pela ditadura militar.

Desde o seu início, o regime se considerava como provedor das condições para uma suposta fórmula de desenvolvimento político, o qual era mostrado como fruto não da atuação e/ou enfrentamento dos diversos grupos sociais, mas sim de um processo de molduragem da mentalidade e do comportamento de todos os brasileiros aos valores e aos objetivos que haviam norteado o movimento militar. Este processo era redimensionado na era da abertura de maneira que não ocorresse um desvencilhamento dos pressupostos essenciais da ditadura.

Fazia parte da estratégia do governo a divulgação de elementos que comprovassem a sua preocupação com a desestatização e com o fortalecimento da iniciativa privada. O presidente João Batista Figueiredo dava garantias publicamente de seu compromisso de encaminhar este processo; o que era, indubitavelmente, uma forma de obter adesão a seu projeto político entre os setores que compunham o grupo de poder (os representantes do capital) para os quais a solução da crise econômica passava por estas duas questões.

Era evidente que a ditadura militar se empenhava, naquele momento, em encontrar meios de sedimentar uma consciência positiva sobre ela entre os diversos segmentos sociais. Neste aspecto, principalmente, os representantes do capital, por exemplo, contribuíam enormemente para que isto se tornasse possível. Ou seja, as dissensões no interior do grupo de poder

 

 

não impediam que eles circunscrevessem os seus dissentimentos de forma que eles não criassem empecilhos para a ditadura nesta sua última grande tarefa.

O endosso absoluto da abertura política nos estreitos moldes colocados pela ditadura deixava evidente este empenho dos representantes do capital em ajeitar os dissentimentos no interior do grupo de poder para que o desengajamento continuasse sendo elaborado de acordo com o planejamento feito pelos militares.52 Isto favorecia o regime no seu intento de não perder o controle sobre o processo político em curso.53

Não se supôs em nenhum momento deste trabalho que o apelo à legitimidade por parte do regime estava ligado somente à sua estratégia econômica. Pelo contrário, procurou-se demonstrar que a ditadura agia em todas as frentes possíveis visando enlaçar os diversos segmentos sociais aos seus propósitos. Enfatizaram-se as estratégias políticas e psicossociais como elementos centrais deste processo. Portanto, as dificuldades na área econômica, no período de 1979-1984, não desmantelavam por completo a possibilidade de se buscar aceitabilidade para o projeto político de ditadura.

O gal. Golbery do Couto e Silva afirmava que o regime tinha clareza de que a busca de adesão não podia estar centrada somente nas realizações econômicas. “A impressão (…) que eu, o Petrônio e o próprio presidente (…) tínhamos, era a de que um governo autoritário54 só se mantém enquanto é eficiente. Ele não tem legitimidade constitucional. Então a legitimidade dele está no factual, na prática. Ele só é considerado legítimo enquanto está melhorando a situação de todo mundo, enquanto está produzindo resultados aceitáveis. Agora, os resultados um dia são bons e outro dia são maus. Sofrem influência externa, até de calamidades públicas. Então, a conclusão parece lógica: não se pode jogar toda legitimidade do governo em cima da realização de um bom governo, porque isso é uma utopia.”55

A afirmação de que o regime militar se debateu para formar uma consciência coletiva a seu favor e a avaliação de que ele foi significativamente bem sucedido neste intento pode ser verificada, também, através das pesquisas realizadas após a ditadura. O DataFolha realizou estas pesquisas em diversos

 

 

momentos e constatou em 1992, por exemplo, que uma parcela significativa da população brasileira ou se posicionava que tanto fazia se o governo era ou não uma ditadura (26%) ou que em certas circunstâncias seria melhor uma ditadura que um regime democrático (23%).

Há, porém, um dado ainda mais revelador do êxito da ditadura militar quanto à construção de uma consciência coletiva favorável a ela. Em março de 1993, o DataFolha fez uma pesquisa na qual se observou 49% da população brasileira ficava entre concordar muito, pouco e/ou discordar pouco que o Brasil funcionaria melhor se os militares voltassem ao poder. Ou seja, praticamente a metade da população (tendo em vista que a margem de erros é de dois pontos percentuais) tinha esta posição.56 A eficácia das estratégias de busca de aceitabilidade e adesão para a ditadura era atestada, pelos seus condutores, não apenas durante a sua vigência, mas também pós-regime.57O gal. Ênio dos Santos Pinheiro afirmava em depoimento, no início da década de 90, que a Folha de S.Paulo fez uma pesquisa durante o período Médici e detectou que 85% da população considerava

aquele governo ótimo e bom.58

A formulação de um suposto ideário de democracia que cimentava as diversas estratégias da ditadura (militar, psicossocial, política e econômica) teve sem dúvida um papel importante neste processo de criação de uma consciência favorável ao regime militar. Seguramente, este tenha sido o dado definidor e articulador por excelência deste processo. É perceptível, através das pesquisas citadas anteriormente, que a população não relacionava diretamente ditadura e regime militar. Isto tem a ver, sem dúvida, com a constante insistência dos condutores do processo político instaurado após 1964 em sedimentar a idéia de que aquele período estava voltado para a implantação de uma suposta verdadeira democracia no país.

A estratégia econômica do governo João Batista Figueiredo se mostrava completamente incapaz para resolver a crise econômica, por exemplo. No entanto, ele apelava, em 1983, para a união nacional como forma de vencer esta crise que não era apenas nacional, mas mundial.59 O consenso e a conciliação passavam, assim, a fazer parte das estratégias política e econômica do governo com grande ênfase.

 

 

A insistência no estabelecimento da conciliação e do consenso se constituíram em elementos básicos da atuação do regime em torno de sua estratégia econômica, a qual não resolvia os problemas naquela área, mas se constituía em um instrumento de justificação do processo em curso. A ditadura prosseguia, assim, se empenhando para que as dificuldades econômicas não desmantelassem o seu intento de sedimentação de uma consciência favorável a ela. O presidente Figueiredo dizia: “As crises que aí estão, entre as quais a econômico-financeira, germinavam quando lancei o projeto de abertura. (…) Entendo, contudo, que a democracia pluralista e liberal, em vez de dificultar a adaptação às novas condições do mundo, é o regime que, bem praticado (o que significava praticado nos moldes postos pela ditadura) melhor serve à solução dos problemas sociais e políticos criados pelas mudanças que se operam na sociedade. (…) A abertura democrática entra, aqui e agora, em seu segundo momento. (…) É imperativo, pelo menos agora, diante das dificuldades com que o país se vê a braços, que se estabeleça trégua política para superarmos mais facilmente, em clima de cooperação e entendimento, esses graves problemas”.60 Este depoimento do gal. Figueiredo mostrava que do começo ao fim de seu governo assistia-se à montagem de uma ofensiva que procurava operar ao mesmo tempo a cristalização da mentalidade de que os problemas na área econômica não eram inerentes àquele regime, mas sim decorrentes de fatores externos tais como uma luta intermitente para desarmar os setores que se mobilizavam contra as condições de perda salarial, desemprego

e outros que se agravavam naqueles últimos anos.61

A restauração da credibilidade no governo era mostrada como a condição fundamental para solucionar os problemas econômicos no período da abertura política.62 Isto apontava para a contínua insistência do regime em torno de categorias inerentes à legitimidade. Ou seja, a adesão aos pressupostos do governo em torno da crise econômica era apontada como a única maneira de se resolver todos os problemas do país. O regime persistia empenhado, naquele momento, em desfigurar todos os conflitos e divergências. Ou seja, somente a crença absoluta em seus propósitos seria admitida. Isto era válido para as esferas econômica e política.

 

 

A superação dos impasses só seria possível, segundo o governo, se eles fossem trazidos para o âmbito do regime.63 Em 1983, os militares advertiam que se não houvesse consenso contra a crise econômica, a abertura estacionaria.64 A partir de meados de 1983 ficavam cada dia mais explicitadas as dificuldades de que a estratégia econômica do governo Figueiredo se traduzisse em elementos que contribuíssem para a sedimentação de uma consciência coletiva favorável ao regime.

O regime labutava para que as dificuldades de sua estratégia econômica no tocante à construção de uma mentalidade coletiva favorável aos caminhos propostos pelo regime fosse compensada no âmbito de sua estratégia política e psicossocial. Todos os setores do grupo de poder passavam, então, a defender com maior ênfase que a solução era política. Portanto, todos os segmentos sociais deviam chancelar a fórmula de desengajamento proposta pela ditadura, ou seja, todos eram convocados para aderir e aceitar a forma de reordenamento do modelo político em andamento.

 

A insistência em projetar para o futuro o ideário de democracia do movimento militar de 1964:

elementos fundamentais de uma determinada estratégia política

 

Segundo o presidente João Batista Figueiredo a abertura política promovida pelo regime em vigor objetivava, principalmente, criar as condições para que a revolução de 1964 fosse incorporada à história. Ele se dizia de acordo com Geisel de que aquele período de quase 20 anos tinha que ser tomado “como um acontecimento irreversível que, transformando qualitativamente a sociedade brasileira pelo alcance de sua obra extraordinária, projetaria sobre o futuro um ideário que há de inspirar muitas gerações”.64

A construção de um sistema de idéias e valores se constituiu em um dos fundamentos do processo psicossocial e político instaurado em 1964. Atravessou todo o regime militar como um fio condutor esta preocupação com o estabelecimento e com a internalização do ideário construído pelo movimento de

 

 

  1. A intenção de projetar para o futuro os objetivos e propósitos da ditadura se tornou o elemento chave de sua investida no sentido de elaborar uma consciência coletiva favorável a ela.

O desígnio de inspirar várias gerações futuras continuava sendo no período da abertura norteador dos propósitos dos condutores do regime. Ficava, evidente, desta forma, que o projeto de construção de uma ordem social fundada na não- contestação, no não-conflito, na não-divergência, ou seja, na aceitação irrestrita dos valores ligados à disciplina, à harmonia e à integração pretendia transcender o período de vigência da ditadura. Isto é, esta deixaria de vigorar, mas os seus princípios deveriam ter sido internalizados por toda a sociedade de maneira que as gerações vindouras os propagassem com o afinco suficiente para perpetuá-los.

A intenção de projetar para o futuro aqueles aspectos que a rigor constituíram o regime militar demonstrava que este não tinha, sob qualquer hipótese, intenções efêmeras com relação à organização social brasileira.66 Pretendia-se, indubitavelmente, incrustar na mentalidade de todos, os elementos que tornariam impossível, segundo os condutores da abertura, subverter o sistema de idéias e valores que o regime tinha, arduamente se empenhado em sedimentar. O presidente Figueiredo atestava este objetivo afirmando que muito já se tinha conseguido “a fim de tornar efetiva a realização do ideário da revolução de 1964. Esses compromissos se resumem na promessa jurada de fazer deste país uma democracia da qual nossos filhos possam orgulhar-se”.67 O período da distensão e da abertura, segundo os seus condutores, servia, assim, como um teste para a sociedade brasileira. Ou seja, o regime verificaria se os valores essenciais do regime em vigor tinham sido internalizados pelos diversos segmentos sociais. Segundo o presidente Figueiredo, era isto que comprovaria a firmeza dos alicerces de um país renovado “que os militares tinham se empenhado para construir.” Disto dependia o sucesso e o próprio

prosseguimento da política de abertura.68

Ganhavam ênfase, naquele momento, as pressuposições de que a anistia e o pluripartidarismo, as quais foram as primeiras medidas tomadas no governo Figueiredo, eram meios de aperfeiçoar o ideário de democracia do regime militar. Passava- se, assim, a divulgar que estes dois projetos do executivo tinham

 

 

o objetivo de desarmar os espíritos “pela convicção da indispensabilidade da coexistência democrática”.69

Os formuladores e condutores da política de abertura se empenhavam para que as medidas postas em prática nos anos anteriores não se mostrassem em contradição com aquelas tomadas naquele momento (a anistia70 e o pluripartidarismo,71 por exemplo). Ou seja, as punições através da Lei de Segurança Nacional e a instauração do bipartidarismo eram insistentemente mostrados como resultado de diferentes circunstâncias históricas. O regime teria sido obrigado a recorrer a elas; as quais não eram desabonadoras, diziam os militares no poder, de seu suposto ideário de democracia.

Buscavam-se, assim, pontos de conexão entre a política de abertura e todo o período que lhe era anterior. O pretenso sistema de idéias e valores sobre a democracia era apontado como unificador destes dois momentos. A liberalização posta em andamento pelo regime era mostrada pelos seus formuladores como absolutamente conectada ao movimento de 1964, bem como a seus objetivos. Não havia, por parte dos condutores da abertura, qualquer intenção de apontar separações e/ou divisões entre aquele período e os anteriores.72

Em torno de um suposto ideário de democracia é que se conectavam as posições de diversos grupos militares. Desta forma, tanto aqueles que faziam parte dos defensores da política de abertura quanto aqueles que a criticavam, justificavam suas posições a partir de seus desígnios, comportamentos, valores éticos, etc., supostamente democráticos. Alguns militares, por exemplo, diziam não estar de acordo com a forma de condução da liberalização, no entanto, eles atestavam que eram tão ou mais democratas que os formuladores do projeto de abertura.73

O gal. Leônidas Pires Gonçalves, que foi chefe do Estado- Maior do I Exército em 1974 e ministro do Exército no governo Sarney (1985-1990), atestava após o regime militar, que o presidente João Batista Figueiredo esteve empenhado na democracia da mesma maneira que os outros militares também

o estiveram. Ele insistia em que todos tinham labutado desde o início do movimento militar para que a revolução desaguasse em uma determinada forma de democracia.74

 

 

Depoimentos desta natureza expressavam o empenho dos militares, tanto durante quanto após o regime instaurado em 1964, em formar uma consciência coletiva favorável a ele. O seu suposto sistema de idéias e valores sobre a democracia que serviu como baliza de seu constante empenho para se legitimar, continuava desempenhando tanto no período da abertura quanto após o fim do regime militar um papel fundamental.

Na era da abertura, os militares que faziam parte do grupo de poder, mesmo havendo divergências entre eles, atestavam que as suas estratégias no campo político tinham a ver com a coroação dos objetivos do regime instaurado em 1964. Havia, no entanto, uma necessidade de se afirmar que a abertura expressava o ponto de chegada de uma suposta democracia que os condutores do processo instaurado há quase vinte anos almejavam.

O presidente da República, gal. João Batista Figueiredo, ao afirmar que iria fazer deste país uma democracia dava um sentido de continuidade, e não de rompimento, com os objetivos desenvolvidos desde 1964, à medida que todos os demais generais-presidentes também diziam ter suas estratégias (política, econômica, militar e psicossocial) voltadas para a consecução deste objetivo. Todos ao saírem do poder garantiam que deixavam a democracia instaurada e que isto não era um mérito propriamente deles, mas do próprio regime que vigorava desde 1964.

Os condutores do regime tiveram, no entanto, dificuldades para lidar com essa questão durante a abertura. Ou seja, o suposto ideário de democracia tinha, desde março de 1964, fundamentado a busca de legitimidade pela ditadura e, todavia, dadas as condições sociais vigentes no período da abertura política, fazia- se necessário atestar que aquele momento expressava tanto a coroação dos objetivos e intenções do regime como agregava novos elementos às intenções pretensamente democratizantes dos militares no poder.

Sem dúvida, isto aprofundou as dissensões no interior das Forças Armadas tendo em vista que alguns militares se empenhavam para se mostrar mais democratas que os outros. Os casos do presidente Figueiredo e do gal. Golbery do Couto e Silva podem ser citados como exemplo.75 A posição deste último com relação à anistia como uma estratégia que possibilitaria o

 

 

“aperfeiçoamento do sistema democrático, torna(ndo) capaz, por si mesmo, de aperfeiçoar-se ainda mais, assegurando o salutar usufruto das franquias individuais e coletivas e implantando o exercício corrente e eficaz da atuação participativa de todos os cidadãos e grupos sociais na tomada das grandes decisões de interesses da coletividade nacional,”76 não continha no plano prático nenhuma subversão aos pressupostos do regime militar, mas causava desconforto e reações contrárias dentro das Forças Armadas, pois alguns de seus componentes temiam os resultados que este processo poderia desencadear.77

Golbery do Couto e Silva se preocupava em assegurar para todos os componentes do grupo de poder, não apenas para os militares, que a estratégia política do poder executivo naquele momento não rompia com os parâmetros colocados pelo regime no seu transcorrer, mas visava sim ampliar a sua área de manobra, “essencial à promoção, em tranqüilidade e segurança, de nossos objetivos políticos, mediante a aplicação, em sucessão irregular, de golpes inopinados contra as várias frentes circundantes, cada uma de per si. Desta forma, buscar-se-á balizar, desde logo, limites às ações adversárias permitidas, ampliando-se gradativamente, a seguir, nosso espaço de segurança e manobra”.78

A insistente referência de Golbery do Couto e Silva a nossos objetivos políticos é sumamente expressiva principalmente no que diz respeito à criação de uma mentalidade favorável ao regime em vigor. Potencializava-se o encontro da estratégia política e psicossocial, à medida que se pretendia neutralizar a formação de posições desfavoráveis à atuação da ditadura nas diversas áreas; o que possibilitaria a ampliação da margem de manobra para que o regime conseguisse impor seu projeto de liberalização política.

Golbery do Couto e Silva, um dos formuladores da política de abertura, valorizava como parte da estratégia psicossocial da ditadura, o empenho dos seus condutores no sentido de condicionamento das mentalidades de todos os brasileiros visando atestar, naquele momento, a identificação do povo brasileiro com os objetivos e valores do regime que se esvaía.

