Revista do TRE – DIREITO ELEITORAL = PDF DOWNLOAD
Revista do TRE-RS
Ano 26, n. 51
Julho/Dezembro de 2021
Responsável pela Ficha Catalográfica: Liliane P. Santa Helena – CRB 10/2007
PRESIDENTE
Desembargador Francisco José Moesch
VICE-PRESIDENTE E CORREGEDORA REGIONAL ELEITORAL
Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak
DESEMBARGADORES ELEITORAIS
Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli
Desembargador Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo
PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL
Doutor José Osmar Pumes
DIRETORA-GERAL DA SECRETARIA
Ana Gabriela de Almeida Veiga
Adisson Leal
Doutor em Ciências Jurídico-Civis pela Universidade de Lisboa. Professor do IDP.
André Luiz Olivier da Silva
Doutor em Filosofia pela Unisinos. Professor da Unisinos.
André Marenco
Doutor em Ciência Política. Professor Titular de Ciência Política da UFRGS.
Carlos Eduardo Dieder Reverbel
Doutor em Direito pela UFRGS e pela USP. Professor da UFRGS.
Daniel Gustavo Falcão Pimentel dos Reis
Doutor em Direito pela USP. Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP-USP).
Diogo Rais Moreira
Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor da FGV-SP e da Universidade Mackenzie.
Eduardo Munhoz Svartman
Pós-Doutor em Ciência Política pela George Washington University (EUA). Professor da UFRGS.
Fabrício Dreyer de Ávila Pozzebon
Doutor em Direito pela PUC-RS. Professor da PUC-RS.
Gisele Mazzoni Welsch
Doutora em Direito pela PUC-RS. Professora universitária.
Juliana Rodrigues Freitas
Doutora em Direito pela UFPA/ Università di Pisa – Itália). Professora do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA).
Luiz Felipe Silveira Difini
Doutor em Direito pela UFRGS. Professor da UFRGS. Desembargador do TJ-RS. Foi Presidente do TRE-RS.
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
Doutor em Direito pela PUC-SP. Procurador Regional Eleitoral junto ao TRE-SP.
Luiz Magno Pinto Bastos Júnior
Pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade McGill (Canadá). Professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
Maria Lúcia Rodrigues de Freitas Moritz
Doutora em Ciência Política pela UFRGS. Professora da UFRGS.
Marilda de Paula Silveira
Doutora em Direito pela UFMG. Professora do IDP.
Rafael Da Cás Maffini
Doutor em Direito pela UFRGS. Professor da UFRGS. Juiz Substituto do TRE-RS.
Silvana Krause
Doutora em Ciência Política pela Katholische Universität Eichstätt Ingolstadt (Alemanha). Professora da UFRGS.
EXPEDIENTE
DIRETOR DA EJERS
Desembargador Jorge Luís Dall’Agnol
COORDENADOR DA EJERS
Carlos Vinicios de Oliveira Cavalcante
EQUIPE DA EJERS
Ana Lucia Dillenburg da Silveira Arisson Matusalen da Silva Pedroso Daniel Moraes de Campos
Débora do Carmo Vicente Dione Santos de Almeida Fabiana Guimarães dos Santos Giovanna Faraon
Jônatas Oliveira da Costa Maria Alice Bello Fallavena Selma de França Aguiar
BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL
Liliane Pinto Santa Helena
PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO EXECUTIVA
Jônatas Oliveira da Costa
SUMÁRIO
Autores desta edição………………………………………………………………………………………………………………………………. 14
Pablo Martins Bernardi Coelho e Amanda Alves Dias
A (in)constitucionalidade da federação de partidos – Uma análise da Lei 14.208/2021 e da decisão cautelar na ADI 7.021 e seus reflexos nas eleições gerais de 2022………………………………………………………………………………………………………………………….. 75
Carlos Alberto Kalinovski Hoffmann
Adriana Tedgue Ribeiro, Catarina Tavares Espinheira e Marcos Nunes Sampaio Júnior
Pablo Martins Bernardi Coelho
Pós-doutoramento em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Doutor em História Política pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Franca). Mestre em História Política pela UNESP/Franca. Especialização em Direito Público pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto (UNIRP). Possui graduação em Ciências Sociais pela UNESP/Araraquara. Professor Adjunto do curso de Direito da Universidade do Estado De Minas Gerais (UEMG). Professor do curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC/Uberlândia).
Amanda Alves Dias
Discente do curso de Direito da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares de Direito e Inovação (CEINDI).
Alexandre Silva de Oliveira
Mestrando em Informática na Educação (MPIE) pelo IFRS (Instituto Federal do Rio Grande do Sul). Pós-graduado em Projetos pela IERGS (2015). Possui duas graduações, em Licenciatura Informática (IERGS) e na área de Ciências Humanas pela Faculdade Porto-Alegrense (2012). Também possui duas formações a nível técnico, em Informática (2010) e Mecatrônica/Automação em (2007). Tem experiência como professor no Ensino Fundamental e Médio em disciplinas como: Habilidades Digitais, Informática, ensino MAKER, Robótica Educacional e ciências humanas (Geografia/História). Também é instrutor e coordenador pedagógico da Escola de Programação e Robótica (ROBOEDUC POA) em cursos e oficinas da Educação Infantil ao Ensino Médio, nas modalidades presenciais e remoto (on-line). Tem experiência como docente em Tecnologias Educacionais, Robótica Educacional, Laboratório MAKER e Ciências Humanas (História e Geografia).
Adalto Selau Sparremberger
Professor Assistente no Centro Universitário FADERGS e na Faculdade Senac de Porto Alegre. Professor Mentor do Learning Lab Fadergs. Possui graduação em Sistemas de Informação pela Universidade Luterana do Brasil (2013) e mestrado em Computação Aplicada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2017).
Ketia Kellen Araújo da Silva
Professora da Escola de Guerra Naval (EGN/RJ). Atuou como colaboradora na Universitat Oberta de Catalunya (UOC) no Máster Universitário en Educación y TIC. Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação (PGIE/UFRGS). Pós-Doutoranda do PPGIE/UFRGS, Doutora em Informática na Educação (PPGIE/UFRGS), com período sanduíche na Universitat Oberta de Cataluña (UOC). Mestre em Educação – Linha de Pesquisa Informática na Educação – PPGEDU/UFRGS. Graduada em Pedagogia, Licenciatura (UFRGS), com intercâmbio na Universidad Nacional de Entre Ríos (UNER).
Patrícia Alejandra Behar
Professora Titular da Faculdade de Educação e dos Cursos de Pós Graduação em Educação (PPGEdu) e em Informática na Educação (PPGIE) da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre e Doutora em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordena o Núcleo de Tecnologia Digital aplicada à Educação (NUTED/Cnpq) da Faculdade de Educação (FACED) e vinculado ao Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias na Educação (CINTED), desde 2000. Membro do comitê IFIP (International Federation for Information Processing) Technical Committee 3-Education.
Vinícius Dourado Loula Salum
Advogado. Pós-graduando em Direito Eleitoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Especialista em Procuradoria Jurídica pelas Faculdades Integradas Ipitanga (FACIIP). Especialista em Docência Universitária pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET). Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Edson Moraes Borowski
Economista, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bacharel em Direito, graduado pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Especialista em Gestão Pública pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e em Direito Eleitoral pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FESMP). Servidor do quadro efetivo do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS).
Carlos Alberto Kalinovski Hoffmann
Especialista em Direito Constitucional Aplicado, em MBA em Marketing Político e Organização de Campanhas Eleitorais e Política e Sociedade e em Gestão Pública Municipal, dentre outros. Também Professor, Administrador e Analista de Sistemas. Administrador na Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Adriana Tedgue Ribeiro
Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (BA). Enfermeira Intensivista Neonatal e Pediátrica.
Catarina Tavares Espinheira
Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (BA). Advogada familiarista.
Marcos Nunes Sampaio Júnior
Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (BA) e graduando em Geografia pela Universidade Federal da Bahia.
DEMOCRACIA E LAICIDADE: A INFLUÊNCIA RELIGIOSA NO PROCESSO ELEITORAL BRASILEIRO
DEMOCRACY AND LAICITY: THE RELIGIOUS INFLUENCE IN THE BRAZILIAN ELECTORAL PROCESS
Pablo Martins Bernardi Coelho Amanda Alves Dias
RESUMO
Em face do cenário atual tornou-se crescente a discussão quanto à novas formas de abuso de poder no âmbito eleitoral, à vista de atuações excedentes tornando tênue a linha entre liberdade de expressão e utilização de determinado tipo de carisma a fim de obter vantagens e manipulação. Nesse ínterim, o “abuso de poder religioso” vem ganhando destaque a ponto de mandatos eletivos serem cassados pela Justiça Eleitoral com fundamento de que a influência do discurso religioso na formação da vontade do eleitor estaria submetida a limites, e que a violação desses limites comprometeria a legitimidade do processo democrático. Dessa forma, a justificativa, perante a recente tratativa do assunto, se caracteriza pela inexistência de regulamentação expressa no Código Eleitoral sobre abuso de poder religioso e a frequente oscilação dos Tribunais brasileiros no tratamento do mesmo, corroborando para um cenário de volatilidade decisória e insegurança jurídica. Portanto trata-se de uma reflexão em torno da premissa de limitação à excedente atuação religiosa na esfera eleitoral, em detrimento aos princípios constitucionais e eleitorais, postulados ao Estado Democrático de Direito. À vista disso, o objetivo desse trabalho caracteriza-se pelo entendimento dessa discussão acerca da participação de atores religiosos no processo eleitoral brasileiro, à luz da legislação eleitoral brasileira e jurisprudência, pretendendo discutir a legitimidade dos mesmos para influir nas campanhas políticas e suas consequências ao processo democrático. Nesse sentindo, pretende- se examinar se o combate ao denominado “abuso de poder religioso” é uma manifestação legítima do Estado ou se pode configurar ameaça à liberdade religiosa, ao princípio de que a influência do discurso religioso na formação da vontade do eleitor deve sujeita-se a limites, pois a violação dos mesmos pode afetar a legitimidade do processo democrático. A abordagem do presente projeto far-se-á através do método dedutivo, considerando o procedimento de pesquisa a ser adotado, opta-se pelo tipo de pesquisa bibliográfica, que tem como objetivo analisar a influência religiosa ao processo eleitoral brasileiro, a partir de referenciais teóricos relacionados no marco referencial e na justificativa deste trabalho. Como resultado preliminar da pesquisa observa-se a existência de inúmeras adversidades enfrentadas pelo judiciário na tipificação de abuso de poder religioso como crime, uma vez que se trata de um tema relacionado ao abstrato e metafísico, resultando em julgados incoerentes. Desse modo, fica expressa a necessidade da concretização do abuso de poder religioso como crime, a fim de desenvolver sanções que limitem efetivamente o exacerbado uso de religião como interferência nas eleições, impedindo que tal crime prejudique a liberdade de voto e do processo político-eleitoral democrático.
Palavras-chave: Democracia. Laicidade. Abuso de poder religioso. Processo eleitoral.
ABSTRACT
In view of the current scenario, the discussion about new forms of abuse of power in the electoral scope has become increasing, in view of excess performances, making the line between freedom of expression and the use of a certain type of charisma in order to obtain advantages and manipulation tenuous. In the meantime, the “abuse of religious power” has gained prominence to the point that elective mandates are canceled by the Electoral Justice on the grounds that the influence of religious discourse in the formation of the voter’s will would be subject to limits, and that the violation of these limits would compromise the legitimacy of the democratic process. In this way, the justification, given the recent treatment of the subject, is characterized by the lack of express regulation in the Electoral Code on abuse of religious
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power and the frequent oscillation of Brazilian Courts in the treatment of it, corroborating a scenario of decision-making volatility and legal uncertainty. Therefore, it is a reflection on the premise of limiting the excess religious activity in the electoral sphere, to the detriment of constitutional and electoral principles, postulated to the Democratic State of Law. In view of this, the objective of this work is characterized by the understanding of this discussion about the participation of religious actors in the Brazilian electoral process, in the light of Brazilian electoral legislation and jurisprudence, intending to discuss their legitimacy to influence political campaigns and their consequences to the democratic process. In this sense, it is intended to examine whether the fight against the so-called “abuse of religious power” is a legitimate manifestation of the State or if it can constitute a threat to religious freedom, based on the principle that the influence of religious discourse in the formation of the voter’s will must be subject to limits, as their violation can affect the legitimacy of the democratic process. The approach of the present project will be done through the deductive method, considering the research procedure to be adopted, opting for the type of bibliographic research, which aims to analyze the religious influence on the Brazilian electoral process, from references theorists related in the frame of reference and in the justification of this work. As a preliminary result of the research, it is observed the existence of numerous adversities faced by the judiciary in the classification of abuse of religious power as a crime, since it is a theme related to the abstract and metaphysical, resulting in incoherent judgments. In this way, the need to implement the abuse of religious power as a crime is expressed, in order to develop sanctions that effectively limit the exacerbated use of religion as interference in elections, preventing such crime from harming freedom of vote and the political-electoral process democratic.
Keyword: Democracy. Secularity. Abuse of religious power. Electoral process.
- INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende abordar a participação de atores religiosos no processo eleitoral brasileiro, à luz da legislação eleitoral brasileira e jurisprudência, pretendendo discutir a legitimidade dos mesmos para influir nas campanhas políticas e suas consequências para o processo democrático. Dessa forma, pretende-se compreender, a partir da construção jurisprudencial e doutrinária, o fenômeno do “abuso de poder religioso” numa tentativa de imposição de limites à influência religiosa no processo eleitoral.
O discurso religioso se faz cada vez mais presente no processo político-eleitoral. No Brasil legislatura após legislatura, o número de atores políticos ligados a alguma denominação religiosa no Congresso Nacional vem na esteira do gradativo aumento de fiéis1. Diante de tal
1 Segundo os últimos dados do IBGE, o número de evangélicos aumentou 61% na década passada (2000-2010). Representativamente, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) contou, para a 55ª Legislatura (2015-2018), com 203 signatários, o que representa um crescimento de 30% na última legislatura. Disponível em:
<http://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53658>. Acesso em: 25set2020.
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cenário, vários lideres religiosos estão utilizando de sua influência/poder sobre os seus fiéis com o objetivo de se autopromover, configurando o que se convencionou chamar de “abuso de poder religioso”. Apesar de não ter previsão legal, o abuso de poder religioso vem ganhando destaque a ponto de mandatos eletivos serem cassados pela Justiça Eleitoral com fundamento de que a influência do discurso religioso na formação da vontade do eleitor estaria submetida a limites, e que a violação desses limites comprometeria a legitimidade do processo democrático.
A problemática do presente artigo está justamente relacionada com a análise em torno da possibilidade de impor limites ao direito fundamental à liberdade religiosa no contexto do processo democrático. Ou seja, trata-se de uma análise fundada na discussão que gira em torno da possibilidade de impor limites à liberdade religiosa em detrimento aos princípios constitucionais e eleitorais, postulados do Estado Democrático de Direito
A partir disso, surgem as seguintes indagações: a) até que ponto a possibilidade de enquadrar candidatos à eleição, que se valerem da religião para influenciar o voto de fiéis, na prática do abuso do poder religioso não está ameaçando a liberdade religiosa?; b) Tal conduta configura abuso do direito constitucional da liberdade religiosa podendo ser considerado um ilícito eleitoral e, consequentemente, trazer implicações no seio do Estado Democrático de Direito?
Dessa forma, para responder tais questionamentos é imprescíndivel tecer reflexões sobre a inter-relação entre a legitimidade do processo democrático, no campo eleitoral, e a liberdade religiosa.
Partimos da premissa que a influência do discurso religioso na formação da vontade do eleitor deve estar sujeita a limites, pois a violação dos mesmos pode afetar a legitimidade do processo democrático.
- CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CRESCENTE INFLUÊNCIA RELIGIOSA NO PROCESSO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO
A sociedade atual é explicitada da melhor forma pelo conceito de Variedade da modernidade, uma vez que caracterizada pelo sociólogo Volker H. Schmidt:
A modernização é um processo homogeneizante, em última análise conduzindo à convergência das sociedades a ela submetidas; além disso, sua alegada propensão a igualar uma variedade específica de modernidade. (SCHMIDT, 2007, p. 147).
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Corroborando ainda a cada uma das quais deixa suas impressões nas instituições da sociedade, dando-lhes suas forma e “cor” peculiares, por assim dizer (SCHMIDT, Volker, 2007, p.150). Portanto, entende-se que as civilizações atuais estão sempre em movimento e em busca de novas formas e conceitos mediante a todo seu histórico e trajetória, contudo, acarretam de modo geral sempre ao mesmo molde para cada ação, diferenciando singularmente algumas características, como as personalidades responsáveis, o momento histórico e alguns simplórios detalhes e fatores.
Ademais, as instituições são moldadas de acordo com os preceitos da sociedade, para mais, tem-se o fator de suma importância que é a temática na racionalização humana, como tratado por Weber, o homem contemporâneo passa por dois tipos de racionalização, desencantamento pela religião (sentido estrito) e desencantamento pela ciência (sentido expandido):
O sentido estrito do conceito se refere ao mundo da magia, ao processo de racionalização e intelectualização da religião. O desencantamento do mundo pela religião consiste na desvalorização dos meios mágicos de salvação que depreciaram o trabalho cotidiano do profissional religioso. No capitalismo moderno há o triunfo da racionalidade religiosa e a remoção da magia com a vitória do sacerdote sobre o mago/feiticeiro. O sentido expandido do conceito significa o desencantamento do mundo pela ciência. Trata-se do processo de exclusão da religião pela ciência, em que esta é alçada para o campo da irracionalidade. Weber afirma que uma das consequências desse processo é a perda de sentido do mundo. (SOFIATI, 2015, p. 329, 330).
Consequentemente, o homem racional moderno constitui instituições aos moldes dessa racionalização, criando duas principais vertentes antagônicas que, na prática cotidiana, tendem a viver em desequilíbrio, uma vez que a cada percepção uma se sobressai a outra implicando na pacífica e mais justa vivência. O que pode ser entendimento como a dualidade entre os que possuem crenças religiosas como moldes à todas as vivencias e os que fazem a separação entre o mundo mágico e a vida em sociedade.
Acarretando assim, acerca da temática observada, à linha tênue entre liberdade de crença e laicidade do Estado, uma vez que como previsto na Carta Magna em seu artigo 5º, inciso VI, todos têm liberdade à religião. Todavia tal direito garantido não pode se sobressair a laicidade do Estado em nenhuma situação, principalmente quando tratado de questões completamente relacionadas ao aspecto da vida civil, como é o caso do processo eleitoral. Assim como conceituado pela professora Roseli Fischmann:
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Assim, o caráter laico do Estado, que lhe permite separar-se e distinguir-se das religiões, oferece à esfera pública e à ordem social a possibilidade de convivência da diversidade e da pluralidade humana. Permite, também, a cada um dos seus, individualmente, a perspectiva da escolha de ser ou não crente, de associar-se ou não a uma ou outra instituição religiosa. E, decidindo por crer, ou tendo o apelo para tal, é a laicidade do Estado que garante, a cada um, a própria possibilidade da liberdade de escolher em que e como crer, enquanto é plenamente cidadão, em busca e no esforço de construção da igualdade. (FISCHMANN, 2012, p. 16).
À vista disso, quando se analisa o desenvolvimento ao longo dos anos, da sociedade brasileira referente ao aspecto político, principalmente no processo eleitoral, é clarividente a crescente ocupação de cargos através de influência da religião, como por exemplo, tem-se a chamada “bancada evangélica”, tornando-se concluso o entendimento de que ano após ano está ocorrendo uma maior aproximação dessas duas instituições (Estado e religião), uma vez que candidatos se valem da religião e do que a mesma representa, como carisma à alcançarem cargos de poder, uma vez que trata-se de uma tese metafísica e inerente ao homem, portanto, quando abordada de maneira assertiva, consegue desempenhar essa manipulação com efetividade.
Outrossim, essa temática pode parecer distante e até mesmo complexa, por abordar questões técnicas do direito eleitoral, além de conceitos aparentemente recentes, todavia vem tornando-se “comum” deparar-se com esse tipo de ocorrência que relaciona as duas instituições, em momentos cotidianos, podendo ser confundido até mesmo como algo tão habitual pela sutileza, tornando até difícil a percepção quanto a ser um tipo de situação que ultrapasse os limites necessários, uma vez que imperceptível, concretiza-se efetivamente a manipulação pretendida.
Como forma de demonstração de que há ocorrências cotidianas de interferência religiosa nas eleições, basta observar, principalmente em anos eleitorais, líderes religiosos utilizando, oportunamente, momentos de culto, missas e reuniões para falar sobre política, com a exclusiva finalidade de promover a si ou a algum candidato que possua o seu apoio, ludibriando os fiéis a votarem sob a premissa, por exemplo, do desejo de Deus, ou de como o candidato em questão possui uma vida pautada nos princípios da religião, sendo o representando mais assertivo à ocupar cargos políticos.
Cabe ressaltar que como já salientado, a sociedade singularmente modifica-se em questão de cenários e agentes, uma vez que a manipulação de votos é algo, infelizmente, costumeira ao longo da história do país, desse modo, os casos aqui demonstrados podem ser denominados como um tipo de “voto de cabresto moderno”. Ademais, tal ferramenta de utilizar-
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se da religião ocorre desde os princípios, como por exemplo era feito mediante a “Teoria divina dos reis”, onde os reis argumentavam serem escolhidos de Deus, ou equiparavam-se a Ele, assim mesmo, como visto nos dias atuais nas eleições de 2018, onde o atual presidente, em sua candidatura, se valia, em grande parte de seus discursos, de analogias à Deus.
- ABUSO DE PODER RELIGIOSO
Perante a indiscutível crescente do discurso religioso no processo eleitoral sob o escopo de deter poder político, tem-se o recente estudo quanto a caracterização de tais manipuladoras ações como “abuso de poder religioso”, uma vez que doutrinadores anuem à ideia de que a liberdade religiosa, quando relacionada ao processo eleitoral, deve ser limitada, uma vez que caso isso não ocorra, pode corroborar à resultâncias distintas das baseadas nos princípios do Código Eleitoral, uma vez que os eleitores, através das manipulações que os acometeriam, estariam fundamentando seus votos em perspectivas religiosas. Como pode ser percebido pela tese de Frederico Alvim:
Subsistem as hipóteses em que o poder religioso opera, isoladamente, como elemento de supressão da liberdade para o exercício do sufrágio e de quebra da paridade eleitoral, tornando-se um inegável fator de risco para a legitimidade das eleições. Para esses casos, urge uma adequação legislativa: o conhecimento sociológico clama por uma reconfiguração das hipóteses de cabimento da ação de investigação judicial eleitoral.
[…] tem-se falado na possibilidade de enquadramento da modalidade religiosa no conceito de abuso de poder de autoridade, previsto no caput do art. 22, LC 64/1990. Trata-se de visão, sem dúvida, possível, sobretudo quando se toma a expressão no sentido oferecido por Bourricaud, para quem o termo designa o ascendente exercido pelo detentor de um qualquer poder, que leva aqueles a quem se dirige a reconhecer-lhe uma superioridade que justifique o seu papel de comando ou de orientação. (ALVIM, 2011, p. 211).
Nesse ínterim, faz-se essencial evidenciar a significância de abuso, como conceituado pelo jurista José Jairo Gomes: “No âmbito do direito eleitoral o termo abuso de poder compreende-se o mau uso de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição”. (GOMES, 2019, p. 356).
Desse modo, é de absoluta importância discutir quanto aos tipos de abusos recorrentes, caracterizando-os como forma de tais interferências, focalizando o mérito da legitimidade eleitoral, assim como expresso pela professora Eneida Salgado:
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As regras eleitorais se referem à concretização do princípio de legitimação do exercício do poder político. Exige-se, para a sua imposição, ampla discussão parlamentar […]. A legitimidade para a restrição de direitos – direitos políticos, como a elegibilidade, ou liberdades, como a liberdade de expressão
– está, por força do princípio do Estado de Direito, no órgão representativo. Apenas o parlamento pode ditar normas sobre a disputa eleitoral. (SALGADO, 2015, p. 251).
Dessarte, para que ocorra a efetividade democrática do processo eleitoral, é de suma deferência que todo e qualquer abuso de poder nas eleições seja tipificado ao Código Eleitoral como crime para que caso ocorram, sejam fiscalizações e devidamente penalizados.
Ao cerne dessa discussão o Direito Eleitoral possui como caraterísticas regulamentar e ressalvar todas as situações advindas do processo eleitoral, portanto, para que isso ocorra buscando a legalidade e justiça baseia-se em determinados princípios, como por exemplo o princípio democrático, da legitimidade e da probidade, assim como conceituado pelo jurista Marcos Ramayana:
Um conjunto de normas jurídicas que regulam o processo de alistamento, filiação partidária, convenções partidárias, registro de candidaturas, propaganda política eleitoral, votação, apuração, proclamação dos eleitos, prestação de contas de campanhas eleitorais e diplomação, bem como as formas de acesso aos mandatos eletivos através dos sistemas eleitorais. (RAMAYANA, 2009).
