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Economia Bancária e Crédito

Avaliação de 4 anos do projeto Juros e Spr ead Bancário

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dezembro de 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EConomia BanCária e Crédito

 

Avaliação de 4 anos do Projeto Juros e Spread Bancário

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dezembro de 2003

 

 

 

 

 

 

Presidente

Henrique de Campos Meirelles

 

 

Diretor de Política Econômica

Afonso Sant’Anna Bevilaqua

 

 

Chefe do Departamento de Estudos e Pesquisas

Marcelo Kfoury Muinhos

 

Coordenação

Eduardo Luis Lundberg

 

 

Equipe Técnica:

 

Ana Carla Abrão Costa

 

Eduardo Augusto de Souza Rodrigues Fani Léa Cymrot Bader

Leonardo Soriano de Alencar Márcio Issao Nakane Ricardo Schechtman

Tony Takeda Victorio Yi Tson Chu

 

Colaboradores Externos:

 

Aloísio Pessoa de Araújo (FGV-RJ e IMPA) Armando Castelar Pinheiro (IPEA e IE/UFRJ)

 

Índice

Prefácio…………………………………………………………………………………………. 4

Utilizando Dados da Central de Risco……………………………………………….. 78

 

Prefácio

Pronunciamento do Presidente do Banco Central,

Dr. Henrique Meirelles, no Seminário de Economia Bancária e Crédito1

 

 

Este seminário apresenta-se como uma excelente oportunidade de avaliação das iniciativas prioritárias adotadas pelo Banco Central para aumentar o acesso ao crédito e aos serviços financeiros. Essas ações têm como objetivo primordial a redução dos spreads bancários e a democratização do acesso ao crédito por parte da população brasileira e, em particular, da pequena e média empresa, ampliando a geração de oportunidades e empregos.

 

Neste primeiro ano da administração do presidente Lula, o Banco Central tem reiterado o caráter prioritário que atribui a iniciativas de expansão do crédito. Para tanto, tem sido fundamental o sucesso das políticas adotadas para debelar a crise de confiança que atingia o país na virada do ano e afastar a ameaça da volta da espiral inflacionária.

 

Além disso, o Banco Central conferiu prioridade a dois conjuntos de medidas ligadas ao mercado de crédito: o Projeto Juros e Spread Bancário e a agenda do Microcrédito.

 

Temos deixado claro nosso compromisso em fortalecer essas ações. A primeira iniciativa que merece ser lembrada foi o direcionamento obrigatório de 2% dos depósitos a vista captados pelas instituições financeiras bancárias para a realização de operações de microfinanças destinadas à população de baixa renda e a microempreendedores.

 

A segunda medida relevante foi a aprovação da legislação autorizando as instituições financeiras a concederem empréstimos pessoais aos trabalhadores assalariados mediante consignação em folha de pagamento. Essa autorização permitiu reduzir os riscos de inadimplência e o custo dos empréstimos, e, com isso, está provocando uma verdadeira “revolução silenciosa” no mercado de crédito.

 

Acredito que o relatório e os painéis que compõem este seminário permitirão uma avaliação consistente dos avanços alcançados nos últimos anos. Mais importante ainda, tenho a certeza de que os debates darão origem a propostas que contribuirão para o muito que ainda nos resta a fazer nesse campo. A simples leitura dos títulos dos onze capítulos específicos do relatório e das quatro sessões deste seminário nos dão uma mostra da importância dessa contribuição.

 

O quadro de dificuldades conjunturais enfrentadas pela economia brasileira, que estamos conseguindo superar com trabalho árduo e medidas corretas, não significa ausência de progresso no tocante aos juros e spreads bancários, principalmente no âmbito do diagnóstico e da maior difusão de informações sobre crédito.

 

Com o sucesso da política monetária que adotamos e a redução das incertezas no cenário macroeconômico, os juros e spreads prefixados têm demonstrado uma nítida trajetória descendente. As taxas de inflação e as expectativas convergem para a trajetória de metas de longo prazo. Nesse contexto, as perspectivas para o futuro próximo são bastante positivas quando comparadas às de meados do ano passado.

 

 

 

 

1 No Seminário de Economia Bancária e Crédito foram apresentados e debatidos os textos deste relatório.

 

De qualquer forma, é evidente que as principais causas da escassez e do custo do crédito no Brasil continuam demandando um esforço por parte do governo e da sociedade para sua superação. Ainda existem dificuldades de obtenção de informações, que prejudicam a concorrência e a avaliação do risco de crédito. Além disso, há muito a avançar no que se refere à melhoria do ambiente jurídico-institucional, que ainda apresenta um forte viés pró-devedor e desfavorável ao crédito

 

Não tenham dúvidas: há muito o que fazer para reduzir os spreads e o Banco Central está consciente do papel ativo que pode, deve e vai desempenhar nesse esforço.

 

Senhoras e senhores,

 

Tenho dito que regulação, competição e transparência são requisitos essenciais para assegurar a eficiência de qualquer setor em uma economia moderna. O sistema financeiro não pode ser uma exceção a essa regra. Nas sociedades abertas do mundo contemporâneo, marcado pela alta integração econômica e a rápida circulação de informações, não há mais espaço para caixas-pretas ou torres de marfim.

 

O sistema financeiro deve estar sempre aberto à interação com a sociedade. Em outras palavras, deve, também ele, sujeitar-se à competição livre, em que cidadãos bem-informados escolhem livremente entre os serviços ofertados no mercado aquele que melhor pode atender a seus interesses. A livre competição emerge nesse contexto como uma condição fundamental para a redução dos spreads e do custo dos empréstimos.

 

Notem que falo em competição livre e não em mercados livres. Cabe aqui uma reflexão sobre o papel reservado ao Estado nas modernas economias de mercado, tema que me interessa há muitos anos.

 

No Brasil, superamos a duras penas a influência da escola intervencionista, em que o Estado procura impor um determinado comportamento, considerado desejável, a um certo setor ou a toda a economia. Experimentamos uma série infindável de medidas intervencionistas, que geram distorções e ineficiências na economia. Por exemplo, essa foi a linha adotada para tentar conter a inflação e aumentos de preços abusivos. Não por acaso, tivemos uma série infindável de fracassos: tabelamento de preços, controles de câmbio, tablitas, confiscos etc. Como sabemos, nada disso funcionou.

 

Há, no entanto, uma segunda forma de abordar a questão. É a chamada escola regulatória. Nela, procura-se atingir o eficiente funcionamento do mercado com a adoção de um aparato regulatório que visa à ampliação da competição, de forma a que os agentes sejam incentivados a fornecer melhores serviços ou produtos para garantir sua parcela de mercado. Aqui, a ênfase se concentra em três pontos básicos: 1) regulação eficaz; 2) maior competição; e 3) mais transparência.

 

A necessidade de uma regulação eficiente parte da constatação de que a livre competição não acontece por acaso. Ao contrário, ela é resultado de um ambiente propício à competição, criado por um conjunto eficiente de normas que induza os agentes à competição. Repito: refiro-me à competição livre, e não a mercados livres. A regulação é, em última instância, a definição clara das regras do jogo e do campo em que se dará a competição.

 

Uma vez definido um aparato regulatório eficiente, é fundamental estimular a competição. A repressão a práticas monopolistas é o exemplo mais claro do que chamo de estímulo à competição. Em um ambiente competitivo, é impossível que um único agente ou um pequeno grupo de agentes imponha um determinado padrão de comportamento ao mercado, restringindo as opções dos consumidores. O ambiente competitivo exige que cada agente busque a melhor e mais eficiente forma de atender aos desejos dos consumidores. Cabe a cada agente trabalhar pela manutenção de seus atuais clientes e pela

 

atração de novos consumidores. Cliente insatisfeito ou maltratado troca de instituição e busca no mercado uma nova empresa que atenda a seus desejos.

 

A transparência aparece, então, como peça fundamental no processo de estímulo à competição. É a ampla e livre circulação de informações que permite a cada consumidor analisar as ofertas existentes no mercado e optar por aquela que melhor atenda a seus interesses. Quanto mais transparente for um mercado, mais competitivo ele será e melhor atendido estará o consumidor.

 

Aproveitando as lições da história, nosso desafio agora é criar no sistema bancário e financeiro um ambiente regulatório que estimule cada vez mais a competição com cada vez mais transparência. Em última análise, é a livre competição, nos termos aqui definidos, que ajudará a garantir a redução dos spreads bancários.

 

É essa a linha de ação do Banco Central para o futuro próximo. Uma ação que se baseia na promoção do tripé regulação eficiente, maior competição e mais transparência. Nossa intenção é clara: sem malabarismos ou atitudes novidadeiras, queremos aumentar a competição e a transparência na operação do sistema financeiro e bancário. Disseminação de informações, boas práticas bancárias, melhores leis e regulamentos concorrenciais e prudenciais são medidas necessárias para reduzir os juros e os spreads.

 

Essa estratégia tem como pressuposto básico o fortalecimento de algumas condições essenciais para o funcionamento eficiente do sistema financeiro. Em primeiro lugar, é fundamental a existência de um ambiente de estabilidade macroeconômica, garantido pelo equilíbrio das contas públicas. É ele que garante a previsibilidade necessária a decisões de empréstimos de médio e longo prazo.

 

Em segundo lugar, é importante destacar a estabilidade regulatória. Durante anos, como já mencionei anteriormente, os agentes econômicos enfrentaram no Brasil intervenções abruptas, imprevisíveis e não permanentes do governo para corrigir os efeitos da desorganização financeira do setor público. As mudanças freqüentes das regras do jogo aumentaram a instabilidade do sistema e geraram o que podemos chamar de “risco regulatório”. É fundamental reduzir esse risco para ampliar o horizonte de previsibilidade em que atuarão os agentes econômicos. É um de nossos objetivos no Banco Central.

 

Essas intervenções abruptas provocaram, entre outros efeitos perversos, uma reação por parte do Poder Judiciário, que assumiu uma posição clara de defesa do devedor. Esse fenômeno gerou o que poderíamos denominar de risco jurídico inerente ao funcionamento do sistema financeiro no Brasil, analisado brilhantemente por Armando Castelar Pinheiro. A nova lei de falências, em tramitação no Congresso, tenta remover parte desse viés e facilitar a recuperação de créditos. Outras medidas devem ser estudadas e implementadas.

 

Além disso, a instabilidade absoluta gera um aumento de riscos para os tomadores de empréstimos. Esse risco deve ser levado em conta pelos emprestadores e provoca um aumento no custo do financiamento. A melhoria da informação a respeito de segurança de crédito é fundamental. Como também é fundamental um sistema mais transparente, seguro e eficaz de auditoria e elaboração de balanços.

 

Senhoras e senhores,

 

Essas medidas são imprescindíveis também para viabilizar o maior acesso da população aos serviços financeiros. A cidadania pressupõe o pleno exercício dos direitos civis e políticos. Desde a pioneira obra do sociólogo inglês T. H. Marshall, sabemos que ela pressupõe também os chamados direitos econômicos, como a inclusão social e a efetiva participação na economia o país. Em economias complexas como a brasileira, a efetiva participação na economia requer como pré-condição a efetiva participação em mercados financeiros.

 

Um dos temas deste seminário trata exatamente do acesso a mercados financeiros. Estudo do Banco Mundial feito em colaboração com o Banco Central revela que a exclusão financeira reduz o bem- estar social potencial dos indivíduos e a produtividade dos empreendimentos econômicos. Nesse contexto, também aqui o Banco Central tem um papel importante a exercer: promover políticas direcionadas à expansão do acesso ao mercado financeiro. Em resumo: promover a inclusão financeira.

 

Com esse objetivo, vimos adotando uma série de medidas que merecem atenção. Além das medidas de microfinanças e dos empréstimos com desconto em folha de pagamento, gostaria de lembrar ainda a abertura simplificada de contas para usuários de baixa renda e a ampliação da atuação dos correspondentes bancários. Agências dos Correios, supermercados, casas lotéricas e outros estabelecimentos comerciais prestam hoje serviços básicos de agências bancárias. Já existem 30 mil pontos de atendimento desse tipo em todo o território nacional. Com essa expansão, podemos afirmar com certeza que todos os mais de 5.500 municípios brasileiros têm hoje acesso a serviços financeiros.

 

Senhoras e senhores,

 

Como disse no início, este seminário é uma excelente oportunidade para a análise das medidas já em processo de implementação e para a sugestão de novas propostas ou correções de rumo. Não preciso me estender sobre elas aqui. Gostaria apenas de reiterar a importância que atribuímos aos debates que se desenvolvem neste evento. Garanto que suas conclusões, que serão publicadas em futuro próximo, merecerão leitura atenta de todos no Banco Central.

 

Para terminar, quero enfatizar um ponto. O Banco Central está consciente de que tem um papel ativo a exercer na busca incessante de dois objetivos fundamentais: a redução dos spreads bancários e a expansão da oferta de crédito. É isso que faremos. É isso que espera de nós a sociedade brasileira.

 

São Paulo, 28 de novembro de 2003.

 

  • – Introdução

 

Passados quatro anos da primeira edição do relatório “Juros e Spread Bancário no Brasil”, verifica- se que, apesar dos bons resultados relativamente ao volume de crédito concedido no segmento livre, as taxas de juros pagas pelo tomador brasileiro continuam sendo muito elevadas. O volume de crédito no segmento livre doméstico, excluídos os repasses externos, cresceu significativamente desde que começaram as ações do projeto de redução dos juros, passando de R$51,7 bilhões (4,97% do PIB) em outubro de 1999 para R$167,9 bilhões (10,88% do PIB) em setembro último2. Por outro lado, no mesmo período, as taxas de juros médias prefixadas no segmento livre só caíram de 72,1% ao ano (a.a.) para 61,7% a.a., enquanto o spread caiu de 51,3 pontos percentuais (p.p.) para 43,2 p.p.

 

Parte desse atraso na obtenção de resultados mais positivos com o custo do crédito pode ser atribuída à conjuntura adversa. Afinal, apesar da clara e forte tendência de redução dos juros nos últimos seis meses, as elevadas taxas de juros praticadas no País ainda refletem o impacto da crise e do ajuste vividos pela economia brasileira desde meados do ano passado. De qualquer forma, pode-se afirmar que os resultados mais positivos com a redução dos juros foram obtidos nos dezoito primeiros meses do projeto, até março de 2001, quando a conjuntura era mais favorável.

 

O quadro de dificuldades conjunturais não significa ausência de progressos no tocante aos juros e spread bancário, principalmente no âmbito do diagnóstico e da maior difusão de informações sobre crédito. De qualquer forma, é evidente que as principais causas que explicam a escassez e o custo do crédito no Brasil continuam presentes e demandando a atuação do Governo e da sociedade para sua superação. Isto porque, apesar de alguns progressos pontuais, os depósitos compulsórios, os créditos direcionados e os impostos indiretos continuam onerando o crédito e a intermediação financeira. Além disso, ainda existem dificuldades de obtenção de informações, o que traz prejuízos à concorrência e à avaliação do risco de crédito, bem como prevalece no País um ambiente institucional bastante desfavorável ao crédito, caracterizado por um sistema legal e judicial ineficiente e pró-devedor.

 

Este relatório de economia bancária, relativo à avaliação do quarto ano do projeto juros e spread bancário, é uma oportunidade de reafirmar a prioridade de suprir a economia brasileira de crédito farto a custos acessíveis para a população brasileira. Mais que isto, os vários textos deste relatório sobre a evolução recente do crédito, diagnósticos e sugestões procuram ter em conta a preocupação do Banco Central e do Governo em aumentar o acesso da população ao crédito e aos serviços financeiros.

 

A primeira parte do relatório (Capítulo II), contempla a evolução recente do crédito, destacando a forte elevação dos juros e spread bancário entre junho de 2002 e março deste ano, assim como a posterior redução nos últimos seis meses. Esse capítulo apresenta também a análise da evolução do volume de crédito concedido, dos prazos médios e dos indicadores de atraso, assim como a tradicional apresentação da composição do spread bancário.

 

O Capítulo III, sob responsabilidade de Eduardo Lundberg, de Eduardo Rodrigues e da equipe de São Paulo do Departamento de Estudos e Pesquisas, traz uma avaliação de algumas das principais ações e medidas adotadas nos últimos quatro anos para a redução dos juros e spreads bancários, bem como um elenco de novas sugestões.

 

Em função de seus trabalhos e pesquisas avaliando a reforma do Poder Judiciário, Armando Castelar Pinheiro, do Ipea e do IE/UFRJ, foi convidado a escrever o Capítulo IV. Neste capítulo intitulado “O Componente

2 Este Relatório foi elaborado utilizando dados disponíveis até o dia 14 de novembro de 2003.

 

Judicial dos Spreads Bancários”, o Dr. Castelar procura mostrar, inclusive com base em pesquisa realizada por ele mesmo junto a juízes em 2001, as principais questões envolvendo a proteção legal a credores no Brasil.

 

A nova Lei de Falências, aprovada pela Câmara dos Deputados em outubro passado, é objeto de avaliação do Prof. Aloísio Araújo e de Eduardo Lundberg no Capítulo V. Além de tratar das modificações trazidas nos processos de falência e de recuperação de empresas com a nova legislação recentemente aprovada na Câmara dos Deputados (Lei de Falências e alterações no Código Tributário), o artigo aborda a importância do crédito e do sistema legal de resolução de insolvências para o crescimento econômico, destacando as modificações ocorridas nas prioridades concedidas às garantias reais na falência e sua relação com o crédito, riscos e juros bancários.

 

No Capítulo VI, “Concorrência e Spread Bancário: uma Revisão da Evidência para o Brasil”, Márcio Nakane faz um retrospecto dos estudos recentes sobre o poder de mercado no setor bancário brasileiro. Segundo Nakane, o mercado bancário brasileiro apresenta elevado grau de concorrência, apesar de operar em estruturas de mercado imperfeitas, não apresentando evidências da presença de cartel ou conluio. A melhor explicação para a existência do poder de mercado de algumas instituições financeiras deve ser buscada na forma da obtenção de rendas informacionais a partir da fidelização de clientes, que geram altos custos de transferência (switching costs).

 

Em “O Uso de Informações no Crédito Bancário”, Capítulo VII, Victorio Chu e Ricardo Schechtman analisam os custos ou fricções informacionais existentes entre o tomador e o credor, procurando extrair alternativas práticas e propostas para diminuir os spreads dos empréstimos e financiamentos bancários. Os autores discutem teoricamente as questões de compartilhamento de informação entre os credores e a extração de renda informacional dos devedores. Além disso, também ilustram empiricamente para o Brasil os benefícios da inclusão de informações não-negativas em Bureaus de Crédito.

 

No Capítulo VIII, “Simulação dos Efeitos de Basiléia II”, Ricardo Schechtman utiliza informações da Central de Risco de Crédito do Banco Central para obter um modelo de estimação de probabilidades de default (PDs) de exposições de crédito, bem como simular os requerimentos de capital de acordo com a metodologia IRB de Basiléia II para 28 conglomerados financeiros do País, contrastando-os com os requerimentos exigidos pela legislação vigente. Em especial, o trabalho de Schechtman evidencia a importância da implementação do novo Sistema de Informações de Crédito do Banco Central em sua função enquanto bureau de crédito.

 

Os capítulos IX e X tratam do impacto da política monetária sobre o mercado de crédito. Em “O Pass-Through da Taxa Básica: Evidências para as Taxas de Juros Bancárias”, Leonardo Soriano de Alencar analisa o efeito de alterações da taxa Selic sobre as taxas de juros praticadas no mercado financeiro bancário. Por outro lado, no capítulo “Efeitos da Política Monetária sobre a Oferta de Crédito”, Tony Takeda avalia o impacto dos depósitos compulsórios sobre o crédito concedido pelas instituições financeiras bancárias. Como resultados principais, podemos destacar que modificações da taxa Selic não têm impacto significativo sobre a oferta de crédito dos bancos (Takeda) e têm impacto sobre o spread bancário, não obstante o efeito diverso sobre as taxas de juros das diferentes modalidades de crédito (Alencar). Com relação aos depósitos compulsórios, existe o impacto direto sobre o volume de crédito, que é mais intenso no caso dos recolhimentos compulsórios remunerados (Takeda).

 

Ao final, no Capítulo XI, Ana Carla Abrão Costa e Márcio Nakane trazem uma resenha do estudo do Banco Mundial “Brazil: Access to Financial Services”, de 2003. O estudo destaca que dos 176 milhões de habitantes no Brasil, apenas um terço (cerca de 60 milhões) das pessoas possuem contas bancárias, enquanto os juros e spreads bancários estão entre os maiores do mundo. Não obstante reconhecer que não há uma medida simples para resolver o problema de expandir o acesso aos serviços financeiros e reduzir seus custos, o estudo procura apontar uma série de fatores e alternativas a serem trabalhadas.

 

  • – Juros e Spread Bancário – Evolução Recente

 

Os juros e spreads3 bancários foram fortemente influenciados pela crise e ajuste pelos quais a economia brasileira passou a partir de meados de 2002. Com base nos dados disponíveis até setembro de 20034, juros e spreads apresentaram crescimento até o final do primeiro trimestre deste ano, atingindo o pico durante o segundo trimestre, e iniciando uma trajetória descendente que persiste até o presente momento, embora as taxas ainda estejam num patamar próximo ao observado em outubro do ano passado.

 

Conforme pode ser visto no Gráfico 1, a taxa de juros média prefixada no primeiro semestre deste ano, apesar de ter atingindo mais de 70% a.a. em março, está em queda desde então. O spread médio prefixado tem acompanhado a trajetória dos juros e está em um patamar abaixo dos 50 p.p. observado até outubro de 1999, quando houve o início das ações vinculadas ao “Projeto de Juros e Spread Bancário”. Com a redução das incertezas no cenário macroeconômico, as sucessivas quedas da taxa Selic e a diminuição dos depósitos compulsórios, os juros e spreads prefixados têm mostrado uma nítida trajetória descendente. Uma vez que a taxa de inflação, bem como as expectativas, vêm convergindo para a meta do ano, as perspectivas para o futuro próximo são bastante positivas quando comparadas às de meados do ano passado.

 

Gráfico 1 – Crédito Livre Doméstico do SFN

 

 

 

 

Além dos juros e spreads bancários, outro elemento importante a ser observado é o volume de crédito. Desde a implementação das ações do “Projeto Juros e Spread Bancário”, o volume de crédito livre doméstico (crédito total exclusive os direcionados e repasses externos) vem apresentando forte crescimento nominal. No último ano, o crescimento foi mais moderado, mas persistiu   a despeito do aperto monetário do período.

 

3 O spread bancário é obtido pela diferença entre as taxas de aplicação e a taxa de captação do mercado.

4 Este Relatório foi elaborado utilizando os dados disponíveis até 14 de novembro de 2003.

 

O saldo dos créditos lastreados em recursos externos, não obstante a fraca evolução de seu valor em dólares, apresentou, a partir de 1999, pequeno aumento na participação relativa no total de crédito, o que pode ser explicado pela forte flutuação/desvalorização cambial no período. Neste último ano, porém, houve redução na captação de recursos em dólar, apesar da gradual retomada das linhas de crédito no exterior – particularmente via Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC) – conjugada com uma apreciação da moeda nacional, o que implicou numa queda, medida em reais, da participação desses repasses.

 

Finalmente, os empréstimos, repasses e refinanciamentos de bancos e fontes governamentais, normalmente a custos inferiores aos do mercado, que tiveram importante papel no financiamento do crescimento econômico no passado recente brasileiro, continuaram bastante representativos. Apesar das restrições econômicas e orçamentárias que impuseram limites a este tipo de apoio creditício, os recursos direcionados apresentaram aumento na participação do crédito total durante o último ano, principalmente em virtude da evolução dos créditos rurais.

 

  • Evolução dos Juros e Spread Bancário

As taxas de juros das operações de crédito com recursos livres apresentavam tendência de crescimento desde meados de 2002. Incertezas associadas ao processo eleitoral e à aceleração da inflação, acompanhadas pelo aperto monetário realizado pelo Banco Central – por meio de elevações na meta da taxa Selic e na alíquota do compulsório sobre depósitos à vista – podem ser considerados como fatores determinantes do comportamento das taxas ativas no primeiro e parte do segundo trimestres deste ano.

 

As taxas de juros prefixadas e as taxas consolidadas – que passaram a ser calculadas a partir do ano passado mediante a inclusão das taxas flutuantes e pós-fixadas – aumentaram até atingirem um máximo em março deste ano quando começaram a cair ininterruptamente, como se pode observar no Gráfico 2. A trajetória descendente dessas taxas após o segundo trimestre pode ser explicada parcialmente pela melhoria no cenário macroeconômico. Os apertos monetário e fiscal, conjugados com uma maior estabilidade da taxa de câmbio, serviram para diminuir as pressões inflacionárias. Nesse cenário, as posteriores reduções da taxa básica de juros e a queda dos compulsórios em agosto tornaram o ambiente mais favorável às reduções dos juros praticados no mercado. Vale ressaltar ainda que as taxas de juros de longo prazo (Swap 360 dias) começaram a cair consistentemente a partir de março deste ano, o que indica que a curva de juros antecipou o movimento de cortes da taxa Selic, o que favoreceu a redução dos custos dos empréstimos.

 

Na Tabela 1, verifica-se que a taxa média de juros consolidada partiu de 47% a.a. em junho de 2002, atingiu um máximo de 58% a.a. em março deste ano e diminuiu para 49,8% a.a. em setembro último. A taxa média de juros cobrados nas modalidades de empréstimos a pessoas físicas (que são fundamentalmente prefixadas) apresentou um comportamento próximo àquele descrito acima: partiu de 70,4% a.a. em junho de 2002, atingiu um pico de 87,3% a.a. em março e caiu para 70,7% a.a. em setembro deste ano. É importante destacar que o crescimento entre junho de 2002 e março deste ano foi de 16,8 p.p., e a queda nos seis meses seguintes foi de 16,6 p.p.

 

Gráfico 2 – Taxas Médias de Juros das Operações de Crédito Livre (% a.a.)

 

 

 

 

No segmento pessoa jurídica, as taxas de juros prefixadas, flutuantes e pós-fixadas, sendo que o cálculo da taxa média pós-fixada incorpora a expectativa de variação cambial (medida pela diferença entre o dólar médio no mês e a cotação média do contrato futuro de dólar comercial negociado na BM&F), também apresentaram o mesmo padrão, como explicitados na Tabela 1 e no Gráfico 3.

 

 

 

Gráfico 3 – Taxa de Juros – Pessoa Jurídica

 

60

 

50

 

40

 

30

 

20

 

10

 

0

 

 

Período

 

 

A análise da evolução das taxas médias mensais prefixadas cobradas em diferentes modalidades, que são apresentadas na Tabela 2, permite destacar aquelas que apresentaram maiores oscilações. O destaque negativo foi o crescimento da taxa média da modalidade conta garantida que aumentou 17,1 p.p. entre junho de 2002 e março deste ano e só caiu 4,5 p.p. até setembro último, permanecendo 12,6 p.p mais cara do que em meados do ano passado. Os destaques positivos foram as reduções, entre março e setembro de 2003, de 25,7 p.p. e 14,7 p.p., respectivamente, das taxas médias do cheque especial e do financiamento para aquisição de veículos, fazendo com que essas taxas se apresentassem 6,6 p.p. e 3,9 p.p. mais baratas do que as verificadas em junho de 2002.

Tabela 2

Taxas Médias Mensais Prefixadas das Operações de Crédito com Recursos Livres – por Modalidade

 

Modalidade

Taxa de Aplicação Padronizada (% a.a.) Variação (p.p.)
jun/02 set/02 dez/02 mar/03 jul/03 set/03* jun/mar mar/set doze

meses

Total 59,6 62,5 70,1 74,2 67,9 62,0 14,6 -12,3 -0,5
Pessoa Jurídica 42,3 43,0 50,5 53,8 51,7 47,1 11,5 -6,6 4,1
Desconto de Duplicatas 48,0 48,7 56,1 57,1 54,5 48,5 9,2 -8,6 -0,2
Capital de Giro 36,0 36,2 42,3 47,4 43,6 39,4 11,4 -8,1 3,1
Conta Garantida 62,8 64,1 77,3 79,9 80,5 75,4 17,1 -4,5 11,3
Aquisição de Bens 33,4 36,3 43,0 42,4 37,2 33,5 8,9 -8,8 -2,7
Vendor 24,3 25,9 32,9 33,7 173,9 26,2 9,3 -7,5 0,3
Pessoa Física 70,4 74,7 83,5 87,3 77,9 70,7 16,8 -16,6 -4,0
Cheque Especial 158,8 158,4 163,9 177,9 173,9 152,2 19,2 -25,8 -6,2
Crédito Pessoal 80,8 85,4 91,8 100,6 91,7 83,9 19,9 -16,7 -1,5
Aquisição de Bens – Veículos 42,7 47,4 55,5 53,5 42,9 38,8 10,8 -14,7 -8,6
Aquisição de Outros Bens 63,2 71,2 80,7 82,0 75,2 71,6 18,9 -10,4 0,4

Fonte: BCB – Departamento Econômico (DEPEC).

*Dados preliminares.

 

A evolução dos spreads é apresentada no Gráfico 4. Observa-se, mais uma vez, um comportamento próximo ao das taxas de juros: desde junho de 2002 o spread médio prefixado vinha crescendo até atingir o máximo de 47,83 p.p. em maio de 2003 e cair a partir daí para 43,21 p.p. em setembro5. O spread médio consolidado, por sua vez, após uma elevação entre junho e outubro de 2002, apresentou alguma estabilidade até fevereiro de 2003 em função dos aumentos dos custos de captação – acompanhando o aumento na taxa Selic – e que se refletiram nas taxas ativas. Durante o segundo trimestre o movimento foi de elevação, que só foi revertido a partir de maio, voltando, em setembro, aos níveis vigentes em setembro do ano passado. A análise da trajetória do spread nas modalidades de crédito a juros pós-fixados, como será visto mais adiante, mostra que a melhora nas expectativas – refletidas já nas reduções dessas taxas no início do ano de 2003 – suaviza a trajetória de crescimento do spread consolidado.

 

 

Gráfico 4 – Spread Médio das Operações de Crédito Livre (p.p.)

 

50

 

 

45

 

 

40

 

 

35

 

 

30

 

 

25

 

 

20

 

 

Período

 

 

A desagregação dos dados, separando as modalidades de crédito voltadas para pessoas jurídicas daquelas voltadas a pessoas físicas, mostra um comportamento diferente nos dois segmentos. A partir dos dados da Tabela 3, vê-se que o spread nas operações feitas com pessoas físicas apresentou um crescimento de 1,5 p.p. nos últimos doze meses, enquanto que, neste mesmo período, o spread das operações com pessoas jurídicas caiu 1,3 p.p. Essa queda no segmento pessoa jurídica ocorreu principalmente em virtude da queda do spread para operações com taxas pós-fixadas (-9,4 p.p.). Como resultado, o spread total não se alterou muito quando se comparam os meses de setembro de 2002 e de 2003.

 

 

 

 

5 No cálculo do spread médio prefixado, as taxas de captação do mercado são obtidas pela média das taxas diárias de remuneração dos certificados ou recibos de depósitos bancários (CDB/RDB) para modalidades cujo prazo médio situa-se em torno de 30 dias. Para as demais modalidades com prazo superior a 30 dias, as taxas de captação são obtidas pela média das taxas referenciais dos contratos realizados no mercado de derivativos, que expressa a expectativa para a taxa básica de juros correspondente aos respectivos prazos (contratos de swap DI x pré).

 

Tabela 3

Taxas Médias Mensais das Operações de Crédito com Recursos Livres – Spread1

 

Modalidade

 

jun/02

 

set/02

 

dez/02

 

mar/03

 

jul/03

 

set/03*

Variação (p.p.)
jun/mar mar/set doze meses
Spread – Total 26,9 30,0 31,1 33,2 32,4 30,6 6,3 -2,7 0,5
Pessoa Jurídica 12,0 15,6 16,3 14,9 14,6 14,3 2,9 -0,6 -1,3
– Prefixados 22,1 22,4 25,0 27,4 28,9 28,1 5,3 0,7 5,7
– Pós-fixados 5,0 13,3 12,5 7,1 4,1 4,0 2,1 -3,1 -9,4
– Flutuante 9,1 8,0 8,6 9,1 9,2 9,3 0,0 0,2 1,4
Pessoa Física 46,6 50,6 54,5 59,9 56,4 52,1 13,3 -7,8 1,5

Fonte: BCB – Departamento Econômico (DEPEC).

1 Taxas de spread em p.p.

*Dados preliminares.

Entretanto, assim como ocorreu com as taxas de juros, tanto o spread total quanto o spread de pessoa física cresceram entre junho de 2002 e maio de 2003 e sofreram redução a partir de então. Já no segmento de pessoas jurídicas, a evolução foi bastante diferente: apresentou um pico em outubro do ano passado (17,65 p.p.) e desde então vem caindo (mais moderadamente a partir de janeiro deste ano).

 

A análise desagregada do spread de pessoa jurídica, considerando as diferentes modalidades de taxas cobradas, mostra que nas operações com taxas flutuantes houve um pequeno crescimento ao longo de todo o período6. O spread das operações com taxas prefixadas tiveram uma trajetória parecida com as de pessoas físicas, aumentando no primeiro semestre deste ano e caindo depois. Nas operações de taxas pós- fixadas, porém, houve uma queda significativa a partir de outubro de 2002, refletindo a melhora nas percepções de risco por parte dos agentes7. Como resultado, o spread consolidado de pessoa jurídica apresentou queda acentuada no fim do ano passado e reduções mais moderadas neste ano (Gráfico 5).

 

Gráfico 5 – Spread por Tipo de Taxa Cobrada – Pessoa Jurídica

35

 

30

 

25

 

20

 

15

 

10

 

5

 

0

 

 

Período

6 A taxa de captação utilizada no cálculo do spread de operações com taxas flutuantes é a média das taxas de remuneração dos certificados de depósitos interfinanceiros (CDI).

7 No cálculo do spread pós-fixado, por não se dispor de informações regulares sobre as taxas de captação dos bancos brasileiros no exterior, é utilizada a própria taxa Libor como proxy, acrescida da expectativa de variação cambial. Assim, em períodos de elevação do risco país, como ocorrido no segundo semestre do ano passado, o spread pós-fixado calculado desta maneira capta esse movimento e tende a superestimar a verdadeira margem dos bancos brasileiros.

 

Esse comportamento do spread de operações com taxas pós-fixadas pode ser melhor compreendido observando-se o comportamento da taxa Libor e da taxa média de repasse das operações de ACC e de repasses externos medidas em dólar, isto é, sem acrescentar nelas o efeito da expectativa de variação cambial medida pela diferença entre as cotações do dólar do mês e futuras. No Gráfico 6, percebe-se que a taxa Libor (desconsiderando o prêmio de risco) vem caindo monotonicamente desde meados de 2000. A taxa de repasse, por sua vez, apresentou uma elevação pronunciada a partir de junho de 2002, e uma queda a partir do início deste ano, retornando ao patamar anterior a maio de 2002. Estas elevações refletem fundamentalmente as incertezas associadas à economia brasileira no período, assim como sua posterior redução reflete a melhoria na percepção do cenário econômico. Esse comportamento influenciou bastante, como se pode ver no Gráfico 5, a série de spread de pessoa jurídica, que por sua vez, têm grande peso na série de spread consolidado. Por esse motivo, a série consolidada apresentou oscilações mais suaves quando comparada à série prefixada. Cabe destacar ainda, que a diferença entre as séries das taxas pós-fixadas expostas no Gráfico 3 e das taxas de repasses apresentadas neste último gráfico deve-se apenas ao cálculo da expectativa de variação cambial do período.

 

Gráfico 6 – Créditos Lastreados em Recursos Externos

 

30                                                                                                                                                         20

28                                                                                                                                                         18

26                                                                                                                                                         16

24                                                                                                                                                         14

22                                                                                                                                                         12

20                                                                                                                                                         10

18                                                                                                                                                         8

16                                                                                                                                                         6

14                                                                                                                                                         4

12                                                                                                                                                         2

10                                                                                                                                                         0

 

 

 

Período

 

 

Pode-se concluir que as elevações recentes do spread médio consolidado foi resultado, fundamentalmente, da evolução dos spreads prefixados. Estes, por sua vez, podem ser explicados em grande medida pelo comportamento de componentes cíclicos – que refletiram a deterioração das expectativas durante o segundo semestre de 2002 – e não em função de fatores estruturais, que estariam mais ligados à cunha fiscal e às qualidades das garantias bem como a segurança quanto à efetiva recuperação ou renegociação dos créditos atrasados. Esta análise é corroborada através da atualização do exercício exposto no Box do Relatório de Inflação de junho de 2003 do Banco Central. Utilizando-se o filtro de Hodrick- Prescott (HP) na decomposição de fatores cíclicos e de tendência na série histórica atualizada, os fatores cíclicos são associados à diferença entre a série original e o componente de tendência (ver Gráfico 7). Percebe-se que, de fato, a oscilação do spread verificada no período parece ser devido aos fatores cíclicos. O componente de tendência da série permanece decrescente ao longo do tempo (embora esteja se

 

estabilizando em torno de 40 p.p.) e a diferença entre a tendência e a série original aumentou no último ano até atingir um pico e vem voltando ao nível da tendência – o que sugere um esgotamento dos fatores que impulsionaram os spreads para cima.

 

Gráfico 7 – Spread Prefixado Total – Tendência e Ciclo

 

 

160

 

140

 

120

 

100

 

80

 

60

 

40

 

20

 

0

 

-20

 

-40

jul/94 jan/95 jul/95 jan/96 jul/96 jan/97 jul/97 jan/98 jul/98 jan/99 jul/99 jan/00 jul/00 jan/01 jul/01 jan/02 jul/02 jan/03 jul/03 Período

 

 

  • A Composição do Spread8

A decomposição mensal do spread bancário prefixado mostra pequenas alterações na participação dos fatores entre agosto de 2002 e agosto deste ano, último mês com informações completas para todas as variáveis. Conforme pode ser visto no Gráfico 8, as estimativas apontam redução da participação da margem líquida dos bancos, que passou de 1,11% para 1%; e redução da parcela devida aos impostos diretos, que era de 0,57% em agosto do ano passado, e ficou em 0,51% em agosto último. A participação dos impostos indiretos e do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) ficou estável em 0,22%. Por outro lado, as despesas administrativas e de inadimplência/empréstimos subiram de 0,39% e 0,47%, respectivamente, para 0,43% e 0,51%. A elevação devida a esses dois últimos fatores, entretanto, não chegou a impedir a queda do spread prefixado no período. Vale destacar ainda que as despesas com inadimplência/empréstimos vêm crescendo desde agosto de 2000, quando sua participação era de 0,34%, o que reforça a importância de medidas que visam diminuir problemas ligados à assimetria de informações, como o desenvolvimento e aprimoramento da Central de Risco de Crédito que ajuda diminuir problemas de informação, bem como aquelas que visam diminuir as dificuldades de recuperação judicial, como a nova Lei de Falências (discutida no Capítulo VI) que já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está sendo discutida no Senado9.

 

 

8 O cálculo da determinação da composição do spread segue a metodologia descrita no Anexo I do Relatório Juros e Spread Bancário no Brasil – Avaliação de 2 anos do Projeto, de novembro de 2001. Ressaltamos que o cálculo é feito ex-post e que a margem liquida é obtida pela diferença entre a taxa de juros bruta e a parcela da taxa bruta devida aos componentes destacados no gráfico.

9 Para uma apresentação da avaliação das medidas adotadas e em andamento e uma exposição de novas medidas propostas, ver Capítulo III deste Relatório.

 

Gráfico 8 – Composição do Spread

 

 

 

 

 

 

4,00%

 

 

3,50%

 

 

3,00%

 

 

 

 

3,58%

 

 

 

1,03%

 

 

 

 

 

 

3,21%

Margem Líquida do Banco Impostos Diretos Impostos Indiretos + FGC Despesa ADM

Despesa de Inadimplência/Empréstimos

2,77%          2,81%

 

 

 

2,50%

 

 

 

 

0,51%

1,16%

2,73%

 

 

 

1,08%

2,52%        2,46%

2,65%

2,63%

 

 

0,99%         1,01%

 

 

1,11%

 

 

1,16%

2,67%

 

 

1,00%

 

2,00%

 

 

1,50%

 

 

1,00%

 

 

0,50%

 

 

0,00%

0,41%

 

 

 

 

0,79%

 

 

 

 

 

 

0,84%

 

 

 

 

 

fev/1999

 

 

0,68%

 

 

 

0,38%

 

 

 

0,63%

 

 

 

0,36%

 

 

 

ago/1999

 

 

 

 

 

0,56%

 

 

0,22%

 

 

0,53%

 

 

0,34%

 

 

fev/2000

0,99%

 

 

 

0,51%

 

 

0,22%

 

 

0,46%

 

 

0,34%

 

 

ago/2000

0,96%

 

 

 

0,49%

 

 

0,21%

 

 

0,44%

 

 

0,36%

 

 

 

fev/2001

 

 

 

 

0,51%

 

 

0,22%

 

 

0,51%

 

 

 

0,42%

 

 

 

ago/2001

 

 

 

 

 

0,52%

 

 

0,22%

 

0,40%

 

 

 

0,48%

 

 

 

fev/2002

 

 

 

 

 

0,57%

 

 

0,22%

 

0,39%

 

 

0,47%

 

 

 

ago/2002

 

 

 

 

 

0,60%

 

 

0,23%

 

0,36%

 

 

0,47%

 

 

 

fev/2003

 

 

 

 

0,51%

 

 

0,22%

 

 

0,43%

 

 

 

0,51%

 

 

 

ago/2003

 

Período

 

 

  • Comportamento Recente do Crédito

Em setembro de 2003, o saldo total das operações de crédito do Sistema Financeiro estava no patamar de R$ 390,1 bilhões, o que representa um aumento de 3,8% em doze meses (Tabela 4). O volume de Recursos Direcionados cresceu 11,2% em doze meses atingindo R$ 150,6 bilhões, elevando a importância relativa desses recursos no total de operações de crédito neste ano. Esse resultado deve-se em boa parte às operações direcionadas ao crédito rural, que atingiram R$ 41,2 bilhões em setembro de 2003 e apresentaram um crescimento de 41,3% no período.

Tabela 4

Saldo das Operações de Crédito do Sistema Financeiro Composição

 

Discriminação

R$ milhões Variação (%)
set/02 dez/02 jul/03 set/03* jul/set ano doze meses
Rec. Direcionados 135.395 142.925 147.424 150.616 2,2 5,4 11,2
Habitacional 21.628 21.623 22.691 22.872 0,8 5,8 5,8
Rural 29.162 34.668 38.447 41.198 7,2 18,8 41,3
BNDES 83.899 84.717 83.669 83.585 -0,1 -1,3 -0,4
Rec. Livres em R$1 150.900 155.267 163.469 167.751 2,6 8,0 11,2
P. Física 76.755 76.165 82.495 84.792 2,8 11,3 10,5
P. Jurídica 74.145 79.101 80.974 82.959 2,5 4,9 11,9
Recursos Externos 67.870 57.160 49.165 48.181 -2,0 -15,7 -29,0
Repasses Externos 27.089 19.967 14.197 13.176 -7,2 -34,0 -51,4
ACC 24.354 25.007 26.056 26.373 1,2 5,5 8,3
Export Notes 252 243 132 140 5,9 -42,6 -44,6
Financ. Importação 16.175 11.943 8.781 8.493 -3,3 -28,9 -47,5
R$/US$ 3,89 3,53 2,97 2,92 -1,4 -17,3 -24,9
Valor em US$ 17.425 16.178 16.579 16.481 -0,6 1,9 -5,4
Leasing 10.422 9.474 8.269 8.438 2,0 -10,9 -19,0
Setor Público 11.167 13.481 14.551 15.028 3,3 11,5 34,6
Total Geral 375.754 378.307 382.878 390.014 1,9 3,1 3,8

Fonte: BCB – Departamento Econômico (DEPEC).

1 Valores que excluem os Repasses Externos.

* Dados preliminares.

 

As operações de crédito com recursos livres (excluindo os recursos externos10) alcançaram R$167,7 bilhões ao final de setembro, representando um aumento de 11,2% em doze meses e de 8% no ano. O volume de créditos livres, tanto de pessoa física como de pessoa jurídica, apresentou um crescimento um pouco acima de 10% nos últimos doze meses, apesar do aperto monetário que caracterizou a maior parte desse período.

 

O saldo das operações com recursos externos em setembro deste ano foi de R$ 48,2 bilhões. Ao longo dos últimos doze meses, esses recursos apresentaram queda de 29% no volume total. A apreciação da moeda nacional associada a uma pequena queda do saldo em dólares no período serviu para diminuir o saldo dessas operações medidos em reais. Nota-se, porém, uma retomada gradual nas linhas de crédito com o exterior por meio das operações de Adiantamento de Contratos de Câmbio (ACC).