Segundo ele, todas as atitudes contestatórias (as greves e as reivindicações de ampliação da anistia, por exemplo) deveriam ser apresentadas para a população como contraproducentes ou

 

 

suicidas.79 Isto significava ganhar os indivíduos e os grupos para o projeto político do governo. Persistia a idéia de que o regime continuaria lutando para educar a sociedade para a suposta fórmula de democracia pretendida desde março de 1964. Se, naquele momento, surgiam diversas frentes de contestação à ditadura, era preciso atomizá-las através de medidas como o pluripartidarismo, por exemplo, dizia o gal. G. do Couto e Silva.80

 

O ressurgimento da vida partidária, não só reconhecida esta como legítima, mas protegida e mesmo acatada pelo próprio governo, é de esperar-se que recoloque, afinal, os partidos em seu papel original de principais atores do campo político, fazendo refluir aos leitos de suas atividades específicas aquelas muitas entidades não-políticas que havia, extravasando de sua área operacional, usurpando espuriamente aquele mesmo papel como sucedâneos de partidos.81

 

Através dos condutores da abertura política, a ditadura reagia às contestações que floresciam, no início da década de 80, no interior da sociedade civil, buscando estreitar os laços com aqueles setores que, segundo Golbery do Couto e Silva, tinham maior afinidade com o regime. Para ele, no entanto, havia, também, possibilidades de se alcançar apoio de setores não- afinados completamente com aquele processo, o que deveria ser feito através de uma “hábil e esclarecida manobra de cooptação por partes”.82

A partir de depoimentos de membros do governo ficava evidenciado que o regime atestava que a grande maioria aceitava suas medidas e ações durante o processo de desengajamento. Desta forma, justificava-se o enorme controle que ele exercia sobre aquele processo. A estratégia política do regime nos seus últimos anos passava pela busca de aceitabilidade e adesão a seus propósitos, tendo em vista que os componentes do grupo de poder se empenhavam em articular todas as mudanças a partir de seus propósitos. Tanto as eleições de 198283 quanto a sucessão presidencial em 1984 foi a expressão mais acabada deste intento. As condições de busca de aceitabilidade não foram, evidentemente, idênticas em todos os períodos. Expuseram-se, no decorrer deste trabalho, as modificações e as especificidades

 

 

deste processo nos diversos momentos. Está sendo demonstrado, neste capítulo, que a busca de adesão ao projeto de abertura política do regime se deu de maneira altamente complexa em que ocorria um constante embate no sentido de sedimentação de uma consciência coletiva favorável ao regime como um todo numa espécie de obsessão para projetar para o futuro um ideário que, como afirmou Geisel, haveria de inspirar muitas gerações.84 Este projeto de transcender o próprio período de sua vigência se colocava desde o início do regime militar, como foi fartamente demonstrado no segundo capítulo, principalmente. A estratégia psicossocial do regime tinha isto como objetivo, ou seja, a sedimentação de valores que cristalizassem o tipo de ordem social que o movimento de 1964 buscava. No período de 1979 a 1984, a desconstrução da possibilidade de formação de uma mentalidade negativa que se projetaria para o futuro passava indubitavelmente pelas fórmulas de transição que o regime

colocava em andamento.

No caso da instauração do pluripartidarismo, por exemplo, a ditadura se empenhava em divulgar que ela estava fazendo um enorme esforço para o restabelecimento da vida partidária no país, o que era uma exigência, afirmava o gal. Figueiredo, da própria suposta democracia que o regime instaurado em 1964 almejava.85 O PDS (partido do governo que se constituiu congregando

os membros da ARENA) tinha a incumbência de articular de maneira mais aberta a viabilização das decisões do presidente Figueiredo e da cúpula militar.86 Os seus líderes trabalhavam incansavelmente para divulgar a suposta disponibilidade do governo para a conciliação e para a negociação.87

O presidente Figueiredo se empenhava em ganhar aceitabilidade para a estratégia política do regime atestando através de pronunciamentos diversos que o “funcionamento produtivo da vida democrática” passava pelo diálogo e pela negociação. O regime, segundo ele, não era intransigente, mas exigia disciplina na condução do processo político naquele momento, pois se faltasse “essa condição essencial (ocorreria) a degeneração da verdadeira prática democrática em lamentáveis episódios de simples, frontal e desnuda contestação (…)”.88

A tese de conciliação nacional passava a embasar a busca de adesão para o processo político em andamento. Não somente

 

 

o PDS, mas também o PMDB89 e o PP eram completamente receptivos àquela tese que se ajustava perfeitamente aos objetivos da abertura política em andamento. Não é possível, no âmbito deste trabalho analisar a atuação de cada partido que emergiu com a reforma partidária. Ela será apontada somente naqueles aspectos que apontam para a viabilização dos propósitos do regime no sentido de construção dos mecanismos de controles do processo em curso.

A atuação dos partidos acima citados favorecia enormemente a ditadura na sua fórmula de desengajamento. O presidente Figueiredo alertava tanto estes como os demais partidos de que o projeto de abertura estaria condicionado à criação de um ambiente “salutar à negociação política”.90 Segundo ele, isto é que daria consistência ao suposto modelo de sociedade democrática vislumbrado desde o início pelo regime militar.

O estabelecimento da conciliação, da negociação e do consenso91 passavam a ser mencionados pelo regime como o fundamento da práxis democrática que seria, assim, implantada no dia-a-dia como única forma de garantir a felicidade de todos os brasileiros. Esta última idéia, assim como a de bem comum continuavam a fazer parte do suposto ideário de democracia da ditadura. Incrivelmente, o regime mantinha intacta, desde o seu início, a sua hipotética fórmula de sociedade democrática.

O suposto ideário de democracia do regime na era da abertura política era ressaltado pelos seus formuladores em correlação com o tipo de Estado por eles vislumbrados. Golbery do Couto e Silva, em Sístoles e diástoles na vida dos Estados, afirmava que “na realidade, a vida do Estado é multiforme, estendendo- se-lhe a ação promotora, controladora e inibitória ou coercitiva a campos vários e múltiplos setores, todos interdependentes de fato e que mal se enquadram em qualquer das costumeiras demarcações não mais que didáticas – campos político, econômico, psicossocial e militar, por exemplo.”92

Nessas condições, a dinâmica do desengajamento proposto teria que contar fundamentalmente com a estratégia de controle do processo político em andamento. Daí a importância da conciliação e da negociação à medida que a abertura seria feita de maneira que continuasse garantindo ao Estado sua ação controladora e coercitiva nos moldes do regime ditatorial vigente.

 

 

Aquela estratégia expressava, então, a busca de elementos que não rompessem com a dinâmica implantada pela ditadura. Ou seja, o regime se empenhava em prosseguir fornecendo ao Estado os meios de definição de suas estratégias nas diversas áreas.

Enquanto alguns agentes sociais (os intelectuais, por exemplo) se preocupavam em destacar o lado positivo daquele processo de abertura,93 os militares no poder se preocupavam em amarrar todos os lados do desengajamento a seus propósitos e objetivos para que o processo, não lhes escapasse das mãos sob qualquer hipótese. Certamente, a hipervalorização da abertura (tendo em vista que os militares não deixavam outra saída) possibilitava ao regime dar prosseguimento àquele processo dentro dos marcos traçados pelos militares no poder.

Os movimentos contestatórios do período da abertura (as greves, por exemplo) eram mostrados pelo regime como uma afronta a seu sistema de idéias e valores sobre a democracia. Ou seja, como atentado aos valores da família brasileira, aos pressupostos de bem comum e aos elementos garantidores da felicidade de todos os brasileiros. A tese de conciliação nacional era enquadrada dentro destas pressuposições, ou seja, o governo justificava sua estratégia política, naquele momento, em cima também destes elementos que tinham servido de base para as demais estratégias (econômica, política e psicossocial) nos anos anteriores.

O regime justificava sua proposta de implantação de algumas mudanças, tais como: voto distrital, voto vinculado,94 etc., do mesmo modo que o fazia desde março de 1964, para justificar as demais medidas de sua estratégia política. A vinculação das reformas a um suposto ideário de democracia expressava um enorme investimento para convencer a população de que somente o regime oferecia garantias de que os valores e os desejos mais caros da população seriam levados em conta.

A associação entre conciliação e retrocesso era definida dentro desta perspectiva.95 Só poderiam falar em negociação e na possibilidade de retrocesso, os próprios condutores do processo de desengajamento, pois segundo os próprios militares, somente eles eram capazes de levar em conta os desejos de todos os brasileiros.96 A estratégia psicossocial continuava, assim,

 

 

desempenhando um papel fundamental no processo de busca de adesão para a estratégia política do regime.

As recusas e as contestações que emergiam no interior da sociedade civil ao projeto de abertura do regime não impediam que este pelejasse para arrumar formas de justificação de sua estratégia política. A análise da atuação dos militares neste sentido leva à compreensão de uma dimensão pouco investigada na relação dos condutores da ditadura com a população: a estratégia psicossocial que continuava expressando, na era da abertura, uma luta incessante para que houvesse uma internalização dos pressupostos básicos da ordem social almejada pelo movimento de 1964.

A estratégia política e psicossocial do regime, na era da abertura, deixava evidente que os seus condutores vislumbravam sempre os elementos que possibilitassem o enaltecimento no futuro dos feitos e realizações da ditadura. A não-quebra de seu ideário de democracia revelava a busca de conexidade entre o regime e o futuro, numa contínua relação de ajustamento da ordem social, tanto no plano objetivo quanto no subjetivo, aos pressupostos da ditadura que vigorava desde 1964.

A estratégia política e a psicossocial agiam, então, numa relação de complementaridade, tanto que o regime em nenhum momento confiou seu projeto de organização social somente àquela segunda. No período da abertura ficava, porém, mais evidente que a ditadura atuava no plano objetivo visando criar todas as condições para manter as rédeas do processo político. Nas eleições de 1982, por exemplo, o governo, por decreto, tentava garantir que o controle do Congresso permanecesse em suas mãos. Ele tinha em vista, obviamente, a constituição do Colégio Eleitoral que elegeria o sucessor do gal. Figueiredo.

Um dos elementos utilizados como forma de angariar apoio para o PDS, nas eleições de 1982, foi o lançamento do pacote social que propagava que o governo estaria investindo em programas de agrovias, alimentação, empregos, creches, etc.. Segundo José Sarney, o “PDS continuaria majoritário no futuro Congresso”97 uma vez que a institucionalização do movimento de 1964 era também, naquele momento, uma prioridade, dizia o presidente do Senado, Jarbas Passarinho.98

 

 

Os componentes do grupo de poder do regime militar se incumbiam de divulgar que a institucionalização do processo político, instaurado em 1964, era prioritário, mas havia, também, segundo eles, um compromisso do governo de que “o poder seria negociado”. Desta forma, “a tendência em 1984 se(ria) de os candidatos a presidente da República saírem dos partidos, e não do chamado sistema”.99

Ficava demonstrado que até quase meados de 1982, os próprios líderes do partido do governo detectavam apenas uma tendência de que o candidato dos militares à sucessão de Figueiredo poderia sair dos partidos e não do sistema, como vinha ocorrendo desde março de 1964. Esta tendência era posta em destaque não somente pelo PDS, mas também pelos outros partidos, o que otimizava as expectativas dos diversos atores sociais com relação à abertura em andamento e à sua proposta de democracia.

É interessante destacar que os componentes do grupo de poder insistiam em que aquela tendência era um passo a mais no sentido da democratização da abertura.100 Os pacotes eleitorais que objetivavam dar resultados favoráveis ao PDS e/ou à possibilidade do candidato à sucessão de Figueiredo sair do partido do governo e não do sistema eram tidos como elementos que comprovavam que o governo estava democratizando cada vez mais a abertura.101

No início do processo de abertura política, os seus condutores ressaltavam que esta era democrática em si mesma. Ou seja, ela era apresentada como a coroação da suposta fórmula de democracia almejada pelo regime. No entanto, em 1982, o governo insistia em que ele estava criando as condições para a democratização da abertura. A busca de adesão e aceitabilidade ao processo político desencadeado levava os componentes do grupo de poder a atestar que toda as medidas postas em andamento tinham este objetivo.

A análise do andamento do processo político na era da abertura traz à tona os elementos esclarecedores do intento da ditadura em projetar para o futuro o seu ideário de democracia e sua tencionada forma de organização social. As questões destacadas no último parágrafo, por exemplo, comprovam a

 

 

intenção do regime de se institucionalizar a partir das eleições de 1982. Isto apontava para o fato de que os militares exigiam incondicionalmente que os seus propósitos continuassem sendo definidores do processo político em curso. O presidente Figueiredo argumentava que a sua suposta democracia conciliava “convenientemente o passado com o presente, e harmoniza(va) a estabilidade com a mudança”.102

Foi demonstrado no terceiro capítulo que, até o início da década de 70, os componentes do grupo de poder atacavam a democracia liberal como responsável pela desordem das instituições brasileiras. Ela é que propiciava, dizia Stenzel, líder da Arena, um verdadeiro excesso de liberdade.103 Na era da abertura, no entanto, o presidente Figueiredo afirmava que a sua fórmula de democracia era liberal e pluralista. “Liberal, porque repele ideologias bitoladas e truculentas, que se arrogam o monopólio não apenas da verdade, mas de todas as verdades. Liberal, porque não aceita a imposição de cartilhas que, na sua arrogância, pretendem ser a vulgata do pensamento, cartilhas cujos ditados o cidadão haja de curvar-se passiva e servilmente. Liberal, porque postula a liberdade econômica, social e política.”104

A questão que se coloca é a seguinte: por que, naquele momento, o suposto ideário de democracia do regime tentava se enquadrar na perspectiva teórica liberal? No imediato pós-golpe e também nos anos subseqüentes, a democracia liberal era apontada como aquela que poderia levar a sociedade ao comunismo. Portanto, precisava ser duramente combatida.

Os condutores do regime continuavam preocupados em se mostrar como abominadores de qualquer possibilidade de que a sociedade fosse conduzida ao comunismo, mas já não se fazia mais a relação liberalismo e comunismo que se fazia até o início da década de 70. A ditadura, no seu final, tinha maior clareza da distinção daquelas duas propostas de organização social, daí a possibilidade de associação da democracia com o liberalismo. Ou seja, ela não via mais nenhum risco de que este último conduzisse o país ao esquerdismo.

A junção do liberalismo com a democracia na época da abertura política era relacionada, inclusive, ao desejo de repelir as ideologias de esquerda que, para Figueiredo, almejavam ter o

 

 

monopólio da verdade. O liberalismo passava a ser mostrado como o esteio sobre o qual o suposto ideário de democracia do regime deveria estar apoiado. Este último deveria continuar insistindo no processo de desarmamento de qualquer possibilidade de esquerdização da sociedade e para tal tarefa, os pressupostos liberais deveriam ser continuamente invocados.

O gal. João Batista Figueiredo insistia também em que a sua fórmula de democracia era pluralista. Ele tinha um entendimento absolutamente próprio do pluralismo. Ou seja, este era a “capacidade inerente à razão, para escolher livremente as formas de vida individual e social, que melhor correspondam ao interesse, ou ao ideal do homem. (…) (Era também o pressuposto de ) que a livre iniciativa, em que se consubstancia a liberdade econômica, além de constituir em dos pilares da liberdade individual, é o instrumento por excelência da criação da riqueza”.105 Figueiredo dizia ainda que sua fórmula de democracia era pluralista porque conciliava o passado com o presente.

Em primeiro lugar, havia uma confusão exorbitante entre o liberalismo e o pluralismo no que tange à problemática da liberdade individual como instrumento de criação da riqueza. Em segundo, o que o gal. Figueiredo definia como pressuposto do pluralismo em nada se assemelhava a esta teoria no que se refere à sua vertente democrática desenvolvida nas ciências sociais.

O pluralismo democrático defendido por Robert Dahl, por exemplo, se referia basicamente à possibilidade de se criar mecanismos na sociedade para que os seus grupos ativos e legítimos fossem ouvidos em todos os momentos do processo decisório. Foi o que Dahl denominou expansão dos grupos de pressão e de interesses, uma vez que esses grupos possuíam condições mais ou menos iguais de competição.106

A defesa do pluralismo feita por Dahl, por exemplo, parte de pressupostos sumamente diferentes daqueles elementos defendidos pelo último presidente militar. O enfoque do cientista social americano, tido como um dos mais importantes representantes da teoria pluralista na atualidade, está centrado no governo das múltiplas minorias (poliarquia)107 onde a igualdade política pode ser resumida em igualdade de oportunidade que os grupos de pressão e interesses possuem para influenciar os que tomam decisão através do processo eleitoral.108

 

 

Nos seus últimos anos, o regime persistia se empenhando em inventar sentidos para a democracia. Ao definir a sua suposta fórmula de democracia como liberal e pluralista, Figueiredo lutava para mostrar o quanto as suas pressuposições estavam, segundo ele, avançando sem se desvencilhar das propostas de democracia definidas no decorrer do regime militar. Em nenhum momento, os condutores da abertura deixavam de vincular as suas realizações às intenções dos militares que vinham conduzindo o país nas duas últimas décadas.

Ganhava proeminência, na era da abertura, a insistência em projetar para o futuro o ideário de democracia formulado no transcorrer do regime militar. No entanto, numa tentativa de aprimorá-lo, o gal. Figueiredo insistia em que a democracia que ele buscava revestia-se de uma “feição dinâmica e criadora”.109 Ou seja, o país estaria, assim, atingindo, no seu governo, a máxima perfeição democrática vislumbrada pelo movimento militar desde março de 1964. Desta forma, o presidente da República afirmava que não seria tolerado, de modo algum, “a tentativa da subversão da ordem, nem o abuso do direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático”.110 O alerta de que não seria admitida qualquer tentativa de subversão da ordem ganhava enormes dimensões a partir das eleições de 1982. O PDS (partido do governo) não tinha obtido bons resultados nas eleições, à medida que perdeu nos estados de maior peso econômico. No entanto, ele mantinha o controle da sucessão de Figueiredo. Os militares, porém, afirmavam que não se poderia ter certezas sobre o andamento do processo de transição. Logo após os resultados eleitorais, o comando das Forças Armadas se reuniu e elaborou um documento afirmando que o país passava “por um momento de transição que pode desaguar em dois estuários bem distintos: nas águas mansas de uma democracia cristalina ou no

torvelinho das radicalizações inconseqüentes”.111

Todas as divergências existentes no campo político só poderiam, então, ser resolvidas pelo próprio presidente Figueiredo. O gal. Walter Pires, ministro do Exército, afirmava que somente o presidente da República era capaz de unir todas as correntes do país.112 O pretenso sistema de valores formulado no transcorrer da ditadura continuava insistindo, arduamente,

 

 

em que as divergências, os conflitos e todas as demais questões no campo político seriam resolvidos não pela atuação das diversas forças sociais na arena política, mas sim pelo empenho do próprio presidente da República.

Assim como os governos anteriores, o presidente Figueiredo também atestava que a sua suposta fórmula de democracia tinha a sua solidez vinculada à tutela do presidente da República.113 Ser tutor significava, porém, garantir que a estabilidade política e social prevalecesse. A adesão da sociedade aos propósitos do governo era imprescindível para que esta estabilidade fosse alcançada. As reivindicações populares, dizia ele, seriam atendidas à medida que elas não perturbassem a tranqüilidade pública. Controlá-las fazia, então, parte da tutoração do processo de combinação entre a continuidade e a mudança.114

A idéia de que a democracia só poderia funcionar se houvesse quem a tutorasse persistia sendo um dado importante do processo de abertura política. Ressalte-se que todas as articulações em torno de quem deveria suceder Figueiredo estavam atravessadas por esta idéia de que somente alguns tinham condições de dar prosseguimento à construção da suposta democracia que convinha, segundo os condutores do regime, à sociedade brasileira. O ministro do Exército, Walter Pires, afirmava que em hipótese alguma seria admitido que fosse alçado “para o futuro chefe de governo quem não (tivesse) o respaldo do passado e os predicados que o habilitem a conduzir os destinos da grande democracia, cujos pilares foram erguidos e serão mantidos pelos ideais da revolução de março de 1964.”115

Esta era, em síntese, a grande questão que se colocava nos dois últimos anos do regime militar. Ou seja, os componentes do grupo de poder, principalmente os militares, empenhavam-se arduamente em encontrar formas de projetar para o futuro os ideais do movimento de março de 1964. Buscava-se, assim, convencer a população de que somente os militares tinham condições de definir quem teria responsabilidade suficiente para dar prosseguimento aos ideais do regime vigente.