Mediante isso, o Código Eleitoral (lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965), tipifica apenas dois tipos como crime: abuso de poder econômico e abuso de poder político, apresentados em seu artigo 237:
Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.
- 1º O eleitor é parte legítima para denunciar os culpados e promover-lhes a responsabilidade, e a nenhum servidor público. Inclusive de autarquia, de entidade paraestatal e de sociedade de economia mista, será lícito negar ou retardar ato de ofício tendente a esse fim.
- 2º Qualquer eleitor ou partido político poderá se dirigir ao Corregedor Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, e pedir abertura de investigação para apurar uso indevido do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, em benefício de candidato ou de partido político.
- 3º O Corregedor, verificada a seriedade da denúncia procederá ou mandará proceder a investigações, regendo-se estas, no que lhes fôr aplicável, pela Lei nº 1.579 de 18 de março de 1952.
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Sendo-o definido o abuso de poder econômico através do pensamento do jurista José Afonso da Silva que observa que a atuação do agente econômico deve ocorrer em concordância com a justiça social:
Assim, a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo’. É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. (SILVA, 1996, p. 726).
Enquanto abuso de poder político é compreendido por Caramuru Francisco como:
É o exercício de autoridade fora dos limites traçados pela legislação eleitoral, limites estes que fazem exsurgir uma presunção jure et de jure de que o exercício do poder estará influenciando indevidamente o processo eleitoral, estará fazendo com que a Administração Pública esteja sendo direcionada para o benefício de candidato ou departido político. (FRANCISCO, 2002, p. 83).
Em vista disso, como tratam-se de abusos de poder tipificados pelo Código Eleitoral, há possibilidade de intervenção do TSE para julga-los e penaliza-los com o escopo de proteger para que o processo eleitoral seja democrático e justo, como expresso na súmula 19 desse órgão:
O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23, inciso XV, do Código Eleitoral, resolve aprovar a proposta de atualização do seguinte verbete de súmula:
REDAÇÃO ATUAL – Ac.-TSE, de 10.5.2016, no PA nº 32345.
O prazo de inelegibilidade decorrente da condenação por abuso do poder econômico ou político tem início no dia da eleição em que este se verificou e finda no dia de igual número no oitavo ano seguinte (art. 22, XIV, da LC nº 64/1990).
À luz da determinação demonstrada, podem ser observadas jurisprudências em concordância:
Ementa RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. Recurso
especial eleitoral de Elza Soares de Souza – Na hipótese de os embargos de declaração terem sido acolhidos para fixar multa pela prática de captação ilícita de sufrágio, revela-se intempestivo o recurso especial anteriormente interposto e não ratificado. Recurso especial não conhecido. Ação cautelar julgada prejudicada. Recurso especial eleitoral de Antonio Carlos Macedo Araújo […] 8. Afirmada pela Corte Regional a distribuição de mais de três mil camisas por pessoas ligadas aos candidatos e o pedido de voto no momento da entrega, não há como rever os fatos e as provas na instância especial para
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afastar a caracterização da captação ilicita de sufrágio e o abuso de poder (Súmulas 7/STJe 279/STF). Recurso especial a Acórdão O Tribunal, por unanimidade, não conheceu do recurso de Elza Soares de Souza e, por maioria, vencidos a Ministra Luciana Lóssio e o Ministro Dias Toffoli (Presidente), negou provinento ao de Antonio Carlos Macedo de Araújo, nos termos do voto do Relator. (Tribunal Superior Eleitoral TSE – Recurso Especial Eleitoral REspe 383-32.2012.605.0091-BA, 2012).
Todavia, cabe ressaltar que até mesmo em casos de ocorrência de abusos tipificados em lei, a decisão na maioria das vezes é inconsistente e ocorre em desacordo com a referida lei, sob a alegação de falta de provas concretas que demonstram efetivamente que a ocorrência analisada e julgada não ultrapassou a linha tênue entre liberdade e abuso. Como pode ser observado no julgado a seguir:
EMENTA: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ALEGAÇÃO. ABUSO. PODER ECONÔMICO. PODER POLÍTICO. USO INDEVIDO. MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. VEICULAÇÃO. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. PERÍODO VEDADO. UTILIZAÇÃO. MÁQUINA PÚBLICA. DESEQUILÍBRIO. CAMPANHA ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA. HISTÓRICO DA DEMANDA1. Trata-se de
representação, com fundamento nos arts. 22 e seguintes da Lei Complementar nº 64, de 1990, […] 7. Compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional, verificar, com fundamento em provas robustas admitidas em direito, a existência de grave ilícito eleitoral suficiente para ensejar as severas e excepcionais sanções de cassação de diploma e declaração de inelegibilidade. Precedentes.8. Condutas menos graves ficam sujeitas a outras espécies de ações e sanções eleitorais, em atenção ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade. CONCLUSÃO9. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que se julga improcedente. (TSE, Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 154781, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 12/09/2018, Página 47- 48).
À vista disso, nos casos não tipificados como crime o cenário é ainda pior, principalmente perante ao abuso de poder religioso, uma vez que a discussão abrange duas principais problemáticas: linha tênue entre liberdade e excessos, e efetividade de provas concretas, uma vez que tal abuso ocorre principalmente através de manifestos e discursos em templos religiosos, corroborando à instabilidade nos julgamentos e teses dos juízes, como pode ser observado pelos relatos do Ministro Alexandre de Moraes, quanto ao julgamento do recurso que discute a cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos, eleita em 2016 no município de Luziânia (GO):
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Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, disse ele, ao destacar que, se assim o entendesse, a legislação abordaria também o abuso do poder sindical, o abuso do poder empresarial e o abuso do poder corporativo.
Qualquer atitude abusiva que acabe comprometendo ou gerando abuso de poder político e econômico deve ser sancionado pela legislação eleitoral, nem mais nem menos.
Ademais, tem-se algumas outras interpretações mediante a jurisprudência:
ELEICÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO. AIJE E AIME JULGADAS CONJUNTAMENTE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. UTILIZAÇÃO DE GRANDIOSO EVENTO RELIGIOSO EM BENEFÍCIO DE CANDIDATURAS ÀS VÉSPERAS DO PLEITO. PEDIDO EXPRESSO DE VOTOS. PROCEDÊNCIA NO TRE/MG. DESPROVIMENTO.
[…] Nessa quadra, revelam-se passíveis, a princípio, de configuração do abuso de autoridade – considerada a liderança exercida e a possibilidade de interpretação ampla do conceito – os atos emanados de expoentes religiosos que subtraiam, do âmbito de incidência da norma, situações atentatórias aos bens jurídicos tutelados, a saber, a normalidade e a legitimidade das eleições e a liberdade de voto (art. 19 da LC nº 64/1990). 20. […] Do abuso do poder econômico […] Do abuso dos meios de comunicação 25. A despeito da ampla divulgação do evento em debate na TV, na internet e nas mídias sociais, não restou evidenciada a utilização abusiva de tais meios, embora a irregular publicidade veiculada na espécie e o custo envolvido nessa divulgação possa ser associado ao abuso do poder econômico, a corroborar a gravidade dos fatos pelo “conjunto da obra”.
Conclusão Recurso do PC do B não conhecido e recursos ordinários desprovidos. Determinação de execução imediata do presente acórdão, após a sua publicação, na linha da jurisprudência do TSE.
(TSE, Recurso Ordinário nº 537003, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Weber, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 27/09/2018)
Diante disso, como o abuso de poder religioso não é previsto em lei, a jurisprudência dos nossos tribunais enquadra tais situações como sendo abuso de poder econômico ou abuso de poder político, o que, como demonstrado, não pode ocorrer, uma vez que se tratam de abusos distintos tornando-se evidente a necessidade de atualização do Código eleitoral para tipificar tal abuso sob a premissa de combate-lo.
Portanto, quando os julgados ocorrem sem a regulamentação do abuso de poder religioso, não o tipificando como um crime, deixa de ser possível limitar a liberdade religiosa e a linha tênue é ultrapassada, configurando uma errada normalidade na junção entre Estado e religião, o que corrobora na limitação de um processo político-eleitoral efetivamente democrático.
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Haja vista, a problemática pertinente a não distinção entre os tipos de abusos de poder impulsiona a crescente utilização de artifícios corruptos, uma vez que os atores desse tipo de abuso não sofrem qualquer sanção por ultrapassarem os limites de liberdade religiosa.
- ELEIÇÕES DE 2018
Para solidificar o entendimento da recorrência de abuso de poder religioso, uma singular exemplificação é referente as eleições à presidência no ano de 2018, cujo presidente Jair Bolsonaro se valeu em inúmeras situações desse tipo de carisma, como já explicitado, comparando-se à Deus em diversos discursos, além de aproximar-se da bancada evangélica e utilizar-se de propostas com preceitos moralmente religiosos afim de manipular a população e conseguir eleger-se.
A utilização desses mecanismos religiosos inicia-se com seu conhecido slogan de candidatura “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, trazendo à tona propostas para transformar a sociedade brasileira, pautados obstinadamente na moral religiosa. Dessa forma, alinhou-se com diversos líderes religiosos como o bispo Edir Macedo e o pastor Silas Malafaia, fortalecendo mais ainda sua proposta com a utilização da “máquina” da religião evangélica. Dessa forma, foram desempenhadas distintas discussões quanto ao presidente e outros candidatos ultrapassarem os limites que tornam o processo eleitoral justo e efetivo, em benefício próprio.
Mediante aos fatos ocorridos nas eleições de 2018, o TSE julgou diversas ações quanto o cabimento de investigações e cassações de mandato por abuso de poder religioso, ocorrendo ineficientemente, uma vez que as decisões afastaram o crime em questão resultando em improcedência aos casos, como pode ser percebido perante o voto do relator Sergio Banhos, em um dos casos:
Nos autos, não se constata a presença de elementos suficientes para ensejar o provimento do recurso, tendo em vista a ausência de comprovação da repercussão ou da gravidade das condutas aptas a influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre candidatos. Considero que não há prova robusta para configuração da conduta abusiva e caracterização do abuso do poder econômico (BANHOS, 2021).
Portanto, como reiteradamente demonstrado, mais uma vez as teses jurisprudenciais foram inconsistentes e tais ações não foram penalizadas sob a rasa alegação de falta de provas. Ademais, aos crimes já cometidos, que ficaram impunes, a falta de devidas punições oportuna
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brecha para que os mesmos aconteçam reiteradamente, como se não representasse o problema que realmente é, podendo ser demonstrada essa continuidade através, por exemplo, do recente discurso de Bolsonaro:
É muito bom estar entre amigos. Melhor ainda quando esses amigos têm Deus no coração. Acredito que Ele tem uma missão para cada um de nós. Uns têm uma missão mais difícil do que o outro, mas creio que o peso que Ele nos dá, nós podemos suportar. Jamais esperava ser chefe da nação um dia. As coisas foram acontecendo. Em 2010, com parlamentares evangélicos, descobriram, descobrimos que alguns partidos políticos queriam ensinar aos nossos filhos, aos nossos pequeninos aquilo que não está de acordo com a palavra de Deus. Ali começamos a aparecer, a despertar a atenção das famílias brasileiras. Após as eleições de 2014, sentindo que o Brasil mergulhava nas trevas, decidi tentar mudar no Brasil. […] Em um evento em Brasília, onde o pastor Silas Malafaia conduzia, ele me passou a palavra. Eu o questionei, por que eu, se tinha dezenas de parlamentares evangélicos naquele evento? E ele havia decidido que apenas três falariam. Dirigir minha palavra talvez 10, 15 mil pessoas presentes, confesso que não sabia direito como me conduzir. Ao terminar a minha mensagem, veio a minha cabeça um jargão militar: Brasil acima de tudo. E como do nada, veio a minha cabeça, o Deus acima de todos. Aquilo me fortaleceu. (BOLSONARO, 2021).
Tal exposição demonstra o quanto ações abusivas como está ficam impunes, uma vez que o mesmo ainda se utiliza dessa manobra de incorporar a religião em seus discursos políticos.
Logo, coloca-se em reflexão a quão expressiva é a problemática em questão, dado que para além aos seus errôneos efeitos acerca das eleições, uma vez que fora eleito alguém meramente por questões religiosas e não por sua capacidade administrativa, expondo o país a consequências abundantemente negativas, tem-se também a imagem de desestrutura e instabilidade do judiciário que tampouco é respeitado pelo próprio presidente da república, que deveria ser a figura exemplificativa de estima pela justiça, mas que avesso a isso, atua considerando singularmente seu próprio discurso: elevando-se ao nível de Deus e alheio a qualquer tipo de punição, independente de agir mediante contraversões, ultrapassando os limites cabíveis.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Perante esse ínterim, faz se perceptível que a religião se desenvolveu antes mesmo da conceituação de Estado, sendo então, inerente à vida das pessoas, principalmente por tratar-se de uma temática abstrata, ou seja, não palpável, diferente de Estado que é palpável através da
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constituição das leis e regulamentações, cabendo salientar também que as leis do homem foram desenvolvidas perante moral e ética, mais uma vez advindas do que é doutrinado pela religião. Portanto, é notório compreender que religião e Estado sempre estarão interligados,
sendo a religião muito mais pertinente na regência da vida das pessoas, e o Estado responsável por regulamentar a vida de cada pessoa quando analisado pela esfera de vivencia em sociedade e relações interpessoais.
Dessa forma, a problemática aqui explicitada correlaciona-se principalmente com os detentores de poder, que se aproveitam de sua influência e da religião para beneficiar singularmente seus próprios interesses.
Cabendo às pessoas, por mais difícil que seja, o entendimento quanto a necessidade de separar o seu “eu” e princípios religiosos, do seu “eu” que vive em uma sociedade diversificada, a resultar em efetiva atuação como cidadãos, nas eleições, por exemplo, devem constituir seus parâmetros à votação através de pesquisas e busca pelo representante que demonstre ser mais apto ao cargo de administrador público, e não para desempenhar funções religiosas.
Uma vez notória, a discussão abordada é completamente atual e com necessidade de reparações para que periodicamente, de dois em dois anos, principalmente, o processo eleitoral não seja mais condicionado a situações abusivas como nitidamente aconteceu ao ano de 2018, onde crimes aconteceram e ficaram impunes e o sendo admitidas eleições falazes.
Para mais, mesmo que compreendida toda a adversidade enfrentada pelo judiciário em estruturar medidas cabíveis à tipificar o abuso de poder religioso, uma vez que se trata de um tema relacionado ao metafísico e abstrato, tornando complexa a discussão do que pode ser considerado como prova e indício de abuso, se faz de extrema importância que medidas sejam desenvolvidas para limitar a interferência do poder religioso no processo eleitoral brasileiro, sendo a primeira atitude em direção a isso, a tipificação do mesmo como crime no Código Eleitoral. Uma vez que a problemática determinante diante do abuso de poder religioso não ser tipificado como um crime, é que a falta de sanções que limitem o errôneo e exacerbado uso de religião como interferência nas eleições por parte de candidatos, resulta em uma limitação do processo político-eleitoral democrático e da liberdade de voto, diminuindo assim, a soberania do Estado.
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UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DA CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA CIDADANIA DIGITAL A PARTIR DA APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS
Alexandre Silva de Oliveira Adalto Selau Sparremberger Ketia Kellen Araújo da Silva Patrícia Alejandra Behar
RESUMO:
O presente artigo tem como objetivo apresentar um estudo de caso, aplicado no ensino fundamental (9º ano) de forma transdisciplinar, para promover a construção de competências digitais, especificamente a competência Cidadania Digital. Ativamente os alunos participaram no desenvolvimento de todos processos do projeto educacional chamado “Dê um Like na Cidadania”. Utilizaram das tecnologias digitais e educacionais para oportunizar situações de ensino-aprendizagem, assim como do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da escola para interagir, pesquisar, aprender, debater e refletir. Ao final apresentaram seus projetos, pesquisas e debateram resultados, que os oportunizou desenvolver novas competências compreendendo a importância deste tema na vida escolar e social, como cidadãos plenos e participativos.
ABSTRACT:
This article aims to present a case study, applied in elementary education (9th grade) in a transdisciplinary way, to promote the construction of digital skills, specifically the Digital Citizenship competency. The students actively participated in the development of all educational project processes called “Give a Like to Citizenship”. They used digital and educational technologies to create teaching-learning situations, as well as the school’s Learning Management System (LMS) to interact, research, learn, debate and reflect. At the end, they presented their projects, research and debated results, which enabled them to develop new skills, understanding the importance of this theme in school and social life, as full and participative citizens.
- INTRODUÇÃO
Neste dinâmico, complexo e virtual período atual, chamado por alguns pensadores como Ángel Pérez Gómez (2015) de Era Digital na Sociedade da Informação, as transformações no mundo globalizado são contínuas e ocorrem em alta velocidade, repletas de novos desafios. Logo torna-se essencial a realização de pesquisas que busquem por alternativas para estas mudanças, que desafiam os cidadãos do século XXI, em especial na área educacional.
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Diante deste cenário emergem desafios para a educação presencial e remota com uso dos recursos tecnológicos, relacionado a construção das competências digitais que auxiliem os alunos a conviver e interagir nesta sociedade conectada. Uma delas é a construção da cidadania digital, compreendida como o direito de acesso democrático às ferramentas tecnológicas em todas suas possibilidades, assim como o desenvolvimento contínuo do respeito às normas para uso adequado, justo e ético de todos esses novos recursos digitais. Desta forma, o artigo apresenta o relato de um estudo de caso com alunos de turmas de 9º ano do Ensino Fundamental (E.F.), com participações do 8º ano e 1º ano do Ensino Médio (E.M.), através do projeto educacional chamado “Dê um Like na Cidadania”, que se propõem a desenvolver e contribuir para a construção da competência de cidadania digital.
Assim, o presente documento está organizado inicialmente com introdução na seção 1, referencial teórico na seção 2, metodologia na seção 3, por fim, análises e conclusões na seção 4.
- COMPETÊNCIA DIGITAL E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA DIGITAL
O conceito de Competência Digital (CD) está em discussão desde 2006 na Europa. Inicialmente o termo Digital Competence (Competência Digital) surge no relatório de competências-chave, para a educação e a formação ao longo da vida, do Parlamento Europeu1. Conforme apontam Silva e Behar (2019), os relatórios desenvolvidos na Europa no começo dos anos 2000, tiveram como objetivo identificar as abordagens e tendências emergentes para o uso das Tecnologias Digitais (TD) por todos os cidadãos. A partir desses relatórios em 2006, a Europa inicia um movimento em relação ao desenvolvimento de pesquisas, focando o conceito e frameworks de competências digitais para os cidadãos europeus (Silva e Behar, 2019).
Entre as competências digitais, a cidadania digital torna-se, de acordo com Jorgi Adell (2010) uma das cinco importantes referências de construção para esse cidadão do século XXI, sendo elas: 1. Competência Informacional; 2. Competência Tecnológica; 3.
1 http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P6-TA-2006- 0365+0+DOC+XML+V0//PT – BKMD-11
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Competência da Alfabetização Múltipla; 4. Competência da Alfabetização Cognitiva; 5. Competência da Cidadania Digital.
Para o autor, a cidadania digital é educar os cidadãos para serem críticos, livres e integrados no mundo real e virtual, ou seja, deve fazer o sujeito refletir sobre as normas de comportamento, de uma forma responsável e segura. Conjuntamente, ajudá-los a compreender as possíveis consequências geradas pelo uso, mal uso ou abuso, das TD.
A cidadania, no contexto educacional nacional, é citada como parte das aprendizagens essenciais do ensino básico, entre as dez competências gerais (BRASIL, 2018) da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Por consequência, se evidencia que é de vasta importância no desenvolvimento das competências fundamentais de um cidadão pleno. Assim, trabalhar no ambiente escolar com estes conceitos, cria-se ambiente oportuno aos alunos para desenvolver estas habilidades, propiciando que se tornem usuários construtivos e responsáveis no uso das TD, tanto na escola como vida social.
Ribble (2015), define nove elementos da cidadania digital: 1. Acesso digital; 2. Comércio digital; 3. Comunicação digital; 4. Alfabetização digital; 5. Etiqueta digital; 6. Direito digital; 7. Direitos e responsabilidades digitais; 8. Saúde e bem-estar digital; 9. Segurança Digital. Assim, a partir destas questões que envolvem diretamente a educação, escola e sociedade, foi criado o projeto propondo uma experiência ativa com os alunos para construção e desenvolvimento da cidadania digital.
No projeto, esses temas foram desenvolvidos de forma transversal e os relacionando diretamente com duas competências gerais da BNCC, a competência nº 5 (Cultura Digital) e nº 10 (Responsabilidade e Cidadania), que sintetiza que o cidadão deve agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários (BRASIL, 2018).
Nos planejamentos e nas execuções, foram utilizadas as Metodologias Ativas com Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), aderida nas abordagens teóricas-práticas de Babich e Moran (2017). A seguir, apresenta-se a metodologia.
- RELATO EXPERIÊNCIA (CIDADANIA DIGITAL)
O presente relato de experiência trata de um estudo de caso, aplicado no ensino fundamental (9º ano), para desenvolvimento da competência digital (cidadania digital).
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Os alunos participaram ativamente no desenvolvimento do projeto “DÊ UM LIKE NA CIDADANIA. Se engajando para o nosso futuro” usando como apoio diversos meios e recursos digitais, como o AVA e as urnas eletrônicas. Abaixo seguem os dados gerais do projeto2, assim como o gráfico 1 com detalhes das turmas envolvidas:
- NOME PROJETO: Dê um Like na Se engajando para o nosso futuro.
- LOCAL e DATA: Porto Alegre-RS, Brasil,
- DISCIPLINAS: História, Cidadania, Filosofia, Geografia, Português.
- TURMAS: 9º ano (8º ano e 1º ano M. participantes indiretos)
- DURAÇÃO: 60 dias
- TOTAL ALUNOS (participantes): 185
Gráfico 1: Dados quantitativos dos alunos e turmas participantes.
Fonte: Os autores
Neste gráfico, observa-se a participação total de alunos envolvidos no projeto, de forma direta e indireta. Destaca-se a participação de alunos do ano anterior (2018), como mentores, dos que estavam no 9º ano em 2019, algo muito construtivo para o processo.
- Objetivo e Justificativa do Projeto
Dado a participação e uso extensivo pelos alunos em ambientes digitais como internet e redes sociais, o projeto educacional e pedagógico teve como objetivo, a partir das
2 Detalhes do projeto, podem ser vistos em: http://www.tre-rs.jus.br/imprensa/noticias-tre- rs/2019/Dezembro/ejers-leva-projeto-liderancas-do-futuro-para-mais-uma-escola-da-capital e https://ava.tre-rs.jus.br/ejers/mod/page/view.php?id=639
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tecnologias educacionais, promover e oportunizar interações para uma educação cidadã, ética e democrática, dentro e fora do espaço escolar, físico ou digital.
Entende-se que os alunos do 9º ano, estão em pleno desenvolvimento de seus papéis sociais como sujeitos, e suscetíveis a um volume de dados e informações vasta que por vez são “fake news” (falsas), e cada vez mais interagir de forma adequada, refletindo com autonomia sobre estas questões, se faz necessário e urgente aos adolescentes.
Em geral, alunos do ensino fundamental chegam aos anos finais com conhecimentos fragmentados, restritos e desconectados da realidade, acerca de conceitos elementares na formação cidadã e digital. Pode-se citar como exemplos: política, democracia, ética e claro a própria cidadania. Conhecimentos estes que ainda não estão bem equacionados e consolidados, nesta etapa educacional.
Assim, o projeto teve como sua principal justificativa, o desenvolvimento de competências da cidadania digital para o século XXI (SILVA, 2018), junto aos conteúdos transversais e interdisciplinares integrados a na nova BNCC, para resolver e apresentar soluções dos desafios reais à questões problematizadas da nossa sociedade atual.
- Aplicação do Projeto (ABP)
Todas as disciplinas envolvidas, buscaram articular, estimular, motivar, desenvolver as competências e habilidades substanciais para o exercício como cidadãos digitais. Isso de forma transdisciplinar, a partir do tema transversal contemporâneo3 cidadania. Assim, os professores adequaram as atividades e interações, de acordo com seus planejamentos curriculares e diretrizes da BNCC (BRASIL, 2018).
Através da metodologia ABP, segundo Babich e Moran (2017), se possibilitou interatividade, reflexão crítica e aprendizagens significativas acerca de habilidades digitais, inteligência emocional, criatividade e motivação. Permitiu novos olhares propositivos para problemas e soluções existentes na sociedade, dos quais foram desafiados pela agenda Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os “17 objetivos para transformar nosso mundo” (ONU, 2015).
A partir das atividades, trabalhos e entregas realizadas pelos discentes, interagindo de forma colaborativa, compartilhada, alternada em momentos presenciais e remotos, foi
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http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/implementacao/contextualizacao_temas_contemporaneos.p df
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possível despertar o processo de ensino-aprendizagem ativo. Cabe destaque para as interações realizadas com os recursos tecnológicos educacionais, em especial no AVA, bem como as urnas virtualizadas e eletrônicas (TRE-RS). Abaixo, segue a figura 1 contendo informações, detalhes e fases dos processos pedagógicos-educacionais:
Figura 1: Tabela dos planejamentos, práticas e fases do projeto.
