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A função do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade
BRUNO MORAES FARIA MONTEIRO BELEM
Procurador do Estado de Goiás Especialista em Direito Constitucional – UFG/GO
Membro-diretor do Instituto Goiano de Direito Constitucional – IGDC Membro da Comissão de Estudos Constitucionais, Doutrina e Legislação da OAB-GO (biênio
2007/2009)
INTRODUÇÃO
A suspensão da execução, pelo Senado Federal, de ato declarado inconstitucional pela Suprema Corte foi a maneira selecionada pelo legislador constituinte de conferir eficácia erga omnes às decisões definitivas de inconstitucionalidade proferidas pelo STF em sede de controle difuso.1 Prescreve a Carta da República de 1988 que “Compete privativamente ao Senado Federal (…) X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;”.
O tema mostra-se relevante para a Advocacia Pública estadual e municipal especialmente porque, a despeito da dicção restritiva do art. 52, X, que menciona apenas lei declarada inconstitucional, a interpretação dada ao dispositivo tem sido extensiva, incluindo todos os atos normativos de quaisquer dos três níveis de poder. Com isso o Senado também pode suspender a execução de atos estaduais e municipais.2
Nesse contexto, alguns pontos merecem ser examinados tais como: os efeitos e a natureza da resolução do Senado Federal que declare suspensa a execução da lei ou ato normativo; o caráter vinculativo ou discricionário do ato praticado pelo Senado; a pertinência do mecanismo da suspensão também em sede de controle abstrato de constitucionalidade; e a abrangência da resolução sobre atos normativos estaduais ou municipais.
O tema suscitou novas controvérsias a partir do voto proferido pelo eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes, no julgamento da
1 Cf. arts. 175 e 178 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
2 Cf. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 2008, p. 121.
Reclamação Constitucional nº 4335-AC.3 Esta demanda foi ajuizada contra decisão do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, que indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alegava-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP, que reconhecera a inconstitucionalidade do
- 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, responsável pela vedação da progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondos.
No julgamento supramencionado o ilustrado magistrado apontou que, de acordo com a doutrina tradicional, a suspensão da execução pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em concreto. Asseverou, no entanto, que a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/88, concorreram para infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado, inspirado numa concepção de separação de poderes que hoje estaria ultrapassada.
Em seu voto o preclaro Ministro ressaltou, ademais, que ao alargar, de forma significativa, o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF no processo de controle abstrato de normas, o constituinte teria restringido a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. Considerou também o relator que, em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se de forma radical a concepção dominante sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a égide da EC nº 16/65 e a Constituição Federal de 1967. Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal.
Reputou-se, por fim, ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa apenas para aquela proceda à publicação da decisão no Diário do Congresso.
3 Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007 (Rcl-4335).
No presente estudo serão comentados os principais aspectos da Resolução editada pelo Senado Federal. Além disso, serão apresentados os principais argumentos daqueles que entendem que o papel dessa Casa senatorial em matéria de controle difuso de constitucionalidade estaria atualmente assentado apenas em razões de índole histórica. Por fim, e em contraposição a esse posicionamento, serão lançados alguns argumentos que continuam a recomendar a observância do que dispõe o art. 52, X, da CF/1988.
- Suspensão pelo Senado Federal de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal
A noção de se atribuir ao Senado a competência para suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal foi incorporada à Constituição, pela primeira vez, em 1934 (art. 91, IV) e repetida nos textos de 1946 (art. 64), de 1967 (art. 42, VII) e de 1988 (art. 52, X). Dava-se solução, assim, ao grave problema das decisões jurisprudenciais declaratórias de inconstitucionalidade, que, por si sós, não obrigavam os juízos singulares nem os tribunais estaduais, na medida em que as leis, ainda que declaradas inconstitucionais, continuavam em vigor.
Ronaldo Poletti acentua:
De qualquer forma, a inovação atendia à maneira de ser do sistema de jurisdição brasileira. Não pertencendo ao grupo de países que adotam a commom law, como os Estados Unidos da América, e a conseqüente importância dos precedentes judiciais, era natural que, entre nós, a decisão do Supremo Tribunal não acarretasse os efeitos lá produzidos. Aqui não há a força dos precedentes. Se o juiz não se convencesse, continuaria aplicando a norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal, uma vez que tal declaração só produziria efeitos inter partes. A inovação da Carta de 1934 permitia dar efeitos erga omnes a uma decisão num caso concreto. Por outro lado a solução atenuava o problema da quebra da harmonia e equilíbrio entre os Poderes, pois remetia a um órgão do Poder Legislativo a atribuição de suspender a execução da lei declarada inconstitucional.4
Convém, inicialmente, analisar a natureza dessa competência privativa do Senado Federal em face das funções jurídicas do Estado, vale dizer, se ela é administrativa, legislativa ou jurisdicional.