Em dezembro de 1982, foi publicada uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup, entre 20 de novembro e 05 de dezembro daquele ano, em quase todo o território nacional (com

 

 

exceção de Rondônia e Amazonas) em que se indagava qual era a preferência do eleitorado no pleito presidencial que deveria ocorrer em 1984. Um dado importante é que 40% dos entrevistados ficava entre preferir um candidato militar e/ou que tanto fazia se o candidato fosse ou não um militar.116

Este dado era, indubitavelmente, importante pois uma parcela significativa da população expressava-se em sintonia com os propósitos do regime em vigor. Dados desta natureza continuavam a comprovar que a ditadura ainda tinha nos seus últimos anos uma taxa considerável de aprovação. A árdua busca por aceitabilidade e adesão tinha, certamente, surtido efeitos consideráveis. Baseados nestes elementos é que os militares continuavam insistindo em que no futuro o país teria de continuar contando com eles.

Não se pode desconsiderar, logicamente, que nesta mesma pesquisa 68% da população dizia preferir eleições diretas, mas à medida que 53% do eleitorado preferia candidatos civis, detectava-se que 15% daqueles primeiros pensavam em eleições diretas para eleger um militar. Dados desta natureza não podem ser menosprezados tendo em vista que eles são reveladores, pois o objetivo deste trabalho é investigar as estratégias (política, econômica, militar e psicossocial) da ditadura visando alcançar aceitabilidade entre os diversos segmentos sociais; o que torna evidente a importância de dados tais como a taxa de quase 40% entre a preferência (21%) e a indiferença (18%) se o candidato era ou não um militar.

No que diz respeito à atuação do regime para cristalização de uma consciência coletiva favorável a ele e ao processo de abertura em andamento, desenvolveu-se, no último governo militar, toda uma estratégia psicossocial em que foram trabalhados gestos e linguagens que parecessem adequados para conquistar a opinião pública.

O gal. Octávio Costa que foi subchefe de gabinete do ministro do Exército entre 1974 e 1978, dentre outros cargos ocupados durante o regime militar, dizia que “assim como Costa e Silva viveu seu tempo de ‘Seu Arthur’, Figueiredo gozou a popularidade do ‘João’. Essa imagem foi bem trabalhada pelo Said Farhat e chegou a sensibilizar a opinião pública. O João com o seu

 

 

jeitão estabanado, sua inteligência repentista, sua autenticidade, conseguiu conquistar a confiança de muita gente. Mas aí ocorreu o episódio do Rio Centro, pedra que quebrou a vidraça e marcou

o começo do fim do governo. Apesar de alguns sucessos junto à opinião pública, o João não navegava em mar tranqüilo.”117

Mesmo após o término da ditadura, alguns generais que tinham feito parte do grupo de poder continuavam insistindo em que a sociedade nunca tinha contestado os militares e que em nenhum momento houve abalos de seus relacionamentos com

o mundo civil. Detectava-se, assim, uma persistência em atestar, após o regime, que a identificação entre o povo e os militares era algo que não se podia contestar.118

As estratégias políticas e psicossociais tinham, porém, papel central no processo de desengajamento. Ou seja, o presidente Figueiredo se empenhava em comandar a abertura numa situação de amplas dificuldades na esfera econômica de modo que não se deteriorassem completamente as possibilidades de ação da ditadura. Essas dificuldades do governo entre 1979 e 1984 e as tentativas de enaltecimento do papel dos militares no processo político brasileiro marcaram singularmente a era da abertura política.

Em meados de 1983, os militares no poder, comprometidos com o desengajamento, insistiam em, através de depoimentos na imprensa, por exemplo, que fazia parte de seus desígnios, desde o governo Castello Branco, a devolução do poder aos civis. Isto fazia parte do processo de busca de aceitabilidade, entre os diversos segmentos sociais, não somente para a abertura, mas, principalmente, para o regime militar como um todo.

A desconstrução cotidiana da possibilidade de generalização de uma consciência negativa sobre a ditadura continuava sendo nos seus dois últimos anos uma meta arduamente perseguida pelos seus condutores. Certamente este processo tem a ver com o fato de que os militares não tencionavam uma simples volta aos quartéis, ou seja, procuravam criar condições para continuar tendo um papel significativo no processo político. O cientista social Eliezer Rizzo de Oliveira afirmava que “os militares sempre tiveram participação política. Mesmo antes de 1964 eles nunca estiveram apenas nos quartéis”.119

 

 

A constante recorrência à aceitabilidade de seus propósitos, medidas e ações na era da abertura tem que ser analisada também tendo em vista que os militares sequer descartavam a possibilidade de que fosse eleito um militar para o período 1985-1991.120 Se isso não fosse possível, era necessário investir todos os esforços para eleger um civil altamente comprometido com a ditadura.121 Insistiam, então, em manter a fórmula política do regime militar; o que deveria ser feito estando eles ou não no poder.

A análise dos últimos anos do regime militar, a partir de seu empenho para dar continuidade à busca de aceitabilidade aos seus propósitos, revela que o desencadear do processo de distensão e de abertura não significava a instauração de um processo automático de saída dos militares do poder. Era muito mais complexo do que isto. A investigação de suas tentativas de ganhar adesão a todo custo durante os últimos anos da ditadura tem o mérito de revelar a tensão deste processo de desengajamento que pretendia se estender década de 80 a dentro.

Os documentos pesquisados revelam um alto grau de dificuldade dos componentes do grupo de poder, que conduziam a abertura política, em lidar com os setores militares que abominavam qualquer forma de distensão. Aqueles primeiros tinham que resolver esta dificuldade de maneira que não ficasse comprometida a possibilidade de prolongar os objetivos do regime, os quais deveriam ser mantidos com ou sem os militares na presidência da República após 1984.

 

Como poderíamos avaliar o equilíbrio do poder, no Brasil, depois das eleiiões de 1982? É evidente que os militares se encontravam numa posiião relativamente mais enfraquecida do que em 1970. Nada além disso. A afirmaião acima não quer dizer, necessariamente, que teriam menos poder de confrontaião do que a oposiião, ou menos poder eleitoral do que a oposiião, se o jogo fosse praticado dentro dos limites das regras eleitorais existentes. Mesmo após as eleiiões de 1982, os militares confiavam em que poderiam controlar a sucessão presidencial por quatro motivos. Em primeiro lugar, nem eles, nem o aparelho estatal achavam- se em vias de decomposiião (…). Em segundo, enquanto dirigentes de um aparelho estatal intacto, os líderes do governo acreditavam ter algum espaio para atuar sobre as regras do jogo eleitoral (…). Em terceiro, viam o jogo sucessório como fundamentalmente restrito aos membros

 

 

da sociedade política que tinham votos no colégio eleitoral (…). Em quarto, em 1982, contavam com o que pensavam ser sua ampla maioria no colégio Eleitoral (…) que escolheria o próximo presidente.122

 

A análise do regime militar como um todo deixa evidenciado que os elementos que vieram à tona no período da transição estavam sendo delineados no transcorrer de todo o período pós-1964. O ideário de democracia, por exemplo, que foi enormemente exaltado na era da abertura, não foi uma invenção daquele momento, mas parte da natureza singular daquele regime, o que foi fartamente demonstrado anteriormente. Isto pode ser dito também de todo o conjunto de estratégias psicossocial, militar, econômica e política, as quais tinham seus pés fincados na singularidade da ditadura aqui implantada.

O processo de transição, ao buscar constantemente aceitabilidade para aquela fórmula de desengajamento, lidava acirradamente com a necessidade de desconstruir toda e qualquer possibilidade de sedimentação de uma memória negativa sobre a ditadura como um todo tendo em vista a expectativa dos militares de projetar para o futuro a contínua construção da ordem por eles almejada.123

No entanto, esta forma de desengajamento, que se situava no interior de inúmeras tensões, somente foi possível porque “a ditadura militar instaurada em abril de 1964 no Brasil aparece, entre os regimes militares do continente, como a mais exitosa e, ao mesmo tempo, como a mais dissimulada. Seus êxitos se revelaram no campo econômico – sobretudo de 1968 e 1974. (…) No campo político, com uma significativa estabilidade entre 1970 e 1974 e a criação de condições para sua transformação interna sob relativo controle. (…) Sua dissimulação se patenteia (…) pelo fato de não se assumir enquanto tal. (…) Os militares brasileiros, ostensivamente escolhidos pela corporação militar e a ela prestando contas, sempre cumpriram o ritual da ‘eleição pelo parlamento’ e reverenciaram o mito da ‘representação popular’. Pode-se dizer que se tratava apenas de ‘salvar as aparências’. Mas isso não explica por que salvá-las? Por que não mudar as aparências? Não explica a importância do persistente compromisso com o ‘pleno restabelecimento da normalidade

 

 

democrática’. Afinal, essa inconseqüência aparente dos nossos chefes militares deu ao regime uma flexibilidade que outros não tiveram e deu a margem necessária para operar as transformações exigidas (…).”124

A análise da estratégia política do regime militar, na era da abertura, revela, porém, que uma das bases sobre as quais a ditadura tinha se fixado, permanecia imutável nos seus últimos anos: a despolitização. Eder Sader afirmava que a “despolitização obtida com a repressão deveria (naquele momento) ser consolidada. O projeto de abertura, com revalorização de instituições representativas e de controle sobre o poder por parte da burguesia, coexistiria com as técnicas de controle do poder militar sobre a sociedade, desenvolvidas segundo os ditames da ideologia da segurança nacional.”125

 

Mas, afinal, para os militares o regime chegava ao fim ou estava sendo apenas suspenso?

 

As estratégias política e psicossocial do regime deixavam sempre um sentido dúbio para o processo de desengajamento em curso na era da abertura. Por um lado, havia uma significativa movimentação de alguns setores organizados no interior da sociedade civil desde meados da década de 70, exigindo o fim dos governos ditatoriais.126 Por outro, os condutores do regime não deixavam de insistir na sedimentação de seu ideário de democracia como forma de dar continuidade ao processo de construção da aceitabilidade de sua forma despolitizante de conduzir o denominado desengajamento.

A tentativa do regime de se projetar para o futuro, como ficou evidenciado no período da abertura, indicava que os militares estavam se empenhando em criar as condições para que a ditadura não chegasse ao fim, mas sobrevivesse sob uma outra roupagem e/ou fosse somente suspensa com caráter definitivo ou não. Isto marcou sutilmente todo o processo de passagem da ditadura para a chamada Nova República (1985- 1989).

 

 

A investigação sobre as estratégias políticas, econômicas, militares e psicossociais do regime militar enredou esta análise diante da seguinte questão: por que a ditadura acabou em 1984? Foi se esclarecendo durante este trabalho que as razões de seu fim foram muito mais complexas do que aparentavam num primeiro momento. Uma coisa é certa, não é possível atribuir este processo de desengajamento somente às seguintes questões isoladamente: a crise econômica pós-1973, que se agravou no início da década de 80, e a crise de legitimidade dela decorrente, a emergência de formas de contestação entre alguns setores organizados da sociedade civil, a crise entre os condutores militares do regime, a retirada de apoio aos militares por parte de alguns membros do grupo de poder (por exemplo, os representantes do grande capital), as dissensões no interior do grupo de poder e as dificuldades do suposto ideário de democracia elaborado pela ditadura desde o seu início.

Existem, portanto, dois elementos a serem considerados. O primeiro é que o fim do regime militar está, no mínimo, ligado ao mesmo tempo a todos estes aspectos mencionados acima. O segundo é que tanto estes elementos indicavam o fim da ditadura como eles eram trabalhados pelos seus condutores buscando meios de prorrogá-la de diversas formas. Derivavam daí, também, os insistentes alertas feitos para todos os segmentos sociais de que se estava procurando meios de suspender o regime, o que poderia ter ou não caráter definitivo. Tendo em vista esta última situação, os condutores da ditadura insistiam, na era da abertura, na projeção para o futuro tanto de seu pretenso ideário de democracia quanto de todos os valores fundantes da ordem social almejada pelo movimento de 1964 e pelos seus desdobramentos.

Há nas ciências sociais uma enorme literatura sobre as razões do fim do regime militar. Em síntese, a maioria das análises se situa dentro de uma daquelas questões citadas anteriormente. Havia, no entanto, a predominância de três concepções básicas: a)- o regime teria chegado ao fim devido à sua dificuldade de proporcionar ao Estado instrumentos para resolver os problemas estruturais. Neste caso, ganhavam supremacia a crise econômica e as condições de acumulação.127 b)- O regime teria chegado ao fim tendo em vista a emergência no interior da sociedade civil

 

 

de inúmeros movimentos contestatórios.128 c)- A ditadura teria chegado ao fim tendo em vista a sua não-possibilidade de se institucionalizar. Neste caso, o seu fracasso estaria relacionado fundamentalmente ao processo desencadeado não na sociedade civil, mas sim na sociedade política.129

Não é possível, no âmbito deste trabalho, esmiuçar estas diversas vertentes de análises sobre o fim do regime militar. De modo não sistematizado se remeteu, de alguma forma, a elas em diversos momentos desta investigação. Esclarece-se, então, que aquelas perspectivas foram fartamente discutidas nas ciências sociais, o que esmaece a necessidade de retomá-las.

Levando em consideração que é preciso delimitar esta análise ao âmbito da estratégia política do regime na era da abertura, porque é este o problema deste subitem, é fundamentalmente importante compreender as articulações do regime que deixavam sempre uma margem de dúvida quanto ao fato de a ditadura estar no seu fim ou não. Neste último caso, dava-se a impressão de que ela era somente suspensa por tempo indeterminado.

Os militares, nos anos de 1983 e 1984, pregavam o diálogo como forma de consolidar o processo de abertura política,130 apostavam reiteradamente na vitória no Colégio Eleitoral em 1984 e utilizavam de todos os artifícios possíveis para criar uma consciência altamente favorável ao processo instaurado após 1964 como um todo; o que indicava não haver uma relação por si só automática entre a abertura e o fim do regime em vigor. Ou seja, o desengajamento significava para os militares muito mais a possibilidade de suspensão temporária e/ou prolongamento sob novas roupagens da ditadura do que a instauração de um outro regime totalmente desvencilhado de seus propósitos.131

No final de 1983, alguns membros do grupo de poder como Jarbas Passarinho, por exemplo, incumbiam-se de ressaltar através da imprensa as qualidades de estadista do presidente João Batista Figueiredo, o que tinha a ver com uma luta intermitente para divulgar as benesses da estratégia política do regime na era da abertura. Em nenhum momento, o presidente da República era mostrado como aquele que estava rompendo com as prerrogativas do regime, mas sim confirmando-as. “Ele é

 

 

a âncora do regime, porque nele não se distingue, para dissociá- los, o poder e a autoridade. Essa é a segurança que nos resta”, dizia Passarinho.132

Havia, então, uma insistência enorme em torno da necessidade de encontrar fórmulas de conciliar a continuidade com a mudança.133 Daí a exaltação do presidente da República como a âncora do regime em vigor. A manutenção da política em curso aparecia condicionada à aceitação, por parte de todos os segmentos sociais, das prerrogativas básicas do regime instaurado em 1964.

O presidente Figueiredo insistia em deixar muito claro que o projeto de abertura tinha como um de seus elementos fundantes a subordinação de toda e qualquer mudança à continuidade dos propósitos de organização social postos pelo movimento militar e pelos seus desdobramentos. Isto explicava a sua posição de que o suposto ideário de democracia da ditadura tinha que inspirar as gerações vindouras e, portanto, permanecer ativo como forma de sedimentar uma consciência favorável ao processo político instaurado desde o golpe militar.

A estratégia política do regime durante o último governo militar lidava obstinadamente com o problema da sucessão presidencial que se daria em 1984 dentro desta perspectiva de combinação da continuidade com a mudança. Os condutores da abertura afirmavam que a sucessão teria caráter civil, mesmo que o candidato fosse um militar. Essa idéia de caráter civil se constituiu em um dos elementos centrais daquele processo.

Não será feita, no âmbito deste trabalho, uma discussão pormenorizada de todas as articulações da sucessão do presidente Figueiredo.134 A análise se centrará somente em um pequeno aspecto da questão: por que as teses de conciliação, diálogo e consenso invocadas pela ditadura ao buscar aceitabilidade para a sua estratégia política acabou sendo, ao mesmo tempo, a garantia de que as eleições seriam decididas através de um colégio eleitoral e, também, um fator de inviabilização da possibilidade de o regime fazer o seu sucessor? E mesmo estes aspectos serão circunscritos a alguns elementos considerados mais relevantes.

Alguns dissidentes do partido que deu sustentação para a ditadura, desde o seu início, (Arena e depois de 1979, PDS) se empenhavam em situar o processo sucessório de 1984 mais

 

 

proximamente possível do desejável pelo regime. O dissidente situacionista José Sarney, candidato a Vice-presidente na chapa oposicionista de Tancredo Neves, se incumbia de aproximar a proposta de conciliação e diálogo da ditadura com a da denominada oposição. Ele afirmava: “Estamos implantando no Brasil o sistema do diálogo. Diálogo que se materializa no Congresso Nacional e entre as lideranças político-partidárias do país. Intensifica-se o diálogo entre todos os segmentos da sociedade, consolidando-se assim o projeto de abertura, com a definitiva redemocratização do Brasil, uma determinação obstinada do nosso Presidente é uma resposta ao anseio do nosso povo.”135

De imediato, é preciso destacar que as teses de conciliação, diálogo e consenso eram defendidas quase que indistintamente pela oposição (PMDB e PP, basicamente) e, também, pelos condutores do regime e dissidentes situacionistas. No entanto, ela se tornou ao mesmo tempo, por várias razões, um fator de inviabilização parcial da estratégia política do regime militar e um fator de não-mudança substancial, o que estava plenamente de acordo com os planos arquitetados pela ditadura.