Fonte: Os autores
- AVA: Portal Moderna Compartilha (LMS)
Sobre o AVA utilizado pela escola, chamado de Portal Moderna Compartilha (LMS), ocorreu múltiplas formas de interações, pesquisas, post (postagens), debates, fóruns, compartilhamentos entre os alunos, turmas e professores (BEHAR, 2019).
O AVA permitiu aos professores gerenciar e mediar todas as atividades realizadas na plataforma, que necessita de login (usuário), mantendo assim registros das atividades realizadas.
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Quando ocorriam participações, dúvidas, entregas e até mesmo questões inadequadas, era possível intermediar de acordo com cada situação. A seguir, a figura 2 ilustra o ambiente digital utilizado.
Figura 2: Ambiente Virtual de Aprendizagem (LMS) da escola.
Fonte: Os autores
- ANÁLISE DOS RESULTADOS
Com o projeto realizado em aulas presenciais e digitais no AVA, foi possível empírica e ludicamente promover novas oportunidades para o aprender, refletir e pesquisar os conceitos dos temas transversais ligados a cidadania digital. Os alunos ao apresentarem suas análises, ideias, projetos, propostas e soluções para os problemas existentes na sociedade, se prontificaram a tentar resolvê-las, através das eleições democráticas. Nos debates, ficou evidente que quando questionados por outro candidato, professor ou plateia, nem sempre os problemas são de fácil resolução, pois há um conjunto de variáveis envolvidas nos aspectos sociais, políticos e econômicos que podem dificultar uma ação. Na etapa que envolvia as votações, foi organizados dois momentos. O primeiro, virtual e simulando através da ferramenta on-line, que permitiu se ambientar e pela primeira vez, como funcionava um pleito eleitoral. No segundo momento, realizado no anfiteatro da escola, todos envolvidos interagiram e votaram. Levaram os títulos de eleitor, assinaram lista de presença e digitaram na urna eletrônica seus votos, de acordo com suas convicções eleitorais. Assim escolheram conscientemente, qual a melhor candidatura, após todo processo de aprendizagem. A trajetória das aprendizagens híbridas, permitiu o desenvolvimento da autonomia, percepção de impacto pelas escolhas, responsabilidade, além de uma atitude mais consciente, equilibrada e da colaboração nos ambientes digitais. Abaixo, partes do projeto conforme ilustrado na figura 3.
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Figura 3: Imagens gerais de partes do processo interação no projeto. Fonte: Os autores
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ativamente os alunos participaram no desenvolvimento de todos processos deste projeto educacional. Para isso, apropriaram-se das tecnologias digitais e recursos educacionais disponibilizados, na busca em promover situações de aprendizagem. Após a finalização e avaliação em relação às suas experiências, percebeu-se que o objetivo de tratar as competências de cidadania digital transversalmente em diferentes disciplinas, propiciou maior engajamento em trabalho colaborativo, além de uma participação mais crítica nas suas interações digitais e sociais.
Assim, o projeto motivou oportunidades factuais, com participação ativa para o desenvolvimento das competências ligadas à cidadania, mesmo que parcial a algum aluno. Por fim, os resultados obtidos pretenderam alcançar nos alunos a compreensão da importância destes temas na vida escolar e social, para saber lidar e respeitar opiniões divergentes, ter tolerância, e usar as mídias digitais de forma segura e apropriada. Sem dúvidas, estes aspectos são relevantes no crescimento e trajetória de um cidadão global. Em conclusão, uma última consideração foi ocorrida com a equipe da escola, que além de permitir trabalhar temas correlatos e estimular engajamento entre todos, envolveu efetivamente os gestores, coordenação pedagógica e os docentes participantes.
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- REFERÊNCIAS
ADELL, Jordi. Tecnologias de la informatión y La comunicación. Sevilla: Eduforma, 2005
BACICH, Lilian; MORAN, José. Metodologias Ativas para uma Educação Inovadora: Uma Abordagem Teórico-Prática. Penso, 2017.
BEHAR, Patrícia Alejandra. Recomendação pedagógica em educação a distância. Penso, 2019.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC), 2018. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pd f>. Acesso em: 14 Agosto de 2020.
ONU. Organização das Nações Unidas (ONU). 17 Objetivos para transformar nosso mundo. Nova York, 2015. Disponível em :<https://nacoesunidas.org/pos2015>. Acesso em: 20 de Agosto.
PÉREZ GÓMEZ, Ángel I. Educação na Era Digital. A escola educativa. Penso, 2015. RIBBLE, Mike. Nine elements. Digital Citizenship – Using technology appropriately,
- Disponível em: <https://www.digitalcitizenship.net/nine-elements.html> Acesso em:
20 de Agosto de 2020.
SILVA, Ketia Kellen Araújo da. Modelo de Competências Digitais em Educação a Distância (EAD) com foco no aluno, MCompDigEAD. TESE (Doutorado) – UFRGS (CINTED), Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação (PPGIE), Porto Alegre, 2018.
SILVA, Kétia Kellen Araújo da; BEHAR, Patrícia Alejandra. Competências digitais na educação: uma discussão acerca do conceito. Educação em Revista, v. 35, 2019.
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ENTRE A TEORIA CLÁSSICA E A TEORIA DO FATO JURÍDICO: APONTAMENTOS PARA UMA NOVA DOGMÁTICA EM MATÉRIA DE (IN)ELEGIBILIDADE
BETWEEN THE CLASSICAL THEORY AND THE THEORY OF DISPOSITIVE FACT: NOTES FOR A NEW DOGMATICS ON (IN)ELIGIBILITY
RESUMO
O artigo expõe algumas das ideias defendidas pela doutrina eleitoralista acerca dos institutos da elegibilidade e da inelegibilidade, formulando uma análise crítica tanto da teoria clássica quanto da teoria do fato jurídico em matéria de (in)elegibilidade. A partir do disposto na Constituição Federal de 1988 e do quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 29/DF e nº 30/DF, e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578/AC, o trabalho pretende definir os conceitos de elegibilidade e inelegibilidade segundo o direito positivo brasileiro. Partindo da noção de que a elegibilidade e a inelegibilidade são o verso e reverso da mesma realidade normativa, e com suporte nas noções teórico-metodológicas do constructivismo lógico-semântico, o trabalho identifica a hipótese-antecedente e a tese-consequente da regra matriz de elegibilidade, definindo as condições de elegibilidade como os requisitos positivos exigidos pelo ordenamento para fins de aquisição do direito fundamental de candidatura. Por fim, com esta exposição, busca estabelecer alguns apontamentos para uma nova dogmática jurídica em matéria de (in)elegibilidade.
Palavras-Chave: Elegibilidade. Inelegibilidade. Regra matriz. Condições de elegibilidade. Requisitos para candidatura.
ABSTRACT
The article exposes some of the ideas defended by the doctrine of electoralism about the institutes of eligibility and ineligibility, formulating a critical analysis of both the classical theory and the theory of legal fact with regard to (in)eligibility. Based on the provisions of the 1988 Federal Constitution and on what was decided by the Federal Supreme Court in the joint judgment of the Declaratory Actions of Constitutionality Nos. 29/DF and 30/DF, and the Direct Action of Unconstitutionality No. 4.578/AC, the paper aims to define the concepts of eligibility and ineligibility under Brazilian Positive Law. Starting from the notion that eligibility and ineligibility are the reverse side and back side of the same normactive reality, and supported by the theoretical and methodological notions of semantic-logical constructivism, the paper identifies the hypothesis-antecedent and the thesis-consequent of the matrix-rule of eligibility, defining the conditions of eligibility as the positive requirements required by the legal system for the purposes of acquiring the fundamental right to stand as a candidate. Finally, with this exposition, it seeks to establish some notes for a new legal science on (in)eligibility.
Keywords: Eligibility. Ineligibility. Matrix-rule. Eligibility conditions. Requirements for candidacy.
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- INTRODUÇÃO
Não é raro de encontrar, dentre os próprios cultores do Direito Eleitoral, a percepção de que os principais temas desta disciplina jurídica ainda carecem sobremaneira de adequado fundamento teórico-dogmático. “Dizer que o Direito Eleitoral é um deserto acadêmico já virou lugar comum” – é a genuína observação de Eneida Desiree Salgado1. A bem-humorada anotação de José Jairo Gomes no prefácio do seu próprio livro alude a esta mesma carência científica no âmbito eleitoralista, notadamente quando o autor afirma que o observador “talvez se sinta impelido a dar razão ao alienista Simão Bacamarte, personagem do inexcedível Machado de Assis”, tendo em conta a probabilidade de enxergar o Direito Eleitoral como “uma grande concha em que reina o ilógico, o não racional, na qual, todavia, jaz uma pequeníssima pérola de racionalidade, organização e método” (2016).
O estudo da (in)elegibilidade – um dos mais importantes da matéria juseleitoralista – não está imune a esta fatídica realidade, e deveras carece de racionalidade, organização e, sobretudo, de método. Não é despiciendo ressaltar que a adoção criteriosa de um método é precisamente o que faz a ciência, inclusive a Ciência do Direito. Outro não fora o ânimo de Antônio Carlos Mendes senão o de emprestar ao tema da inelegibilidade um tratamento científico, por meio de um determinado enfoque metodológico, a fim de “deslocar o objeto deste estudo dos lindes da linguagem leiga para o âmbito da linguagem jurídica” (1994, p. 12). Daí também a imensurável contribuição de Adriano Soares da Costa – a quem Ruy Samuel Espíndola atribuiu o predicativo de ser a maior autoridade da ciência juseleitoral brasileira (2018, p. 174) – quando buscou nos arredores da Teoria Geral do Direito as bases indispensáveis à edificação de conceitos jurídicos fundamentais do Direito Eleitoral, em especial quanto aos institutos da elegibilidade e da inelegibilidade.
Entretanto, a despeito do exímio trabalho de tão respeitados juristas, dentre tantos outros, a matéria carece de maiores reflexões. É que a questão conceitual da (in)elegibilidade em nosso Direito Eleitoral basicamente se circunscreve aos limites de duas teorias contrapostas: A chamada teoria clássica da (in)elegibilidade, que tem como ponto de partida teórico um importante artigo escrito pelo ex-Ministro Moreira Alves, influenciado pela doutrina de constitucionalistas italianos e franceses, e a teoria do fato jurídico, preconizada
1 A afirmação consta da apresentação do livro “A democracia na encruzilhada” de Margarete de Castro Coelho (2015, p. 23).
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por Adriano Soares da Costa, sob forte influxo do substancioso pensamento de Pontes de Miranda.
Ambas as teorias buscam estabelecer proposições para fins de conceituação dos institutos da elegibilidade e inelegibilidade, objetivando – cada qual segundo suas próprias propostas classificatórias – expor os requisitos legais para aquisição do ius honorum e as situações que implicam em ausência ou perda da elegibilidade. Porém, nenhuma delas se propõe a responder às seguintes indagações: Qual o conteúdo da norma jurídica cuja incidência no caso concreto tem o condão de conferir efetiva elegibilidade ao cidadão brasileiro? Quais os contornos da hipótese-antecedente e da tese-consequente desta norma de Direito?
Partindo do texto fundamental da Carta Magna de 1988 (BRASIL, 1988), e levando em consideração a interpretação autêntica do Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 29/DF e nº 30/DF, e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578/AC (BRASIL, 2012), extraímos os enunciados necessários para construção de um conceito de (in)elegibilidade segundo o direito positivo brasileiro.
Ademais, a partir de uma pesquisa bibliográfica, empreendemos uma narrativa expositiva seguida de uma análise crítica das teorias existentes acerca desta temática, com o objetivo de firmar breves apontamentos para uma nova dogmática jurídica em matéria de (in)elegibilidade, à luz da metodologia do constructivismo lógico-semântico2 – de onde aproveitamos o esquema lógico-formal da norma jurídica em sentido estrito para fins de demarcação do conteúdo da regra fundamental de elegibilidade. Importante destacar que as noções decorrentes desta corrente de pensamento jurídico é o que nos permite atingir o rigor metodológico inerente à pesquisa científica.
Urge jamais olvidarmos, por fim, que o tema da (in)elegibilidade se insere na disciplina dos chamados direitos de cidadania ou direitos políticos, e como tal “estão ligados à formação do Estado democrático representativo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado” (BOBBIO,
2 Conforme define Autora Tomazini de Carvalho, “A proposta metodológica da Escola do Constructivismo Lógico-Semântico é estudar o direito dentro de uma concepção epistemológica bem demarcada, a Filosofia da Linguagem (uma das vertentes da Filosofia do Conhecimento) e a partir deste referencial, amarrar logica e semanticamente suas proposições, para construção de seu objeto (que se constitui em uma das infinitas possibilidades de se enxergar o direito). (…) Este método (quando utilizado adequadamente) proporciona a construção de um discurso científico estruturado e de conteúdo rigoroso, o que nos possibilita ter uma visão plena da realidade por ele construída” (CARVALHO, 2020, p. 15-16)
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1998, p. 354), o que ressalta a importância basilar desta matéria e a jusfundamentalidade da norma jurídica que regula o direito de candidatura do cidadão brasileiro.
- A TEORIA CLÁSSICA DA (IN)ELEGIBILIDADE
Para os fins da presente pesquisa, o que descrevemos como teoria clássica da (in)elegibilidade no direito brasileiro3 consiste em um conjunto de noções (teóricas e práticas) que servem de subsídio para uma classificação amplamente consagrada não apenas na doutrina do Direito Eleitoral, mas também no âmbito da jurisprudência e nos próprios textos de direito positivo4: a distinção entre as chamadas condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade, ambas identificadas, respectivamente, como requisitos positivos e negativos exigidos pelo ordenamento jurídico para que o cidadão brasileiro possa validamente concorrer a cargos eletivos.
O marco teórico fundamental desta teoria seria o artigo “Pressupostos de elegibilidade e inelegibilidades” de José Carlos Moreira Alves, publicado ainda na vigência da constituição anterior5. De acordo com o ex-Ministro Moreira Alves (1976, p. 228), os pressupostos ou condições de elegibilidade seriam requisitos positivos que se devem preencher para concorrer às eleições (p. ex. estar no gozo de direitos políticos, ser alistado, estar filiado a partido político, ter sido escolhido em convenções, etc.), enquanto as inelegibilidades seriam impedimentos (requisitos negativos) que, se não afastados por quem preencha as condições de elegibilidade, lhe obstam o direito de concorrer no pleito eleitoral (p. ex. as situações de inelegibilidade previstas na LC nº 64/1990).
Esta mesma distinção conceitual é adotada por inúmeros doutrinadores clássicos do nosso Direito Eleitoral, a exemplo de Pinto Ferreira (1997), Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (1996), Pedro Henrique Távora Niess (2000), Joel J. Cândido (2006), Tito Costa (2004) e Torquato Jardim – este último, diga-se de passagem, transcreve ipsis litteris as lições
3 Segundo Rui Stoco e Leandro O. Stoco, os principais expoentes desta corrente de pensamento são Tito Costa, Távora Niess e Joel J. Cândido (2010, p. 221).
4 Vejamos, por exemplo, o quanto disposto no artigo 11, §10, da Lei 9.504/97: “As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade” (BRASIL, 1997).
5 O referido artigo, que fora originalmente publicado em 1976 pela Editora da UNB na coletânea “Estudos de Direito Público em Homenagem a Aliomar Baleeiro”, foi republicado no volume 11, número 2, da Revista Estudos Eleitorais da Escola Judiciária Eleitoral do TSE (Maio/Agosto 2016), disponível em formato digital: https://www.tse.jus.br/hotsites/catalogo-publicacoes/pdf/estudos_eleitorais/estudos_eleitorias_v11-n2.pdf.
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de Moreira Alves (1996, p. 67-68). Outrossim, a referida classificação é empregada nos mais variados e hodiernos manuais e cursos de Direito Eleitoral que, de uma maneira ou de outra, terminam adotando esta diferenciação e/ou discorrendo acerca dela, consoante podemos mencionar, a título exemplificativo, as relevantes obras de José Jairo Gomes (2016), Frederico Franco Alvim (2016), Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (2018) e Rodrigo López Zilio, que, a propósito, afirma ser “assente na doutrina e na jurisprudência a distinção entre condições de elegibilidade e hipóteses de inelegibilidade” (2020, p. 227).
Dentro desta classificação doutrinária é igualmente pacífica a noção de que as condições de elegibilidade estão dispostas na Constituição Federal de 1988 e podem ser apenas regulamentadas por lei ordinária (cf. art. 14, §3º, CF/88), enquanto as causas de inelegibilidades estão taxativamente previstas na Carta Magna e na legislação complementar (cf. art. 14, §9º, CF/88)6.
Fazendo alusão a este entendimento, que está presente quase que de forma unânime no pensamento da doutrina e na jurisprudência eleitoralista, transcrevemos a síntese de Pedro Roberto Decomain:
Resumindo, elegível é aquele que preenche os requisitos previstos pela Constituição e pela legislação infraconstitucional (esta está autorizada, às vezes, pela própria Constituição, a complementar requisitos para ser eleito, o que ocorre com os prazos de domicílio eleitoral e filiação partidária), e, ao mesmo tempo, não tem presente em relação a si um fato que a própria Constituição, ou a lei complementar (somente ela pode prever outras causas de inelegibilidade, além das constantes no próprio texto constitucional), estabelece como impedimento à candidatura, ou causa de inelegibilidade (2004, p. 11).
A despeito desta consagrada distinção conceitual, por meio da qual se compreende que “A ausência de elementos que deveriam estar presentes caracteriza a falta de condições de elegibilidade; a presença de elementos que deveriam estar ausentes cria a inelegibilidade” (NIESS, 2000, p. 26), a doutrina adverte que a ausência dos requisitos positivos tanto quanto a ocorrência dos requisitos negativos conduzem, enfim, ao mesmo resultado prático, qual seja:
6 O Supremo Tribunal Federal (STF) já adotou tal distinção: “[…] O domicílio eleitoral na circunscrição e a filiação partidária, constituindo condições de elegibilidade (CF, art. 14, § 3º), revelam-se passíveis de válida disciplinação mediante simples lei ordinária. Os requisitos de elegibilidade não se confundem, no plano jurídico- conceitual, com as hipóteses de inelegibilidade, cuja definição – além das situações já previstas diretamente pelo próprio texto constitucional (CF, art. 14, §§ 5º a 8º) – só pode derivar de norma inscrita em lei complementar (CF, art. 14, § 9º). […]” (BRASIL, 2001).
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a impossibilidade de aquisição do direito subjetivo de candidatura. O próprio Moreira Alves, por exemplo, leciona que
Não há que confundir, em face de nosso sistema constitucional, pressupostos (ou condições) de elegibilidade e inelegibilidades, embora a ausência de qualquer daqueles ou a incidência de qualquer destas impeça alguém de poder candidatar-se a eleições municipais, estaduais ou federais.
(…)
Tendo em vista, porém, que o resultado da não ocorrência de qualquer desses dois requisitos é o mesmo – a não elegibilidade –, o substantivo inelegibilidade (e o mesmo sucede com o adjetivo inelegível) é geralmente empregado para significar tanto os casos de ausência de pressuposto de elegibilidade quanto os impedimentos que obstam à elegibilidade (1976, p. 228-229).
Em igual medida, a observação de Joel J. Cândido:
Na prática, porém, o resultado é o mesmo. Tanto faz um juiz ou tribunal declarar uma inelegibilidade existente na vida de um candidato, impedindo-o de concorrer, como indeferir seu pedido de registro de candidatura por falta do cumprimento de uma condição de elegibilidade qualquer: para aquele pleito, esse candidato está inelegível, em qualquer dos dois casos (2003, p. 84).
Com Antônio Carlos Mendes não é diferente. O professor paulista admite que o resultado prático ou consequência material da incidência da inelegibilidade ou da simples ausência de elegibilidade é absolutamente idêntica, e consiste na impossibilidade do registro de candidatura. Inobstante, ainda circunscrito aos fundamentos decorrentes da teoria clássica, MENDES persiste na defesa de que a elegibilidade e a inelegibilidade “são institutos jurídicos distintos e não podem ser tomados, segundo o significado literal, como o verso e o reverso da mesma realidade normativa” (1994, p. 108)7.
Esta linha de pensamento termina por conduzir, em última análise, a um conceito de inelegibilidade que se qualifica por um impedimento ao exercício do direito de candidatura apenas quando o cidadão incorre em algum dos requisitos negativos dispostos na Carta Magna ou na Lei Complementar; o não preenchimento dos requisitos positivos (condições de elegibilidade), por exemplo, não constituiriam propriamente – no plano jurídico-conceitual da
7 No mesmo sentido, Tupinambá Miguel Castro Nascimento: “À primeira vista, poder-se-ia pensar que elegibilidade e inelegibilidade seriam as duas faces da mesma moeda. Em outras palavras, o que não é elegível é inelegível. Esta é uma equivocada aparência, não admitida pela lei positiva brasileira e pelo texto constitucional. Elegibilidade e inelegibilidade não resultam da mesma realidade sócio-eleitoral” (1996, p. 65)
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doutrina clássica – em uma inelegibilidade, conquanto possa ser identificada com uma “não elegibilidade” (ALVES, 1976, p. 229). Ademais, a incursão do cidadão-eleitor em quaisquer daqueles requisitos negativos atrairia como consequência uma “cominação de inelegibilidade” (RIBEIRO, 1986, p. 192), sendo, pois, assaz difundida a noção de que a inelegibilidade se constituiria de uma espécie de sanção ou apenamento ao cidadão brasileiro.
Por fim, ainda no que concerne ao pensamento tradicional acerca da (in)elegibilidade, é comum entre os juristas e no seio da jurisprudência o entendimento no sentido de que “as inelegibilidades são situações jurídicas, de cunho negativo, que surgem após a verificação das condições de elegibilidade, impedindo a prerrogativa de ser votados no processo eleitoral” (AGRA, 2011, p. 34). Para a teoria clássica, “em um primeiro momento, deve-se preencher as condições de elegibilidade (requisito positivo) e, após, não incidir em nenhuma hipótese de inelegibilidade (requisito negativo)” (ZILIO, 2020, p. 229-230), o que, por conseguinte, sugere a existência de uma sucessividade temporal na incidência das normas jurídicas destinadas a atribuir ius honorum ao cidadão brasileiro, ou de que “a inelegibilidade é posterius à elegibilidade” – consoante traduz a precisa locução de Adriano Soares da Costa (2016, p. 50).
Conforme teremos oportunidade de expor mais adiante, defendemos a necessidade de superação destes pressupostos teóricos. Contudo, por enquanto, cabe-nos neste tópico apenas descrever, mesmo que em linhas gerais, as noções básicas defendidas pela doutrina clássica acerca do instituto da (in)elegibilidade.
- A TEORIA DO FATO JURÍDICO DE ADRIANO SOARES DA COSTA
Ancorado no gênio de PONTES DE MIRANDA, coube ao jurista igualmente alagoano, Adriano Soares da Costa, a formulação de contundentes críticas à doutrina clássica do Direito Eleitoral e a elaboração de uma nova teoria da (in)elegibilidade. Conhecida nos meios acadêmicos como teoria do fato jurídico (ZILIO, 2020; SANTOS, 2018) ou teoria do ato jurídico (OLIVEIRA, 2019), esta concepção doutrinária advoga a tese por meio da qual, em suma, o direito de ser votado (a elegibilidade) nasce do fato jurídico do registro de candidatura, enquanto “a inelegibilidade, em sentido lato, é a situação de inexistência do direito de ser votado” (COSTA, 2016, p. 184).
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Antagônico ao que afirma serem os “três axiomas” da teoria clássica da inelegibilidade8, o precursor da teoria do fato jurídico rechaça a concepção de que todo nacional é elegível. Conquanto sirva legitimamente ao discurso político9, a proposição segundo a qual a elegibilidade é prerrogativa de todo nacional não resiste ao teste de juridicidade, visto que, do ponto de vista estritamente jurídico, este direito público subjetivo somente nasce com o registro de candidatura: Sem o registro, o cidadão permanece em situação de inelegibilidade inata. Neste diapasão, enquanto para a teoria clássica a elegibilidade seria a regra e a inelegibilidade exceção, Adriano Soares da Costa formula hipótese teórica oposta: “a inelegibilidade inata é a regra; a elegibilidade, a exceção” (2016,
- 92). Ademais, ao revés da noção clássica de que a inelegibilidade se constituiria de um impedimento, de natureza sancionatória, à capacidade eleitoral passiva, o eleitoralista defende que “A ilicitude não é da essência do conceito de inelegibilidade” (2016, p. 186), pressuposto utilizado, aliás, para a sua reconhecida proposta classificatória que distingue a inelegibilidade inata, desprovida de caráter sancionatório (como é o caso do analfabetismo, da irreelegibilidade e da inelegibilidade por parentesco), da inelegibilidade cominada, somente esta última prevista como sanção decorrente da prática de algum ato ilícito, a exemplo das inelegibilidades cominadas pela prática de abuso de poder, captação ilícita de sufrágio, dentre outras, e que se subdividem em simples (para a eleição em que o fato ilícito ocorreu) e potenciada (com efeitos estendidos para eleições futuras)10.