 

Vale ressaltar que os empréstimos feitos com recursos livres são mais sensíveis às percepções de risco por parte das instituições financeiras do que os empréstimos feitos com recursos direcionados. O pequeno aumento do saldo das operações com recursos livres e com recursos externos vis-a-vis o aumento do volume dos créditos direcionados pode ser em parte explicado pelas incertezas que dominaram o período e que tiveram, por conseguinte, maiores impactos no segmento livre do mercado de crédito.

 

A Tabela 5 apresenta o saldo das operações de crédito com recursos livres por modalidade, excluído o valor total dos créditos lastreados em recursos externos. No segmento de pessoas jurídicas destaca-se o crescimento de 22,5% em doze meses no volume de empréstimos para capital de giro (parcialmente influenciada pela redução de linhas de financiamento externo), assim como o crescimento de 21,1% das operações de desconto de duplicatas. A conta garantida apresentou um crescimento menor (de 5,7%). Os saldos das operações de vendor e de aquisição de bens, por sua vez, diminuíram, respectivamente, 5,9% e 1,7 %.

 

Tabela 5

Saldo das Operações de Crédito com Recursos Livres em R$ por Modalidade1

 

Modalidade

R$ milhões Variação (%)
set/02 dez/02 jul/03 set/03* jul/set ano doze meses
Total 150.900 155.267 163.469 167.751 2,6 8,0 11,2
Pessoa Jurídica 74.145 79.101 80.974 82.959 2,5 4,9 11,9
Desconto de Duplicatas 5.665 6.000 6.396 6.858 7,2 14,3 21,1
Capital de Giro 25.697 29.501 30.662 31.485 2,7 6,7 22,5
Conta Garantida 20.090 20.247 20.958 21.242 1,4 4,9 5,7
Aquisição de Bens 4.132 4.277 4.061 4.060 0,0 -5,1 -1,7
Vendor 7.021 7.852 6.558 6.609 0,8 -15,8 -5,9
Pessoa Física 76.755 76.165 82.495 84.792 2,8 11,3 10,5
Cheque Especial 9.144 8.545 9.620 9.885 2,7 15,7 8,1
Crédito Pessoal 24.781 24.553 27.484 28.847 5,0 17,5 16,4
Aquisição de Bens – Veículos 26.994 26.933 27.370 28.004 2,3 4,0 3,7
Aquisição de Outros Bens 4.348 4.579 4.590 4.730 3,0 3,3 8,8

Fonte: BCB – Departamento Econômico (DEPEC).

1 Nesta tabela não está incluído o total de repasses externos.

* Dados preliminares.

 

A evolução dos saldos das operações com pessoas físicas mostra que a maior parte do aumento nos volumes dessas operações deve-se às operações de crédito pessoal, que cresceram 16,4%; às operações de aquisições de outros bens, que aumentaram 8,8%; e ao crescimento de 8,1% nos volumes de operações de cheque especial. Na modalidade de aquisição de veículos, a elevação foi mais modesta, 3,7%.

10 O conceito de crédito lastreado em recursos externos, ao contrário do Relatório de 2002, inclui o saldo das operações de financiamento à importação.

 

O volume de novas concessões das operações de crédito com recursos livres deflacionado pelo IPCA a preços de junho de 2000 é apresentado no Gráfico 9. Os dados referentes a pessoa física excluem o volume de operações com cheque especial e cartão de crédito, enquanto que os dados referentes a pessoa jurídica excluem as operações de conta garantida, repasses externos e Adiantamento de Contratos de Câmbio (ACC). Nota-se que o volume deflacionado de novas concessões têm-se mantido estável tanto para pessoas físicas como para pessoas jurídicas. Entre setembro de 2002 e setembro último, o volume variou de R$ 28 milhões para R$ 29,5 milhões. A maior parte destas concessões são voltadas a pessoas jurídicas, que passou de R$ 20,9 para R$ 21,8 milhões. Este comportamento reflete em parte tanto a cautela de empresas e famílias com relação ao nível de endividamento, quanto uma postura seletiva das instituições financeiras na concessão de crédito.

 

Gráfico 9 – Novas Concessões de Crédito com Recursos Livres Deflacionadas pelo IPCA

35.000

 

30.000

 

25.000

 

20.000

 

15.000

 

10.000

 

5.000

 

0

 

 

Período

 

Os prazos médios das operações de crédito com recursos livres diminuíram em 14 dias nos últimos doze meses – como pode ser observado na Tabela 6. Os prazos médios reduziram-se até o segundo trimestre do ano, quando então apresentaram algum crescimento e uma certa estabilidade. No segmento de pessoas jurídicas como um todo, o prazo médio caiu de 187 dias em julho de 2002 para 173 em setembro de 2003. As operações de capital de giro e aquisições de bens foram as principais responsáveis por essa evolução no prazo médio consolidado. Houve também um aumento significativo dos prazos das operações de vendor (que aumentou em 14 dias) e de repasses externos (que aumentou em 28 dias), que não foram suficientes para elevar o prazo médio consolidado das operações com pessoas jurídicas. No segmento pessoa física, o prazo médio da modalidade cheque especial manteve-se estável, atingindo 21 dias em setembro, enquanto o prazo da modalidade crédito pessoal aumentou, contrariamente ao movimento observado para aquisição de veículos e de outros bens, cujos prazos médios caíram nos últimos doze meses. Como resultado, o prazo médio consolidado das operações com pessoas físicas caiu ao longo do período de 315 dias em julho de 2002 para 291 dias em setembro de 2003.

 

Tabela 6

Prazo Médio Consolidado das Operações de Crédito com Recursos Livres (em dias)

Modalidade jul/02 set/02 dez/02 mar/03 jul/03 set/03*
Total 233 230 227 219 220 219
Pessoa Jurídica 187 185 177 172 175 173
Desconto de Duplicatas 37 37 32 32 31 31
Capital de Giro 264 253 238 234 230 232
Conta Garantida 24 23 22 22 23 23
Aquisição de Bens 279 276 258 250 257 263
Vendor 74 72 70 66 84 88
Adiant. Contratos de Câmbio 119 112 100 106 120 115
Repasses Externos 271 272 299 288 290 299
Pessoa Física 315 312 317 298 292 291
Cheque Especial 20 21 21 21 20 21
Crédito Pessoal 207 214 220 209 212 218
Aquis. de Bens – Veículos 517 511 517 508 506 505
Aquisição de Outros Bens 174 184 165 166 161 163

Fonte: BCB – Departamento Econômico (DEPEC).

* Dados preliminares.

 

Em relação a atrasos, a Tabela 7 apresenta os dados que mostram que no segmento pessoa física o percentual da carteira de crédito com atraso (acima de 90 dias) é bem mais elevado do que o mesmo percentual no segmento pessoa jurídica. Este resultado explica em parte a diferença entre os spreads médios observados entre pessoas físicas e jurídicas.

 

Ao longo do período, o percentual de atraso no segmento pessoa jurídica apresentou uma pequena elevação. Destacam-se os aumentos das taxas de inadimplência nos repasses externos e nas operações de vendor (que aumentaram de 0,6 e 0,3, respectivamente, em julho de 2002 para 1,5 em setembro de 2003), e a queda nas operações de desconto de duplicatas, que foram de 4,3% para 3,1% no mesmo período. Já entre as pessoas físicas, a taxa de inadimplência teve uma pequena queda – de 8,2% a 7,7%. A única modalidade que apresentou aumento para o grupo de pessoas físicas foi a das operações de aquisição de veículos. Todas as demais apresentaram reduções nas taxas de inadimplência. Quanto ao total de atrasos acima de 90 dias, observa-se uma pequena queda na taxa ao final do ano passado, um aumento no primeiro semestre deste ano, após o que essa taxa estabilizou. Vale destacar que, apesar deste movimento afetar as despesas com inadimplência/empréstimos, ele não a determina completamente, pois não é o único fator levado em consideração no cálculo de provisão de créditos.

 

Tabela 7

Percentuais da Carteira com Atraso Acima de 90 Dias

Modalidade jul/02 set/02 dez/02 mar/03 jul/03 set/03*
Total 4,4 4,4 4,0 4,3 4,6 4,6
Pessoa Jurídica 2,3 2,3 1,9 2,3 2,6 2,6
Desconto de Duplicatas 4,3 4,4 3,7 3,4 3,2 3,1
Capital de Giro 4,1 4,0 3,2 3,5 3,9 4,2
Conta Garantida 1,5 1,5 1,6 1,8 2,5 1,4
Aquisição de Bens 1,9 1,8 1,7 2,0 2,0 1,9
Vendor 0,3 0,5 0,4 0,5 1,6 1,5
Adiant. Contratos de Câmbio 0,2 0,3 0,3 0,4 0,4 0,5
Repasses Externos 0,6 0,5 0,2 1,0 1,4 1,5
Pessoa Física 8,2 8,3 7,8 7,6 7,8 7,7
Cheque Especial 9,0 8,9 8,4 7,1 7,7 7,7
Crédito Pessoal 9,1 9,2 8,4 8,2 8,3 7,7
Aq. de Bens – Veículos 3,0 2,9 2,9 3,3 3,5 3,5
Aquisição de Outros Bens 13,6 12,8 11,4 11,3 13,0 11,9

Fonte: BCB – Departamento Econômico (DEPEC).

* Dados preliminares.

 

  • – Ações e Medidas – Avaliação e Propostas

 

Eduardo Lundberg* Eduardo Rodrigues* Equipe do Depep/SP

 

Desde a edição do primeiro estudo “Juros e Spread Bancário no Brasil” em outubro de 1999, esta equipe do Departamento de Estudos e Pesquisas (DEPEP/SP) vem reunindo propostas e acompanhando as ações e medidas destinadas a reduzir o custo das operações de crédito no País. Nunca foi nossa intenção sermos necessariamente originais nas propostas apresentadas e, nesse sentido, sempre nos mantivemos abertos a recolher sugestões das mais diversas origens, desde aquelas trazidas em artigos e discussões de cunho acadêmico, passando por aquelas propostas de especialistas do mercado financeiro, até aquelas veiculadas em artigos da grande imprensa.

 

A seguir, na primeira seção deste capítulo fazemos um resumo dos objetivos e prioridades que nortearam o Projeto Juros e Spread Bancário nestes quatro primeiros anos, bem como uma avaliação quantitativa de algumas medidas adotadas. Na segunda seção procuramos apresentar um conjunto de novas propostas, que são sumarizadas na Tabela 1, ao final.

 

  • Avaliação Quantitativa de Algumas Medidas do Projeto Juros e

Spread Bancário

As medidas que o Banco Central vem propondo e implementando desde 1999, no âmbito do Projeto Juros e Spread Bancário, têm sido direcionadas a expandir a oferta de crédito a custos mais acessíveis para empresas e cidadãos. Para isso se fazia, e ainda se faz, necessário resgatar uma cultura favorável ao crédito no Brasil, reduzindo os custos e riscos das operações e as fricções na intermediação financeira, assim como aumentar a transparência e a concorrência no mercado de crédito. A seguir apresentamos resultados já percebidos com a implementação de algumas dessas medidas, sem ter, no entanto, a preocupação de realizar testes econométricos a fim de verificar o impacto dessas medidas sobre o crédito, os juros e o spread bancário.

 

É importante destacar que os textos no âmbito do “Projeto Juros e Spread Bancário” têm sido bastante cuidadosos ao tratar da política monetária, considerando a prioridade dessa atuação do BC para o controle da inflação. Mesmo porque, o aumento da oferta de crédito e a redução dos juros e spread bancário dependem do sucesso da política monetária, embora requeiram também o tratamento das questões estruturais.

 

Para fomentar a concorrência e a cultura de crédito, uma das prioridades das ações do Banco Central para baixar os juros tem sido a difusão e melhoria na qualidade das informações. Tão logo lançado o Projeto, o Banco Central passou a divulgar na internet informações básicas sobre os juros cobrados pelas instituições financeiras e a investir na melhoria da qualidade e detalhamento dessas informações. Nakane e Koyama (2003)11 utilizaram essa mudança na forma de divulgação das taxas como um experimento natural e tentaram verificar o efeito dela sobre os spreads bancários. Os autores concluíram que a medida serviu para diminuir a dispersão entre as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras, mas pouco contribuiu para reduzir o nível médio dos spreads bancários. Com a divulgação das taxas na internet, os bancos que cobravam encargos muito acima da média reduziram suas taxas, mas aqueles que cobravam menos

* Departamento de Estudos e Pesquisas, Banco Central do Brasil. Os autores agradecem os comentários e sugestões de Jairo Saddi. As opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente dos seus autores e não refletem necessariamente a visão do Banco Central do Brasil.

11 Nakane, Márcio I. e Koyama, Sérgio M. (2003). “Search costs and the dispersion of loan interest rates in Brazil”. Cemla Papers and Proceedings.

 

encontraram espaço para aumentar a cobrança. O resultado, portanto, foi sobretudo uma distribuição mais compacta (controlando por fatores macroeconômicos e por fatores específicos das instituições).

 

Os riscos jurídicos também afetam de maneira importante o funcionamento do mercado de crédito, por conta do funcionamento deficiente do nosso sistema falimentar e de cobrança de dívidas. No Brasil, além dos elevados custos, a recuperação judicial de um crédito não pago requer em média três anos apenas para a comprovação de sua legitimidade. Somem-se mais dois anos para sua efetiva recuperação. Nesse ambiente de baixa proteção aos credores, os bancos acabam sendo mais seletivos na concessão de crédito e cobrando taxas de juros muito elevadas, com os bons pagadores arcando com um custo extra causado pelo risco dos maus pagadores.

 

O impacto dessa deficiente proteção jurídica fica mais claro quando algumas modalidades distintas de crédito são comparadas. Uma operação de financiamento de automóvel, mediante alienação fiduciária do veículo, custava em média 38,8% a.a. em setembro último, enquanto o custo de um crédito pessoal era de 83,9% a.a., uma diferença de mais de 45 pontos percentuais. Este disparidade de custo deriva do fato de que a alienação fiduciária é um contrato inquestionável e que conta com uma garantia física executável (em caso de inadimplência, o agente financeiro recupera o bem financiado que, no caso dos automóveis, goza inclusive de razoável liquidez), enquanto o crédito pessoal não guarda essas mesmas prerrogativas. De forma similar, o Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC) também apresenta taxas mais baixas para as empresas tomadoras, por ser um contrato de crédito com boa garantia legal, com índice de inadimplência historicamente baixo.

 

A fim de reduzir os riscos jurídicos envolvidos nas operações de crédito, diversas iniciativas para criar instrumentos de crédito mais adequados foram promovidas recentemente, aumentando assim as garantias nas operações e minimizando perdas quando de situações de insolvência. Como principal medida, a Cédula de Crédito Bancário (CCB) foi criada por meio da Medida Provisória 1.925 de 15.10.1999, atual MP 2.160– 25 de 23.08.2001. A CCB é um instrumento de crédito com características de título executivo, por não ter que se submeter à fase de reconhecimento da legitimidade do crédito, tendo assim trâmite mais simples e rápido no processo de execução judicial.

 

Pode-se constatar que o uso das Cédulas de Crédito Bancário vem se disseminando no mercado, embora ainda seja extremamente incipiente frente ao volume de recursos movimentados pelo setor financeiro. A quantidade de CCBs utilizadas em operações bancárias (Gráfico 1) vem apresentando tendência de crescimento desde abril de 2002, pois, até então, apresentava valores insignificantes. A partir de setembro de 2003, houve uma aceleração nas quantidades negociadas, e, em meados de outubro, a quantidade de CCBs girava em torno de 850. Quando se avalia o volume em reais do estoque de CCBs (Gráfico 2), percebe-se que ele apresenta crescimento a partir de junho de 2002, com aceleração particularmente pronunciada entre setembro e novembro de 2002. O volume, na metade de outubro de 2003, flutuava pouco acima de R$ 500 milhões.

 

Esse rápido crescimento do uso das CCBs sugere que essa medida possa ter, no futuro, algum impacto na cultura de crédito do país. No entanto, a importância desse instrumento de captação ainda é muito pequena, já que esse volume representa apenas cerca de 0,3% do saldo consolidado das operações de crédito com recursos livres (exclusive repasses externos, ACC, Export Notes, e financiamentos para importações). Além disso, enquanto a MP não for transformada em lei, sua aplicabilidade continuará restrita.

 

Gráfico 1 – Quantidade de Cédulas de Crédito Bancário

 

900

 

800

 

700

 

600

 

500

 

400

 

300

 

200

 

100

 

0

 

 

Período

 

 

Fonte: Cetip

 

 

Gráfico 2 – Volume de Cédulas de Crédito Bancário (em R$ milhões)

 

600

 

500

 

400

 

300

 

200

 

100

 

0

 

 

Período

 

Fonte: Cetip

 

A emissão dos Certificados de Cédula de Crédito Bancário (CCCB), títulos lastreados nas CCBs, foi aprovada e regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional através da Resolução 2.843, de 28.06.2002. Esses Certificados apresentaram um pequeno boom logo após a aprovação da Resolução, mas ainda não chegam a apresentar uma negociação importante. Em outubro de 2003, as quantidades negociadas diariamente estavam pouco acima de 50 negócios; e o volume, pouco acima de R$ 8 milhões.

 

Com relação à securitização e negociação de recebíveis, em 29.11.2001 foi editada a Resolução 2.907, dispondo sobre a constituição e funcionamento de fundos de investimento em direitos creditórios e de fundos de aplicação em quotas de fundos de investimento em direitos creditórios. Este mercado, no entanto, encontra-se num estágio ainda muito incipiente. O número de operações diárias em fundos de investimentos e em direitos creditórios e o valor total são mínimos.

 

Outra medida tomada a fim de incentivar a ampliação do crédito e a redução das taxas de juros foi a regulamentação do uso de derivativos de crédito, que possibilita a redução e transferência dos riscos a outras instituições. A Resolução 2.933, de 28.02.2002, autorizou a realização de operações com derivativos de crédito, estabelecendo que somente poderão operar na qualidade de receptoras do risco de crédito as instituições financeiras autorizadas a realizar empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil. A Circular 3.106, de 10.04.2002, regulamentou a realização dessas operações. Entretanto, não há informações sobre esses instrumentos porque a Cetip ainda não implantou o módulo de registros para essas operações.

 

Numa época de grandes progressos na área da comunicação e da informática, os sistemas de registro de títulos e garantias existentes no País se mostram caros, defasados, dispersos e pouco confiáveis. Os contratos eletrônicos são uma alternativa óbvia para a redução dos custos de transação, o que beneficiaria principalmente os pequenos e médios tomadores de crédito das instituições financeiras. Uma lei que regule a proteção das partes contratantes em operações transitadas através da internet e de outros meios eletrônicos pode, conseqüentemente, trazer mais agilidade e maior confiabilidade ao sistema de crédito do País. A Medida Provisória 2.200, de 28.06.2001, atual MP 2.200–2, de 24.08.2001, instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica dos contratos eletrônicos. A percepção dos agentes de mercado é a de que o mercado financeiro deverá estar adaptado ao sistema de certificação digital dentro de dois anos. No entanto, essa MP ainda não foi transformada em lei, o que restringe sua aplicabilidade e o desenvolvimento pleno desse sistema.

 

Concluímos que, dentre as medidas adotadas, aquelas que criaram novos instrumentos para captação de recursos e para transferência de riscos de crédito ainda não tiveram efeitos substanciais no mercado. A disseminação do uso desses novos instrumentos – quando efetivamente implementados – ainda é bastante limitada, como no caso das Cédulas de Crédito Bancário. Entretanto, vale a ressalva de que tais medidas são muito recentes para já apresentarem impactos significativos, sendo que uma parte delas foi regulamentada via edição de Medidas Provisórias ainda não transformadas em leis, o que compromete a sua utilização plena.

 

  • Sugestões de Novas Medidas

Antes de se abordar novas medidas, é importante consignar que algumas das medidas propostas nos relatórios anteriores são de caráter permanente, não foram implementadas ou ainda estão em fase de implementação. Entre as medidas de caráter permanente, está a diminuição de exigências burocráticas como forma de reduzir os custos administrativos. Entre as não implementadas, destacamos a flexibilização dos direcionamentos de crédito e o tratamento mais uniforme dos provisionamentos de créditos para efeitos da dedução do imposto de renda das instituições financeiras. Entre as medidas em implantação, destacamos a incorporação à atual Central de Risco de Crédito, que passará a chamar-se “Sistema de Informações de Crédito”, de avanços significativos em termos de detalhamento de informações, acessibilidade e agilidade. Outra medida em implementação que destacamos é a reforma da Lei de Falências, que acaba de ser aprovada na Câmara dos Deputados, mas que ainda demanda aprovação no Senado.

 

Com relação às medidas já implementadas, algumas merecem ainda uma revisão, como a coleta de informações sobre crédito para divulgação na internet, bem como outras cuja complementação é importante, como a votação pelo Congresso de diversas Medidas Provisórias que nunca foram transformadas em lei, situação que está prejudicando a sua utilização plena pelo mercado e pode limitar os impactos positivos da edição da MP 130, de 17.09.2003, que autoriza a consignação de empréstimos em folha de pagamento, ainda pendente de votação no Congresso.

 

Quanto à sugestão de novas medidas, sumarizadas na Tabela 1 anexa, destacaríamos dois grande conjuntos de medidas associadas ao risco de crédito: aquelas destinadas a disseminar o uso de informações,

 

aumentando a concorrência e transparência no mercado de crédito, e aquelas destinadas a mitigar o problema da insolvência e da morosidade da Justiça.

 

Acesso a informação é fundamental para uma saudável concorrência no mercado de crédito, conforme se pode ver no artigo de Chu e Schechtman (Capítulo VII deste relatório). Para aumentar as opções de um bom cliente, possibilitando a obtenção de melhores condições de empréstimo, não basta que ele tenha informações sobre as taxas e demais condições praticadas pelas várias instituições financeiras. É importante também que as instituições financeiras concorrentes tenham elementos para avaliar se esse cliente é de fato um bom pagador, informação normalmente disponível apenas para o banco em que o cliente já opera e tem relacionamento. Estas são as motivações que nos levam a defender a portabilidade de informações cadastrais e a maior disponibilidade de informações por parte de bureaus de crédito, principalmente aquelas de caráter positivo.

 

No Capítulo VI deste relatório, Nakane mostra a evidência de que o poder de mercado, entendido de forma tradicional, não é responsável pelos elevados spreads bancários observados no País, sugerindo que podem existir formas mais sutis de comportamento anticompetitivo nos mercados de empréstimo. Por exemplo, dada a assimetria de informações típica em mercados de crédito, práticas adotadas pelo banco para fidelizar o cliente podem ser utilizadas para extrair rendas informacionais do mesmo. Medidas de fidelização aumentam os custos de transferência (switching costs) criando um efeito lock in que prende o cliente ao banco.

 

Preocupado com este efeito, uma das primeiras medidas adotadas pelo Banco Central no âmbito do projeto de “Juros e Spread Bancário” foi a portabilidade das informações cadastrais (Resolução 2.808 de 21.12.2000, atual Resolução 2835 de 30.05.2001), mediante a qual as instituições financeiras estão obrigadas a fornecer a seus clientes, quando por eles solicitados, informações cadastrais dos dois últimos anos, compreendendo os dados pessoais, o histórico das operações de crédito e financiamento e o saldo médio mensal mantido em conta corrente, aplicações financeiras e demais modalidades de investimento realizadas.

 

O Banco Central entende que esta medida é importante para diminuir os custos de transferência e, desta maneira, incentivar a concorrência. Entretanto, a utilização da portabilidade de informações cadastrais pelo público tem se revelado bastante limitada. Uma possível razão para isto é o puro desconhecimento da população sobre sua disponibilidade. Assim, propõe-se como uma das medidas para incrementar a concorrência do setor, a elaboração de uma cartilha que, entre outros assuntos, cuidaria de explicar essa medida e a importância da mesma para evitar que os clientes fiquem em uma situação de lock in. A cartilha também mencionaria detalhes sobre o simulador de crédito, outra medida com o intuito de diminuir tanto os custos de busca (search costs) quanto os custos de transferência e, desta forma, incrementar a concorrência no setor bancário.

 

Uma medida adicional, que na verdade viria a adequar outra já existente, refere-se ao acesso à informação relativa aos custos dos serviços bancários. O site do Banco Central já disponibiliza informações sobre as tarifas cobradas pelos bancos para prestação dos diversos serviços. Essa medida teve como conseqüência possibilitar que os clientes comparem os custos de suas operações nos diversos bancos do sistema. Mas, como os bancos passaram a oferecer tarifas reduzidas de acordo com a cesta de serviços que o cliente opte por utilizar, reduziu-se significativamente a utilidade da medida inicial. Conviria, portanto, melhorar essa informação para que voltasse a ter utilidade em termos do fomento de concorrência, objetivo que motivou sua adoção originalmente. Isso pode ser feito de forma relativamente simples com a inclusão de informações acerca das diversas cestas de serviços que cada banco oferece, sua composição e o referido custo.

 

O Banco Central lançou, em junho de 1997, a Central de Risco de Crédito, com o objetivo inicial de atender às suas necessidades enquanto supervisor do sistema financeiro. O objetivo era o de dotar a fiscalização bancária de um instrumental que permitisse analisar com maior clareza a qualidade das carteiras de crédito dos bancos e com isso exercer com maior propriedade suas funções de supervisão e controle de risco sistêmico. Inicialmente preparada para receber informações de operações de valores acima de R$20.000,00, a Central já avançou e hoje disponibiliza informações de operações de crédito de valores acima de R$5.000,00, estabelecendo-se não só como um importante ferramental para a supervisão, mas também como um bureau de crédito para instituições financeiras. Dessa forma, já estabelecida sua importância, medidas adicionais são aqui sugeridas para que essa função – originalmente secundária – de disseminação de informações para o sistema seja fortalecida e seus efeitos sobre concorrência ampliados.

 

A primeira medida é a de completar a implementação do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central do Brasil. Este Sistema incorpora à atual Central de Risco avanços significativos em termos de detalhamento de informações, acessibilidade e agilidade. O sistema deve estar completamente implantado e em uso pelos bancos e instituições financeiras no primeiro semestre de 2004. A segunda medida se refere à orientação dos juízes quanto ao funcionamento da Central de Risco e seus benefícios para o mercado de crédito. Isso pode ser feito via confecção de um material explicativo, claro e objetivo, direcionada exclusivamente à classe. Além operacionalmente barata, essa medida permite que problemas ligados à desinformação sejam atacados e a exclusão de dados por contestação judicial – que neste ano teve aumento expressivo – sejam reduzidos.

 

Além disso, vale a pena observar que, comparativamente à maioria dos mercados emergentes, o Brasil tem um ambiente de relatórios de crédito bastante desenvolvido. Contudo, o mercado permanece fragmentado e somente uma quantidade muito limitada de dados de crédito positivos estão disponíveis nos relatórios de crédito. Por isso, seria importante uma revisão da base legal relativa a informações e relatórios de crédito. Aumentar a proteção legal do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central e dos cadastros privados de proteção ao crédito, ampliando o acesso à informação de crédito por parte das instituições financeiras e aos bancos de dados por eles administrados.

 

Desde outubro de 1999 esta equipe vem sugerindo medidas para mitigar o problema da inadimplência e da morosidade da cobrança judicial. O ambiente institucional e jurídico brasileiro não é favorável ao crédito e, principalmente, aos credores. Quem precisa fazer valer seus direitos creditórios através da Justiça enfrenta processos dispendiosos e demorados, e sujeitos ao risco de que os julgadores se afastem do que dispõem a letra da lei e a jurisprudência.

 

Entre as primeiras medidas adotadas para tentar minimizar os problemas associados à ineficiência e demora nas execuções de empréstimos, estava a criação das Cédulas de Crédito Bancário, o esclarecimento quanto à legalidade da cobrança de juros compostos (anatocismo) no sistema financeiro, a certificação de assinatura digital em contratos eletrônicos, a extensão da alienação fiduciária para bens fungíveis, assim como a compensação de pagamentos (netting). Todas estas medidas foram aprovadas mediante a utilização de Medidas Provisórias que não foram transformadas em lei. Para sua maior efetividade, conforme já destacado neste texto, seria importante a sua transformação em lei.

 

A preocupação com o componente judicial dos spreads bancários é bem documentada no texto de Armando Castelar Pinheiro no Capítulo IV deste relatório. Segundo Pinheiro, as maiores dificuldades para o mercado de crédito não estão na parte substantiva da lei, entendida pelos credores como sendo em geral adequada, mas com a legislação processual. Assim, vem se criando um consenso entre os profissionais do setor quanto à necessidade de racionalizar os processos judiciais. Reformar os Códigos de Processo para reduzir o grande número de recursos e agravos que retardam o andamento dos processos, e adotar súmulas vinculantes ou impeditivas de recurso, de forma a fazer valer a jurisprudência emanada dos tribunais superiores, estão entre as medidas simplificadoras que aquele autor sugere.

 

Outra preocupação manifestada por Pinheiro no mesmo artigo refere-se a um certo ativismo judicial, fazendo com que as decisões judiciais relativas a operações de crédito sejam percebidas como sendo em geral pró-devedor. Alguns juízes entendem ser adequado desconsiderar o estabelecido na letra da lei ou nos contratos, alinhando-se com a parte mais fraca da disputa, usualmente o devedor, contra a parte mais forte, o credor, com o intuito de promover justiça social. Ainda que essa atitude seja mais comum nos tribunais inferiores e, com freqüência, possa ser revertida mediante apelação aos tribunais superiores, ela é prejudicial à proteção do credor. Por essa razão, seria importante realizar um esforço em grande escala junto a juízes e à sociedade em geral para mostrar que as decisões que beneficiam um tomador de empréstimo em um processo específico têm repercussões amplas, que prejudicam os tomadores de empréstimos como um todo, em um nível mais abrangente.

 

Outras sugestões interessantes de serem avaliadas se referem à permissão para cobrança da parte incontroversa das disputas de crédito e a utilização dos Tribunais de Pequenas Causas para a cobrança de créditos de pequeno valor. É muito comum que devedores utilizem as ineficiências e demoras dos processos judiciais para meramente adiar o pagamento de suas obrigações. Uma das formas de fazer isso é a de questionar aspectos menores relacionados à cobrança dos encargos financeiros devidos. Normalmente é muito difícil ao devedor justificar irregularidades quanto ao principal. Assim, uma forma de dificultar essa prática seria permitir que, a critério do credor, seja segmentado o processo de cobrança de dívidas, de forma que possa o devedor executar a parcela incontroversa (em geral, o principal).

 

As instituições financeiras não costumam cobrar judicialmente os créditos de baixo valor, dado o custo e a demora desses procedimentos. Contando com a “lei dos grandes números”, as instituições financeiras embutem nessas operações encargos financeiros mais elevados, fazendo com que os bons pagadores paguem juros mais elevados por conta dos maus pagadores. Uma forma de reduzir esse spread adicional seria reduzir os custos de cobrança desses créditos, autorizando que sejam utilizados os Tribunais de Pequenas Causas.

 

Por fim, gostaríamos de destacar a importância da reforma da Lei de Falências, objeto do artigo de Araújo e Lundberg (Capítulo V deste relatório), principalmente para aumentar a segurança jurídica do crédito ao setor empresarial. Aprovada a nova legislação de falências, que aumenta a segurança das garantias reais ao crédito, seria importante também modernizar os sistemas de registro dessas garantias. A reforma da legislação sobre garantias ao crédito e os seus sistemas de registro deve objetivar um sistema mais moderno e integrado, reduzindo custos e aumentando a segurança dos usuários do sistema. O sistema garantias reais atual se caracteriza por leis esparsas e mal integradas, associadas a uma estrutura institucional deficiente, gerando incertezas com relação a bens móveis e intangíveis. A contratação e registro de garantias é cara e, na ausência de um registro nacional único, existem dificuldades de acesso a informações.

 

Tabela 1 – Sugestão de Medidas

 

Sugestão de Medidas Observações
I – Competência do Banco Central  
 

a)   Flexibilizar          os                               direcionamentos obrigatórios do crédito – Propor medidas específicas destinadas a reduzir os subsídios cruzados no crédito.

 

Hoje as instituições financeiras são obrigadas a destinar:

a)         25% de seus depósitos a vista para operações de crédito rural a taxas favorecidas;

b)         65% de suas captações em cadernetas de poupança para operações de crédito imobiliário com taxas administradas;

c)         2% de seus depósitos a vista para operações de microfinanças com taxas máximas fixadas pelo Governo.

b) Contribuição do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) – Estudar a situação do FGC avaliando a possibilidade de reduzir gradualmente as contribuições dos bancos, bem como a eventual adoção de prêmio diferenciado pelo risco da instituição. Os bancos contribuem mensalmente com 0,025% dos saldos de depósitos garantidos para compor os recursos do sistema de garantia de depósitos. Quando o FGC foi criado, em 1995, a necessidade de rápida capitalização e a dificuldade em se classificar as instituições financeiras por risco determinaram o desenho baseado em contribuição fixa e uniforme, além de uma alíquota elevada. A situação atual é outra, o Fundo está capitalizado (R$2,8 bilhões em dez/2002) e o sistema bancário sólido e saneado. O avanço no desenho institucional do FGC no sentido das melhores práticas é hoje uma possibilidade e uma necessidade, pois não só atua no sentido de reduzir os problemas de risco moral associados à adoção de seguros depósitos, como também desonera a intermediação de recursos pelos bancos.
c) Cartilha sobre portabilidade de informações cadastrais – disseminar as informações aos consumidores quanto à possibilidade de acesso a seus cadastros e com isso aumentar a concorrência. Talvez por desconhecimento, observamos que a possibilidade dos clientes dos bancos transferirem suas informações cadastrais a outra instituição financeira (Resolução 2.808, de 21.12.2000. atual Resolução 2.835, de 30.05.2001) está sendo pouco utilizada, o que reduz o alcance da medida adotada.
d) Simulador de crédito – Estimular ou induzir os bancos a terem em seu site um simulador de crédito. Um tomador de empréstimo pode não ter uma idéia clara sobre quão altas são as taxas cobradas pelo seu banco devido aos custos de busca.
e) Incorporar novas informações sobre tarifas bancárias no site do BC – Estudar a possibilidade de incluir os custos dos pacotes de tarifas dos diversos bancos, com o valor e a sua descrição. Recordar que é esse produto que os bancos vendem habitualmente, e não as tarifas individuais.
f) Implementar o novo Sistema de Informações de Crédito do Banco Central – Com os avanços significativos em termos de detalhamento de informações, acessibilidade e agilidade, a atual Central de Risco passará a estar disponível para consulta pelas instituições financeiras sob nova denominação. O sistema deve estar completamente implantado e em uso pelos bancos e instituições financeiras no primeiro semestre de 2004. Embora a motivação inicial para a criação de uma Central de Risco de Crédito pelo Banco Central esteja vinculada à sua atuação como supervisor do sistema financeiro, ela se estabeleceu também como um bureau de crédito para as instituições financeiras.

 

ga)    Material    explicativo    para    orientação sobre a Central de Risco de Crédito – Permitindo assim que os benefícios da Central de Risco fossem amplamente conhecidos e as contestações judiciais reduzidas.  
bh)    Conscientização  de  juízes  –  Realizar  um esforço em grande escala junto a juízes, e à sociedade em geral, para mostrar que as decisões que beneficiam um tomador de empréstimo específico têm repercussões amplas, que podem prejudicar os tomadores de empréstimos como um todo, em nível mais abrangente.  
ci )    Redução   de   exigências   burocráticas   – Racionalizar e gerar ganhos de eficiência que permitam reduzir o custo de crédito e portanto sobre a magnitude do spread bancário. O BC exige dos bancos e instituições financeiras um número grande de informações, algumas delas podem estar em duplicidade, ou estar se tornando pouco necessárias. Isso se configura, na composição dos custos dos bancos, como custos de observância, vinculados às exigibilidades de envio de informações ao órgão fiscalizador. Atualmente um grupo de trabalho formado pelo Banco Central e Febraban está focando este problema, revisando o fluxo de informações prestadas pelas instituições financeiras.
dj )    Revisão       na     coleta      de     dados                          sobre

operações de crédito (Circular 2.957/99).

Com a revisão na coleta de dados (Circular 2.957/99) espera-se uma redução dos custos das instituições financeiras, com ganho na qualidade das informações obtidas e prestadas ao público. Esta revisão deverá ser realizada no âmbito do grupo de trabalho BC/Febraban constituído para rever os custos de observância.
II – Competência de outras instâncias do Poder Executivo  
a) Impostos indiretos sobre a intermediação financeira – Propor alternativas visando a redução de impostos que incidem sobre o crédito (IOF) e a intermediação financeira (PIS, Cofins, CPMF, etc). Estas ações dependem fundamentalmente das condições fiscais. De qualquer forma, seria importante investigar o tratamento internacional dado a operações destinadas a segmentos com maior dificuldade de acesso a crédito, como micro e

pequenos empresários.

b) Incidência de IR/CSLL sobre provisionamento de créditos – A regulamentação tributária deveria procurar reconhecer as exigências contábeis das instituições financeiras, já que são instituições diferenciadas, sob intensa regulação e fiscalização do BC. A regulamentação do BC é mais conservadora do que a da SRF no que se refere ao reconhecimento de créditos não recebidos (inadimplência), o que faz com que as instituições financeiras recolham IR/CSLL sobre receitas/lucros que o BC não reconhece (que passam a ser registradas na contabilidade das IFs como créditos tributários, passíveis de retornarem mediante abatimento do IR/CSLL de exercícios futuros). A medida teria o impacto de estimular a oferta de crédito (já que haveria um aumento do patrimônio líquido das IFs, dado que menos capital próprio das IFs seria retido na forma de créditos tributários) e, conseqüentemente, reduzir o custo do crédito.

 

ac)    Melhorar   o   Cadastro   Informativo   dos

créditos não quitados do setor público federal – Cadin – Modernizar o Cadin, de forma a torná-lo mais amigável, no sentido de acessibilidade, e disponível para consultas fora do setor público.

 
III – Competência do Poder Legislativo  
a)   Transformação das MP em Leis:

–             criação da Cédula de Crédito Bancário (MP 2.160-25, de 23.08.2001)

–             anatocismo       (MP        2.170-36,                            de 23.08.2001)

–             certificação de assinatura digital (MP 2.200-2, de 24.08.2001)

–             alienação fiduciária (MP 2.160-25, de 23.08.2001)

–             compensação de pagamentos (netting) (MP 2.192-70, de 24.08.2001).

Entre as primeiras medidas adotadas para tentar

minimizar os problemas associados à ineficiência e demora nas execuções de empréstimos, estavam a criação das Cédulas de Crédito Bancário, o esclarecimento quanto à legalidade da cobrança de juros compostos (anatocismo) no sistema financeiro, a certificação de assinatura digital em contratos eletrônicos, a extensão da alienação fiduciária para bens fungíveis, assim como a compensação de pagamentos (netting). Todas estas medidas foram aprovadas mediante a utilização de Medidas Provisórias, e não foram transformadas em lei. Para sua maior efetividade seria importante essa transformação.

b) Revisão da base legal relativa a informações e relatórios de crédito – Aumentar a proteção legal do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central e dos cadastros privados de proteção ao crédito. Comparativamente    à     maioria     dos     mercados

emergentes, o Brasil tem um ambiente de relatórios de crédito bastante desenvolvido. No entanto, ainda existem dificuldades legais com o acesso a informações de crédito, em especial as de caráter positivo.

c) Racionalização dos processos judiciais

Reformar os Códigos de Processo para reduzir o grande número de recursos e agravos que retardam o andamento dos processos, e adotar súmulas vinculantes ou impeditivas de recurso, de forma a fazer valer a jurisprudência emanada dos tribunais superiores, entre outras medidas simplificadoras.

 
db)    Separação juros/principal – Permitir que, a critério do credor, seja segmentado o

processo de cobrança de dívidas, de forma que possa o devedor executar a parcela incontroversa de dívidas (em geral, o principal).

É muito comum que devedores utilizem as ineficiências e demoras dos processos judiciais para

meramente adiar o pagamento de suas obrigações. Uma das formas de fazer isso é a de questionar aspectos menores relacionados à cobrança dos encargos financeiros devidos. Normalmente é muito difícil ao devedor justificar irregularidades quanto ao principal.

 

ea)    Incluir   litígios   sobre   créditos   de   baixo valor nos Tribunais de Pequenas Causas – Permitir que as instituições financeiras utilizem esses tribunais para a cobrança de créditos de pequeno valor. As instituições financeiras não costumam cobrar judicialmente os créditos de baixo valor, dado o custo e a demora desses procedimentos. Contando com a “lei dos grandes números”, as instituições financeiras embutem nessas operações encargos financeiros mais altos, fazendo com que os bons pagadores paguem juros mais elevados por conta dos maus pagadores. Uma forma de reduzir esse spread adicional seria reduzir os custos de cobrança desses créditos, autorizando que sejam utilizados os Tribunais de Pequenas Causas.
bf )    Reforma da Lei de Falências – Aprovar no Senado Federal o PL 4.376/93 (Projeto Biolchi) e reformar dispositivos do Código Tributário Nacional (CTN). O PL 4.376/93 (Projeto Biolchi) e uma reforma de dispositivos do Código Tributário Nacional (CTN) foram aprovados pela Câmara dos Deputados em 15.10.2003.
gc)    Modernizar   os   sistemas   de   registro   de garantias ao crédito – Reformar a legislação sobre garantias ao crédito e os seus sistemas de registro, de forma a possibilitar um sistema mais moderno e integrado, reduzindo custos e aumentando a segurança dos usuários do sistema. O sistema atual de garantias reais é caracterizado por leis esparsas e mal integradas, associadas a uma estrutura institucional deficiente, gerando incertezas com relação a bens móveis e intangíveis. A contratação e registro de garantias é cara e, na ausência de um registro nacional único, existem dificuldades de acesso a informações.
hd)    Empréstimos  com  consignação  em  folha de pagamento – Transformação em lei da MP 130, de 17.9.2003, A MP já foi aprovada na Câmara e no Senado (20.11.2003), faltando apenas a sanção do Presidente da República.

 

  • – O Componente Judicial dos Spreads Bancários

Armando Castelar Pinheiro*

 

  • Introdução

A reforma dos sistemas financeiros está entre as que mais avançaram na América Latina (Lora, 2001). Não obstante esse progresso, os países da região continuam a apresentar baixos níveis de intermediação financeira, incluindo baixos volumes de crédito para o setor privado que, como proporção do PIB, estão muito abaixo do observado em países da OECD (Beck 2000). Não surpreende, portanto, que as companhias latino americanas considerem a dificuldade de acesso aos mercados financeiros o maior obstáculo à expansão de suas atividades empresariais, à frente de outros fatores como instabilidade macroeconômica, impostos e violência urbana (Galindo, 2001).

 

Existem duas explicações complementares para o baixo volume de crédito prevalecente na América Latina. Uma enfatiza a instabilidade macroeconômica e os elevados déficits públicos tradicionalmente observados na região (Padilla e Requejo, 2000; Galindo e Micco, 2001). A outra explicação atribui o baixo volume de crédito à falta de proteção dos direitos dos credores e aos direitos de propriedade e regra da lei (“rule of law”) em geral, aspectos que também caracterizam bem a América Latina (La Porta, Lopez-de- Silanes, Shleifer e Vishny, 1998; Beck, 2000; Galindo e Micco, 2001).

 

O Brasil ilustra bem tanto as significativas mudanças experimentadas pelo setor financeiro desde meados dos anos 90 – controle da inflação, privatização de bancos públicos, abertura à entrada de instituições financeiras estrangeiras, melhoria da supervisão e regulação do setor financeiro etc. – como a falta de impacto dessas reformas sobre o volume de crédito. Uma explicação central para esses baixos volumes de crédito é o alto spread cobrado pelos bancos – em 2002, os spreads em operações com pessoas físicas e jurídicas ficaram em, respectivamente, 51,4% e 14,5%. De fato, os spreads bancários no Brasil estão entre os mais altos na América Latina e atingem múltiplos daqueles observados em países desenvolvidos (Afanasieff, Lhacer e Nakane, 2001).

 

Com discutido, entre outros, por Aith (2000), Pinheiro e Cabral (2001) e Laeven e Majoni (2003), a ineficiência judicial – envolvendo a morosidade das decisões, o custo de uso da Justiça e o risco embutido na falta de imparcialidade e previsibilidade – é uma causa importante desses altos spreads. Aith estima que de 10% a 30% do spread bancário no Brasil se deve à ineficiência do judiciário. Pinheiro e Cabral mostram que, controlando para o efeito da legislação e de diferenças de renda per capita, obtém-se que a qualidade do judiciário afeta significativamente a quantidade de crédito bancário na economia, medida pela razão crédito/PIB. Laeven e Majnoni mostram que, controlando para um conjunto de características de diferentes países, a eficiência do judiciário é, junto com a inflação, o principal determinante das diferenças de spreads de juros entre os 106 países analisados.