As competências senatoriais próprias da administração salvo, evidentemente, quanto aos assuntos interna corporis, tem feição eminentemente política, como a de aprovar a escolha de determinadas autoridades feita pelo Executivo, ou a de autorizar empréstimos, operações ou
4 POLETTI, Ronaldo. Controle da Constitucionalidade das leis, 2000, p. 80.
acordos externos de interesse dos Estados, ou, ainda, o de fixar limites globais para o montante da dívida consolidada dos Estados e dos Municípios, dentre outras.
Essa lógica, impregnada que está na Carta Constitucional de 1988, pode conduzir à reflexão de que a competência privativa do Senado não se aloca entre as legislativas nem entre as administrativas, ficando reservada para aquelas de natureza jurisdicional, ao lado das atinentes a julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes conexos com aqueles, bem como a de processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, nos crimes de responsabilidade.
Na verdade, suspender a execução de lei julgada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo nada mais é do que estender erga omnes os efeitos de uma decisão judicial que, naturalmente, irradiaria efeitos apenas entre as partes da relação jurídica processual . Note-se, pois, que, embora de natureza política, sobretudo tratando-se de suspensão da execução de lei inconstitucional, a competência do Senado se aproxima mais da função jurisdicional do Estado, a qual, como é cediço, não é exercitada exclusivamente pelo Poder Judiciário. Destaque-se, ainda, que a Constituição diz “suspender a execução” e não suspender a vigência. Logo, a lei continua em vigor, porque outra não a revogou, o que evidencia que a questão é tratada no plano da eficácia e não no da vigência. Desse modo, se coubesse ao Senado revogar ou suspender a vigência da lei declarada inconstitucional pelo STF, seguramente tratar-se-ia de competência legislativa.
Além do mais, como informa Ronaldo Poletti5, a origem histórico-constitucional da atribuição em exame esteve na intenção de atribuí-la ao Conselho Federal, órgão que desempenhava a função de Poder Moderador, na concepção de Alberto Torres, de maneira a realizar a harmonia entre todas as Funções Estatais. Não tendo essa proposição prevalecido na constituinte de 1934, ao Senado Federal foi conferida a atribuição de suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo STF. Funcionando como órgão regulador, o Conselho Federal não integraria qualquer dos Poderes do Estado, competindo-lhe zelar pela harmonia entre eles. Nesse contexto, arremata o professor da Universidade de Brasília, a competência do Senado Federal em tela nada tem de legislativa, e sim jurisdicional.
Fixada a natureza jurídica da competência conferida ao Senado Federal pelo art. 52, X, da Lei Maior, impende examinar o grau de discricionariedade dessa decisão. Questão fundamental para o entendimento da competência do Senado reside em saber se esta Casa Legislativa está obrigada a suspender o preceito acoimado de inconstitucional pelo Supremo Tribunal ou se tal atribuição poderia ser considerada discricionária.
A doutrina predominante entende dispor o Senado de uma parcela de liberdade, consistente em averiguar a regularidade do processo em que foi prolatada a decisão. Assim, verificado
5 POLETTI, Ronaldo. Controle da Constitucionalidade das leis, 2000, p. 151.
qualquer vício, poderia o Senado deixar de suspender a mencionada legislação. Nesse sentido manifestou-se Celso Ribeiro Bastos6 e Alfredo Buzaid7. Nessa linha também se posicionou Michel Temer, que anota: “A nosso ver, existe discrição do Senado ao exercitar essa competência. Suspenderá, ou não, a execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo, de acordo com o seu entendimento”.8 9
Além do problema da obrigatoriedade, ou não, de o Senado suspender a execução da lei inconstitucional, há a questão da extensão de seu juízo, vale dizer, quais os aspectos que lhe ficariam reservados para exame, caso não fosse obrigado a suspender a execução.
De qualquer maneira, é certo que ao Senado Federal cabe, antes de qualquer outra providência, verificar a exata proveniência do ofício, ou seja, se ele realmente fora encaminhado pelo STF. Em seguida, cumpre-lhe comparar o teor da comunicação com o conteúdo real da decisão no processo a que se fizer referência. Demais disso, cabe ao Senado constatar a definitividade da decisão. Se desta couber algum recurso, nos termos legalmente estabelecidos, mesmo que regimental, por não ter ainda expirado o prazo para sua apresentação, não deverá o Senado, até posterior esclarecimento, baixar a resolução.