A referida classificação das inelegibilidades em inatas e cominadas recebeu séria crítica de Márlon Jacinto Reis, para quem “A inelegibilidade é sempre uma condição jurídica, nunca uma sanção” (2012, p. 240). De acordo com REIS, sobretudo após o julgamento do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2012) que declarou a constitucionalidade da LC nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa (BRASIL, 2010), oportunidade em que a Corte afastou o caráter sancionatório da inelegibilidade, “Está superada, assim, a antes já
8 Segundo Adriano Soares da Costa, a teoria clássica da inelegibilidade “se erige sobre três axiomas, explícita ou implicitamente enunciados: (a) todo brasileiro é elegível; (b) toda inelegibilidade é uma sanção; e (c) a regra é a elegibilidade; a inelegibilidade, a exceção” (2016, p. 86).
9 “Em lugar de buscar estabelecer conceitos a partir de fundamentos propriamente científicos, empenharam-se os autores em conferir a maior amplitude possível aos direitos políticos, de modo a afirmar a existência de uma esfera de atuação política dos indivíduos que não pudesse ser comprimida pelo Estado. A elasticidade da interpretação daqueles direitos funcionaria, assim, como uma contenção a eventuais investidas estatais que pudessem trazer de volta o regime de opressão recém-extinto” (GRESTA, 2012, p. 8)
10 É a própria teoria do fato jurídico de PONTES DE MIRANDA que dá sustentação a esta concepção do eleitoralista: “Dissemos que a inelegibilidade é sempre efeito jurídico, é dizer, consequência de um fato jurídico que lhe preexiste. Quando o fato jurídico é lícito, estamos diante de uma inelegibilidade inata; quando se trata de fato jurídico ilícito, de uma inelegibilidade cominada. A licitude ou ilicitude do fato jurídico lato sensu é fundamental para a classificação das inelegibilidades” (COSTA, 2016, p. 187-188).
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precária teoria que acolhia o mito da ‘inelegibilidade-sanção’ ou da ‘inelegibilidade cominada simples’” (2012, p. 242). Nada obstante a pertinente análise do jurista tocantinense, a proposta classificatória de COSTA permanece bastante utilizada entre os eleitoralistas, dentre os quais mencionamos Marcos Ramayana (2012, p. 296), Carlos Eduardo de Oliveira Lula (2014, p. 292) e Edson de Resende Castro (2018, p. 157-158).
Porém, o que aqui nos compete reproduzir é o estudo crítico empreendido por Adriano Soares da Costa em relação aos pressupostos da teoria clássica da (in)elegibilidade. É nesta senda que o jurista enuncia seu entendimento acerca da elegibilidade como direito público subjetivo de concorrer a um mandato eletivo, e que nasce a partir da ocorrência do fato jurídico do registro de candidatura:
De fato, o ponto fundamental de todas essas teorias e pensamentos esboçados, que constituem o que denomino de teoria clássica, é a noção de inelegibilidade como situação que obstaculiza a elegibilidade sancionando o nacional. Acresça-se a isso o fato de se falar de elegibilidade como direito de ser votado, mas sem menção à origem desse mesmo direito subjetivo, tomando-o como uma entidade mística, espiritual, como fazia a metafísica jurídica, tão chincada por Karl Olivecrona. Não vemos a doutrina, em um momento sequer, se indagando: de onde provém o direito de ser votado e qual o fato jurídico que o origina? Ao revés, toma-o como um direito natural de todos os cidadãos, como se todos os nacionais nascessem com ele, outorgado por alguma divindade, ou por um místico e transcendental contrato social. Não se indo à raiz do problema, especula-se sobre as consequências jurídicas, apartando-as das causas e, com isso, gerando uma série de dificuldades na abordagem prática do ordenamento jurídico.
Como já mostramos, o direito de ser votado (elegibilidade) nasce do fato jurídico do registro de candidatura (2016, p. 194).
É inegável, pois, a contribuição de Adriano Soares da Costa aos estudos da (in)elegibilidade, em especial quando identifica precisamente o fato jurídico que dá origem ao direito de candidatura (a elegibilidade), sem o qual não há que se falar em o direito subjetivo de concorrer a um cargo político-eletivo. Sem contar que a elegibilidade, nos termos desta proposta doutrinária, é um direito datado e tem direção certa, visto que consiste no direito de concorrer em um determinado pleito eleitoral para um cargo específico. Enfim, o direito público subjetivo de candidatura, isto é, a elegibilidade, “Nasce com o registro e morre por consumação com a proclamação dos resultados. Em outra eleição, haverá o nacional que pleitear novo registro” (COSTA, 2016, p. 91).
Mas o que entendemos ser a grande “revolução copernicana” desta corrente teórica é o fato de que, ao contrário da doutrina clássica, ela trabalha com a noção de que “a
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elegibilidade e inelegibilidade são o reverso da mesma moeda” (ZILIO, 2020, p. 229). Esta igualmente é a percepção de Rui Stoco e Leandro O. Stoco acerca da teoria de COSTA, ao aduzirem que “não há distinção a ser feita entre ausência das condições de elegibilidade e inelegibilidade, ao contrário, pois para ele inelegibilidade é ausência ou perda da elegibilidade, ou seja, verso e reverso da mesma moeda” (2010, p. 221). De fato, a teoria do fato jurídico “é irretocável no que se refere ao reconhecimento das relações: (1) opositiva entre elegibilidade e inelegibilidade e (2) causal entre registro de candidatura e elegibilidade” (GRESTA, 2012, p. 14). Nas palavras do próprio COSTA:
O conteúdo da elegibilidade é o direito de ser votado, de se candidatar. Quem não pode se candidatar não é elegível, não tem o direito de oferecer o seu nome ao crivo do eleitorado para o fim de pleitear um cargo eletivo. Sem o registro de candidatura não nasce o direito de ser votado. Pois bem, o nacional que ainda não tenha obtido o direito de ser votado, ou que por alguma razão veio a prendê-lo, reputa-se inelegível. Logo, a inelegibilidade é ausência ou perda da elegibilidade.
Essa afirmação é de subido relevo, razão pela qual a repito: a inelegibilidade é a ausência ou perda da elegibilidade. São conceitos, inelegibilidade e elegibilidade, que só podem ser compreendidas um em face do outro. Inelegível é aquele que não possui elegibilidade, ou porque nunca a teve (inelegibilidade inata) ou porque veio a perdê-la ou ficou impedido de obtê- la como efeito de algum fato jurídico ilícito (inelegibilidade cominada simples ou potenciada).
Todo eleitor que não atenda aos pressupostos legais de elegibilidade, deixando de obter o registro de candidato, é inelegível, vale dizer, não possui o ius honorum (2016, p. 48).
Inobstante a robustez da teoria preconizada por Adriano Soares da Costa – notadamente quando utiliza das categorias fundantes da Teoria Geral do Direito (sobretudo a noção de fato jurídico como produto da incidência da norma de Direito sobre o fato social) para fins de adequada conceituação e análise do tema da (in)elegibilidade – é necessário ir mais além para identificarmos os contornos lógico-semânticos da norma jurídica de elegibilidade, a fim de estabelecermos uma conceituação dogmática mais precisa dos institutos ora em exame.
- PARA UMA NOVA DOGMÁTICA DA (IN)ELEGIBILIDADE À LUZ DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
- O problema dos pressupostos teóricos
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Antes de oferecermos nossa crítica11 em relação a ambas as teorias acima citadas, é mister advertirmos que aqui adotamos um determinado sistema de referência conceitual, diferente daquele encampado pelos partidários da teoria clássica e adeptos da teoria do fato jurídico. Com isto queremos apenas elucidar que não temos a menor pretensão – de resto absolutamente irrealizável, sobretudo diante da magnitude dos juristas que defendem uma ou outra doutrina – de emular o pensamento eleitoralista contemporâneo buscando a superação das suas importantíssimas ideias.
No entanto, porque utilizamos um sistema de referência que parte de pressupostos em alguma medida incomuns entre os eleitoralistas12 é que haveremos de chegar a conclusões nem mais nem menos verdadeiras e/ou corretas, porém, em muitos aspectos, certamente diversas. A propósito, aludindo ao problema dos pressupostos no discurso científico, vem a calhar a seguinte e pertinente observação de Miguel Reale:
A Geometria euclidiana, por exemplo, baseia-se no postulado de que ‘por um ponto tomado fora de uma reta, pode-se fazer passar uma paralela a essa reta e só uma’. (…)
Ora, as Geometrias não-euclidianas não são menos Geometrias do que a que começamos a estudar nos ginásios, embora não admitam o postulado acima enunciado, preferindo afirmar, como Riemann, que ‘por um ponto tomado fora duma reta não se pode fazer passar nenhuma paralela a esta reta’, ou então, como Lobatchewsky: ‘Por um ponto tomado fora duma reta, pode-se fazer passar uma infinidade de paralelas a esta reta’. Trata-se, por conseguinte, de Geometrias igualmente rigorosas, cada qual no sistema de suas referências. (1972, p. 10-11)
E não é demasiado ressaltar que “a ideia de sistema de referência toma posição dominadora em todo o conhecimento humano. Sem sistema de referência, o conhecimento é desconhecimento, como ensina Goffredo Telles Júnior” (CARVALHO, 2010, p. 22), daí a importância de partirmos de um determinado referencial teórico ou sistema de referência para construção das nossas análises a respeito do instituto jurídico da (in)elegibilidade13.
11 “Em sentido geral, não pejorativo, criticar é fazer apreciação de algo segundo determinado critério, tão certo como pensar é julgar” (REALE, 1972. p. 60)
12 A Escola do Constructivismo Lógico-Semântico, onde buscamos o referencial teórico-metodológico para nortear nossas reflexões, tem como expoente maior o professor Dr. Paulo de Barros Carvalho, renomado tributarista, razão pela qual é mais conhecida e tem sido amiúde utilizada no âmbito do Direito Tributário, embora seja uma metodologia aplicável a quaisquer ramos do fenômeno jurídico.
13 Ainda acerca da noção de sistema de referência, Paulo de Barros Carvalho traz a lume interessante citação do professor Goffredo Telles Júnior, que julgamos oportuno reproduzir: “A propósito, apontando para o sistema de referência como condição do próprio conhecimento, essa grande figura das letras jurídicas brasileiras serve-se do
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Este referencial tem suas bases fincadas na doutrina do Professor Dr. Paulo de Barros Carvalho, que, alicerçado no profundo pensamento de Lourival Vilanova, fundou o que atualmente se designa por Escola do Constructivismo Lógico-Semântico14, da qual extraímos as noções conceituais típicas de uma específica teoria da norma jurídica para fins de construção e aplicação do que apelidamos de regra matriz de elegibilidade15.
- A definição do conceito de (in)elegibilidade
Estabelecer conceitos é, antes de tudo, definir “a ideia do termo, sua significação, que permite a identificação de uma forma de uso da palavra dentro de um contexto comunicacional”, consoante assere Aurora Tomazini de Carvalho (2010, p. 56).
Nesta linha de intelecção, no contexto comunicacional da doutrina do Direito Eleitoral, à míngua de uma definição legal para o signo “elegibilidade”, “o senso comum dos juristas a define como o direito de ser votado” (COSTA, 2016, p. 81). Deveras, tanto os doutrinadores clássicos quanto a doutrina mais atual definem elegibilidade, grosso modo, como a capacidade eleitoral passiva, isto é, o direito subjetivo de ser votado (ius honorum). Esta definição, a nosso ver, é adequada e precisa, atendendo à dinâmica normativa prevista no ordenamento jurídico pátrio, erigido sob o princípio democrático de que todo o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos (art. 1º, p. único,
exemplo extremamente sugestivo de Einstein, imaginando um trem muito comprido (5.400.000 km), a caminhar em velocidade constante e movimento retilínio e uniforme (240.000 km/s), que tivesse uma lâmpada bem no centro e duas portas, uma dianteira e uma traseira, que se abririam, automaticamente, assim que os raios de luz emitidos pela lâmpada as atingissem. Einstein demonstrou, com operações aritméticas bem simples, que um viajante desse trem, vendo acender-se a lâmpada, veria também, nove segundos depois, as duas portas se abrirem simultaneamente. Para um lavrador que estivesse no campo, a certa distância do trem, ainda que percebesse o acendimento da lâmpada no mesmo instante em que o viajante, cinco segundos após, veria a porta traseira abrir- se e somente quarenta e cinco segundos depois teria visto a abertura da porta dianteira” (CARVALHO, 2010, p. 22).
14 Dentre os diversos autores que trabalham com esta mesma metodologia, além do próprio Paulo de Barros Carvalho (Cf. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009; Direito tributário, linguagem e método. 3 ed. São Paulo: Noeses, 2009; Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2010, dentre outras obras), aludimos, a título de exemplo, aos trabalhos de Tárek Moysés Moussallem (Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005), Fabiana Del Padre Tomé (A prova no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008) e Aurora Tomazini de Carvalho (Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2010). Para um maior aprofundamento acerca do método constructivista, consultar os três volumes da obra coletiva “Constructivismo Lógico- Semântico”, igualmente lançada pela editora Noeses sob a coordenação de Paulo de Barros Carvalho e organização de Autora Tomazini de Carvalho.
15 Já tivemos oportunidade de expor o núcleo fundamental da chamada regra matriz de elegibilidade em trabalho anterior, publicado na edição de número nove da Revista Populus da Escola Judiciária Eleitoral da Bahia (Cf. SALUM, 2020).
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CF/88), sendo que, neste caso, para concorrer a mandato representativo, o cidadão deve preencher as condições de elegibilidade (art. 14, §§3º a 9º, CF/88).
A partir desta conceituação, chega a ser intuitivo – resultado de uma simples operação lógico-gramatical – definir o conceito de inelegibilidade pelo oposto da elegibilidade, vale dizer, como a ausência do direito de ser votado.
Dessarte, se a elegibilidade consiste no direito público subjetivo de candidatura, a inelegibilidade é a ausência deste direito. “Afirma-se, por conseguinte, que a inelegibilidade é o estado de incapacidade eleitoral passiva, do qual resulta a impossibilidade de concorrer às eleições” (GRESTA, 2012, p. 18). Inelegibilidade e não elegibilidade são sinônimos, e dizem acerca da mesma realidade jurídica: a ausência da elegibilidade, isto é, inexistência do direito de candidatura. É neste sentido, inclusive, que o legislador constituinte utilizou o substantivo “elegibilidade” (art. 14, §3º) e o adjetivo “elegível” (art. 14, §8º), tanto quanto o substantivo “inelegibilidade” (art. 14, §9º) e o adjetivo “inelegíveis” (art. 14, §§4º e 7º), ora indicando a qualidade de quem possui capacidade eleitoral passiva (o elegível) ora de quem não a detém (o inelegível ou não elegível).
Mais adiante, quando a Carta Magna prevê que das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso, dentre outras hipóteses, quando o acórdão versar sobre “inelegibilidade” nas eleições federais ou estaduais (art. 121, §4º, III, CF/88), o termo utilizado pelo legislador igualmente deve ser interpretado no sentido aqui proposto. A norma pretende conferir ao Tribunal Superior Eleitoral o status de instância revisora das decisões dos TRE’s em toda e qualquer hipótese de indeferimento do registro de candidatura (vale dizer, em caso de inelegibilidade), cabendo, portanto, a impugnação pela via do recurso ordinário (art. 121, §4º, III, CF/88 c/c art. 276, II, “a”, Código Eleitoral) e não por meio do recurso especial, conforme assere o próprio Adriano Soares da Costa ao defender “que qualquer decisão do TRE denegatória do registro de candidatura [em eleições federais ou estaduais], seja por que motivo for, enseja a interposição de recurso ordinário para o TSE” (COSTA, 2016, p. 471).
A propósito, no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 20.162, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu pelo recebimento de recurso como ordinário na hipótese de indeferimento do registro de candidatura por simples ausência de documento essencial (condição de registrabilidade), matéria que, à luz da teoria clássica, não constitui
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propriamente uma “inelegibilidade”16. O voto de desempate da matéria coube ao então Ministro Nelson Jobim, que, interpretando o disposto no artigo 121, §4º, III, da Carta Magna, formulou o seguinte e irretocável raciocínio lógico:
(…) não encontro distinção entre a inelegibilidade e a ausência de condição de elegibilidade. Somente duas são as hipóteses possíveis. Elegível ou não elegível. Em outras palavras, elegível e inelegível. A e não-A. A lógica que aqui temos é binária. A operação lógica A “ou” não-A sempre é igual ao universo (1). Da mesma forma que a operação A “e” não-A é sempre igual ao conjunto vazio (0). É a hipótese do terceiro excluído. Enfim, versa-se sobre (in)elegibilidade. A hipótese é a do art. 121, §4º, III, da CF. Recebo-o como RECURSO ORDINÁRIO. (BRASIL, 2002)
Esta, a rigor, é a nossa proposta conceitual, na medida em que partimos da mesma lógica binária a que alude o ex-Ministro no referido aresto, para estabelecer, repita-se, que a elegibilidade traduz o direito subjetivo de ser votado em eleições (“A”) enquanto a inelegibilidade é precisamente o oposto, ou seja, a inexistência deste direito ou o não direito (“não-A”).
Também o Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 29/DF e nº 30/DF, e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578/AC, que teve por objeto a análise de constitucionalidade da chamada Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), firmou compreensão no sentido de que “A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral (…)” (BRASIL, 2012), donde se conclui, a contrario sensu, que a inelegibilidade é a inadequação do sujeito ao referido regime jurídico-normativo.
A doutrina e jurisprudência eleitoralista, todavia, têm emprestado ao signo “inelegibilidade” um conteúdo tão mais complexo e abrangente que, ao longo do tempo, a preocupação maior da academia se tornou a de estabelecer noções para uma teoria da
16 Posteriormente, no julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 060114833/RJ, o TSE adotou uma linha interpretativa diversa, e fixou a seguinte tese para as eleições de 2018: “O recurso cabível contra decisões que tratarem de ausência de documentos para o registro (condições de registrabilidade) é o recurso especial” (BRASIL, 2018). A nosso ver, data vênia, trata-se de uma compreensão equívoca do sentido do vocábulo “inelegibilidade” (art. 121, §4º, III, CF/88) como matéria passível de impugnação pela via do recurso ordinário (art. 276, II, “a”, Código Eleitoral). É o recrudescimento de uma jurisprudência defensiva. Basta dizer dos entraves para que a questão possa ser levada à cognição do TSE, notadamente em face das exigências de prequestionamento (Súmula nº 72/TSE) e do impedimento de reexame do conjunto fático-probatório (Súmula nº 24/TSE). Sem contar que as chamadas condições de registrabilidade se traduzem em instrumentos probatórios (são “meios de prova”) destinados a aferir a incidência da norma de elegibilidade nos procedimentos de registro de candidatura (SALUM, 2020); se tais provas não puderem ser juntadas pelo candidato em sede recursal, nem reexaminadas pelo TSE, ficarão, pois, sujeitas à análise de instância única, numa violação ao princípio do duplo grau de jurisdição e em evidente prejuízo à efetividade do direito político fundamental de candidatura.
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inelegibilidade (colocando o foco nos impedimentos ao exercício do direito fundamental de candidatura), sem que, antes, a ciência do Direito Eleitoral houvera firmado as bases científicas para uma sólida teoria da elegibilidade. Não à toa, aliás, o trabalho de Antônio Carlos Mendes é intitulado “Introdução à teoria das inelegibilidades”, e o próprio subtítulo do “Instituições de Direito Eleitoral” de Adriano Soares da Costa é precisamente “Teoria da inelegibilidade”.
O grande mérito do jurista alagoano, no entanto, foi o de indicar o nascedouro do direito público subjetivo de candidatura, apontando a elegibilidade como uma consequência ou efeito jurídico decorrente do fato jurídico do registro. Porém, a despeito de saber como poucos que o fato jurídico é o resultado da ocorrência, no mundo social, da hipótese normativa, o eleitoralista não estabelece de forma precisa os contornos da hipótese- antecedente da norma jurídica destinada a atribuir este direito público subjetivo ao eleitor (a elegibilidade).
A rigor, Adriano Soares da Costa permanece circunscrito ao mesmo pensamento da doutrina clássica no que se refere à exigência do preenchimento de certas “condições de elegibilidade” (requisitos positivos) e da não incursão em inelegibilidade cominada (requisito negativo), definindo a inelegibilidade como um impedimento ou obstáculo-sanção à aquisição da capacidade eleitoral passiva.
- A hipótese normativa ou as “condições de elegibilidade”
Uma vez que a elegibilidade é o direito subjetivo de candidatura, e a inelegibilidade a ausência deste direito, urge destacarmos quais são, afinal, as condições ou requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico pátrio para a aquisição do ius honorum, sem as quais o nacional não pode validamente concorrer a um cargo público eletivo, permanecendo, pois, inelegível. “Não se pode confundir, destarte, condições de elegibilidade e elegibilidade; aquelas são o suporte fáctico que, concretizado, faz nascer o fato jurídico do qual dimana o direito de ser votado (elegibilidade). Ali, pressupostos; aqui, efeito” (COSTA, 2016, p. 75-76).
As condições de elegibilidade consistem nos critérios que informam o suporte fáctico da norma jurídica cuja incidência no caso concreto tem o condão de atribuir elegibilidade ao cidadão nacional. Não há que se distinguir, portanto, condições de elegibilidade (requisitos positivos) de causas de inelegibilidade (requisitos negativos), como sói defender a doutrina clássica – pressuposto do qual Adriano Soares da Costa não se afasta por completo. Em nossa
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linha de raciocínio, é imperiosa a conclusão de que todos os pressupostos ou requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico para que alguém adquira o direito de ser votado são condições de elegibilidade. Em outras palavras, tanto as “condições de elegibilidade” quanto as denominadas “causas de inelegibilidade” são igualmente “requisitos para a obtenção do registro de candidatura, inexistindo diferença ontológica entre elas. Em todos os casos estamos diante de condições impostas pelas normas para o alcance do direito de lançar-se candidato” (REIS, 2012, p. 221).
Estes requisitos previstos no ordenamento jurídico para fins de aquisição do direito de candidatura constituem, em última análise, critérios da hipótese-antecedente e da tese- consequente da mesma norma jurídica em sentido estrito, cuja incidência no caso concreto tem o condão de conferir capacidade eleitoral passiva ao cidadão.
No momento de formalização do pedido de registro de candidatura, onde a norma destinada a atribuir elegibilidade ao cidadão é aplicada in concreto pela autoridade judiciária, não há uma regra jurídica cuja incidência tem o condão de atribuir elegibilidade ao sujeito ativo e outra cuja incidência retira-lhe este direito (inelegibilidade), como se houvera sucessividade temporal entre uma e outra. Há, em verdade, uma única norma jurídica sendo objeto de aplicação pelo juiz eleitoral no procedimento de registro de candidatura: a regra matriz de elegibilidade.
A nomenclatura advém da conhecida “regra matriz de incidência tributária”, expressão cunhada por Paulo de Barros Carvalho para traduzir o “esquema lógico-semântico, revelador do conteúdo normativo, que pode ser utilizado na construção de qualquer norma jurídica (em sentido estrito)”, conforme observa Aurora Tomazini de Carvalho (2010, p. 372). A regra matriz invariavelmente é composta por uma hipótese normativa e um consequente normativo, atendendo, portanto, ao esquema lógico-formal de toda e qualquer norma de conduta do Direito: “A norma jurídica, reguladora da conduta humana, compõe-se, logicamente, de uma hipótese ou suposto jurídico e uma disposição. Quando se realizam as condições previstas no suposto, torna-se efetiva a disposição ou conseqüência” (NOGUEIRA, 1996, p. 115). Acerca do esquema lógico padrão da regra matriz de incidência, oportuno reproduzir os ensinamentos de Aurora Tomazini de Carvalho:
Se considerarmos que toda classe delineada pela hipótese normativa aponta para um acontecimento, que se caracteriza por ser um ponto no espaço e no tempo. Logo, como conceito identificativo, ela deve, necessariamente, fazer referência a: (i) propriedades da ação nuclear deste acontecimento; (ii) do
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local; e (iii) do momento em que ele ocorre; caso contrário, é impossível identificá-lo precisamente.
Da mesma forma, como toda classe delineada pelo consequente normativo indica uma relação onde um sujeito fica obrigado, proibido ou permitido a fazer ou deixar de fazer algo em virtude de outro sujeito, necessariamente nele vamos encontrar propriedades identificativas de: (i) dois sujeitos, ativo e passivo; e (ii) do objeto da relação, isto é, daquilo que um dos sujeitos está obrigado, proibido ou permitido de fazer ou deixar de fazer ao outro (2010, p. 373).
Ao receber o Requerimento de Registro de Candidatura (RRC), o que incumbe ao Juiz Eleitoral verificar, na realidade, é se a hipótese normativa se materializou, aferindo se o requerente ostenta a qualidade de sujeito ativo da regra matriz de elegibilidade, isto é, se o mesmo é cidadão-eleitor (critério pessoal)17, bem como se este cidadão atende aos aspectos do critério material previstos no antecedente da norma, quais sejam, idade mínima (aspecto etário), escolaridade mínima (aspecto de instrução), representatividade mínima (aspecto partidário) e moralidade mínima (aspecto ético), numa determinada circunscrição eleitoral (critério espacial) no momento do registro de candidatura (critério temporal).