 

  • O Judiciário e a Proteção aos Direitos dos Credores

No Brasil, a morosidade do judiciário é percebida como o principal problema na cobrança judicial de empréstimos inadimplentes. A mesma avaliação é observada em relação ao funcionamento da justiça em geral. Pesquisa com empresários mostrou que 91,0% deles pensam que o judiciário tem um desempenho ruim ou péssimo em relação à sua agilidade (Pinheiro, 2000). Uma outra pesquisa mostrou que 45,3% dos magistrados brasileiros são da mesma opinião (Pinheiro, 2001).

  • Economista do IPEA e professor do IE/UFRJ. O autor agradece os comentários e sugestões de Jairo As opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente do autor e não refletem necessariamente a visão do Banco Central do Brasil.

 

A morosidade da justiça prejudica os mercados de crédito de três formas diferentes. Primeiro, ela torna a perspectiva de uma ação na justiça muito menos ameaçadora do ponto de vista do devedor. De fato, alguns bancos argumentam que há devedores que preferem que a execução da dívida seja feita na justiça, pois eles sabem que isso irá alongar o prazo para pagamento. Mesmo para pequenos devedores, a perspectiva de cobrança judicial de uma dívida é menos ameaçadora do que sua inclusão em um dos cadastros negativos regularmente consultados por credores e comerciantes. Ou seja, os bancos acreditam que, para empréstimos no mercado de varejo, cadastros negativos com a Serasa e o SPC são mais efetivos em garantir o pagamento de dívidas do que os tribunais.

 

Segundo, a morosidade reduz significativamente o valor das garantias como proteção contra a inadimplência e, mais geralmente, diminui a relevância da propriedade de ativos como uma garantia implícita para os credores. Desta forma, ainda que normalmente os bancos venham ao final vencer uma ação de cobrança judicial, quando isso ocorre freqüentemente não existem ativos para serem executados e para permitir a recuperação do crédito – durante o processo o devedor comumente abandona as garantias, que tendem a depreciar-se rapidamente. Além disso, em muitos casos, quando uma decisão é finalmente alcançada, o banco é incapaz de tomar a garantia ou os ativos do devedor, em função da preferência de que goza o fisco – quando o banco leva os ativos do devedor a hasta pública, o fisco comparece e fica com o resultado do leilão.

 

“Exija um colateral igual a 3 vezes o valor do empréstimo, que depois da decisão judicial a garantia vale muito menos do que a dívida.” Esta afirmação, feita pelo gerente de um banco, expressa a visão de que as garantias reais são freqüentemente insuficientes ex-post, independentemente de quão significantes elas pareçam ex-ante. No mínimo, o valor do colateral não acompanha o valor da dívida, em parte como conseqüência do acúmulo de juros e multas por atraso. E também há casos em que as garantias simplesmente desaparecem enquanto o caso está sendo julgado, ou em que os devedores vendem ou transferem a propriedade dos ativos dados como colateral ou listados para a penhora. Ainda que essas operações possam ser revertidas na justiça, e sujeitem o infrator a penalidades, elas alongam ainda mais a duração do processo judicial.

 

Desta forma, os ativos dados em garantia a um empréstimo, ainda que um aspecto positivo do ponto de vista do credor, são vistos principalmente como um instrumento de pressão sobre o devedor quando da execução das garantias: “Quando o credor finalmente consegue retomar a garantia, ela já está tremendamente depreciada. A garantia entra na negociação, mas ela não tem uma utilidade prática como tal. Ela é mais uma coisa teórica”, argumenta o diretor de um banco consultado. A exceção é o caso dos automóveis, em que a retomada do veículo, baseada no instrumento da alienação fiduciária, é mais ágil e eficaz. Isto se reflete em spreads mais baixos para o financiamento de automóveis do que de outros tipos de bens: em 2002, o spread de juros para o financiamento da aquisição de veículos foi de 20,1%, contra 47,0% para o financiamento à aquisição de outros bens, 62,8% para o crédito pessoal, 140,9% para o cheque especial e 31,0% para o desconto de duplicatas.

 

Terceiro, a falta de agilidade cria incentivos para que os devedores usem o judiciário como uma forma de postergar o pagamento de suas dívidas. Na pesquisa supracitada com magistrados, estes foram perguntados sobre a freqüência com que indivíduos, firmas e grupos de interesse recorriam ao judiciário não para reclamar um direito, mas para adiar o cumprimento de uma obrigação, explorando a morosidade da justiça em decidir e fazer valer suas decisões. Como ilustrado na Tabela 1, os magistrados consideram esta uma prática freqüente em casos que envolvam operações de crédito, que ficam atrás apenas dos casos que envolvem questões tributárias, e à frente de casos de inquilinato, transações comerciais e conflitos trabalhistas.

 

Tabela 1

Freqüência com que Diferentes Partes Privadas Recorrem à Justiça para Postergar o Cumprimento de Obrigações, por Área do Direito

 

Área do Direito

Muito

freqüente

Algo

freqüente

Pouco

freqüente

Nunca ou

quase nunca

Não sabe /

Sem opinião

Não

Respondeu

Tributária 45.4 25.7 8.7 1.8 12.5 5.9
Mercado de Crédito 32.7 27.5 13.8 3.8 15.9 6.3
Trabalhista 25.4 18.6 20.0 18.8 12 5.3
Comercial 24.8 34.5 16.5 3.1 14.2 6.9
Inquilinato 20.2 30.8 22.4 8.0 11.7 6.9
Direitos do Consumidor 8.6 17.5 33.5 21.3 13.4 5.7
Meio Ambiente 8.1 17.9 29.8 20.0 17.9 6.2
Propriedade Intelectual 8.1 17.5 29.3 9.2 27.8 8.1

Fonte: Pinheiro (2001).

Nota: A questão colocada foi: “Afirma-se que muitas pessoas, empresas e grupos de interesse recorrem à justiça não para reclamar os seus direitos, mas para explorar a morosidade do Judiciário. Na sua opinião, em que tipos de causas essa prática é mais freqüente?”

 

A proteção legal concedida aos credores no Brasil é baseada em leis similares às que regulamentam o mercado de crédito em outros países latino americanos e europeus, que também adotam o assim chamado sistema francês de civil law. Entrevistas com bancos mostraram que apesar de críticas a alguns aspectos dessa legislação substantiva – como por exemplo a lei das falências, a questão do anatocismo, etc. – eles a avaliam de forma relativamente positiva, na medida em que ela estabelece claramente como os contratos devem ser redigidos, como constituir garantias, que tipos de procedimentos seguir, o papel dos juízes em cada passo de um processo de recuperação de empréstimo etc. É a legislação processual, percebida como muito favorável aos devedores, e especialmente a sua aplicação pelo judiciário, que eles responsabilizam pela fraca proteção ao credor no Brasil.

 

Em particular, os complexos procedimentos legais que regulam a cobrança judicial de empréstimos são percebidos como a principal causa para a sua morosidade, ao permitir várias formas para se adiar uma decisão. Os problemas com a legislação processual não são exclusivos das cobranças judiciais de empréstimos, nem tampouco suas conseqüências em termos de morosidade. Assim, os magistrados entrevistados por Pinheiro (2001) apontam que, em relação à morosidade, os principais problemas com o vigente ordenamento jurídico brasileiro são que este permite muitas formas para se adiar uma decisão, e que há um número excessivo de instâncias a que se pode recorrer em cada caso. Quase 80% dos magistrados consideram essas causas muito importantes da morosidade, com outros 15% considerando- as um problema relevante (Tabela 2).

 

Tabela 2

Importância dos Problemas no Ordenamento Jurídico Cível

como Causas da Morosidade da Justiça no Brasil na Opinião dos Magistrados

  Muito relevante Relevante Pouco relevante Sem nenhuma

relevância

Não sabe / Sem

opinião

Não Res- pondeu
Legislação substantiva:            
Instabilidade 28,1 31,7 26,3 6,5 3,0 4,5
Anacronismo 28,3 38,3 20,5 5,3 2,7 4,9
Existência de contradições 16,9 31,8 33,6 10,0 2,7 5,0
Inadequação 24,2 38,1 23,9 6,3 3,1 4,5
Legislação processual:            
Muitas possibilidades de protelar

decisões

 

78,0

 

14,2

 

2,7

 

0,3

 

0,8

 

4,0

Possibilidade de recurso a um

número excessivo de instâncias

 

76,5

 

15,1

 

3,5

 

0,4

 

0,8

 

3,6

Fonte: Pinheiro (2001).

Nota: A questão colocada para os juízes lia: “Com relação ao vigente ordenamento jurídico cível, o que lhe parece relevante para explicar a morosidade da justiça?”

 

O custo da cobrança judicial é outro problema. Um advogado de fora do banco cobra entre 10% e 20% do valor recuperado, mais o reembolso de despesas, enquanto os advogados do próprio banco recebem um pagamento que varia de 3% a 20% do valor recuperado, dependendo do estágio do processo em que o empréstimo é recuperado. Em São Paulo, a parte que inicia o processo tem de pagar custas judiciais de 1% do valor em questão, mais 1% quando se dá o recurso a uma instância superior, mais 1% para a ação de execução.12 Os credores têm de pagar também para registrar documentos, para que o oficial de justiça notifique o devedor e/ou liste os bens para penhora etc. Usualmente, apenas em casos em que o credor tem advogados trabalhando dentro da empresa e o empréstimo supera um certo patamar compensa fazer uma cobrança judicial. Para um pequeno empréstimo, em geral não compensa recorrer à justiça para tentar recuperá-lo.

 

No caso da maioria dos empréstimos em que a cobrança judicial não é necessária (empréstimos sem garantias de no máximo R$ 30.000), os bancos usualmente fazem uma primeira tentativa direta de recuperação e, se mal sucedidos, transferem o caso a uma empresa de cobranças. Este é o caso da maior parte das operações de varejo (por exemplo, cheque especial, crédito ao consumidor, empréstimos pessoais etc.). As empresas de cobrança cobram uma taxa de sucesso entre 5% e 10% do valor eventualmente recuperado, usualmente muito menos que o custo de uma ação judicial, particularmente no caso de pequenos empréstimos. Esta estratégia também é preferida porque os devedores que contratam pequenos empréstimos geralmente não têm bens passíveis de execução, de forma que ao fim e ao cabo o banco pode não ter meios de recuperar seu crédito, mesmo que vitorioso na justiça.

 

Por fim, os credores argumentam que um judiciário majoritariamente favorável aos devedores é outra razão do enfraquecimento dos direitos dos credores estabelecidos em lei. Esta posição vai além da insatisfação que se esperaria de uma das partes que se vê de um lado da disputa. Ao contrário, este suposto viés é atribuído à tendência dos juízes de usar sua posição na busca da redistribuição de renda e ativos.

 

Uma visão que freqüentemente se argumenta ser adotada pelos magistrados é a de que o judiciário não aplica a lei, mas guia suas decisões pelo objetivo de “justiça social”. Pinheiro (2001) analisa este comportamento, chamando-o de “politização” das decisões judiciais. Estendendo-se para além dos mercados de crédito, este tipo de comportamento freqüentemente reflete uma intenção de favorecer grupos sociais e/ ou econômicos mais fracos, como trabalhadores e pequenos devedores, ou simplesmente as inclinações políticas do magistrado em relação ao conflito em questão.

 

De acordo com a maior parte dos 741 magistrados que participaram da pesquisa de Pinheiro (2001), a “politização” das decisões judiciais, ainda que uma realidade na justiça brasileira, ocorre apenas ocasionalmente. Ainda assim, um quinto deles vê este tipo de comportamento como freqüente (Tabela 3). Ainda que na ausência de benchmarks internacionais seja difícil avaliar se estas são proporções altas ou baixas, elas são altas o suficiente para que a “politização” das decisões judiciais possa ser considerada um fator importante para explicar porque em alguns casos juizes diferentes chegam a distintas decisões sobre casos muito semelhantes ou mesmo iguais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12 Para disputas envolvendo valores acima de 1500 salários mínimos, a taxa marginal para os valores acima desse total cai para 0,5%.

 

Tabela 3

Freqüência com que as Decisões Judiciais Refletem a Visão Política dos Magistrados (%)

Muito freqüentemente 3,9
Freqüentemente 20,2
Ocasionalmente 50,2
Raramente 20,0
Nunca 1,9
Não sabe / Sem opinião 1,6
Não respondeu 2,2

Fonte: Pinheiro (2001).

Nota: A questão colocada para os juízes foi: “No sentido oposto, argumenta-se que também o Judiciário se “politizou” muito nos últimos anos, o que faz com que por vezes as decisões sejam baseadas mais nas visões políticas do juiz do que em uma leitura rigorosa da lei. Na sua opinião, com que freqüência isso ocorre?”

Perguntados sobre quão freqüentemente a politização – definida como a tendência às decisões judiciais refletirem mais as visões políticas dos juízes do que uma leitura rigorosa da lei – tendia a ocorrer em certos tipos de causas, os juízes indicaram que a privatização é a área que tende a ser mais influenciada pela visão política dos juízes: de acordo com 25% dos entrevistados, nesses casos a “politização” das decisões é muito freqüente, enquanto 31% disseram ser algo freqüente (Tabela 4). A comparação relevante, para os fins deste texto, é a grande diferença entre casos nas áreas comercial e de mercado de crédito: de acordo com os magistrados, a politização é (significativamente) mais freqüente em decisões relativas a litígios no mercado de crédito do que nos relativos a operações comerciais.

Tabela 4

Freqüência da “Politização” das Decisões Judiciais por Tipo de Causa

  Muito freqüente Algo freqüente Pouco freqüente Nunca ou quase

nunca

Não sabe / Sem

opinião

Não Respondeu
Privatização 25,0 31,4 17,5 5,5 11,9 8,6
Regulação de serviços públicos * 17,9 32,5 20,9 7,4 13,0 8,2
Meio ambiente 17,1 28,2 22,1 10,9 12,4 9,2
Trabalhista 17,0 28,1 25,9 12,0 10,7 6,3
Previdência social 14,7 31,3 27,1 9,6 9,3 8,0
Direitos de consumidor 12,0 29,6 25,8 13,4 10,9 8,4
Mercado de crédito (e.g., juros) 12,0 27,4 26,9 10,3 14,6 8,9
Tributária 10,5 28,1 34,3 9,9 9,2 8,1
Inquilinato 4,9 15,2 35,1 22,7 12,8 9,3
Comercial 3,2 14,4 43,6 16,7 12,6 9,5
Propriedade intelectual 1,9 10,5 35,1 20,1 22,7 9,7

Fonte: Pinheiro (2001).

Nota (*)Inclui a regulação pelo setor público de setores como eletricidade, telecomunicações, rodovias, ferrovias, portos, água e saneamento. A questão colocada para os juízes foi: “Em sua opinião, em que tipos de causas essa tendência a que as decisões sejam baseadas mais nas visões políticas do juiz do que na leitura rigorosa da lei é mais freqüente?”

 

A “politização” das decisões judiciais pode resultar, como observado acima, da tentativa do juiz de proteger certos grupos sociais percebidos como sendo mais fracos do que a outra parte no litígio. Os juízes freqüentemente descrevem este comportamento como um papel social que o juiz tem a cumprir. Este tema foi explorado na pesquisa com os magistrados quando se perguntou a estes se, confrontados com a necessidade de optar entre duas posições extremas – uma (A) sempre respeitar os contratos, independentemente de suas repercussões sociais, e a outra (B) decidir de uma forma que viole os contratos, na busca de justiça social –, por qual das duas alternativas eles optariam. A grande maioria dos magistrados (73,1%) respondeu que optaria pela segunda alternativa (Tabela 5).

 

Tabela 5

Opção entre Garantir Cumprimento de Contratos e Busca da Justiça Social

– Ponto de Vista dos Magistrados

  %
Concorda mais com a primeira (A) 19,7
Concorda mais com a segunda (B) 73,1
Não sabe / Sem opinião 2,8
Não respondeu 4,3

Fonte: Pinheiro (2001).

 

 

Nota: A questão colocada para os juízes foi: “Na aplicação da lei, existe freqüentemente uma tensão entre contratos, que precisam ser observados, e os interesses de segmentos sociais menos privilegiados, que precisam ser atendidos. Considerando o conflito que surge nesses casos entre esses dois objetivos, duas posições opostas têm sido defendidas: A. Os contratos devem ser sempre respeitados, independentemente de suas repercussões sociais; B. O juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos. Com qual das duas posições o(a) senhor(a) concorda mais?”

 

Esta posição majoritária da magistratura conflita claramente com a lógica básica que sustenta o contrato e o papel do judiciário em fazê-lo valer. No mínimo, ela implica adicionar outra fonte de incerteza a qualquer transação baseada em um contrato. No limite, ela implica que agentes econômicos racionais podem optar por não participar de contratos com partes que sejam percebidas como sendo mais favorecidas do que eles pela justiça, a menos que haja outros mecanismos de estímulo ao cumprimento do contrato (por exemplo, a perspectiva de um novo contrato) e o risco do oportunismo não penalizado pelo judiciário seja embutido nos preços. Esta é uma explicação de porque há tão pouco crédito imobiliário voluntário para famílias pobres.

 

A proporção de magistrados que favorecem a alternativa B (“o juiz tem papel social a cumprir, e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos”) na questão acima apresentada também varia de acordo com a área do direito a que o caso se refere, sendo mais alta em litígios que envolvem o meio ambiente, direitos do consumidor, regulação de serviços públicos, questões trabalhistas e de previdência social (Tabela 6). Por outro lado, os magistrados são inclinados a favorecer a opção A (“os contratos devem ser sempre respeitados, independentemente de suas repercussões sociais”) quando o litígio envolve questões comerciais, de crédito e inquilinato. Note-se que esse é essencialmente o mesmo padrão observado na Tabela 4 para a freqüência com que os juizes identificam as decisões judiciais como sendo “politizadas”. O que parece relevante para a análise específica deste texto é a proporção muito mais alta de juizes que se inclinam pela posição B em disputas envolvendo transações de crédito do que nos casos que envolvem transações comerciais em geral.

 

Tabela 6

Distribuição das Opções entre Cumprimento de Contratos e Busca de Justiça Social por Área do Direito

  Deve

sempre prevalecer a posição A

Em geral

deve prevalecer a posição A

As duas

posições têm igual chance de

prevalecer

Em geral

deve prevalecer a posição B

A posição B

deve sempre prevalecer

Não sabe /

Sem opinião

Não Res-

pondeu

Meio ambiente 8.2 8.0 15.5 36.8 18.8 6.3 6.3
Direitos de consumidor 6.7 9.9 18.4 41.2 14.2 4.2 5.5
Regulação de serviços públicos 11.6 15.0 26.9 23.1 10.3 7.4 5.8
Previdência social 10.0 14.0 21.1 32.5 9.6 6.5 6.3
Trabalhista 9.2 11.1 23.8 37.8 8.0 4.7 5.5
Mercado de crédito 13.5 24.7 23.8 17.3 6.2 8.6 5.9
Inquilinato 13.0 26.5 27.4 18.8 3.9 4.7 5.8
Comercial 16.9 32.8 25.0 10.5 2.7 5.7 6.5

Fonte: Pinheiro (2001).

Nota: A questão colocada para os juízes foi: “Em que tipos de causas, em sua opinião, deve prevalecer a posição A (contratos devem ser sempre respeitados) ou a posição B (a busca da justiça social às vezes justifica decisões que violem os contratos)?”

 

Os contratos são freqüentemente uma forma de alocar riscos ex-ante, e a incerteza sobre se esta alocação será respeitada ex-post reduz enormemente a utilidade dos contratos. Este é o caso, em particular, do setor financeiro. Como observado por Stiglitz (1994, p. 23), “enforcing contracts; transferring, sharing and pooling risks; and recording transactions, [are] activities that make them [financial markets] the ‘brain’ of the entire economic system, the central locus of decision making.” Neste sentido, se os juizes reinterpretam os termos dos contratos de crédito dependendo do resultado efetivo dos eventos explicita ou implicitamente considerados no contrato, estes podem perder sua utilidade.

 

Considere-se, por exemplo, o caso dos contratos de leasing com correção cambial existentes antes da desvalorização do real em 1999. Porque eles transferiam o risco da desvalorização do banco para o devedor, sobre eles incidia uma menor taxa de juros, o que os fazia atraentes para os devedores. Mas era evidente que a diferença entre os juros pagos em contratos indexados ao câmbio e aqueles (bem mais altos) de contratos corrigidos pela inflação era um prêmio que o devedor estava recebendo por assumir o risco da desvalorização. Quando ocorreu a desvalorização, porém, os contratos com correção cambial se mostraram mais caros, e o judiciário decidiu que os devedores poderiam pagar seus empréstimos com a (muito mais baixa) correção pela inflação, a despeito de os bancos terem de pagar aos credores externos com correção cambial. Ou seja, o judiciário redistribuiu ex-post as responsabilidades das partes em diferentes estados da natureza, anulando “unilateralmente” a distribuição de responsabilidades acertada contratualmente pelas partes na hora da contratação.

 

Alguns bancos vêem esta tendência dos magistrados verem seu papel como sendo o de promover a justiça social, em lugar de fazer respeitar as leis e os contratos, como um problema crítico do judiciário. Mesmo que este posicionamento seja mais comum na primeira do que na segunda instância, e em algumas jurisdições do que em outras, e que elas possam ser revertidas apelando para os tribunais superiores, ele pode enfraquecer significativamente a proteção aos direitos dos credores. Para apelar aos tribunais superiores os credores têm de gastar com advogados, custas judiciais etc., e esperar um tempo por vezes longo até que uma decisão seja tomada, deixando o seu capital paralisado nesse período e ficando vulnerável a variados tipos de questionamentos pelos devedores. No final, o banco pode vencer o litígio na justiça, mas perder em vez de ganhar dinheiro com isso.

 

Este tipo de ativismo judicial baseia-se em grande medida nos amplos direitos sociais e individuais inscritos na constituição, dos quais os juízes podem derivar argumentos para decidir em contrário ao estipulado na legislação específica sobre um determinado assunto. Isto e a estrutura monocrática do judiciário brasileiro dão aos juízes grande flexibilidade na aplicação da lei. Assim, a jurisprudência e os padrões de decisão dos magistrados podem ser tão ou mais importantes do que a própria lei. É freqüente, portanto, que quando uma nova legislação é aprovada para “clarificar” certos aspectos da legislação ou mudar a forma que os juízes tendem a decidir, os bancos optem por esperar que um número grande o suficiente de decisões estabeleça a interpretação dos magistrados sobre essa questão antes de estruturarem operações baseadas nessa nova legislação. Um exemplo desta atitude é a lei que criou o Sistema Financeiro Imobiliário, estendendo o uso da alienação fiduciária para o financiamento imobiliário.

 

A incerteza na aplicação dos contratos introduzida pela imprevisibilidade das decisões judiciais tem outras causas além da politização. Na pesquisa de Pinheiro (2001), vários aspectos da forma em que o judiciário opera foram apontados pelos magistrados como contribuindo de forma relevante para reduzir a previsibilidade das decisões judiciais. São dignos de nota entre estes as deficiências do ordenamento legal e jurídico, também percebidos como causas importantes da morosidade judicial, o recurso freqüente a medidas liminares e a tendência a que as decisões sejam baseadas em detalhes processuais. Estes dois últimos são fatores que se relacionam a um problema levantado por vários magistrados entrevistados, qual seja, que é comum que as decisões judiciais nunca cheguem a considerar o mérito do caso em si.

 

Outras características da forma como o judiciário opera também têm influência sobre o desempenho do mercado de crédito. Primeiro, há diferenças importantes na forma em que o judiciário opera nos vários estados, e mesmo dentro de um mesmo estado a qualidade do judiciário pode variar de uma jurisdição para outra. Segundo, o judiciário, como qualquer outra instituição, não está livre de problemas de corrupção e influência política, que são percebidas como mais prováveis de ocorrer em certos estados do que em outros, e têm o sistema financeiro como um alvo freqüente (ver Aith 2000).

 

Terceiro, o desempenho do judiciário poderia ser significativamente melhorado com reformas de gestão, organização e aperfeiçoamento em certas áreas. De um lado, o conhecimento dos magistrados sobre como o mercados financeiro funciona poderia ser ampliado, levando provavelmente a uma redução da incerteza. De outro lado, o judiciário (e os cartórios judiciais, em particular) necessitam ser tecnologicamente atualizados, de forma que os credores possam obter informação de forma rápida e confiável – o mesmo vale para os vários registros públicos e juntas comercias utilizados pelos credores para checar sobre a idoneidade e a capacidade de pagamento dos potenciais tomadores de empréstimos. Na ausência desse acesso rápido, confiável e à distância, os credores incorrem um custo elevado para avaliar se podem ou não operar com um determinado cliente.

 

  • Observações Finais

Este texto chamou a atenção para duas questões principais relativas à proteção legal e judicial dos credores no Brasil. Primeiro, enquanto a legislação substantiva não difere muito da encontrada em outros países da tradição do civil law francês, e é percebida pelos credores como sendo em geral adequada, existe uma ampla concordância de que a legislação processual é problemática, permitindo muitas formas de devedores mal intencionados postergarem uma decisão e sua aplicação. Os problemas com a legislação processual são provavelmente a principal causa da morosidade da cobrança judicial de dívidas, que os bancos entendem ser o principal problema do judiciário brasileiro. Estes problemas não são, porém, exclusivos de disputas envolvendo operações de crédito, existindo um quase consenso entre os magistrados brasileiros de que a morosidade da justiça pode diminuir significativamente com uma melhora dessa legislação.

 

Segundo, as decisões judiciais em disputas envolvendo operações de crédito são percebidas como sendo em geral pró-devedor. Esta atitude freqüentemente reflete um certo ativismo judicial, com alguns juízes desconsiderando o estabelecido na lei ou nos contratos para promover a “justiça social”, se alinhando com a parte mais fraca na disputa, usualmente o devedor, contra a parte mais forte, o credor. Isso faz com que a jurisprudência e os padrões de comportamento do judiciário desempenhem um papel tão importante quanto a lei na regulação das disputas envolvendo questões creditícias. As interpretações judiciais sobre juros capitalizados (anatocismo), a liquidez e a certeza de certos títulos de crédito, e a possibilidade de execução de certos tipos de garantias são exemplos de situações desse tipo. Os credores usualmente preferem não utilizar determinadas legislações até que esse corpo de jurisprudência esteja formado. Isto ajuda a explicar, por exemplo, porque a alienação fiduciária de veículos é tão bem aceita no financiamento de automóveis, enquanto no financiamento de imóveis não teve o impacto esperado.

 

Isto sugere que a área mais promissora de reforma no curto prazo para agilizar o judiciário é mudar o Código de Processo, uma iniciativa que provavelmente será apoiada pela magistratura. Uma medida complementar poderia ser a abertura dos Juizados Especiais para a cobrança judicial de pequenos empréstimos. Já as iniciativas voltadas para mudar a legislação substantiva para fortalecer os direitos dos credores, limitando o escopo para o ativismo judicial, podem ter resultados modestos, se perseguidas sem um esforço complementar de trabalhar com os magistrados e a sociedade em geral para mostrar que decisões que beneficiam um devedor específico em uma determinada situação podem ter repercussões mais amplas que prejudiquem a população de devedores. Vale dizer, é preciso reconhecer que o ativismo judicial não é o resultado de uma legislação substantiva inadequada. Pelo contrário, ele é o resultado de um processo político

 

que tem transferido para o judiciário a solução de conflitos políticos e sociais. E, como um processo político, precisa ser tratado também na arena política, através da constituição de grupos de apoio à aplicação rigorosa da legislação e dos contratos.

 

Neste sentido, é importante esclarecer e educar os atuais e futuros juízes a respeito do conteúdo econômico das causas em que estão envolvidos, as razões econômicas de algumas cláusulas aparentemente desbalanceadas e as conseqüências macroeconômicas de suas decisões, ocorridas a partir da adaptação dos agentes ao padrão de comportamento dos magistrados. Isso pode ser feito nas faculdades de direito e nas Escolas da Magistratura, mas também pelas empresas na defesa da suas causas, quando apresentadas ao judiciário.

 

Finalmente, é preciso não sobre-estimar a importância dos fatores legais e judiciais na explicação dos altos spreads bancários e do baixo volume de crédito no Brasil. A instabilidade macroeconômica, a elevada dívida pública, os impostos etc. também têm uma influência determinante na estrutura do mercado de crédito brasileiro. Entre outras coisas, porque juros altos são uma causa importante do ativismo judicial.

 

Referências

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Galindo, A., “Creditor Rights and the Credit Market: Where do We Stand?”, Working Paper, n.

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Laeven, L. e G. Majoni, “Does Judicial Efficiency Lower the Cost of Credit?”, World Bank Policy Research Working Paper, n.3159, Banco Mundial, 2003.

 

La Porta, R., F. Lopez-de-Silanes, A. Shleifer e R. Vishny, “Law and Finance”, Journal of Political Economy, vol. 106, n.6, 1998.

 

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Padilla, A. e A. Requejo, “The Costs and benefits of the Strict Protection of Creditor Rights: Theory and Evidence”, Working Paper, n.384, Inter-American Development Bank, 2000.

Pinheiro, A. C. (org.), “Judiciário e Economia no Brasil”, Editora Sumaré, São Paulo, 2000. Pinheiro, A. C. e C. Cabral, “Credit Markets in Brazil: The Role of the Judiciary and Other

Institutions”, in M. Pagano (ed), Defusing Default: Incentives and Institutions, IDB, 2001.

 

Pinheiro, A. C., “Judges’ View on the Judiciary and Economics”, paper presented at the seminar Reforma do Judiciário: Problemas, Desafios e Perspectivas, IDESP, São Paulo, April 27, 2001.

 

Stiglitz, J. E., “The role of the state in financial markets”. Proceedings of the World Bank Annual Conference on Development Economics 1993: 351-366, 1994.

 

  • – A Nova Lei de Falências – Uma Avaliação

Aloísio Araújo* Eduardo Lundberg*

 

Após mais de dez anos de tramitação, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no último dia 15 de outubro, o Projeto de Lei 4.376/93 que substitui a atual Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661, de 21.06.1945). Na mesma ocasião, a Câmara aprovou também uma reforma pontual do Código Tributário Nacional (CTN), contemplando alguns dispositivos relacionados à falência e recuperação de empresas. Estas reformas na legislação de falência, antes de entrar em vigor, terão que ser aprovadas pelo Senado Federal.

 

O objetivo deste texto é o ressaltar a importância da reforma de nossa legislação de falências e de recuperação de empresas, avaliando as principais mudanças trazidas com o Projeto Biolchi (PL 4.376/93) e a reforma do Código Tributário.

 

A primeira parte deste trabalho procura justificar, do ponto de vista econômico, a importância da reforma do nosso sistema falimentar, enquanto a segunda trata das modificações trazidas nos processos de falência e recuperação de empresas com a nova legislação recentemente aprovada na Câmara de Deputados (Lei de Falências e alterações no Código Tributário). A terceira parte aborda as modificações ocorridas nas prioridades concedidas às garantias reais na falência e sua relação com o crédito, riscos e juros bancários, enquanto a quarta e última contempla as principais conclusões.

 

  • A Importância Econômica da Lei de Falências

Vários autores, desde Gurley e Shaw, têm apontado para a importância não só da taxa de poupança como também para o tamanho da intermediação financeira para o desenvolvimento econômico. Recentemente La Porta et al. também atribuem importância ao crédito, mas têm dado uma explicação para o mesmo em termos da proteção dos credores e em particular para a tradição legislativa dos diversos países. Os países de tradição inglesa, baseados no common law tendem a dar mais proteção aos credores do que os países de tradição românica ou baseados no código napoleônico.

 

A importância das leis de falência para o crescimento econômico também está realçada em um trabalho recente de Bergoing, Kehoe, Kehoe e Soto. Neste trabalho, os autores fazem uma comparação interessante entre o Chile e o México. São analisadas várias possíveis hipóteses para explicar as diferenças entre as taxas de crescimento dos dois países, dado que a do México foi muito menor que a do Chile, a saber: os agregados monetários e a inflação, a relação dívida externa e o PIB, a perda de poder aquisitivo dos trabalhadores chilenos (hipótese levantada por Corbo e Fischer), o preço de commodities, a abertura comercial, a taxa de investimento, o superávit governamental, entre outros. Contudo, as diversas hipóteses não são compatíveis com os dados, uma vez que mesmo que tenha havido uma situação inicialmente mais favorável no Chile que no México, como no caso da inflação e da abertura comercial, prevalece hoje a equiparação entre os dois países. A única diferença substancial que continua existindo é no quesito crédito como proporção do PIB que é muito mais alto no Chile (60%) que no México (15%) que os autores atribuem à Lei de Falência e à reforma do sistema bancário e outras reformas estruturais. Convém dizer, contudo, que a Lei de Falências do Chile datada de 1982 não contempla a possibilidade do tipo do capítulo 11 que muitos países também agora introduzem, mas somente a rapidez do processo e a proteção dos credores.

 

 

  • Aloísio Pessoa de Araújo é professor da FGV/RJ e do Eduardo Luis Lundberg é consultor do Departamento de Estudos e Pesquisas do Banco Central do Brasil. Os autores agradecem os comentários e sugestões de Jairo Saddi. As opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente dos autores e não refletem necessariamente a visão do Banco Central do Brasil.

 

Na prática de uma economia capitalista, a punição da empresa inadimplente é materializada através da falência ou, na melhor das hipóteses, do constrangimento de diferentes formas de concordata, salvamento ou reestruturação empresarial. A presença desses mecanismos de depuração do sistema econômico é absolutamente essencial para aumentar a eficiência e produtividade da economia. Como ressaltado em Araújo (ver igualmente Dubey, Geanakopolous e Shubick) a imposição da penalidade correta em caso de inadimplência é também fundamental para o bom funcionamento dos mercados de crédito (veja gráfico a seguir):

W 2 = U 2 – l2 (default )

 

 

 

l = 0

Mercado financeiro colapsa

W 1 = U 1 – l1 (default )

 

 

 

l = ¥

Ninguém vai à bancarrota: demasiada restrição ao crédito.

 

 

No gráfico a fronteira externa representa o conjunto das alocações de bens da economia que são ótimos de Pareto, ou seja, que podem ser alcançadas quando os mercados são completos. Como sabemos, os ótimos de Pareto são as alocações que não permitem melhora de bem-estar para todos os membros da economia. Isto é, quando a economia possui uma estrutura de mercados financeiros suficientemente ricos para permitir aos agentes econômicos a transferência de recursos entre os estados da natureza segundo a escassez relativa. Nesta situação quanto maior for a penalidade para os devedores melhor estará a sociedade. Esta talvez seja a situação que La Porta et al tinham em mente em seu trabalho.

 

Contudo, a situação descrita na parte interna à curva é mais realista. Nela os mercados financeiros não são completos, por suposição. Isto, devido ao problema de informação incompleta como azar moral, quando o retorno dos ativos depende dos esforços alocados, e seleção adversa ou mesmo pela incapacidade de se prever todas as eventualidades possíveis. Desta forma, os agentes econômicos ficam tolhidos em fazer todas as transferências entre os estados da natureza desejáveis.

 

Como conseqüência, para aumentar o bem estar econômico, através de instituições como o judiciário e o legislativo, a sociedade deve prover o equilíbrio entre os credores e devedores permitindo algum tipo de inadimplência. Esta tarefa é muito sofisticada e poucas sociedades têm conseguido alcançá-la com êxito. Quando se pune com rigor exagerado os inadimplentes, como no caso de prisão ou mesmo de escravidão verificados no passado, estamos penalizando em demasia os potenciais devedores e, desta forma, restringindo o mercado de crédito. Este talvez seja o caso que tínhamos na Inglaterra quando o representante dos credores (receiver) tinha poderes exorbitantes. Tal situação pode levar ao fechamento de firmas saudáveis com meros problemas de liquidez e não de solvência propriamente dita. No outro extremo temos a situação de países com tradição no código napoleônico, onde a tolerância com os devedores é demasiada. Este é o caso dos países da América Latina e de muitos outros países como a Alemanha, que tinha até recentemente uma lei da época de Bismarck, bem como da Holanda e países da Escandinávia, que também estão modificando sua legislação.

 

A legislação americana, particularmente em seu capítulo 11 que trata da recuperação empresarial, tem despertado grande interesse, inclusive sido motivo de inspiração para outros países, como o México, a Argentina e a maior parte da Ásia. Neste modelo tenta-se criar as condições de uma barganha estruturada entre devedores e credores, com o objetivo de maximizar o valor da firma através da adoção de um plano de recuperação empresarial que, embora proposto pela gerência da firma devedora, tem que ser aprovado por maioria de cada uma das classes de credores. Somente no caso de impasse o Juiz pode determinar o chamado cramdown, ou seja, que pode forçar uma das classes de credores minoritários a seguir a maioria. Embora seja criticada por muitos por ser custosa e demasiado leniente com os devedores, ela tem sido exitosa em muitos casos.

 

É interessante notar contudo que alguns autores isolados como D. Baird e Rasmussen acham que existe um esvaziamento do processo de barganha no modelo do capítulo 11 norte-americano, o que de certa forma é bom, pois o processo ganha em agilidade. Um trabalho preliminar que está sendo conduzido pelo Banco Mundial baseado em pesquisa sobre processos de falência de vários países mostra, como era de se esperar do ponto de vista teórico, uma forte correlação negativa entre qualidade do processo de falência, quando medida pela duração e expectativa de recuperação de crédito na massa falida, e taxa de juros.

 

Existem abordagens alternativas à lei de recuperação de empresas e falência tradicionais de autoria de vários autores, como Beb Chuck e Hart entre outros referidos abaixo. Nesta abordagem é sugerido que a empresa seja transferida, em caso de inadimplência, para os credores, o que resolveria o complexo problema de barganha entre as partes. Alguns elementos destas idéias foram incorporados em algumas legislações recentes de alguns países.

 

Também gostaríamos de enfatizar que, do ponto de vista econômico, um bom mecanismo de recuperação de empresas e falência não depende só de boas leis, mas também do poder judiciário. A esse respeito gostaríamos de ressaltar o trabalho de Armando Castelar (vide Capítulo V deste relatório), onde o autor aponta um componente discricionário por parte do judiciário.

 

Como é notório e sabido, o Brasil é um dos países que conta com as mais altas taxas de juros sobre empréstimos e onde o crédito só representa 26% do PIB. Esta situação que não favorece o desenvolvimento de novas empresas e a boa utilização do capital tem várias origens. Uma das mais importantes é sem dúvida a alta necessidade de financiamento do setor público que absorve boa parte da poupança doméstica. Contudo, existem vários outros fatores explicativos, entre os quais a capacidade do credor reaver o crédito em caso de inadimplência do devedor, conforme se pode observar a partir das diferenças entre as taxas de juros e o montante das várias modalidades de crédito. Por exemplo, a existência de mecanismos adequados de recuperação de crédito explica a menor taxa de juros e o alto volume de crédito, no caso dos financiamentos a veículos, das operações de Vendor e dos ACCs, comparativamente ao que se verifica no crédito pessoal, cheque especial e conta garantida.

 

No caso específico do setor empresarial, vital para o processo de crescimento econômico e geração de emprego, nossa legislação de falências é um importante entrave ao crédito e causa de perpetuação do funcionamento de empresas inadimplentes. Em função de institutos dessa legislação, a mecânica básica do sistema creditício brasileiro pode ser descrita da seguinte forma: bancos e outros agentes fazem créditos moderados às firmas sadias. Ao menor sintoma de dificuldades financeiras, os credores procuram reduzir seus créditos e as firmas a atrasar o pagamento de impostos. Em resposta, os credores ficam ainda mais receosos em não reaver seus créditos, pois em caso de liquidação da firma, serão os últimos a receber, dada a prioridade dos créditos trabalhistas e fiscais na falência. Isto faz com que eles diminuam ainda mais os créditos, inclusive executando garantias, enquanto as firmas tendem a atrasar ainda mais os impostos até que elas fiquem desprovidas de crédito e numa situação extremamente frágil. Os credores porventura restantes não se atrevem a pedir a falência da firma, em função da mesma prioridade já apontada da Lei de Falências, enquanto o fisco devido a várias razões, também não o faz.

 

Estas e outras distorções econômicas geradas pela atual Lei de Falência brasileira, justificando a reforma recém aprovada pela Câmara dos Deputados, são:

 

  1. prioridades trabalhista e fiscal que tornam a atividade creditícia desinteressante e contribui para a manutenção em funcionamento de um grande número de empresas ineficientes, com grande acúmulo de dívidas fiscais e baixa capacidade operacional;
  2. má gestão dos processos de concordata e de liquidação devido ao afastamento de credores, como bancos e fornecedores, que poderiam desempenhar papel importante quanto a exigências de rapidez e transparência;
  3. a regra de sucessão tributária na venda de ativos por parte de empresas falidas ou em dificuldades, aviltando o valor ou tornando impossível a sua alienação;
  4. desenho inadequado da recuperação judicial de empresas, dada a limitação da concordata enquanto espaço de negociação entre credores e devedores; e
  5. problemas de coordenação entre credores na recuperação informal de empresas, devido a exigência da

 

  • Falências e Recuperação de Empresas

Nossa legislação de falência (DL 7.661/45)13 é fruto de uma época em que predominavam as empresas individuais ou familiares. Decretada a falência e nomeado o síndico, a empresa deve ser fechada e lacrada como forma de proteger os interesses patrimoniais dos credores. Tal procedimento de arrecadação e guarda dos bens talvez ainda faça sentido para pequenas e médias empresas, mas não faz sentido no caso das grandes e modernas empresas corporativas, onde os administradores não se confundem com os acionistas, nem as unidades produtivas com sua administração financeira. Além de não garantir o controle do síndico e do juízo sobre a empresa, o sistema atual importa em perda de produção e empregos e uma forte desvalorização do estoque de capital da economia, que se perde com a ação do tempo e a destruição de seu ativo intangível.

 

Além dessa visão patrimonialista ultrapassada, que gera grandes prejuízos à economia e aos credores, os processos falimentares no Brasil geralmente não são acompanhados e fiscalizados pelos seus maiores interessados – os credores, o que faz da administração desses procedimentos um campo fértil para fraudes. A principal razão do desinteresse dos credores em participar e monitorar os processos de falência é o fato de que, na maior parte dos casos, estes não tem nada a receber, dada a prioridade ilimitada dada aos créditos trabalhistas e tributários. Como a primeira e mais simples alternativa no Brasil para enfrentar dificuldades financeiras é deixar de pagar tributos e contribuições previdenciárias, quando a falência é decretada, em geral não sobram ativos suficientes sequer para pagar tais obrigações fiscais e trabalhistas.

 

Se não bastasse a ineficiência do processo de liquidação de empresas, temos um instituto anacrônico e de pouca flexibilidade para a recuperação de empresas. A concordata prevista em nossa atual legislação só prevê uma moratória por dois anos das dívidas quirografárias (sem garantia real), além de ter contra si o defeito de ser um “favor legal”, ou seja, ela é concedida pelo juiz sem um processo formal de consulta ou aprovação dos credores. A concordata é um instituto que sequer atende os interesses dos devedores, pois tende a alcançar somente os débitos com fornecedores e prestadores de serviço, que não podem deixar de serem pagos, sob risco de cessar o recebimento de mercadorias e serviços necessários à continuação de suas atividades. O que se quer, normalmente, é renegociar as dívidas bancárias, em geral sujeitas a algum contrato com garantia e, portanto, não alcançadas pelo instituto da concordata.

 

13 O atual sistema falimentar brasileiro prevê basicamente dois institutos para lidar com as empresas em dificuldades: a falência e a concordata. A falência é o instrumento de liquidação judicial utilizado para lidar com empresas insolventes, enquanto a concordata é o instrumento para lidar com empresas com dificuldades transitórias de endividamento. A concordata é dita preventiva, quando solicitada pela empresa devedora tão logo detectada sua situação de iliquidez, e suspensiva, se solicitada e deferida ao longo do processo de falência, quando eventualmente se verifica que a empresa falida é capaz de honrar seus compromissos e voltar a operar.

 

A nova legislação recentemente aprovada14 pela Câmara dos Deputados moderniza nossa legislação falimentar, inova em muitos aspectos e procura valorizar a empresa produtiva e preservar empregos. Como concepção, sem ferir a tradição e o ordenamento jurídico brasileiro, adota na prática um sistema unitário, assemelhado ao que existe no direito alemão e que vem sendo implementado na União Européia. A empresa em dificuldades financeiras, reconhecida sua situação pelo Poder Judiciário, tem a possibilidade de ter sua viabilidade econômica analisada por meio da apresentação de um plano de recuperação. Caso o plano de recuperação seja aceito pelos credores, o juiz aprova o processo de recuperação judicial, caso contrário, é determinada sua falência.