Um elemento decisivo desta relação viabilização/ inviabilização foi o fato, como ressalta Marcus A. Suarez, em Petroquímica e Tecnoburocracia, de o PDS ter se tornado a partir das eleições de 1982 um partido das oligarquias nordestinas.136 Em meados de 1983, o PDS ainda não havia resolvido as suas lutas e dissidências internas e vários candidatos a candidatos tentavam angariar apoio de setores expressivos da sociedade. Num clima de difíceis manobras do governo para chegar a um nome de consenso nos setores empresariais e tecnoburocráticos, Tancredo Neves (PMDB) retomava a tese de união nacional, o que lhe rendia sem sombras de dúvidas, dividendos políticos. (…)137 A união pelo centro era demonstrada, por ele,138 como a garantia de continuidade do próprio processo de abertura política”.139

 

Na verdade, a derrota eleitoral nas primeiras eleiiões diretas para governador (realizadas em 1982), somada à aceleraião de uma crise econômica que se anuncia em 1979 e assume uma nítida característica recessiva a partir de 1981, parece ter produzido um declínio da coesão

 

 

interna do regime e uma perda progressiva de sua capacidade de enfrentar os conflitos e gerir a crise que se avolumava ano após ano. Inicia-se aí a verdadeira crise do regime autoritário, a partir da qual redesenham-se, de forma progressiva, os pactos e coalizaiões, permitindo um incremento das forias opositoras, sobretudo no colégio eleitoral responsável pelas eleiiões indiretas do presidente da República – graias, em parte, à decomposiião da coalizaião situacionista e à imigraião de seu segmento mais liberal para a aliania opositora, articulada em torno da candidatura presidencial de Tancredo Neves.140

 

Em meados de 1983, eram fortificadas as argumentações entre os setores oposicionistas do PMDB de que “o próprio presidente (deveria) liderar a mobilização das forças da sociedade para a solução dos problemas econômicos, dentro de um processo de negociação que incluía, por exemplo, reforma ministerial e eleição presidencial direta, “dizia Fernando H. Cardoso141. Destaque-se que as primeiras investidas na defesa de eleições diretas em 1984 foram feitas por setores organizados em diversos movimentos e/ou mobilizações. O PMDB ao tomar consciência da “impossibilidade numérica de fazer o futuro Presidente, pelo Colégio Eleitoral tentava mudar as regras do jogo pela pressão popular”.142

No entanto, alguns setores do PMDB liderados por Tancredo Neves, por exemplo, acenavam ao mesmo tempo para as eleições indiretas e para as diretas.143 Tanto que eles insistiam em procurar apoio entre os setores descontentes do PDS, tendo em vista a possibilidade de vencer no Colégio Eleitoral. Desta forma, a estratégia política da ditadura de fazer seu sucessor entrava paulatinamente em colapso, mas não o seu propósito de manter as eleições indiretas. Estes dois elementos têm que ser pensados a partir de uma combinação feita pelo PMDB entre o movimento pelas diretas e a articulação com os dissidentes situacionistas.

 

O PMDB saiu pregando as eleiiões diretas, enquanto que a sua ala moderada continuava a se garantir no Colégio Eleitoral, o que deu corpo a estas articulaiões pelo vértice e que propiciou as condiiões políticas, para a consecuião de um novo pacto: a chamada Aliania Democrática,144 uma espécie de arranjo entre os dissidentes do PDS

 

 

que formaram a Frente Liberal e o PMDB comandado pelo ex-presidente do PP., Tancredo Neves.145

 

A vitória de Tancredo Neves (PMDB) e José Sarney (dissidente do PDS e líder da Frente Liberal) no Colégio Eleitoral sobre o candidato do regime, Paulo Maluf, expressava que no plano político a ditadura tinha tido sua estratégia soterrada somente em parte. Ou seja, no que concernia ao projeto do regime militar de que a sucessão do gal. Figueiredo se desse através de eleição indireta ocorreu de acordo com os seus objetivos. No entanto, a composição de forças que levaram o PMDB e a Frente Liberal à vitória desapontavam, indubitavelmente, os projetos traçados pela política de abertura da ditadura. A conciliação que se constituiu em um traço do suposto ideário de democracia do regime, na era da abertura, teria, então, extrapolado os limites pensados pelos seus condutores.

 

A estratégia psicossocial do regime na era da abertura

 

Ao denominar esta estratégia de psicossocial está se mantendo a terminologia utilizada pelos próprios ideólogos do regime. Ficou fartamente demonstrado desde o início deste trabalho que, segundo eles, a organização do poder nacional tinha que se dar a partir de quatro estratégias básicas: a política, a econômica, a militar e a psicossocial. A própria terminologia desta última mereceria uma análise aprofundada. Esta revelaria, seguramente, dimensões que não puderam ser captadas no âmbito deste trabalho.

A grosso modo, os condutores do regime empregavam o termo psicossocial para denominar o processo de internalização, pelos diversos segmentos sociais, dos valores fundantes do movimento de 1964 e, por conseguinte, o processo de constituição de uma nova organização social baseada em princípios de disciplina, não-confronto, não-conflito, harmonia, integração, coesão social e não-antagonismo e/ou divergência de qualquer natureza.

 

 

Que forma assumiu a estratégia psicossocial do regime na era da abertura política? Quais eram os elementos enfatizados? De imediato deve-se ressaltar que a ditadura não deixou de buscar aceitabilidade para os seus propósitos naquele momento. Nessas condições, era inegável que a estratégia psicossocial continuava a desempenhar um papel significativo neste processo. O gal. João Batista Figueiredo, ao assumir a presidência da República em 1979, reiterava as palavras de Geisel de que seu governo estaria empenhado em projetar para o futuro o ideário da revolução de 1964. Ou seja, os seus valores e princípios norteadores teriam que ser continuamente propagados.146

O gal. Golbery do Couto e Silva mostrava-se, no início da década de 80, convencido de que a estratégia psicossocial do regime tinha obtido sucessos para além do esperado; o que teria gerado, segundo ele, uma centralização nos diversos setores do Estado. “Ora, como já referimos, o Brasil, com a revolução de 1964, ingressou, quase sem perceber, numa fase de centralização acelerada que iria permear todos os campos e setores da atividade do Estado, do político ao econômico e deste ao primeiro em reforço recíproco, extravasando-se, aos poucos, a todos os recantos da sociedade nacional em manifestações psicossociais telecondicionadas, senão até mesmo comandadas, desde o governo central.”147A afirmativa de que a centralização teria ocorrido quase imperceptivelmente é de grande significado, pois esta passaria, no período da abertura, por exemplo, a ser justificada como produto das necessidades reinantes nos anos anteriores.148

Assim como a estratégia política do regime na era da abertura estava marcada por especificidades, a estratégia psicossocial era conduzida e formulada tendo em vista as condições sociais vigentes naquele momento. Havia, por exemplo, uma insistência enorme dos condutores do regime em divulgar a necessidade de que houvesse um desarmamento dos espíritos. Somente ele tornava possível desenvolver entre os diversos brasileiros a convicção “da indispensabilidade da coexistência democrática.”149

Principalmente no seu início, a abertura política estava marcada pelos movimentos de contestação à ditadura, os quais partiam de diversos setores da sociedade civil como foi

 

 

demonstrado anteriormente. Através de sua estratégia psicossocial, o regime se empenhava em condicionar a sua suposta democracia ao contínuo e inadiável desarmamento dos espíritos. O presidente Figueiredo insistia em que algumas entidades da sociedade civil (ele se referia referindo aos sindicatos, por exemplo) que encaminhavam manifestações contrárias ao regime eram, em realidade, contra a fórmula de democracia por ele proposta. Portanto, elas estariam lutando para impor valores desconectados e inadaptáveis à realidade brasileira. Ou seja, eram grupos voltados “para um passado irreversivelmente superado”.150

O último presidente da República do regime militar afirmava, no entanto, que havia algumas entidades da sociedade civil que já tinham incorporado os valores e os objetivos do regime e de seu balizamento pautado na forma de abertura em andamento. “O processo de abertura política iniciado na administração anterior, continuado e aprofundado na atual, por sua vez, resulta em maior liberdade de associação, organização e participação da classe trabalhadora, cujos órgãos de representação – os sindicatos – vêm assumindo cada vez maior representatividade, atuando de forma crescente na defesa dos interesses dos assalariados.”151

A estratégia psicossocial do regime no período de 1979 a 1984 é a maior fonte reveladora da natureza da abertura política. Prevaleciam e eram enaltecidos os valores desestruturadores de quaisquer possibilidades de rompimento com aquela organização social ditatorial pretendida desde a instauração do regime pós-1964. A tentativa de enquadrar todas as organizações e formas de participação, por exemplo, dentro de seu projeto político e, ao mesmo tempo, o empenho para sedimentar na população a idéia de que somente estas eram coerentes e compatíveis com a sociedade brasileira eram altamente reveladores deste processo de busca de enaltecimento e reprodução de uma dada ordem social.

Assim como nos outros momentos da ditadura, os condutores da abertura política se empenhavam em estreitar as relações entre o campo dos valores (no qual prevalecia a insistência de que o regime continuava atento aos princípios da ordem e da disciplina) e o campo das realizações no campo social. Os condutores da ditadura ressaltavam que o bem-estar de todos os brasileiros estava, incondicionalmente, ligado à internalização

 

 

do sistema de idéias e valores do regime pelos diversos segmentos sociais.

A única garantia de que a abertura contribuiria com melhorias na área social era, segundo membros do governo, a demonstração da população de que havia receptividade à fórmula de condução do processo sócio-político colocado em prática naquele momento. As supostas possibilidades da política social confluíam-se com a psicossocial. A primeira compreendia um conjunto de medidas que, segundo Figueiredo, tinha seu sucesso vinculado à internalização, pela população, dos valores defendidos pelo regime desde março de 1964.

Para exemplificar, pode-se mencionar a questão da integração social. A ditadura divulgou desde o seu início e, também entre 1979 e 1984, que ela estava voltada tanto no campo da política social quanto no dos valores, para a busca de integração social.152 Esta advinha, então, diziam os condutores do regime, da ação complementar entre as diversas esferas que constituíam a estratégia psicossocial. Desta forma, o governo tomaria um elenco de medidas que se desdobrariam em dois segmentos: o primeiro estava voltado diretamente para as políticas sociais e o segundo para o desenvolvimento de uma mentalidade favorável e propagadora destes supostos benefícios.

A similaridade da estratégia psicossocial do regime, na era da abertura, com os anos anteriores estava em seu empenho cada vez maior de fixar firmemente a relação entre as medidas no campo social com a sedimentação de uma consciência positiva ao processo desencadeado com o movimento de 1964. Isto demonstrava que no denominado âmbito psicossocial havia um fio condutor que perpassava o regime como um todo.

Se houve algo que perpassou continuamente o regime durante toda a sua vigência, o que já foi demonstrado anteriormente, foi a batalha de seus condutores para delinear uma estratégia psicossocial que desse substância a todas as demais medidas nas outras esferas da vida social. No penúltimo ano da ditadura (1983), a Escola Superior de Guerra divulgava a Doutrina Militar Brasileira (DMB-ESG/83) reafirmando com grande ênfase os elementos que tinham embasado, desde o início, a formulação da estratégia psicossocial do regime militar.153

 

 

Os doutrinadores da ESG continuavam incumbidos de divulgar que os militares continuavam, naquele momento, ou seja, 1983 e 1984, preocupados com as mesmas questões, no campo psicossocial, que haviam motivado o movimento militar de 1964. Dentre estas, a DMB-ESG/83 destacava que havia necessidade de se operar um processo contínuo de sedimentação dos sentimentos de integração, coesão, não-antagonismo, não- conflito, de culto dos símbolos nacionais como forma de “emancipação e afirmação da Nação Brasileira, como Nação cristã e democrática, livre e soberana.”154

Havia uma marcante insistência em que o regime era o único capaz de conduzir e controlar o processo de desengajamento em curso, uma vez que a vocação das Forças Armadas se confundia com as “próprias vocações históricas da nacionalidade.” Ou seja, a abertura política era mostrada, então, como parte deste processo de identificação, no plano psicossocial, do regime com as aspirações legítimas do povo brasileiro.155

A tentativa de estabelecer pontos de conexão e/ou mesmo de consubstancialidade entre as supostas intenções democráticas dos governos ditatoriais e as aspirações por uma dada forma de democracia pelos diversos setores da população brasileira continuava desempenhando, no período da abertura (1979-1984), um papel importante na luta do regime para ganhar adesão para a sua estratégia política de desengajamento militar. Os condutores e ideólogos da ditadura insistiam, porém, que “a (sua) vocação democrática, (era) decorrente de (sua) sólida formação, com base nos ideais de liberdade e de respeito à dignidade da pessoa humana e, bem assim, de repulsa aos extremismos e às ideologias e regimes totalitários de quaisquer origens e matizes”.156

Fazia parte da estratégia psicossocial do regime, no período da abertura, a divulgação de que esta seria concluída ou não. O presidente Figueiredo afirmava que isto dependia inteiramente da população.157 Ou seja, se esta correspondesse e demonstrasse maturidade suficiente para aplaudir os feitos e realizações do governo a abertura seria levada adiante, caso contrário, ela seria interrompida. Tudo isto era mostrado como uma forma de assegurar a felicidade, os desejos e os sonhos de todos os brasileiros.

 

 

A defesa da disciplina, da não-contestação, da harmonia, etc. era feita como uma espécie de resposta aos anseios da sociedade como um todo que tinha, segundo Figueiredo, confiado o poder de decisão aos militares para que eles promovessem conscientemente o bem comum.158 Ficava evidente que nos seus últimos anos, o regime tinha como uma de suas principais preocupações a contínua busca de aceitabilidade para a sua proposta de sociedade. Havia, ainda, uma constante tentativa de justificar todas as suas ações como prova cabal da interação total entre o povo e os militares que tinham dirigido o país a partir de 1964.

A estratégia psicossocial do regime na era da abertura tinha como objetivo, segundo Golbery do Couto e Silva, atuar como elemento básico no processo de balizamento da descentralização do poder. Ela agiria como uma espécie de bloqueadora de avanços fora dos limites propostos pelos seus condutores. Desta forma a ela caberia, principalmente, instituir bloqueios naqueles campos em que os espíritos estivessem mais exaltados para evitar que as pressões de alguns campos sociais detonassem o recuo completo da liberalização.159

O regime mantinha, então, a estratégia psicossocial como aquela que seria responsável, num plano específico, por fazer a ponte entre o que os condutores da abertura realizavam e o que os diversos grupos sociais exigiam daquele processo. Num plano mais geral, ela deveria ser eficiente no sentido de convencer a população, como um todo, de que a abertura expressava a coroação das realizações do movimento de 1964 e que a única forma possível de descentralização era aquela em andamento.

O sentido da estratégia psicossocial tornava-se, então, mais objetivo que nos anos anteriores. Ou seja, principalmente nos dez primeiros anos da ditadura, tinha como meta a realização de um trabalho de internalização dos valores que, segundo os militares, estariam norteando, desde o seu início, o movimento de 1964; o que se daria, como foi demonstrado, através de um estudo aprofundado da subjetividade dos diversos grupos sociais, para que estes aderissem incondicionalmente ao regime militar. No entanto, no período da abertura assistia-se a uma busca mais imediata e objetiva de conexidade entre as intenções

 

 

do governo no campo social e a criação de uma mentalidade favorável ao processo de abertura no campo político.160

Este processo tornava-se imperioso, dizia Golbery do Couto e Silva, tendo em vista que naquele momento “as pressões continuariam advindo dos outros campos: sob dramáticas ameaças de crise séria, em conseqüência de renovados impulsos inflacionários e desequilíbrios irredutíveis no balanço de pagamentos, cruelmente afetado pela multiplicação incessante do preço do petróleo (…) – o campo econômico; e sob tensões crescentes, sobretudo nas explosivas periferias dos grandes centros populosos e nas zonas do interior mais perturbadas por sucessivas calamidades climáticas – o campo psicossocial. Tais pressões trabalhariam todas intensamente no sentido de maior centralização, pois requeriam maior rigidez de todo o sistema de controle social e apontariam, alarmantes, para os perigos de deslocação e ruptura da estrutura social, sujeita a tensões insuportáveis no quadro do binômio centralização- descentralização.”161

A estratégia psicossocial continuava, assim, a ter um peso fundamental, segundo o gal. Golbery do Couto e Silva. Ela teria o objetivo de amenizar as pressões sociais sobre a ditadura, portanto, juntamente com as demais estratégias, ela expressaria o esforço do regime no sentido de congregar apoio para o seu projeto político.

As medidas tomadas na esfera política, por exemplo, eram provas de que o regime, assim como nos outros momentos, não confiava a busca de adesão a seus propósitos, na era da abertura, somente à sua estratégia psicossocial. No entanto, ela atuava como uma das dimensões do processo de justificação das mudanças absolutamente controladas.

Os artigos do gal. Golbery do Couto e Silva podem e devem ser tomados como exemplo da concomitância entre a estratégia política (as medidas e mesmo as manobras de condução da abertura) e a estratégia psicossocial do regime,162 naquele momento.163 Ou seja, para ele, a relação entre estes dois campos tinha o objetivo de “manter e ampliar uma área central de manobra, essencial à promoção, em tranqüilidade e segurança, de nossos (ele se referia às Forças Armadas) objetivos políticos.”164 Resguardar a segurança e a tranqüilidade dos objetivos

 

 

políticos definidos pelos condutores da abertura era mostrado pelo presidente Figueiredo como expressão da fisionomia da nossa civilização. Isto significava, segundo ele, que tudo estava sendo feito sem se “renegar os fundamentos em que repousa(va) a sociedade brasileira (…) a fim de que, fiéis ao nosso modo de ser, ou de estar no mundo, guardemos a nossa identidade cultural”.165

Esses elementos que o regime denominava de psicossociais eram insistentemente enlaçados à sua estratégia política. A busca de aceitabilidade para o processo instaurado com a abertura era feita a partir da contínua insistência, assim como durante todo o período ditatorial, de que os governos militares tinham sido fiéis à nossa identidade cultural. Ou seja, todos os seus feitos e ações estariam, segundo eles, vinculados à preservação dos valores que eles consideravam norteadores da sociedade brasileira.