Se tais critérios previstos na hipótese normativa estiverem presentes, tem-se, pois, a incidência da norma jurídica sobre o fato social, implicando na instauração da relação jurídica prevista no consequente normativo da regra matriz de elegibilidade, por meio da qual o sujeito ativo (cidadão-candidato) adquire o direito subjetivo de concorrer a um cargo específico numa determinada eleição, e o sujeito passivo (o Estado) tem o dever jurídico de atribuir-lhe capacidade eleitoral passiva. O quadro abaixo ilustra exatamente a relação implicacional (ilustrado pela seta) entre a hipótese-antecedente e a tese-consequente da regra matriz de elegibilidade:
17 Trata-se do que Fávila Ribeiro denomina de “Princípio da dependência da elegibilidade à condição de eleitor”,
aduzindo de forma escorreita que “Somente possui elegibilidade quem dispuser da dimensão ativa do direito de cidadania, vale dizer, for alistado eleitor. Não é bastante ser alistável, mas que já esteja incorporado ao corpo eleitoral, com inscrição eleitoral perfeita e acabada. Desaparecendo, embora temporariamente, a condição de eleitor, esvanece-se também a elegibilidade, por estar esta umbilicalmente vinculada à primeira” (1986, p. 193).
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CRITÉRIO PESSOAL = Sujeito de direito (cidadão-eleitor) – Art. 14, §3º, I, II e III, CF/88 CRITÉRIO MATERIAL: · Aspecto Etário (idade mínima) – Art. 14, §3º, VI, CF/88 · Aspecto de Instrução (escolaridade mínima) – Art. 14, §4º, CF/88 · Aspecto Partidário (representatividade mínima) – Art. 14, §3º, V, CF/88 c/c Lei 9.504/97; · Aspecto Ético (moralidade mínima) – Art. 14, §§ 5º, 6º, 7º e 9º c/c LC 64/1990 CRITÉRIO ESPACIAL = Circunscrição determinada – Art. 14, §3º, VI, CF/88 CRITÉRIO TEMPORAL = Momento da formalização do pedido de registro de candidatura – Art. 11, §10, Lei 9.504/97 |
CRITÉRIO PESSOAL: · Sujeito Ativo (cidadão-candidato) – Art. 14, §3º, I, II e III, CF/88 · Sujeito Passivo (Estado-Juiz) – Art. 23 do Pacto de São José da Costa Rica c/c Art. 5º, §3º, CF/88
CRITÉRIO PRESTACIONAL = Direito subjetivo de concorrer a um cargo específico numa determinada eleição – Arts. 1º, p. único, 5º, §3º e 14, §3º, CF/88 c/c Art. 23 do Pacto de São José da Costa Rica |
A forma implicacional da norma jurídica consiste precisamente em estabelecer um liame entre uma dada situação de fato hipotética, prevista no suposto da norma, e a disposição ou consequência, ou seja, a relação jurídica que tal acontecimento, transformado em fato jurídico, deve desencadear no plano da realidade social; ocorrido no mundo fenomênico o evento descrito na hipótese normativa, emerge daí o fato jurídico que impõe o nascimento, a modificação ou a extinção de uma dada relação jurídica entre dois ou mais sujeitos. Ou ainda, na dicção do próprio COSTA: “Dos fatos jurídicos dimanam efeitos, entre eles a constituição da relação jurídica entre dois sujeitos de direito” (2016, p. 43).
Dentro desta nossa proposta teórica, portanto, as condições de elegibilidade se confundem com os critérios (e aspectos) do antecedente normativo da regra matriz de elegibilidade, quais sejam: qualidade de eleitor (critério pessoal), idade mínima (aspecto etário), escolaridade mínima (aspecto de instrução), representatividade mínima (aspecto partidário) e moralidade mínima (aspecto ético) numa determinada circunscrição eleitoral (critério espacial) no momento da formalização do requerimento de candidatura (critério temporal).
Dessarte, a regra matriz de elegibilidade é a norma jurídica destinada a atribuir capacidade eleitoral passiva ao eleitor, encerrando, afinal, o seguinte juízo hipotético- condicional: Se ocorrer de o sujeito de direitos ser eleitor (critério pessoal), possuir idade mínima (aspecto etário), escolaridade mínima (aspecto de instrução), representatividade mínima (aspecto partidário) e grau mínimo de moralidade (aspecto ético) numa determinada
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circunscrição eleitoral (critério espacial) no momento do registro de candidatura (critério temporal), deve ser a instauração de uma relação jurídica entre o cidadão-candidato em face do Estado, por meio da qual aquele (sujeito ativo) adquire o direito de ser votado em relação a um cargo eletivo específico num determinado pleito eleitoral (critério prestacional) e este (sujeito passivo) tem o dever de conferir-lhe a pleiteada capacidade eleitoral passiva (Cf. SALUM, 2020, p. 131-132).
Se o sujeito de direito preenche todos os critérios previstos no antecedente da norma, ele adquire o direito subjetivo de candidatura (a elegibilidade). Na ausência de quaisquer destes critérios, não haverá de ser instaurada a relação jurídica prevista no consequente, permanecendo, assim, inelegível o nacional. Neste sentido, não há qualquer identificação das diversas facti species previstas na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 64/1990, comumente chamadas de “inelegibilidades”, com requisitos negativos. Elas, na realidade, constituem situações jurídicas conformadoras do aspecto ético (requisito positivo) da regra matriz de elegibilidade, visto que o constituinte erigiu a moralidade mínima como condição para fins de aquisição do direito de candidatura.
- Inelegibilidade é requisito negativo ou obstáculo-sanção?
Temos aqui insistido que não há distinção ontológica entre elegibilidade e inelegibilidade, sendo uma o avesso da outra, conforme, aliás, sugere a própria morfologia das palavras em vernáculo.
Ao utilizar o adjetivo “inelegíveis” para qualificar a situação dos inalistáveis e dos analfabetos, bem como dos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, dos chefes do Poder Executivo ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito (art. 14, §§4º e 7º), ninguém há de afirmar que a referida inelegibilidade constitui sanção imposta a tais pessoas pelo constituinte. Qual a razão, portanto, para que a locução “outros casos de inelegibilidade” contida no §9º do artigo 14 seja interpretada por grande parte da doutrina nacional como tendo sido a outorga ao legislador complementar para impor “sanção” de inelegibilidade aos cidadãos? E mais: Teriam estes “outros casos de inelegibilidade” natureza jurídica distinta daquelas já enunciadas pela própria Carta Magna nas situações de inelegibilidade anteriores? O constituinte, afinal, teria outorgado ao legislador complementar um jus puniendi pela via da inelegibilidade ope legis que ele mesmo não atribuíra a si próprio?
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A temática despertou, e continua a fomentar, debates acalorados entre os juristas, sobretudo por ocasião do julgamento de constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, em que o STF decidiu pela inaplicabilidade de preceitos constitucionais fundamentais do Direito Penal ao tema das inelegibilidades, a exemplo dos princípios da irretroatividade penal e da presunção de inocência (BRASIL, 2012). A Suprema Corte, inclusive, há muito já houvera decidido que “inelegibilidade não é pena”, afastando, por ocasião do advento da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a aplicação do princípio da irretroatividade penal ao regime das inelegibilidades (BRASIL, 1996). Todavia, após contextualizar esta questão no âmbito das discussões acerca da constitucionalidade do projeto de lei que resultou na edição da LC nº 135/2010, Adriano Soares da Costa reiterou críticas ásperas à ideia de que a inelegibilidade não é sanção. E com suporte na teoria do fato jurídico, fez a seguinte afirmação categórica:
Como identificamos se um efeito jurídico tem natureza de sanção? Basta olhar para o fato jurídico que lhe dá origem. É sempre o fato jurídico que diz dos efeitos. Entre as normas e os efeitos jurídicos, há sempre a figura intercalar do fato jurídico. Se ele é ilícito, o seu efeito será sempre uma sanção (2016, p. 149).
Esta, afinal, é a pedra angular da teoria da inelegibilidade preconizada pelo eleitoralista alagoano, estando na base da distinção entre inelegibilidade inata e inelegibilidade cominada (simples e potenciada)18.
Sucede, entretanto, que há um equívoco fundamental na noção de inelegibilidade cominada que merece especial atenção. Ao aduzir que o modo bastante de identificar se um determinado efeito ou consequência jurídica ostenta a natureza de sanção é olhando para o fato jurídico que lhe dá origem (se o fato é ilícito, então o efeito é sanção), Adriano Soares da Costa indica, com acerto, que todo efeito sancionatório decorre de um fato jurídico ilícito, porém parece ignorar – e aqui reside ponto de suma importância – que nem todo efeito decorrente de um fato antijurídico constitui sanção ou pena apta a atrair a aplicabilidade do chamado regime jurídico penal.
18 Seguindo esta mesma noção classificatória, anota Walber de Moura Agra: “Conceitua-se como uma sanção, no caso das cominadas, porque há uma conduta típica, antijurídica, que provoca como resultado um cerceamento às prerrogativas do cidadão, atestando o desvalor do ordenamento àquela conduta realizada. Qual seria outra taxionomia enquadrável, já que ela advém de um ilícito eleitoral? Se ela representa um castigo oriundo de um ato reprovável praticado, há outra classificação? Se o fator teleológico é impedir a repetição dessas condutas, pode- se admitir sua natureza como simples restrição? Todos esses questionamentos levam apenas a uma conclusão: trata-se, embasada de claridade apodítica, de forma insofismável, de uma sanção” (2011, p. 49).
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O raciocínio aqui é simples, e não carece de maiores digressões. O Código Civil dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (art. 186). Um sujeito que imputa a outrem, falsamente, o cometimento de um determinado crime, pratica um ato ilícito que, simultaneamente, sujeita o infrator a uma consequência de natureza cível, notadamente com a obrigação de reparar o dano psíquico eventualmente causado à vítima (art. 927, CC), e outro efeito de natureza penal, dado que a conduta está tipificada como crime de calúnia no art. 138 do Código Penal. Um mesmo fato ilícito, dois efeitos ou consequências de naturezas distintas.
É certo que COSTA não desconhece esta realidade do fenômeno jurídico, eis que afirma: “As sanções são efeitos de fatos jurídicos ilícitos, pouco importa sejam eles de natureza criminal ou cível” (2016, p. 149). Todavia, conquanto possamos denominar de “sanção”19 a ambos os efeitos decorrentes da violação a um dever jurídico, somente a segunda providência, de natureza criminal, é capaz de atrair a aplicabilidade dos princípios constitucionais da irretroatividade penal, da presunção de inocência, dentre outros típicos do Direito Sancionador – postulados estes que esta doutrina pretendeu equivocadamente atrair para a disciplina das inelegibilidades.
Na realidade, as diversas hipóteses de inelegibilidade previstas tanto na Constituição Federal quanto na Lei Complementar nº 64/1990 nada mais são do que causas impeditivas de aquisição da elegibilidade, conforme definição assertiva de Roberta Maia GRESTA que, logo depois, formula o seguinte e correto raciocínio jurídico:
É relevante notar que referidas causas, embora repercutam na esfera eleitoral, podem se originar de diversas situações jurídicas. Isso porque, conforme explica Gonçalves (1992, p. 86), as situações jurídicas têm “número […] infinito, cabendo a cada ramo do direito determiná-las e definir seus efeitos”. Cada ramo do direito pode, validamente, apanhar situações jurídicas constituídas sob as regras de outros ramos e atribuir-lhes efeitos próprios. É o que ocorre, por exemplo, quando se estabelece como hipótese de inelegibilidade o vínculo de parentesco ou casamento com chefes do Executivo ou a condenação criminal. São hipóteses em que, constituídas as situações jurídicas sob as regras do Direito de Família e do Direito Processual Penal, foram elas objeto de incidência na legislação
19 “Antes de mais nada, ‘sanção’ é uma palavra que, como muitas já vistas, tem o problema semântico da ambigüidade. Não há um consenso doutrinário que aponte para uma única acepção do termo no discurso jurídico-científico, mas a idéia conceitual é que seja ela um castigo imposto em detrimento ao cumprimento de um dever jurídico, isto é, uma relação jurídica, imposta em decorrência de fato ilícito, dentro do modelo teórico que seguimos” (CARVALHO, 2010, p. 315).
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eleitoral, que gravou as posições jurídicas de parente, cônjuge e condenado como impeditivas da aquisição da elegibilidade. (2012, p. 19)
Portanto, em nossa proposta teórica, todas estas situações jurídicas impeditivas da aquisição da elegibilidade obstam o registro de candidatura porque, ao estar incurso em quaisquer delas, o nacional deixa de preencher uma específica condição de elegibilidade (requisito positivo) prevista na hipótese-antecedente da norma jurídica de Direito Eleitoral, qual seja: o aspecto ético do critério material da regra matriz de elegibilidade.
O aspecto ético da regra matriz de elegibilidade é composto tanto pela regra da irreelegibilidade (art. 14, §5º) e da inelegibilidade por parentesco (art. 14, §7º), quanto pelas situações de incompatibilidade constitucional (art. 14, §6º) e, por fim, pelos “outros casos de inelegibilidade” estabelecidos por meio de lei complementar (art. 14, §9º), na medida em que todas estas situações jurídicas possuem “um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado” (SILVA, 2004, p. 387). Além disso, ainda de acordo com José Afonso da Silva, “seu sentido ético correlaciona-se com a democracia, não podendo ser entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure” (2004, p. 387)20.
É induvidoso, portanto, o fundamento ético21 para o estabelecimento destas situações jurídicas como conformadoras da hipótese-antecedente da regra matriz de elegibilidade, razão da existência do aspecto ético no critério material da referida norma jurídico-eleitoral. Trata- se de um requisito positivo a ser preenchido pelo indivíduo, que deve ostentar, pois, a moralidade mínima exigida para fins de adequação ao regime jurídico da elegibilidade. Tal requisito se destina, enfim, a resguardar valores de elevada estatura constitucional, tais como
20 O aspecto ético da regra matriz de elegibilidade não é uma “condição de elegibilidade implícita”, como sói defender parte da doutrina eleitoralista (tese esta que fora encabeçada pelo ex-Min. Ayres Britto no julgamento do famoso “caso Eurico Miranda” – RO nº 1069/RJ), nem tampouco se confunde com a noção de “vida pregressa” como um princípio constitucional fundamental auto-aplicável, tal como alude outra parcela de juristas (Cf. PINTO, 2008, p. 87), ignorando o próprio conteúdo da Súmula nº 13 do TSE. Aqui, ao revés, defendemos a existência de uma moralidade mínima expressamente delimitada pela ética da legalidade, imune a quaisquer cargas de subjetividade moral, dado que são critérios estabelecidos pelo direito positivo, seja no bojo da própria Constituição ou pela via adequada da legislação complementar.
21 “O seu primeiro fundamento ético é a preservação do regime democrático e seu funcionamento pleno, garantindo a moralidade e a luta contra o abuso do poder político e econômico (FERREIRA, 1989, p. 313). O segundo fundamento se configura na defesa do princípio da isonomia, assegurando que os cidadãos tenham as mesmas oportunidades para disputar cargos públicos, sem que a ingerência do poder econômico e político sejam as linhas mestras para obtenção de mandatos representativos. O terceiro deflui do regime republicano, protegendo a oportunidade de todos ocuparem cargos públicos e impedindo a perpetuação de mandatários no poder” (AGRA, 2011, p. 35).
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a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, bem como a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
De acordo com esta nossa definição conceitual de inelegibilidade, cabe destacar, por fim, a única situação em que, a nosso juízo, a inelegibilidade pode ser identificada como sanção decorrente de ato ilícito. É que a prática de determinadas condutas ilícitas em momento posterior ao registro de candidatura (tais como abuso de poder, conduta vedada, captação ilícita de sufrágio, captação ou gasto ilícito de recursos etc.) constitui hipótese de perda superveniente dos requisitos conformadores do aspecto ético da regra matriz de elegibilidade, provocando, pela via jurisdicional adequada, a cassação (desconstituição) do registro anteriormente concedido pelo Juiz Eleitoral e, em alguns casos, a imposição de inelegibilidade pro futuro.
Apenas nestas circunstâncias estaremos diante do que se poderia denominar por “sanção de inelegibilidade” (art. 22, inciso XIV, da LC 64/1990), tratando-se, pois, de uma inelegibilidade jurisdicional imposta como efeito intrínseco da decisão judicial que impuser a condenação, seguindo, aqui, a proposta classificatória de GRESTA quando distingue inelegibilidades legais e jurisdicionais:
No primeiro grupo estão as que operam automaticamente por força da previsão legal, o que abrange tanto situações classificadas por Costa como inelegibilidades inatas – como a suspensão de direitos políticos decorrente da incapacidade civil (COSTA, 2009, p. 158) – quanto como inelegibilidades futuras extrínsecas à sentença, que é tomada “pela lei como fato produtivo de efeitos jurídicos, pela lei mesmo criados e não dependente da decisão contida na sentença” (COSTA, 2009, p. 77). O segundo corresponde às inelegibilidades, simples ou futuras, constituídas pela própria decisão judicial, que têm em comum serem “efeitos internos da sentença […], consequências do seu conteúdo decisório, como causa da vontade declarada na sentença” (COSTA, 2009, p. 77). Somente neste segundo caso está-se diante da aplicação de sanção por comportamento ilícito, a qual, por integrar o conteúdo da sentença, se sujeita ao trânsito em julgado (2012, p. 17).
Não se trata de “inelegibilidade” como situação jurídica conformadora do aspecto ético da nossa regra matriz de elegibilidade (visto que esta incide ope legis e deve ser aferida no momento da formalização do registro de candidatura), mas de uma sanção imposta pelo órgão jurisdicional (ope judicis) em razão da prática de atos ilícitos no decorrer do processo eleitoral, culminando, assim, na edição de uma norma jurídica individual e concreta
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(sentença) desconstitutiva daquele registro de candidatura e que, na hipótese do artigo 22, inciso XIV, da LC 64/1990, também tem o condão de impedir a obtenção do registro nas eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou a prática da conduta abusiva22.
Dessarte, em nossa proposta, somente admitimos a existência de conteúdo sancionatório nas inelegibilidades jurisdicionais.
CONCLUSÕES
Depois de indicar que a primeira aplicação do modelo constructivista teria ocorrido com a sua tese “Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência” apresentada em 1989 no concurso para titular da Faculdade de Direito da USP, o professor Paulo de Barros Carvalho celebra o fato de que “As premissas do constructivismo foram penetrando outros setores, de tal sorte que os estudiosos o veem como instrumento poderoso para estabilizar o discurso, adjudicando-lhe rigidez e objetividade” (CARVALHO, 2020, p. 9). Ainda de acordo com o jurista, “todos aqueles que lidam com a regra-matriz de incidência, em qualquer de seus aspectos, estarão certamente percorrendo eixos desse esquema metodológico” (CARVALHO, 2020, p. 9).
A pesquisa que ora realizamos por meio do presente trabalho percorre justamente alguns eixos do método constructivista para fins de estabelecer novas reflexões acerca dos institutos jurídicos da elegibilidade e da inelegibilidade no Direito Eleitoral brasileiro, indo além das noções teóricas levadas a cabo tanto pela chamada teoria clássica da (in)elegibilidade quanto pela teoria do fato jurídico. Com a exposição descritiva das principais ideias preconizadas pelos adeptos de uma e outra (tópicos 2 e 3), procuramos defender a necessidade de superação de alguns dos seus pressupostos, advertindo, de antemão, que ao adotarmos um sistema de referência diferente fatalmente chegaremos a conclusões distintas em relação a ambas as propostas conceituais (tópico 4.1).
22 Considerando que o legislador complementar erigiu a condenação por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, como uma situação jurídica obstativa da aquisição da elegibilidade para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes (art. 1º, I, “d”, LC 64/1990), é importante destacar que a sentença condenatória por abuso de poder nos termos do artigo 22, inciso XIV, da LC 64/1990 termina gerando, ao mesmo tempo, uma inelegibilidade legal e uma inelegibilidade jurisdicional futura. “Com isso, verifica-se a possibilidade da ocorrência de situações peculiares em matéria eleitoral, nas quais a inelegibilidade pode surgir como efeito intrínseco e extrínseco, simultaneamente, da decisão que impuser a condenação” (GRESTA, 2012, p. 26).
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Neste percurso expositivo, aderindo à bem fundamentada crítica de Adriano Soares da Costa, igualmente rechaçamos os chamados “três axiomas” (COSTA, 2016, p. 86) da teoria clássica, visto que, ao revés do que defende a doutrina tradicional, nem todo nacional é elegível, nem toda inelegibilidade é sanção, e “a inelegibilidade inata é a regra; a elegibilidade, a exceção” (COSTA, 2016, p. 92). Ademais, consideramos o acerto da teoria de COSTA quando identifica o registro de candidatura como o fato jurídico que faz nascer a elegibilidade, assim como quando estabelece uma relação de oposição entre elegibilidade e inelegibilidade (como verso e reverso uma da outra). Nada obstante, a proposta teórica do jurista alagoano não indica de forma precisa os contornos da norma jurídica destinada a conferir elegibilidade ao cidadão brasileiro. Por outro lado, COSTA permanece adstrito aos mesmos pressupostos teóricos da doutrina clássica quando defende a necessidade de o sujeito preencher certas “condições de elegibilidade” (requisitos positivos) e não incorrer em “causas de inelegibilidade” (requisitos negativos) para adquirir o direito de candidatura (a elegibilidade).
A partir do momento em que definimos elegibilidade como a capacidade eleitoral passiva ou o direito de ser votado (conceito doutrinário amplamente aceito no âmbito de ambas as teorias), defendemos que a definição do conceito de inelegibilidade deve ser construído pelo significado oposto, isto é, como incapacidade eleitoral passiva ou ausência do direito de ser votado. Este, a propósito, é o sentido adotado pelo próprio legislador constituinte para as díades “elegibilidade-inelegibilidade” e “elegível-inelegível”, seguindo uma lógica binária: “A” e “não-A” (conforme exposto no tópico 4.2).
Nesta linha de raciocínio, e em oposição a ambas as teorias expostas nos tópicos precedentes, advogamos a existência apenas das condições de elegibilidade, que se constituem dos requisitos previstos no ordenamento jurídico para que o cidadão possa adquirir o direito de ser votado (tópico 4.3). Vale dizer, pois, que a elegibilidade resulta da adequação do indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral (BRASIL, 2012), sendo que a inadequação ao referido regime importa em inelegibilidade (ou não elegibilidade).
Conforme nossa proposta teórica, portanto, as condições de elegibilidade se confundem com os critérios previstos na hipótese-antecedente da norma jurídica que denominamos de regra matriz de elegibilidade, quais sejam: 1ª) qualidade de eleitor (critério pessoal); 2ª) idade mínima (aspecto etário), escolaridade mínima (aspecto de instrução), representatividade mínima (aspecto partidário) e moralidade mínima (aspecto ético), todos aspectos do critério material da regra matriz; 3ª) numa determinada circunscrição eleitoral
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(critério espacial); e 4ª) no momento da formalização do requerimento de candidatura (critério temporal). Se o sujeito de direitos preenche todos os critérios previstos na hipótese normativa, ele adquire o direito subjetivo de candidatura; caso contrário, permanecerá inelegível.
Depois de demarcar os contornos da hipótese-antecedente e da tese-consequente da regra matriz de elegibilidade, rechaçamos a noções de inelegibilidade como “requisito negativo” ou “obstáculo-sanção” (tópico 4.4), formulando nossas considerações críticas a respeito da proposta classificatória de Adriano Soares Costa, em especial no que concerne à noção equívoca de inelegibilidade cominada. Aderimos, dessarte, ao entendimento de que as chamadas “inelegibilidades” na verdade são situações jurídicas impeditivas da aquisição da elegibilidade (GRESTA, 2012), visto que obstam o cidadão de preencher uma determinada condição de elegibilidade (requisito positivo) prevista na hipótese-antecedente da norma jurídica, e que em nossa proposta classificatória diz acerca do aspecto ético do critério material da regra matriz de elegibilidade.
Por fim, aderindo à proposta classificatória que divide as inelegibilidades em legais e jurisdicionais (GRESTA, 2012), defendemos que somente a inelegibilidade ope judicis possui conteúdo sancionatório, decorrente do efeito intrínseco da decisão judicial que condena o candidato pela prática de atos ilícitos em momento posterior ao registro de candidatura (tais como abuso de poder, conduta vedada, captação ilícita de sufrágio, captação ou gasto ilícito de recursos etc.), implicando na desconstituição do registro e, na hipótese de aplicação do art. 22, inciso XIV, da LC 64/1990, também na obstrução da eventual candidatura em eleições futuras.