 

Um dos grandes méritos da nova legislação falimentar, em contraste com a atual visão patrimonialista, é a prioridade dada à manutenção da empresa e dos seus recursos produtivos. Os maiores progressos esperados com a modernização de nossa legislação falimentar estão concentrados na recuperação de empresas. A nova lei acaba com a concordata e cria as figuras da recuperação judicial e extrajudicial, aumentando a abrangência e flexibilidade nos processos de recuperação de empresas, pela exploração de grande espectro de alternativas para o enfrentamento das dificuldades econômicas e financeiras da empresa devedora.

 

Dada a demora e dificuldades dos atuais procedimentos falimentares no Brasil, o PL 4376/93 (Projeto Biolchi) é um importante avanço. A principal prioridade dada pelo projeto é a venda em bloco dos ativos e unidades produtivas da empresa falida, como forma de minimizar os prejuízos hoje causados pelas falências à economia, aos credores e ao emprego dos trabalhadores. Reforçando essa prioridade, acaba a figura da concordata suspensiva15, uma das razões que justificavam a demora no início da realização dos bens e a impossibilidade da venda em bloco da empresa ou unidades produtivas. O projeto contempla também progressos na redução de burocracia, em especial no que se refere à habilitação de credores, que deve passar a ser feita diretamente junto ao administrador judicial, reduzindo a tramitação desse tipo de processo nos tribunais.

 

A venda de ativos é crucial para o sucesso do processo de falência ou de recuperação de uma empresa em dificuldades. A rápida obsolescência dos bens de capital e o reconhecimento cada vez maior do valor de marcas, clientela formada, pontos comerciais e outros intangíveis fazem com que a rapidez e eficácia do processo de venda de ativos seja a diferença entre o sucesso e o fracasso de um processo de falência ou de recuperação judicial. O Projeto Biolchi traz avanços importantes para o processo de venda de ativos na falência, como a prioridade para a venda em bloco, maior participação e fiscalização dos credores no processo, redução de exigências burocráticas e a inclusão de formas alternativas de leilão, além do tradicional, para a concretização dessas vendas, sem prejuízo da lisura e da transparência das transações.

 

A questão da sucessão de obrigações quando da venda de imóveis e unidades produtivas de empresas falidas ou em dificuldades também foi resolvida com a nova legislação16. Mesmo se feitos de boa fé, atualmente o comprador desses ativos corre o risco de assumir obrigações trabalhistas e fiscais do vendedor. Por conta desses efeitos, os bens de empresas em dificuldades são depreciados e os bons escritórios de advocacia desaconselham a compra de bens e ativos de empresas em dificuldades. Evidentemente, o princípio de sucessão de obrigações é cabível, sob determinadas circunstâncias, até para evitar possíveis fraudes. Mas, independentemente de seu mérito, essa legislação é causa de desvalorização econômica artificial dos bens e ativos de empresas em dificuldades, dificultando a eficácia dos processos de falência e de recuperação de empresas.

14 Em 15 de outubro deste ano foi aprovada pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.376/93 (Projeto Biolchi), que substitui a atual Lei de Falências, e o Projeto de Lei Complementar 72/03, que altera alguns dispositivos do Código Tributário Nacional (Lei 5172/66). Os dois projetos estão atualmente em tramitação no Senado Federal.

15 Atualmente, dada a possibilidade de levantamento da falência através da concordata suspensiva e como forma de proteger os interesses do devedor, não é admitida a hipótese da venda do conjunto dos ativos ou das unidades produtivas da empresa falida. Assim, normalmente a venda ou realização dos ativos é feita após o levantamento dos bens e a apuração do quadro de credores, procedimentos notoriamente demorados no contexto da atual burocracia judicial.

16 Artigo 154, § 4º, da nova Lei de Falências (PL 4376/93) e, no caso da sucessão de obrigações tributárias, a nova redação dada ao artigo 133 do CTN (Projeto de Lei Complementar 72/03).

 

A quebra parcial da prioridade do fisco deve contribuir para a maior governança da falência, já que os credores com garantia real passarão a ter maior interesse em participar e fiscalizar esses processos. Com a mudança no artigo 186 do Código Tributário, após o pagamento dos créditos trabalhistas, a prioridade passará a ser dividida, na proporção de um para um, com os créditos com garantia real. Infelizmente, não foi possível aprovar alguma limitação aos créditos trabalhistas, o que deve continuar estimulando os donos e executivos da empresa falida, com base em seus pretensos “créditos trabalhistas”, a procurar se apropriar dos bens da massa.

 

Em versões anteriores do Projeto Biolchi estava prevista a limitação dos créditos trabalhistas na falência17. Não se tratava de subtrair ou eliminar direitos dos trabalhadores, mas somente redefinir prioridades na ordem de pagamento dos créditos de uma empresa falida. Faz todo sentido social que se conceda prioridade absoluta ao pagamento de salários (créditos de natureza alimentar) na liquidação de uma empresa. Por outro lado, como hoje ocorre, não é justo que indenizações trabalhistas milionárias de altos executivos, que em sua maioria tem algum tipo de participação ou responsabilidade pelo fracasso da empresa, continuem sendo pagas prioritariamente em detrimento dos demais credores18.

 

O limite também seria importante para coibir e evitar saques fraudulentos dos recursos da massa a favor dos próprios donos e executivos da empresa falida, seja em nome próprio, seja em nome de “laranjas”. Ao contrário do que ocorre em outros países, a prioridade aos créditos trabalhistas em nosso País não tem qualquer tipo de limitação. Em outros países, a prioridade é sempre restrita, alcançando apenas salários atrasados e outros créditos líquidos e certos dos trabalhadores, inclusive mediante a imposição de limitações de valor.

 

O conjunto mais importante de mudanças na legislação falimentar, no entanto, é com relação à recuperação de empresas, que passará a contar com uma legislação muito próxima dos melhores padrões e práticas internacionais. Entre estas modificações, destacamos como pontos mais importantes:

 

  1. o fim da concordata e sua substituição pela recuperação judicial, um instituto mais amplo e flexível, mas que deve envolver a aprovação formal do plano de recuperação pelos credores em assembléia;
  2. a criação da figura da recuperação extrajudicial, um acordo informal com os credores que pode ser homologado no Judiciário;
  3. a criação do Comitê de Credores, para acompanhar e fiscalizar a recuperação judicial, e da Assembléia Geral de Credores, como instância principal da manifestação dos credores;
  4. o estabelecimento de um período máximo para a negociação do plano de recuperação judicial da empresa, período em que ficam suspensas transitoriamente todas as ações e execuções contra o devedor;
  5. a inclusão de novos empréstimos à empresa em recuperação como créditos extraconcursais;
  6. a criação de um tratamento sumário e privilegiado para pequenas e micro empresas, onde o juiz poderá aprovar uma renegociação padrão a ser paga em 36 prestações mensais, iguais e

 

17 Na versão mais conhecida e debatida do Projeto Biolchi, de 22.05.2002, estava previsto o limite de R$ 30 mil para os créditos trabalhistas e mais R$ 30 mil para os recolhimentos devidos ao FGTS. Mais recentemente, o projeto passou a incorporar um limite de 300 salários mínimos para o conjunto dos créditos trabalhistas (inclusive FGTS).

18 Altos executivos e funcionários da confiança das empresas costumam receber “bônus” e participação nos resultados quando a empresa vai bem e é lucrativa, ao contrário dos demais assalariados. Já no caso de uma empresa em dificuldades ou em falência, com recursos insuficientes para saldar todos os seus compromissos, é preciso reavaliar se a prioridade de tais direitos trabalhistas deve ser abrangente, inclusive face ao direito dos demais credores. Nesses casos, sem afrontar a legislação trabalhista, a alternativa mais sensata seria manter um pagamento prioritário a título de alimentos, delimitando um valor máximo em moeda ou um teto que exclua os altos executivos e funcionários da confiança dos donos. Os valores e direitos que ultrapassassem esse valor ou teto continuariam sendo reconhecidos legalmente, mas ficariam pendentes de pagamento de acordo com o rateio dos recursos disponíveis da massa falida, em igualdade de condições com os demais credores.

 

A nova Lei de Falências substitui a concordata por instrumentos mais amplos e flexíveis para a recuperação da empresa: a recuperação judicial e extrajudicial. Enquanto o atual instituto da concordata alcança apenas os credores quirografários, a recuperação judicial pretende abranger todos os credores no processo e não se limitar à mera dilatação dos prazos para o pagamento das dívidas existentes. O objetivo da recuperação extrajudicial é facilitar as negociações informais das empresas em dificuldades com seus maiores credores, em especial aqueles do sistema bancário e financeiro, razão pela qual não inclui os credores trabalhistas e fiscais, podendo excluir também os fornecedores de bens e serviços. Tanto o plano de recuperação judicial quanto o extrajudicial pode abranger um grande espectro de alternativas, desde a simples renegociação das dívidas até a mais complexa e abrangente reorganização societária.

 

Considerando a maior abrangência da recuperação judicial relativamente à concordata, é natural que o seu processamento siga a experiência internacional de onde ela foi inspirada, deixando de ser uma prerrogativa do Poder Judiciário (um “favor legal”) para ser um instrumento de renegociação de dívidas sob supervisão judicial. Sem uma adequada negociação com os credores, a recuperação judicial poderia ser desvirtuada enquanto instrumento de renegociação de dívidas, pelo estímulo a manipulações e fraudes contra os credores, para a obtenção dos benefícios financeiros abertos com o aumento do alcance e abrangência do novo instrumento. Por essa razão, a decisão judicial quanto à recuperação de empresa passa a ser precedida pela aprovação formal, em assembléia de credores, do plano apresentado.

 

A experiência de outros países relativa à aprovação de um plano de recuperação recomenda que essa decisão seja de uma assembléia de credores. Assim, a nossa nova legislação passa a adotar o padrão internacional de só reconhecer um plano apresentado pelo devedor e referendado pela maioria dos credores, cabendo ao juiz, após certificar-se da lisura dos aspectos legais e processuais, homologar a decisão e garantir legitimidade ao plano de recuperação e a sua implementação. Essa postura tem a vantagem de valorizar as práticas de mercado e propiciar um ambiente sadio de recuperação de empresas, antecipando, agilizando e dando previsibilidade às ações e decisões a serem adotadas. Para tanto, cabe ao juiz homologar a decisão negociada entre as partes, inclusive aquela eventualmente negociada fora do ambiente judicial, cabendo apenas o cuidado de certificar-se da legalidade dos acordos e de que os direitos dos credores minoritários não serão prejudicados em relação aos demais.

 

Um aspecto que deve ser destacado na nova legislação, é o aumento dos direitos e da participação dos credores, inclusive como forma de dar maior eficiência, confiabilidade e transparência nos processos falimentares e de recuperação de empresas. Tão importante quanto o papel do Judiciário e do Ministério Público para a eficácia e lisura desses processos, é a participação e fiscalização dos maiores interessados – os credores. Para tanto, foram criadas duas figuras novas – a Assembléia Geral de Credores e o Comitê de Credores, que devem reunir e representar as três classes de credores: trabalhadores, credores com garantia real e credores quirografários. A AGC é a instância principal de deliberação dos credores, cabendo-lhe eleger um Comitê de 3 membros, um de cada classe de credores, e deliberar sobre a aprovação do plano de recuperação e outros assuntos de interesse dos credores. Ao Comitê cabem essencialmente as funções de fiscalização e representação dos demais credores nas negociações sobre o plano de recuperação ou sobre a venda de bens da empresa falida.

 

A criação da figura da recuperação extrajudicial também é importante, principalmente por dar maior amparo e proteção legal aos acordos informais, que são cada dia mais comuns entre grandes empresas e instituições financeiras. A rigor, não deveria haver necessidade de sua previsão legal, mas entendeu-se que era melhor deixar claro que esse tipo de negociação não deveria ser interpretado com um “ato falimentar”, bem como permitir que tais acordos possam ser homologados na Justiça. A principal vantagem da homologação judicial de um acordo informal, aprovado pela maioria dos credores, é a de poder obrigar seu cumprimento por credores minoritários, o que tende a aumentar a participação dos credores nas negociações do acordo. Outra vantagem da homologação é poder realizar a venda judicial de subsidiárias ou filiais de empresa sem o ônus da sucessão tributária.

 

Nas discussões sobre a nova legislação, houve quem defendesse a manutenção do instituto da concordata juntamente com as novas modalidades de recuperação judicial e extrajudicial, sob a alegação de que ela seria útil para ajudar na renegociação de dívidas, mormente por parte de empresas de pequeno porte em dificuldades. Prevaleceu o entendimento de que os benefícios da atual concordata estão contidos, com vantagens, nos novos institutos de recuperação. Uma mera renegociação de dívidas pode ser realizada por qualquer empresa em dificuldade, seja na forma de acordo extrajudicial, seja na forma de um acordo celebrado na Justiça (recuperação judicial), com a vantagem de flexibilidade e de poder incluir outras questões que hoje a legislação da concordata não contempla.

 

O ponto mais polêmico, no entanto, é com relação ao “favor legal” de poder aprovar uma renegociação de débitos sem a concordância dos credores. Em primeiro lugar, entendeu-se que o “favor legal” só fazia sentido para as micro e pequenas empresas, o que de certa forma foi mantido, mas que as demais empresas deveriam ser capazes de negociar com seus credores. A rigor, na maior parte dos casos de grandes empresas, hoje a concordata funciona como uma forma incompleta de obter uma carência para a renegociação efetiva das dívidas. Com a nova legislação, essa carência passa a ser mais ampla, completa e formal, concedida na forma de um período de 180 dias, prorrogável por mais 90, em que são suspensas todas as ações contra o devedor para a negociação de um plano de recuperação. Ou seja, para a grande empresa que precisa renegociar suas dívidas com os credores, o novo instituto da suspensão transitória das ações substitui com vantagem o atual mecanismo da concordata.

 

Sobre esse período de suspensão das ações de cobrança (stand still period), favor comum em outros países, é preciso destacar que o mecanismo não deve ser confundido com o instituto do juízo universal da falência. Enquanto a suspensão das ações se destina a facilitar as negociações de um plano de recuperação, evitando que uma decisão judicial isolada durante a negociação conceda um tratamento diferenciado para alguma das partes, o juízo universal se destina a reunir num único tribunal as ações existentes, dando maior celeridade e igualdade de tratamento aos credores. Da mesma forma é preciso destacar também que a suspensão prevista na nova lei de falências foi fixada em 180 dias, prorrogáveis por mais 90 dias, exclusivamente para os fins e durante o período necessário à negociação e aprovação do plano de recuperação. Terminada a negociação, não há razão que justifique o cerceamento das partes em defenderem seus direitos na Justiça. As eventuais ações devem continuar correndo, seja no juízo universal, no caso de ser decidida a falência da empresa, seja nos foros próprios, no caso da recuperação judicial ser aprovada, com a diferença de que o plano homologado pode ser um elemento novo na solução do litígio.

 

Outra preocupação presente na nova legislação diz respeito à obtenção de novos créditos por parte das empresas em recuperação judicial, o que viabilizaria a continuidade de suas operações. Um instituto muito utilizado em outros países é o de conceder privilégios na falência para os novos créditos para as empresas em processo de recuperação judicial, caso estas empresas não consigam se recuperar. Assim, com a nova lei, crédito novo concedido às empresas em recuperação judicial será considerado extraconcursal numa eventual falência, o que significa que serão pagos com preferência aos demais credores, o que aumenta a segurança de bancos e fornecedores para continuarem operando com a empresa em dificuldades.

 

Por fim, é importante salientar que os procedimentos da recuperação para pequenas e micro empresas previstos no Projeto Biolchi foram bastante simplificados. Não faz sentido exigir dessas empresas o mesmo ritual de apresentação de plano de recuperação a ser submetido à assembléia de credores. Assim, a recuperação judicial destas empresas tem uma forte semelhança com a atual concordata, na medida em que é um “favor legal”, o que significa que um reescalonamento padronizado das dívidas das micro e pequenas empresas poderá ser aprovado diretamente pelo juiz, sem necessidade de aprovação formal dos credores em assembléia.

 

A recomposição padrão está prevista para ser feita em “36 prestações mensais, iguais e sucessivas”, com seis meses de carência a partir da solicitação do “favor legal”. Outras composições são possíveis, mas apenas com a aprovação da maioria dos credores. Este novo formato sinaliza ao pequeno e médio empresário de que ele deve rapidamente tomar as medidas para ajustar-se, de forma a poder ao menos pagar os compromissos mensais. De qualquer forma, caso a recuperação desse empresário não seja viável, em curto espaço de tempo isso ficará caracterizado, evitando-se uma dilação exagerada de um ano, como atualmente prevista na atual legislação de concordatas.

 

  • O Crédito e as Garantias Reais na Falência

O Brasil é um dos raros países onde a execução das garantias reais de uma operação de crédito não funciona quando ela é mais necessária – na falência – quando a empresa se mostra incapaz de honrar seus compromissos. A principal explicação para isso é a prioridade do fisco contido no Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66)19. Esta é uma prioridade muito forte e marcante, pois ela é absoluta, não se referindo tão somente ao processo de falências. Um credor detentor de uma garantia real pode, a qualquer momento, em função de dívidas tributárias da empresa devedora, perder seu colateral a favor do fisco, mesmo não havendo formalmente um processo falimentar20.

 

Na grande maioria dos países não existe a prioridade do fisco, como no Brasil, com os créditos com garantia real recebendo, em casos de falência, sempre à frente dos demais credores. É o que prevalece na grande maioria dos países, conforme se pode ver na Tabela 1 abaixo, contemplando 36 países21. A justificativa para esse padrão internacional é a manutenção de um ambiente institucional favorável ao crédito, procurando privilegiar a empresa produtiva com a possibilidade de acesso a empréstimos e financiamentos fartos e baratos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

19 O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo de constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho (Art. 186 do Código Tributário Nacional – Lei 5.172/66). Mais que isso, como para reafirmar essa prioridade, o artigo seguinte (187) estabelece que o fisco não se sujeita a concurso de credores ou qualquer forma de habilitação judicial. Ironicamente este art. 187 do CTN é o que justifica a não participação do fisco em processos falimentares. Assim, ao invés de reforçar e ajudar o fisco a receber seus créditos, o art. 187 tem funcionado como um mandamento negativo. O fisco tem a prioridade, mas não exerce efetivamente essa prioridade.

20 Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real (grifos nossos) ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis. (Art. 184 do Código Tributário Nacional – Lei 5.172/66)

21 Apenas três países, além do Brasil, contemplam alguma prioridade do fisco à frente dos créditos com garantia real: Itália, Espanha e Polônia. São países europeus da CEE que estão atualmente revendo suas legislações falimentares, o que provavelmente deve envolver a revisão nesse tipo de dispositivo, que não consta como pertencentes às melhores práticas internacionais.

 

Tabela 1

Ordem de Prioridade na Falência – 36 Países

PAISES PRIORIDADES NA FALÊNCIA
  1 2 3 4
Alemanha Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais    
Austrália Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Salários atrasados  
Áustria Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais    
Bélgica Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Fisco e Prev. Social  
Bermudas Créd. c/ Gar. Real Salários e Encargos

(alguns)

Extra-concursais Créditos Fiscais
Brasil Créd. Trabalhistas Créditos Fiscais Extra-concursais Créd. c/ Gar. Real
Bulgária Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais    
Canadá Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Salários atrasados

(limitados)

Créditos Fiscais
China Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créd. Trabalhistas (em algumas regiões estes recebem antes dos extra-concursais) Créditos Fiscais
Coréia Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais    
Escócia Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créditos Fiscais Créd. Trabalhistas
Eslováquia Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais (inclusive eventuais 3 salários atrasados)    
Espanha Salários (últimos 30 dias até 2 salários mínimos) Créditos Fiscais Créd. c/ Gar. Real  
Estados Unidos Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créd. Trabalhistas

(limitados)

Créditos Fiscais (até 3 anos antes da falência)
Estônia Extra-concursais Créd. c/ Gar. Real Créd. Trabalhistas Impostos em atraso
Finlândia Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais    
França Salários em atraso Extra-concursais Créd. c/ Gar. Real  
Holanda Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créditos Fiscais Créd. Trabalhistas
Hong Kong Extra-concursais Créd. c/ Gar. Real Créd. Trabalhistas Fiscais (alguns associados a fundos trabalhistas)
Hungria Extra-concursais Créd. c/ Gar. Real Créd. Alimentícios Créditos Fiscais
Inglaterra Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Fisco e Prev.Social Créd. Trabalhistas

(limitados)

Irlanda Créd. c/ Gar. Real Créditos Fiscais (limitados) Créd. Trabalhistas  
Israel Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créd. Trabalhistas

(limitados)

Créditos Fiscais (idem)
Itália Extra-concursais Fiscais e Trabalhistas

(mediante ações de apreensão judicial)

Créd. c/ Gar. Real  
Japão Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créd. Trabalhistas  
Malásia Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créd. Trabalhistas Créditos Fiscais
Polônia Créd. Fiscais Extra-concursais – dívidas ativas c/garantia na data da falência (até 50% do valor da venda do ativo garantidor) Créd. c/ Gar. Real  
Portugal Créd. c/ Gar. Real Créd. Trabalhistas Extra-concursais Créditos Fiscais
Rússia Extra-concursais Créd. Trabalhistas Créd. c/ Gar. Real Créditos Fiscais
Singapura Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créd. Trabalhistas

(limitados)

 
Suécia Extra-concursais Créd. c/ Gar. Real Créditos Fiscais Créd. Trabalhistas
Suíça Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créd. Trabalhistas

(limitados)

 
Tailândia Extra-concursais Créd. c/ Gar. Real Créd. Trabalhistas  
Tcheca, RepúbL. Créd. c/ Gar. Real Extra-concursais Créd. Trabalhistas  
Vietnã Extra-concursais Créd. c/ Gar. Real Créd. Trabalhistas Créditos Fiscais

Fonte: Insolvency & Restructuring 2003 – Getting the Deal Through series – London: Law Business Research Ltd., 2003

 

A existência dessa prioridade do fisco sem dúvida enfraquece e até coloca em dúvida o mecanismo da entrega de bens em garantia real de obrigações, aumentando o risco de quase todas as operações de crédito a pessoas jurídicas efetuadas pelo sistema financeiro nacional. Afinal, a exemplo do que ocorre em

 

qualquer país do mundo, os bancos e instituições financeiras não querem ser sócios de seus clientes, razão pela qual as operações de crédito são normalmente cobertas com algum tipo de garantia real, a começar por uma simples operação de desconto de duplicatas. Em conjunto com as demoras e deficiências do nosso sistema judicial22, a prioridade do fisco sobre o crédito com garantia real ajuda a entender porque o crédito bancário ao setor produtivo no Brasil é tão mais caro e escasso do que em outros países.

 

A mudança no Código Tributário Nacional é um importante avanço relativamente à sua situação atual, não obstante a nova legislação ainda continuar distante dos padrões internacionais. Além da prioridade ilimitada aos créditos trabalhistas, os créditos com garantia real têm que dividir com o fisco a prioridade sobre os bens remanescentes da massa falida, na proporção de um para um. Na prática isso significa um grande ganho para o erário público, pois hoje ele tem direito a 100% do que sobrar após o pagamento dos créditos trabalhistas, o que na prática é muito pouco, já que atualmente não há interesse dos credores em acompanhar e fiscalizar os processos falimentares. Com a nova lei, o erário passará a receber pelo menos o mesmo quantum recebido pelos credores com garantia real, em tese metade (50%) do direito que tem hoje, mas agora provavelmente um valor bem maior, já que deve haver acompanhamento e fiscalização desses credores beneficiários.

 

Além dessa mudança não corresponder aos padrões internacionais, preocupa também a não alteração do artigo 184 do Código Tributário Nacional23. Por esse dispositivo, as garantias reais continuam sujeitas a arresto pelas autoridades tributárias em processos de cobrança de dívidas tributárias, o que enfraquece a segurança jurídica do instituto da garantia real, reduzindo a probabilidade de exercer a garantia em caso de inadimplência do devedor.

 

O efeito de fazer modificações incompletas, é obter resultados incompletos. Do ponto de vista do crédito, há um grande aumento da segurança jurídica das garantias reais, já que elas passaram a ter alguma prioridade no recebimento da massa falida, comparativamente à situação atual, onde raramente se lograva receber alguma coisa. No entanto, como essa segurança não se compara com a existente em outros países, por conta desse fator de risco, os juros e os riscos das operações de crédito com garantia real continuarão sendo maiores do que outros países.

 

Outro efeito provável associado a nova regra de prioridades na falência, é a disposição das instituições financeiras e do mercado de capitais ao avaliar e financiar novas empresas e projetos. Numa avaliação hipotética normal, em qualquer país, se as instituições financeiras considerem adequado conceder um financiamento de até 80% do valor da garantia real, em função das novas regras de prioridade aprovadas, uma instituição brasileira dificilmente financiará mais de 40% do valor da mesma garantia. Afinal, se a empresa ou projeto fracassarem, além do pagamento prioritário dos trabalhadores, terá que dividir com o fisco o produto da venda dessa garantia real.

 

Outra conseqüência negativa gerada com a incerteza gerada pela prioridade do fisco foi a exclusão das operações com penhor de recebíveis da recuperação judicial. Como até o final da votação da nova legislação, a perspectiva era de não aprovação da quebra da prioridade do fisco, optou-se por suprimir as operações de descontos de duplicata e assemelhados (penhor de recebíveis) do alcance da recuperação judicial, inclusive para garantir o provimento de capital de giro a custo baixo para as empresas, principalmente para aquelas que apresentem algum tipo de dificuldade. O pior que poderia acontecer para uma empresa que enfrenta algum tipo de dificuldade financeira é ver cortado seu acesso a capital de giro. A exclusão formal destas operações do alcance da recuperação judicial teve por objetivo trazer maior tranqüilidade quanto à manutenção do suprimento de capital de giro à empresas com eventuais dificuldades.

 

22 A demora e o mau funcionamento do sistema judiciário no Brasil favorece claramente os devedores em detrimento dos credores. O custo e a demora na execução de empréstimos e financiamentos não pagos pelos seus clientes, além de contribuir como um incentivo perverso à inadimplência, significam custos e riscos maiores das operações de crédito, quando comparados a outros países.

23 Vide Nota 20.

 

Para entender melhor a questão, é interessante observar o que ocorreria com o risco de crédito com o fim da figura da concordata e sua substituição pelo regime da recuperação judicial, caso não houvesse não houvesse mudança no Código Tributário. Hoje, formalmente, os créditos com garantia real não são alcançados pela concordata, que passariam a ser incluídos no processo de recuperação judicial. Na prática, como atualmente as instituições financeiras procuram executar seus créditos e garantias antes da decretação da falência, essa inclusão tenderia a reduzir a expectativa temporal de execução e, portanto, importando numa percepção maior de risco por parte das instituições financeiras, com reflexos negativos para a oferta de crédito e para os juros e spreads praticados.

 

Mas porque o risco bancário aumentaria no Brasil com a participação destas instituições na recuperação, enquanto o mesmo não ocorre em outros países? Será que a natureza avessa ao risco dos bancos brasileiros é maior do que a aversão existente nos bancos de outros países? Com certeza não. A diferença é que, no exterior, os bancos podem participar tranqüilamente da recuperação, pois em caso de insucesso, como credores com garantia real, eles recebem a frente dos demais credores. No Brasil, ao contrário, no caso de insucesso, dada a prioridade dos créditos trabalhistas e fiscais, eles provavelmente não iriam receber nada. Nessa situação, caso não fosse mudada as regras de prioridade na falência, o melhor para eles seria “boicotar” a recuperação e continuar tentando receber seus créditos antes da eventual decretação da falência.

 

No entanto, como essa mudança não tinha o apoio do Poder Executivo, em função do receio quanto a seus efeitos sobre a arrecadação tributária, a inclusão dos créditos com garantia em recebíveis na recuperação judicial era uma preocupação muito importante. Isto porque tem aumentado de importância, na carteira das instituições financeiras, das operações de financiamento de capital de giro com garantia em recebíveis, cuja operação mais típica é o penhor em duplicatas24. Apesar destas operações poderem facilmente ser “redesenhadas” em seu formato jurídico para não serem alcançadas pela recuperação judicial e eventual falência, na prática significariam um acréscimo de risco, já que estariam formalmente alcançadas pela nova legislação. Este aumento do risco poderia ter impactos negativos sobre os juros bancários e, principalmente, sobre o acesso ao crédito de capital de giro para empresas vistas como apresentando algum tipo de dificuldade.

 

  • Conclusões

O Projeto Biolchi (PL 4.376/93) e as modificações esperadas no Código Tributário Nacional significam um saudável e importante passo no sentido de modernizar nosso sistema falimentar. Entre os tópicos da legislação aprovada, cabe destacar a importante modernização no tocante à recuperação de empresas e ao processo de venda de ativos de empresas falidas ou em dificuldade. Com a adoção do modelo do capítulo 11 da legislação norte-americana, passaremos a ter no Brasil um ambiente mais propício para a recuperação de empresas, que será mais transparente e negociada entre as partes, ajudada pelo fim da regra da sucessão tributária no caso da venda de ativos de empresas falidas ou em recuperação. As renegociações informais também serão facilitadas com a criação da figura da recuperação extrajudicial, já que a possibilidade de sua homologação judicial cria um incentivo a participação de todos os credores na negociação do acordo.

 

No tocante à falência propriamente dita, apesar da manutenção da prioridade aos créditos trabalhistas, a divisão da prioridade do fisco, na proporção de um para um, com os créditos com garantia real significa um grande avanço em termos de estímulo ao crédito e à eficiência dos processos falimentares. Relativamente à situação da atual legislação, dada essa maior proteção, espera-se que haja um maior interesse dos bancos e demais instituições em conceder empréstimos, bem como o interesse dessas instituições em acompanhar e monitorar empresas falidas ou em recuperação.

 

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Zmuravsk, K. (2003). “Bankruptcy Around the World”, Working Paper.

 

  • – Concorrência e Spread Bancário: uma Revisão da Evidência para o Brasil

Márcio I. Nakane*

 

É comum encontrar-se afirmações de alguns analistas e também na imprensa de que um dos motivos pelos quais o spread bancário seria elevado no país estaria relacionado à baixa concorrência existente no setor. O propósito deste capítulo é sumarizar alguns estudos recentes sobre o poder de mercado no setor bancário brasileiro e avaliar o fundamento de afirmações como as mencionadas.

 

  • Concentração Bancária e Taxas de Empréstimo

Uma das possíveis evidências de que o setor bancário brasileiro possa apresentar problemas de baixa concorrência está relacionada ao movimento de redução no número de instituições bancárias operando no país e, portanto, a um aumento nos índices de concentração bancária. A Tabela 1 apresenta as evidências.

Tabela 1

Concentração no Setor Bancário Brasileiro, 1994-2003

 

 

ANO

Número

de Bancos

Índice de Herfindahl

Ativos          Crédito        Depósitos

1994 246 0,0706 0,0990 0,0858
1995 242 0,0678 0,1001 0,0991
1996 231 0,0674 0,0960 0,0952
1997 217 0,0676 0,1227 0,0934
1998 203 0,0786 0,1351 0,0931
1999 194 0,0744 0,1137 0,0986
2000 192 0,0687 0,0875 0,0902
2001 182 0,0630 0,0566 0,0891
2002 167 0,0692 0,0596 0,0884
2003* 164 0,0758 0,0691 0,0911

(*) Junho 2003

Fonte: cálculos do autor a partir de dados do Banco Central

 

 

O número de instituições bancárias em atividade no país de fato observou redução expressiva no período recente. Desde 1994, tal número passou de 246 para 164, uma redução de 82 bancos, ou de um terço. As razões desta redução são bem conhecidas25 e estão relacionadas com o processo de consolidação do setor depois da crise bancária de 1995. Tal consolidação implicou no fechamento, venda, fusões e aquisições de várias instituições financeiras. Mais recentemente, a redução no número de instituições bancárias está relacionada com o aumento nos custos de operação e manutenção de carteiras comerciais em razão da implementação do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

 

Apesar da redução expressiva no número de bancos comerciais em atividade no país, os reflexos sobre os índices de concentração não foram significativos. A Tabela 1 mostra o índice de concentração de

 

  • Departamento de Estudos e Pesquisas, Banco Central do O autor agradece os comentários e sugestões de Roberto L. Troster. As

opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente do autor e não refletem necessariamente a visão do Banco Central do Brasil.

25 Vide, a respeito, Rocha (2001).

 

Herfindahl calculado para o ativo circulante e realizável de longo prazo, para o volume de créditos e para o total de depósitos. Observa-se que, com exceção do comportamento do índice para o volume de crédito, os índices de concentração apresentam-se bastante estáveis ao longo do tempo.

 

A partir de 2002, com a saída de alguns bancos estrangeiros do mercado brasileiro, os índices de concentração começam a aumentar. Entretanto, até o presente momento, tais aumentos não se mostraram atípicos.

 

O índice de Herfindahl para o volume de crédito mostra-se bastante volátil ao longo do tempo, oscilando entre 0,135 em 1998 e 0,057 em 2001. Boa parte da explicação para a forte queda em 2001 está vinculada à transferência de parcela da carteira de créditos da CEF para a Emgea (Empresa Gestora de Ativos) no âmbito do Proef (Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais).

 

Os índices de concentração apresentados na Tabela 1 são altos ou baixos? De acordo com os padrões que governam as decisões das autoridades antitruste americanas, tais índices seriam indícios ou de mercados não concentrados (quando o índice de Herfindahl é inferior a 0,1) ou de mercados moderadamente concentrados (índice de Herfindahl entre 0,1 e 0,18).

 

Relativamente a sistemas bancários de outros países do mundo, um levantamento do Banco Mundial para 92 países26 mostra que calculando-se a razão de concentração em termos de ativos totais para os três maiores bancos de cada país, o Brasil é o 12o país com menor concentração.

 

Com relação ao índice de Herfindahl, Bikker e Haaf (2002) reportam tais índices para 23 países industrializados para o total de ativos para o ano de 1997. Comparando com a informação equivalente para o Brasil disponível na Tabela 1 (0,068), pode-se perceber que o país apresenta índices de concentração superiores aos de países como Estados Unidos (0,02), Alemanha (0,03), Luxemburgo (0,03), Itália (0,04) e França (0,05), índices similares aos de países como Japão (0,06), Reino Unido (0,06) e Espanha (0,08), e índices inferiores aos de países como Portugal (0,09), Coréia do Sul (0,11), Bélgica (0,12), Noruega (0,12), Suécia (0,12), Austrália (0,14), Canadá (0,14), Dinamarca (0,17), Irlanda (0,17), Nova Zelândia (0,18), Grécia

(0,20), Holanda (0,23), Finlândia (0,24) e Suíça (0,26).

 

Em pelo menos dois sentidos, os índices de concentração exibidos na Tabela 1 podem estar subestimando o poder de mercado dos bancos. Em primeiro lugar, devido ao processo de fusões e aquisições, várias instituições bancárias pertencem a um mesmo controlador. Em segundo lugar, o mercado em que as instituições financeiras competem pode ter escopo mais restrito que os abarcados pela Tabela 1.

 

Rocha (2001) analisa o primeiro ponto e calcula os índices de concentração para os grupos bancários, definidos como os que englobam os bancos que têm o mesmo controlador. Rocha mostra que os valores encontrados para os índices de concentração dos grupos bancários não diferem de forma importante daqueles reportados na Tabela 1.

 

Tonooka e Koyama (2003) consideram o segundo ponto levantado acima ao calcular os índices de concentração para modalidades específicas de empréstimo no segmento de taxas livres. Utilizando informações mensais de janeiro de 2001 a fevereiro de 2002, os autores mostram que modalidades como desconto de nota promissória (índices de Herfindahl entre 0,3 e 0,2) ou como operações com cartão de crédito (índices de Herfindahl entre 0,13 e 0,18) apresentam mercados relativamente mais concentrados que as demais modalidades.

26 World Bank (1999): “A new database on financial development and structure”, disponível online em http://econ.worldbank.org/. Utilizou-se a informação para 1997, a mais recente disponível. Ressalte-se que, dada a diversidade dos sistemas bancários ao redor do mundo, a comparação realizada neste trabalho tem apenas o propósito de sugerir uma ordem de magnitude relativa para os valores de concentração encontrados para o Brasil.

 

Tonooka e Koyama (2003) também mostram que os índices de concentração não têm impacto sobre as taxas de empréstimo cobradas pelos bancos. Os autores utilizam dados para bancos individuais para taxas de empréstimo em sete modalidades de pessoa jurídica (hot money, desconto de duplicata, desconto de nota promissória, capital de giro, conta garantida, vendor e aquisição de bens) e cinco de pessoa física (cheque especial, crédito pessoal, cartão de crédito, aquisição de veículos e aquisição de outros bens que não veículos) em regressões que, além da concentração bancária, controlam pelo efeito da inadimplência, do prazo médio de cada modalidade, das despesas administrativas e da razão entre o volume de crédito em aplicações livres e o ativo circulante. A técnica de estimação utilizada foi a de funções de estimação generalizadas (GEE) sendo que cada equação foi estimada mês a mês entre janeiro de 2001 e fevereiro de 2002.

 

Os autores mostram ainda que, mesmo quando substituem os índices de concentração pela participação no mercado de cada banco ou ainda quando as modalidades de empréstimo são agrupadas em dois grandes grupos (pessoa jurídica e pessoa física) persistem os resultados de que a variável representativa do poder de mercado continua sendo não significativa. Segundo os autores, “com exceção do mercado de nota promissória, todos os demais mercados apresentam graus de concentração relativamente baixos, talvez baixos o suficiente para não caracterizar a existência de poder de mercado por parte dos bancos. É possível que esta desconcentração esteja relacionada com a inexistência de importantes barreiras à entrada nos mercados. Com efeito, uma vez que a definição de mercado relevante é baseada no conceito de produto, ou seja, de modalidade de crédito, a entrada de um banco que já atua em determinados mercados de crédito para pessoa jurídica, por exemplo, em um novo mercado de crédito para pessoa jurídica não implicaria grandes custos adicionais em relação à captação de recursos, infra-estrutura física e recursos humanos. Neste sentido, poder-se-ia afirmar que as barreiras à entrada não são elevadas. Se este for o caso, uma grande participação de mercado não se traduziria em maior poder de mercado, pois qualquer tentativa de tirar vantagem desta posição incentivaria a entrada de novos concorrentes. Isto explicaria o fato de tanto o grau de concentração quanto a participação de mercado apresentarem-se não significativos nas equações estimadas” (p. 16-17).

 

  • Testes de Poder de Mercado

Os resultados de Tonooka e Koyama (2003) sugerem que poder de mercado, medido quer por índices de concentração, quer pela participação de mercado, não é um fator significativo a influenciar taxas de empréstimo bancários. Contudo, pode-se argumentar que tanto índices de concentração quanto participação de mercado sejam medidas imperfeitas de poder de mercado. Outros estudos procuraram avaliar diretamente o poder de mercado dos bancos no Brasil. Dentre eles, destacamos os de Nakane (2002), Belaisch (2003) e Petterini e Jorge Neto (2003), que passamos a sumariar.

 

Nakane (2002) utiliza a metodologia desenvolvida por Bresnahan (1982) e por Lau (1982) para testar o poder de mercado dos bancos brasileiros no segmento de crédito livre. Segundo esta metodologia, a inclusão, na equação de demanda por empréstimos, de um termo de interação entre a taxa de juros de empréstimo e fatores que deslocam a demanda, permite rodá-la, o que leva à identificação do parâmetro associado ao poder de mercado. A intuição desta metodologia pode ser melhor apreciada com a ajuda da Figura 1, retirada de Bresnahan (1982).

 

Figura 1 – Identificação da Estrutura de Mercado

 

P

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Q

 

A figura representa um mercado hipotético para um bem ou serviço particular onde Q representa sua quantidade e P seu preço. As linhas MR1 e D1 representam, respectivamente, as funções de receita marginal e de demanda iniciais. As linhas MCM e MCC denotam, respectivamente, funções de custo marginal lineares para um cartel (ou monopólio) e para uma indústria perfeitamente competitiva. Assim, E1 representa o equilíbrio inicial sob ambas as estruturas de mercado.

 

Imagine agora que exista um deslocador da demanda que faça com que a curva de demanda rode em torno de E1 para D2. O equilíbrio sob concorrência perfeita continua sendo dado por E1, mas o equilíbrio sob monopólio deslocou-se para E2. Portanto, o deslocamento da curva de demanda juntamente com sua rotação tem implicações que são distintas, do ponto de vista observacional, sob concorrência perfeita e sob monopólio.

 

Quando o termo que roda a curva de demanda é significativo é possível identificar o coeficiente que sumariza o grau de poder de mercado em uma indústria. Tal coeficiente mensura a resposta percentual da oferta de empréstimos do mercado em resposta a um aumento percentual na oferta de empréstimo de um banco individual. Se a indústria bancária for perfeitamente competitiva, este coeficiente é igual a zero. No outro extremo, se a indústria bancária comporta-se como um cartel, então o coeficiente é unitário. As estruturas de mercado intermediárias geram valores compreendidos entre 0 e 1 para este coeficiente.

 

Nakane (2002) aplica a metodologia descrita acima para dados agregados mensais de empréstimos no segmento livre entre agosto de 1994 e agosto de 2000. O autor utiliza uma especificação dinâmica representada por um modelo de correção de erros. A estimativa é feita por mínimos quadrados em dois estágios para lidar com problemas tradicionais de determinação simultânea. O valor estimado para o coeficiente que representa o poder de mercado é de 0,0017. Apesar de seu baixo valor, ele é estatisticamente significativo, levando o autor a rejeitar a hipótese de concorrência perfeita. Por outro lado, o valor também é estatisticamente diferente de um, o que leva à rejeição da hipótese de cartel/conluio.

 

Assim, o autor conclui que os bancos brasileiros possuem algum poder de mercado e que as estruturas de mercado extremas, vale dizer concorrência perfeita e cartel/conluio, são descartadas. Adicionalmente, o baixo valor encontrado para o coeficiente que representa o poder de mercado sugere que a concorrência no setor é elevada.

 

Belaisch (2003) utiliza uma metodologia alternativa para avaliar o poder de mercado dos bancos brasileiros. A metodologia utilizada pela autora é a desenvolvida por Panzar e Rosse (1987). De acordo com esta abordagem, estima-se uma forma reduzida para uma equação de receitas e computa-se a soma das elasticidades com relação aos preços dos fatores. Denote-se esta soma pelo símbolo H. O poder de mercado é mensurado pelo grau em que alterações nos preços dos fatores (custos unitários) se refletem em receitas para os bancos.

 

Um aumento proporcional nos preços dos fatores resulta em um aumento igualmente proporcional nos custos médios e marginais, uma vez que tais funções são homogêneas de primeiro grau nos preços dos fatores. Assim, sob concorrência perfeita, o produto de equilíbrio não se altera e, devido à elasticidade infinita da curva de demanda, as receitas aumentam na mesma proporção que os preços dos fatores. Desta forma, sob concorrência perfeita, o coeficiente H é unitário. No outro caso extremo de monopólio, o aumento nos custos marginais leva tanto a uma queda no produto de equilíbrio quanto nas receitas totais do monopolista. Panzar e Rosse (1987) mostram que, neste caso, o coeficiente H será menor ou igual a zero. Finalmente, para as estruturas de mercado intermediárias, o coeficiente encontra-se entre zero e um.

 

Belaisch (2003) estima a equação de receitas totais utilizando dados individuais para uma amostra de 49 bancos brasileiros observados semestralmente entre 1997 e 2000. A autora considera preços de três insumos, a saber: preço de fundos (calculado como a razão entre despesas de captação e total de depósitos), preço unitário da mão de obra e preço de outros custos (calculado como a razão entre outros custos operacionais e número de agências bancárias). Além disso, Belaisch introduz outras variáveis de controle, dentre as quais depósitos totais, fundos administrados totais, razão entre o número de agências do banco e o número total de agências, a razão entre empréstimos e fundos administrados e a razão entre capital de risco e fundos administrados.

 

As equações são estimadas para cada ano separadamente, para todo os anos em conjunto, por diferentes métodos de estimação (estimador de efeitos fixos e de efeitos aleatórios para dados em painel), com e sem variáveis dummy de controle acionário e para diferentes sub-grupos de bancos (bancos públicos, bancos estrangeiros, bancos grandes e bancos pequenos e médios). A autora reporta resultados para doze especificações distintas. O coeficiente H estimado varia entre 0,5 e 0,96 com a média dos valores estimados sendo de 0,84. Para todas as especificações, a hipótese de conluio/cartel (coeficiente H sendo menor ou igual a zero) é descartada. Quatro das 12 especificações não rejeitam a hipótese de concorrência perfeita27. Para as demais especificações esta hipótese é rejeitada.