Por fim, como bem observa André Ramos Tavares, cumpre verificar se não ocorre alguma das hipóteses impeditivas da suspensão da lei: “… a) decisão do Supremo Tribunal Federal, posterior à decisão em apreço pelo Senado, mas anterior à suspensão deste, que declara a norma em questão inconstitucional; b) lei votada, aprovada e sancionada, que revogue a lei em questão”10. Em ambas as hipóteses a resolução senatorial só prestaria a tumultuar a ordem jurídica. No primeiro caso, a própria decisão do STF já é dotada de efeitos erga omnes, o que, por óbvio, dispensaria a intervenção do Senado. No segundo caso, a revogação supriria qualquer efeito da suspensão, tornando esta absolutamente desnecessária. De todo modo, ao Senado é vedado imiscuir-se no mérito da decisão proferida pelo STF. Não pode, por exemplo, negar-se a dar cumprimento sob a alegação de que o julgado não foi acertado.
Há, por outro lado, quem pretenda atribuir ao Senado Federal amplo e irrestrito poder de suspender ou não a lei, após ter constatado estar o processo de declaração da inconstitucionalidade formalmente em ordem11.
6 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, 1990, p. 59.
7 Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 2007, p. 354.
8 Cf. TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, 2000, p. 48.
9 Em sentido contrário colocaram-se Lúcio Bittencourt e o ex-Ministro do STF, Pedro Chaves, embora este último sustentasse não ser o Senado mero cartório de registro de atos do Supremo Tribunal Federal, cabendo a ele o exame estreito das condições de objetividade da decisão, como, por exemplo, se ela obedeceu ao processo constitucionalmente previsto, a observância do quorum, enfim, os aspectos formais do julgado (cf. POLETTI, Ronaldo. Controle da Constitucionalidade das leis, 2000, p. 154).
10 Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 2007, p. 354.
11 É nesse sentido, inclusive, o Parecer n. 154, de 1971, da Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa, no qual ficou assentado que: Ao Senado Federal, na atribuição que foi dada de suspender a execução de lei ou decreto declarado inconstitucional (…), não só cumpre examinar o aspecto forma da decisão declaratória da
Outra dúvida reside em compreender as expressões “lei ou ato normativo federal”. A regra alcançaria as resoluções, instruções e portarias? Afinal, na ação direta para verificação, em abstrato, de inconstitucionalidade, a Lei Maior refere-se a “lei ou ato normativo federal ou estadual”. Também o Regimento Interno do Supremo menciona “lei ou ato normativo federal” (arts. 176 e 178).
Sobre o ponto manifestou-se Moreira Alves em parecer emitido na qualidade de membro da Comissão de Regimento do STF. Depois de examinar o elemento histórico e indicar uma orientação restritiva, e utilizando-se de uma interpretação lógico- sistemática das expressões “ato impugnado”, “ato do poder público” e “lei ou ato normativo federal ou estadual”, empregadas na Emenda Constitucional nº 01/69, concluiu o ex-Ministro pela exclusão da comunicação ao Senado dos atos normativos diferentes de lei e de decreto12. O ex-Ministro do STF, Xavier de Albuquerque, a este elenco adicionou os atos normativos expedidos por outras autoridades e que fariam as vezes dos decretos regulamentares de competência do Chefe do Executivo.
Quanto aos efeitos da decisão senatorial, de acordo com os termos da Constituição, a resolução do Senado objetiva “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal” (art. 52, X). Percebe-se que a resolução do Senado interfere no plano da eficácia da lei, não no da validade ou da existência. A resolução não reconhece a invalidade da lei; ao contrário, ela interfere na capacidade de produzir efeitos do ato normativo questionado.
Suspensão, portanto, não pode ser confundida com revogação, ato que é reservado ao próprio órgão do qual emanou a norma. Suspender a execução da lei reconhecidamente inconstitucional pelo STF é cassar-lhe a eficácia. A lei, então, não mais obrigaria. Todavia, o Senado não a substitui por outra, nem a revoga; limita-se, apenas, a suspender-lhe a execução. Dessa forma, depois da declaração de inconstitucionalidade, segue- se a manifestação complementar e necessária – como se verá adiante – do Senado, que lhe cassará a executoriedade.
Logo, a resolução do Senado presta-se a suspender a eficácia da lei, ainda que essa suspensão se dê, na prática, em caráter definitivo. André Ramos Tavares, com a clareza que lhe é peculiar, obtempera:
inconstitucionalidade, verificando se ela foi tomada por quorum suficiente e é definitiva (…), mas também indagar da conveniência dessa suspensão” (Revista de Informação Legislativa, v. 48, p. 266).