Transpareciam, assim, os traços que amarravam o regime militar como um todo. A análise de suas estratégias de busca de adesão, bem como de construção de uma mentalidade favorável a ele no presente e que fosse capaz de se projetar para o futuro revelavam os aspectos centrais de uma intenção de permanecer como referência básica nos anos seguintes, ou seja, pós-ditadura. Em 1982, o gal. Figueiredo argumentava que “as estradas do futuro, em grande parte, se achavam traçadas (…) (e que) a par dos caminhos já abertos, para plasmação da nossa identidade cultural, outras avenidas têm, no entanto, que ser rasgadas, a fim de que se construa uma sociedade solidária, aberta, fraterna, responsável, moralmente sadia; uma sociedade que guarde a jovialidade, a ternura e a bondade de coração, ainda característica da gente brasileira”.166

A constante busca de identificação entre o regime militar e as características do povo brasileiro no que tange aos valores sociais revelam, na era da abertura, os seus desígnios de sedimentar uma mentalidade de que ele tinha aberto o caminho para a construção de uma sociedade moralmente sadia (ou seja, abominadora do comunismo, por exemplo) almejada, segundo Figueiredo, pela maioria da população. Os condutores da ditadura deixavam muito claro que com e/ou sem eles dirigindo o país havia necessidade de que ficasse absolutamente

 

 

cristalizado na mente de todos os segmentos sociais que a única forma de sociedade possível no Brasil era aquela que o regime militar tinha investido para sedimentar desde março de 1964.

A inviabilidade de almejar algo que se contrapunha, tanto no plano objetivo quanto no subjetivo, às metas dos governos militares era enormemente enfatizada, naquele momento. Portanto, era preciso, dizia Figueiredo, espírito de transigência, e “vontade comum de encontrar fórmulas que concili(assem) a continuidade com a mudança”.167 Em termos gerais, a não-mudança substancial era detalhadamente trabalhada pelos condutores da abertura no sentido de mostrá-la como parte dos valores sociais do povo brasileiro. Era constantemente destacado, por eles, que o sentido da continuidade era dado pelos nossos costumes e hábitos constituídos por um espírito conciliador e cordato.

 

Notas

1     Não se fará no âmbito deste trabalho uma discussão sobre a literatura existente nas ciências sociais sobre a abertura política. Há um vastíssimo material sobre este processo. Ver, dentre outros: CARDOSO, F. H. Os anos Figueiredo. Novos Estudos. São Paulo: Cebrap, n. 1, mar. 1981.

KRISHKE, P. (org) Do “milagre” à abertura”. São Paulo: Cortez, 1981. LAMOUNIER, B. e FARIA, E. O futuro da abertura: um debate. São Paulo: Cortez, 1981.

Id, ROUQUIE, A e SCHVARZER, J. (orgs). Como renascem as democracias. São Paulo: Brasiliense, 1985.

TRINDADE, H. Brasil em perspectiva: Dilemas da abertura política. Porto Alegre: Sulina, 1982.

O’DONNEL, G. e SCHMITTER, P. C. Transiiões do regime autoritário. São Paulo: Vértice, 1988.

KUSINSKI, B. Abertura: a história de uma crise. São Paulo: Brasil Debates, 1982.

 

2 Sobre a crise econômica no início da década de 80; ver, dentre outros: SINGER, P. Em dez anos, uma caminhada da euforia para o pessimismo. Exame, São Paulo: p. 43, mar. 1980. Edição especial: Brasil em Exame.

GOLDENSTEIN, L. Os percalços da política econômica recessiva

 

 

(1981-1982). Revista de Economia política. São Paulo: Brasiliense, V.3, n. 3, abr. set. 1983.

SUAREZ, M. A. Petroquímica e tecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1986.

MENDONÇA, S. R. de. Estado e economia no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

 

3   As dificuldades da estratégia militar durante o período da distensão e da abertura foram expostas de maneira detalhada em livros, depoimentos e entrevistas dos militares que participavam do grupo de poder. Vide:

SOARES; D’ARAÚJO e CASTRO, loc. cit.

ABREU, H. (Gal). O outro lado do poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.

STUMPF, A.G. e PEREIRA FILHO, M. A segunda guerra: a sucessão de Geisel. São Paulo: Brasiliense, 1979.

GOES, W. de. e CAMARGO, A. O drama da sucessão e a crise do regime. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

4     Sobre isto ver, principalmente:

CASTELLO BRANCO, H. de A. Discursos. Brasília: Secretaria da Imprensa, 1965.

ARRUDA, A. A doutrina da Escola Superior de Guerra. In A defesa nacional. Revista de Assuntos militares e Estudos de Problemas Brasileiros. Rio de Janeiro: n. 680, p. 127-148, nov.dez. 1978.

ALVARENGA, A. C. G. (Cel). Doutrina militar brasileira. Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro, n. 2, v.2, p. 61-77, abr. 1984.

CARNEIRO LEÃO, A. O poder nacional. Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro: n. 1, v.1, p. 74-91, dez. 1983.

 

5     O Conceito de militares enquanto instituições foi bem definido em: STEPAN, A. Distensão: conflitos intramilitares e o corte da sociedade civil. In Os militares: da abertura à nova república. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 41-55.

 

6     COUTO E SILVA, G. Conjuntura política nacional – o poder executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 34.

 

7 MOREIRA BURNIER, J. P. Depoimento. In SOARES, D’ARAÚJO e CASTRO, op. cit, p. 209 -221. Este general foi um dos fundadores do Centro de Informação da Aeronáutica.

 

 

8 CASTRO, A. F. de (Gal). Depoimento. In Ibid, p. 189- 200. O gal. Adyr Castro ocupou no início da década de 1970 a chefia do CODI-RJ.

 

9 ALVARENGA, A. C. G. Doutrina Militar Brasileira. Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro, n. 2, v.2, p .67, abr. 1984.

10 Ibid, p. 67-8.

11 Ibid, p. 68.

 

12 COUTO E SILVA, G. O que diz Golbery. Veja, São Paulo: n. 602, p. 27, 19 mar. 1980.

13 Ibid, p. 28.

 

14 Em 1979, o gal. João Batista Figueiredo foi vaiado em Santa Catarina. Os militares ficaram enfurecidos com aquele protesto. No final de 1983, o presidente foi vaiado por 1000 prefeitos que estavam em Brasília para uma manifestação pedindo reforma tributária.

 

15 No caso da Revista O Cruzeiro, foi denunciado que o SNI destinava uma verba para que ela fizesse propaganda favorável ao governo. O Gal. Ivan de Souza Mendes, em depoimento publicado em A volta aos quartéis, afirmava: “Agora, no meu modo de ver, o que se quis fazer com O Cruzeiro foi o seguinte: toda a imprensa era contra o governo, e era preciso reagir no seio da própria imprensa. Então, quiseram criar uma revista que veiculasse a posição do governo, porque o noticiário, sendo contra, em geral torcia muito os fatos. Queriam um órgão jornalístico que fosse favorável, mas sobretudo, que noticiasse as coisas que a imprensa normal não mencionava, porque só lhe interessava ser contra o governo. “ No caso do SNI ele dizia que “havia uma verba secreta, que não era grande coisa, mas que podia ser expandida quando necessário. Acho, contudo, que esperavam que a maior fonte de financiamento viesse das empresas preocupadas em proteger seus interesses. Pode ser que os recursos não tenham sido tão grandes como eles esperavam, e por isso o negócio não deu certo.” MENDES, I. de S. Depoimento. In A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1995. p. 159.

O sociólogo Marcos Otávio Bezerra reuniu informações fundamentais para se compreender o escândalo envolvendo o SNI e a Revista O Cruzeiro, ver:

 

 

BEZERRA, M. O. Corrupião: um estudo sobre o poder público e relaiões pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: ANPOCS, 1995. p. 108 et seq.

 

16 Id apud O FABRICANTE de nuvens. Veja, São Paulo: n. 601, p. 20-6, 19 mar. 1980.

No que consiste as estratégias econômica, política e psicossocial o Ministro da Justiça do governo Figueiredo insistia em que elas deveriam atuar no sentido de impedir que todo e qualquer conflito social viesse à tona.

ABI-ACKEL, I. A democracia é que resolve os conflitos. Exame, São Paulo: n. 195, p. 19, 27 de fev. 1980.

 

17 COUTO E SILVA, G. Conferência secreta na ESG – Documento apud A ABERTURA, por Golbery. Veja, São Paulo: n. 627, p. 4, 10 set. 1980.

 

18 Id apud COMEÇA a caça ao voto. Visão. São Paulo: n. 43, p. 16, 24 nov. 1980. G. do Couto e Silva deixou o governo Figueiredo em meados de 1981.

 

19 Id apud DE CONSPIRADOR a mágico da abertura. Isto é, São Paulo: n. 242, p. 20-3, 12 ago. 1981.

 

20 ARRUDA, A. A doutrina da Escola Superior de Guerra. A defesa nacional. Revista de Assuntos Militares e de problemas brasileiros. Rio de Janeiro: n. 680, p. 128-148, nov. / dez. 1978

 

21 A Emenda Constitucional de 1969, na seção V “da Segurança Nacional” determinava que ao “conselho de Segurança Nacional compete estabelecer os objetivos nacionais permanentes e as bases para a política nacional”. Art.89 citado pelo Engenheiro Ricardo Lisboa da Cunha em conferência na ADESG no Estado do Amazonas. CUNHA, R. L. da. Objetivos nacionais. Segurania Nacional. Rio de Janeiro: n. 193, Escola Superior de Guerra, 1983. p. 34-5.

 

22 PIRES apud LENDO nas entrelinhas. Isto é, São Paulo: n. 224, p. 12, 08 abr. 1981.

23 Ibid.

 

24 Numa conferência na ESG, o gal. G. do Couto e Silva afirmava que “a abertura (era) a única opção para os militares.

 

 

COUTO E SILVA apud A ABERTURA, por Golbery. Veja. São Paulo: n. 627, p. 3- 6, 10 set. 1980.

 

25 Sobre os elementos objetivos e subjetivos da segurança nacional, ver:ARRUDA, op. cit, p. 130.

 

26 Em nenhum momento está se supondo que a estratégia militar se limitaria a este processo. Por isso se esclareceu anteriormente que ela seria abordada, neste trabalho, sob este aspecto especificamente e não se faria, então, um enfoque sobre o sistema logístico militar, o sistema de serviço militar, o sistema de defesa territorial, de operações e informações, etc.. Há, no entanto, um material significativo sobre isto, ver:FIGUEIREDO, J. B. Forças Armadas. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1980. p. 155 -178.

Id, Tópicos especiais. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1981. p. 186-215.

Id, Política interna e segurança. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1982. p. 195-212.

Id, Política interna e segurança. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1983. p. 177-201.

Id, Política interna e segurança. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1984. p. 205-239.

 

27 A ESG era tida como o laboratório de idéias do movimento militar. No período da abertura, ela se empenhava em discutir a questão do desengajamento, mas se dizia incumbida, principalmente, de estudar o papel dos militares na década de 1990. Vide, sobre isto, a discussão do sociólogo Alexandre Barros, professor da ESG e autor da tese de doutorado The brasilian military, defendida na Universidade de Chicago.

BARROS apud A NOVA doutrina. Isto é, São Paulo: n. 327, p. 24, 30 mar. 1983.

 

28 ESCOLA superior de Guerra. Manual Básico. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1979. p. 293-4.

 

29 MESQUITA, H. C. (Gal). Papel das elites. Segurania e desenvolvimento. Rio de Janeiro: n. 192, ESG, 1982. p. 23-28. Superintendente da Refinaria da Petrobrás – Duque de Caxias.

30 Ibid, p. 24.

 

 

31  ALVARENGA, op. cit, p. 69.

 

32 FIGUEIREDO, J. B. Tópicos especiais. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa nacional, 1981. p. 197.

33 Ibid, p. 197.

 

34 “A revolução não está produzindo nenhuma novidade com esta volta aos quartéis. O Exército sempre foi democrático”, dizia o ministro da Justiça no governo Geisel.

FALCÃO apud PELA porta da frente. Isto é, São Paulo: n. 327, p. 22, 30 mar. 1983.

 

35 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1980. p. 7.

36 Ibid.

37 Ibid, p. 8-16.

 

38 Ibid. p. 9. “A ênfase inicial foi a de atuar intensamente no sentido de recuperar o controle da inflação, cujos níveis atuais – excessivamente altos – contribuem para reduzir a eficiência do sistema produtivo e agravar o peso do ônus social que representa, especialmente para as classes trabalhadoras.”

Ibid.

39 Id, Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1982.

  1. XI.

 

40 O I PND vigorou no período de 1972 a 1974 e o II entre 1975 e 1979. Sobre estes planos ver:

IANNI, O. A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991. p. 5-21.

 

41 FIGUEIREDO, op. cit, p. XI. Sobre o III PND, ver, principalmente: BASES para formulação do III PND apud PLANALTO divulga esboço do novo PND. Folha de S. Paulo, São Paulo, 22 jun. 1979. C.2, p. 21.

 

42 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1980. p. 7.

 

 

43 Id, Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1982.

  1. XX.

44 Ibid, p. XXVI.

 

45 REZENDE, M. J. de. A transiião como forma de dominaião política: o Brasil na era da abertura 1980 -1984. São Paulo: Dissertação de mestrado, PUC, 1991. p. 273.

“A partir de uma perspectiva equivocada, Delfim tentou ao longo do final de 1979 e durante 1980, uma política expansionista com resultados desastrosos. Em linhas gerais, reajustaram-se os preços das estatais em um processo de inflação corretiva; efetuou-se uma desvalorização do cruzeiro em 30% e prefixou-se a correção monetária em 50% para 1980 no intuito de reverter as expectativas inflacionárias. Com esta prática, a economia voltou realmente a crescer numa alta taxa. Em 1980, o PIB elevou-se em quase 8%. Paralelamente, porém, generalizou-se a especulação financeira de estoques com a inflação superando a barreira dos 100% e com o endividamento externo ao final do período atingindo seu ponto realmente crítico e insustentável.”

SUAREZ, op. cit, p. 154.

 

46 Sobre o processo recessivo no início da década de 1980, Ver: SINGER, loc. cit.

SUAREZ, op. cit. p. 155 et seq. GOLDENSTEIN, loc. cit.

 

47 Em janeiro de 1984 a Painel de executivos da revista Exame publicou uma pesquisa que mostrava que 68.4% dos empresários consideravam o governo Figueiredo ruim e péssimo.

O PRESTÍGIO do governo no fundo do poço. Exame, São Paulo: n. 292, p. 16-27, 11 jan. 1984.

 

48 Ficou demonstrado nos capítulos anteriores quais eram as estratégias do grupo de poder com relação às greves do início da década de 1980. Prevalecia a intransigência absoluta. Sobre a problemática das greves naquele momento, ver:

CORREIA, H. O ABC de 1980. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

ANTUNES, R. A rebeldia do trabalho. São Paulo: Ensaio, Unicamp, 1988.

IANNI, O. O ABC da classe operária. São Paulo: Hucitec, 1980.

 

 

49 COUTO E SILVA, G. O momento brasileiro. Conjuntura política nacional. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 29.

 

50 Sobre estas posições, ver os depoimentos dos seguintes empresários: FORTES, M. Com democracia será mais fácil concordar com o comando da economia. Exame, São Paulo: s.n., p. 31, maio 1983. Suplemento especial.

VIEIRA, L. O. Sem um novo projeto político a sociedade tenderá ao imobilismo. Exame, São Paulo: s.n., p. 37, maio 1983. Suplemento especial.

SIMEIRA JACOB, J. W. Uma constituição para dar ao país um projeto político democrático. Exame, São Paulo, s.n., p. 25, maio 1983. Suplemento complementar.

 

51 PENNA, J. C. Não há nenhum incêndio. Veja, São Paulo: n. 604, p. 03- 06, 02 abr. 1980. Entrevista.

 

52 “O aspecto democrático do governo (…) tem de ser prestigiado ao máximo.”

SETÚBAL, loc. cit.

 

53 70,7% dos empresários consideravam adequada a fórmula de abertura política proposta pelo regime. 29,3% afirmavam que a abertura devia ser refreada. Vide:

CAI o prestígio do governo entre os empresários. Exame, São Paulo: n. 204, p. 14-19, 02 jul. 1980.

Há inúmeros depoimentos dos empresários sobre a abertura, ver: MINDLIN apud A ESTRATÉGIA da metal leve, a empresa do ano. Exame, São Paulo: n. 210, p. 26, 24 set. 1980.

SETUBAL apud A FERA ganhou os 100%. Veja, São Paulo: n. 651, p. 81, 18 jun. 1980.

O empresário Olavo Setubal foi um dos fundadores do PP. SETUBAL FILHO, L. Um esforço redobrado para exportar ainda mais. Exame, São Paulo: n. 210, p. 19, 24 set. 1980.

 

54 Observe-se que o gal. Golbery do Couto e Silva enquadrava alguns governos militares como autoritários, mas justificava as suas ações como um modo de atestar que o regime jamais tinha sido ditatorial.

 

55 COUTO E SILVA. G. O desenho da abertura. Senhor, São Paulo: n. 340, p. 35, 22 set. 1987. Entrevista concedida em 1983.

 

 

56 PESQUISA traz paradoxos à tona. Folha de S. Paulo, São Paulo: 11 jul. 1993. C.6, p. 5.

PREFERÊNCIA por democracia cai em dois anos. Folha de S. Paulo, São Paulo: 03 abr. 1995. C.1, p. 8.

 

57 Em 1972, 79% da população se dizia a favor da intervenção dos militares na política. Vide: Arquivo de dados do projeto democratização e cultura política realizado pelo CEDEC/USP/ DataFolha publicado em: MOISÉS, J. A. Os brasileiros e a democracia: bases sócio políticas da legitimidade democrática. São Paulo: Ática, 1995. p. 117.

 

58 Este dado foi citado no depoimento do gal. E. dos Santos Pinheiro e publicado em:

SOARES, D’ARAÚJO e CASTRO, op. cit, p. 249.

Em meados de 1984, o ex-presidente Médici se vangloriava de sua forma de tratar a luta armada, o que teria, segundo ele, contribuído para o seu alto índice de aceitação entre a população. “Aquela guerrilha de Xambioá (Araguaia) acabou antes que a população tomasse conhecimento de sua existência. (…) Ainda hoje, não há dúvida de que era uma guerra, depois da qual foi possível devolver a paz ao Brasil. Eu acabei com o terrorismo neste país. Se não aceitássemos a guerra, se não agíssemos drasticamente, até hoje teríamos o terrorismo. (…) Fiz um governo que enfrentou até greves de militares, além de enfrentar a guerrilha. Eu tinha o AI-5, podia tudo. (…) Tendo o AI-5, fiz o governo mais democrático da revolução.” MÉDICI, E. G. Vejo tudo escuro. Veja, São Paulo: n. 816, p. 14-5, 16 maio 1984. Entrevista.