 

Assim, apesar de utilizar dados e metodologia distintos de Nakane (2002), ambos os trabalhos apresentam conclusões bastante similares, sumariadas a seguir: a hipótese de cartel/conluio é rejeitada; a hipótese de concorrência perfeita é rejeitada em quase todas as especificações; e, por fim, a estimativa pontual do coeficiente que representa o poder de mercado está mais próxima do caso de concorrência perfeita que do caso de cartel/conluio.

 

É interessante destacar que, enquanto Nakane (2002) avaliou a existência de poder de mercado no segmento de crédito livre, a análise de Belaisch (2002) é mais geral, abrangendo todos os mercados que contribuem para a geração de receitas para o banco.

 

Uma deficiência dos trabalhos de Nakane (2002) e de Belaisch (2002) é que os resultados alcançados por ambos são antes negativos que positivos. Vale dizer, a partir das evidências destes trabalhos pode-se concluir que a estrutura de mercado no setor bancário brasileira não é representada por nenhuma das

27 A hipótese de concorrência perfeita não é rejeitada para as seguintes especificações: modelo estimado somente para o ano de 1999, modelo estimado para todo o período incluindo uma dummy para bancos estrangeiros, modelo estimado para todo o período somente para bancos estrangeiros e modelo estimado para todo o período somente para bancos grandes.

 

estruturas de mercado extremas (concorrência perfeita e cartel) e, portanto, caracteriza-se como uma estrutura imperfeita. Contudo, tais trabalhos não permitem identificar qual estrutura imperfeita melhor descreve este mercado. Possíveis alternativas englobariam concorrência monopolística com diferenciação de produtos, oligopólio de Cournot, oligopólio de Bertrand, monopólios locais em mercados geograficamente estratificados, mercado com líder-seguidor a la Stackelberg, etc.

 

Ressalte-se que a exata identificação da estrutura de mercado não é um problema meramente semântico, visto que cada estrutura tem implicações de bem-estar bastante distintas. Por exemplo, sob concorrência monopolística não existem lucros extraordinários e, portanto, em princípio, não haveria grandes perdas de bem- estar neste caso. Outro exemplo é que, sob condições bastante gerais, pode-se mostrar que oligopólio de Bertrand (isto é, concorrência de taxas) gera configurações de equilíbrio com menores taxas, menores lucros para os bancos e maiores volumes que oligopólio de Cournot (isto é, concorrência de quantidades) [vide Vives (1985)].

 

Petterini e Jorge Neto (2003) buscaram identificar a estrutura de mercado imperfeita que melhor caracterizaria o setor bancário brasileiro, valendo-se da metodologia desenvolvida por Jaumandreu e Lorences (2002). Tal metodologia parte de um modelo estrutural do setor bancário e permite testar soluções de equilíbrio de jogos (e.g. conluio, Bertrand-Nash, Cournot-Nash) que sejam mais consistentes com os dados.

 

A estratégia de estimação sugerida por Jaumandreu e Lorences (2002) envolve um procedimento em duas etapas. Primeiro, equações de demanda por empréstimo são estimadas para se obter estimativas dos efeitos preço (direto e cruzados). Segundo, a partir dos efeitos preço, semi-elasticidades correspondentes a diferentes soluções de equilíbrio são calculadas e um conjunto de equações de taxas de empréstimo representando cada uma de tais soluções são estimadas. Uma vez que as equações para as taxas de empréstimo compatíveis com cada solução de equilíbrio são obtidas, utiliza-se um teste de seleção de modelos para escolher entre elas.

 

Petterini e Jorge Neto (2003) aplicam tal metodologia para o caso do setor bancário brasileiro. Os autores estudam o comportamento de doze dos maiores bancos privados do país utilizando-se de informações semestrais para o período de junho de 1994 a dezembro de 200028.

 

Três soluções de equilíbrio são estudadas: conluio, Bertrand e Bertrand por grupos. Neste último caso, supõe-se que exista coordenação de taxas internamente ao grupo e que exista concorrência de taxas a la Bertrand entre os grupos. A análise destaca três sub-casos referentes ao jogo de Bertrand por grupos: no primeiro, existem dois grupos que decidem as taxas de empréstimo, um formado pelos bancos de controle ou participação estrangeira e o outro formado pelos bancos nacionais; no segundo, existem cinco grupos que decidem as taxas de empréstimo, um composto pelos bancos de controle ou participação estrangeira e os outros compostos por bancos individuais (Bradesco, Itaú, Safra e Unibanco); no terceiro, existem dez grupos, um formado pelos três maiores bancos da amostra (Bradesco, Itaú e Unibanco) e os outros formados pelos bancos individuais restantes.

 

Uma vez estimados os vários modelos, Petterini e Jorge Neto (2003) os comparam utilizando-se de um teste de seleção de modelos devido a Vuong (1989). Com base neste critério, a solução de conluio é sempre rejeitada quando contrastada às outras soluções. As soluções que envolvem Bertrand por grupos também são rejeitadas quando contrastadas com a solução de Bertrand. Assim, os autores concluem que esta última estrutura de mercado é a que se mostra mais compatível com o setor bancário brasileiro. Este resultado é interessante porque, dentre as estruturas imperfeitas de mercado, oligopólio de Bertrand é o que está mais próximo do caso de concorrência perfeita, no sentido de reduzir as perdas de bem-estar associadas com preços acima do custo marginal.

28 A amostra é um painel não balanceado para os seguintes bancos: ABN, BankBoston, BBA, Bilbao Vizcaya, Bradesco, Citibank, HSBC, Itaú, Safra, Santander, Sudameris e Unibanco.

 

Comparando o trabalho de Petterini e Jorge Neto com os trabalhos de Nakane e Belaisch, além da metodologia distinta, existem algumas diferenças com relação aos dados utilizados. Primeiro, como em Nakane e diferentemente de Belaisch, Petterini e Jorge Neto estudam as condições de concorrência somente no mercado de crédito. Segundo, ao contrário de Nakane, contudo, os autores utilizam dados dos balanços contábeis das instituições financeiras para obter tanto o volume quanto as taxas de empréstimo. Com relação ao volume, enquanto Nakane limita-se ao segmento livre, Petterini e Jorge Neto englobam também os créditos direcionados e os repasses de recursos. No que diz respeito às taxas de empréstimo, enquanto Nakane utiliza as taxas anunciadas pelos bancos em suas linhas de empréstimo (taxas ex ante), Petterini e Jorge Neto constroem as taxas de empréstimo através da razão entre as rendas de operações de crédito e as operações de crédito (taxas ex post).

 

Uma terceira diferença está relacionada à amostra mais restrita de bancos utilizada no estudo. Petterini e Jorge Neto incorporam doze bancos privados em seu estudo, contrastando com 49 bancos em Belaisch e com todo o mercado em Nakane (este último, contudo, não utiliza dados individuais dos bancos, mas sim, apenas os dados agregados).

 

Para concluir, ressalte-se, novamente, que, apesar da metodologia, do alcance e dos dados serem bastante distintos entre os três trabalhos, os resultados obtidos chamam mais a atenção pelas suas similaridades que pelas suas diferenças. Assim, a partir das evidências dos três trabalhos, pode-se concluir que: a) a hipótese de que os bancos brasileiros comportam-se como em um cartel/conluio é rejeitada; b) a hipótese de que os bancos brasileiros comportam-se como em concorrência perfeita é rejeitada; c) os bancos brasileiros, portanto, operam em estruturas de mercado imperfeitas que, contudo, apresentam elevado grau de concorrência.

 

  • Poder de Mercado e Spread Bancário

Os estudos sumariados na seção anterior sugerem que o exercício de poder de mercado pelos bancos brasileiros não é elevado. Portanto, não existe muito fundamento na idéia de que os elevados spreads bancários observados no país sejam decorrência da baixa concorrência do setor. Mas, então, como conciliar esta idéia com os próprios estudos do Banco Central que atribuem à margem líquida dos bancos uma contribuição de 40% na composição do spread bancário [vide Banco Central do Brasil (2002)]?

 

Pela metodologia adotada pelo Banco Central para efetuar a decomposição do spread bancário, o componente identificado como margem líquida do banco é obtido por resíduo. Isto implica que, além do elemento de lucro propriamente dito, ele também acabe capturando todos os outros fatores não incluídos na decomposição bem como os erros de medida dos fatores incluídos nesta decomposição29.

 

Um exemplo de um fator não incluído na decomposição do spread bancário é o problema dos subsídios cruzados. Pela existência de crédito direcionado a taxas subsidiadas (e.g. crédito rural, crédito habitacional), parte do spread bancário cobrado sobre operações no segmento livre reflete uma compensação por estas operações. Como na decomposição realizada pelo Banco Central este fator não é explicitamente considerado, ele acaba sendo refletido no componente denominado de margem líquida do banco.

 

Um exemplo de erro de medida sendo capturado pela margem líquida do banco diz respeito ao componente relativo à inadimplência. Em princípio, este componente deveria refletir o prêmio pelo risco de crédito envolvido na operação de empréstimo. Há razões, contudo, para acreditar que, da maneira como ele é calculado, exista uma grande subestimativa deste risco na decomposição realizada pelo Banco Central. O risco de crédito diz respeito não somente à eventualidade do devedor entrar em inadimplência, como também

 

29 Os fatores incluídos na decomposição do spread bancário são: despesas de inadimplência, despesas administrativas, impostos indiretos, impostos diretos e margem líquida do banco.

 

ao processo de recuperação de garantias e do valor emprestado pelo banco. O risco de crédito, portanto, é também afetado pelo tratamento dado aos credores pela legislação falimentar vigente, bem como pela maior ou menor agilidade do processo judicial em promover a recuperação do crédito30. Nenhum desses aspectos é particularmente favorável no país, o que aumenta enormemente o risco de crédito das instituições bancárias [Fachada, Figueiredo e Lundberg (2003)].

 

Em suma, pelas razões mencionadas, a margem líquida do banco identificada na decomposição do spread bancário não pode ser tomada como sinônimo de lucro dos bancos. Em particular, a fração referente ao lucro representa apenas uma parcela da margem líquida.

 

Uma evidência compatível com a interpretação acima é a ausência de lucros extraordinários no setor bancário, conforme o estudo de Málaga, Maziero e Werlang (2003). Os autores mostram que, quando ajustes referentes aos bancos que passaram por problemas de solvência são feitos, o retorno sobre o patrimônio líquido do conjunto dos bancos brasileiros é menor e mais volátil que o das empresas não financeiras na média do período 1995-2001.

 

  • Informação Assimétrica e Custos de Transferência

Pode-se então, a partir das evidências disponíveis, concluir que a existência de poder de mercado nas operações de crédito não é algo relevante? A resposta exige uma qualificação. O que os estudos sobre a indústria bancária brasileira procuraram detectar foi a presença de poder de mercado na sua acepção tradicional. Ou seja, procurou-se investigar se a estrutura de mercado do setor bancário no Brasil poderia ser representada por alguma das estruturas de mercado clássicas da organização industrial.

 

Entretanto, o sistema bancário contém particularidades que o distingue de outros setores econômicos. Uma das particularidades mais relevantes é a presença de assimetria de informações31. Estas peculiaridades fazem com que exista a possibilidade de exercício de poder de mercado sob outras formas, ligadas, sobretudo, à obtenção de rendas (rents) informacionais.

 

Um exemplo típico são as práticas de fidelização do cliente, que geram altos custos de transferência (switching costs)32. A literatura sobre fidelização (customer relationships) em mercados bancários33 sugere que um banco tem uma vantagem sobre seus concorrentes porque, ao emprestar para seus clientes, o mesmo sabe mais a respeito das características dos mesmos que seus rivais. Esta vantagem informacional do banco traduz-se em poder de mercado temporário ex post mesmo quando os bancos são competitivos ex ante, com os bancos capturando parte de rendas informacionais sobre seus clientes [Sharpe (1990)]. A seleção adversa faz com que os melhores clientes acabem sendo “informacionalmente capturados” pelos bancos, criando altos custos de transferência. Ou seja, não é possível para um banco fazer ofertas para atrair os melhores clientes de seu rival sem, ao mesmo tempo, também atrair os de pior qualidade.

 

Existem evidências empíricas de que altos custos de transferência possam ser relevantes em mercados bancários. As altas taxas de empréstimo observadas em cartões de crédito podem ser atribuídas a este fenômeno, conforme as evidências estudadas por Ausubel (1991), por Calem e Mester (1995) e por Stango (2002). Sharpe (1997) mostra que taxas pagas a depositantes estão positivamente relacionadas a maiores fluxos migratórios em mercados locais. Migrantes tipicamente descontinuam de maneira exógena uma relação

 

 

30 Vide Capítulo V deste Relatório.

31 Para uma discussão mais detalhada sobre a importância do uso de informações no setor bancário vide Capítulo VII, “O Uso de Informações no Crédito Bancário”.

32 Klemperer (1995) fornece uma revisão ampla da literatura de custos de transferência.

33 Vide Sharpe (1990) e Dell’Ariccia, Friedman e Márquez (1999).

 

com uma instituição financeira e não estão presos por custos de transferência na escolha de seu novo banco. Evidências a partir de questionários com famílias sugerem que tanto famílias de alta renda e escolaridade quanto famílias de baixa renda e minorias étnicas apresentam altos custos de transferência entre instituições de depósitos, o que diminui a resposta de tais grupos a variações em preços [Kiser (2002)]. Kim, Kliger e Vale (2003), estudando o caso de bancos da Noruega, estimam que custos de transferência podem ser responsáveis por um terço da taxa média de empréstimos.

 

Do ponto de vista da indústria bancária brasileira, modalidades de crédito relacionadas com a manutenção de contas bancárias, tais como cheque especial para pessoas físicas e conta garantida para pessoas jurídicas são tipicamente situações em que os clientes estão presos (locked in) a suas instituições bancárias, pela dificuldade de transferir a instituições competidoras seu histórico cadastral e reputação34. Como resultado de elevados custos de transferência, as taxas de juros nestas modalidades são sensivelmente mais elevadas que em modalidades representando substitutos próximos. Assim, para setembro de 2003, as taxas médias de empréstimos para cheque especial e para conta garantida situavam-se em 152,2% a.a. e 75,4% a.a., respectivamente, as mais elevadas de seus respectivos segmentos. Para contrastar, as taxas médias de crédito pessoal e de financiamento de capital de giro eram de 83,9% a.a. e de 39,4% a.a., respectivamente.

 

Sugere-se então que o poder de mercado na forma de extração de rendas informacionais devido a altos custos de transferência pode explicar os elevados spreads observados entre modalidades como cheque especial e conta garantida quando contrastados com modalidades que são substitutos próximos. É reservada para pesquisa futura a análise mais precisa desta conjectura bem como de outras formas de exercício de poder de mercado pelos bancos no Brasil.

 

Referências

Ausubel, Lawrence M. (1991): “The failure of competition in the credit card market”, American Economic Review, 81, 50-81.

 

Banco Central do Brasil (2002): Economia Bancária e Crédito. Avaliação de 3 anos do projeto Juros e Spread Bancário.

 

Belaisch, Agnès (2003): “Do Brazilian banks compete?”, IMF WP 03/113.

 

Bikker, Jacob A., e Haaf, Katharina (2002): “Competition, concentration and their relationship: An empirical analysis of the banking industry”, Journal of Banking and Finance, 26, 2191-2214.

 

Bresnahan, Timothy F. (1982): “The oligopoly solution is identified”, Economics Letters, 10, 87-92.

 

Calem, Paul S., e Mester, Loretta J. (1995): “Consumer behavior and the stickiness of credit-card interest rates”, American Economic Review, 85, 1327-1336.

 

Dell’Ariccia, Giovanni, Friedman, Ezra, e Marquez, Robert (1999): “Adverse selection as a barrier to entry in the banking industry”, Rand Journal of Economics, 30, 515-534.

 

Fachada, Pedro, Figueiredo, Luiz F., e Lundberg, Eduardo (2003): “Sistema judicial e mercado de crédito no Brasil”, Notas Técnicas do Banco Central do Brasil no. 35.

 

 

 

34 A Resolução 2.808 de 21/12/2000 introduzindo a portabilidade de informações cadastrais foi uma medida adotada com o intuito de tornar mais fácil a transferência de contas entre instituições financeiras.

 

Jaumandreu, Jordi, e Lorences, Joaquin (2002): “Modelling price competition across many markets (An application to the Spanish loans market)”, European Economic Review, 46, 93-115.

 

Kim, Moshe, Kliger, Doron, e Vale, Bent (2003): “Estimating switching costs: the case of banking”,

Journal of Financial Intermediation, 12, 25-56.

 

Kiser, Elizabeth K. (2002): “Predicting household switching behavior and switching costs at depository institutions”, Review of Industrial Organization, 20, 349-365.

 

Klemperer, Paul (1995): “Competition when consumers have switching costs: An overview with applications to industrial organization, macroeconomics, and international trade”, Review of Economic Studies, 62, 515-539.

 

Lau, Lawrence J. (1982): “On identifying the degree of competitiveness from industry price and output data”, Economics Letters, 10, 93-99.

 

Málaga, Tomás, Maziero, Pricila, e Werlang, Sérgio R. da C. (2003): “Estudo de rentabilidade bancária”, Banco Itaú, Consultoria Econômica.

 

Nakane, Márcio I. (2002): “A test of competition in Brazilian banking”, Estudos Econômicos, 32, 203-224.

 

Panzar, J, e Rosse, James (1987): “Testing for ‘monopoly’ equilibrium”, Journal of Industrial Economics, 35, 443-456.

 

Petterini, Francis C., e Jorge Neto, Paulo de M. (2003): “Competição bancária no Brasil após o plano Real”, mimeo.

 

Rocha, Fernando A. S. (2001): “Evolução da concentração bancária no Brasil (1994-2000)”, Notas Técnicas do Banco Central do Brasil no. 11.

 

Sharpe, Steven A. (1990): “Asymmetric information, bank lending, and implicit contracts: A stylized model of customer relationships”, Journal of Finance, 45, 1069-1087.

 

—— (1997): “The effect of consumer switching costs on prices: A theory and its application to the bank deposit market”, Review of Industrial Organization, 12, 79-94.

 

Stango, Victor (2002): “Pricing with consumer switching costs: evidence from the credit card market”,

Journal of Industrial Economics, 50, 475-492.

 

Tonooka, Eduardo K., e Koyama, Sérgio M. (2003): “Taxa de juros e concentração bancária no Brasil”, Trabalhos para Discussão do Banco Central do Brasil no. 62.

 

Vives, Xavier (1985): “On the efficiency of Bertrand and Cournot equilibria with product differentiation”, Journal of Economic Theory, 36, 166-175.

 

Vuong, Quang H. (1989): “Likelihood ratio tests for model selection and non-nested hypotheses”,

Econometrica, 57, 307-333.

 

  • – O Uso de Informações no Crédito Bancário

Victorio Yi Tson Chu* Ricardo Schechtman*

 

 

Neste capítulo analisamos os custos ou fricções informacionais existentes entre o devedor e o credor, com o intuito de encontrar formas de aumentar a oferta de crédito e/ou reduzir o spread dos empréstimos e financiamentos das instituições financeiras.

 

A importância da informação tanto para tomadores de crédito como para emprestadores de recursos é crucial e vem sendo abordada há longa data. Um dos artigos clássico expondo as peculiaridades da informação para os emprestadores de recursos é Leland e Pyle (1977). Os credores tipicamente enfrentam o problema de assimetrias de informação pois não conhecem plenamente as características dos tomadores de recursos. No caso dos tomadores de recursos, a principal ênfase se dá quanto aos aspectos da dispersão dos preços, mais especificamente das taxas de juros das operações de crédito. Face à dispersão dos preços, o tomador de recursos incorre em custos para realizar o trabalho de pesquisa.

 

O capítulo está estruturado em três seções. A seção VII.1 apresenta os problemas informacionais no que toca ao tomador do crédito. A seção VII.2 discute teoricamente a questão informacional do fornecedor do crédito, atentando para o tipo de informação e para o uso que se faz da mesma. Por fim a seção VII.3 ilustra empiricamente os benefícios da consideração de informações não negativas em modelos de previsão de inadimplência, utilizando dados da Central de Risco de Crédito (CRC) do Banco Central.

 

  • Uso da Informação pelos Tomadores de Crédito

Os maiores problemas informacionais encontrados pelo tomador se devem à dispersão das taxas e à não transparência da precificação do crédito de acordo com as características individuais do tomador. Há ainda, particularmente no caso dos pequenos tomadores, os custos de mudança (switching-costs), que, no aspecto informacional, se devem ao desconhecimento da instituição financeira das características do novo cliente.

 

Em relação ao problema da dispersão, um dos primeiros artigos a trabalhar sobre o tema, de forma geral, foi Stigler (1961), que aborda os preços dos bens, sua dispersão e o conseqüente custo informacional de pesquisa. No caso das taxas de juros brasileiras, em trabalho recente, Nakane e Koyama (2003) abordam o mercado de crédito brasileiro. Esse trabalho utiliza-se do experimento natural relativo à disponibilização no site do Banco Central, a partir de outubro/99, das taxas de empréstimos e financiamentos para nove modalidades de crédito com taxas de juros pré-fixadas para examinar o efeito do custo de pesquisa na dispersão das mesmas. Com base em dados de março de 1997 a julho de 2002 foram encontrados efeitos relevantes do custo de pesquisa na dispersão das taxas em todas as modalidades de crédito a taxas de juros pré-fixadas, exceto para desconto de duplicatas, mesmo considerando efeitos fixos ao nível dos bancos, fatores macroeconômicos e o comportamento da taxa média de empréstimo.

 

Entretanto, como existem muitas características associadas aos tomadores de recursos tais como o risco e o grau de reciprocidade relativa às outras operações realizadas junto ao credor, o processo de pesquisa da melhor taxa de juros do empréstimo ou financiamento não é suficiente para eliminar a  dispersão.  Para  uma  mesma  operação de  crédito,  em  termos  de  modalidade,  prazo e/ou

 

  • Departamento de Estudos e Pesquisas, Banco Central do Os autores agradecem os comentários e sugestões de Roberto L. Troster. As opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente dos seus autores e não refletem necessariamente a visão do Banco Central do Brasil.

 

valor, pode-se ter taxas de juros bem distintas em função das características do tomador. Todavia, tal relação de implicação tipicamente não está inteiramente clara para o tomador devido à não transparência da precificação do crédito. Isto dificulta sensivelmente a tarefa do tomador de obtenção da melhor taxa, mesmo incorrendo em custos de pesquisa.

 

Um exemplo de medida para minimizar os problemas relativos ao custo de pesquisa e à não transparência da precificação do crédito poderia ser a introdução no site de cada banco de um simulador de operações de crédito. Os dados de entrada para tal simulação poderiam ser padronizados e, em grande parte, obtidos pelo cliente junto ao seu próprio banco, de forma similar à obtenção de um extrato. O simulador forneceria então, mediante uma metodologia baseada em credit scoring por exemplo, um intervalo de taxas para cada conjunto de dados de entrada fornecidos. Isto transmitiria uma maior clareza aos potenciais tomadores sobre os critérios usados por cada banco na precificação do crédito. Ademais, através do uso dos simuladores de cada banco, o cliente poderia facilmente comparar as condições de empréstimo do seu banco com as de um banco rival, diminuindo assim o seu custo de pesquisa35.

 

Por fim faz-se necessário abordar também o problema dos custos de mudança. Este relaciona-se ao fato de que as características do novo tomador demandam um certo tempo de interação com o credor para serem determinadas. Por exemplo, haveria custo de mudança quando o tomador soubesse que uma determinada instituição financeira estivesse praticando, seja temporariamente ou permanentemente, uma taxa mais baixa numa determinada modalidade de operação de crédito. O tomador não conseguiria obter o crédito imediatamente pois o emprestador, não conhecendo as características individuais do tomador, não lhe ofereceria essa melhor taxa. Esse problema da incerteza da qualidade do agente econômico, conhecido também como o problema de identificação dos “lemons”, foi apresentado num artigo clássico de Akerlof (1970).

 

  • Aspectos Teóricos do Uso da Informação pelos Credores

A abordagem econômica da informação sob a ótica do credor, tanto em relação à estrutura de informação como em relação às conseqüências desta para a estrutura de mercado financeiro, recebeu extenso tratamento de uma literatura econômica ampla e variada36.

 

Nesta seção descrevemos os principais resultados obtidos em Chu (2003). Tal artigo faz uso da teoria dos jogos e define a seguinte estrutura de informação: (1) negativa como a informação que aumenta o risco do devedor e, conseqüentemente, o spread bancário; (2) positiva como a informação que afeta o spread bancário no sentido de diminuí-lo, beneficiando o tomador. O artigo obtém, através de um único modelo, várias proposições freqüentemente encontradas na literatura econômica de forma esparsa.

 

Mais especificamente, em Chu (2003) estão contidos os seguintes resultados:

 

R1) Quando um devedor ficar inadimplente, seu credor irá comunicar a todos os potenciais fornecedores de crédito a sua inadimplência, de tal forma que o primeiro ficará sem crédito no mercado. Isto gera incentivos para que os tomadores permaneçam adimplentes.

 

Esse resultado é similar ao encontrado por Padilla e Pagano (2000). De fato esse resultado teórico é confirmado através de dois exemplos práticos no Brasil: (1) a criação da SERASA pelos bancos, inicialmente trabalhando apenas com informações negativas fornecidas pelos mesmos e (2) a criação pelas associações comerciais do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) para compartilhar a informação negativa dos seus associados.

 

35 A comparação poderia ser feita em termos de uma mesma modalidade, prazo e/ou valor.

36 Uma boa referência para essa literatura é o livro do Freixas e Rochet (1997).

 

As instituições financeiras nas suas operações rotineiras com os seus clientes (compensação de cheques, emissão de extrato, aplicações financeiras, etc.) obtêm dados relativos a uma série de características positivas que auxiliam na estimação do risco do cliente como um tomador de crédito. Essa informação econômico-financeira quase sempre não é compartilhada pois ela permite que a instituição financeira explore uma renda (rent) informacional do tomador. Dessa forma, chega-se ao segundo resultado:

 

R2) Os bancos não compartilham com outros bancos as informações positivas obtidas nas operações com seus clientes.

 

Este resultado possui duas implicações:

 

R2.i) Os clientes de um banco, ao mudarem para outro banco, irão se defrontar com um custo informacional na mudança uma vez que o novo banco levará um certo tempo de relacionamento para conhecer a qualidade do novo cliente. Utilizando dados de painel, Kim et al. (2001) estimam esse custo de mudança em 4,1 pontos percentuais para o mercado norueguês durante o período de 1988 a 1996. Tal taxa corresponde a cerca de um terço da média da taxa de juros dos empréstimos durante o período naquele país.

 

R2.ii) Em conseqüência da existência do custo de mudança, o banco incumbente consegue extrair uma renda informacional dos seus bons clientes. Essa renda informacional consiste em cobrar um spread acima do correspondente ao risco desse bom cliente. Outros trabalhos também indicam a existência e a extração pelo banco dessa renda informacional, como Sharpe (1990) e Dell’Ariccia (2001). Ademais, a renda informacional dos clientes, entre outros fatores, contribui para a persistência dos lucros bancários (vide Berger et al. (1999)).

 

Por fim, o último resultado corresponde a uma variação de proposições contidas em Chu (2003):

 

R3) A renda informacional dos clientes é uma fonte de lucros dos bancos. Em vista disso os bancos irão competir na aquisição de novos clientes através de subsídios37, quer via redução de tarifas, via spreads abaixo do ponto esperado de equilíbrio38 ou diminuindo os custos de fila e transporte39. Muitos dos novos clientes se tornarão good old clientes e, conseqüentemente, gerarão renda informacional no futuro.

 

De fato, o subsídio ao custo de transporte/fila acima referido, embora seja o benefício menos visível, é um dos instrumentos mais utilizados entre os bancos de varejo na disputa pelos novos clientes40. Ao abrirem novas agências próximas de regiões que já possuem agências ou em áreas novas os bancos objetivam diminuir o custo de transporte/fila e o tempo de deslocamento dos seus clientes. Todavia esta estratégia pode eventualmente “canibalizar” parte dos clientes das suas agências já existentes, resultando numa baixa escala das mesmas. A viabilidade econômica desta situação requer então a cobrança dos good old clientes de spreads mais altos que os condizentes com seus riscos esperados.

 

A conseqüência dos spreads maiores é a redução da demanda total de crédito. Muitos bancos, por exemplo, oferecem CDC (crédito ao consumidor) ou cheque especial com taxas extremamente elevadas de

 

 

37 Como no artigo referido o tema é informações e empréstimos bancários, o subsídio aos novos clientes se daria através de um spread abaixo do risco esperado. Aqui, numa interpretação mais ampla, incluímos subsídios ao custo operacional e de transporte/fila dos novos clientes.

38 Exemplo de spread abaixo do ponto esperado de equilíbrio: dá-se ao novo cliente, que pode ser bom ou mau, uma taxa de spread um pouco abaixo do spread condizente com o risco esperado da população de bons e maus clientes.

39 Vide os modelos clássicos de demanda por moeda de Baumol-Tobin: Baumol (1952) e Tobin (1956).

40 Existem alguns bancos com pequena rede de agências que possuem motoboys para buscar malotes de depósito no domicílio/empresa do correntista.

 

modo que muitos bons clientes não tomam essas linhas. Entretanto, os bancos não reduzem estas taxas para encontrar as taxas de juros de reserva desses clientes41.

 

Algumas soluções citadas na imprensa tais como diminuir ou acabar com extratos grátis ou diminuir as horas de atendimento das agências apenas aumentam o preço do serviço bancário. Tendo-se em vista que o problema referido origina-se na questão da escala, a solução para o excesso de agências bancárias e os conseqüentes spreads elevados poderia ser a fixação, mediante regulação bancária, de um nível mínimo de ativos médio por agência. Ficaria a critério de cada banco a distribuição desses ativos entre as suas agências: se uma agência estiver abaixo do mínimo outra teria que compensar ficando acima do nível42.

 

  • Evidências Empíricas da Consideração de Informações Não- negativas no Brasil

Historicamente os relatórios de crédito, na maioria dos países, iniciaram-se com a consideração de informações majoritariamente negativas. Apenas em fases posteriores a consideração de informações de natureza positiva começou a receber maior atenção. Por outro lado, os bureaus públicos de crédito, mais comuns nos países da América Latina, tipicamente obrigam as instituições financeiras a prover informações de ambos os tipos, conforme Miller (2000), e portanto servem como uma base comum onde os dois conteúdos informacionais podem ser simulados. Estas duas possibilidades de conteúdo dão margem a dois modelos de credit scoring para previsão de default, um baseado estritamente em informações negativas (modelo negativo) e outro que incorpora também informações de tipo não-negativa (modelo completo)43. Esta seção busca comparar as qualidades de discriminação dos dois tipos de modelos, bem como estimar os efeitos na oferta de crédito e nas inadimplências realizadas do uso corrente dos mesmos44.

 

Toda a análise desta seção está baseada nos dados da Central de Risco de Crédito do Banco Central e os dados usados para a estimação compreendem os registros de tomadores corporate do período de Outubro de 2000 até Outubro de 2002. A etapa inicial do estudo consistiu em derivar variáveis potencialmente explicativas de default dos dados brutos da CRC. Baseada nessas variáveis uma regressão logística é ajustada via procedimento backward. Tal estimação é conduzida sobre uma amostra de construção de modelo enquanto uma outra amostra é separada para a tarefa de validação. O modelo daí resultante é o mesmo que serve de base para o cálculo das probabilidades de default (PDs) no capítulo deste relatório sobre Basiléia II e uma descrição mais detalhada do procedimento de estimação pode ser encontrada lá ou ainda em Schechtman et al. (2003). Em particular, a definição de default, a caracterização de exposição de crédito e de tomador corporate e a delimitação da base de dados são as mesmas que as usadas no capítulo referido.

 

Para fins deste estudo as treze variáveis significativas do modelo final são aqui classificadas como negativas ou não-negativas. A noção de informação negativa aqui empregada relaciona-se à variável que carrega informação sobre existência de atraso, proporção da exposição em atraso ou proporção da exposição em default45. Por modelo negativo passa-se a entender o ajuste de uma nova regressão logística sobre somente as variáveis explicativas negativas enquanto o modelo completo inclui todas as treze variáveis iniciais. A primeira conclusão é que a inclusão das variáveis não-negativas revela-se significativa para a

 

41 O argumento dos bancos de risco elevado para justificar a alta taxa do cheque especial é difícil de entender: mesmo quando o cliente possui diversas aplicações (CDB, por exemplo) no banco, de modo que há colateral em forma de caixa, a taxa de juros do cheque especial ainda é alta.42 Essa proposta está em conformidade com um maior acesso da população aos serviços bancários pois os ganhos de escala possibilitam a diminuição do limiar de renda do cliente necessário para o usufruto destes serviços.

43 Ao longo desta seção dá-se preferência ao uso do termo não-negativo em vez do termo positivo por julgar-se o primeiro mais abrangente.

44 Esta seção está baseada em Schechtman (2003).

45 Mais especificamente as variáveis incluídas no modelo negativo são dummy de atraso em 10/01, dummy de atraso em 10/01 no sistema, dummy de atraso no período, dummy de atraso no período no sistema, proporção de atraso em 10/01, proporção de atraso em 10/01 no sistema e proporção mensal média da responsabilidade em default. As demais variáveis que compõem o modelo completo são classificação em 10/01, pior classificação, número de IFs, logaritmo da exposição no sistema, dummy de aumento da responsabilidade no sistema e conglomerado. Ver capítulo sobre Basiléia II.

 

explicação da ocorrência dos defaults. Isto é verificado ao nível de confiança de 1% através de um teste de significância conjunta para as variáveis não-negativas rodado sobre o modelo completo (p-value < 0,0001, X2 (42)=1119,6183). A importância das variáveis não-negativas é também confirmada através do aumento substancial da medida de ajustamento pseudo-R2 de 0,138 no modelo negativo para 0,231 no modelo completo46.

 

Já a qualidade de discriminação dos dois modelos pode ser examinada através das curvas de sensitividade e especificidade. A construção dessas está baseada no procedimento de classificação que é

Figura 1: Sensitividade

 

100

 

90

 

80

 

70

 

60

 

50

 

40

0                     0.02                   0.04                   0.06                   0.08                   0.1                    0.12                   0.14

PD

 

 

 

Figura 2: Especificidade

 

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

0                     0.02                   0.04                  0.06                   0.08                   0.1                   0.12                   0.14

PD

 

condicional ao valor de corte de PD presente no eixo x: exposições com PD maior que o ponto de corte são previstas como inadimplentes enquanto as demais são previstas como adimplentes. Sensitividade é então definida como a proporção das exposições inadimplentes corretamente classificadas como tal. Especificidade é, por sua vez, a proporção das exposições adimplentes corretamente classificadas assim. As duas curvas, calculadas sobre a amostra de construção e para ambos os modelos, são mostradas abaixo.

Observa-se que as curvas do modelo completo são mais suaves que a do modelo negativo. Isto decorre do fato de a distribuição de PDs estimada pelo modelo negativo estar concentrada num número menor de valores. Para níveis de PD acima de 2,5% o modelo completo apresenta sensitividade consideravelmente maior. Isto mostra que a inclusão de informações não-negativas melhora substancialmente a capacidade de previsão de default. Já a especificidade é maior no modelo completo apenas até o nível de

46 A medida de pseudo-R2 é definida como 1 – L /L onde L e L denotam respectivamente as log-verossimilhanças do modelo que contém

1      0                     0            1

apenas o intercepto e do modelo que contém o intercepto e as variáveis dependentes. É conveniente ressaltar que ela assume em regressões logísticas valores tipicamente bem inferiores aos assumidos pela usual medida R2 de regressões lineares.

 

PD de 5%. Para PDs maiores as especificidades dos dois modelos caminham muito próximas. As curvas de sensitividade e especificidade também foram calculadas para a amostra de validação e apresentam resultados muito próximos aos da amostra de construção47.

 

Figura 3: Curvas ROC – Amostra de Construção

 

1

0.9

0.8

0.7

0.6

0.5

0.4

0.3

0.2

0.1

0

0               0.1             0.2              0.3             0.4              0.5             0.6             0.7             0.8              0.9                 1

1-Especificidade

 

 

Figura 4: Curvas ROC – Amostra de Validação

 

 

1

0.9

0.8

0.7

0.6

0.5

0.4

0.3

0.2

0.1

0

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

0       0.1      0.2      0.3      0.4      0.5

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

0.6

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

0.7

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

0.8       0.9        1

 

1-Especificidade

 

 

 

Se para cada nível de corte de PD o valor de sensitividade for “graficado” contra um menos a especificidade chega-se à curva ROC (“Receiver Operating Characteristic”) do modelo em questão. Abaixo são apresentadas as curvas ROC de ambos os modelos, completo e negativo, construídas sobre as amostras de construção e de validação.

 

A área sob a curva ROC (a ser denominada por A) mede a qualidade de discriminação do modelo. O modelo com discriminação perfeita é aquele que apresenta a curva ROC vertical no nível especificidade=1 e horizontal no nível sensitividade=1, tendo portanto área A igual a 1. O modelo sem nenhum poder de discriminação apresenta curva ROC igual à função identidade e possui área A igual a 0,5. Para modelos realistas a área A está entre 0,5 e 1. No presente estudo, encontra-se, na amostra de construção, A=0,829 para o modelo completo e A=0,745 para o modelo negativo. Para   a amostra de validação estes valores são respectivamente 0,818 e 0,740. Estes números permitem, segundo regra geral contida em Hosmer e Lemeshow (2000), atribuir ao modelo completo a qualidade de “excelente” discriminação e ao modelo

 

47 A estimação das PDs que servem de base para a construção das curvas de sensitividade e especificidade na amostra de construção já incorpora um ajuste para reduzir o viés introduzido pela estimação dos erros sobre a mesma amostra de construção do modelo.

 

negativo apenas “aceitável” discriminação. Isto indica que a inclusão de informações não-negativas melhora o poder de discriminação do modelo puramente negativo. Uma possível extensão desta análise, não levada a cabo aqui, é conduzir um teste de hipótese para checar a que nível de significância a diferença entre as áreas é significativa, levando-se em consideração a covariância entre elas, conforme proposto por Engelmann et al. (2003).

 

O efeito da inclusão de informações não-negativas sobre as taxas de inadimplência realizadas ex- post pode ser examinado através da tabela abaixo, cuja construção explica-se da seguinte forma. Para cada modelo e cada amostra as exposições são primeiramente ordenadas por PD crescente. Dada uma taxa de aprovação de x%, calcula-se então a taxa de default realizado média do grupo de x% menores PDs, o grupo aprovado. Tal análise baseia-se no artigo de Barren e Staten (2000) e os números aqui encontrados revelam-se próximos aos deles. A tabela indica que, qualquer que seja a taxa de aprovação almejada, a inclusão de informações não-negativas contribui para a redução das inadimplências realizadas, sendo tal efeito maior percentualmente para menores objetivos de aprovação. Em particular, a um nível de aprovação almejada de 60%, o modelo negativo produz na amostra de construção uma taxa de default real de 3,37%, 82,84% superior à taxa produzida pelo modelo completo, de 1,84%.

 

Tabela 1 – Taxa de Default versus Taxa de Aprovação Almejada

 

Aprovação almejada Taxa de Default – Amostra Construção Taxa de Default – Amostra Validação
Modelo

Completo

Modelo

Negativo

Aumento

Percentual

Modelo

Completo

Modelo

Negativo

Aumento

Percentual

40% 1,30% 2,78% 114,48% 1,44% 2,97% 105,86%
60% 1,84% 3,37% 82,84% 1,99% 3,39% 70,54%
80% 2,88% 3,74% 29,91% 3,03% 3,73% 23,09%
100% 6,77% 6,77% 0,00% 6,76% 6,76% 0,00%

 

O impacto do uso dos dois modelos sobre a oferta de crédito também pode ser estimado seguindo- se procedimento análogo ao contido em Barron e Staten (2000). Neste caso, após as exposições serem ordenadas por PD crescente, calcula-se progressivamente a taxa de default real média até se chegar à taxa de default almejada. Este ponto fornece o numero de exposições aprovadas e daí as taxas de aprovação. A tabela abaixo indica que, qualquer que seja a taxa de default real, o modelo negativo aprova menos que o modelo completo, sendo tal diferença, em termos percentuais, maior, em geral, para menores taxas de default48. Uma taxa de default real de 3% é por exemplo, segundo a amostra de construção, consistente com a aprovação de 82.270 exposições dentre um grupo de 100.000 no modelo completo, enquanto para o modelo negativo tal consistência mantém-se apenas para o número de aprovados de 55.840.

 

Tabela 2 – Taxa de Aprovação versus Taxa de Default Almejado

 

Default

almejado

Taxa Aprovação – Amostra Construção Taxa Aprovação – Amostra Validação
Modelo

Completo

Modelo

Negativo

Diminuição

Percentual

Modelo

Completo

Modelo

Negativo

Diminuição

Percentual

2,00% 65,08% 49,20% 24,39% 60,18% 49,77% 17,30%
3,00% 82,27% 55,84% 32,13% 79,73% 50,47% 36,70%
4,00% 91,53% 84,81% 7,34% 91,44% 83,87% 8,29%
5,00% 96,23% 94,36% 1,95% 95,86% 94,32% 1,60%

 

As duas tabelas anteriores sugerem que um ambiente que possibilita aos bancos ou credores de forma geral usar um modelo completo implica em menores taxas de inadimplência ex-post e numa maior oferta de crédito. Tais benefícios são importantes de serem considerados quando do desenho de bureaus de crédito e devem ser confrontados com os custos de inclusão/armazenamento do conjunto adicional de informações.

48 A exceção é a comparação entre as   taxas de aprovação relativas às taxas de default de 2% e 3%.

 

Uma observação final desta seção refere-se ao fato de que aqui os modelos de credit scoring terem sido rodados sobre uma base de tomadores grandes, denominados genericamente de corporate. Este não é o mundo mais usual de aplicação de tais modelos, já que neste caso fatores de natureza mais subjetiva, como a avaliação dos administradores, passam a ter por parte da instituição credora um peso significativo na classificação do tomador e conseqüentemente na determinação de seu PD. Não obstante, para efeito de conhecimento armazenado na estrutura atual da CRC do Banco Central, todos os tipos de tomadores, pessoas físicas ou jurídicas, grandes ou pequenos, são iguais e daí sujeitos a receberem o mesmo procedimento de avaliação de risco de crédito.

 

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  • – Simulação dos Efeitos de Basiléia II (IRB) para Requerimentos de Risco de Crédito Utilizando Dados da Central de Risco

 

Ricardo Schechtman*

 

  • Introdução

Este estudo se insere no contexto das discussões relativas ao Novo Acordo de Capital de Basiléia, o chamado Basiléia II, promovidas pelo Comitê de Supervisão Bancária de Basiléia. Uma das principais inovações desse acordo em relação à sua versão anterior concerne à regulação de capitais mínimos para risco de crédito. O Novo Acordo objetiva aproximar as noções de capital regulatório e capital econômico ou, em outras palavras, tornar o capital regulatório mais sensível aos níveis de risco presentes nas carteiras de crédito dos bancos. Isto potencialmente serve para reduzir os problemas de arbitragem regulatória49.

 

As propostas de Basiléia II para a regulamentação de risco de crédito abrangem 3 abordagens, em crescentes níveis de complexidade. Neste artigo o foco é na abordagem intermediária IRB foundation (Basel 2001), uma vez que a abordagem mais simples não deve produzir mudanças substancias nos requerimentos correntes no Brasil e que a abordagem mais avançada entende-se ser muito sofisticada para o estado atual de desenvolvimento do sistema bancário brasileiro. Na abordagem IRB foundation cada banco estima seu conjunto de parâmetros de PD (probabilidade de default) enquanto a entidade regulatória provê as outras entradas. O objetivo deste artigo é simular a aplicação real desta abordagem no Brasil utilizando-se dos dados da Central de Risco de Crédito do Banco Central do Brasil (CRC). Em particular, mostra-se que os dados da CRC são úteis para a estimação de PDs e portanto pode-se visualizar a CRC como uma fonte valiosa de informação, dada a falta de tradição de agências de rating na economia brasileira.

 

A simulação dos requerimentos do IRB foundation torna possível compará-los com os requerimentos regulatórios correntes brasileiros, fornecendo uma idéia de como Basiléia II, na sua forma IRB, deve afetar as obrigações mínimas do sistema. Ainda mais pode ser dito sobre tal comparação, fazendo-se uso de um terceiro elemento: um modelo risco de crédito ao nível de carteira. Esta questão é explorada na parte final deste estudo.