12 Cf. POLETTI, Ronaldo. Controle da Constitucionalidade das leis, 2000, pp. 155-158.
O legislador constituinte foi muito sábio neste pormenor. Considerando que, rigorosamente falando, apenas o órgão do qual emanou a lei é que poderia revogá-la, vale dizer, cessar sua eficácia em definitivo, falou em executoriedade, e não em cessação. A resolução senatorial, pois, fica a meio caminho da revogação da lei, embora preste-se, até que esta lhe sobrevenha, aos mesmos fins. E o constituinte fê-lo talvez por prever que a exigência de outra lei, para revogar aquela declarada inconstitucional, como único meio de conferir eficácia erga omnes às decisões individuais, embora definitivas, do Supremo Tribunal, seria impor uma morosidade exacerbada ou uma dificuldade injustificável. É por isso que o legislador constituinte previu esta figura de ‘suspensão de executoriedade’, a ser implementada por meio de decisão de apenas uma das Casas do Congresso”.13
Com a resolução do Senado a lei já não pode ser aplicada por qualquer outro tribunal ou juízo. A lei perde, assim, sua eficácia em caráter definitivo, equivalendo, na prática, a um ato de desarranjo da norma.
A resolução editada pelo Senado só pode produzir efeitos ex nunc. A lei perde sua eficácia para o futuro. No entender de Elival da Silva Ramos, em relação aos fatos pretéritos será possível que o Judiciário continue aplicando a lei, por pressupô-la constitucional, já que até então não havia decisão proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade que obrigue em sentido contrário14. Da mesma forma, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, citado por Gilmar Ferreira Mendes15, fazendo um paralelo entre a suspensão e a revogação, ensina que devem ser “respeitadas as situações anteriores definitivamente constituídas, porquanto a revogação tem efeito ex nunc. Enfatiza ainda aquele doutrinador que a suspensão “não alcança os atos jurídicos formalmente perfeitos, praticados no passado, e os fatos consumados, ante sua irretroatividade, e mesmo os efeitos futuros dos direitos regularmente adquiridos”.16
No tocante à possibilidade de o Senado, uma vez tendo suspendido a executoriedade da lei, vir a reconsiderar seu entendimento acerca da conveniência da suspensão, pretendendo revogá-la, André Ramos Tavares, com arrimo em lição de Pontes de Miranda, enfatiza que a suspensão da eficácia pelo Senado Federal é definitiva e irrevogável17. Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes recorda que, no MS 16.51218, o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de discutir largamente a natureza do instituto, infirmando a possibilidade de o Senado Federal revogar o
13 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 2007, p. 352.
14 RAMOS, Elival da Silva. A Inconstitucionalidade das leis. Vício e sanção, 1994, p. 126.
15 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista de Informação legislativa, n. 162 abr./jun. 2004, p. 150.
16 Gilmar Ferreira Mendes trilha caminho oposto, ao fundamento de que admitindo a produção de efeitos apenas para o futuro as premissas basilares da declaração de inconstitucionalidade no Direito brasileiro acabariam sendo confrontadas. Entende o ilustre Ministro que se assim fora, afigurava-se inconcebível cogitar de situações juridicamente criadas, de atos jurídicos formalmente perfeitos ou de efeitos futuros dos direitos regularmente adquiridos, com fundamento em lei inconstitucional. Arremata afirmando que é fácil de perceber que a constitucionalidade da lei parece constituir pressuposto inarredável de categorias como as do direito adquirido e do ato jurídico perfeito (cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. Celso Bastos Editor, 1999, p. 394).
17 Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 2007, p. 353.
18 MS 16.512, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, Diário de Justiça, [S. 1.], 25 maio 1966.
ato de suspensão anteriormente editado, ou de restringir o alcance da decisão proferida pelo Supremo19.
- Eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal no controle difuso de
Pela via difusa, a apreciação da inconstitucionalidade pronunciada (ou não) pelas instâncias inferiores pode chegar até o STF como questão principal do recurso, incidindo a solução dada pelo tribunal para o caso concreto. Nesse caso, a decisão da Corte produzirá efeitos somente entre as partes litigantes, como consequência da aplicação, em sua integralidade, das regras do sistema difuso-concreto da constitucionalidade.20
A regra que exige a comunicação do Senado Federal das decisões definitivas proferidas pelo STF e que declarem a inconstitucionalidade de lei foi produzida na época em que havia exclusivamente o controle difuso de constitucionalidade. Com o advento, em 1965, da representação de inconstitucionalidade, forma de controle concentrado e abstrato, a regra de atribuição de competência suspensiva ao Senado permaneceu no sistema, tendo, em princípio, suscitado o debate acerca de sua incidência quando se tratasse também de decisão proferida pelo STF em sede de ação direta.
Prevaleceu o entendimento de que, como a resolução do Senado buscava-se conferir efeitos erga omnes à decisão judicial definitiva, e, como a decisão em sede de ação direta já contava com esse efeito geral, não haveria necessidade de que o Senado completasse a decisão proferida pelo STF nesse caso 21.
Além disso, o próprio Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal dispõe, em seus arts. 175 a 178, que a comunicação ao Senado Federal, para fins do disposto no atual art. 52, X, apenas é necessária quando declarada incidentalmente a inconstitucionalidade de lei.
19 Ob. cit., p. 153.
20 No Direito norte-americano, origem do modelo, contudo, hão de se observar a formação dos precedentes e o grau de vinculação a eles das decisões das demais instâncias judiciais, próprio do sistema da common law.