 

59 FIGUEIREDO apud UMA BANDEIRA de paz. Veja, São Paulo: n. 757, p. 20-4, 09 mar. 1983.

60 Ibid.

 

61 Em setembro de 1983 houve 227 saques a supermercados no país. Para o governo, este era um problema de segurança nacional, tanto que havia uma discussão se estes deveriam ou não ser divulgados. Vide depoimentos em:

MEDO nas ruas. Veja, São Paulo: n. 787, p. 40-2, 05 out. 1983. O Cel Jarbas Passarinho (ministro do trabalho nos governos Costa e Silva e da educação no governo Médici) considerava que estava havendo, naquele momento, uma politização dos descontentamentos, o que

 

 

poderia desaguar na “materialização da ação política de forma violenta contra os dominantes”. Ou seja, “o descontentamento tem desaguado nas manifestações coletivas desordeiras, com saques e invasões de terras envolvendo mortes. Em muitos casos, esses tumultos já indicam claramente a politização do descontentamento, só restando o plano seguinte, na escalada da violência, que é a ação armada organizada e coordenada.”

PASSARINHO, J. O presidente é a segurança que resta. Folha de S. Paulo, 01 de Out. 1983. C.1, p. 3.

 

62 Houve em 1983 uma ampla discussão em torno desta questão, ver: PRATINI DE MORAES apud A CRISE impõe um entendimento político. Exame, São Paulo: n. 273, p. 16, 06 abr. 1983. Empresário e ministro no governo Médici.

PEREZ QUEIRÓZ apud A CRISE impõe um entendimento político. Exame, São Paulo: n. 273, p. 16, 06 abr. 1983. Era presidente da Federação da Indústria do Estado de Pernambuco.

GOMES apud A CRISE impõe um entendimento político. Exame, São Paulo: n. 273, p. 17, 06 abr. 1983. Severo Gomes era empresário e ministro no governo Geisel.

 

63 Em 1983, eram inúmeros os problemas econômicos e políticos. Os impasses a que o governo se referia vinham também da instabilidade política provocada pelas dissensões no interior do próprio grupo dominante quanto à forma de condução da política econômica, pois esta, segundo os empresários, não conseguia vencer a imprevisibilidade. A inflação não-domada e o crescimento econômico travado que agravavam o quadro recessivo eram tidos como um dos problemas geradores dos impasses. “A instabilidade política se agravou quando o Congresso rejeitou o Decreto-Lei n. 2024 do executivo ( primeira vez em 18 anos), cresceu o número de saques e quebra-quebras, aumentaram os ataques vindos de prefeitos, deputados, etc.. ao governo, expandia-se o número de organizações de greves gerais.”

REZENDE, op. cit, p. 330-1.

 

64 JARDIM DE MATTOS apud MEIA volta, volver. Veja, São Paulo: n. 761, p. 20, 06 abr. 1983. Délio Jardim de Mattos era ministro da Aeronáutica.

 

65 GEISEL apud FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1980. p. 19. O gal. Milton Tavares de

 

 

Souza, comandante do II Exército, afirmava que o “movimento de 31 de março não termina(ria) nunca enquanto houve(sse) um bom brasileiro, patriota. O movimento significa luta por um grande ideal, o de um Brasil potência e livre. Um país realmente democrático e livre do movimento comunista internacional.”

TAVARES DE SOUZA apud MILTON adverte que a abertura é calculada. O Estado de S. Paulo, São Paulo: 29 mai. 1980. C.1, p. 4.

 

66 Sobre o processo de continuidade entre o regime militar e a abertura política, ver:

FIGUEIREDO apud NÃO desviaremos dos rumos. O Estado de S. Paulo, São Paulo: 01 de abr. 1980. C.1, p. 4.

 

67 FIGUEIREDO apud FIGUEIREDO define o papel dos militares. Folha de S. Paulo, São Paulo: 18 maio 1980. C.1, p. 5.

68 Id, Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1980.

  1. 7.

69 Ibid, p. 20.

 

70 “Ficou estabelecido que muitos casos de condenação e de suspensão de direitos políticos não eram beneficiados pela medida. Em outros, armaram exigências administrativas, demissões sob outra justificação de modo a que milhares de pessoas não se beneficiassem”.

SILVA, H. O poder militar. Porto Alegre: LP&M, 1984. p. 539. Sobre a anistia, ver, principalmente:

MARTINS, R. R. Liberdade para os brasileiros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

PINHEIRO MACHADO, C. Os exilados: 5 mil brasileiros à espera da anistia. São Paulo: Alfa-ômega, 1979.

SKIDMORE, T. Figueiredo: o crepúsculo do governo militar. Brasil: de Castello a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

 

71 Extintos os dois partidos existentes, surgiram: o PDS, o PMDB, o PPB e o PTB. Estes congregavam os integrantes da ARENA, do PMDB, do antigo PSD e do PTB. Do PPB nasceu o PP. Com o pluripartidarismo nasceram também o PT e O PDT. Com o estabelecimento do pluripartidarismo assistia-se, na maioria dos partidos que emergiam, o que afirmava Fernando de Azevedo na década de 1940: “A organização e o funcionamento dos partidos, no Brasil, a resistência que opuseram e continuam a opor às transformações de estrutura e à

 

 

renovação, e a força que se reagrupam para ressurgirem com a mesma mentalidade, a as mesmas técnicas (…) denunciam no personalismo uma das molas reais de mecanismo da vida política”.

AZEVEDO, F. de. Canaviais e engenhos na vida política do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1958. p. 101.

72 Sobre isto, ver:

COUTO E SILVA, G. (Gal). Sístole e diástoles na vida dos Estados. Conjuntura política nacional – o poder executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 5-21.

Id, O momento brasileiro. Conjuntura política nacional. O poder executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 22-9

FIGUEIREDO, loc. cit.

O livro A volta aos quartéis: a memória militar sobre a abertura traz diversos depoimentos de militares que tiveram posições de mando e decisão durante o período de 1964-1984, nos quais prevalecem as posições de que havia uma enorme conexidade entre a política de abertura e o regime militar como um todo. Há, também, posições minoritárias, como a do general Santos Pinheiro, de que o grupo formulador da abertura teria acabado com a revolução de 1964. Ou seja, esta teria trazido no seu seio aqueles que iriam destruí-la; como exemplo, ele citava o grupo ligado ao Gal. Golbery do Couto e Silva. Vide: SANTOS PINHEIRO, E. Depoimento. In SOARES, D’ARAúJO, CASTRO, op. cit, p. 224-251.

 

73 COELHO NETTO, J. L. (Gal) e BURNIER, J.P.M. (Gal) Depoimento. In SOARES, D’ARAÚJO, CASTRO, 0 (Orgs) op. cit, p. 201-207.

74 PIRES GONÇALVES, L. (Gal). Depoimento. In Ibid, p. 181 et seq.

 

75 Alguns militares deixaram registradas as suas críticas àqueles militares que se empenhavam em se destacar dos demais quanto às suas pretensas concepções democráticas.

PIRES GONÇALVES, op. cit, p. 181 et seq. BURNIER, op. cit, p. 217 et seq.

COELHO NETTO, op. cit, p. 201 et. seq.

 

76 COUTO E SILVA apud VENCIDA mais uma etapa. Visão, São Paulo: n. 38, p. 20-1, 20 out. 1980.

 

77 “Se terroristas anistiados podem hoje, com a tranqüilidade de homens livres, reescrever a história dos vencidos, é porque aos vencedores

 

 

mais importava o reencontro histórico que a vingança estéril e sem futuro”.

JARDIM DE MATTOS apud COM o pé no freio. Veja, São Paulo: n. 650, p. 14, 18 fev. 1981.

Délio Jardim de Mattos era ministro da Aeronáutica no governo Figueiredo.

“Estaremos sempre solidários com aqueles que, na hora da agressão e da adversidade, cumpriram o duro dever de se oporem a agitadores e terroristas, de arma na mão, para que a nação não fosse levada à anarquia.”

PIRES apud COM o pé no freio. Veja, São Paulo: n. 650, p. 15, 18 fev. 1981.

Walter Pires era ministro do Exército no governo Figueiredo.

 

78 COUTO E SILVA, G. Linhas mestras de uma estratégia para o poder executivo. Conjuntura política nacional – o poder executivo. Rio de Janeiro:

  1. Olympio, 1981. p. 33.

79 Ibid.

 

80 “O que o governo objetiva com o projeto é criar condições legais para que a realidade flua normalmente sem obstáculos”.

PROJETO de extinção do bipartidarismo apud FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1980. p. 20.

81 Couto e Silva, op. cit., p. 32.

82 Ibid, p. 34.

 

83 Em 13 de novembro de 1980, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional que extinguia os cargos de governadores e senadores biônicos. Abria-se, assim, o processo sucessório nos Estados para 1982.

 

84 GEISEL apud FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1980. p. 19.

 

85 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1981. p. XIV.

 

86 O gal. Figueiredo afirmava: “O poder executivo (…) está, como sempre esteve, aberto à conciliação e à prática democrática da negociação, especialmente no campo da elaboração legislativa”.

 

 

FIGUEIREDO apud A ABERTURA no funil. Veja, São Paulo: n. 653, p. 21, 11 mar. 1981.

 

87 O senador do PDS, Nilo Coelho, dizia que estava “impressionado com a receptividade dessa tese de conciliação. Basta ver o discurso de estréia do líder do PMDB, Senador Marcos Freire, que defende a necessidade do diálogo”.

COELHO, N. Diálogo viável. Visão, São Paulo: n. 12, p. 17, 23 mar. 1981. Entrevista.

 

88 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1981. p. XIV.

89 Sobre isto ver a posição de:

KLEIN, O. Constituinte. Visão, São Paulo: n. 14, p. 20, 06 abr. 1981. Odacir Klein era líder do PMDB na Câmara dos Deputados.

90 Ibid.

 

91 No final da década de 1970 e início da década de 1980 emergiram nas ciências sociais uma ampla discussão sobre a questão do consenso. Os dois textos mais importantes sobre isto foram:

CARDOSO, F. H. Democracia para mudar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

COUTINHO, C. N. A democracia como valor universal. Rio de Janeiro: Salamandra, 1980.

Cardoso afirmava que a busca do consenso é algo típico dos regimes autoritários e não das democracias. Ou seja, “a democracia é o reconhecimento da legitimidade do conflito, a busca da negociação e a procura de acordo, sempre provisório, em função da correlação de forças.”

CARDOSO, op. cit, p. 22.

Esta afirmação gerou uma ampla polêmica entre os cientistas sociais. Coutinho a discutiu criticamente. Para ele “a negação do valor do consenso é conseqüência necessária da negação da hegemonia; (…) para o pensamento liberal (assimilado pela social-democracia contemporânea), democracia é sinônimo de pluralismo – reconhecimento da legitimidade do conflito – enquanto a busca do consenso (ou hegemonia) seria sinônimo de totalitarismo.” COUTINHO, op. cit, p. 47.

 

 

92 COUTO E SILVA, G. Sístoles e diástoles na vida dos Estados. Conjuntura política nacional – o poder executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 15.

“As sístoles e diástoles do Estado, que o general Golbery apontava como comportamento tradicional da sociedade política brasileira, são, na realidade, os movimentos pendulares possíveis das Forças Armadas e das elites civis, que compartilham do paradigma existente de redução-supressão das situações conflitivas.”

DREIFUSS, R. A. A sociedade política armada ou força armada societária? In As Forias Armadas no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987. p. 108.

 

93 Falando sobre o processo de dissensão e abertura, Weffort dizia: “Nós todos acreditamos que caminhamos para a democracia por várias razões. Uma delas, porém, é fundamental. É a razão da vontade: é para lá mesmo que nós queremos caminhar.”

WEFFORT, F. Por que democracia? In Stepan, A. Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 499.

Bolívar Lamounier afirmava: “É evidente que o presidente Geisel introduziu importantes alterações no processo político brasileiro. Embora o processo de distensão, além de gradual, esteja sujeito a idas e vindas, pelo menos se deu início a uma etapa em que o desenvolvimento das instituições políticas deixa de ser tabu e passa a figurar entre as prioridades.”

LAMOUNIER, B. Comportamento eleitoral em São Paulo: passado e presente. In Os partidos e as eleiiões no Brasil. Rio de Janeiro: São Paulo: Paz e Terra, Cebrap, 1978. p. 43.

94 Obrigatoriedade de se votar nos candidatos de um mesmo partido.

 

95 No final de 1981, o governo decretava, através de um pacote eleitoral, a vinculação de todos os votos nas eleições de 1982. Decretava também que todos os partidos tinham que apresentar candidatos e proibiam- se as coligações. O gal. Geisel declarava que só desta maneira poderia haver continuidade na “marcha política do país (…) na direção da abertura e da democracia.”

GEISEL, E. Um forte apoio. Veja, São Paulo: n. 691, p. 22, 02 dez. 1981. Entrevista.

 

96 FIGUEIREDO apud A ABERTURA no funil. Veja, São Paulo: n. 653, p. 21, 11 mar. 1981.

 

 

97 SARNEY, J. Como fazer a constituição. Visão, São Paulo: n. 18, p. 14, 03 maio 1982. Sarney era líder do PDS.

 

98 PASSARINHO, J. Revanche, não. Visão, São Paulo: n. 17, p. 13, 26 abr. 1982. Entrevista.

 

99 MACIEL, M. O poder será negociado. Isto é, São Paulo: n. 275, p. 76- 8, 31 de mar 1982. Marco Maciel era um dos mais importantes líderes do PDS.

 

100 SAMPAIO apud DEFESA do pacote. Visão, São Paulo: n. 21, p. 16, 24 maio 1982. Cantídio Sampaio era líder do PDS na câmara.

 

101 Os representantes do grande capital na sua maioria estavam em acordo de que o governo não deveria medir esforços para conduzir a democratização da abertura dentro dos moldes previstos pelo regime em vigor. Conforme pesquisa:

OS EMPRESÁRIOS e as eleições. Exame, São Paulo: n. 258, p. 18-6, 25 ago. 1982.

 

102 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1982. p. XXIV.

 

103 STENZEL apud UM LAMENTO político. Visão, São Paulo: n. 6, p. 22, 28 mar. 1969.

104 FIGUEIREDO, op. cit, p. XXIV.

105 FIGUEIREDO, loc. cit.

 

106 DAHL, R. Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1989. Id, Um prefácio à democracia econômica. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

 

107 Os valores do processo democrático não estão, para Dahl, na soberania da maioria. Mas sim na “probabilidade de que um grupo ativo e legítimo possa se fazer efetivamente ouvido. Nem indivíduos, nem grupos politicamente iguais. Portanto, as decisões de um governo democrático não são expressões de exigências das maiorias. É sempre o apaziguamento de pequenos grupos”.

DAHL, R. Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 141.

 

 

108 PATEMAN, C. Participaião e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 19 et seq.

109 FIGUEIREDO, loc. cit.

110 Ibid, p. XXV.

 

111 ORDEM do dia. Documento dos militares apud RECICLAGEM na caserna. Veja, São Paulo: n. 743, p. 32, 01 dez. 1982.

 

112 PIRES apud RECICLAGEM na caserna. Veja, São Paulo: n. 743, p. 33, 01 dez. 1982.

 

113 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1983. p. XIX e XX.

114 Ibid, p. XVI.

 

115 PIRES apud UMA PAUSA na sucessão. Veja, São Paulo: n. 745, p. 36, 15 dez. 1982.

 

116 A PREFERÊNCIA do eleitorado no pleito presidencial apud UMA PAUSA na sucessão. Veja, São Paulo: n. 745, p. 37, 15 dez. 1982. Nesta pesquisa, 68% dos eleitores responderam que preferiam eleições diretas para a presidência da República e 53% afirmaram que o candidato deveria ser um civil.

 

117 COSTA, O. Depoimento. In SOARES, D’ARAÚJO, CASTRO, op. cit, p. 116.

 

118 VIEIRA, G. Depoimento. In Ibid, p. 276 et seq. O general Glauber Vieira foi chefe da Assessoria Especial da Presidência da República no governo Geisel, dentre outros cargos.

 

119 OLIVEIRA apud PELA porta da frente. Isto é, São Paulo: n. 327, p. 26, 30 mar. 1983.

Sobre o papel das Forças Armadas na sociedade brasileira, ver, principalmente:

MORAES, J. Q; COSTA, W. P; OLIVEIRA, E. R. A tutela militar. Rio de Janeiro: Vértice, 1987.

STEPAN, A. Os militares: da abertura à nova república. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

 

 

Id, The military in politics: changing patterns in Brazil. Princeton, Princeton University Press, 1971.

OLIVEIRA, E. R. et al. As Forias Armadas no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço & Tempo, 1987.

 

120 O gal. Octávio Costa afirmava que o gal. Octávio Madeiros (Chefe do SNI no governo Figueiredo) era o candidato do regime para governar o país entre 1985-1991. Vide: COSTA, op. cit, p. 122.

 

121 Sobre este processo, ver:STEPAN, A. Os militares: da abertura à nova República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 68.

122 Ibid, p. 71.

 

123 O processo de transição, para Irene de Arruda Ribeiro Cardoso, concorria para o “esquecimento ou diluição na memória coletiva do terror implantado pela ditadura militar.”

CARDOSO, op. cit, p. 103.

 

124 SADER, E. Uma transição intransitiva? In Um rumor de botas. São Paulo: Pólis, 1982. p. 179 -180.

125 Ibid, p. 187.

 

126 Com a emergência dos movimentos populares, na década de 1970, surgiram inúmeras reflexões sobre o despontar dos novos sujeitos na cena política e a criação das condições para o desenvolvimento de uma democracia diferente daquela que o grupo de poder do regime militar vinha, até então, propondo. Eder Sader, em Quando os novos personagens entraram em cena, fazia uma análise neste sentido. Para ele, as mudanças políticas que ocorriam naquele momento não poderiam ser pensadas como resultado de atuação de um partido ou de uma elite dirigente. A igreja, o sindicato, os movimentos populares, a fábrica, etc., seriam, também, agentes das mudanças em curso.

SADER, E. Quando os novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

127 Dentre outros, pode-se citar :

SINGER, P. As contradições do milagre. In KRISCHKE, P. Brasil do “milagre” à “abertura”. São Paulo: Cortez, 1982. p. 5 -22.

OLIVEIRA, F. de. Expansão capitalista, política e Estado no Brasil. In A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1977. p. 114 – 134.

 

 

128 Vide grande parte da bibliografia sobre os movimentos sociais daquele período que foram citadas anteriormente.

 

129 Dentre outros, vide:STEPAN, A. Os militares: da abertura à nova república. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

LAMOUNIER, B. O “Brasil autoritário” revisitado: o impacto das eleições sobre a abertura. In STEPAN, A. (org). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 83 -134.

 

130 O Brigadeiro Délio Jardim de Mattos, ministro da Aeronáutica, afirmava que a saída estava no diálogo e este implicava “uma capacidade de ouvir, ceder e compor. (…) O bem comum é mais importante que todas as divergências e todos os passados.” MATTOS apud MEIA volta, volver. Veja, São Paulo: n. 761, p. 20, 06 abr. 1983.