 

O artigo está estruturado da seguinte forma: as seções VIII.2 e VIII.3 descrevem respectivamente a CRC e a regulação brasileira para provisão e alocação de capital. A seção VIII.4 inicia a etapa de modelagem propriamente dita com a estimação das probabilidades de default. Estas desempenham o papel de parâmetros de entrada no exercício de simulação de Basiléia II, levado a cabo na seção VIII.5. A seção

VIII.6 apresenta a aplicação do modelo CreditRisk+ e compara os resultados com a regulação corrente e com a proposta por Basiléia II. Considerações finais estão presentes na seção conclusiva VIII.7.

 

 

 

 

 

  • Departamento de Estudos e Pesquisas, Banco Central do O autor agradece os comentários e sugestões de Roberto L. Troster. As opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente do autor e não refletem necessariamente a opinião do Banco Central do Brasil. Este artigo é uma versão resumida de Schechtman et al. (2003). Do artigo maior são co-autores os colegas e ex-colegas do Banco Central Valéria Salomão Garcia, Sérgio Mikio Koyama e Guilherme Cronemberger Parente. O autor gostaria ainda de agradecer Luciana Graziela Araujo Cuoco e Plinio Cesar Romanini, ambos do Departamento de Supervisão Indireta, pelas suas muito apreciadas colaborações. Comentários e sugestões são bem vindos e devem ser enviados para [email protected].

49 Ver por exemplo Jackson e Perraudin (2000).

 

  • A Central de Risco de Crédito do Bacen

A Central de Risco de Crédito foi estabelecida em meados de 1997 pelo Banco Central do Brasil com o objetivo de aprimorar as atividades de supervisão bancária. Em geral todas as instituições financeiras (IFs) com carteiras de crédito são requeridas a prover informações à CRC50. Exposições de crédito reportadas englobam empréstimos em geral, i.e. créditos rotativos, financiamento de veículos, financiamentos imobiliários, operações de leasing, operações de câmbio e coobrigações.

 

A informação disponível na CRC é fornecida pelas IFs com periodicidade mensal e de forma consolidada por tomador e por classificação de risco. Além dos valores monetários emprestados, a informação consiste da classificação de risco, das faixas de maturidade e de atraso51.

 

Em julho de 2002 o número total de registros na CRC era superior a 7 milhões: 72% relativos a indivíduos (representando 27% do total das exposições de crédito) e 28% relativos a firmas (representando 73% das exposições de crédito). Naquele mês o número de consultas externas à base de dados foi de 754 mil.

 

  • Regulação Corrente Brasileira para Provisão e Alocação de Capital

No Brasil, a abordagem regulatória atual para risco de crédito consiste da implementação do Acordo de Capital de 1988 através da Resolução 2099/94 e da regulação para classificação e provisão de empréstimos estabelecida pela Resolução 2682/99.

 

A Resolução 2099/94 lançada em agosto de 1994 introduziu no Brasil o Acordo de Capital de 1988 exigindo capital sobre ativos ponderados pelo risco. Mais tarde, a Resolução foi complementada por outras que introduziram requerimentos de capital para risco de mercado. O patrimônio líquido exigível (PLE) atualmente em vigência no Brasil é dado pela seguinte expressão:

 

PLE = 11% åAPR + Outros requerimentos de capital onde

S APR= soma dos ativos ponderados pelo risco. (Os empréstimos têm ponderação de 100% e entram líquidos de provisão).

Outros requerimentos de capital = capital para risco de crédito de swaps + capital para risco de mercado de taxa de juros + capital para risco de mercado de câmbio.

 

Já a Resolução 2682/99 estabeleceu que as instituições financeiras deveriam classificar suas exposições de crédito em nove níveis de risco de acordo com o sistema de classificação abaixo. Cada nível de risco é associado a um particular percentual de provisão. Todas as exposições de um mesmo tomador devem ser classificadas de acordo com a operação de maior risco dentro da IF, tanto para propósitos de provisão quanto de organização da informação na CRC52.

 

 

 

 

 

 

 

50 Bancos múltiplos, bancos comerciais, caixas econômicas, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, companhias hipotecárias, financeiras, companhias de leasing e cooperativas (começaram a prover dados em abril de 2001).

51 Classificação de risco segundo a Resolução 2682/99 do Banco Central. Ver próxima seção sobre a regulação corrente brasileira.

52   Em circunstâncias excepcionais (e.g. colaterais líquidos) permite-se considerar mais que uma classificação por tomador.

 

Tabela 1 – Estrutura da Resolução 2682/99

 

Classificação AA A B C D E F G H
Provisão (%) 0 0,5 1 3 10 30 50 70 100
Níveis de atraso (dias) 15-30 31-60 61-90 91-120 121-150 151-180 >180

 

Como uma regra geral, as classificações devem ser revistas a cada 12 meses. Classificações também devem ser revistas a cada 6 meses quando o débito do tomador ou de seu grupo for maior que 5% do capital regulatório. Finalmente, as classificações devem ser revistas mensalmente em caso de operações com atraso, quando as regras de classificação especificadas na tabela acima devem ser aplicadas53.

 

  • Estimação de Probabilidades de Default através de um Modelo de Credit Scoring

Nesta seção são estimadas probabilidades de default anuais para exposições de crédito adimplentes concedidas por grandes IFs a tomadores corporate com data base de outubro de 200154. Cada exposição de crédito é caracterizada por um par tomador-instituição financeira de modo que o mesmo tomador possa ter diferentes PDs estimados em diferentes IFs, mas apenas um único PD em cada IF. Definem-se tomadores corporate como aqueles que detêm pelo menos R$1milhão de empréstimos em alguma IF em outubro de 2001, desde que não pertençam ao setor público55. Toda a análise é baseada na base de dados do sistema da Central de Risco de Crédito do Banco Central do Brasil e os dados usados para a estimação compreendem os registros de tomadores corporate do período de outubro de 2000 a outubro de 2002.

 

A base de dados usada na construção do modelo divide-se em duas partes. Registros relativos ao período de outubro de 2000 a outubro de 2001 são usados para a construção das variáveis explicativas de default. Variáveis contínuas, discretas, dummies e categóricas são construídas com este propósito a partir dos dados brutos da CRC. Por outro lado registros relativos ao período de novembro de 2001 a outubro de 2002 servem para a definição da variável dependente, caracterizadora do estado de default ou não-default. Mais especificamente, um tomador é considerado estar em default numa dada IF se sua classificação “média” nela, de acordo com a Resolução 2682/99, for igual ou pior que “E”, em algum mês de novembro de 2001 a outubro de 200256,57. Exposições com classificação igual ou pior que “E” em outubro de 2001 são consideradas diretamente como default e PDs não são estimados nestes casos58.

 

A construção da lista de variáveis potencialmente explicativas de default foi inspirada nas sugestões contidas em Barron & Staten (2000) mas baseada principalmente na experiência prática dos departamentos de supervisão do Banco Central do Brasil. Uma detalhada caracterização de todas as variáveis consideradas é encontrada em Schechtman et al. (2003).

 

O modelo de credit scoring usado foi a regressão logística e a estimação conduzida através de um procedimento backward baseado no teste da razão de verossimilhança. Além das variáveis inicialmente

 

53 Depois de seis meses o banco deve lançar a prejuízo a operação classificada como H.

54   Consideram-se apenas instituições financeiras que detenham um mínimo de 200 exposições de crédito corporate.

55 Devido a limitações computacionais do sistema da base de dados da atual Central de Risco este estudo é restrito ao universo dos tomadores corporate. Isto, no entanto, não é tão restritivo em termos de estimação de um modelo de PD caso assuma-se que a informação relativa a tomadores grandes é geralmente mais acurada que aquela relativa a tomadores pequenos.

56 Quando era o caso de o tomador possuir mais que uma classificação numa dada IF então a sua classificação média na IF foi calculada baseada na média ponderada dos níveis mínimos de provisão associados às diferentes classificações de risco existentes.

57 Exposições que não duram o período inteiro são reconhecidas como default ou não-default através exclusivamente dos meses de suas vigências.

58 De fato aproximadamente 90% das exposições piores ou iguais a “E” em outubro de 2001 mantêm esta faixa de classificação em algum mês do próximo ano.

 

sugeridas foram testadas também a inclusão de efeitos de interação e a discretização de variáveis baseada no uso de uma rotina de árvore de classificação59. Na maioria dos casos estas tentativas resultaram em nenhum poder explicativo adicional.

 

O procedimento backward identificou, no final, 13 variáveis significativas. Seus coeficientes estão mostrados na tabela abaixo e uma breve descrição das mesmas está contida no Apêndice60. O teste de ajustamento de Hosmer & Lemeshow apresenta para este modelo final o valor de estatística de 8,3701 (p- value = 0,3982), indicando portanto uma boa qualidade de ajustamento.

 

Tabela 2 – Modelo de Previsão de Default

 

Parâmetro Estimativa Desvio-padrão Pr > ChiSq
Intercepto -4.3625 0.5510 <.0001
Classificação em 10/01 A          0.3236 0.0941 0.0006
Classificação em 10/01 B          0.6311 0.0958 <.0001
Classificação em 10/01 C          0.9200 0.1153 <.0001
Classificação em 10/01 D          1.7815 0.1326 <.0001
Pior classificação C          0.2434 0.0930 0.0089
Pior classificação D          0.4768 0.1106 <.0001
Pior classificação E-H        0.6950 0.1493 <.0001
Proporção mensal média da 0.9975 0.3322 0.0027
responsabilidade em default      
Dummy de atraso em 10/01 1           0.9368 0.0864 <.0001
Dummy de atraso em 10/01 no sistema 1           0.5974 0.0709 <.0001
Proporção de atraso em 10/01 0.4500 0.2057 0.0287
Proporção de atraso em 10/01 no sistema 1.1413 0.1917 <.0001
Dummy de atraso no período 1           0.2312 0.0856 0.0069
Dummy de atraso no período no sistema 1           0.4502 0.0733 <.0001
Número de IFs 0.0336 0.00574 <.0001
Logaritmo da exposição no sistema -0.0984 0.0148 <.0001
Dummy de aumento da resp. no sistema 1           0.2674 0.065 <.0001
Conglomerado 2628       1.6523 0.5954 0.0055

 

Todos os coeficientes mostrados na tabela anterior são significativos com sinais e magnitudes relativas conforme os esperados61. Para ilustrar este fato tome por exemplo o caso da variável categórica classificação em 10/01 que representa a classificação de risco da exposição, segundo a Resolução 2682/99, em outubro de 2001 e cuja classe basal foi definida ser “AA”, a classificação supostamente menos arriscada. Todos os coeficientes desta variável são positivos, conforme esperado, indicando que classificações diferentes de “AA” implicam em maiores PDs. Também à medida que se move de “A” para “D” a magnitude do coeficiente aumenta, indicando que esta é uma direção de PD crescente, de novo conforme o esperado.

 

Duas variáveis sobre as quais não havia um sinal claro esperado aparecem no modelo final: logaritmo da exposição no sistema e número de IFs. Seus sinais indicam que, quanto menor o tamanho do tomador (medido pelo tamanho de sua carteira no sistema) ou maior o número de instituições financeiras em que este possui crédito, então maior é sua probabilidade de default.

 

É também interessante notar que algumas características das exposições aparecem no modelo final não apenas através de suas versões relativas à particular IF mas também através de suas versões no sistema financeiro total. As variáveis proporção de atraso e dummy de atraso no período têm por exemplo suas análogas contrapartes no sistema financeiro também incluídas no modelo final, a saber, proporção de

59 O objetivo desta rotina é formar, através de árvores de classificação, grupos com diferença maximal na proporção de defaults.

60   Apenas um coeficiente é mostrado para a variável categórica conglomerado financeiro.

61 Pelo menos em relação àqueles em que há uma clara intuição a respeito de suas influências.

 

atraso no sistema e dummy de atraso no período no sistema (e apresentando maiores coeficientes). A variável dummy de atraso em 10/01 no sistema está também presente no modelo final, embora seu coeficiente seja inferior àquele estimado para a sua variável contraparte dummy de atraso em 10/01.

 

Por fim é útil prestar atenção às variáveis que não aparecem no modelo final. Duas importantes variáveis ausentes que foram inicialmente consideradas são o logaritmo da coobrigação do tomador e o grupo econômico do tomador, de modo que seus efeitos sobre a estimação de PDs revelaram-se ser estatisticamente insignificantes.

 

  • Simulando Basiléia II (IRB) sobre os Dados Brasileiros

Nesta seção são estimados os requerimentos totais de capital segundo a metodologia IRB para as carteiras de crédito corporate dos maiores conglomerados financeiros do sistema financeiro nacional62. Toda a análise ainda se refere a carteiras vigentes em outubro de 2001 e o termo corporate possui o mesmo significado da seção anterior. São selecionados os conglomerados financeiros detentores das grandes IFs da seção anterior para a análise que se segue. Os 28 conglomerados encontrados desta forma são deste ponto em diante genericamente referidos com bancos63.

 

Para simular os requerimentos do IRB faz-se uso do modelo de scoring da seção anterior. A cada exposição de crédito adimplente (com classificação estritamente melhor que “E”), caracterizada por um par tomador-instituição financeira, é atribuída a probabilidade de default estimada pelo modelo de scoring64. Exposições com classificação igual ou pior que “E” em outubro de 2001 são consideradas como já inadimplentes e a elas é atribuído um PD de 100%. A definição de default empregada neste estudo é consistente com a recomendação de Basiléia II de que um atraso de 90 dias seja um indicativo de default já que a Resolução 2682/99 de fato caracteriza a classificação “E” desta forma.

 

Segue-se aqui a abordagem IRB foundation conforme a versão proposta no documento “Quantitative Impact Study 3: Technical Guidance” (QIS 3). Exposição no default (EAD) é definida como a soma de créditos em atraso mais créditos a vencer. Coobrigações não são incluídas no EAD porque suas corretas considerações requereriam uma análise mais profunda do que a permitida pelos dados da CRC atual. Uma perda dada default (LGD) de 45% e uma maturidade (M) de 2,5 anos são extraídas das prescrições básicas do QIS3 uma vez que não há informação detalhada sobre colateral ou maturidade no sistema atual65.

 

Das estimativas de PDs e dos valores atribuídos para LGD e M calcula-se, para cada exposição, o fator de requerimento total de capital K, de acordo com as fórmulas contidas no documento QIS 3.66 Então multiplica-se EAD por K e soma-se o produto ao longo de toda a carteira, chegando-se a uma medida de requerimento total de capital67.

 

 

 

62 Ao longo do restante deste texto, a menos que especificado claramente ao contrário, capital significa uma proteção apenas contra perdas não esperadas. Como os requerimentos do IRB cobrem tanto perda esperada quanto perda não-esperada optou-se aqui por usar a expressão “requerimento total” para transmitir esta última interpretação.

63 Deve-se notar que a restrição da análise apenas às maiores instituições é consistente com a proposta de Basiléia. De fato apenas para os grandes bancos é razoável assumir um alto grau de diversificação e portanto a hipótese de um único fator de risco implícita na metodologia IRB. Ver Gordy (2002).

64 Uma vez que o verdadeiro requerimento do IRB é que o banco seja capaz de estimar um PD para cada classe de seu sistema interno de ratings pode-se dizer aqui que, para cada conglomerado, existem tecnicamente tantas classes de rating quanto o número de pares tomador-insituição financeira.

65 Uma vez que o requerimento total de capital do IRB é linear no LGD o efeito de diferentes valores deste parâmetro é facilmente estimado de maneira direta dos resultados mostrados aqui.

66 Veja Basel (2002).

67 Seguindo estritamente o IRB, EADxK deveria ser primeiramente multiplicado por 12,5 para se chegar a uma medida de “ativo ponderado pelo risco” e a soma dos ativos ponderados deveria então ser multiplicada por 8%. Como 12,5×8%=1 isto não faz diferença nos resultados finais.

 

A calibração do IRB foi concebida de modo a cobrir ambas perda esperada e inesperada. Portanto a medida regulatória brasileira com a qual os requerimentos do IRB devem ser comparados é a soma das exigências de capital e provisão. Os requerimentos simulados do IRB e as exigências regulatórias totais brasileiras são apresentados no Gráfico 1 para cada banco (vide as duas linhas superiores). Para se obter uma idéia de como as partes constituintes das obrigações regulatórias totais se comportam separadamente em relação à demanda do IRB são também mostrados abaixo os requerimentos regulatórios de provisão e suas contrapartes teóricas, as perdas esperadas68. A distância vertical no gráfico entre o requerimento regulatório total e a provisão é o requerimento regulatório de capital enquanto que a distância entre a linha do IRB e a linha de perdas esperadas é interpretada aqui como o requerimento implícito de capital do IRB.

 

Gráfico 1: IRB e Requerimento Regulatório

 

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30

 

25

 

20

 

15

 

10

 

5

 

 

0

1     2      3      4

 

5     6      7      8     9  10   11  12  13  14  15   16  17  18  19  20  21  22  23  24  25  26  27  28

Banco

 

 

 

O gráfico ilustra que para 15 dos 28 dos bancos analisados a metodologia IRB traduz-se em menores exigências totais em relação às obrigações regulatórias correntes. Para o outro grupo, o IRB aumentará os requerimentos totais de capital. Pode-se também examinar a relação entre o IRB e o requerimento corrente agregadamente para o sistema dos 28 bancos. Ponderando-se cada banco pelo tamanho de sua carteira encontra-se que o IRB diminui os requerimentos do sistema em 0,52% e que a provisão do sistema localiza- se abaixo da perda esperada do mesmo em 0,35%. Todavia ainda mais pode ser dito da relação entre o IRB e o requerimento regulatório brasileiro fazendo-se uso de um modelo de risco de crédito ao nível de carteira, como ficará claro na parte final deste capítulo.

 

Um ponto interessante a se notar no Gráfico 1 é que, sempre que o requerimento do IRB é maior que a obrigação regulatória, a diferença entre eles é geralmente, em grande parte, explicada pela diferença entre a perda esperada e a provisão. Por outro lado, quando o requerimento do IRB é menor que a obrigação regulatória, a diferença deles é geralmente muito maior que a diferença entre perda esperada e provisão, significando que esses valores do IRB menores que o regulatório são majoritariamente devidos aos requerimentos implícitos de capital do IRB menores que o capital regulatório.

 

 

 

 

 

 

å EADi PDi

å

68 Computadas diretamente como 100 ´ LGD   i                 .

EADi

i

 

  • Aplicando o CreditRisL+

Na década passada várias metodologias de valor em risco (VAR) para crédito foram patrocinadas pela indústria financeira. Seus usos no Brasil são, porém, fortemente limitados pela quantidade e tipo de dados que elas requerem e pelas hipóteses que elas assumem69.

 

Neste estudo faz-se uso do CreditRisk+ (CR+), um influente modelo atual lançado em 1997 pelo Credit Suisse First Boston (CSFB). Trata-se de um modelo de origem atuarial e do tipo default mode70. Defaults seguem processos de Poisson exógenos e independentes, condicionalmente a um conjunto de fatores sistêmicos de risco que, assume-se, seguem distribuições Gamma. Além disso a forma funcional do modelo permite uma solução analítica de modo que simulação de Monte Carlo é evitada. Relativamente aos outros, a demanda de dados de entrada do modelo são bem menos exigentes para um ambiente como o brasileiro, caracterizado por um universo restrito de ações líquidas e pela inexistência de mercados secundários líquidos de crédito71.

 

Emprega-se aqui a usualmente chamada hipótese de um único fator (“single factor assumption”) e interpreta-se seu efeito como representativo do risco sistêmico implícito na economia brasileira. Esta é a abordagem mais conservadora, uma vez que não há eventuais benefícios derivados da diversificação entre fatores e é consistente com a propriedade de invariância à carteira do IRB, como provado em Gordy (2002) 72.

 

A

Abaixo são apresentadas formalmente as premissas do modelo na sua versão simplificada com um único fator sistêmico. X denota o fator sistêmico e D a variável indicadora de default da exposição A73.

 

x ~ Gama(a , b ) com ab = E(x) = 1 e b

= s 2 º Var(x )

 

Ademais, para cada A,  DA  | x ~ Poisson(xA )

com xA º PDA x

 

DA | x independentes.

 

O propósito do modelo é computar a distribuição de probabilidade da variável perda da carteira LºåEADALGDADA. CSFP (1997) provê uma relação recursiva para o cálculo da função de probabilidade da perda da carteira e assim uma estimação dos quantis se torna possível74.

 

Na presente aplicação EAD, LGD, PD e a definição de default são as mesmas às usadas no exercício de simulação do IRB e o quantil 99.9% é escolhido como o VAR de saída do modelo, o que está de acordo com o nível de confiança implícito na curva de pesos de risco do QIS 3. O CreditRisk+ é rodado sobre cada carteira corporate de banco presente na análise. Os detalhes da aplicação são descritos em Schechtman et al. (2003).

 

Aqui apenas observamos que o parâmetro s na apresentação anterior é a usualmente chamada volatilidade da taxa de default. Probabilidades nas caudas das distribuições de perda das carteiras são muito sensíveis à escolha de seu valor75. Todavia, como a estimação eficiente desta volatilidade anual com base nos poucos anos de dados presentes na CRC é uma tarefa ingrata, o modelo foi rodado para valores do parâmetro variando de 20% a 130%, de modo a se ganhar uma idéia da sensibilidade dos resultados76.

 

 

 

 

69   Schechtman et al. (2003) discute mais detalhadamente esta questão.

70 Em outras palavras, apenas o risco de default é modelado, não o risco de deterioração da qualidade do crédito.

71 Pelo menos na versão simplificada do modelo com um único fator sistêmico.

72 Isto é, a propriedade de que o requerimento total de capital de uma dada exposição dependa apenas de suas próprias características e não da carteira na qual ela está inserida.

73 Veja Schechtman (2002) para uma descrição mais detalhada em português do modelo.

74     A relação recursiva é de fato devida a Panjer (1981).

75 Veja Gordy (2000).

76 O modelo foi rodado apenas para volatilidades múltiplas de 10%.

 

Os requerimentos do CreditRisk+ e os regulatórios (capital + provisão) estão reproduzidos no Gráfico 2 para cada carteira corporate de banco em análise. Resultados são mostrados para volatilidades iguais a 50%, 80% e 100%. Uma volatilidade da taxa de default de 50% é o maior valor do parâmetro daqueles testados, tal que os requerimentos regulatórios correntes ainda excedem ou estão muito próximos aos requerimentos do CR+ para todos os bancos. Aumentando-se a volatilidade para 60% ou 70%, os requerimentos regulatórios começam a parecer deficientes para alguns bancos. Com a volatilidade da taxa de default fixada em 80% encontram-se 6 bancos tendo requerimentos estimados do CR+ violando o limite regulatório superior. Com a volatilidade da taxa de default igual a 100% os requerimentos regulatórios se tornam mais claramente ainda inadequados.

 

Gráfico 2: CreditRisk+ e Requerimento Regulatório

 

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30

 

25

 

20

 

15

 

10

 

5

 

0

1     2     3     4     5     6     7     8     9  10  11  12  13  14  15  16  17  18  19  20  21  22  23  24  25  26  27  28

Banco

 

 

 

Já numa comparação similar entre os requerimentos do IRB e do CR+, encontra-se que uma volatilidade da taxa de default de 90% é o maior valor do parâmetro daqueles testados tal que os requerimentos do CR+ estão ainda abaixo ou muito próximos das suas contrapartes do IRB para todos os bancos. Com a volatilidade fixada em 100% encontram-se 4 bancos tendo os quantis do CR+ superiores às suas obrigações segundo o IRB. Com a volatilidade igual a 110% os requerimentos do IRB são ainda mais claramente deficientes segundo a perspectiva regulatória. Esta análise está ilustrada no Gráfico 3.

 

Gráfico 3: IRB e CreditRisk+

 

35

 

 

30

 

 

25

 

 

20

 

 

15

 

 

10

 

 

5

 

 

0

1      2      3      4     5     6      7      8      9    10 11   12   13   14   15   16   17   18   19   20   21   22   23   24   25   26   27   28

Banco

 

  • Conclusão

Neste capítulo procurou-se demonstrar a utilidade da informação contida na CRC do Banco Central para a estimação de PDs. Com efeito, mostrou-se que variáveis construídas sobre a base de dados bruta da CRC podem ser significativas no processo de estimação de PDs. Além disso, baseado nestas estimativas, em informação sobre EAD e em algumas outras hipóteses, exemplificou-se como a informação da CRC pode conduzir a estimativas de requerimentos de capital e provisão dos bancos.

 

Para o período de tempo analisado, mostrou-se que os requerimentos do IRB suportam completamente a performance das carteiras de crédito corporate para uma taxa de volatilidade de default de até 90%, enquanto os requerimentos regulatórios correntes alcançam o mesmo objetivo apenas no caso de volatilidades de default de até 50%. Neste sentido os dados sugerem que, para o período analisado e para as carteiras corporate, a metodologia IRB pode ser pensada como mais conservadora que os requerimentos regulatórios brasileiros. Isto não significa, todavia, que os requerimentos do IRB são sempre maiores do que suas contrapartes regulatórias. De fato este estudo evidencia que para apenas aproximadamente metade dos bancos analisados isto é verdade, o oposto sendo verdade para o outro grupo.

 

Ao mesmo tempo, alguma precaução é necessária ao se interpretar os resultados deste capítulo. Em primeiro lugar, o foco deste estudo é exclusivamente em risco de crédito das carteiras corporate dos bancos e, portanto, os requerimentos totais de capital computados ao longo do texto são apenas as parcelas necessárias para cobrir este risco. Não é tratada a exigência relativa ao risco de crédito dos outros segmentos das carteiras nem a relação entre o risco de crédito e o risco de mercado. Em segundo lugar, o intervalo de tempo usado para a análise (outubro de 2000 a outubro de 2002) compreende um período onde a moeda

 

brasileira experimentou uma grande desvalorização devido a um número de fatores internos e externos ao País. Os valores de requerimento mostrados neste estudo refletem o ambiente daquela época e, portanto, não devem ser diretamente transpostos às condições macroeconômicas muito diferentes dos dias atuais.

 

Finalmente, é importante destacar que, à medida que o Banco Central se move para o sistema da Nova Central de Risco de Crédito, com um escopo maior de armazenamento de informação e uma infra- estrutura tecnológica mais acessível, um conjunto mais rico de estudos sobre mensuração de risco de crédito se torna possível. Não apenas melhores estimativas de PD, EAD, LGD e M fazem-se viáveis, mas também o gerenciamento de grandes conjuntos de dados torna-se mais eficiente.

 

Referências

Balzarotti V., Castro C., Powell A. (2002), “Reforming Capital Requirements in Emerging Countries”, Banco Central de la República Argentina, Mimeo.

 

Basel Committee on Banking Supervision (2001), The Internal Ratings-Based Approach: Supporting Document to the New Basel Capital Accord, Bank for International Settlements.

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Apêndice: descrição das variáveis significativas explicativas de

default.

  • Classificação em 10/01. Variável ordinal categórica que representa a classificação de risco atribuída pela IF ao tomador de acordo com a Resolução 2682/99 do Banco Central do Brasil77. Esta variável é decomposta em 4 dummies, cada uma representando a classe “A”, “B”, “C” ou “D”, e toma-se “AA” como a classe basal. Classificações iguais ou piores que “E” não aparecem nesta construção pois exposições nesta faixa de classificação foram excluídas dos dados usados na estimação por já serem consideradas em

 

  • Pior classificação. Pior classificação de risco obtida pelo tomador na IF no período de outubro de 2000 a outubro de De modo similar à anterior esta variável é decomposta em 3 dummies, representando as classes “C”, “D” e a faixa de classificação de “E” a “H”. Toma-se ainda o intervalo de “AA” a “B” como a classe basal78.

 

  • Proporção mensal média da responsabilidade em default. Soma das responsabilidades dos meses em que o tomador apresenta classificação entre “E” e “H” na IF, dividida pela soma das responsabilidades de todos os Responsabilidade é definida como a soma de créditos vencidos, créditos a vencer, créditos lançados a prejuízo e coobrigações.

 

  • Dummy de atraso em 10/01. A variável assume 1 se o tomador possui créditos vencidos ou lançados a prejuízo na IF em outubro de 2001 e assume 0 caso contrário.

 

  • Dummy de atraso em 10/01 no sistema. A variável assume 1 se o tomador possui créditos vencidos ou lançados a prejuízo em alguma IF em outubro de 2001 e assume 0 caso contrário.

 

  • Proporção de atraso em 10/01. Soma de créditos vencidos e créditos lançados a prejuízo do tomador na IF, dividido pela sua responsabilidade na IF, em outubro de

 

  • Proporção de atraso em 10/01 no sistema. Soma de créditos vencidos e créditos lançados a prejuízo do tomador no sistema, dividido pela sua responsabilidade no sistema, em outubro de

 

  • Dummy de atraso no período. A variável assume 1 se o tomador possui exposição (créditos vencidos + créditos a vencer) superior a 10% de sua responsabilidade na IF em algum mês, e assume 0 caso contrário.

 

  • Dummy de atraso no período no sistema. A variável assume 1 se o tomador possui exposição no sistema (créditos vencidos + créditos a vencer) superior a 10% de sua responsabilidade no sistema em algum mês, e assume 0 caso contrário.

 

  • Número de IFs. Número de instituições financeiras em que o tomador possui responsabilidade em outubro de

 

  • Logaritmo da exposição no sistema. Logaritmo da soma de créditos vencidos e créditos a vencer, ambos do tomador no .

 

 

77 Para a construção das variáveis relativas a classificação de risco assume-se que cada tomador possui apenas uma classificação de risco dentro de cada IF. Quando este não é o caso, calcula-se a classificação de risco média do tomador na IF, conforme descrito em nota de rodapé do texto.

78 Esta categorização foi sugerida pela rotina de árvore de classificação.

 

  • Dummy de aumento da responsabilidade no sistema. A variável assume 1 se o aumento da responsabilidade do tomador no sistema ao longo do período de outubro de 2000 a outubro de 2001 for superior a 100%, e assume 0 caso contrário.

 

  • Conglomerado. Variável categórica que representa o conglomerado financeiro no qual a IF detentora da exposição pertence.

 

  • – O Pass-Through da Taxa Básica: Evidências para as Taxas de Juros Bancárias

Leonardo Soriano de Alencar*

 

  • Introdução

Uma idéia amplamente aceita pelos economistas é que a política monetária afeta a taxa de inflação e, ao menos no curto prazo, o nível de atividade da economia. Nos últimos anos, o Banco Central do Brasil

– e muitos dos bancos centrais dos demais países – tem utilizado a determinação da taxa básica de juros de curto prazo como o importante instrumento de política monetária. Mais precisamente, no regime de metas para a inflação no Brasil, a taxa de juros Selic é o principal instrumento: o objetivo é fazer com que a inflação convirja às metas por meio da taxa de juros.

 

Ao fazer uma avaliação dos efeitos desse instrumento, alguns assumem que a alteração da taxa de juros básica da economia levaria a mudanças automáticas, e na mesma proporção, nas taxas de juros bancárias. Em outras palavras, alguns afirmam que haveria o que se chama de uma transmissão completa da taxa de juros de política monetária para as taxas de juros de empréstimos e de captação dos bancos. No entanto, a realidade é mais rica do que o mundo teórico, são muitas as taxas de juros do sistema financeiro, e essas dependem de vários fatores que o Banco Central não controla – riscos de inadimplência, margens de lucro, etc. Sendo assim, o instrumento de política monetária pode gerar efeitos bastante diferentes nas diversas taxas de juros, dependendo das condições associadas às mesmas.

 

Estudos feitos nesse sentido para diversos países apontam para uma transmissão incompleta, no curto prazo, da taxa de juros de política monetária às taxas bancárias. Mizen e Hofmann (2002), por exemplo, estimaram para a Inglaterra um efeito de impacto de 0,226 ponto percentual na taxa de juros para financiamentos imobiliários e de 0,651 na taxa de juros de captação bancária para uma mudança de um ponto percentual na taxa básica da economia. Quanto à resposta de longo prazo, no estudo de Mizon e Hofmann o grau de transmissão era de 0,86 para os financiamentos imobiliários e 1,00 para a taxa de captação. Espinosa-Vega e Rebucci (2003), por sua vez, apresentam uma comparação internacional para o grau de transmissão em diferentes países. No estudo desses últimos, a transmissão aparenta ser incompleta mesmo no longo prazo para o Chile e para as taxas de captação da maioria dos países europeus, assim como da Nova Zelândia e da Austrália. Por outro lado, no estudo desses autores, o grau de transmissão aparenta ser completo para a taxa de juros de empréstimo australianas, e para as taxas de juros bancárias do Canadá e dos Estados Unidos.

 

São muitas as possíveis explicações para uma transmissão incompleta. Um dos primeiros estudos econométricos em busca de uma resposta foi o de Cottarelli e Kourelis (1994). Nesse último artigo, examinou- se a transmissão da taxa de juros em 31 países, buscando associar as diferentes respostas das taxas bancárias à estrutura financeira de cada país. Entre as possíveis causas encontradas pelos autores para uma transmissão incompleta, podem-se destacar as seguintes: as restrições nos movimentos de capital internacional, as restrições na competição bancária (especialmente barreiras à entrada) e a propriedade pública da indústria bancária. Em outro estudo, Berstein e Fuentes (2003) apontam a assimetria de informações como outra possível explicação para a transmissão incompleta.

 

É importante recordar que as taxas de juros de operações de crédito dependem mais diretamente da estrutura a termo das taxas de juros de mercado. Se, por um lado, essa estrutura costuma acompanhar a taxa básica de juros, por outro, ela também depende das expectativas do mercado para sua trajetória futura. Além disso, as taxas de juros bancárias também dependem dos prazos médios das operações. Banco Central do Brasil (2003, p.124) apresenta resultados no sentido que as taxas de juros de crédito apresentam maior

  • Departamento de Estudos e Pesquisas, Banco Central do O autor agradece os comentários e sugestões de Fabiana Fontes Rocha. As opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente do autor e não refletem necessariamente a visão do Banco Central do Brasil.

 

correlação com taxas de mercado de maturidades equivalentes, e não com a taxa de política monetária propriamente. Essas considerações também podem ser vistas como possíveis razões para uma transmissão que não seja de um ponto percentual na taxa básica para um ponto percentual nas taxas de juros bancárias.

 

Nas páginas que se seguem, um breve estudo para o caso brasileiro será apresentado. É um estudo introdutório, mas os resultados permitirão fazer considerações sobre a influência do tipo de cliente – pessoa física ou jurídica – ou da modalidade de crédito no grau de transmissão da taxa de juros de política monetária. O presente estudo está organizado da seguinte forma: a próxima seção descreve os dados utilizados no trabalho; a seção IX.3 descreve a metodologia econométrica empregada; a seção IX.4 apresenta os resultados; e a seção IX.5 conclui.

 

  • Os Dados

As estimativas são feitas baseadas em dados agregados mensais, cobrindo o período de abril de 1999 a setembro de 2003. A escolha de abril de 1999 como data inicial da amostra decorre do fato de que somente a partir de 5 de março de 1999 é que o COPOM passou a divulgar a meta para a taxa Selic com o objetivo de política monetária.

 

Será examinado o grau de transferência de taxa de juros para diferentes categorias de empréstimos e para uma taxa de captação bancária. Os dados foram todos obtidos nas Séries Temporais do Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br)79. Todas a taxas de empréstimos são taxas médias mensais (prefixadas) das operações de crédito com recursos livres. A taxa de captação examinada é a taxa média de captação- CDB (prefixado). A Figura 1 apresenta a evolução de duas taxas de juros de empréstimo consolidadas, da taxa de juros de captação e da taxa de política monetária80. Uma inspeção visual indica que as taxas bancárias – especialmente a taxa de juros do CDB – seguem o comportamento da taxa básica da economia. Quanto à diferença no nível das taxas de juros de crédito, uma explicação pode ser encontrada no risco envolvido em cada uma das operações.

 

Figura 1 – Taxas de Juros Bancárias e a Taxa de Juros de Política Monetária (% a.a.)

 

 

120

 

 

100

 

 

80

 

 

60

 

 

40

 

 

20

 

1999                     2000                     2001                     2002                     2003

 

 

79 Os códigos das séries são apresentados no Anexo.

80 Figuras contendo o comportamento das outras taxas de juros utilizadas neste estudo podem ser encontradas no Anexo.

 

A Tabela 1 apresenta algumas estatísticas básicas para as diferentes taxas de juros utilizadas neste estudo81. Uma análise preliminar dos dados revela que a taxa de juros nos empréstimos totais para pessoas físicas é a que apresenta maior valor médio, maior volatilidade – medida pelo desvio padrão amostral –, menor correlação com a taxa de juros Selic e a segunda maior persistência. A taxa de juros de maior persistência é a do CDB.

 

Pode-se afirmar que as taxas de juros bancárias apresentam uma considerável correlação contemporânea com a taxa Selic. Esse valor relativamente alto da correlação amostral sugere antecipadamente a importância da taxa de juros Selic na determinação das taxas de juros bancárias. Espinosa-Vega e Rebucci (2003) haviam encontrado que a correlação amostral das diferentes taxas bancárias com a taxa do mercado monetário tenderia a ser menor nas taxas de juros das operações de crédito com prazo médio maior, esse resultado, no entanto, não é claro na Tabela 1. Espinosa-Vega e Rebucci (2003) também haviam observado que a volatilidade das taxas de juros de empréstimos bancários, medida pelos respectivos desvios padrões, tenderia a ser menor do que a volatilidade da taxa de juros de política monetária. Esse comportamento é o oposto ao observado na amostra do presente estudo. Por fim, pode-se dizer que o desvio padrão amostral é relativamente proporcional ao valor médio da taxa de juros, assim como a taxa de inadimplência.

Tabela 1

Estatísticas Básicas de Taxas de Juros, Prazo Médio e Taxa de Inadimplência das Operações de Crédito

  Média Desvio

Padrão

Persistência Correlação

com SELIC

Prazo Médio Taxa de

Inadimplência

SELIC 19,952 3,891 0,749 1,000    
CDB 19,026 2,800 0,864 0,948    
Total Pessoa Jurídica 46,769 8,095 0,811 0,856    
Total Pessoa Física 80,399 14,626 0,854 0,640    
Hot Money 51,486 9,911 0,768 0,853 12 5,757
Conta Garantida 64,483 9,916 0,849 0,897 23 1,354
Vendor 27,389 5,536 0,798 0,909 73 0,645
Capital de Giro 41,726 8,833 0,834 0,726 159 4,064
Aquisição de Bens – P.

Jurídica

36,889 6,776 0,814 0,773 316 2,413
Aquisição de Bens – P.

Física

48,909 8,859 0,833 0,726    

Obs.: O período amostral é de abril de 1999 a setembro de 2003. “Persistência” na Tabela significa autocorrelação da taxa no período t com a taxa no período t-1. “Prazo Médio” é o prazo médio das operações de crédito com recursos livres (prefixadas) cobrindo o período de maio de 2000 a setembro de 2003, e obtido em www.bcb.gov.br. “Taxa de Inadimplência” é a taxa média da inadimplência acima de 90 dias, em relação ao total da modalidade, cobrindo o período de junho de 2000 a setembro de 2003, e obtida em www.bcb.gov.br. Não há dados disponíveis para Prazo Médio e Taxa de Inadimplência na modalidade Aquisição de Bens P. Física. As estatísticas básicas foram calculadas no programa Eviews 4.1.

 

 

 

A Tabela 2 apresenta testes de raiz unitária para as diferentes séries. Todos os testes indicam a rejeição da hipótese nula de raiz unitária a 5%, a exceção do teste ADF (Augmented Dickey-Fuller) para a taxa de juros Selic, que permite a rejeição dessa hipótese a 10%. Sendo assim, o modelo de transmissão de taxa de juros será estimado no nível.

 

 

 

 

 

 

 

81 Neste trabalho não são apresentadas estimações para as taxas de juros das modalidades Cheque Especial, Crédito Pessoal, Desconto de Duplicatas e Desconto de Notas Promissórias porque os resultados não foram considerados satisfatórios do ponto de vista econométrico.

 

Tabela 2

Testes de Raiz Unitária

  ADF                       Det.                         PP                               Det.
SELIC -3.215 * c,t -6.770 *** c,t
CDB

Total Pessoa Jurídica Total Pessoa Física

-3.869

-5.692

-3.561

**

***

***

c,t

c,t c

-5.383

-5.176

-3.916

***

***

***

c,t

c,t c

Hot money Conta Garantida Vendor

Capital de Giro

Aquisição de Bens – P. Jurídica Aquisição de Bens – P. Física

-5.662

-3.750

-4.469

-6.306

-6.089

-4.152

***

**

***

***

***

***

c,t

c,t c c c

c

-6.592

-3.798

-5.690

-5.226

-4.992

-4.555

***

**

***

***

***

***

c,t

c,t

c,t c c

c

Obs.: “***” indica rejeição da hipótese de raiz unitária a 1%. “**” indica rejeição da hipótese de raiz unitária a 5%. “*” indica rejeição da hipótese de raiz unitária a 10%. “Det” indica o componente determinista incluído no teste: “c” é uma constante, e “t” é uma tendência linear. O teste de Phillips Perron (PP) utilizou uma janela de Newey-West para a seleção automática da defasagem. O teste Aumentado de Dickey-Fuller (ADF) utilizou um Critério de Informação de Schwarz para a seleção automática da defasagem. O período amostral utilizado no teste é de julho de 1994 a setembro de 2003. Os testes foram calculados no programa Eviews 4.1.

 

  • O Modelo Econométrico

A fim de analisar a forma reduzida da relação dinâmica entre as taxas de juros bancárias e a taxa de juros de política monetária, o seguinte modelo auto-regressivo com defasagens distribuídas, será especificado e estimado82:

 

 

m                           n

i t   = a + åbk i t-k  + ådp rt-p

k=1                       p=0

 

onde “i” é a taxa de juros bancária em exame e “r” é a taxa de juros Selic.

 

Nos resultados empíricos deste breve artigo, dois coeficientes serão enfocados. O primeiro coeficiente de interesse é d0 que indica o impacto ou o efeito de curto prazo (dentro do mês) da taxa de juros básica na taxa de juros bancária. Segundo e.g. Berstein e Fuentes (2003), espera-se que esse coeficiente seja positivo e menor ou igual a um. O segundo coeficiente é o que mede o efeito de longo prazo, ou de estado estacionário, da transmissão da taxa de juros de política monetária na taxa de juros bancária, o qual é dado por:

 

W =    ådp

1 – åbk

 

Novamente segundo Berstein e Fuentes (2003), espera-se que esse coeficiente seja positivo e próximo de um nos mercados do sistema financeiro que sejam altamente competitivos.

 

82 Alguns autores – e.g. Espinosa-Vega e Rebucci (2003) – sugerem acrescentar no modelo uma tendência determinista para capturar um processo de redução de inflação e outros fatores que mudam lentamente ao longo do tempo. Nas estimações do modelo para as diferentes séries, a única taxa de juros que apresentou resultados satisfatórios, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista estatístico, quando se acrescentou a tendência temporal determinista foi a taxa de juros de Conta Garantida. A inclusão da tendência determinista traz vantagens e desvantagens no que diz respeito às diferentes estatísticas que ponderam a qualidade do modelo para essa taxa. Vale observar que as conclusões qualitativas não se alteraram ao se estimar o modelo para essa taxa sem a tendência determinista. Optou-se então por apresentar no texto a versão com tendência determinista, por considerar que as vantagens eram maiores que as desvantagens.

 

  • Resultados

Nessa seção iremos apresentar e comentar os resultados das estimações. A seleção da especificação do modelo estimado seguiu o critério de informação de Schwarz. Estimou-se inicialmente um modelo mais geral com 6 defasagens que depois foi sendo reduzido até a obtenção do modelo escolhido.

 

Na Tabela 3 são apresentados os resultados da transmissão da taxa de juros Selic para uma taxa de juros de captação dos bancos (CDB), e para duas taxas de juros de aplicação (empréstimos totais para pessoas jurídicas e para pessoas físicas). Os números obtidos para o CDB representam um resultado interessante. Por um lado, o coeficiente de impacto é igual a um. Por outro, ao se observar o coeficiente de longo prazo da transmissão para a taxa de juros do CDB, constata-se um coeficiente menor do que um, isto é, um grau de transmissão incompleto. Além disso, o teste de Wald permite rejeitar a hipótese de que esse coeficiente seja unitário, reforçando o resultado alcançado. Pode-se então concluir que apesar dos bancos repassarem plenamente no impacto a mudança da taxa Selic para a taxa do CDB, ao longo do tempo o setor bancário vai reduzindo aquele repasse inicial. A estimação do modelo da taxa do CDB utilizou dummies que assumem o valor unitário em um dado mês e zero nos demais. Apesar das dummies serem estatisticamente significantes, as conclusões gerais não se alteram qualitativamente83.