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A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA FEDERAÇÃO DE PARTIDOS –
UMA ANÁLISE DA LEI 14.208/2021 E DA DECISÃO CAUTELAR NA ADI 7.021 E SEUS REFLEXOS NAS ELEIÇÕES GERAIS DE 2022
RESUMO:
O artigo apresenta histórico das alterações legais no sistema político e eleitoral Brasileiro. Identifica-se a aprovação de várias leis, com intensa modificação da estrutura normativa nas duas últimas legislaturas do Congresso Nacional. O surgimento da Federação de Partidos é fruto das alterações e experiências das reformas estruturantes que vedaram as coligações e instituíram metas de desempenho eleitoral em 2017. Analisa os fundamentos políticos para a criação das Federações de Partidos, tendo como objetivo principal a redução da fragmentação partidária, prejudicial à estabilidade política e a governabilidade. O estudo sobre a ADI 7.021, cuja decisão do pleno do STF, não vislumbrou inconstitucionalidade, por ampla maioria, referendando a medida cautelar, mas que aprovou por apertada margem ajuste no prazo para o registro das Federações no TSE para as eleições de 2022, demonstra que o tema ainda poderá retornar a pauta judicial. Por fim, breves considerações sobre a experiência referência da Frente Amplio no Uruguai. O tema requer aprofundamento em seus estudos e avaliação da experiência nas próximas eleições.
PALAVRAS-CHAVES: FEDERAÇÃO DE PARTIDOS, COLIGAÇÕES, ELEIÇÕES.
ABSTRACT:
The article presents a history of legal changes in the Brazilian political and electoral system. The approval of several laws is identified, with intense modification of the normative structure in the last two legislatures of the National Congress. The emergence of the Federation of Parties is the result of changes and experiences of structural reforms that closed coalitions and instituted electoral performance goals in 2017. It analyzes the political foundations for the creation of Federations of Parties, with the main objective of reducing party fragmentation, detrimental to political stability and governance. The study on ADI 7,021, whose decision by the full STF, did not see unconstitutionality, by a large majority, endorsing the precautionary measure, but which approved by a narrow margin an adjustment in the deadline for the registration of Federations in the TSE for the 2022 elections, demonstrates that the issue can still return to court. Finally, brief considerations on the reference experience of Frente Amplio in Uruguay. The topic requires further studies and evaluation of the experience in the upcoming elections.
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KEYWORDS: FEDERATION OF PARTIES, COALIATIONS, ELECTIONS
- INTRODUÇÃO
O presente artigo dedica-se ao estudo da implantação, através da lei 14.208, de 28 de setembro de 2021, das Federações de Partidos, inovação legislativa e que enfrentou discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.021, impetrada pelo Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.
É inegável que a introdução de uma nova organização político-partidária produzirá impactos jurídicos significativos, mas especialmente uma nova forma de relacionamento político nos espaços de poder. Uma proposta desta magnitude não surge por acaso, mas envolvida em um constante processo de mutação nas estruturas políticas e eleitorais, especialmente a partir dos anos 1990, com a consolidação da democracia após longo período de ditadura civil-militar.
O Poder Legislativo Brasileiro tem se dedicado a estudos visando a melhoria das normas eleitorais. É corriqueiro a criação de comissões ou grupos de estudos no início de cada legislatura para apresentar propostas em condições de serem levadas a voto em Plenário. No entanto, percebe-se uma intensa movimentação nas últimas duas legislaturas (2015-2018 e 2019-2022) com a apresentação e aprovação de leis que impactam profundamente na organização política e nas eleições.
Em pesquisa nas atividades legislativas da Câmara do(a)s Deputado(a)s apresentamos a seguir um resumo das alterações na Constituição Federal de 1988, no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), na Lei de Inelegibilidades (LC nº 64/1990), na Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) e na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997).
As alterações na Constituição Federal de 1988, apresentadas no quadro 1, demonstram que as Reformas Políticas, em alguns casos, coincidem com alterações nas regras da competição político-partidária promovidas por sucessivas decisões do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral e que receberam, desde de a década de 1990 maior atenção da grande mídia (ANDRADE NETO, 2010).
São os casos das Emendas Constitucionais nº 52/2006 que retirou a obrigatoriedade de vinculação de candidaturas em âmbito nacional, estadual e municipal, a chamada “verticalização” que determinava a proibição de partidos que estivessem coligados na eleição Presidencial concorressem em coligações com outros (adversários na eleição nacional) nos
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Estados e no Distrito Federal, e a nº 58/2009, que normatizou o número de vereadores em cada município, proporcional a população.
Até 2017 a maior alteração na estrutura política havia ocorrido através da Emenda Constituição nº 16/1997, que introduziu a possibilidade de uma reeleição para os cargos do Poder Executivo (Presidente(a) da República, Governadore(a)s e Prefeito(a)s).
Na legislatura 2015-2018, através da Emenda Constitucional nº 97/2017 o Congresso Nacional realizou uma Reforma Política com maior abrangência, introduzindo cláusula de desempenho aos partidos políticos, com aplicação escalonada até as eleições de 2030 e o fim da possibilidade das coligações nas eleições proporcionais, cuja regra entrou em vigor somente nas eleições de 2020, não sendo aplicada no pleito de 2018.
Importante destacar que a implantação da Federação de Partidos em 2022 não permitirá que o país experimente em uma eleição geral para eleição à Câmara do(a)s Deputado(a)s, Assembleias Legislativas e Distrital com um sistema eleitoral de candidaturas somente por partidos, impedindo melhor avaliação do impacto do fim das coligações nas eleições proporcionais.
Por fim, na legislatura que iniciou em 2019 o intenso debate sobre reformas nas normas políticas e eleitorais resultaram, mais uma vez, na discussão da implantação do voto distrital, sem sucesso, mas com a aprovação da Emenda Constitucional 111/2021, que previa, entre outras propostas, o retorno das coligações nas eleições proporcionais, rejeitada pelo Senado Federal. A medida com maior importância implantada pela EC 111/2021, sem sombra de dúvidas, é a contagem em dobro dos votos em mulheres e negros/negras como forma de incentivo a ampliação da participação nas eleições.
Quadro 1. Alterações da Constituição de 1988 – Reforma Política
Ano | EC | Data | Mudanças | |
1 |
1993 |
ECR 04 | 07 de junho | Atualiza a redação do Art. 14 – Inelegibilidade |
2 | 4 | 14 de setembro | Introduz o Princípio da anualidade/anterioridade (Art. 16) | |
3 | 1997 | 16 | 04 de junho | Introduz a reeleição para cargos do Poder Executivo |
4 | 2006 | 52 | 08 de março | Altera o art. 17, § 1º sobre a organização partidária (coligações, verticalização, fidelidade, etc) |
5 | 2009 | 58 | 23 de setembro | Altera o número de Vereadore/as |
6 | 2017 | 97 | 04 de outubro | Veda coligações a partir das eleições de 2020. Cria cláusula de desempenho com critérios progressivos até 2030. |
7 | 2021 | 111 | 28 de setembro | Disciplina a realização de consultas populares; dispõe sobre fidelidade partidária, altera a data de posse de Governadores e do |
78 |
Fonte: Congresso Nacional
Presidente da República; estabelece regras transitórias para distribuição entre os partidos políticos dos recursos do FP e FEFC.
Em relação a Lei Complementar 64/1990, que estabelece condições de (in)elegibilidades, o quadro 2 apresenta as alterações ocorridas desde sua promulgação. Merece destaque, pelo impacto nas regras da arena eleitoral a alteração realizada através da Lei Complementar 135/2010, popularizada como a “Lei da Ficha Limpa”, aumentando o período de inelegibilidade mas, sobretudo, determinando que o início de seus efeitos seja considerado a partir da confirmação de condenações por colegiados (segunda instância).
Em que pese os objetivos “moralistas” da LC 135/2010, seu texto ainda exige profunda revisão, pois não contempla institutos consagrados no direito, como a detração do período em que o cidadão permanece inelegível até o trânsito em julgado1, e a proporcionalidade entre os tipos legais considerados para o tempo exigível de inelegibilidade, padronizando diversas condutas sem considerar sua gravidade ou ameaça aos bens jurídicos tutelados.
No entanto, a legislatura iniciada em 2019 não tratou destas deficiências, apenas se limitando a aprovar a Lei Complementar 184 para excluir da possibilidade de inelegibilidade gestores públicos que tenham suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e com condenação exclusiva ao pagamento de multa.
Quadro 2. Alterações na Lei Complementar 64/1990 – Lei das Inelegibilidades
Ano | LCP | Data | Mudanças | |
1 | 1994 | 81 | 13 de abril | Aumento o período de inelegibilidade para autoridades que tem mandato cassado |
2 | 2010 | 135 | 04 de junho | Lei da Ficha Limpa |
3 |
2021 |
184 |
29 de setembro |
Exclui da incidência de inelegibilidade responsáveis que tenham tido contas julgadas irregulares sem imputação de débito e com condenação exclusiva ao pagamento de multa. |
Fonte: Congresso Nacional
A pesquisa sobre as alterações no Código Eleitoral, apresentadas no quadro 3, demonstra grande estabilidade até a legislatura anterior à de 2015-2018. De fato, a partir de 2015 as
1O instituto da detração, utilizado no cumprimento de penas na esfera criminal, permite que o tempo em que o réu esteve preso, antes do trânsito em julgado da ação penal, seja “descontado” do tempo total determinado na sentença condenatória. No caso da Inelegibilidade da LC 135/2010 não há esta previsão, podendo o cidadão permanecer inelegível pelo tempo em que tiver decisão colegiada e ainda por mais 8 (oito) anos após o cumprimento da pena determinada na sentença condenatória, afrontando o princípio do “ne bis in idem”, a chamada dupla punição pelo mesmo fato.
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alterações produzem impactos na forma em que os partidos devem se organizar para a disputa eleitoral.
A primeira modificação foi a introdução da cláusula de desempenho individual, através da Lei 13.165/2015, cujo objetivo é evitar que candidato(a)s que recebem grande votação, os chamados “puxadores de votos”, permita a eleição de outro(a)s com votação insignificante2. Em 2017 nova alteração, associada ao fim das coligações proporcionais, busca flexibilizar o acesso a disputa das “sobras” de cadeiras, com a possibilidade de participação dos partidos que não tenham atingido o quociente eleitoral. Esta regra aplicada nas eleições de 2018 e 2020 já sofre alteração pela Lei 14.211 de 2021.
A legislatura iniciada em 2018 produziu cinco alterações no Código Eleitoral, demonstrando a intensa discussão sobre as regras para a disputa política. Destaca-se, ainda, que vários projetos tramitam no Congresso Nacional, alguns já aprovados em uma casa legislativa e que tratam de assuntos semelhantes, como a proposta do Novo Código Eleitoral, rebatizado de “sistematização das normas eleitorais”, já aprovada pela Câmara do(a)s Deputado(a)s e que encontra-se em análise pelo Senado Federal, contudo, sem previsão de aprovação para as eleições gerais de 2022.
Dentre as alterações destaca-se o tema das Fake News que tornou-se extremamente relevante após as eleições de 2018, violência política de gênero e a inovação legislativa da criação das Federações de Partidos, que será objeto em capítulo específico.
Quadro 3. Alterações na Lei 4.737, de 04 de julho de 1965 – Código Eleitoral
1 |
Ano | Lei | Data | Mudanças |
2013 | 12.891 | 11 de dezembro | Trata sobre o Recurso contra Expedição de Diploma | |
2 | 2015 | 13.165 | 29 de setembro | Institui cláusula de desempenho individual para o(a)s candidato(a)s (10% do quociente eleitoral) |
3 | 2017 | 13.488 | 06 de outubro | Altera regras da distribuição das sobras. |
4 |
2019 |
13.877 | 27 de setembro | Trata da “inelegibilidade superveniente” |
5 | 13.834 | 04 de junho | Inclui dispositivo para criminalizar a divulgação de Fake News | |
6 |
2021 |
14.192 |
04 de agosto |
Proíbe propaganda que deprecie mulheres em razão do sexo ou em relação a sua cor, raça ou etnia. Torna crime FAKE NEWS na campanha eleitoral. |
7 | 14.208 | 28 de setembro | Institui as Federações de Partidos |
2São famosos os casos da votação do Deputado Federal por São Paulo Enéas Carneiro, do “palhaço” Tiririca, do apresentador Celso Russomano cujas votações expressivas elegeram vários candidatos com poucos votos. A regra aplicada nas eleições de 2018 impediu que 8 candidato(a)s fossem eleitos na “carona” da grande votação recebida por Eduardo Bolsonaro para Deputado Federal pelo Estado de São Paulo.
80 |
8 |
|
14.211 | 01 de outubro | Altera o critério para distribuição das sobras; reduz o número de candidaturas que cada partido poderá apresentar |
Fonte: Congresso Nacional
A pesquisa em relação as alterações na Lei nº 9.096/1995, apresentada no quadro 4, demonstra intensa mudança na sua redação, resultante de dezesseis leis promulgadas desde sua implantação. Merecem registro as alterações nas regras que tratam de filiação partidária, na esteira das decisões do Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal sobre a fidelidade partidária e a perda do mandado para o parlamentar que troca de partido durante a legislatura, com destaque para a Lei 13.165/2015, que instituiu a “janela partidária” para que seja possível a migração para outro partido sem a perda do mandato eletivo.
Na legislatura 2015-2018 foram quatro alterações legislativas. Desde 2019 outras quatro leis foram aprovadas, com destaque novamente para regras de distribuição de recursos dos Fundos Partidário, incentivo à participação de mulheres na política e a já destacada inovação legislativa da criação da Federação de Partidos.
Quadro 4. Alterações na Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 Lei dos Partidos Políticos
Ano | Lei | Data | Mudanças | |
1 | 1996 | 9.259 | 09 de janeiro | Altera regras para registros de alterações partidárias |
2 | 1997 | 9.504 | 30 de setembro | Ajusta normas à Lei das Eleições |
3 | 1998 | 9.693 | 27 de julho | Impede punição do órgão de direção Nacional por infração de órgãos de direção Estadual ou Municipal |
4 | 2007 | 11.459 | 21 de março | Altera regras para distribuição do Fundo Partidário |
5 | 2008 | 11.694 | 12 de junho | Inclui regra sobre responsabilidade civil |
6 | 2009 | 12.034 | 29 de setembro | Altera regras sobre responsabilidade e torna a PC ação judicial |
7 | 2013 | 12.875 | 30 de outubro | Desconsidera mudanças de filiação partidária para distribuição do Fundo Partidário. |
8 | 12.891 | 11 de dezembro | Trata sobre duplicidade de filiações | |
9 |
2015 |
13.107 | 24 de março | Altera regras sobre fusões de partidos |
10 | 13.165 | 29 de setembro | Institui a janela partidária para troca de partidos | |
11 |
2017 |
13.487 | 06 de outubro | Extingue a propaganda semestral dos partidos no Rádio e TV |
12 | 13.488 | 06 de outubro | Permite contribuições de Cargos em Comissão, desde que filiados | |
13 |
2019 |
13.831 | 17 de maio | Concede anistia à devolução de valores recebidos irregularmente |
14 | 13.877 | 27 de setembro | Define que 5% do valor recebido do FP deve ser gasto em promoção à participação política de mulheres |
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15 |
2021 |
14.192 | 04 de agosto | Nos estatutos partidários deve haver normas sobre a prevenção, repressão e combate à violência política contra as mulheres |
16 | 14.208 | 28 de setembro | Institui as Federações de Partidos |
Fonte: Congresso Nacional
Por fim, o quadro 5 apresenta as mudanças na Lei 9.504/1997, com quinze alterações desde sua promulgação. Destaca-se que a lei das eleições pretendia dar “estabilidade” às regras para a disputa eleitoral, ou seja, que o(a)s candidato(a)s e partidos tenham prévio conhecimento sobre como se apresentar na busca do voto do(a)s eleitore(a)s. No entanto, a pesquisa demonstra intensa produção legislativa a partir de 2013, com um discurso para o “barateamento” das campanhas eleitorais. Na legislatura 2015-2018 duas alterações produzem impactos significativos na disputa eleitoral.
A primeira foi a criação do Fundo Especial de Financiamento Eleitoral, novamente impulsionada por decisão do Supremo Tribunal Eleitoral que declarou inconstitucional a contribuição financeira de Pessoas Jurídicas para as campanhas eleitorais3. A experiência das eleições municipais de 2016 demonstrou o impacto da decisão do STF na falta de recursos para suportar os gastos eleitorais, levando o Congresso a aprovação da Lei 13.487/2017, permitindo, a partir de 2018, o aporte de recursos públicos nas campanhas eleitorais.
A segunda alteração, introduzida pela Lei 13.488/2017 modificou profundamente a campanha eleitoral na internet, atualizando a legislação ao novo cenário digital, permitindo o impulsionamento de propagandas publicadas nas redes sociais e sites de busca. Tal medida impactou significativamente a forma de fazer campanha eleitoral nas eleições de 2018, com os efeitos perversos das Fake News.
Já a legislatura iniciada em 2018 mantém o intenso debate sobre as regras eleitorais, produzindo cinco leis que impactam na organização partidária e na forma de movimentação política de partidos e candidato(a)s. Novamente preocupações com gastos e financiamento de campanhas e a maior inovação legislativa, a criação das Federações de Partidos.
Quadro 5. Alterações na Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 – Lei das Eleições
Ano | Lei | Data | Mudanças | |
1 | 1999 | 9.840 | 28 de setembro | Introduz o art. 41-A (captação de sufrágio) |
2 | 2002 | 10.408 | 10 de janeiro | 1º inclusão do voto impresso e da votação paralela |
3 | 2003 | 10.740 | 01 de outubro | Revoga o voto impresso |
3ADI 4.650
82 |
4 | 2006 | 11.300 | 10 de maio | Inclui o art. 30-A (Abuso do Poder Econômico). Proíbe outdoors e Showmício |
5 | 2009 | 12.034 | 29 de setembro | Altera regra para preenchimento de vagas por gênero e introduz regras para a propaganda pela internet (Art. 57-A) |
6 | 2013 | 12.891 | 11 de dezembro | Trata de propaganda antecipada (Art. 36-A) e redução de custos |
7 | 2014 | 12.976 | 19 de maio | Altera ordem dos cargos nos painéis na Urna Eletrônica |
8 | 2015 | 13.165 | 29 de setembro | Redução do tempo de propaganda (15 de agosto) de rua e na TV/Rádio. Retorno do VOTO IMPRESSO que valeria para 2018 |
9 |
2017 |
13.487 | 06 de outubro | Cria o Fundo Especial de Financiamento de Campanha |
10 | 13.488 | 06 de outubro | Reduz prazo para filiação e troca de domicílio. Introduz o IMPULSIONAMENTO em publicações na internet. | |
11 |
2019 |
13.877 | 27 de setembro | Permite gastos advocatícios e contábeis acima dos limites |
12 | 13.878 | 03 de outubro | Limita a contribuição de candidatos à 10% do limite geral | |
13 |
2021 |
14.192 | 04 de agosto | Garante a paridade de gênero em debates proporcionais |
14 | 14.208 | 28 de setembro | Institui as Federações de Partidos | |
15 |
14.211 |
01 de outubro |
Altera regra para distribuição das sobras e quantidade de candidaturas por partido. |
Fonte: Congresso Nacional
Nos debates das reformas políticas ou eleitorais, sempre estiveram presentes os temas do barateamento das campanhas eleitorais, como forma de coibir o abuso do poder econômico e a fragmentação partidária, identificada como um obstáculo à governabilidade. Para a primeira questão foram implantadas medidas como a redução do tempo de propaganda, tanto de rua quanto no rádio e TV, proibição do uso de outdoor e de showmícios.
A segunda alteração, cujo objetivo é reduzir a fragmentação partidária, além da vedação da construção de coligações nas eleições proporcionais, introduziu-se a cláusula de desempenho, também chamada “cláusula de barreira”, com a destinação dos recursos do Fundo Partidário e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV somente aos partidos que ultrapassarem o número mínimo de votos recebidos para a Câmara do(a)s Deputado(a)s.
Se pela política tradicional o problema é de difícil solução, especialmente nas situações em que partidos se tornam legendas de “aluguel” para candidatos avulsos e ainda nas negociações envolvendo preciosos segundos no horário eleitoral, a alternativa encontrada foi o “sufocamento” financeiro, pois sem os recursos do Fundo Partidário para a manutenção das atividades ordinárias, torna-se extremamente limitada a prática político-partidária cotidiana, restringindo-se apenas a participação em eleições.
Revista do TRE-RS – n.51 | 83
Esta experiência já possui resultados passíveis de avaliação, cujos dados da eleição de 2018 são apresentados no quadro 6. Naquela eleição a cláusula de desempenho foi de 1,5% dos votos válidos em todo o país, distribuídos em, pelo menos, um terço dos estados. Se não atingisse este percentual ainda restaria cumprida a exigência se o partido tivesse elegido, pelo menos nove deputado(a)s, distribuídos em, pelo menos, um terço dos estados.
No quadro 6 é possível verificar que apenas 21 dos 35 partidos ultrapassaram a quantidade de votos suficiente para atingir a cláusula de desempenho. 14 partidos não alcançaram o patamar exigido de 1,5% dos votos válidos 4 . Realizando um exercício de previsibilidade, aplicando-se os dados de 2018 para as eleições de 2022, apenas 16 teriam ultrapassado a barreira dos 2% dos votos válidos5.
Quadro 6. Desempenho partidário na eleição de 2018 – Votos para a Câmara do(a)s Deputado(a)s
Partido | Votos | % votos | Eleitos | |
1 | PSL | 11.457.879 | 11,65% | 52 |
2 | PT | 10.126.611 | 10,30% | 56 |
3 | PSDB | 5.905.541 | 6,01% | 29 |
4 | PSD | 5.749.010 | 5,85% | 34 |
5 | PP | 5.480.090 | 5,57% | 37 |
6 | MDB | 5.439.167 | 5,53% | 34 |
7 | PSB | 5.386.400 | 5,48% | 32 |
8 | PL (Ex PR) | 5.224.591 | 5,31% | 33 |
9 | REPUBLICANOS (Ex PRB) | 4.992.017 | 5,08% | 30 |
10 | DEM | 4.581.164 | 4,66% | 29 |
11 | PDT | 4.545.847 | 4,62% | 28 |
12 | PSOL | 2.783.669 | 2,83% | 10 |
13 | NOVO | 2.748.079 | 2,79% | 8 |
14 | PODEMOS | 2.243.320 | 2,28% | 11 |
15 | PROS | 2.044.434 | 2,08% | 8 |
16 | PTB | 2.022.719 | 2,06% | 10 |
17 | SOLIDARIEDADE | 1.953.070 | 1,99% | 13 |
18 | AVANTE | 1.844.104 | 1,88% | 7 |
4Após o resultado das eleições de 2018, para atingir a cláusula de desempenho ocorreram três fusões de partidos: o PC do B incorporou o PPL; o PATRIOTA incorporou o PRP; e o PODEMOS, mesmo tendo atingido a cláusula de desempenho, incorporou o PHS.
5Em que pese o desempenho do PSL tenha sido impulsionado pela vinculação ao partido do candidato vitorioso na eleição Presidencial, isto não deve se repetir em 2022.
84 |
19 | PSC | 1.765.226 | 1,79% | 8 |
20 | PV | 1.592.173 | 1,62% | 4 |
21 | CIDADANIA (Ex PPS) | 1.590.084 | 1,62% | 8 |
22 | PATRI | 1.432.304 | 1,46% | 5 |
23 | PHS | 1.426.444 | 1,45% | 6 |
24 | PC do B | 1.329.575 | 1,35% | 9 |
25 | PRP | 852.757 | 0,87% | 4 |
26 | REDE | 816.784 | 0,83% | 1 |
27 | PRTB | 684.976 | 0,70% | 0 |
28 | PMN | 634.276 | 0,64% | 3 |
29 | PTC | 601.814 | 0,61% | 2 |
30 | PPL | 385.197 | 0,39% | 1 |
31 | DC | 369.386 | 0,38% | 1 |
32 | PMB | 228.302 | 0,23% | 0 |
33 | PCB | 61.343 | 0,06% | 0 |
34 | PSTU | 41.034 | 0,04% | 0 |
35 | PCO | 2.785 | 0,003% | 0 |
TOTAL DE VOTOS VÁLIDOS | 98.342.172 | 513 |
Fonte: TSE
Haja vista as mudanças naturais na conjuntura política eleitorais, as informações de 2018 apontam quais os partidos teriam maior dificuldade no cumprimento da cláusula de desempenho em 2022, quando serão exigidos, o mínimo 2% dos votos válidos ou a eleição de onze deputado(a)s federais, distribuídos em, pelo menos, um terço dos estados.
Portando, a inovação legislativa, com a criação da Federação de Partidos é resultado de um conjunto de alterações nas normas de organização partidária e eleitoral implantadas principalmente a partir do final dos anos 1990, bem como da avaliação de parte da experiência implementada pela EC 97/2017, a vedação das coligações nas eleições proporcionais e a instituição da cláusula de desempenho.
Com esta necessária contextualização histórica, passa-se a análise dos elementos específicos relacionados a Lei nº 14.208/2021 que criou a Federação dos Partidos. Este artigo está estruturado para uma apresentação mais didática em 4 capítulos, além desta introdução e das considerações finais. O capítulo 2 apresenta os fundamentos para criação da Federação de Partidos, durante sua tramitação legislativa. O capítulo 3, analisa os elementos da ADI 7.021, com os argumentos do PTB para o pedido, a decisão liminar e o seu referendo pelo Plenário do
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STF em sessão de 09 de fevereiro de 2022. O capítulo 4 analisa a experiência da Frente Ampla no Uruguai, referência política para a construção da proposta legislativa brasileira.