21 Nesse sentido Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (A Teoria das Constituições Rígidas, p. 206), José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 54) e Erival da Silva Ramos (A Inconstitucionalidade das Leis, p. 123). Já em 1977 o STF já havia firmado posição quanto à dispensabilidade de intervenção do Senado Federal nos casos de declaração de inconstitucionalidade de lei proferida na representação de inconstitucionalidade (cf. Parecer do Min. Rodrigues Alckmin, de 19 de junho de 1975, Diário de Justiça, [S.1.], de 16 de maio de 1977, p. 3124 e Parecer do Min. Moreira Alves no Processo Administrativo n. 4.477-72, Diário de Justiça, [S.1.], de 16 de maio de 1977, p. 3123 mencionados por Ronaldo Poletti, Controle da Constitucionalidade das Leis, pp. 155-158).
- A suspensão de execução da lei pelo Senado Federal e a tese da mutação constitucional
Como já adiantado no início desse estudo, o eminente Ministro do STF, Gilmar Ferreira Mendes, defende a tese de que as alterações introduzidas no direito constitucional brasileiro nos últimos tempos parecem recomendar uma releitura do papel do Senado no processo de controle de constitucionalidade.
O STF pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, de valer tão- somente para as partes, questionam os adeptos da tese propugnada por Mendes. Assim, o instituto da suspensão estaria assentado atualmente apenas em razões de índole histórica.
Argumenta-se ainda que o instituto da suspensão também se mostraria inadequado para assegurar eficácia geral às decisões do Supremo Tribunal que não declaram a inconstitucionalidade de uma lei, ou seja, decisões que se limitam a fixar a orientação constitucionalmente adequada. O mesmo valeria para os casos em que o STF utilizasse técnicas como a interpretação conforme a constituição, a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, bem com declarasse a não-recepção da lei pré-constitucional.
Os defensores da dispensabilidade da intervenção senatorial, mencionam ainda as hipóteses em que não é necessário se encaminhar o tema constitucional ao Plenário do Tribunal, desde que o Supremo Tribunal já tenha se pronunciado sobre a constitucionalidade da lei questionada. Este entendimento marcaria uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passaria a equiparar, na prática, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concentrado aos do controle concreto e difuso.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, tal como colocada, anteciparia o efeito vinculante de seus julgados em matéria de controle de constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se desvincule do dever de observância da decisão do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal a que se encontra vinculado. Decide-se, então, autonomamente com fundamento na declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal proferida incidenter tantum.
Por tudo isso, a regra de que a eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF estaria a depender de uma decisão do Senado Federal teria perdido grande parte do seu significado com a introdução do controle abstrato de constitucionalidade das normas. Com a ampla legitimação e, particularmente, a outorga do
direito de propositura a diferentes órgãos da sociedade, teria pretendido o constituinte de 1988 reforçar o controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente.
Portanto, seria quase intuitivo que, ao ampliar’ de forma significativa o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal no processo de controle abstrato de normas, teria o constituinte reduzido de maneira radical a amplitude do controle difuso de constitucionalidade, privilegiando, assim, o modelo concentrado. Sendo assim, se o ordenamento jurídico brasileiro continuou a ter um modelo misto de controle de constitucionalidade, a ênfase teria passado a residir não mais no sistema difuso, mas no perfil concentrado.
Além de todos esses argumentos, a interpretação que se deu à suspensão de execução da lei pela doutrina majoritária e pela própria jurisprudência do STF teria contribuído decisivamente para que a afirmação sobre a teoria da nulidade da lei inconstitucional ficasse sem concretização entre nós, na medida em que os constitucionalistas brasileiros não lograram fundamentar nem a eficácia erga omnes, nem a chamada retroatividade ex tunc da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF.
Sem dispor de um mecanismo que emprestasse força de lei ou que, pelo menos, conferisse caráter vinculante às decisões do STF para os demais Tribunais tal como o stare decisis americano, contentava-se a doutrina brasileira em ressaltar a evidência da nulidade da lei inconstitucional e a obrigação dos órgãos estatais de se absterem de aplicar disposição que teve a sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal.
Ainda que se aceitasse, em principio, que a suspensão da execução da lei pelo Senado retiraria a lei do ordenamento jurídico com eficácia ex tunc, esse instituto, tal como foi interpretado e praticado entre nós, configuraria antes a negação do que a afirmação da teoria da nulidade da lei inconstitucional. A não-aplicação geral da lei dependeria exclusivamente da vontade de um órgão eminentemente político (Senado Federal) e não dos órgãos judiciais incumbidos da aplicação cotidiana do direito.