 

Ao se examinar o comportamento das taxas de juros nos empréstimos para pessoa física, não se pode rejeitar as hipóteses de que tanto no curto prazo (coeficiente de impacto) quanto no longo a transmissão é completa. Esse resultado é positivo em termos do que se espera para a eficácia da política monetária. Além disso, segundo uma das possíveis interpretações de Cottarelli e Kourelis (1994) para o fato, esse resultado pode ser um indício que o setor bancário é competitivo nesse mercado de empréstimos. Quanto à taxa de juros nos empréstimos para pessoas jurídicas, ao nível de significância de 5%, não podemos rejeitar que tanto o coeficiente de longo prazo quanto o de impacto sejam iguais a um. Note, contudo, o baixo valor de probabilidade encontrado. Não rejeitamos a 5% a hipótese de coeficientes unitários, mas isso somente acontece na margem, havendo espaço para a interpretação de que o impacto da mudança da taxa de juros Selic nessa taxa de juros não é completo, enquanto que a transmissão de longo prazo é mais do que completa.

 

Uma vez que o spread bancário é definido como a diferença entre a taxa de aplicação e a taxa de captação por parte dos bancos, e sendo o comportamento dessas taxas de juros os estimados na Tabela 3, pode-se afirmar que um aumento da taxa de juros de política monetária leva, no longo prazo, a uma elevação do spread bancário, e uma diminuição a uma redução do mesmo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

83 O uso das dummies foi um recurso utilizado para garantir um modelo no qual não se rejeitasse a hipótese de normalidade dos resíduos.

 

Tabela 3

Transmissão da Taxa de Juros de Política Monetária

Variável CDB Total Pessoa Jurídica Total Pessoa Física
SELIC [t] 1,036 0,747 0,914
  (17,994) (5,633) (4,678)
SELIC [t-1] -0,622    
  (-7,957)    
SELIC [t-4]     -1,140
      (-4,248)
SELIC [t-5] 0,081 -0,825  
  (2,651) (-4,381)  
SELIC [t-6]   0,578 0,534
    (3,743) (2,624)
Taxa de juros bancária [t-1] 0,543 0,643 0,726
  (5,583) (7,999) (12,236)
Taxa de juros bancária [t-5] -0,161    
  (-2,896)    
Constante 1,993 5,965 14,056
  (5,328) (3,905) (4,678)
d1200 -0,737    
  (-3,808)    
d0602 1,138    
  (5,782)    
d0103 -0,859    
  (-4,086)    
R2  

0,996

 

0,952

 

0,937

SC -2,833 0,697 1,895
Norm 0,826 2,887 2,031
  [0,662] [0,236] [0,362]
LM7 1,301 0,219 0,336
  [0,281] [0,978] [0,932]
ARCH7 0,509 0,510 1,315
  [0,819] [0,819] [0,279]
HetX 0,895 0,552 0,612
  [0,569] [0,878] [0,832]
Coef. de longo prazo (W) 0,799 1,402 1,124
  (42,114) (6,547) (2,158)
Teste de Wald W=1 112,36 3,521 0,056
  [0,000] [0,061] [0,812]
Coef. de impacto (d0) 1,036 0,747 0,914
  (17,994) (5,633) (4,678)
Teste de Wald d0=1 0,389 3,644 0,194
  [0,536] [0,063] [0,662]

Obs.: “dXXYY” indica uma dummy que recebe o valor de 1 no mês XX do ano 20YY, e zero nos demais meses. As estimações e resultados são baseados no programa econométrico PcGive. Entre parêntesis estão as estatísticas t e entre colchetes os valores de probabilidade (p-values) dos testes de especificação. SC é o valor do critério de informação de Schwarz. Norm é um teste de normalidade dos resíduos. LM7 é um teste de multiplicador de Lagrange para correlação serial de até sétima ordem. ARCH7 é um teste de heterocedasticidade condicional autoregressiva de até sétima ordem. HetX é um teste de heterocedasticidade com “quadrados” e produtos cruzados, sendo que para o CDB, por motivos computacionais, é um teste de heterocedasticidade apenas com “quadrados”.

 

Como os resultados obtidos são comparáveis à evidência internacional? A Tabela 4 apresenta essa comparação. A resposta da taxa de juros de captação aparenta estar em linha com a de outros países, especialmente com a de curto prazo (impacto) do Canadá. Já a resposta de longo prazo na taxa de empréstimos está acima das demais. Deve-se recordar, no entanto, que para o caso brasileiro não se pode rejeitar a

 

hipótese que esse coeficiente de longo prazo seja igual a um ao nível de significância de 5%. De qualquer forma, como comentário geral, os resultados apresentados indicam uma alta flexibilidade das taxas de juros bancárias no Brasil. Deve-se, contudo, fazer a ressalva de que não há necessariamente uniformidade nos dados das estimações para os diferentes países e, além disso, as diferentes estimações foram feitas com metodologias e períodos amostrais diferentes.

Tabela 4

Comparação Internacional da Transmissão da Taxa de Juros de Política Monetária

País Coeficiente de Impacto Coeficiente de Longo Prazo
 

Taxa de Captação

   
Brasil 1,04 0,80
Chile 0,39 0,39
Região do Euro 0,35 0,72
Canadá 1,05 0,93
Estados Unidos 0,84 0,93
Austrália 0,69 0,87
Nova Zelândia 0,42 0,71
Taxa de Empréstimo    
Brasil – Pessoa Jurídica 0,75 1,40
Brasil – Pessoa Física 0,91 1,12
Chile 0,63 0,56
Região do Euro – P. Jurídica 0,19 0,88
Região do Euro – P. Física 0,08 0,61
Canadá 0,83 1,01
Estados Unidos 0,86 1,00

Obs.: As estimações para o Brasil são as apresentadas neste artigo. As estimações para a Área do Euro são da Tabela 4 de Bondt (2002). As estimações para os demais países provêem da Tabela 6 de Espinosa-Vega e Rebucci (2003).

 

 

A Tabela 5 apresenta a estimação da transmissão da taxa de juros de política monetária para séries de taxas de juros por diferentes modalidades de crédito. Novamente, algumas das estimações utilizaram uma dummy que assume o valor unitário em um dado mês e zero nos demais e, apesar das dummies serem estatisticamente significantes, as conclusões gerais não se alteram qualitativamente. À exceção da taxa de juros para os empréstimos na modalidade de Conta Garantida, em nenhuma das outras modalidades podemos rejeitar a hipótese de que o grau de transmissão de longo prazo seja completo. No caso da Conta Garantida a transmissão é mais do que completa. Quanto aos coeficientes de curto prazo, não podemos rejeitar a hipótese de que o grau de transmissão seja completo para as taxas de Conta Garantida, Vendor e Aquisição de Bens por Pessoa Física, enquanto que para as modalidades Hot Money, Capital de Giro e Aquisição de Bens por Pessoas Jurídicas o grau de transmissão é incompleto. Chama a atenção, de modo especial, o baixo valor da modalidade de Capital de Giro.

 

Tabela 5

Transmissão da Taxa de Juros de Política Monetária

 

Variável

 

Hot Money

Conta Garantida  

Vendor

Capital de Giro Aquisição de

Bens -P. Jurídica

Aquisição de

Bens -P. Física

SELIC [t] 0,458 1,208 1,346 0,193 0,430 0,626
  (3,717) (4,878) (6,664) (2,118) (2,366) (2,917)
SELIC [t-1]     -1,200      
      (-5,829)      
SELIC [t-4]         -0,822 -1,556
          (-4,127) (-3,385)
SELIC [t-5]           1,229
            (2,985)
SELIC [t-6]   0,511     0,588  
    (4,686)     (3,772)  
Taxa de juros bancária [t-1] 0,667 0,522 0,602 0,799 0,633 0,838
  (17,482) (4,995) (4,320) (24,411) (5,344) (10,672)
Taxa de juros bancária [t-2]     0,233      
      (2,047)      
Taxa de juros bancária [t-3]   -0,378     0,366  
    (-4,081)     (2,458)  
Taxa de juros bancária [t-6]         -0,282 -0,135
          (-2,705) (-2,567)
Constante 7,168 12,831 1,363 4,132 6,021 7,804
  (4,104) (4,708) (1,487) (2,723) (3,268) (3,368)
Tend   0,261        
    (5,428)        
d0600       -8,058    
        (-4,625)    
d0702           7,25
            (3,840)
d0203 8,391          
  (3,989)          
 

R2

 

0,946

 

0,951

 

0,95

 

0,953

 

0,91

 

0,923

SC 1,557 1,933 0,292 1,3 1,288 1,644
Norm 1,364 0,584 0,015 4,868 3,185 2,728
  [0,506] [0,747] [0,992] [0,088] [0,203] [0,256]
LM7 1,523 0,610 1,014 1,203 0,413 0,422
  [0,186] [0,743] [0,436] [0,322] [0,887] [0,882]
ARCH7 0,713 3,381 0,298 0,574 0,302 0,411
  [0,661] [0,010] [0,950] [0,772] [0,947] [0,887]
HetX 0,384 1,581 0,61 1,234 0,406 0,463
  [0,885] [0,152] [0,836] [0,309] [0,977] [0,955]
Coef. de longo prazo (W) 1,377 2,007 0,887 0,957 0,693 1,006
  (4,881) (11,864) (2,825) (2,495) (1,833) (2,354)
Teste de Wald W=1 1,783 59,436 0,129 0,012 0,657 0
  [0,182] [0,000] [0,719] [0,911] [0,418] [0,988]
Coef. de impacto (d0) 0,458 1,208 1,346 0,193 0,43 0,626
  (3,717) (4,878) (6,664) (2,118) (2,366) (2,917)
Teste de Wald d0=1 19,33 0,706 2,936 78,709 9,857 3,03
  [0,000] [0,406] [0,093] [0,000] [0,003] [0,089]

Obs.: “dXXYY” indica uma dummy que recebe o valor de 1 no mês XX do ano 20YY, e zero nos demais meses. “Tend” é uma tendência temporal. As estimações e resultados são baseados no programa econométrico PcGive. Entre parêntesis estão as estatísticas t e entre colchetes os valores de probabilidade (p-values) dos testes de especificação. SC é o valor do critério de informação de Schwarz. Norm é um teste de normalidade dos resíduos. LM7 é um teste de multiplicador de Lagrange para correlação serial de até sétima ordem. ARCH7 é um teste de heterocedasticidade condicional autoregressiva de até sétima ordem. HetX é um teste de heterocedasticidade com “quadrados” e produtos cruzados. Para a estimação da Conta Garantida essas estatísticas são baseadas em erros padrões e testes de Wald consistentes para heterocedasticidade e autocorrelação segundo a metodologia de Andrews (1991).

 

Em busca de uma explicação para o grau de transmissão incompleto para Hot Money, Capital de Giro e Aquisição de Bens por Pessoas Jurídicas, observamos, na Tabela 1, que essas modalidades de crédito são as que apresentam maiores taxas de inadimplência, ou seja maior risco, entre as modalidades examinadas. Assim sendo, problemas de seleção adversa são uma possível explicação para a transmissão incompleta.

 

Isso no sentido de que se os bancos aumentarem suas taxas de juros, somente os projetos de maior risco (com maior retorno esperado) iriam permanecer naqueles mercados, de modo que a qualidade média do portfolio de empréstimos iria diminuir, reduzindo os lucros dos bancos [cfr. Berstein e Fuentes (2003)]. Neste sentido os bancos não iriam responder rapidamente a um aumento na taxa de política monetária. Por outro lado, se a taxa de política diminui, iríamos esperar uma menor resposta das taxas de juros nessas modalidades, porque os clientes mais arriscados têm maior dificuldade para obter outras fontes de empréstimos. Outra possível explicação, como indicado na introdução, pode ser buscada no fato de que a estrutura a termo das taxas de juros de mercado e os prazos médios das operações têm influência nos movimentos das taxas de juros das operações de crédito. Em outros termos, devido à maturidade distinta entre as operações diretamente afetadas pela taxa Selic e as operações de empréstimo, a transmissão pode não ser perfeita em face dos efeitos decorrentes da expectativa dos agentes a respeito da taxa básica.

 

Alguns afirmam que o controle indireto que o Banco Central tem sobre as taxas de juros do sistema financeiro é tanto mais limitado à medida que o prazo das operações de crédito se amplia. No entanto, a comparação dos resultados apresentados na Tabela 5 com os prazos médios das operações de crédito da Tabela 1, não indica evidências claras nesse sentido. Isso pode ser visto na comparação tanto entre os coeficientes de longo prazo quanto entre os de impacto para as diferentes modalidades de crédito. Uma possível explicação deve ser buscada nas diferentes condições de garantia, risco… das diferentes modalidades de crédito.

 

  • Conclusões

Este breve texto apresentou estimações da transmissão imediata e de longo prazo da taxa de juros de política monetária a diferentes taxas de juros bancárias. Vale recordar alguns dos resultados encontrados.

(1) As estimações apresentam indícios no sentido de uma alta flexibilidade das taxas de juros bancárias no Brasil, especialmente no longo prazo. (2) As estimativas do grau de transmissão da política monetária para a taxa de juros de captação dos bancos levaram a um resultado interessante: a resposta imediata da taxa de captação é completa, mas se reverte ao longo do tempo. (3) As estimativas para as taxas de juros de empréstimos apresentaram resultados diversos. Não obstante, na maior parte dos casos não se pôde rejeitar a hipótese de que o grau de transmissão da taxa Selic para essas taxas seja completo no longo prazo. (4) Se forem considerados níveis de significância próximos a 5% nos testes de Wald, também se pode ter como um resultado o de que o grau de transferência da política monetária é maior no curto prazo para as taxas de juros para pessoas físicas do que para as taxas para pessoas jurídicas. (5) Baseado nos resultados encontrados, pode-se afirmar que um aumento da taxa de juros de política monetária leva no longo prazo a uma elevação do spread bancário, e uma diminuição leva a uma redução do mesmo. (6) Por fim, a idéia apontada por alguns de que a influência do Banco Central sobre as taxas de juros bancárias é menor à medida que o prazo das operações de crédito se amplia não pôde ser corroborada pelas estimações aqui apresentadas.

 

Referências

Andrews, D. (1991). “Heteroskedasticity and Autocorrelation Consistent Covariance Matrix Estimation”, Econometrica, 59(3), p.817-858.

 

Banco Central do Brasil (2003). Relatório de Inflação, v.5, n.3.

 

Berstein, Solange e Rodrigo Fuentes (2003). “From Policy Rate to Bank Lending Rates: The Chilean Banking Industry”, LACEA Papers and Proceedings, Puebla, México, 30p.

 

Bondt, Gabe de (2002). “Retail Bank Interest Rate Pass-through: New Evidence at the Euro Area Level”, European Central Bank Working Paper, n.136, 42p.

 

Cottarelli, Carlo e Angeliki Kourelis (1994). “Financial Structure, Bank Lending Rates, and the Transmission Mechanism of Monetary Policy”, IMF Staff Papers, v.41, n.4, p.587-623.

 

Espinosa-Vega, Marco e Alessandro Rebucci (2003). “Retail Bank Interest Rate Pass-Through: Is Chile Atypical?”, IMF Working Paper, n.112, 35p.

 

Mizen, Paul e Boris Hofmann (2002). “Base Rate Pass-through: Evidence from banks’ and building societies’ retail rates”, Bank of England’s Working Paper, n.170, 45p.

 

Anexo

Tabela A1

Códigos das Séries Utilizadas nas Estimações

Código Série
4189 SELIC
3954 CDB
3952 Total Pessoa Jurídica
3953 Total Pessoa Física
3939 Hot Money
3943 Conta Garantida
3945 Vendor
3942 Capital de Giro
3944 Aquisição de Bens – P. Jurídica
3950 Aquisição de Bens – P. Física

Obs.: Esses códigos referem-se às Séries Temporais do Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br)

 

 

Figura A1 – Taxas de Juros Bancárias e a Taxa de Juros de Política Monetária (% a.a.)

 

 

 

90

 

80

 

70

 

60

 

50

 

40

 

30

 

20

 

1999                   2000                   2001                   2002                   2003

 

Figura A2 – Taxas de Juros Bancárias e a Taxa de Juros de Política Monetária (% a.a.)

 

 

80

 

 

70

 

 

60

 

 

50

 

 

40

 

 

30

 

 

20

 

1999                   2000                   2001                   2002                   2003

 

  • – Efeitos da Política Monetária sobre a Oferta de Crédito

Tony Takeda*

 

 

  • Introdução

O mercado de crédito no Brasil tem atraído muita atenção nos últimos anos. Vários estudos procuram explicações para as altas taxas de juros, os elevados spreads bancários e o baixo volume de crédito. Além disso, o governo vem implementando uma série de medidas a fim de resolver tais problemas.

Figura 1 – Agregado dos Ativos do Balanço Patrimonial Bancário

Apesar dos esforços para melhorar esse mercado, o que se observa é um certo deslocamento de recursos de operações de crédito ao setor privado para títulos públicos e recolhimentos compulsórios. Esse deslocamento pode ser visto na Figura 1, que apresenta o comportamento dessas séries como proporção do total de ativos e do total de passivos de origem de terceiros. O comportamento das duas proporções das variáveis é semelhante, mas o efeito do deslocamento fica mais evidenciado nas séries como proporção dos passivos. Também se nota que, desde meados de 2001, os recursos de passivos de origem de terceiros, levantados pelos bancos, estão sendo cada vez menos empregados no crédito ao setor privado.

* Departamento de Estudos e Pesquisas, Banco Central do Brasil. O autor agradece os comentários e sugestões de Fabiana Rocha. As opiniões expressas  neste trabalho  são exclusivamente  do autor  e não  refletem necessariamente  a  visão do  Banco Central  do Brasil.

 

Um estudo que examina os efeitos dos recolhimentos compulsórios no crédito bancário é o de Takeda (2003). Naquele estudo, são apresentadas evidências da transmissão da política monetária para a economia real através do canal dos empréstimos bancários84. Um dos instrumentos de política examinado foi o conjunto dos recolhimentos compulsórios. O autor analisou um painel de dados desagregados do balanço patrimonial dos bancos brasileiros para o período de dezembro de 1994 a dezembro de 2001. Um dos resultados encontrados foi que a contração na oferta de crédito é tanto maior (menor) para os bancos de maior (menor) porte, quanto maior for a taxa do conjunto dos recolhimentos compulsórios. A explicação para esse comportamento decorreria da estrutura progressiva dos compulsórios.

 

O presente trabalho procura atualizar e aprimorar o estudo de Takeda (2003)85. Será feita uma separação dos recolhimentos compulsórios em depósitos remunerados e não remunerados. Haverá também um controle dos efeitos do direcionamento obrigatório dos depósitos à vista para o crédito rural e do risco soberano do Brasil. Para essa finalidade é utilizado um painel de dados desagregados do balanço patrimonial dos bancos brasileiros do período de junho de 1999 a junho de 2003, período de regime de metas de inflação.

 

  • O Modelo

Nas questões sobre a transmissão da política monetária por meio do canal de empréstimos bancários, ressalta-se o problema de identificação. Quando se realizam os testes em séries de tempo baseados em dados agregados há uma certa dificuldade para identificar de forma conclusiva se os efeitos são dos choques de oferta ou dos choques de demanda por crédito. A dificuldade é mostrar que a política monetária efetivamente desloca a oferta de crédito bancário. Kashyap e Stein (2000) resolvem esse problema de identificação utilizando dados desagregados dos bancos. Os autores exploram a idéia que apertos da política monetária podem afetar mais a oferta de empréstimos de bancos menos líquidos e de menor porte. Isso porque, após um aperto monetário, tais bancos tenderiam a ajustar mais a sua carteira de crédito considerando que poderiam não conseguir levantar facilmente recursos devido a problemas de informação. Para verificar essa hipótese os autores testam se é significativo o coeficiente da interação entre a liquidez do banco e a variação do indicador de política monetária. Raciocínio semelhante será utilizado neste estudo.

 

O modelo adotado neste trabalho resume-se na seguinte equação86:

Li = a0 y + a1 y xi + b0 p + b1 p xi c0 z + c1 z xi + d xi    + e0 k + e1 k xi + cte                                                                                                            (1) onde:

Li       é o volume de crédito concedido pelo banco i y é o nível do produto

p é taxa de inflação

z é o nível do instrumento de política

xi        é uma característica do banco i k é a medida de risco soberano87 e

a0, a1, b0, b1, c0, c1, d, e0, e1 são coeficientes a serem estimados

 

84 Kashyap e Stein (1994) afirmam que o canal de empréstimos bancários enfatiza a natureza especial do crédito bancário e o papel dos bancos, como intermediários financeiros, na estrutura financeira da economia.

85 Uma versão resumida a partir de Takeda (2003) é apresentada em Takeda, Rocha e Nakane (2003).

86 Os detalhes de especificação deste modelo e sua extensão são  apresentados em Ehrmann et al. (2001) e Takeda (2003).

87 A inclusão do risco soberano dos títulos externos do país, como variável para tentar explicar a oferta de crédito, decorre do achado de Koyama e Nakane (2002). Esses autores decompõem econometricamente o spread bancário brasileiro, identificando a importância relativa dos fatores relacionados à taxa de juros Selic, aos impostos indiretos, aos custos administrativos e ao risco soberano dos títulos da dívida externa do governo. Os autores concluem que dentre esses vários fatores, o componente de risco sobressai, mostrando-se bastante relevante na determinação do spread.

 

A formulação acima permite testar as respostas assimétricas da oferta de crédito dos bancos aos instrumentos de política monetária, ao PIB, à taxa de inflação, ao risco do país e aos instrumentos de outras políticas. Isso é feito através da interação dessas variáveis com as características individuais dos bancos. Também, introduz-se alguma dinâmica e estima-se o modelo em primeiras diferenças. O modelo de regressão final está especificado na equação abaixo:

 

4                                            4                             4                                                 4                                   4

D log(Lit ) = åbj D log(Lit – j ) + åc j Dzt – j   + å d j D log(PIBt – j ) + åej Dinflt – j   + å f j Dembit – j

 

j =1

4

j =0

4

j =0

4

j =0

j =0

4

(2)

 

  • g xit -1 +å h1 j xit -1Dzt j + å h2 j xit -1D log(PIBt j ) + å h3 j xit -1Dinflt j   + å h4 j xit -1Dinflt j   + e it

 

j =0

j =0

j=0

j =0

 

 

sendo i = 1, …, N e t = 1, …, Ti, onde N denota o número de bancos. Lit é uma variável que representa os saldos dos empréstimos do banco i no mês/ano t. Sendo assim, Dlog(Lit) representa a 1ª diferença ou a taxa de variação mensal desses saldos do banco i. Além disso, Dzt representa a 1ª diferença do instrumento

de política88; Dlog(PIB ), a taxa de crescimento do PIB industrial real; Dinfl , a 1ª diferença da taxa de

t                                                                                                                                      t

inflação (ou a taxa de aceleração da inflação); e Dembit, a 1ª diferença do prêmio do risco do Brasil. As características específicas dos bancos são as variáveis xit.

Neste modelo, espera-se que os efeitos assimétricos da política monetária devam refletir em um coeficiente significativo da interação das características individuais do banco com o indicador de política monetária. As estimações feitas com dados da economia norte-americana encontraram que bancos de menor porte [Kashyap e Stein (1995, 2000)], ou com menor liquidez [Kashyap e Stein (2000)], ou menos capitalizados [Peek e Rosengren (1995)] reagem mais a mudanças na política monetária do que bancos com um alto valor nas respectivas características individuais. Isso implica coeficientes positivos nos termos de interação. Ehrmann et al. (2001) encontraram que a política monetária afeta a oferta de empréstimos de forma mais pronunciada, por meio dos efeitos associados à liquidez do balanço dos bancos, na Alemanha, Espanha, França e Itália.

 

A compreensão sobre o sinal do coeficiente do termo de interação entre a característica do banco e a variação da taxa Selic é facilitada assumindo uma relação semelhante à equação (1):

ln(Li ) = … + b ln(r) + c xi ln(r) + … onde:

Li é o volume de empréstimos do banco i

r é a taxa de juros de curto prazo controlada pelo BC

  • é o coeficiente do efeito direto do logaritmo natural de r xi é a característica x do banco i
  • é o coeficiente do termo de interação entre a característica x do banco i e ln(r)

 

 

É então razoável supor

¶ln(Li )

= b + c x

¶ln(r)

i < 0 , denotando que o volume de empréstimos do banco

 

i, Li, necessariamente irá se contrair após um aumento na taxa de juros de curto prazo, r. Se a característica

xi for a liquidez do balanço, ou o tamanho ou a capitalização do banco i, então b < 0 e c > 0.

 

 

 

 

 

88 Os instrumentos de política monetária utilizados nesse trabalho são três: a taxa Selic, a taxa de recolhimentos compulsórios com depósitos remunerados, e a taxa de recolhimentos compulsórios com depósitos não remunerados. Adicionalmente, é testado um instrumento de política de crédito rural. Deste modo a variável zt,  e os parâmetros cj e h1j são vetores.

 

A suposição que o coeficiente c é positivo obedece a uma lógica econômica. Considere inicialmente que xi seja a característica de liquidez do balanço patrimonial do banco i. Seguindo os resultados usuais da literatura [Kashyap e Stein (2000) ou Erhmann et al. (2001)], é razoável supor que os empréstimos dos

bancos com balanço patrimonial mais líquido – portanto, xi maior – respondam menos à restrição de liquidez monetária, a qual é induzida através de um aumento na taxa de juros de curto prazo. Tal condição somente se verifica quando o coeficiente c é positivo89. A Figura 2, abaixo, ilustra tal fato.

Figura 2 – Sinal do Coeficiente c da Interação entre a Característica do Banco e a Variação da Taxa de Juros de Curto Prazo Controlada pelo Banco Central

A análise dos coeficientes das interações é fundamental para a identificação e interpretação dos efeitos da política monetária sobre a oferta de crédito dos bancos. No entanto, os efeitos dessas interações serão “nulos” quando se calcula esses efeitos no agregado bancário. Isso porque as variáveis das características dos bancos usadas nas estimativas deste trabalho são centradas. Então, a análise dos efeitos macroeconômicos deverá se concentrar nos coeficientes dos termos das variáveis sem as interações. Esses coeficientes representam os efeitos “diretos” dessas variáveis sobre o crédito dos bancos.

 

  • Descrição das Variáveis

Os dados dos bancos usados no trabalho são extraídos do Cosif. São dados do balancete mensal e abrangem o período de junho de 1999 a junho de 2003 de todos os bancos múltiplos, dos bancos comerciais, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Foram definidos como outliers e retirados da amostra os dados que apresentaram valores abaixo (acima) do 5º (95º) percentil para a distribuição da 1ª diferença dos créditos livres. Procedimento semelhante foi adotado em Ehrmann et al. (2001). No Brasil, a justificativa para esse procedimento deve-se aos ajustes do setor bancário. O número de bancos no início do período analisado era de 200 e termina em 163. Esse nível de corte amortece os efeitos dos ajustes das carteiras de crédito, das liquidações, das aquisições, das fusões e das privatizações de bancos ocorridas no período.

 

Créditos de Livre Direcionamento (cliv) é a variável de interesse do trabalho, definida como o somatório dos saldos das contas de cada banco da conta Empréstimos e Títulos Descontados (Cosif 1.6.1.00.00-4) e da conta Financiamentos (Cosif 1.6.2.00.00-7), do último dia útil de cada mês. Esses saldos representam o estoque de crédito concedido pelo banco. A Figura 3 mostra que o crédito livre é atualmente a maior parcela dentro das operações de crédito. Note que essa definição de crédito livre exclui os créditos rurais, os imobiliários e os de infra-estrutura90.

 

Taxa Selic (selic), definida como a taxa over Selic diária do último dia útil de cada mês, anualizada para um ano de 252 dias úteis.

89 As observações sobre o sinal do coeficiente c permanecem válidas se considerarmos a taxa de recolhimentos compulsórios sobre os depósitos bancários no lugar da taxa de juros de curto prazo.

90 Takeda (2003) mostra que o Banco do Brasil possui a maior parcela do mercado de crédito rural. O mesmo acontece com a Caixa Econômica Federal no mercado de crédito imobiliário. Um problema é que esses bancos federais executam as políticas de crédito específicas a esses setores e tais políticas podem divergir da direção conduzida pelo Banco Central para a política monetária.

 

Prêmio do risco soberano do Brasil (embi), definida como o spread entre o Emerging Market Bond Index Plus, Embi+, do Brasil, calculado pelo JP Morgan, e os títulos do tesouro dos EUA.

 

Taxa de variação do PIB industrial (pib), taxa de variação mensal do PIB industrial medido pelo IBGE. Taxa de variação do IPCA (ipca), taxa de variação mensal do IPCA medido pelo IBGE.

Taxa de recolhimentos obrigatórios, depósitos não remunerados, (txnrem), definida como a série 7543 (Recolhimentos obrigatórios de instituições financeiras, Saldo total não-remunerado) sobre o agregado dos Depósitos à Vista (Cosif 4.1.1.00.00-0).

 

Taxa de recolhimentos obrigatórios, depósitos remunerados, (txrem), definida como a série 7542 (Recolhimentos obrigatórios de instituições financeiras, Saldo total remunerado)91 sobre o agregado dos Depósitos (Cosif 4.1.0.00.00-7) + (mais) Recursos de Aceites Cambiais, Letras Imobiliárias e Hipotecárias, Debêntures e Similares (Cosif 4.3.0.00.00-5) – (menos) Depósitos à Vista (Cosif 4.1.1.00.00-0)

 

Taxa de aplicação obrigatória em crédito rural sobre os depósitos à vista (txrur), definida como Financiamentos Rurais – Aplicações Obrigatórias (Cosif 1.6.3.20.00-4) sobre agregado da conta Depósitos à Vista (Cosif 4.1.1.00.00-0)

 

Neste trabalho, os ativos líquidos (Liqit) de cada banco i, no instante t, são definidos como as

it

Aplicações Interfinanceiras de Liquidez (c120 ) menos as Revendas a Liquidar, posição Financiada92

(c12120 ) mais os Títulos Públicos Livres93 (c131 ),94 ou:

it                                                                                                      it

 

Liqit = c120it c12120it + c131it

 

O índice de liquidez individual é definido como a razão de ativos líquidos, conforme a definição acima para Liqit sobre o total de ativos. O porte é medido através do logaritmo do total de ativos de cada banco, Ait. Nas estimativas são usadas medidas centradas para tamanho (Size) e liquidez (Xliq), definidas

como:

 

N
it                      it

Size = log A – 1

t

Nt

å

log Ajt

j =1

 

 

 

 

XLiq

Liqit

–  1 åT

êæ   1   åNt

Liq jt öú

 

 

A

it

T

it                  t =1

êè Nt

j =1

Ajt     úø

 

 

 

91 Esses recolhimentos compulsórios são exigidos em espécie para depósitos em poupança e o adicional sobre os depósitos à vista e em títulos sobre os depósitos a prazo. A taxa de remuneração desses recolhimentos segue a taxa Selic.

92 A definição de ativos líquidos deste estudo exclui das Aplicações Interfinanceiras de Liquidez, conta 1.2.0.00.00-5 do Cosif, os saldos da sub-conta 1.2.1.20.00-2, Revendas a Liquidar, posição Financiada. Essa última operação tem a seguinte contrapartida no passivo do balanço do banco, na conta 4.2.0.00.00-6, Obrigações por Operações Compromissadas, através da sub-conta 4.2.2.20.00-6, Recompras a Liquidar, carteira de terceiros. Essa exclusão é feita porque aquela aplicação de liquidez origina-se garantindo a operação através de títulos não pertencentes ao banco.

93 Em termos das contas do Cosif, os saldos desvinculados da conta 1.3.0.00.00-4, Títulos e Valores Mobiliários, pertencem à sub-conta 1.3.1.00.00-7, Livres.

94   No conceito de ativos líquidos do balanço patrimonial não foi considerado o saldo da conta caixa. Isso se deve ao fato de que tal conta apresenta um índice de caixa/ativos relativamente alto para os bancos de grande porte com muitas agências. Para esses bancos, o “caixa” tem a função, principalmente, de atender aos saques dos depósitos de seus correntistas. No entanto, para os bancos de pequeno porte, que são os de maior número na amostra, esse índice é relativamente baixo. Nota-se que a função básica da liquidez do balanço do banco, neste trabalho, é funcionar como uma proteção da carteira de empréstimos frente a contrações monetárias. Assim, é razoável que o saldo da conta “caixa” não seja considerado no conceito de ativos líquidos. Kashyap e Stein (2000) também não incluem o “caixa” na definição de liquidez, pois explicam que a manutenção do “caixa” deve estar refletindo necessidades de reservas e, portanto, não podem ser livremente descartados. Então, os autores definem como ativos líquidos apenas os títulos (securities) e as aplicações em fundos federais.

 

Figura 3 – Agregado de Operações de Crédito e de Créditos Livres

 

 

 

 

A Figura 4 mostra que o conceito de liquidez pode diferir significativamente, caso não sejam tomados cuidados na separação dos ativos de acordo com a sua específica situação de livre disponibilidade. Por exemplo, se o conceito de liquidez considera a soma dos saldos das contas do Cosif 1.2.0.00.00-5, Aplicações Interfinanceiras de Liquidez, e do Cosif 1.3.0.00.00-4, Títulos e Valores Mobiliários e Instrumentos Financeiros Derivativos, nota-se na figura uma disparidade entre tal definição e a definição adotada neste trabalho. O gráfico à direita na Figura 4 mostra que nos últimos meses do período analisado houve um aumento notável da liquidez de curto prazo. A Figura 5 mostra as variáveis macroeconômicas usadas no trabalho.

 

Figura 4 – Critérios de Liquidez de Ativos do Agregado do Balanço Patrimonial dos Bancos

 

A Figura 6 apresenta as variáveis de política usadas neste trabalho. Observa-se que as elevações nos recolhimentos compulsórios no início de 1999, no último trimestre de 2001 e em meados de 2002 caracterizam momentos de instabilidade macroeconômica e financeira.

 

Figura 5 – Variáveis Macroeconômicas

 

Figura 6 – Variáveis de Política

 

     

 

 

 

 

     

 

  • Resultado da Estimação

As estimações foram realizadas para o período de junho de 1999 a junho de 2003. Elas foram feitas utilizando o estimador Generalized Method of Moments (GMM), sugerido por Arellano e Bond (1991). A escolha dessa metodologia decorreu da inclusão de defasagens da variável dependente como variável explicativa no modelo de regressão. O método GMM assegura a consistência e a eficiência das estimativas, desde que os instrumentos sejam adequadamente escolhidos, de modo a levar em conta as propriedades da correlação serial do modelo. A validade dos instrumentos é testada com o teste padrão de Sargan.

 

Tabela 1 – Resposta da Oferta de Crédito Livre dos Bancos Brasileiros (junho de 1999 a junho de 2003)

 

  soma dos coeficientes¨ desvio padrão robusto a heterocedasticidade
DLog(cliv) 0,698 *** 0,034
DSelic -0,145 0,091
DTxrem -0,820 *** 0,157
DTxnrem -0,054 *** 0,017
DTxrur 0,020 0,088
DEmbi 0,001 0,001
DLog(pib) 0,272 *** 0,029
DIpca -1,932 *** 0,422
Size_Dselic 0,011 0,042
Xliq_Dselic 0,442 0,339
Size_Dtxrem 0,154 *** 0,051
Size_Dtxnrem -0,064 *** 0,022
Xliq_Dtxnrem -0,617 *** 0,135
Xliq_Dtxrur -0,699 *** 0,220
Size_Dembi 0,001 *** 0,000
Xliq_DLog(pib) -0,184 ** 0,079
Size_Dipca -1,033 *** 0,312
Constante 0,005 *** 0,001
p-val Sargan 0,820  
p-val ma1, ma2 0 0,435
nº bancos, obs. 186 5828

** / *** denota significância a 5 / 1 %

?Apresenta-se a   soma   dos   coeficientes   de   cada   variável   que

mantiveram significância de até 5% no modelo final. A inferência é sempre sobre os coeficientes do 1º passo. O teste de Sargan, de validade dos instrumentos, e os testes de autocorrelação dos resíduos (ma1 e ma2), são os do 2º passo. Foram usados como instrumentos uma “janela” de quatro defasagens do valor em nível de log(cliv).

 

 

O modelo foi estimado a partir de quatro defasagens de todas as variáveis, sendo que a versão final manteve apenas as variáveis e defasagens significativas a 5%. A escolha do modelo final considerou: (i) a validade dos instrumentos no 2º passo; e (ii) a autocorrelação dos resíduos apenas na 1ª ordem, ma(1), tanto no 1º como no 2º passo. O resultado da estimação da equação (2) é apresentado na Tabela 1, acima.

 

Os coeficientes das interações entre a liquidez dos ativos do banco e os instrumentos de política monetária aparecem na tabela como “não significativas” ou com o sinal contrário ao esperado. É contra o senso comum o resultado de um coeficiente95 negativo para a interação entre a liquidez do banco e taxa de recolhimento compulsório – não remunerado – (Xliq_Dtxnrem). Isso denota que a oferta do crédito livre dos bancos mais (menos) líquidos contrai-se mais (menos) em resposta ao aumento desse compulsório. No entanto, Takeda (2003) mostra que no Brasil pode haver uma especialização de bancos: (a) bancos de “tesouraria”, que operam principalmente nos mercados de títulos e de derivativos; e (b) bancos de “crédito”, que operam principalmente na concessão de empréstimos e financiamentos. Assim os bancos que operam principalmente com crédito – e, portanto, menos líquidos – procurariam manter de forma mais constante a sua carteira de crédito. Por outro lado, os bancos de tesouraria – mais líquidos – tenderiam a apresentar uma volatilidade maior nas suas operações de crédito96.

 

O coeficiente sobre o efeito direto da taxa de aplicação obrigatória para o crédito rural sobre os depósitos à vista (Dtxrur) é não significativo. No entanto, a existência de um coeficiente negativo significativo para a interação entre a liquidez do banco e esse direcionamento (Xliq_Dtxrur) denota que a oferta do crédito livre dos bancos mais (menos) líquidos contrai-se mais (menos) em resposta ao aumento dessa exigência. A interpretação desse resultado é análoga a do parágrafo anterior.

 

O coeficiente do efeito direto da taxa Selic (Dselic) é não significativo. No mesmo sentido encontram- se coeficientes não significativos para as interações entre o porte do banco e a taxa Selic (size_Dselic), e entre a liquidez do banco e a essa taxa (Xliq_Dselic)97.

 

Entre os coeficientes negativos dos efeitos diretos dos dois tipos de recolhimentos compulsórios avaliados, destaca-se o valor de “–0.820” do coeficiente da taxa de recolhimentos compulsórios com depósitos remunerados (Dtxrem) contra apenas “–0.054” do coeficiente da taxa de recolhimentos compulsórios com depósitos não remunerados (Dtxnrem). O coeficiente de menor magnitude em termos absolutos denota que os depósitos à vista podem ser uma fonte de recursos menos importante para as operações de crédito dos bancos. Takeda (2003) mostra que os bancos que mais emprestam em créditos livres no Brasil financiam tais operações captando recursos, principalmente, através de depósitos a prazo e depósitos interfinanceiros. Observa-se que em junho de 2003 a proporção desses depósitos correspondia a 54% do total de depósitos do sistema bancário. Outra interpretação para o pequeno impacto direto sobre o crédito livre decorrente dos recolhimentos compulsórios sobre os depósitos à vista deve-se à baixa proporção destes depósitos sobre o total de depósitos. Constata-se que, em junho de 2003, essa proporção era de apenas 13%. Quando se calcula a proporção de depósitos à vista sobre o total de ativos chega-se a 6%.

 

A fim de identificar mais precisamente os efeitos de contração sobre a oferta de crédito, destacam- se os coeficientes negativos para a interação entre: (a) o porte do banco e a taxa de compulsórios – não remunerados – (size_Dtxnrem); e (b) o porte do banco e a taxa de aplicação obrigatória para o crédito rural sobre os depósitos à vista (size_Dtxrur). Esses dois coeficientes negativos denotam que a oferta do crédito livre dos bancos de maior (menor) volume de ativos contrai-se mais (menos) em resposta a elevações dessas taxas. Takeda (2003) mostra que a existência de uma estrutura de progressividade dos recolhimentos compulsórios explica tal efeito. Isso por constatar que os bancos de maior volume de ativos, além de apresentar um maior volume de depósitos, apresentam uma maior proporção de depósitos sobre os ativos.

 

 

95 Em toda a análise dos resultados da Tabela 1, onde estiver escrito “coeficiente”, leia-se “soma dos coeficientes que mantiveram significância a 5%”.

96 Uma interpretação complementar é que, em momentos de apertos da política monetária, os bancos de tesouraria teriam motivos adicionais para aumentar a concentração de suas operações nesses mercados. Isso devido ao aumento da volatilidade dos preços desses ativos, volatilidade causada por choques na economia.

97 Takeda (2003)  já havia  encontrado  que variações  na taxa  Selic  têm efeitos  não  significativos na  oferta de  crédito  dos bancos.

 

Ainda na identificação dos efeitos de contração sobre a oferta de crédito, nota-se um coeficiente positivo para a interação entre porte do banco e taxa de recolhimentos compulsórios com depósitos remunerados (size_Dtxrem). Esse resultado indica que a oferta do crédito livre dos bancos de menor (maior) porte contrai-se mais (menos) em resposta a aumentos nesses compulsórios. Em Takeda (2003) o conjunto dos recolhimentos compulsórios é a variável de política monetária testada. Como já mencionado, naquele trabalho, o autor encontra evidências de que a oferta de crédito dos bancos de maior porte contrai-se mais em resposta a aumentos no conjunto dos recolhimentos compulsórios sobre os depósitos. Na estimação aqui examinada há uma especificação mais detalhada dos efeitos dos vários tipos de compulsórios sobre a oferta de crédito. Assim se obtém uma riqueza maior de resultados, o que proporciona uma análise de identificação mais complexa.

 

O efeito direto da variação do prêmio de risco do Brasil (Dembi) é não significativo. Não obstante, o resultado de um coeficiente positivo significativo para a interação entre porte do banco e a variação do prêmio de risco (size_Dembi) denota que a oferta do crédito livre dos bancos de menor (maior) porte contrai-se mais (menos) em resposta a variações que aumentam do prêmio de risco soberano.

 

Como esperado, é encontrado um coeficiente positivo para a taxa de crescimento do PIB industrial (Dpib). Esse resultado indica que há uma correlação positiva entre o PIB industrial e o crédito livre no Brasil. O sinal negativo do coeficiente da interação entre a liquidez de ativos do banco e a variação do PIB industrial (Xliq_Dpib) denota que a oferta do crédito livre dos bancos menos (mais) líquidos aumenta mais (menos) em resposta a aumentos na taxa do PIB industrial98.

 

Para interpretar o coeficiente negativo e significativo da aceleração da taxa de inflação (Dipca) considere a Figura 7. Essa figura mostra que, em junho de 2003, o crédito livre99, o total dos ativos, as contas de títulos públicos mais aplicações interfinanceiras de liquidez alcançaram, em termos reais, valores inferiores aos do início de 2002. Por outro lado, a conta de recolhimentos compulsórios – depósitos remunerados –, que já se encontrava num nível relativamente elevado no início de 2002, em termos reais, praticamente dobrou de valor ao final do período, retratando que se trata de um período de instabilidade macroeconômica.

 

E finalmente, o coeficiente negativo para a interação entre o porte do banco e a variação da taxa de inflação (Xliq_Dipca), denota que a oferta do crédito livre dos bancos de maior (menor) porte contrai-se mais (menos) em resposta à aceleração dos preços medidos pelo IPCA. A identificação desse último efeito é análoga à apresentada no início da análise dos resultados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

98 Takeda (2003) mostra que os bancos que mais emprestam em créditos livres como proporção dos ativos apresentam baixíssima liquidez do ativo. No entanto, mesmo sendo bancos relativamente pequenos, aparentam não ter dificuldade para levantar recursos através de depósitos a prazo e de depósitos interfinanceiros.

99 Esse comportamento para a oferta de crédito é esperado num contexto onde predominam operações de crédito realizadas a taxas prefixadas. Isso porque a aceleração da inflação irá, certamente, impor perdas reais aos bancos que realizarem tais operações.