- – OS FUNDAMENTOS DA LEI 14.208, DE 28 DE SETEMBRO DE 2021
A proposta de criação de Federações de Partidos surge no âmbito da Comissão Temporária de Reforma Política no Senado Federal. Protocolada em 13 de julho de 2015 passa a tramitar como PLS 477/20156. Destaca-se que a proposta é apresentada ainda na vigência da norma constitucional que permitia a coligação em eleições proporcionais, vedada somente pela EC 97/2017, bem como na existência da propaganda partidária semestral no rádio e TV, extinta pela Lei 13.487/2017.
O PLS 477/2015 não possui parecer de admissibilidade sendo apresentado apenas o relatório parcial nº 11 aprovado na 6ª reunião da Comissão da Reforma Política do Senado Federal do dia 13 de julho de 2015, cujo conteúdo de uma lauda, com destaque para a busca em diferenciar a proposta de criação das Federações de Partidos das coligações eleitorais:
Diferentemente das coligações, cuja constituição se encerra no momento da proclamação dos eleitos, as federações de partidos mantêm compromisso com o exercício do poder político compartilhado no Parlamento, por parte dos partidos que a integram. Federações de partidos precisam mostrar identidade programática, registro na Justiça Eleitoral e, na forma proposta, vínculo de ao menos quatro anos. (Relatório Parcial nº 11/2015, Senador Romero Jucá – PMDB-RR, grifo nosso)
No dia seguinte a sua apresentação, é aprovado requerimento para inclusão na ordem do dia. O PLS 477/2015 é aprovado na sessão do Senado de 16 de julho de 2015 e remetido para análise da Câmara do(a)s Deputado(a)s onde passa a tramitar como o 2.522/20157.
Caso típico da tramitação de proposições legislativas, o PL 2.522/2015 permaneceu na Comissão de Constituição e Justiça e da Cidadania da Câmara do(a)s Deputado(a)s por longo período retornando a pauta somente em 09 de junho de 2021 com a aprovação do requerimento de urgência urgentíssima apresentado pelo Deputado Renildo Calheiros (PC do B-PE) para que a matéria fosse levada à votação pelo Plenário.
Não é surpresa a permanência de projetos de lei por largo tempo aguardando as condições políticas para sua deliberação, quer nas comissões ou mesmo pelo plenário. Destaca-
6 Todas as informações sobre o PLS 477/2015 podem ser obtida na página do Senado Federal: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/122304
7Todas as informações sobre a tramitação do PL 2.522/2015 podem ser obtidas na página da Câmara do(a)s Deputado(a)s: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1594917
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se que a retomada da tramitação do PL 2.522/2015 na Câmara coincide com a votação da PEC 125/2011, que, entre outras propostas, previa a retomada das coligações nas eleições proporcionais e até mesmo a implantação do sistema eleitoral “distritão”. Ao final da votação da PEC 125/2011 foi rejeitada a implantação do distritão e mantida o retorno das coligações proporcionais, que viria a ser retirada pelo Senado Federal. Ambas proposições foram analisadas na mesma sessão da Câmara do(a)s Deputado(a)s realizada no dia 12 de agosto de 2021, demonstrando o acordo político para a aprovação da federação de partidos8.
Portanto, o retorno à ordem do dia do PL 2.522/2015 fez parte de acordos políticos no contexto das discussões das propostas de reformas eleitorais no Congresso Nacional tendo sido aprovado com votação em turno único, recebendo 304 votos a favor, 119 contrários e 3 abstenções. O parecer apresentado em plenário pelo Deputado Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE), ratifica os fundamentos na buscas da redução da fragmentação partidária:
Nos últimos anos, foram aprovadas reformas na Constituição e nas legislações Eleitoral e partidária com o intuito de aprimorar e redução o conjunto de partidos políticos. A criação da federação proposta nas proposições em análise caminha na mesma direção. A federação é uma nova forma de organização intrapartidária, capaz de diminuir o número efetivo de partidos com atuação no cenário político nacional. (Relator: Deputado Sílvio Costa Filho – Republicanos-PE, grifo nosso)
A criação da Federação de Partidos encontra-se no centro do debate político que busca reduzir a fragmentação partidária, apontada como prejudicial à governabilidade:
Ao exigir um funcionamento unitário para todos os partidos que a compõem, essa nova forma de organização dialoga com o discurso e as preocupações de quem aponta os diversos problemas resultantes de um enorme quantitativo de partidos na política brasileira e institucionalidade dos Poderes Executivos e dos Legislativos. A federação dessa forma pode ser a antessala da fusão das diversas agremiações partidárias. (Relator: Deputado Sílvio Costa Filho – Republicanos-PE, grifo nosso)
Encaminhado à sanção Presidencial o projeto recebeu veto integral em 06 de setembro de 2021, baseado no interesse público, assim fundamentado9:
A despeito da boa intenção do legislador, em que pese as regras específicas que buscariam conferir mais estabilidade para a federação partidária, a referida proposição
8A íntegra da sessão deliberativa que apreciou a PEC 125/2011 e o PL 2.522/2015 pode ser acessada na página da Câmara do(a)s Deputado(a)s: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/62682
9 A mensagem integral e tramitação do veto podem ser obtidas na página do Congresso Nacional: https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/-/veto/detalhe/14605
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contraria o interesse público, visto que inauguraria um novo formato com características análogas à das coligações partidárias.
A vedação às coligações partidárias nas eleições proporcionais, introduzida pela Emenda Constitucional nº 97, de 4 de outubro de 2017, combinada com as regras de desempenho partidário para o acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão tiveram por objetivo o aprimoramento do sistema representativo, com a redução da fragmentação partidária e, por consequência, a diminuição da dificuldade do eleitor de se identificar com determinada agremiação. Assim, a possibilidade da federação partidária iria na contramão deste processo, o que contraria interesse público.
Merece destaque que a análise presidencial considera que a federação de partidos possui formato com características análogas à das coligações partidárias, sem contudo aprofundar o que seriam estas semelhanças, apenas ressaltando a busca da redução da fragmentação partidária já introduzidas pela EC 97/2017. Deliberado em sessão conjunta do Congresso Nacional em 27 de setembro de 2021, o veto foi derrubado com a seguinte votação: No Senado Federal, 25 votos pela manutenção do veto e 45 pela sua rejeição. Na Câmara do(a)s Deputado(a)s, 110 votos pela manutenção do veto e 353 pela sua rejeição.
Assim, no dia 28 de setembro de 2021 é promulgada a Lei nº 14.208, inserindo no ordenamento jurídico eleitoral o instituto das Federações de Partidos, resultante da união de dois ou mais partidos, atuando como se fosse uma única agremiação partidária, aplicando-se ao seu funcionamento todas as normas que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária, assegurando-se a preservação da identidade e autonomia dos partidos que a integram e que cumpram os seguintes requisitos10:
- – somente poderá ser integrada por partidos com registro definitivo no TSE;
- – os partidos reunidos em federação deverão permanecer a ela filiados por, no mínimo, 4 (quatro) anos;
- – a federação poderá ser constituída até a data final do período de realização das convenções partidárias;
- – a federação terá abrangência nacional e seu registro será encaminhado ao
Importante destacar que o descumprimento da permanência do partido na federação no período acarretará o impedimento em ingressar em outra federação e de celebrar coligações nas 2 (duas) eleições seguintes, bem como de utilizar o fundo partidário até o prazo remanescente. Havendo, pelo menos, dois partidos, a federação continuará em funcionamento.
10Art. 1º, § 3ª da Lei 14.208/2021.
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A redação final apresenta dispositivos que determinam a aplicação das normas que regem os partidos políticos tanto em suas atividades ordinárias quanto no que diz respeito às eleições, no entanto, duas questões importantes ficam sem melhor definição: a primeira diz respeito a apresentação da nominata do(a)s candidato(a)s nas eleições proporcionais cuja composição da lista ficará a cargo do estatuto da federação (art. 1º, § 7º); a segunda é relativa ao prazo para sua composição (Art. 2º, parágrafo único).
Quanto a primeira lacuna merece preocupação quanto a lista de candidaturas a ser apresentada em cada pleito, a forma de divulgação, se permanecerá consignado o partido ao qual é vinculado o(a) candidato(a) para melhor compreensão do(a) eleitor(a) na hora de sua escolha e voto. Ressalte-se que a Lei 14.211/2021 limitou a 100% mais um o número de candidaturas que cada partido poderá apresentar nas eleições proporcionais, o que acarretará maior dificuldade na definição da lista das Federações.
Quanto a segunda lacuna, faltou maior precisão em relação a formação da federação, definido que seria até a data final para a realização das convenções partidárias (inciso III, do art. 1º) e o parágrafo único do art. 2º veda de sua constituição após a realização das convenções partidárias. Em que pese possa ficar subentendido que a formação seria no período anterior a eleição geral, nada obsta na formação de uma federação em eleição municipal. Tampouco trata do ingresso de outros partidos passada a eleição.
- – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 02111
Em 04 de novembro de 2021 o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro12 ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, para que seja declarada inconstitucional a Lei 14.208/2021, pois violados frontalmente o § 1º, art. 17 e o art. 65 caput e § 1º da Constituição Federal de 1988. Para melhor compreensão transcreve-se os dois dispositivos citados na inicial que foram afrontados:
Art. 17. § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os
11 A tramitação da ADI 7.021 pode ser acompanhada no site do Supremo Tribunal Federal: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6293255
12Conforme pesquisa na Ata da sessão deliberativa da Câmara do(a)s Deputado(a)s de 12 de agosto de 2021, o PTB orientou o voto SIM, favorável ao PL 2.522/2015 que instituiu as federações de partidos. Do(a)s 10 deputado(a)s da bancada do partido, 8 votaram favoráveis, uma ausência e apenas 1 voto contrário. https://www.camara.leg.br/presenca-comissoes/votacao-portal?reuniao=62682&itemVotacao=9998
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critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)
Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.
Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.
Sustenta o PTB a inconstitucionalidade formal e material à Constituição. Quanto à violação formal, alega inadequação do devido processo legislativo bicameral, pois não houve a reapreciação do projeto de lei pelo Senado Federal, à luz da nova norma constitucional instituída pela EC 97/2017 que vedou a realização de coligações nas eleições proporcionais. Destaca que a aprovação do PLS 477/2015 no Senado Federal ocorreu ainda sob a vigência da norma constitucional que permitia a celebração de coligações nas eleições proporcionais.
Quanto a violação material, assevera o PTB que a federação seria uma espécie de coligação, proibida pela nova redação do § 1º do art. 17 da Constituição, bem como reestabelece a “verticalização” das coligações, haja vista o caráter nacional da unificação de partidos em uma federação impedindo sua atuação regional ou municipal fora do âmbito federativo. A lei 14.208/2021 seria, portanto, uma tentativa do legislador autorizar, mediante lei ordinária, a celebração de coligações em eleições proporcionais sob a nova denominação de federação, expressamente vedada na norma constitucional.
A ADI 7.021 foi distribuída para relatoria ao Ministro Luís Roberto Barroso. Outros seis partidos requereram a admissão na ação como “Amicus Curiae” (PC do B, Cidadania, PV, PSB, PT e PP), sendo que as manifestações destes partidos foram no sentido da negativa ao deferimento da medida liminar e pela constitucionalidade da Lei 14.208/2021. Cabe destaque que a relatoria do Ministro Barroso na ADI 7.021 coincide com a regulamentação do tema no Tribunal Superior Eleitoral, cuja Resolução aprovada também esteve sob sua tutela.
Intimados para manifestação, o Presidente da República encaminhou posicionamento esclarecendo que o veto foi apenas por interesse público, uma vez que a federação teria “características análogas às coligações partidárias. Contudo, reconhece que a norma não é inconstitucional, dado que são institutos distintos. A manifestação da Câmara do(a)s Deputado(a)s esclarece o rito legislativo, sem afronta à constituição e alega que não há inconstitucionalidade material face a distinção entre os dois institutos. O Senado Federal manifesta-se sobre a tramitação regular do projeto de lei, sem desrespeito à constituição.
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Em decisão de 08 de dezembro de 2021, o Ministro Luís Roberto Barroso constrói sua fundamentação dividindo em três tópicos distintos. Inicia pelo afastamento de inconstitucionalidade formal da Lei, fundamentando, em brevíssima síntese, que não existe parâmetro constitucional para aferir a validade do projeto.
Em que pese a aprovação do PL 477/2015 pelo Senado Federal tenha ocorrido na vigência anterior à EC 97/2017, as alterações efetuadas pela Câmara do(a)s Deputado(a)s foram meramente de redação, sem afetar o conteúdo da proposta original. No mesmo sentido, quando da análise do veto presidencial o Senado Federal reiterou o apoio à aprovação da matéria, por ampla maioria. De fato, em relação ao procedimento formal de tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional a decisão não poderia ser outra.
Já em relação ao aspecto material, discorre sobre as diferenças entre coligações e o novo instituto, as federações de partidos. Assevera sobre a boa medida legislativa para pôr fim as coligações proporcionais pelos prejuízos que causavam ao funcionamento do sistema representativo pois: i) eram voltadas a fins puramente eleitorais; ii) não implicavam compromisso de alinhamento pragmático entre partidos; e iii) não vinculavam seu funcionamento parlamentar posterior às eleições. Conclui que as coligações “em boa hora foram proibidas”.
Reconhece, no entanto, alguma similaridade entre os institutos, especificamente no processo eleitoral, mas a norma prevê seu funcionamento por prazo mínimo de quatro anos, contando com um programa comum, abrangência nacional, vinculando suas ações em todas as esferas, nacional, estadual e municipal (as coligações poderiam ser diferentes em cada esfera pelo princípio da não obrigatoriedade de vinculação), bem como sanções em caso de algum partido requerer o seu desligamento antecipado da federação.
Neste sentido, compreende que as regras “tornam improvável a utilização para fins eleitorais, ou seja, apenas para viabilizar a transferência de votos, sem qualquer identidade ideológica entre partidos, que era o problema central da formação das coligações partidárias”. Para diferenciar os institutos destaca as principais características das federações: i) são estáveis, ainda que transitórias; ii) requerem afinidade programática; e iii) vinculam o funcionamento parlamentar.
Prossegue sua fundamentação sustentando a faculdade aos partidos quando a adesão ao pacto da federação, reforçando novamente a necessidade de acordo mínimo em relação a identidade política e programática, ao contrário das coligações que tinham como fundamento básico a disputa eleitoral com vistas a obtenção de maior espeço no parlamento. As federações
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seriam um espaço de experiência nas relações partidárias, sem a necessidade abrupta de fusão. Apesar das fundamentações serem essencialmente sob o aspecto político e as vantagens para o sistema representativo com o advento das federações, o Ministro Barroso conclui sua fundamentação afirmando:
É possível questionar a conveniência e oportunidade da inovação, que pode retardar a necessária redução do número de partidos políticos no país. Mas essa avaliação, de natureza política, não cabe ao Poder Judiciário. Diante disso, e em respeito ao princípio da separação dos poderes, entendo que também neste ponto é o caso de ser deferente ao Congresso Nacional.
Este posicionamento é eminentemente político e reforçado pela ementa da decisão que merece destaque: “Naturalmente, se no mundo real se detectam distorções violadoras da Constituição, tal avaliação preliminar poderá ser revisitada. Para isso, no entanto, é imperativo aguardar o processo eleitoral e seus desdobramentos”. Em outras palavas, pode-se compreender que o posicionamento é aguardar que o mundo político experimente o novo instituto e, havendo distorções, reavaliar seu enquadramento constitucional.
Compreende-se o exíguo prazo para a decisão sobre o tema e a fundamentação reflete a impossibilidade de aprofundamento dos estudos jurídicos da nova norma. Encontra-se na doutrina clara definição sobre o instituto das coligações partidárias, além de farta sustentação jurisprudencial, contudo, quanto as Federações de Partidos, não existem fundamentos doutrinários ou jurisprudenciais para melhor compreensão de seu funcionamento.
No mesmo sentido, a Ciência Política, que poderia auxiliar nos elementos comparativos dos institutos somente possui estudos científicos sobre experiências em outros países, com todas as dificuldades e riscos em análises comparativas a partir de culturas políticas e históricas de diferentes civilizações.
Porém, avaliando-se as Federações de Partidos em relação ao seu funcionamento no período eleitoral fica evidente que existem mais semelhanças do que diferenças o que praticamente indica terem, do ponto de vista eleitoral, o mesmo fim. Vejamos uma definição doutrinária das coligações:
A coligação é uma união formal de partidos políticos, de caráter transitório, com a finalidade de participarem juntos em uma eleição. Pressupõe a convergência de vontades de seus integrantes para um objetivo comum. A coligação forma-se a partir da manifestação de vontade exarada na convenção partidária. (ZÍLIO, 2020, pág. 145, grifo nosso).
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Ora, a finalidade principal de uma corrente política, quer esteja representada isoladamente em um partido político, seja na forma coligada ou agora, através de Federação, é concorrer em melhores condições para alcançar o maior número de espaço político no Poder Legislativo e ainda a participação em Governos. Portanto, tanto a coligação quanto a federação atuarão em conjunto, como se um partido fosse, deverão ter afinidade programática, buscarão união de esforços para obter o maior espaço de poder possível e sua composição precederá de decisão de fórum deliberativo (nas coligações serão as convenções e nas federações pelo Diretório Nacional de cada partido).
A diferença essencial entre os dois institutos é em relação ao período de sua existência. Enquanto a coligação é efêmera, transitória, permanecendo apenas entre o período da formalização das candidaturas até o dia da eleição, da federação de partidos espera-se que a relação seja mais perene, apesar da possibilidade de que qualquer partido que a compõe se retire antes do prazo mínimo de quatro anos.
O argumento de que o funcionamento da Federação além do período eleitoral trará maior estabilidade política e melhores condições de governabilidade, embasada na “identidade ideológica programática” exigida para sua composição, não encontra aderência na conjuntura política parlamentar atualmente. Basta uma simples verificação das votações no Congresso Nacional para verificar que a orientação das lideranças partidárias é seguidamente desrespeitado. O caso da votação do PL 2.522/2015 na Câmara do(a)s Deputado(a)s que aprovou a criação das Federações de partidos é exemplar em relação a divisão nas bancadas, inclusive o PTB, autor da ADI 7.021 colaborou com 8 votos para sua aprovação dos 10 de sua bancada. Novamente pretende-se que uma nova legislação resolva um problema político.
Ainda em relação ao outro tema apresentado pelo proponente foi solenemente ignorado pelo Ministro Luís Roberto Barroso em sua decisão. Trata-se da questão sobre verticalização das coligações, agora impactadas pelo novo instituto das Federações.
Sobre este tema, importante recordar que o Tribunal Superior Eleitoral, na Consulta nº 715, à porta das eleições de 2002, ao se manifestar sobre a “necessidade de observância do princípio da coerência na formação de coligações” entendeu que o caráter nacional dos partidos deveria prevalecer ao princípio da autonomia partidária, ou seja, os partidos coligados para a eleição Presidencial não poderiam formar coligações em âmbito regional com partidos que estejam na disputa nacional apoiando outras candidaturas.
Novamente, às vésperas da eleição de 2006, o TSE manteve o posicionamento, no entanto, a reação do Congresso Nacional foi imediata, com a aprovação, em apenas 5 dias, da
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Emenda Constitucional nº 52/2006, incluindo a expressão “É assegurada aos partidos políticos autonomia […] para adotar critério de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal”. O Supremo Tribunal Federal, na ADI 3.685, ajuizada pela OAB, interpretou o dispositivo conforme a nova redação da Constituição.
Portanto, este tema não foi enfrentado pela decisão cautelar. No entanto, quando do julgamento em Plenário o tema foi questionado em aparte da representante do PTB. Na ocasião o Ministro Relator esclareceu que a argumentação estava implicitamente rejeitada, pois a equiparação das Federações aos Partidos, não afronta o sistema partidário e eleitoral proporcional. Considerando a dimensão continental do Brasil, com suas enormes diferenças culturais e sobretudo as particularidades políticas de cada região, estado e nos municípios, a exigência de uma unidade ideológica programática, prevista na essência das Federações, é algo extremamente difícil de se efetivar “no mundo real”.
Por fim, em sua decisão cautelar o Ministro Luís Roberto Barroso trata do tema da “desequiparação entre os partidos e a federação” deferindo parcialmente o pedido cautelar para:
- i) suspender o inciso III, do § 3º do art. 11-A da Lei nº 9.096/1995 e o parágrafo único do art. 6º-A da Lei nº 9.504/1997; bem como ii) conferir interpretação conforme à Constituição ao caput do art. 11-A da Lei nº 9.096/1995, de modo a exigir que: “para participar das eleições, as federações estejam constituídas como pessoa jurídica e obtenham o registro de seu estatuto perante o Tribunal Superior Eleitoral no mesmo prazo aplicável aos partidos políticos”.
Fundamentou sua decisão na necessidade de garantir a paridade de armas nas eleições, pois o disposto no inciso II, do § 3º, do Art. 11-A da Lei 9.096/1995, com a nova redação pela Lei 14.208/2021, define que “a federação poderá ser constituída até a data final do período de realização das convenções partidárias” possibilitaria vantagem às federações em relação aos partidos. Destaca-se que esta questão não foi levantada pela proponente da ADI, somente requerida em manifestação do PC do B, posterior à decisão cautelar, para que a decisão fosse modulada quando do referendo em Plenário do STF, para que, excepcionalmente, apenas no primeiro ano de vigência da normal, fosse fixado o prazo para registro até 31 de maio de 2022.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou a análise da medida cautelar da ADI no dia 03 de fevereiro de 2022, recebendo as sustentações orais dos Partidos interessados e do Procurador-Geral Eleitoral. O relator ratificou os fundamentos da medida cautelar, modificando-a apenas para acolher a sugestão dos partidos para adequação do prazo, excepcionalmente para as eleições de 2022, definindo o dia 31 de maio, para registro dos
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estatutos das Federações junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Concluiu-se o julgamento em 09 de fevereiro, com a seguinte ementa:
Decisão: O Tribunal, por maioria, referendou a cautelar deferida parcialmente, apenas para adequar o prazo para constituição e registro das federações partidárias e, nesse sentido: (i) suspendeu o inciso III do § 3º do art. 11-A da Lei nº 9.096/1995 e o parágrafo único do art. 6º-A da Lei nº 9.504/1997, com a redação dada pela Lei nº 14.208/2021; bem como (ii) conferiu interpretação conforme à Constituição ao caput do art. 11-A da Lei nº 9.096/1995, de modo a exigir que, para participar das eleições, as federações estejam constituídas como pessoa jurídica e obtenham o registro de seu estatuto perante o Tribunal Superior Eleitoral no mesmo prazo aplicável aos partidos políticos; (iii) ressalvadas as federações constituídas para as eleições de 2022, as quais deverão preencher tais condições até 31 de maio de 2022. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que negavam o referendo, e o Ministro Nunes Marques, que divergia em maior extensão, negando o referendo e concedendo cautelar para suspender a eficácia da Lei 14.208/2021. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 9.2.2022.
Em relação à constitucionalidade da Lei das Federações, dez ministros acompanharam o relator, restando vencido apenas o Ministro Nunes Marques que assentou, em manifestação digna de registro, que “avaliação de natureza política não cabe ao Poder Judiciário”. Face a divergência do voto do Ministro Nunes Marques, cabe ressaltar seus fundamentos.
Argumenta que o instituto das Federações visa driblar a Emenda Constitucional nº 97/1997, com a criação de uma “joint venture” partidária. Melhor seria a fusão do que a junção em Federação. Discorrendo sobre o sistema partidário e eleitoral proporcional, argumenta o Ministro que o cálculo do quociente eleitoral é idêntico, pois a nominata de candidato(a)s, unificada em Federação, permitirá que os defeitos das coligações permaneçam, como na situação em que o(a) eleitor(a) vota em um(a) candidato(a) e elege outro(a).
Alega ainda, que outro objetivo estipulado quando da aprovação da EC 97/1997, a vedação do acesso ao Fundo Partidário e tempo de propaganda eleitoral na TV e Rádio, será afetado no caso das Federações, pois os partidos menores, mesmo não atingindo a cláusula de barreira continuarão recebendo recursos públicos, contrariando o dispositivo constitucional. Portanto, a criação das Federações só camufla os problemas do sistema anterior das coligações proporcionais.
O Ministro Nunes Marques ainda discorre sobre o caráter representativo dos Partidos Políticos, como sustentação do Estado Democrático de Direito, podendo, entre outras medidas, propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade, funcionando como parceiro na proteção da Constituição da República. O instituto das Federações é portanto “sui generis” pois assume o
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papel dos partidos políticos na esfera eleitoral sem haver, literalmente, sua previsão no texto Constitucional.