Argumentam ainda os defensores da mutação constitucional, que, se a doutrina e a jurisprudência entendiam que lei inconstitucional era ipso jure nula, deveriam ter defendido, de forma coerente, que o ato de suspensão a ser praticado pelo Senado destinava- se exclusivamente a conferir publicidade à decisão do STF, uma vez que o ato, sendo inexistente ou ineficaz, não pode ter suspensa a sua execução.
Aduzem ainda os defensores do entendimento acima exposto que a disciplina processual conferida à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) estaria a revelar, igualmente, a inconsistência do atual modelo. A decisão do caso concreto proferida em ADPF, por se tratar de processo objetivo, é dotada de eficácia erga omnes, enquanto a mesma questão resolvida no processo de controle incidental, eficácia inter partes.
Outro ponto enfatizado refere-se às hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de leis municipais. O Supremo Tribunal Federal, nesses casos, tem adotado uma postura significativamente ousada, conferindo, com base no art. 557, caput e parágrafo 1º-A do CPC, efeito vinculante não só à parte dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também aos próprios fundamentos determinantes. Por isso, no caso de modelos legais idênticos, tem-se considerado dispensável a submissão da questão ao Plenário (RE 228.844/SP, AI 423.252 e RE 345/048). Semelhante orientação somente poderia vicejar caso se admitisse que a decisão tomada pelo Plenário seja dotada de eficácia transcendente, sendo, por isso, dispensável a manifestação do Senado Federal.
Por tudo isso, verifica-se que a função conferida ao Senado pelo art. 52, X da CF/1988, a prevalecer os argumentos acima expostos, seria tão-somente de tornar pública a decisão proferida pelo STF, ou seja, a atribuição senatorial seria desprovida de qualquer conteúdo material.
Note-se, assim, que a questão suscita inúmeros questionamentos. A seguir, apresentam-se alguns fundamentos jurídicos que recomendam a preservação da competência do Senado a fim de se conferir eficácia erga omnes às decisões do STF que declarem, incidentalmente, a inconstitucionalidade de lei.
- Resolução do Senado Federal como ato indispensável para que se atribua efeitos erga omnes à decisão do STF
O controle de constitucionalidade por via de exceção ocorre quando, no curso de um pleito judiciário, uma das partes levanta, em defesa de sua causa, a objeção de inconstitucionalidade da lei que se lhe quer aplicar. A sentença que liquida a controvérsia constitucional não conduz à anulação da lei, mas tão-somente à sua não-aplicação ao caso particular que é objeto da demanda.
A lei questionada, nesse caso, não desaparece da ordem jurídica, podendo ser, inclusive, aplicada em outro feito, a menos que o poder competente a revogue. Desse modo, o julgamento não ataca a lei em tese ou in abstracto, nem importa no formal cancelamento das suas disposições, cuja aplicação fica unicamente tolhida para a espécie em
discussão. Não fica obstado, pois, a que noutro processo, em casos análogos, perante o mesmo juiz ou perante outro, possa a mesma lei ser eventualmente aplicada.
No tocante ao controle de constitucionalidade incidental, uma das exposições mais claras e didáticas é a que foi apresentada por Rui Barbosa nas conclusões clássicas expendidas sobre essa matéria. Paulo Bonavides trata de registrar as lições do saudoso mestre, destacando as seguintes premissas:
O poder de fazer a lei não compreende o de reformar a Constituição.
Toda lei, que cerceie instituições e direitos consagrados na Constituição, é inconstitucional.
Por maioria de razão, inconstitucionais são as deliberações não-legislativas de uma câmara, ou de ambas, que interessarem esfera vedada ao poder Legislativo.
Toda medida, legislativa ou executiva que desrespeitar preceitos constitucionais, é, de sua essência, nula.
Atos nulos da legislatura não podem conferir poderes validos ao Executivo22
Em seguida, Rui Barbosa compendiou as condições da via de exceção nestes requisitos elementares:
Que a intervenção judicial seja promovida pelo interessado.
Que essa intervenção se determine por ação regular, segundo as formas técnicas do processo.
Que a ação não tenha por objeto diretamente o ato inconstitucional dos Poderes Legislativo, ou Executivo, mas se refira à inconstitucionalidade dele apenas como fundamento, e não alvo, do libelo.
Que a decisão se circunscreva ao caso em litígio, não decretando em tese a nulificação do ato increpado, mas subtraindo simplesmente à sua autoridade à espécie em questão.