 

Figura 7 – Agregado Bancário (valores em bilhões de R$, corrigidos pelo IPCA, junho de 2003)

 

 

  • Conclusão

O objetivo principal deste trabalho foi atualizar e enriquecer os resultados encontrados em Takeda (2003) para o período de junho de 1999 a junho de 2003. Os resultados desta atualização mostraram que permanecem válidas as principais conclusões do trabalho anterior. Assim, sob as hipóteses do modelo testado, ratificam-se os seguintes efeitos sobre a oferta de crédito livre dos bancos brasileiros:

 

  • As evidências apontam que é não significativa a restrição de liquidez induzida por variações que aumentam as taxas dos instrumentos de política monetária100;

 

  • A taxa Selic apresenta resultados não significativos tanto no efeito direto, bem como nas interações com as características do banco101;

 

  • Entre os instrumentos de política monetária, a taxa de recolhimentos compulsórios (depósitos remunerados) é o que representa os efeitos mais expressivos. Identifica-se que os bancos de pequeno porte como aqueles que respondem mais a essa taxa; e

 

100 A restrição de liquidez do balanço do banco induzida por apertos da política monetária é o fator que identifica e explica a resposta da oferta de crédito dos bancos de menor porte e menos líquidos nos EUA, conforme Kashyap e Stein (2000), e dos bancos menos líquidos na Alemanha, na França, na Itália e na Espanha, conforme Ehrmann et al. (2001).

101 Nota-se que o resultado refere-se ao efeito da taxa Selic na resposta da oferta de crédito dos bancos e há vários estudos que mostram a relevância da taxa Selic na determinação do spread bancário. Outra importante qualificação é sobre o escopo do modelo testado, ressalta-se que o presente trabalho não focaliza os efeitos da política monetária sobre a demanda de crédito.

 

  • Existe uma correlação positiva entre a oferta de crédito e o PIB industrial, e uma correlação negativa entre a oferta de crédito e a taxa de inflação do

 

Como resultados adicionais:

 

  • Há um efeito de magnitude moderada para a taxa de recolhimentos compulsórios (depósitos não remunerados)102. Identifica-se que os bancos de grande porte como aqueles que respondem mais a essa taxa; e

 

  • Os efeitos diretos são não significativos tanto para a taxa de direcionamento obrigatório para crédito rural dos depósitos à vista, quanto para a medida do prêmio do risco soberano do

 

Conforme mencionado, a interação entre a liquidez dos ativos do banco e a variação da taxa de juros básica explica a resposta da oferta de crédito dos bancos na Alemanha, França, Itália e Espanha segundo Erhmann et al. (2001). Semelhante interação também explica a resposta da oferta de crédito dos bancos de pequeno porte nos EUA segundo Kashyap e Stein (2000). Porém, os resultados deste trabalho mostraram que são não significativas as restrições de liquidez dos ativos sobre os banco brasileiros, induzidas por variação que aumentam as taxas nos indicadores da política monetária. Contudo, verifica-se que no Brasil, há um controle da liquidez dos ativos do balanço bancário por meio da utilização intensiva dos recolhimentos compulsórios como instrumento de política monetária. Isso porque aumentos nas taxas desses recolhimentos compulsórios implicam na diminuição no nível de liquidez dos ativos bancários.

 

Referências

Arellano, Manuel e Stephen Bond, 1991, “Some Tests of Specification for Panel Data: Monte Carlo Evidence and an Application to Employment Equations”, Review of Economic Studies, 58, 277-297.

 

Ehrmann, Michael, Leonardo Gambacorta, Jorge Martínez-Pagés, Patrick Sevestre e Andreas Worms, 2001, “Financial Systems and the Role of Bank in Monetary Transmission in the Euro Area”, Working Paper nº 105, Working Paper Series, European Central Bank.

 

Kashyap, Anil K. e Jeremy C. Stein, 1994, “Monetary Policy and Bank Lending”, in N. G. Mankiw (ed.) Monetary Policy. University of Chicago Press, 221-56.

 

                e               , 1995, “The Impact of Monetary Policy on Bank Balance Sheets”, Carnegie- Rochester Conference Series on Public Policy, June, 42, 151-95.

 

                e               , 2000, “What Do a Million Observation on Banks Say About the Transmission of Monetary Policy?”, American Economic Review, Vol. 90 nº 3, 407-428.

 

Koyama, Sergio M. e Márcio I. Nakane, 2002, “Os Determinantes do Spread Bancário no Brasil”, Banco Central do Brasil, Nota Técnica nº 17.

 

Peek, Joe e Eric S. Rosengren, 1995, “Bank Lending and the Transmission of Monetary Policy”, in Peek, J e E. S. Rosengren (eds.): Is Bank Lending Important for the Transmission of Monetary Policy?, Federal Reserve Bank of Boston Conference Series 39, 47-68.

 

102 Destaca-se que em Takeda (2003) a taxa de recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista apresentou efeitos não significativos sobre a oferta de crédito. No presente trabalho a variável explicativa testada é a taxa efetiva de recolhimentos compulsórios de depósitos não remunerados.

 

Takeda, Tony, 2003, “O Canal de Empréstimos no Brasil através dos Balanços Patrimoniais Bancários”, Dissertação de Mestrado, FEA-USP.

 

Takeda, Tony, Fabiana Rocha e Márcio Nakane, 2003, “The reaction of bank lending to monetary policy in Brazil”, anais do XXXI Encontro Nacional de Economia da ANPEC.

 

  • – Resenha: “Brasil: Acesso a Serviços Financeiros0, Banco Mundial (2003)

Ana Carla Abrão Costa* Márcio I. Nakane*

 

  • Introdução

A importância dos mercados financeiros para o desenvolvimento econômico é um tema amplamente explorado desde Bagehot (1873) e Schumpeter (1911) até trabalhos mais recentes como King & Levine (1993) e Levine (1997). Por outro lado, a ampliação do acesso a esses mercados tem impactos positivos em termos de bem estar ao possibilitar, para uma parcela maior da população, a utilização de serviços de pagamentos, facilitar as transações econômicas, além de ampliar o acesso a crédito – e portanto permitir que investimentos produtivos sejam feitos em escala maior.

 

Dentro desse contexto o Banco Mundial realizou, sob a coordenação de Anjali Kumar, em conjunto com um grupo de consultores e com a colaboração do Banco Central do Brasil, um trabalho detalhado visando a analisar os níveis atuais de acesso aos serviços financeiros no Brasil e as políticas governamentais com impactos sobre esse acesso.

 

O foco do trabalho foi bastante amplo, identificando os aspectos relevantes para a avaliação tanto do atual estágio de avanço em termos de acesso, quanto dos potenciais de expansão a curto prazo. A conclusão geral que surge é a de que “a expansão do acesso financeiro seria promovida por uma política para o setor financeiro e macroeconômico sólida e global. Além disso, o governo poderia e deveria encarregar- se de reformas regulatórias (para permitir que os mercados financeiros funcionem de modo mais uniforme) e das políticas direcionadas à expansão do acesso a esse mercado financeiro.s Essas políticas direcionadas devem visar a participação eficiente dos grupos excluídos nos mercados financeiros. Isso direcionaria o foco para uma revisão de incentivos em lugar do simples financiamento público de um programa especial.”

 

O documento final, intitulado “Brasil: Acesso a Serviços Financeiros”, está dividido em sete partes, cada uma delas contendo diagnósticos e sugestões de política. A primeira parte se concentra na avaliação do acesso, destacando sua importância em termos de bem estar social e analisando oferta e demanda de serviços financeiros no Brasil. A Parte 2 se concentra em analisar o ambiente de microcrédito e seu potencial de expansão. As partes 3 e 4 analisam, respectivamente, o atual nível de alcance dos bancos comerciais no Brasil e os benefícios de ampliação das parcerias do setor bancário com instituições não-bancárias. A Parte 5 discute as políticas de direcionamento obrigatório de créditos, principalmente para o setor rural, enquanto a sexta parte faz uma análise detalhada dos problemas vinculados à infra-estrutura institucional. Finalmente, o papel do governo é avaliado na última seção.

 

A relação dessa discussão – e portanto do documento a ser apresentado – com o projeto de redução dos juros e spread bancário no Brasil é direta, porém nem sempre complementar. Em primeiro lugar, os dois projetos visam segmentos de mercado diferentes. A agenda do microcrédito se concentra na ampliação do acesso pelas camadas de mais baixa renda e por empreendedores de micro ou pequena escala aos serviços financeiros. O projeto “Juros e Spread Bancário” do Banco Central é mais amplo em seus objetivos. Ele visa à elevação nos volumes de crédito e à redução do custo da intermediação financeira – e portanto do

 

 

  • Departamento de Estudos e Pesquisas do Banco Central do As opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente dos autores e não representam a visão do Banco Central do Brasil.

 

custo dos empréstimos – no mercado de crédito total. Ou seja, para empresas e indivíduos de uma forma geral. A ampliação do acesso – com mais pessoas usando a rede bancária para depositar e/ou tomar recursos é uma conseqüência natural das medidas sugeridas e tomadas no âmbito do projeto sem, contudo, estar direcionada a uma camada específica da população.

 

Este trabalho tem como objetivo sumarizar as principais conclusões do documento do Banco Mundial sob a ótica do projeto “Juros e Spread Bancário” do Banco Central. A idéia é abordar, de forma breve, em que medida as sugestões propostas no documento de Acesso a Serviços Financeiros concorrem ou complementam os objetivos de redução do spread e elevação dos volumes de crédito concedido pelo setor bancário como um todo. Para tanto, faremos um resumo dos principais pontos levantados em cada parte, apresentando diagnósticos e sugestões de política e abordando de que forma as sugestões impactam nos objetivos do nosso projeto e portanto se estão ou não inseridas no conjunto de medidas apresentado em nossos trabalhos.

 

  • Avaliação do Acesso

O propósito desta parte do estudo é realizar uma ampla síntese dos padrões atuais de acesso a serviços financeiros no Brasil. Para tanto, avaliam-se tanto os padrões de oferta de serviços financeiros, através de dados agregados sobre instituições financeiras e suas filiais, quanto o comportamento da demanda por estes serviços, com base nos resultados de um levantamento realizado especificamente para o relatório do Banco Mundial.

 

As principais conclusões desta parte podem ser sumariadas nos seguintes pontos:

 

  1. Apesar da redução do número de bancos, o fornecimento de serviços financeiros não caiu na última década, mas se manteve em grande parte estável (Figura 1). Houve alguma expansão de novas formas de pontos de fornecimento de serviço, como os caixas eletrônicos e os correspondentes bancários, e também um aumento na presença de algumas instituições financeiras pequenas, incluindo cooperativas e instituições de microfinanças, embora estas também continuem numericamente pouco A composição acionária dos prestadores de serviço, por sua vez, tem sofrido mudança significativa, com uma participação declinante dos bancos públicos. Os bancos privados, ao mesmo tempo em que utilizam intensamente novos mecanismos de fornecimento, como os caixas eletrônicos, também são, surpreendentemente, mais intensivos em agências que os bancos federais.

 

Figura 1 – Evolução dos Pontos de Provisão de Serviços Financeiros (1994–2002)

Fonte: Banco Central do Brasil

 

  1. A renda per capita tende a estar positivamente associada com indicadores amplos de acesso, tais como o número ou densidade das instituições bancárias ou os valores dos empréstimos e dos serviços que eles Os bancos (públicos e privados) têm um viés urbano e tendem a não fornecer serviços em áreas rurais. Todavia, a comunidade agrícola parece não ser mal servida de serviços financeiros. De acordo com alguns indicadores de acesso, os bancos públicos fornecem mais serviços aos pobres, mas os bancos privados parecem oferecer mais serviços à pequena empresa e ao empreendimento agrícola. Pelo lado da demanda, os bancos públicos são populares para serviços de pagamento (devido aos correspondentes bancários da Caixa Econômica Federal) em todos os grupos socioeconômicos, e também dominam o fornecimento de financiamento imobiliário, mas majoritariamente para os grupos mais abastados. Para captação de depósitos e crédito, tanto os grupos socioeconômicos privilegiados e os menos privilegiados têm uma certa preferência por bancos privados e, com o aumento da renda, ambos aumentam seu uso proporcional de bancos privados.

 

  1. Os resultados de uma pesquisa realizada junto a 2.000 indivíduos adultos, residentes em 9 regiões metropolitanas e 2 cidades revelam que 43% dos indivíduos examinados têm conta bancária. O uso de instituições financeiras não-bancárias, como cooperativas/uniões de crédito ou instituições de microfinanças, foi muito limitado (apenas 4% das respostas). Contudo, um número maior de pessoas (que não são necessariamente correntistas) fez uso de instituições financeiras, através de postos de pagamento de bancos correspondentes, especialmente pela rede de casas lotéricas da Caixa Econômica Federal. Para 47% dos respondentes, as casas lotéricas são sua instituição mais importante para transações financeiras. Agências de bancos privados vêm em segundo lugar (27%) e de bancos públicos, em terceiro (19%).

 

  1. Somente cerca de 2/3 (64%) daqueles que não têm conta demonstraram interesse em ter uma. Entre os motivos voluntários mencionados para não ter uma conta, as altas tarifas foram a causa predominante. A falta de recursos dos próprios indivíduos, falta de documentação e referências e as dificuldades para abrir uma conta também foram Em contraste, fatores como horário de funcionamento ou distância, que indicam inconveniência física, não foram importantes. Com relação ao comportamento ligado a depósitos e aplicações financeiras, mais da metade dos entrevistados (54%) têm seus maiores depósitos em bancos privados e 41% em instituições públicas. Outras instituições financeiras, incluindo cooperativas, são responsáveis por menos de 2% das respostas. O rendimento das contas de depósito tem baixa elasticidade preço. Para mais de 2/3 dos entrevistados a razão mais importante citada para manter depósitos foi “segurança”. Não é de surpreender que serviços de empréstimos e crédito são mais raramente usados. Apenas 15% dos entrevistados solicitaram crédito nos últimos 12 meses, e somente 2/3 destes tiveram suas solicitações aceitadas. Além dos empréstimos formais, cerca de 1/4 das pessoas tinham acesso a um cartão de débito e 1/5 tinham um cartão de crédito. Quanto aos serviços de pagamento, dinheiro vivo foi esmagadoramente o meio mais utilizado em todas as categorias socioeconômicas; 77% dos entrevistados usavam dinheiro vivo para todas as transações. Há espantosamente pouca variação por tipo de pagamento. Surpreendentemente, 92% das contas dos serviços públicos são pagas com dinheiro vivo. As únicas categorias de despesa onde o uso de dinheiro vivo é menor são as de bens de consumo duráveis: 77% para eletrodomésticos e 80% para mobília.

 

  1. Finalmente, a pesquisa corrobora as descobertas da análise pelo lado da oferta quanto à importância da renda, que tem uma forte correlação positiva com o acesso a uma variedade de serviços financeiros, incluindo a posse de uma conta bancária, depósito e serviços de crédito (Figura 2). Em termos de crédito, à medida que a renda se eleva, diminui a proporção de pedidos Níveis de renda estão também positivamente associadas com o uso de

 

bancos privados para manutenção de depósitos e utilização de serviços financeiros. Para tais serviços, a utilização de bancos públicos cai com níveis de renda mais elevados. Os resultados também apontam para a importância de outras características socioeconômicas, como educação e (para serviços de crédito) riqueza, na determinação do acesso financeiro.

 

Do ponto de vista de recomendações de política, os resultados sugerem que políticas de localização que busquem a equalização geográfica de serviços podem não ser, por si só, adequadamente eficazes para direcionar o acesso. Além disso, locais definidos em micronível, como bairros, com expansão de serviços direcionada para áreas ou partes da cidade com características microeconômicas específicas (por exemplo, alta concentração de habitações de baixo custo), devem ser visados. Políticas para expandir informações sobre clientes tais como o compartilhamento de informações “positivas” em alguns sistemas de informações de crédito e procedimentos que agilizem o uso de garantias, crédito garantido, recuperação ou boa legislação falimentar podem também ajudar a expandir o acesso. Dada a relevância da renda, políticas gerais orientadas para o crescimento, bem como políticas direcionadas que visem particularmente grupos de baixa renda, tendem a ser importantes na ampliação do acesso. A última sugestão é por uma maior concorrência entre instituições públicas e privadas no provimento de alguns serviços especializados; por exemplo, maior participação de bancos privados na provisão de serviços de pagamentos ou na concessão de empréstimos imobiliários. Iguais condições de atuação para instituições públicas e privadas seria um pré-requisito.

 

As recomendações feitas nesta parte do documento são de caráter bastante geral e a maioria delas é também discutida em outras seções do texto. Dada a generalidade das mesmas, não há como negar sua relevância como medidas que seriam também importantes no âmbito do projeto de juros e spread bancário.

 

Figura 2 – Importância da Renda em Diferentes Medidas do Acesso Financeiro

Fonte: Banco Mundial, pesquisa sobre acesso a serviços financeiros em áreas urbanas no Brasil, 2002.

 

  • Expansão das Microfinanças

O potencial de instituições de microfinanças (IMFs) como veículos de financiamento para os menos favorecidos tem sido largamente reconhecido mundialmente. No Brasil, este potencial ainda não foi plenamente explorado e este setor tem recebido, recentemente, considerável atenção por parte do governo. O estudo do Banco Mundial procura realizar uma avaliação do setor de microfinanças no Brasil, chamando a atenção para aspectos regulatórios e para a consonância com as boas práticas observadas internacionalmente.

 

As principais conclusões desta parte do estudo são resumidas a seguir:

 

  1. Houve uma aceleração notável do setor de microfinanças no Brasil a partir do final dos anos 90 (Figura 3), devido à criação e regulamentação de novas formas institucionais, as OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) e as SCMs (Sociedades de Crédito ao Microempreendedor), ao lançamento de um programa de microcrédito de larga escala pelo BNB, “CrediAmigo”, e ao apoio financeiro a tais instituições, oferecido pelo BNDES. Apesar dessa aceleração rápida, a penetração das microfinanças no Brasil permanece fraca, especialmente se comparada aos países A taxa de crescimento da carteira de pequenas IMFs individuais (a saber, outras que não CrediAmigo) não tem sido notadamente alta, e grande parte do esforço de crescimento deve-se mais ao estabelecimento de novas empresas do que a uma expansão rápida das empresas existentes. Entre os fatores responsáveis pela baixa penetração das IMFs independentes destacam-se: as dificuldades para expandir o alcance ao cliente sem uma rede de agências ou produtos de poupança; a presença de instituições de microfinanças dirigidas principalmente por governos municipais para atingir objetivos sociais e que fornecem crédito altamente subsidiado; deficiências regulatórias relativas à complexidade de diferentes marcos regulatórios e a exigências excessivas de documentação e de capital.

 

Figura 3 – Brasil: Crescimento da Carteira de Empréstimos e da Base de Clientes dos Principais Fornecedores de Microfinanciamento

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nota: em 2002, foram utilizados os dados de junho de 2001 para três IMFs (Banco do Povo de São Paulo, RioCred e SindCred), na falta de dados de 2002.

Fonte: Estimativas da equipe do banco com base em dados do BNDES, BNB e de instituições individuais.

 

  1. Quanto ao desempenho, os indicadores de empréstimos vencidos e não pagos são moderados (possivelmente com certo aumento da tendência para IMFs apoiadas pelo BNDES) e as provisões para empréstimos são baixas. Mas a sustentabilidade financeira tem sido boa, talvez devido à captação a baixo Os indicadores de eficiência, apesar de baixos, têm se elevado. Indicadores de impacto do volume de empréstimos indicam que o alcance está chegando ao segmento de pequenos clientes.

 

  1. O setor de cooperativas de crédito apresentou importantes avanços, em particular, desde a metade dos anos 90, devido especialmente à permissão de estabelecer cooperativas de crédito centrais e, mais tarde, bancos cooperativos. Não obstante, o grau de penetração permanece extremamente baixo em termos internacionais devido a elevadas exigências de liquidez e a restrições de afiliação. Outro problema do setor é a canalização de programas subsidiados de crédito

 

Quanto a recomendações de política, o Banco Mundial sugere a revisão, simplificação e harmonização dos requisitos regulatórios para as IMFs; a possibilidade de, no futuro, permitir que tais instituições captem depósitos; que se promovam parcerias com bancos; que se introduza métodos internacionalmente reconhecidos de melhores práticas e que se promova uma redução gradual de linhas a taxas subsidiadas. Para o segmento de cooperativas de crédito, as recomendações de política referem-se à revisão de normas, regulamentos e incentivos aplicados a programas de crédito rural subsidiado, à revisão de restrições de afiliação, à harmonização de regulação do setor com a regulação do sistema bancário e à introdução de formas de supervisão delegadas ou auxiliares.

 

A consideração de medidas que procurem aumentar o potencial de IMFs e cooperativas de crédito para ampliar o acesso a serviços financeiros não está diretamente vinculada ao projeto de juros e spread bancário. Pode, inclusive, haver um conflito entre as duas agendas, ilustrado, por exemplo, na recente medida que direciona 2% dos depósitos à vista captados pelas instituições financeiras bancárias para a realização de operações de microfinanças.

 

  • Estendendo o Alcance dos Bancos

Um aspecto importante vinculado à ampliação do acesso se refere à atitude dos bancos em relação a operações de valores reduzidos – tanto na ponta de captação de recursos quanto na ponta de concessão de empréstimos. Com isso se avalia se o acesso de indivíduos de baixa renda e empresas de menor porte aos serviços financeiros está restrito, além de seu potencial de expansão.

 

O Banco Mundial apresenta um diagnóstico otimista ao analisar o caso brasileiro, destacando que os bancos comerciais têm relevante papel na provisão de serviços financeiros para clientes pequenos. Há porém um grau de segmentação importante que faz com que a análise difira qualitativamente quando se separam bancos privados de bancos públicos. O documento se concentra em fazer essa análise, tanto em termos agregados quanto a partir da segmentação do mercado bancário brasileiro, levando em conta as instituições públicas e as privadas de forma separada.

 

Dentre as principais conclusões – todas elas tiradas com base em uma análise quantitativa das informações disponibilizadas pelo Banco Central do Brasil – destacam-se as seguintes:

 

  1. Na ponta de captação, os bancos privados tendem a oferecer modalidades de depósito de baixa remuneração (depósitos à vista e em caderneta de poupança), atendendo assim à demanda por transações e por busca de segurança. Enquanto que os bancos públicos tendem a oferecer opções de investimento para pequenos clientes que incorporam retornos maiores (depósitos a prazo). Não há porém, por parte da população de baixa renda, uma preferência em relação a estes últimos, que não são os principais provedores de serviços financeiros a pequenos clientes (Figura 4).

 

Figura 4 – Estrutura dos Depósitos por Tipo, Instituição, Quantidade de Clientes e Valor (dezembro de 2001)

Fonte: Cálculos do Banco Mundial com base em dados do Banco Central do Brasil – Fundo Garantidor de Créditos.

 

  1. Na ponta de empréstimos de baixo valor, também os bancos privados preponderam: 66% das operações com valores abaixo dos R$5.000,00 são concedidas por eles, sendo que essas operações chegam a representar, em média, 25% do total da carteira de empréstimos dos maiores bancos privados (Tabela 1). Observa-se porém que as operações de baixo valor não necessariamente estão vinculadas a indivíduos de baixa renda ou empresas de pequeno porte. A maioria dessas operações está destinada à classe média e às empresas de médio

 

  1. As restrições de acesso estão vinculadas principalmente a questões de custo. No caso de pessoas físicas, embora as tarifas de serviços não sejam identificadas como altas e não difiram consideravelmente entre bancos públicos e privados, elas podem ter uma representatividade significativa na renda individual das pessoas mais pobres (de um a dois por cento por mês). Além disso, requerimentos quanto à documentação exigida também aparecem como fatores Para as empresas, a restrição se concentra nas taxas de juros cobradas, percebidas como excessivamente altas, enquanto as tarifas são consideradas razoáveis.

 

Tabela 1 – Participação dos Bancos Comerciais Brasileiros no Mercado de Pequenos Empréstimos (R$ 1.000, novembro de 2001)

 

Participação de mercado em                  Propriedade              Participação % em categoria de tamanho de empréstimo

novembro de 2001                                            0–5               5- 10             10- 25           25 – 50                                                                                             Acimade 50

Bancos privados brasileiros 40 31 24 26 31
Bancos públicos 34 33 46 52 48
Bancos estrangeiros 26 36 30 22 21
Dez maiores participantes no mercad o para empréstimos inferiores a R$ 5.000      
Banco do Brasil Público, federal 14 16 15 15 10
Caixa Público, federal 8 8 18 28 2
Bradesco Privadas 8 6 7 10 8
Itaú Privadas 7 5 3 4 5
ABN AMRO Estrangeiro 6 9 6 4 2
Unibanco Privado, misto 4 4 3 2 5
Santander (Banespa) Estrangeiro 3 2 2 3 1
Lloyds TSB Estrangeiro 3 0 0 0 0
HSBC Brasil Estrangeiro 3 3 2 3 1
Nossa Caixa Público, estadual 2 1 1 1 0
Total dos dez maiores participantes   58 54 57 70 34
Fonte:Banco Central do Brasil, Central de Risco          

 

Com base nesse diagnóstico quatro recomendações de política são feitas no documento: revisão da estrutura de tarifas para serviços básicos; aumento no alcance e na competição de correspondentes bancários; incentivos ao compartilhamento de ATM´s e a adoção de princípios de boas práticas na provisão de serviços para pessoas de baixa renda e pequenos empresários. No último grupo de ações, o Banco Mundial menciona iniciativas como o desenvolvimento de produtos voltados a tais segmentos; estabelecimento de parcerias com instituições de microfinanças e organizações comunitárias; e diferenciação de imagem.

 

Do ponto de vista da agenda de “Juros e Spread Bancário”, algumas das medidas que visam à extensão do alcance dos bancos privados se configuram como complementares se considerarmos seus impactos sobre os custos da operação bancária e seus efeitos positivos sobre concorrência. Nesse conjunto se inserem as questões de compartilhamento de investimentos fixos; a ampliação de parcerias com instituições não bancárias; a constituição de correspondentes bancários. Todas essas questões têm como característica a diluição de custos, vinculada a uma escala operacional maior. Além disso, aspectos voltados para a mudança na imagem dos bancos – e a conseqüente disseminação da possibilidade de acesso por pessoas de baixa renda e empresas de pequeno porte – estão considerados em medidas já sugeridas no âmbito do projeto de redução de juros e spread, principalmente aquelas voltadas à maior transparência em relação a custos e direitos dos correntistas.

 

Por outro lado, há que se levar em conta que intervenções mais diretas como redução de exigibilidades para abertura de contas correntes, abertura de agências – e redução dos custos vinculados à sua manutenção e redução no preço das tarifas básicas, têm um caráter mais amplo se consideradas sob a ótica de custos e eficiência na intermediação. Como conseqüência, seus efeitos finais podem ser ambíguos e não diretamente verificáveis.

 

  • Parcerias com Instituições Não-bancárias

Esta parte do documento se concentra em analisar um segmento do mercado financeiro que, embora formalmente dissociado dos bancos muitas vezes tem, na prática, uma vinculação estreita com eles, quer através de composições societárias (caso das empresas de leasing e financeiras), quer como tomadores de recursos junto ao sistema bancário (factorings e cooperativas).

 

Essas instituições apresentam importante potencial em ambientes em que a utilização de garantias é prejudicada em função da existência de um sistema judiciário débil e quando os custos para o estabelecimento

 

de instituições bancárias são elevados. No caso brasileiro, o Banco Mundial identifica que o potencial destas instituições vem sendo pouco explorado devido à sua pequena participação no total de ativos financeiros. Os aspectos destacados no trabalho podem ser concentrados nos seguintes pontos:

 

A indústria de factoring vem contribuindo de forma importante para a provisão de serviços a pequenas empresas e tem apresentado um crescimento constante nos últimos dez anos – muitas vezes representando a única fonte de recursos para empresas menores, apesar de mais cara (Figura 5). Há, contudo, uma falta de clareza em relação ao escopo de suas operações. Isto se deve, principalmente, à fragmentação da legislação que rege seu funcionamento, tanto no que se refere à sua estruturação e limitações quanto ao tratamento tributário dispensado a essas empresas.

 

Figura 5 – Empresas de Fomento Mercantil – Carteira de Investimentos por Setor (2000/2001)

Fonte: Anfac (Associação Nacional de Factoring)

 

A evolução das operações de leasing, contrariamente ao factoring, se caracteriza por um comportamento cíclico, conforme apresentado na Figura 6. Atualmente, o acesso tem estado restrito às empresas de grande porte, passando ao largo das camadas de mais baixa renda e das empresas de pequeno porte que não têm acesso aos benefícios fiscais associados. Aqui, mais uma vez, problemas de ordem legal e tributária – além da existência de alternativas de custo mais interessantes – vêm criando impedimentos ao desenvolvimento e ampliação do alcance dessas operações.

 

Figura 6 – Evolução das Operações e da Carteira de Investimos em Arrendamento Mercantil por Tipo de Ativo (1990-2003*)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nota: *Fevereiro de 2003

Fonte: Abel (Associação Brasileira de Leasing)

 

As empresas financeiras têm se configurado como importante canal de acesso a crédito para consumo no Brasil comparativamente às contas bancárias, principalmente para indivíduos das camadas de baixa e média renda. Sendo que a grande vantagem das financeiras vinculadas a bancos está baseada no custo e disponibilidade de recursos, além da possibilidade de diferenciação de produtos. Os aspectos que têm limitado sua expansão se concentram na dificuldade de acesso a recursos baratos por parte das financeiras independentes e a problemas em relação à qualidade dos empréstimos.

 

Nestes casos, as recomendações de política se voltam principalmente a uma melhor estruturação legal e tributária para empresas de factoring e leasing, sendo que estas últimas devem também ser objeto de um alinhamento contábil relativamente às práticas internacionais. No que se refere às financeiras, o documento defende formas independentes de fundeamento que visem o aumento da disponibilidade de recursos. A mesma sugestão é também feita para as companhias de factoring. Além disso, a constatação de que todo o segmento de instituições não bancárias vem sendo sub-aproveitado nos seus potenciais em relação à ampliação do acesso gerou como recomendação ampla a necessidade de melhor explorar formas alternativas de financiamento como as empresas de cartões de crédito, de recebíveis, de franquias e créditos comerciais.

 

Do ponto de vista do projeto de redução dos juros e spread bancário no Brasil, esta parte da agenda do Banco Mundial se mostra em parte descolada daqueles que são os objetivos deste trabalho do Banco Central. A ampliação ao acesso por meio da expansão na atuação das empresas não financeiras corre de forma paralela às medidas de redução dos custos de empréstimos, tendo em vista que não impacta de forma direta no que se considera ser o custo da intermediação dos bancos. Há contudo que se considerar que, resultados positivos nesse campo – principalmente se acompanhados por redução nos custos dessas operações, acabam por impactar de forma indireta na atuação dos bancos, principalmente ao ampliar o acesso a fontes alternativas de financiamento e com isso estabelecer novos concorrentes nesse mercado.

 

  • Serviços Financeiros Especializados – Financiamento Rural

Na análise ampla de acesso a serviços financeiros um aspecto importante se refere à avaliação dos segmentos de mercado tradicionalmente racionados em termos de crédito e da capacidade de políticas específicas de efetivamente elevar o volume de recursos direcionados a esses segmentos. Este é o objetivo desta seção do documento do Banco Mundial, que se concentra na análise dos direcionamentos de crédito ao setor rural brasileiro.

 

O documento ressalta que a busca da resolução de problemas vinculados ao acesso a serviços financeiros especializados em setores com dificuldade em atrair investimento privado tem sido um foco de atenção especial por parte dos formuladores de política no Brasil. Duas são as áreas que têm merecido essa atenção: serviços financeiros voltados ao setor rural e o acesso ao financiamento habitacional. Em ambos os casos o Brasil optou por adotar a abordagem tradicional, baseada em controles quantitativos (via direcionamentos obrigatórios de crédito) combinados com controles de preços (estabelecendo taxas de juros inferiores às taxas praticadas no mercado), além de repasses de recursos orçamentários específicos.

 

O trabalho se concentra em analisar a evolução dos serviços financeiros voltados ao setor rural, sempre com o foco na sua capacidade em ampliar o acesso. O mercado de crédito habitacional, ao contrário, é objeto de análise em outro trabalho, voltado exclusivamente para o tema103. A seguir são destacados o diagnóstico e as principais observações:

 

O custo dos subsídios vinculados à limitação dos juros nos programas de direcionamento de crédito no Brasil é estimado em cerca de R$18,1 bilhões, ou cerca de 5% do crédito total. No setor rural, os ganhos vinculados a esses subsídios vêm sendo, em grande parte, capitalizados nos preços da terra, cuja trajetória demonstra correlação estreita com o volume de crédito rural concedido conforme demonstrado na Figura 7.

 

Figura 7 – O Volume de Crédito e Preço da Terra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Fundação Getúlio Vargas e Banco Central do Brasil, conforme reproduzido em Kessel (2001).

 

O sistema financeiro rural brasileiro é considerado como sendo o oposto da melhor prática: possui alcance limitado a um alto custo em vez de alcance massificado a baixo custo. O crédito é concentrado, com 2% dos contratos representando 57% de todo o crédito e 2/3 dos clientes tendo acesso a menos de 6% do crédito rural formal conforme explicitado na Figura 8. Além disso, não atinge as famílias rurais mais pobres (mesmo no caso do PRONAF) e apresenta performance muito baixa em termos de disciplina financeira e recuperação de crédito.

 

 

 

 

 

 

 

103 Vide: ‘Brazil Progressive and Low Income Housing: Alternatives for the Poor’, 2001 e ‘Housing Policy in Brazil: Maintaining Momentum for Reform’. Relatório Nº 24335 BR, 2002. Washington D.C., Banco Mundial.

 

Figura 8 – Distribuição do Crédito Agrícola por Valores

 

Fontes: Banco Central do Brasil (2000), “Anuário Estatístico do Crédito Rural”, BCB; e Kessel (2001).

 

Os programas públicos de direcionamento de crédito rural são caros e têm causado um movimento contínuo de crowding-out dos recursos privados, que atualmente representam menos de 5% do total do crédito rural (Figura 9).

 

Figura 9 – Fontes de Recursos para Financiamento do Setor Agrícola

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Kessel (2001).

 

Neste caso, as recomendações de política se concentram na elevação gradual das taxas de juros cobradas nos programas de repasses subsidiados (principalmente no Pronaf) e eliminação do subsídio nas aplicações direcionadas; na abertura para que bancos privados possam competir na administração dos recursos subsidiados; na avaliação de restrições de informação e sistema de seguro para reduzir riscos no financiamento rural; e no monitoramento e alocação explícita de subsídios no orçamento com o deslocamento do seu foco de taxas de juros para custos de transação.

 

Do ponto de vista do projeto de Juros e Spread Bancário, a questão dos direcionamentos conforme tratada no documento do Banco Mundial tem características estreitas de complementaridade quando se busca elencar medidas de efeito redutor no custo da intermediação. Isso se explica tanto em termos do subsídio nas taxas de juros – tema amplamente abordado no estudo – como pelas elevadas taxas de inadimplência e custos de transação que impactam diretamente na rentabilidade dessa carteira para os

 

bancos. Conseqüentemente, tanto a opção por conceder crédito quanto a de manter os recursos sem remuneração no BC, impactam na formação de preços – e nas decisões de alocação nas modalidades de crédito livre e portanto no spread e volume de crédito total concedido. Assim, apesar da sensibilidade política que cerca o tema, as propostas do Banco Mundial merecem ser cuidadosamente avaliadas, dado o amplo alcance das mesmas.

 

  • Estabelecendo uma Infra-estrutura Institucional

Nesta seção o documento destaca a importância de fatores vinculados à estrutura legal e de proteção a credores e à possibilidade de avaliação de risco de tomadores na determinação de custo e volume de crédito concedido e portanto de ampliação de acesso. Dessa forma, vem ao encontro de vários aspectos já destacados no âmbito do projeto de Juros e Spread Bancário. Os aspectos apresentados abordam a proteção a direitos de credores, a melhora dos registros e relatórios de crédito, além do treinamento de magistrados, cujos impactos na redução da inadimplência têm efeitos positivos na intermediação financeira e nos volumes de crédito disponível.

 

O diagnóstico, para o caso brasileiro, está baseado justamente nesses aspectos, tanto no lado jurídico como na parte de registro e relatórios de crédito. Seguem as principais conclusões:

 

A estrutura legal brasileira não difere dos demais países de tradição legal francesa. O problema se concentra nos procedimentos e nas decisões judiciais. Os primeiros atrasam e tornam caro o processo de execução de uma dívida não paga. As últimas – de clara orientação pró-devedor – refletem um ativismo judicial e criam um ambiente de insegurança jurídica que reflete na precificação e propensão a conceder crédito pelos bancos. Além disso, esse ambiente tem incentivado atitudes de procrastinação e cultura de não pagamento (Tabela 2). No âmbito das operações de valor reduzido, os problemas são ainda maiores pois além de em sua grande maioria não estarem garantidas por títulos executivos, a cobrança judicial é cara e portanto inviável pois não existem cortes especializadas em execuções de dívidas de pequeno valor. Isso faz com que haja uma preferência pela cobrança extra-judicial, além do uso dos cadastros negativos como única forma de inibir a inadimplência

Tabela 2 – Freqüência com que Partes Privadas Apelam para a Justiça para Adiar Obrigações, por Área do Direito

 

Área do direito                Muito freqüente  Ligeiramente  Infreqüente                                 Nunca ou quase         Não sabe / não  Sem resposta

freqüente                                   nunca ocorre         tem opinião

Tributário 45.4 25.7 8.7 1.8 12.5 5.9
Mercado de crédito 32.7 27.5 13.8 3.8 15.9 6.3
Trabalhista 25.4 18.6 20.0 18.8 12 5.3
Comercial 24.8 34.5 16.5 3.1 14.2 6.9
Contratos de aluguel de imóveis 20.2 30.8 22.4 8.0 11.7 6.9
Direitos do consumidor 8.6 17.5 33.5 21.3 13.4 5.7
Meio-ambiente 8.1 17.9 29.8 20.0 17.9 6.2
Propriedade intelectual 8.1 17.5 29.3 9.2 27.8 8.1

Nota: A pergunta era: “Com freqüência, argumenta-se que muitas pessoas, empresas e grupos de interesse apelam para o judiciário não para reivindicar seus direitos, mas para explorar a lentidão do judiciário. Em sua opinião, em que tipo de caso essa prática é mais freqüente?”

Fonte: Pinheiro (2001).

 

Os registros de crédito têm eficácia limitada e se caracterizam por uma infra-estrutura inadequada e por procedimentos excessivamente longos, além de não haver ligação entre os registros regionais e os nacionais. Além disso, a estrutura de tarifas (custas e emolumentos) é regressiva, afetando proporcionalmente mais as transações de menor valor.

 

Em relação aos relatórios de informação de crédito, embora tenham importante papel e sejam relativamente desenvolvidos em relação a outros países emergentes, seu alcance é reduzido por não estarem ligados a relatórios públicos e compartilhados, além de não coletarem informações positivas.

 

As sugestões de políticas nessas áreas contemplam no campo judicial: o reforço de instrumentos de crédito auto-executáveis; mudanças nos procedimentos judiciais para acelerar as decisões; abertura de tribunais de pequenas causas para créditos de pequeno valor, programas de treinamento de juízes e tratamento tributário compatível para demandas menores. Em relação aos registros e relatórios de crédito o documento destaca a importância da interligação das redes regionais e nacionais de registros, uso de tecnologias mais avançadas, revisão da estrutura de tarifas e dos requerimentos em relação à documentação exigida; criação de cadastros positivos; revisão dos limites para manutenção das informações de crédito; revisão das bases legais para registros e manutenção das informações; uso de informações de pagamentos a concessionários de serviços públicos e possibilidade de ampliação do acesso a informações sobre pedidos de empréstimos em sistemas como o CADIN e a nova Central de Risco do Banco Central.

 

Nesta parte, mais uma vez, a agenda do acesso a serviços financeiros se confunde com a de redução dos juros e spread bancário. Isso se explica por serem diagnósticos e medidas sugeridas diretamente aplicáveis ao mercado de crédito em geral – e não somente às operações de pequeno valor. Os custos das demandas judiciais, a demora e a incerteza quanto ao resultados dos processos de execução, a falta de disponibilidade de informações que permitam que o tomador de crédito tenha seu risco melhor avaliado e finalmente os custos e dificuldades vinculados aos registros de crédito são todos fatores que afetam custo e volume de crédito e que devem ser atacados de forma a se ter resultados positivos consistentes em ambas as áreas.

 

  • Envolvimento do Governo

O envolvimento do governo como promotor da ampliação do acesso a pessoas e empresas excluídas do mercado financeiro formal é um tema controverso, tanto na forma quanto na intensidade de atuação. Há, contudo, uma série de medidas vinculadas ao aprofundamento financeiro e que passam ao largo dessa discussão: políticas macroeconômicas consistentes, boa gestão fiscal, regulação eficiente dos mercados, estrutura tributária, etc. Outras, ao contrário, significam uma interferência direta na decisão alocativa dos bancos e podem apresentar resultados finais sujeitos a questionamento. Neste ponto, o trabalho do Banco Mundial destaca algumas medidas de apoio baseadas na experiência internacional e que podem ajudar a resolver o problema de exclusão dos serviços financeiros. Este último capítulo do documento se concentra em abordar essa questão e destacar a importância de atuação do governo em diversas áreas que não especificamente o setor financeiro. As seguintes conclusões são apresentadas:

 

No Brasil o déficit fiscal tem tido papel importante na escassez de crédito ao setor privado. O movimento de crowding-out é claro e sistemático, principalmente a partir de meados dos anos 90, com a maior parte da dívida do governo sendo retida pelos bancos domésticos (Figura 10), o que diminui a parcela disponível ao financiamento privado, principalmente quando se considera a remuneração vinculada aos títulos públicos.

 

Figura 10 – Taxas de Crédito e de Débito em Relação ao PIB (janeiro de 1995 a março de 2003)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Gráfico criado com dados do Banco Central do Brasil

 

Fatores vinculados à taxação – implícita e explícita – e a alta proporção de crédito direcionado em relação ao crédito livre, cuja conseqüência é a elevação nos custos do último, devem ser considerados para que se tenha uma expansão consistente nos atuais níveis de acesso no Brasil. No âmbito regulatório, distorções criadas por diferenças normativas e tributárias dentre os diversos segmentos do mercado financeiro, custos vinculados à legislação do trabalho e maior atenção à concorrência aparecem como fatores importantes e que não podem ser negligenciados na busca de expansão nos atuais níveis de acesso.

 

As políticas sugeridas partem da consensual manutenção de uma política macroeconômica sustentável e consistente, acompanhada por uma gestão fiscal responsável. No campo microeconômico reformas que sugiram uma interferência indireta nos mercados de crédito são consideradas mais eficientes. Além disso, leis de divulgação de informações financeiras e programas de educação financeira estão, de acordo com a experiência internacional, estreitamente vinculados à expansão do acesso. Por outro lado algumas recomendações têm caráter mais direto como a obrigatoriedade de provisão de alguns serviços básicos, normatizações específicas que exigem um nível de abertura de informações mais detalhado, além de participações entre setores formais e comunidades e suporte indireto do governo para programas de crédito direcionado a pessoas carentes.

 

Do ponto de vista do projeto de Juros e Spread Bancário, as questões levantadas aqui, principalmente no âmbito macroeconômico, estão em linha com os argumentos já ressaltados pelo relatório atual e contemplam a mesma preocupação – hoje consensual – em relação ao aprofundamento financeiro, redução dos níveis de spread e elevação nos volumes de crédito. Quando se consideram as sugestões de caráter microeconômico tem-se, em grande parte, uma igual concordância: aumento na transparência e no volume de informações disponíveis, tanto por parte dos bancos em relação a tomadores quanto dos clientes em relação aos seus direitos, são aspectos que têm reflexo positivo sobre o mercado de crédito em geral, e portanto consoantes com os objetivos buscados no projeto. Questões vinculadas a garantias de empréstimos concedidos a pessoas carentes e incentivos a direcionamento de recursos a segmentos sem acesso não podem ser diretamente analisados pois dependem fundamentalmente do desenho escolhido para que se possa avaliar seus impactos – se positivos ou negativo – em termos de redução do spread e elevação dos volumes de crédito concedido.

 

Referências

Bagehot, W. (1873) Lombard Street: a Description of the Money Market, revised edition Homewood, Ill.: Irwin, 1962.

 

King, R. e Levine, R. (1993). “Finance and Growth: Schumpeter Might be Right.” Quartely Journal of Economics, vol. 108, No. 3 August, 717-37.

 

Kessel, M. (2001) “O Crédito Rural no Brasil” Nota Técnica, BCB-DEPEC.

 

Levine, R. (1997). “Financial Development and Growth: Views and Agenda.” Journal of Economic Literature, vol. XXXV, June, pp.688-726.

 

Pinheiro, A.C. (2001) “Judges’ View on the Judiciary and Economics” artigo apresentado no seminário Reforma do Judiciário: Problemas, Desafios e Perspectivas, IDESP, São Paulo.

 

Schumpeter, J.A. (1911) The Theory of Economic Development; translated by Redvers Opie, Cambridge, MA: Harvard University Press, 1934.

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