 

131 Sobre isto ver os depoimentos dos militares que faziam parte do grupo de poder, em:

PIRES, FONSECA, MATTOS apud MEIA volta, volver. Veja, São Paulo:

  1. 761, p. 20- 1, 06 abr. 1983. Walter Pires, Maximiliano da Fonseca e Délio Jardim de Mattos eram ministros militares no governo Figueiredo.

FIGUEIREDO apud UM PERFIL está no ar. Veja, São Paulo: n. 766, p. 36 – 9, 11 maio 1983.

PASSARINHO, J. O presidente é a segurança que resta. Folha de S. Paulo, São Paulo: 1 out. 1983. C.1, p. 3

 

132 PASSARINHO, loc. cit. Jarbas Passarinho foi líder e presidente do Senado no governo Figueiredo.

 

133 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1983. p. XX .

 

134 Esta discussão foi feita em minha dissertação de mestrado. REZENDE, M. J. de. O processo sucessório de 1984: o realinhamento das forças dominantes encravado no terreno da conciliação. In A transiião como forma de dominaião política. São Paulo: PUC, 1991. p. 195

– 260.

 

135 SARNEY, J. Diálogo com determinação. Folha de S. Paulo, São Paulo: 05 Jan. 1984. C.1, p. 3.

 

 

136 O candidato da Oligarquia nordestina, Mário Andreazza, saiu na frente nas primeiras pesquisas entre os convencionais do PDS. Os dados desta pesquisa foram publicados em:

ANDREAZZA na dianteira. Veja, São Paulo: n. 773, p. 39, 29 jun. 1983. No entanto, Paulo Maluf, através de uma campanha corpo a corpo com os convencionais acabou, surpreendentemente, superando o próprio Andreazza.”

SUAREZ, M. A. Petroquímica e tecnoburocracia: capítulos do desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1986. p. 229.

 

137 Para Florestan Fernandes, nessas condições é que Tancredo Neves “se converteu e foi convertido no sucessor e substituto do sistema. De um lado, o homem-chave dos compromissos com os militares. (…) De outro, o homem-ponte que iria cimentar o ‘novo curso’. (…) À sua retaguarda estavam os campeões dessa peculiar transição pacífica para a Nova República: os liberais egressos do governo ditatorial; os liberais do PMDB, em sua maior parte ex-combatentes do PP; (…) (e) a massa reacionária da burguesia”.

FERNANDES, F. O continuísmo mudancista. Folha de S. Paulo, São Paulo: 23 abr. 1985. C. 1, p. 03.

 

138 NEVES apud MINUETO da sucessão. Visão, São Paulo: n. 22, p. 20, 30 mar. 1983.

 

139 REZENDE, op. cit, p. 211. Sobre esta questão, ver:SUAREZ, op. cit, p. 229 et seq.

 

140 FIORI, J. L. Transição terminada: crise superada? Novos Estudos Cebrap, São Paulo: n. 28, p. 137-151, out. 1990.

 

141 CARDOSO apud As bases de um novo acordo político. Exame, São Paulo: n. 279, p. 17, 29 jun. 1983.

142 SUAREZ, loc. cit.

 

143 Dante de Oliveira, autor da emenda das diretas que foi derrotada em 25 de abril de 1984, atestava que era necessário, por um lado, ampliar o processo de negociação para atingir inclusive os militares e, por outro, era preciso pressionar os parlamentares via participação popular.

OLIVEIRA, D. Vamos aprovar a emenda. Veja, São Paulo: n. 811, p. 05

-08, 21 mar. 1984.

 

 

144 Em nome da Aliança democrática tinha-se o “acordão” que englobava todos os dissidentes situacionistas e amplos setores do PMDB. Os denominados mudancistas do PDS é que formaram o Partido da Frente Liberal (PFL) em 1985.

145 REZENDE, op. cit, p. 223.

 

146 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1980. p. 19.

 

147 COUTO E SILVA, G. Conjuntura política nacional. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 22.

 

148 Id, O momento brasileiro. Conjuntura política nacional o poder executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 22-9.

149 Ibid, p. 20.

150 Ibid, p. 21.

151 Ibid, p. 101.

152 Ibid, p. 95.

 

153 ALVARENGA, A. C. G. (Cel). Doutrina militar brasileira. Revista da Escola Superior de Guerra. n. 2, v.2, p. 61-77, abr. 1984. Chefe da divisão de Assuntos militares da Escola Superior de Guerra.

154 Ibid, p. 68-9.

155 Ibid, p. 69.

156 Ibid.

 

157 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1981. p. XV.

158 Ibid.

 

159 COUTO E SILVA, G. Sístoles e diástoles na vida dos Estados. In Conjuntura política nacional – o poder executivo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981. p. 16 et seq.

 

 

160 Os elementos para a análise da estratégia psicossocial, na era da abertura, foram retirados de diversas fontes, dentre elas, ver principalmente: COUTO E SILVA, op. cit, p. 22 et seq.

FIGUEIREDO, op. cit, p. XIV e XV.

Id, Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1982.

  1. XXV et seq.

ALVARENGA, A. C. G. Doutrina militar brasileira. Revista da Escola Superior de Guerra. Rio de Janeiro: n. 2, v.2, p. 67, abr. 1984. Alvarenga era chefe da Divisão de Assuntos Militares da ESG.

CUNHA, R. L. Objetivos nacionais. Segurania e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: n. 193, p. 34-9, 1983. O engenheiro Ricardo L. da Cunha pronunciou esta conferência em 30. 09. 1982 na ADESG/AM.

 

160 COUTO E SILVA, G. O momento brasileiro. In. Conjuntura política nacional – o poder executivo. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1981. p. 25.

162 Vários destes artigos foram publicados em: COUTO E SILVA, op. cit.

  1. 5-37.

 

163 No que concerne à manutenção e ampliação dos objetivos políticos do regime militar, a Escola Superior de Guerra continuava empenhada na divulgação através de conferências, cursos, revistas, etc. de elementos que, segundo ela, visavam constituir a verdadeira personalidade coletiva da nação. Aqueles objetivos faziam parte, dizia a ESG, de um quadro de objetivos nacionais permanentes. Vide:CUNHA, op. cit. p. 34- 9.

164 COUTO E SILVA, op. cit, p. 33.

 

165 FIGUEIREDO, J. B. Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1982. p. XXV.

166 Ibid.

167 Id, Mensagem ao Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 1983.

  1. XX.

 

 

 

½O½SI ERA&±ES FI½AIS

 

 

O grupo de poder do regime militar orientou as suas práticas políticas através de uma pretensão de legitimidade que se constituiu em uma espécie de fio condutor do processo instaurado a partir de 1964. Max Weber, no livro Economia e Sociedade, mostrava que a pretensão de legitimidade deve ser considerada como um dado essencial para se compreender toda e qualquer forma de domínio.

 

A legitimidade de uma dominaião deve naturalmente ser considerada apenas uma probabilidade de, em grau relevante, ser reconhecida e praticamente tratada como tal. Nem de longe ocorre que toda obediência a uma dominaião esteja orientada primordialmente (ou, pelo menos, sempre por essa crenia). A obediência de um indivíduo ou de grupos inteiros pode ser dissimulada por uma questão de oportunidade, exercida na prática por interesse natural próprio ou aceita como inevitável por fraqueza e desamparo individuais. Mas isso não é decisivo para identificar uma dominaião. O decisivo é que a própria pretensão de legitimidade, por sua natureza, seja `válida’ em grau relevante, consolide sua existência e determine entre outros fatores, a natureza dos meios de dominaião escolhidos.1

 

O caráter absolutamente ditatorial do regime que vigorou, no país entre 1964 e 1984, foi se elucidando à medida que esta análise avançava no desvendamento de todos os traços constituintes de sua pretensão de legitimidade. Mereceu destaque, assim, o projeto de homogeneização de toda a sociedade brasileira aos propósitos tanto objetivos quanto subjetivos da ditadura, tendo em vista que eles possibilitaram trazer à tona todos os elementos empregados pelos seus condutores no processo de manutenção daquele sistema de poder. Um regime ditatorial que se empenhava em construir uma

 

 

consciência coletiva favorável a ele a partir da elaboração de um sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia que visava padronizar os sentimentos, comportamentos e ações através de um amplo processo de disciplinamento da sociedade como um todo, reafirmava continuamente um processo de maculação de toda e qualquer idéia de democracia.

O efeito deste processo foi, principalmente, o seguinte: ocorreu o reforçamento de uma idéia muito presente na história política brasileira de que eram enormes os benefícios trazidos pela associação entre democracia e poder executivo forte; o que potencializou o desenvolvimento de uma mentalidade não- abominadora, por completo, da ditadura. Basta observar que nas pesquisas realizadas após 1984 detecta-se uma considerável não- distinção entre democracia e ditadura militar (vide nota 115).

O desvendamento da complexidade do regime militar exigiu que se desse conta de alguns traços que devem ser considerados os definidores da fisionomia assumida por ele durante os seus vinte anos de duração. Em primeiro lugar, partiu- se do pressuposto de que a repressão, a tortura e/ou quaisquer outras formas que o uso da força tenha assumido, era uma de suas faces. Em segundo, buscou-se analisar uma outra face que foi pouco estudada, ou seja, aquela que se constituiu tendo em vista o empenho da ditadura para conquistar reconhecimento e aceitabilidade para o seu projeto de sociedade.

A longevidade do regime militar brasileiro, bem como a sua forma de transição, estão ligados a alguns elementos que já foram estudados pelas ciências sociais em uma bibliografia significativa sobre este período; no entanto, há ainda muito por fazer para se compreender o processo instaurado com o movimento de 1964 e, também, os seus desdobramentos. Isto exigiu que este trabalho se debruçasse, com grande ênfase, sobre alguns aspectos ainda não explorados suficientemente.

A busca de reconhecimento em torno de valores conferia à ditadura os traços fundantes de sua singularidade, pois ela precisava lidar com os elementos atinentes à nossa organização social naqueles aspectos que fossem reforçadores dos valores tidos pelo regime militar como capazes de dar substância aos seus propósitos de constituição de uma determinada consciência

 

 

coletiva que endossasse irrestritamente a ditadura em vigor. Isto não significa, de maneira alguma, que o golpe militar e seus desdobramentos foram tomados, então, como uma simples coroação dos elementos fundantes da formação e do desenvolvimento da sociedade brasileira. A idéia de combinação da repressão com uma pretensão de legitimidade pretendeu, sim, desvendar a ação política de um determinado grupo social que lutava para construir em todos os planos da vida social uma determinada reciprocidade de perspectivas.

Esta pesquisa detectou que o regime militar foi perpassado por duas questões básicas: as ameaças de endurecimento e a preocupação em divulgar um conjunto de idéias e valores que, segundo os seus condutores, comprovava a total e absoluta conexão entre os seus propósitos e os anseios da população brasileira; o que era justificado a partir da peculiaridade de nossa organização social e política já sedimentada através dos tempos.

A construção de um ideário de democracia se constituiu na chave mestra para a compreensão da maneira como aquele regime montou, tanto as suas estratégias de identificação com a população no plano subjetivo quanto as suas formas de justificar as diversas medidas tomadas, inclusive as mais repressoras, no plano objetivo.

A durabilidade da ditadura militar no Brasil, bem como o seu grau de aceitabilidade estavam, sem dúvida, relacionados à peculiaridades do padrão de domínio e de cultura aqui prevalecentes. Os condutores daquele regime construíram estratégias nas diversas esferas da vida social buscando destacar que havia amplos pontos de ligação entre o conjunto de valores que norteavam aquele regime e os valores da sociedade em geral. Acredita-se que, tendo em vista essas questões, as trilhas deixadas por pensadores que tinham como objetivo entender as singularidades da sociedade brasileira, tais como: Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Raymundo Faoro, etc.,2 são as mais firmes e bem traçadas quando se tem por objetivo compreender os fundamentos da relação que a ditadura labutava para estabelecer entre os planos objetivo e subjetivo. Somente a compreensão das particularidades da sociedade brasileira em termos político-culturais é que torna possível entender porque a ditadura situava a sua pretensão de legitimidade  sobre

determinados valores, costumes e instituições.

 

 

Os condutores do regime alardeavam que eram os únicos portadores dos valores e das possibilidades de implantação das condições objetivas que levariam o país a uma forma de organização social sem conflitos, ou seja, em harmonia com o espírito cordato e conciliador da maioria dos brasileiros. O grupo de poder tirava essas questões do nada? Acredita-se que não. Ele apostava na sublevação e na generalização absoluta de uma consciência coletiva nestes moldes e o fazia enaltecendo alguns traços destacados pelos seus componentes como parte constituinte da subjetividade do povo brasileiro.

Não é possível considerar que os condutores da ditadura investiram toda a sua busca de reconhecimento e aceitabilidade a partir da formulação de um suposto ideário de democracia, o qual percorreu os vinte anos daquele regime, simplesmente como quem montava uma farsa e/ou uma encenação. Mostrou-se, neste trabalho, que eles lutavam para se situar na subjetividade do outro. Ou seja, “não se tratava de uma representação totalmente ilusória da realidade nem de uma simples mentira. Toda ideologia e todo princípio de legitimidade do poder, para se justificarem eficazmente, precisam conter também elementos descritivos, que os tornem dignos de confiança (…) “.3 Daí a constante necessidade de conectar toda estratégia psicossocial e política àquele ideário.

Em termos gerais, a análise das denominadas duas faces da ditadura, repressão e busca de reconhecimento em torno de determinados valores se deu a partir de uma ampla incursão pelas conjunturas básicas que constituíram aquele período e dentro delas o jogo que se fez continuamente entre as medidas que eram tomadas e as suas justificações visando construir continuamente formas de adesão ao regime como um todo.

Analisando as raízes e as especificidades da organização social brasileira em termos políticos e culturais ficam, evidentemente, mais claras as razões pelas quais os militares apostavam numa determinada forma de se ganhar adesão para os seus propósitos. Há, no mínimo, uma questão a ser considerada: a separação entre a vida social e a vida política que sempre possibilitou que a palavra democracia, no Brasil, não passasse de demolatria, que segundo Sartori é o uso abusivo da palavra povo sem nunca levá-lo, de fato, em consideração.4

 

 

A demolatria se constituiu, então, na base de uma verdadeira guerra psicológica visando convencer a população, através de vários mecanismos, de que havia uma identificação perfeita entre ela e a ditadura. Fernando de Azevedo, em Canaviais e Engenhos na vida política brasileira, escrito na década de 40, fazia uma afirmação verdadeiramente elucidativa deste processo de busca de identificação entre os governos, mesmo os ditatoriais, e o povo. Isto seria, segundo ele, um traço de nossa singularidade. “Governos e ditaduras sempre tenderam a revestir entre nós um caráter personalista no sentido de que o poder se considera exercido por um homem e não por um presidente ou ditador, ou por governos, ou instituições abstratas, mas por uma pessoa a que podemos de alguma forma estar ligados”.5

As imagens de todos os presidentes-generais eram cuidadosamente trabalhadas para torná-los pessoas com as quais o povo encontrava-se ligado de alguma maneira. Os presidentes Arthur da Costa e Silva e João Batista Figueiredo foram citados pelo gal. Octávio Costa como exemplos de momentos em que o regime teria conseguido estabelecer tais laços de proximidade.6 Ele dizia que eram os homens Arthur e João que governavam e não o marechal e/ou o general.

Esta busca de laços pessoais apontava, como afirmava Fernando de Azevedo, para uma contínua insistência em situar a relação de mando no âmbito da esfera privada.7 Pode-se dizer, então, que sob este aspecto, especialmente, a ditadura militar tinha sua atuação baseada num traço arraigado culturalmente na política brasileira. Ou seja, procurava-se um tipo de identificação em uma forma de solidariedade nos moldes familiar, privado, particular. Assistia-se, assim, à elevação e à potencialização do personalismo, da tutela e do paternalismo autoritário.

O regime militar reelaborava, obviamente, o personalismo insistindo contundentemente no valor absoluto dos militares no poder; ou seja, eles se autodenominavam os únicos portadores das condições para a criação de uma sociedade homogeneizada em todas as suas perspectivas, intenções, desejos, ações, atitudes, hábitos, costumes e comportamentos. Ressalte-se que ora os condutores da ditadura davam destaque aos elementos subjetivos e ora aos objetivos em seu empenho de criar uma ordem social padronizada e, portanto, livre de quaisquer traços contestatórios.

 

 

Era uma invenção daquele momento a forma que assumia a tentativa de justificar a circunscrição da ação de todos à ação dos condutores da ditadura, mas não o eram, por certo, os elementos que embasavam esta busca de identificação pautada em relações de caráter privado. Tinha-se, então, o amalgamento de traços cristalizados na política brasileira com outros novos que se definiam tendo em vista as condições sociais que iam emergindo, naquele momento.

A pretensa ligação entre os comandantes da ditadura e a população era feita a partir da divulgação insistente, através de diversos canais, de que eles eram homens de família, do povo, religiosos, anti-comunistas, democratas, etc.. Estes traços apareciam como a ponte que os ligava aos diversos membros constituintes da sociedade brasileira. É interessante marcar que os formuladores da estratégia psicossocial labutavam para mostrar que os militares no poder se identificavam com o povo, mas de maneira que ficassem também ressaltados os elementos (disciplina, rigidez ética, capacidade de controle e de tutoração, dentre outros) que os qualificavam para ser os representantes máximos da nação brasileira.

Em todo o período que vigorou a ditadura militar, os seus condutores buscavam reconhecimento para as suas ações e intenções pondo em relevo as qualidades dos militares no poder, tais como: caráter, compromisso cristão, amabilidade com a família e defesa da ordem e da justiça. A criação de laços entre eles e a população era pautada na insistência de que havia uma intimidade emotiva deles com a maioria dos membros da sociedade brasileira. A estratégia psicossocial destacava que o país não estava sendo governado por uma instituição (as Forças Armadas), mas por pessoas com as quais os brasileiros se identificavam. Ressaltavam, assim, que sob esse aspecto eles se diferenciavam de todos os demais grupos que já tinham estado no poder.

Buscava-se reconhecimento e adesão adentrando ao âmago das relações subjetivas. Através de sua estratégia psicossocial, o regime difundia que a maioria dos brasileiros eram, então, membros de uma mesma família que se identificavam em todos os planos. Os militares apareciam, porém, como os únicos capazes de conduzi-la, através da correção de nossos erros, da imposição

 

 

de uma rígida disciplina e da tutoração, a uma forma de organização social que eles atestavam ser superior porque estaria livre das ameaças do comunismo.