Que o julgado não seja exeqüendo senão entre as partes, dependendo os casos análogos, enquanto o ato não for revogado pelo poder respectivo, de novas ações processadas cada uma nos termos normais.23
Ao final, consubstanciou todas essas regras numa só que traduz a técnica do controle jurisdicional por via de exceção:
A inaplicabilidade do ato inconstitucional dos Poderes Executivo, ou Legislativo, decide-se, em relação a cada caso particular, por sentença proferida em ação adequada e executável entre as partes.24
Paulo Bonavides lembra ainda que os princípios que regem o controle de constitucionalidade pela via de exceção foram igualmente resumidos com rigor e clareza por Alfredo Buzaid, que assim os enuncia:
22 Apud, BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 2006, p. 127.
23 Ibidem, (pp. 128-129)
24 Ibidem, (pp. 128-129).
- O tribunal não se pronunciará sobre a constitucionalidade de uma lei salvo em litígio regularmente submetido ao seu conhecimento;
- Nenhum tribunal se manifestará sobre a validade de uma lei senão quando isso for absolutamente necessário para a decisão do caso concreto;
- A declaração de inconstitucionalidade importa nulidade da lê, não no sentido de revogá-la, o que constitui função do Poder Legislativo, mas no sentido de lhe negar aplicação no caso concreto;
- O exame sobre a inconstitucionalidade representa questão prejudicial debatida na causa, por isso o juiz não a decide principaliter, mas incidenter tantum, pois ela não figura nunca como objeto do processo e dispositivo da sentença;
- O tribunal só conhecerá da alegação de inconstitucionalidade, quando ela emanar de pessoa, cujos direitos tenham sido ofendidos pela lei.25
Note-se, portanto, que é da natureza do controle difuso de constitucionalidade a irradiação de efeitos apenas entre as partes litigantes.
Não se pode admitir a redução do papel do Legislativo para a extensão de efeitos erga omnes às decisões do STF proferidas no controle incidental de constitucionalidade. É bom reafirmar que quase todos os textos constitucionais subsequentes a 1934 mantiveram essa atribuição. É realidade que a convivência paralela, desde a EC nº 16/65, dos dois sistemas de controle tem levado a uma prevalência do controle concentrado, e que o mecanismo, no controle difuso, de outorga ao Senado da competência para a suspensão da execução da lei tem se tornado cada vez mais ultrapassado.
Entrementes, não se deve simplesmente abolir o papel constitucionalmente assegurado ao Senado ao argumento de que houve nesta matéria o fenômeno da mutação constitucional. Vale observar que a EC nº 45/2004 dotou o Supremo de um poder que, sem reduzir o Senado a um órgão de publicidade de suas decisões, dispensaria essa intervenção, qual seja, o instituto da súmula vinculante, recentemente regulamentada pela Lei nº 14.417, de 19 de dezembro de 2006. O (art. 103-A, da CF/1988).
O art. 2º da lei acima mencionada dispõe:
Art. 2o O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.
(…)
- 3o A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária.
25 Apud, BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 2006, p. 128.
Verifica-se, pois, que a edição de súmula com efeitos vinculantes tem como requisito a aprovação de 2/3 dos membros do Supremo Tribunal Federal, “após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional”. Homenageia-se, assim, além da ampla participação do colegiado na produção de súmula, o princípio da segurança jurídica, na medida em que se exigem decisões reiteradas sobre a matéria debatida.
Desse modo, a se atribuir efeitos erga omnes às decisões definitivas proferidas no âmbito difuso – que são proferidas por maioria relativa – sem a prévia e ampla discussão, correr-se-ia o risco de, em razão da possibilidade de se facilmente reverter o entendimento anteriormente dominante, dar azo a alterações repentinas e inesperadas da jurisprudência da Suprema Corte.
Além disso, não há como negar que, com a proposta da mutação constitucional, ocorreria, pela via interpretativa, a mudança no sentido da norma constitucional em questão. Além disso, com bem esclareceu o Ministro Joaquim Barbosa26, dois fatores adicionais para o reconhecimento da mutação constitucional devem ser verificados: o decurso de um espaço de tempo maior para sua verificação e o consequente e definitivo desuso do dispositivo.
A interpretação de que o art. 52, X, da CF/1988 não mais se reveste de força normativa, além de estar prejudicada pela literalidade da disposição ainda não revogada, iria na contramão das conhecidas regras de auto-restrição da atividade jurisdicional, em frontal violação ao princípio da separação dos Poderes, tão caro ao Estado de Direito.
Outro ponto a ser analisado consiste no entendimento amplamente majoritário de que ao Senado é reservada uma parcela de liberdade, consistente em averiguar a regularidade do processo em que foi prolatada a decisão. Desse modo, verificado qualquer vício, tem a Casa senatorial a faculdade de decidir pela suspensão ou não da lei objeto do controle de constitucionalidade efetuado pelo STF.
Como já mencionado no MS nº 16.512, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o Senado Federal não estava obrigado a proceder à suspensão do ato declarado inconstitucional. Nessa linha de entendimento, ensina o Ministro Nunes:
… o Senado terá seu próprio critério de conveniência e oportunidade para praticar o ato de suspensão. Se uma questão foi aqui decidida por maioria escassa e novos Ministros são nomeados, como há pouco aconteceu, é de todo razoável que o Senado aguarde novo pronunciamento antes de
26 Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007.
suspender a lei. Mesmo porque não há sanção específica nem prazo certo para o Senado se manifestar.27
Importa informar, ainda, que a proposta que resultou na Emenda nº 16, de 26 de novembro de 1965, que alargou o âmbito material do controle de constitucionalidade pela via de ação, pretendeu conferir nova disciplina ao instituto da suspensão pelo Senado. O art. 64 da Constituição passaria a ter a seguinte redação: “Art 64. Incumbe ao Presidente do Senado Federal, perdida a eficácia de lei ou ato de natureza normativa (art. 101, parágrafo 3.), fazer publicar no Diário Oficial e na Coleção de leis, a conclusão do julgado que lhe for comunicado.”.28 Todavia, a proposta de alteração do disposto no art. 64 da Constituição foi rejeitada.29
O dispositivo constitucional utiliza a expressão “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal” e não tornar pública a decisão. Esta função cabe aos órgãos de publicação oficial da União, e não ao Senado Federal.
A Constituição quis prestigiar a conjunta dos três órgãos de poder no caso do controle de constitucionalidade. Assim, defende-se a orientação de que a declaração de inconstitucionalidade promovida pelo STF incidentalmente não tem, por si só, o efeito de retirar a eficácia do ato normativo objeto do controle30.
Por fim, embora não constitua o objeto desse singelo estudo, cumpre mencionar que a Emenda Constitucional nº 45/2007 acrescentou ao art. 102 da Carta da República o parágrafo 2º, regulamentado pela Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006, introduzindo no ordenamento constitucional brasileiro o instituto da repercussão geral da questão constitucional como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário (art. 102, parágrafo 3º da CF/1988). Esse recurso excepcional poderá não ser conhecido caso não se verifique a existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
Esse mecanismo vem para subsidiar os temas que poderão futuramente ensejar a edição de súmula vinculante, esta sim capaz de irradiar efeitos para além daqueles que integram a relação jurídica processual.
De todo modo, resta, pois, aguardar o posicionamento final do STF no julgamento da Reclamação nº 4335/AC, em que se debate o instituto da suspensão. O Min.
27 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista de Informação legislativa, n. 162 abr./jun. 2004, p. 153.
28 Ibidem, p. 154.
29 Apud, MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista de Informação legislativa, n. 162 abr./jun. 2004, p. 155.
30 TEMER, Michel, Elementos de Direito Constitucional, 2000, p. 42.
Eros Grau, em voto-vista, julgou procedente a reclamação, acompanhando o voto do relator, Min. Gilmar Ferreira Mendes. Em divergência votaram os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, tendo o julgamento sido suspenso tendo em vista o pedido de vista formulado pelo Min. Ricardo Lewandowski.
CONCLUSÃO
- A suspensão da execução pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional pela Suprema Corte foi a maneira selecionada pelo legislador constituinte de conferir eficácia erga omnes às decisões definitivas proferidas pelo STF em sede de controle difuso de constitucionalidade;
- A necessidade de edição de ato senatorial para se suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal foi incorporada à Constituição, pela primeira vez, em 1934 (art. 91, IV) e repetida nos textos de 1946 (art. 64), de 1967/1969 (art. 42, VII) e de 1988 (art. 52, X);
- Suspender a execução de lei julgada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo, nada mais é do que estender erga omnes os efeitos de uma decisão judicial que naturalmente irradiaria efeitos apenas entre as partes da relação jurídica processual;
- Embora de natureza política, sobretudo por se tratar de suspensão da execução de lei inconstitucional, a competência do Senado se aproxima mais da função jurisdicional do Estado, a qual, como é cediço, não é exercitada exclusivamente pelo Poder Judiciário;
- A resolução do Senado não reconhece a invalidade da lei, incidindo no plano da eficácia do ato normativo questionado, sendo capaz de produzir efeitos ex nunc;
- Não se deve simplesmente abolir o papel constitucionalmente assegurado ao Senado ao argumento de que a regra do art. 52, X, da CF/1988 sofreu mutação constitucional, sob pena de, pela via interpretativa, alterar-se o sentido da norma constitucional em questão, para o que se exige maior decurso de tempo e o consequente e definitivo desuso do dispositivo, requisitos estes não verificados na hipótese;
- A interpretação de que o art. 52, X, da CF/1988 não mais se reveste de força normativa, além de esbarrar na literalidade da disposição ainda não revogada, segue na contramão das conhecidas regras de auto-restrição da atividade jurisdicional, o que afrontaria o princípio da separação dos Poderes, tão caro ao Estado de Direito;
- Ao Senado compete averiguar a regularidade do processo em que foi prolatada a decisão de inconstitucionalidade proferida pelo STF no controle
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 16. ed. ver. ampl. São Paulo, Malheiros, 2000.