A insistência dos formuladores da estratégia psicossocial em que os militares tinham como preocupação primordial a proteção da família brasileira demonstrava a prevalência de um comportamento paternal que se constituía em elementos que resultavam necessariamente numa forma personalista de condução da política.8

Não é possível, no âmbito deste trabalho, recuperar toda a discussão em torno desta forma paternalista de condução da política, a qual não era uma invenção do período pós-1964. Raymundo Faoro, por exemplo, um importante pensador sobre a singularidade da vida social e política brasileira, deu um enorme destaque em seu clássico livro, Os donos do poder, publicado na década de 50, para a forma de constituição histórica daquele processo. Dentre as diversas questões por ele assinaladas, cabe mencionar, tendo em vista o problema deste trabalho, a prevalência da idéia de proteção natural do mais forte.9

A ditadura militar potencializava esta idéia de proteção, de tutela. Ao se debater em torno da sedimentação de uma relação de tutoração, o grupo de poder se empenhava em diluir completamente os efeitos de sua política altamente repressora. Através da idéia de que os militares estavam protegendo a população dos males (o comunismo, por exemplo) que a rondava, buscava-se convencê-la de que ela devia a eles uma irrestrita obediência.

Não se está afirmando, porém, que a ditadura militar somente dava continuidade a um determinado padrão de domínio vigente no país desde remotos tempos, mas sim que sua pretensão de legitimidade a obrigava a lidar com alguns elementos que lhe eram precedentes. Ela se esforçava, no entanto, para se mostrar altamente ajustada a seu tempo de tal forma que a negação de qualquer relação com o passado fazia parte de sua estratégia de convencimento da população de que seus propósitos eram absolutamente novos.

No que consistia, então, esta relação de continuidade e singularidade que perpassou todo o período de 1964 a 1984?

 

 

Pode-se dizer que ela sintetizava o empenho do regime militar em se situar diante das questões que aquele momento histórico colocava de maneira inédita e/ou singular e, também, uma necessidade de potencialização de determinados traços já presentes na organização social e política brasileira. Este trabalho se situou, assim, diante do constante desafio de compreender como o grupo de poder do regime pós-1964 enfrentava os problemas atinentes àquele período no que tange especificamente à sua pretensão de legitimidade. A partir daí quais eram, então, os pontos indicativos de um modo de domínio que se inovava na arte de produzir uma nova forma de ditadura e quais eram os pontos que o conectavam com maneiras já sedimentadas e especializadas em elevar, conforme afirmava Sérgio Buarque de Holanda, em 1936, no livro Raízes do Brasil, o autoritarismo às alturas.10

Observe-se que os efeitos deste processo de combinação de uma prática política ditatorial a partir do golpe de 1964, com formas reconhecidamente autoritárias de justificar e pensar a realidade brasileira, só poderia resultar na vigência de um regime com potencialidades de se prolongar por vinte anos consecutivos. A busca de adesão e aceitabilidade tem nestes elementos definidores da relação continuidade-singularidade os seus fundamentos.

A exclusão social e política ganhava sua feição mais acabada e era continuamente combinada com a idéia de que se estava realizando no país a verdadeira democracia. A ditadura buscava exaltar que os valores, os costumes, as atitudes e as formas de instituição que ela defendia se consubstanciavam com o caráter do povo brasileiro e com os seus padrões de convívio em todas as esferas da vida social.

A ditadura procurava dissimular a sua face de terror se autodenominando propulsora de uma nova forma de organização social que se baseava na harmonia, na ordem, na cooperação, na disciplina, no não-conflito e na homogeneização de todos os valores sociais; no entanto, ficava evidenciado que as pressuposições do grupo de poder em torno destes elementos lidavam com a necessidade de justificá-los como parte do caráter e da índole dos brasileiros e, ao mesmo tempo, como expressão da coroação de um período que se inaugurava em 1964.

 

 

Nesta primeira parte das considerações finais foram levantadas aquelas questões que podem ser consideradas como comuns ao processo instaurado pelo regime militar como um todo. De um modo ou de outro elas estiveram presentes, às vezes de maneira mais evidente, outras menos. No entanto, elas rastrearam todos os recônditos da vida social. Houve, todavia, especificidades dentro do próprio regime quanto à forma de condução das medidas no plano objetivo tendo em vista as diferenças conjunturais. Tentou-se demonstrar no transcorrer deste trabalho como se conectavam os elementos comuns que perpassavam a ditadura como um todo com aqueles que eram singularidades de cada período que a constituía.

Castello Branco, por exemplo, à frente do primeiro governo da revolução, se debatia em torno de elementos atinentes a uma pretensão de legitimidade, mas não se pode dizer que ele o fazia da mesma maneira que os governos subseqüentes, o que tem a ver com as especificidades conjunturais que recortavam o regime militar como um todo. Há, então, duas questões que foram assinaladas: a primeira é que num âmbito geral, este trabalho deu destaque aos elementos que se constituíram em uma espécie de fio condutor do período de 1964 a 1984, o qual pode ser sintetizado como a constituição de um sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia que justificava todas as ações e desígnios de todos os governos militares; a segunda foi o empenho desta análise em demonstrar como estas questões se colocavam singularmente dentro de suas especificidades conjunturais.

Apreender as especificidades conjunturais objetivou dar mais visibilidade ao processo de elaboração dos mecanismos de construção da legitimidade. O empenho dos integrantes do grupo de poder para ganhar adesão operava uma espécie de busca de conexidade entre as suas medidas econômicas e políticas e o seu hipotético sistema de idéias e valores sobre a democracia. Desde o primeiro governo autoritário até o último, as diversas medidas e ações nos diversos campos eram objetivamente trabalhadas naquele sentido. Isto significa que não se considerou, nesta análise, que a busca de reconhecimento dava-se somente no nível dos pronunciamentos, falas e desígnios.

 

 

As reformas econômicas do governo Castello Branco, o denominado milagre econômico, os planos nacionais de desenvolvimento, bem como todas as medidas políticas estabelecidas no decorrer dos governos ditatoriais eram, portanto, justificadas como um modo de se aproximar cada vez mais da forma de organização social que a ditadura estava empenhada em construir.

Demonstrou-se que as reformas econômicas estabelecidas no governo Castello Branco, por exemplo, tais como: saneamento monetário, saneamento do Estado, definição de uma política fiscal, etc., eram apresentadas como enlaçadas aos supostos objetivos democratizantes do regime militar. O apelo à legitimidade contava, assim, com a premente necessidade de consubstanciar as medidas econômicas e políticas com os valores fundamentais do regime vigente.

Era evidente, no entanto, que no campo das reformas políticas ficava mais explicitado o constante empenho da ditadura em justificá-las e enlaçá-las à sua hipotética fórmula de democracia. Por isso, este trabalho se ateve muito mais a elas do que às medidas e/ou reformas econômicas. A reforma político- partidária, logo após o início do regime militar, a redefinição da ação política do legislativo, partidos e sistema sindical foram amplamente divulgados como única forma de sintonizar a vida política nacional aos objetivos do regime em vigor, por exemplo.

As medidas e ações postas em prática pelo regime, desde o seu início, indicavam a sua atuação tanto no plano horizontal quanto no vertical. Naquele primeiro, detectava-se que ele se empenhava em ganhar aceitabilidade dentro do próprio grupo de poder. As estratégias de fortalecimento da indústria nacional, postas em prática pelo primeiro governo ditatorial, podem ser citadas como representativas daquele processo.

Havia um árduo empenho dos condutores militares e civis do regime em criar uma nova mentalidade em todos os indivíduos, grupos e instituições. Os próprios componentes do grupo de poder, os representantes do grande capital, por exemplo, deveriam ser submetidos a uma mudança de comportamento e de mentalidade; o que demonstrava que todos deveriam ser submetidos a esse processo de ajustes aos “novos” caminhos que estariam sendo abertos pelo regime em vigor.

 

 

A pretensão de legitimidade da ditadura era revigorada a partir de uma espécie de afirmação/superação do período imediatamente anterior. O presidente Costa e Silva tentava cavar adesão a seu governo reafirmando os princípios básicos do movimento de 1964. Mas, também, garantia que o período vindouro era uma segunda fase da “revolução”.11

O fortalecimento da ditadura era continuamente vinculado à padronização de sentimentos, comportamentos e ações, bem como ao disciplinamento de todos os setores sociais aos ideais e propósitos do regime militar. O aumento das funções repressoras do Estado, no final da década de 60 e início da seguinte, eram justificadas, pelos seus condutores, como única maneira possível de garantir a ordem e a sujeição de todos àqueles objetivos. Esta subordinação seria alcançada, segundo os militares e os tecnoburocratas, se fosse criado um estado de espírito revolucionário, o qual exigia amplas reformas e saneamentos de costumes e de padrões éticos na sociedade como um todo.

A convocação do Congresso para reafirmar o nome de Médici para a presidência da República, por exemplo, era o tipo de determinação que fazia parte do grande elenco de medidas utilizadas pelos governos ditatoriais na tentativa de se legitimarem. No caso de Médici, assistiu-se logo após a confirmação de seu nome, à dispensa de qualquer tipo de intermediação em seus supostos contatos com a população. Ou seja, a busca de reconhecimento se deslocava imediatamente para outras instâncias. Foi neste período altamente repressor que se assistia à permanente insistência na conexidade entre os valores defendidos pelos militares e os valores que, segundo eles, eram mantenedores da sociedade como um todo.

O governo Médici buscava adesão para o regime afirmando que a sua suposta fórmula de democracia tinha como objetivo combater tudo o que significasse impedimento para a construção do Brasil Grande-potência. O apelo à legitimidade situava-se tanto no âmbito das realizações econômicas quanto no da propaganda de preservação dos valores vinculados à família e à pátria, principalmente. Segundo Médici, a proteção destes valores era a única forma de resolver os problemas suscitados pela progressiva complexidade da vida social.12

 

 

A referência a esta complexidade ganhou fôlego, no entanto, a partir de 1973, através da recorrente tentativa de dar respostas às contestações e às críticas que emergiam no interior da sociedade. Procurou-se demonstrar que o surgimento do Novo Sindicalismo e o processo de esgotamento do milagre econômico, por exemplo, em 1973, desafiavam a ditadura e sua pretensão de legitimidade. No entanto, não esmaecia o seu empenho naquele sentido, pois o regime passou a se empenhar para introduzir novos elementos no seu intento de conseguir adesão à sua forma de condução do processo sócio-econômico e político em curso.

Estes elementos foram também verificados durante o governo Geisel, o qual centrava sua busca de adesão e aceitabilidade na defesa da austeridade e da racionalidade. Essas duas questões norteariam, segundo ele, a condução dos negócios do Estado e, portanto, a sua proposta de distensão política. Este período não significou, de forma alguma, um rompimento com os hipotéticos pressupostos de democracia dos governos anteriores, mas continuava, sim, a reafirmar em essência um compromisso com eles. Portanto, a distensão política não queria dizer, segundo Geisel, quebra dos objetivos colocados pelo movimento militar de 1964, mas sim uma espécie de aperfeiçoamento e até de coroação dos mesmos.13

Esta pesquisa detectou que a distensão era apresentada como a expressão do desenvolvimento político que o movimento militar vinha buscando desde o seu início, o qual significava o estabelecimento de segurança contra toda e qualquer articulação subversiva. No mais, dizia ele, “muito se tem publicado e discutido sobre a distensão; atribuindo-se ao governo – e notadamente ao Presidente da República – intenções, objetivos, avanços, recuos, submissão e pressão, etc. que absolutamente não correspondem à realidade, mas constituem fruto da imaginação e, por vezes, além do que contém de intriga e de ação negativista, representam apenas o desejo íntimo de seus autores”.14

A necessária estratégia de desengajamento militar posta em andamento com as políticas de distensão e abertura não significava que os condutores militares e civis do regime estavam abrindo mão de buscar adesão para o processo político, social e econômico instaurado em março de 1964. Ao contrário, havia

 

 

uma clara intenção de arrefecer, assim como nos períodos anteriores, as perspectivas negativas em torno do regime; o que era dificultado cada vez mais, nos dois últimos governos da ditadura, com o florescimento de diversas formas de contestações no interior da sociedade civil.

O desengajamento era claramente uma necessidade; no entanto, havia um empenho da ditadura para evitar que se firmasse nos diversos grupos sociais uma concepção abominadora contra ela. Persistia, então, a tentativa de cristalizar na mentalidade dos indivíduos que o regime tinha estado, em todos os momentos, imbuído não só das melhores intenções como, também, havia realizado feitos de grande significado para o futuro do país. Nessas condições, a estratégia psicossocial continuava tendo um papel absolutamente importante.

As mudanças estabelecidas no período da distensão e da abertura não foram espontaneamente decididas pelo regime. Todavia, este trabalho se ateve ao fato de que a ditadura se debateu para converter essas alterações necessárias em dividendos políticos para si. O governo Figueiredo, por exemplo, insistia em mostrar a anistia, o pluripartidarismo, etc. não como fruto da atuação dos diversos segmentos sociais que pressionavam o governo por aquelas medidas, mas como uma decisão exclusiva do próprio regime.15

No período da distensão e da abertura política assistiu-se a um processo sumamente singular em que se mesclavam, ao mesmo tempo, a potencialização das dificuldades e da insistência em criar uma consciência coletiva favorável aos feitos do regime. Os impasses se colocavam em todos os níveis, ou seja, tanto no plano horizontal quanto no vertical. Mas com diferenças abruptas entre eles. No segundo, a emergência de forças organizadas no interior da sociedade se constituiu no elemento potencializador, por excelência, das dificuldades que o regime teve que enfrentar para continuar insistindo na busca de aceitabilidade para as suas medidas e ações; enquanto no primeiro, a atuação dos setores dominantes buscava garantir ao regime a não-perda de controle sobre o processo político que emergia daquelas condições. Desta forma, as dissensões no seu interior, não implicaram em retirar- lhe as possibilidades de buscar adesão para suas ações e medidas.

 

 

Ou seja, os representantes do grande capital e os tecnoburocratas se empenharam, arduamente, em injetar vida na pretensão de legitimidade do regime como forma de obter garantias de que os militares não abririam mão da direção do processo de desengajamento.

Em síntese, é possível afirmar que no período da distensão e da abertura política assistiu-se à cristalização de formas de atuação dos diversos segmentos do grupo de poder para fornecer ao regime os meios para que ele continuasse buscando aceitabilidade tanto no plano objetivo quanto no subjetivo, entre os demais setores sociais. Era evidente que havia uma impossibilidade enorme de qualquer articulação do regime militar com as forças sociais que se organizavam contra ele. Isto não o impedia, porém, de justificar que todas as suas medidas, ações e intenções continuavam centradas num sistema de idéias e valores que exprimia uma suposta conexidade absoluta entre o regime que se esvaía e o povo brasileiro.

Demonstrou-se, porém, que o ponto nodal deste processo continuava sendo, nos últimos governos militares, a insistência num hipotético ideário de democracia que o regime se dizia empenhado em defender desde março de 1964. O regime trabalhava com o reforçamento de sua imagem construída, por ele mesmo, nos anos anteriores. Ou seja, a pretensa intenção democrática que tinha sido empregada para justificar todas as suas ações e medidas (inclusive as mais repressoras) era, no período da abertura política, invocada como o coroamento do processo de realização dos objetivos da “revolução”.16

 

 

Notas

1     WEBER, M. Os tipos de dominação. In Economia e sociedade. Brasília: Universidade de Brasília: 1991. p. 140.

 

2     HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1987. Id, A democracia é difícil. Veja, São Paulo: n. 386, p. 3-6, 28 jan. 1976. FAORO, R. Os donos do poder. Rio de Janeiro: Globo, 1987. AZEVEDO, F. Canaviais e engenho na vida política do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1958.

3     LEVI, op. cit, p. 678.

4     SARTORI, G. A teoria da democracia revisitada. São Paulo: Ática, 1994.

5     AZEVEDO, op. cit, p. 76.

 

6 COSTA, O. Depoimento. In. SOARES; D’ARAÚJO; CASTRO, op. cit, p. 116.

7     AZEVEDO, op. cit, p. 75 passim.

 

8 Fernando de Azevedo afirmava, em 1948, que o personalismo foi no setor político a racionalização do comportamento paternal.

Ibid, p. 101 et. seq.

9     FAORO, op. cit, p. 581-659 passim.

10 HOLANDA, op. cit, p. 101 et seq.

 

11 COSTA E SILVA, A. Pronunciamento à nação por rádio e TV no dia 15 de março de 1969. In COSTA E SILVA apud O FUTURO da classe política. Visão, São Paulo: n. 6, p. 19, 28 mar. 1969.

Ib, Discurso na vila militar em 24 de março de 1969. In COSTA E SILVA apud DEMOCRACIA partidária e modelo brasileiro. Visão, São Paulo: n. 12, p. 23, 20 jun. 1969.

 

12 MÉDICI, E. G. Discurso proferido na inauguração da nova sede do ministério da Justiça apud O ESTADO tutelar.

Visão, São Paulo: n. 2, p. 18, 17 jul. 1972.

13 GEISEL, E. Discursos. Brasília: Depto. de Imprensa Nacional, 1979.

 

 

Id apud VOTOS austeros de ano novo. Veja, São Paulo: n. 435, p. 52, 05 jan. 1977.

 

14 GEISEL apud UM RÉQUIEM para a distensão. Veja, São Paulo: n. 361, p. 18, 06 ago. 1975.

15 FIGUEIREDO apud A ANISTIA em julgamento. Veja, São Paulo: n

.495, p. 35, 01 mar. 1978.

Id apud O PESO da segurança. Veja, São Paulo: n. 523, p. 21, 13 set. 1978.

 

16 FIGUEIREDO, J. B. A revolução não vai acabar. Folha de S.Paulo, São Paulo: 05 abr. 1978. Entrevista.

 

 

 

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(Os documentos utilizados foram especificados nas notasde fim de capítulo)

 

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Política – Revista da Fundação Milton Campo.

Poblemas brasileiros. Revista do SESC e da Federação do Comércio de São Paulo.

Indústria e Desenvolvimento – Revista da FIESP.

Revista da Indústria – Revista da FIESP.

Revista Visão – Revista Isto é – Revista Veja – Revista Exame. Folha de S. Paulo – O Estado de S. Paulo – Jornal do Brasil.

 

Outros documentos públicos

 

Relatórios das diretorias – Publicação anual da Fiesp. Almanaque – Associação dos diplomados da ESG – 1984. Complementos da doutrina – Escola Superior de Guerra – 1981. Doutrina básica. Escola Superior de Guerra – 1979.

Fundamentos da doutrina. Escola Superior de Guerra – 1981.

 

 

 

 

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