Superada a discussão sobre a constitucionalidade, ressalvada a divergência do Ministro Nunes Marques, outro tema encontrou resistência no colegiado do Supremo Tribunal Federal, o marco temporal para o registro das Federações para participar das eleições de 2022. A divergência aberta pelo Ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e da Ministra Carmem Lúcia.
Argumentou o Ministro Gilmar Mendes que não há parâmetros constitucionais que autorizam alteração no calendário eleitoral e que a antecipação da data para registros das Federações de Partidos é que pode causar desequilíbrio. Ressalta que a decisão de participar da Federação é facultativa e que os custos políticos elevados devem ser sopesados pelos partidos. O Ministro Dias Toffoli, fundamenta seu voto acompanhando a divergência, “não se sentindo autorizado, como juiz, para alterar a data estipulada na lei”.
A Ministra Carmem Lúcia também manifesta-se que “o Tribunal Constitucional não estaria autorizado a alterar fundamentos da lei”. O Ministro Ricardo Lewandowski ressalta que a alteração do prazo para registro foi regulamentada pela Resolução TSE nº 23.670, aprovada em 14 de dezembro de 2021, sustentada na medida Cautelar expedida pelo Ministro Relator também deve ser alcançada pela presente ação, pois segundo a doutrina, jamais uma Resolução deverá contraria uma lei ou mesmo inovar em matéria legislativa, sob pena de invalidação do ato regulamentar.
Por fim, em referência ao registro do Ministro Ricardo Lewandowski, acerca da normatização pelo TSE, através da Resolução 23.670/2021, cabe o registro que a citada norma ultrapassou até mesmo o limite temporal determinado inicialmente pela Medida Cautelar, que previa a necessidade do registro das federações ocorrer no mesmo prazo aplicável aos partidos políticos, ou seja, 06 (seis) meses antes da eleição, no caso das eleições de 2022, em 02 de abril. No entanto, ao aprovar a Resolução 23.670/2021, a Corte Eleitoral determinou que o registro do estatuto das Federações deveriam ser protocolados perante o TSE, no máximo, até o dia 1º de março de 2022 (art. 13), sendo assegurado somente a estes a apreciação do pedido até o prazo de 06 meses antes da eleição, o mesmo exigido para o deferimento do registro de partido político. Na prática a Resolução antecipou ainda mais a formação das Federações, com evidente extrapolação de suas atribuições constitucionais. Espera-se que, a partir do referendo da Medida Cautelar pelo Pleno do STF ocorra ajustes na Resolução para garantia do
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cumprimento da decisão que determina que a formação das Federações possa ocorrer, excepcionalmente para as eleições de 2022, até o dia 31 de maio.
Mas a Resolução 23.670/2021 possui outros aspectos relevantes, preenchendo lacunas da Lei 14.208/2021. Digno de registro é a determinação de que a lista de candidaturas a ser apresentadas pela Federação terá que respeitar a cota de gênero nas eleições proporcionais, devendo ser atendidas tanto pela lista global da federação, quanto por cada partido que a compõe. Tal medida, explícita no inciso I do parágrafo único do artigo 12 é fundamental para evitar que candidaturas femininas sejam concentradas nos partidos que recebem menos recursos, em flagrante tentativa de fraude à lei.
Também mereceu atenção e necessidade de deixar explícito no inciso II do parágrafo único do artigo 12 que, havendo distribuição de recursos de um partido para outro da mesma federação e este tiver suas contas desaprovadas, acarretará na desaprovação das contas do partido doador. Espera-se que este dispositivo coíba a transferência de recursos como forma intermediária para a prática de irregularidades.
Em sessão plenária realizada no dia 16 de dezembro de 2021 o TSE conclui os debates acerca dos ajustes nas resoluções eleitorais aprovando os textos que balizarão as eleições de 2022 13. Face a experiência inovadora das federações de partidos, inédita no ordenamento jurídico brasileiro, está em aberta a necessária melhoria na sua regulamentação, não apenas no âmbito da Corte Eleitoral, mas sobretudo pelo Poder Legislativo, tendo em vista que existem muitas lacunas entre o propósito da lei 14.208/2021 e sua implantação na arena política e eleitoral.
Como assinalado por alguns votos durante a sessão plenária do STF que referendou a medida cautelar, será necessário aguardar a experiência nas eleições gerais de 2022 para melhor avaliação sobre o novo instituto.
Ressalte-se que, mais uma vez, uma alteração profunda na estrutura política Brasileira, que foi o fim das coligações para as eleições proporcionais somente foi implementada na sua integralidade em eleições municipais de 2020, não atingindo o Parlamento Federal nas eleições de 2022. Para os estudos da ciência política ficará comprometida a comparação ou avaliação dos seus efeitos.
13 https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Dezembro/tse-aprova-todas-as-resolucoes-para-as-eleicoes- 2022
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- – A EXPERIÊNCIA DA FRENTE AMPLIO NO URUGUAI14
Apontado no meio político e parlamentar como um modelo a ser seguido, este capítulo se dedica a apresentar e comentar aspectos relativos a construção da Frente Ampla de partidos políticos no Uruguai, constituída em 1971 e que governou o país por 3 mandados consecutivos, entre 2004 e 2019.
Inicialmente é importante destacar que toda comparação entre sistemas políticos e eleitorais é arriscada e perigosa. Cada nação construiu suas bases políticas a partir de experiências próprias e uma cultura que se consolida ao longo de sua formação e que possui significativas particularidades. Ao realizar a análise comparativa corre-se o risco de tentar encaixar realidades diferentes para explicar fenômenos similares.
A experiência política das forças de centro-esquerda no Uruguai tem sido utilizada como modelo nos debates políticos sobre a criação das federações de partidos no Brasil. Tem sentido pois trata-se de uma construção coletiva com de mais de 50 anos e que gerou frutos positivos, com a ampliação da participação nos espaços políticos, no exercício da Presidência do Uruguai por 15 anos, chegando até mesmo a constituir maioria absoluta no Poder Legislativo. No entanto, o caso da Frente Ampla do Uruguai possui mais diferenças do que similaridades com a conjuntura política do Brasil.
A primeira e extremamente significativa é a estrutura política do País. Ambos adotam o sistema Presidencialista e o Poder Legislativo Bicameral, no entanto, o Brasil é uma República Federativa e o Uruguai é um Estado Unitário. No Brasil vivem mais de 210 milhões de pessoas e uma área territorial de 8,5 milhões de km². A população do Uruguai é de cerca de 3,5 milhões de habitantes e um território de apenas 176 mil km².
O Poder Legislativo do Uruguai é exercido pela Assembleia Nacional, composto por duas Câmaras, uma de Senadore(a)s e outra de Representantes, similares ao Congresso Nacional Brasileiro, com o Senado Federal e a Câmara de Deputado(a)s. Enquanto o Brasil é composto por 26 Estados e o Distrito Federal no Uruguai existem 19 Departamentos. Além da União e Estados, o Brasil possui 5.568 municípios. No Uruguai não existe esfera estatal municipal (BARRETO, 2012, BOROWSKI, 2021).
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O contexto histórico também é significativamente diferente. A Frente Ampla foi fundada em 05 de fevereiro de 1971 e reuniu partidos políticos de esquerda, movimentos sociais e populares mas também setores progressistas dos Partidos Colorado e Nacional.
Enquanto o Brasil mergulhada e aprofundava o Estado Terrorista após o golpe civil- militar de 1964, interrompendo a realização de eleições, suspendendo direitos políticos, cassando mandatos e assassinando líderes opositores, no Uruguai ainda ocorriam eleições gerais, contudo, na segunda metade da década de 1960 inicia a construção de suas bases para a repressão política (PADRÓS e FERNANDES, 2012).
Na eleição geral de 1966 os partidos Colorado e Nacional garantem esmagadora maioria nas Câmaras legislativas. No Senado a Frente de Izquierda de Liberación elege somente 1 cadeira das 30 em disputa e na Câmara de Representantes conquista 5 cadeiras. O Partido Demócrata Cristiano também alcança 3 vagas, totalizando 8 mandatos fora do espectro dos partidos Colorado e Nacional, do total de 99 assentos. Portanto, o quadro político no final dos anos 1960 era de extrema dificuldade para as forças políticas de centro-esquerda, especialmente pela repressão política.
Assim a união de setores de centro-esquerda e progressistas dos partidos Colorado e Nacional se deu em uma conjuntura política de enfrentamento ao processo de construção do Estado Terrorista Uruguaio, aliado ao pífio desempenho eleitoral nas eleições de 1966. Havia assim, um objetivo comum, que era a defesa de um Estado Democrático de Direito.
A criação da Frente Ampla em 1971, produz resultados eleitorais significativos na eleição daquele ano, concorrendo ainda sob o lema do Partido Demócrata Cristiano. No Senado conquista 5 cadeiras das 30 em disputa. Na Câmara de Representantes alcança 18 vagas das 99 possíveis. Na eleição para Presidência atinge 18,28% dos votos. O golpe civil-militar de 1973 consolidou o Estado Terrorista com a suspensão de eleições, cassação de direitos políticos, prisão e assassinato de opositores, assim como já acontecia no Brasil.
Outra diferença significativa é a estrutura política partidária. Enquanto no Brasil poucos partidos ultrapassam a casa dos 50 anos de existência, no Uruguai as tradicionais agremiações políticas foram criadas em 1836, os Partidos Colorado e Nacional, participando ativamente na história da construção política da Nação. Mesmo com a liberdade para a criação de partidos políticos a tradição Uruguaia é de hegemonia e alternância de dois partidos, quebrada apenas com a eleição da Frente Ampla em 2004. Esta concentração se reflete no parlamento com poucas possibilidades de eleição de representantes de partidos com pouca representação na sociedade (BOROWSKI, 2021).
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Mas a principal diferença entre os sistemas políticos e eleitorais, para o escopo deste artigo, é o modelo de lista de candidaturas. Enquanto no Brasil se adota a lista aberta apresentada pelos partidos, contendo apenas uma nominata, sem ordem de preferência, sendo eleito(a)s o(a)s mais votado(a)s, no Uruguai o sistema é de lista fechada, pré-ordenada elegendo-se na ordem apresentada. Não há limites para a apresentação de listas, ou seja, todos os setores internos dos partidos podem apresentar candidaturas.
Além disto, a quantidade de candidato(a)s em cada lista pode ser até o máximo de cargos em disputa, podendo serem apresentados suplentes até três vezes este número, ou seja, possibilita grande participação de suas bases partidárias na disputa eleitoral. Este é o principal instrumento que viabiliza estruturas que abrangem vários partidos e/ou movimentos como o da Frente Ampla Uruguaia.
A circunscrição eleitoral para o Parlamento do Uruguai é nacional, ou seja, a distribuição das cadeiras é proporcional ao número de votos recebidos em todo o país, o que reforça a necessidade de unificação da ação política partidária para alcançar todas as regiões em busca de votos. No caso da eleição para o Senado, basta a divisão simples dos votos dos partidos pelo número de cadeiras para verificação do quociente eleitoral e partidário. Para a eleição à Câmara do(a)s Representantes, o cálculo também é nacional, no entanto, a distribuição obedece critérios complexos visando a garantia de eleição de Deputado(a)s em todos os Departamentos (BOROWSKI, 2021).
Calculado o quociente eleitoral e partidário e distribuído as cadeiras proporcionalmente aos partidos, este processo é novamente realizado para a distribuição das vagas entre as listas apresentadas, conforme a votação individual recebida. Assim, além de garantir a representação proporcional no parlamento entre os partidos, a distribuição das vagas também respeita a proporção de cada setor interno da agremiação política.
Atualmente a Frente Ampla é composta por 30 setores políticos com representação, sendo destes 07 possuem estrutura de partido político. Após reformas em seu estatuto também foi permitido a adesão individual de eleitore(a)s sem a necessidade de vinculação a partido ou organismo político interno.
No Brasil, o golpe civil-militar com a implantação da ditadura e sufocamento dos direitos políticos e supressão do Estado Democrático de Direito ainda no início dos anos 1960, provocou enormes danos a cultura política. A retomada democrática no Brasil também foi mais tardia do que no Uruguai e a reorganização partidária, nos anos 1980, resultou em fragmentação com a criação de vários partidos e não fomentou a cultura de unidade.
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Com estas observações sobre a experiência da Frente Ampla Uruguaia, verifica-se a grande diferença de conjuntura, do contexto histórico de sua criação e das grandes dificuldades para a consolidação da unidade política. No entanto, trata-se de fato histórico e que constitui- se, de fato, em modelo a ser considerado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo dedicou-se a avaliar os impactos da criação de um novo instituto político na organização partidária no ordenamento jurídico e politico Brasileiro, a Federação de Partidos, através da Lei 14.208/2021. Na introdução foram apresentados os processos legislativos que alteraram a partir dos anos 2000, os sistemas políticos e eleitorais. Verificou-se maior intensidade nas legislaturas de 2014-2018 e a atual, iniciada em 2019. Tal postura do Parlamento Brasileiro demonstra uma preocupação com o aprimoramento do escopo normativo político-eleitoral, no entanto, as constantes mudanças geram ainda insegurança e instabilidade para os processos eleitorais, com alterações nas regras às vésperas de eleições.
Sobre os fundamentos para a criação da Federação de Partidos, desde o início de sua tramitação no Sendo Federal em 2015 até aprovação pela Câmara do(a)s Deputado(a)s em 2021, percebe-se a pouca fundamentação teórica, politica e histórica para sustentação da proposta, destacando-se a preocupação com a diminuição da fragmentação partidária que é apontada como um dos fatores de instabilidade política e prejudicial à governabilidade.
Em relação a da ADI 7.021, proposta pelo PTB e que recebeu decisão cautelar pelo indeferimento dos pedidos foi referendada pelo Plenário do STF, no entanto, a discussão sobre a (in) constitucionalidade ainda pode retornar aos debates da Corte Suprema a partir da avaliação da experiência na vida real, podendo ser reavaliada futuramente, como bem asseverou o Ministro Luís Roberto Barroso. Portanto, a discussão sobre a (in) constitucionalidade das Federações de Partidos ainda perdurará por longo tempo.
Encerrada a análise legislativa e jurídica, o debate se desloca para a Ciência Política, com o histórico da criação da Frente Ampla no Uruguai, utilizada como referência para o modelo brasileiro. Demonstrou-se que a experiência da Frente Ampla apresenta mais diferenças do que convergências com a conjuntura brasileira, especialmente pela configuração do sistema político Uruguaio. Apesar disto, é relevante seu estudo, ressalvado o enorme esforço político para a construção de uma Frente que reuniu partidos e movimentos de centro-esquerda e
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progressistas para superar o Estado Terrorista e restaurar a democracia e que consolida-se, atualmente, como a principal força política do Uruguai.
Assim, o presente artigo procurou demonstrar a complexidade da inclusão no ordenamento jurídico eleitoral do Brasil de um novo Instituto, verdadeira inovação legislativa. Identificou-se lacunas normativas que precisam ser preenchidas e melhor avaliadas na medida de sua implantação, bem como, pendente de uma decisão definitiva sobre sua (in) constitucionalidade.
REFERÊNCIAS
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BARRETO, Álvaro Augusto de Borba. Eleições municipais comparadas: a escolha do chefe do executivo no Brasil e no Uruguai e o impacto sobre os sistemas partidários locais (2000- 2005). 2012. Revista Brasileira De Ciência Política, (7), 285-318. Disponível em: [https://periodicos.unb.br/index.php/rbcp/article/view/1961] Acesso em 30.12.2021.
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BRASIL. Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990. BRASIL. Lei 4.737, de 15 de julho de 1965.
BRASIL. Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995.
BRASIL. Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997.
BOROWSKI, Edson Moraes. O sistema politico e eleitoral do Uruguai. Uma viagem de observação nas eleições presidenciais e legislativas de 2019. Porto Alegre. Paixão Editores. 2021.
BOROWSKI, Edson Moraes. Sistema Político Uruguaio: Análise dos Poderes Executivo, Legislativo e da Corte Electoral Uruguaia. Revista do TRE-RS. Ano 25. Nº 48. Janeiro/Junho de 2020. Disponível em [ https://ava.tre- rs.jus.br/ejers/pluginfile.php/10303/mod_resource/content/1/Revista%20do%20TRE- RS%2048.pdf]. Acesso em 30.12.2021.
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PADRÓS, E. S., & FERNANDES, A. S. (2012). A gestação do golpe no Uruguai: o governo Bordaberry e o papel dos militares (1972-1973). Estudos Ibero-Americanos, 38(1). Disponível em [https://doi.org/10.15448/1980-864X.2012.1.11584].
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A OPINIÃO POLÍTICA DOS ELEITORES DE PORTO ALEGRE: ANÁLISE DE PROBLEMAS E PRIORIDADES DA CIDADE NO ÂMBITO DA CAMPANHA ELEITORAL MUNICIPAL DE 2016
THE POLITICAL OPINION OF PORTO ALEGRE ELECTORS: ANALYSIS OF PROBLEMS AND PRIORITIES OF THE CITY IN THE FRAMEWORK OF THE 2016 MUNICIPAL ELECTORAL CAMPAIGN
Carlos Alberto Kalinovski Hoffmann
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar um estudo exploratório e quantitativo sobre a opinião dos eleitores da cidade de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, dos principais problemas e prioridades do município, no que se refere a política, bem como, algumas das possíveis relações eleitorais no que se refere a eleição proporcional (para vereador) de 2016. A importância desse tema se dá em função da centralidade da política em nossa sociedade e da importância dos eleitores como atores sociais chave, além de servir como base metodológica para a reprodução em qualquer período eleitoral. A partir de uma revisão de literatura acerca desses constructos e coleta de dados eletrônica através de questionários fechados, foi analisada a opinião dos eleitores da cidade para cada temática pesquisada, indicando importantes reflexões político- eleitorais. Ao final, há uma avaliação crítica do tema, trazendo reflexões e sugerindo novas proposições de pesquisa para acadêmicos e políticos.
Palavras chave: pesquisa eleitoral, porto alegre, vereador, política, eleições.
ABSTRACT
The objective of this article is to present an exploratory and quantitative study on the opinion of voters in the city of Porto Alegre, capital of the state of Rio Grande do Sul, of the main problems and priorities of the municipality, with regard to politics, as well as some of possible electoral relations with regard to the proportional election (for councilor) of 2016. The importance of this topic is due to the centrality of politics in our society and the importance of voters as key social actors, in addition to serving as a methodological basis for reproduction in any election period. From a literature review about these constructs and electronic data collection through closed questionnaires, the opinion of voters in the city for each researched topic was analyzed, indicating important political-electoral reflections. At the end, there is a critical evaluation of the theme, bringing reflections and suggesting new research propositions for academics and politicians.
Keywords: electoral poll, Porto Alegre, councilor, politics, elections
1 INTRODUÇÃO
A política é onipresente nas sociedades democráticas, como a brasileira. Como fala Hannah Arendt (2004), a política é essencial para a vida e para a sociedade humana e, portanto, estudá-la se coloca como uma necessidade absoluta. A partir disso, a novidade se estabelece no que Howard Rheingold (apud UGARTE, 2008) chama de “multidões inteligentes”, que surgem a partir da nova ordem de movimentos sociais distribuídos. Esta inteligência coletiva pensa, gera ideias a partir de valores, define crenças e agem, por fim.
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O relativismo das instituições políticas, relatado por Baquero (2011), amplia a necessidade do entendimento da cultura política referente ao contexto social e, desta forma, reforça a urgência em entender o agente indutor desta cultura, que é o político e do produtor, que é o eleitor. Neste sentido, o tema da cultura política, segundo Fedozzi (2008), e sua relação com o regime político, está presente no pensamento político clássico, moderno e contemporâneo.
Desta forma, compreender, dialogar e debater sobre o que pensam politicamente e eleitoralmente estas pessoas, em especial, neste caso, os eleitores de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (RS), é vislumbrar o futuro e possibilitar a construção de um caminho político-eleitoral possível e adequado aos novos tempos.
O estado do Rio Grande do Sul (RS) tem uma cultura política peculiar e própria, com políticos de vulto regional e nacional de grande destaque ao longo da história do estado e do Brasil. Neste sentido, tem em sua capital estadual um polo irradiador de especial vulto, principalmente por seu apelo metropolitano e também pelo seu protagonismo em democracia participativa e governança local. Neste sentido, a capital do estado Porto Alegre, em 2010, tem registrados 1.409.351 habitantes para uma área total de 496,682 km² (IBGE, 2016) e dividida em 92 bairros oficiais e conta também com 1.090.097 eleitores aptos em fevereiro de 2016 (TRE-RS, 2016).
O objetivo deste artigo é fazer um estudo quantitativo com análise qualitativa, exploratório e transversal acerca da opinião dos eleitores de Porto Alegre – RS sobre os principais problemas e prioridades do município, no que se refere a política, bem como, as possíveis relações eleitorais no que se refere a eleição proporcional (para vereador). Neste sentido, busca-se, mais detalhadamente, avaliar o panorama da política municipal de Porto Alegre, mapeando as opiniões acerca dos problemas da cidade, suas prioridades e consequente avaliação do governo atual, cruzando com dados socioeconômicos e de preferência político-eleitoral dos respondentes. Sendo assim, aqui se busca trazer dados quantitativos sobre a política municipal de 2016 junto a análise qualitativa referente as entrevistas realizadas, propondo, ao final, questões para reflexão e debate.
Para alcançar este intento, o método escolhido foi o de fazer uma pesquisa de natureza quanti-qualitativa utilizando-se de questionário com perguntas fechadas e abertas com base na teoria existente, buscando bibliografia em livros e artigos nacionais e internacionais de revistas e periódicos reconhecidos na temática tratada por esta pesquisa, e em pesquisas já realizadas de temática similar.
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O instrumento de pesquisa foi respondido de forma presencial, via Facebook a partir de meus perfis pessoais e via mensagem eletrônica (e-mail) enviada. Quanto ao tratamento dos dados, foram feitas análises cross section utilizando estatística descritiva, conforme detalhadas na metodologia deste mapeamento (seção 2). Os resultados estão apresentados nas sessões de número 4 a 6 através de tabelas, gráficos e descrições textuais. Desta forma, esta pesquisa pretende resolver a lacuna de conhecimento acerca das demandas eleitorais na cidade de Porto Alegre para o quadriênio 2017-2020.
- METODOLOGIA DA PESQUISA
No que se refere à metodologia da pesquisa, ela é quantitativa. Do ponto de vista de seus objetivos, a pesquisa selecionada foi a pesquisa exploratória que, segundo Gil (1991, p.45), “visa proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses, tendo como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”. Na prática, esta forma foi selecionada por estar de acordo com a realidade encontrada na cidade de Porto Alegre e pelo tipo de pesquisa realizada, já que foi necessário realiza-la diretamente com os eleitores sem ter qualquer base estatística anterior neste tema.
No universo de eleitores analisados, com a fórmula ilustrada na imagem 1, foi extraída uma amostra (n) de 286 respondentes, alcançados de forma aleatória e por conveniência, com um nível de confiança de 95% (Z), margem de erro de 5,8% (e), heterogeneidade de 50% (p), de um universo de 1.090.097 eleitores.
Fórmula 1. Cálculo Amostral
A partir de revisão bibliográfica inicial (MANHANELLI, 2009; TORQUATO, 2014), adaptações ao contexto local pelo autor e utilizando também por base a pesquisa CNI-IBOPE “Retratos da Sociedade Brasileira: problemas e prioridades do brasil para 2014” (CNI, 2014) e a pesquisa CNI-IBOPE “Avaliação do Governo – (dezembro
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2015)” (CNI, 2015), foi construído o questionário de acordo com os objetivos da pesquisa. Foram aplicados questionários com questões fechadas na pesquisa de campo durante o período de 6 de março de 2016 a 26 de março de 2016 e também para os eleitores encontrados por meios eletrônicos, perfazendo estes a unidade de análise. A pesquisa foi realizada em pontos diversos da cidade de Porto Alegre – RS, buscando abarcar as suas especificidades regionais. Além disso, em paralelo com a pesquisa de campo, os questionários foram disponibilizados em formato digital (Google Forms), divulgados junto às redes sociais do autor e enviados por e-mail, de modo que os eleitores que não puderam responder à pesquisa durante o período do trabalho de campo pudessem ter uma forma de fazê-la.
Como comentário importante, foi feito um pré-teste com um grupo de 5 pessoas de níveis e perfis distintos buscando testar e avaliar o questionário em todas as suas dimensões. A partir desta ação, foram reformuladas algumas questões e inseridas outras, objetivando qualificar o questionário e a pesquisa. Também importante citar que, dos questionários recolhidos, apenas foram mantidos para este artigo os que tinham como cidade de votação eleitoral (domicílio eleitoral) Porto Alegre, sendo que todos os outros foram apartados da base de dados final.
A investigação acerca da política municipal está calcada sobre quatro eixos base, definidos como socioeconômico (cidade de moradia, bairro de moradia, cidade de votação eleitoral, sexo, etnia, faixa etária, grau de escolaridade, estado civil, ocupação e faixa de renda familiar), problemas e prioridades do município (maiores problemas por áreas, prioridades para os próximos quatro anos e se votaria em um candidato a vereador que defendesse os três problemas listados e solucionasse as três prioridades afirmadas), avaliação do governo e eleições (avaliação e aprovação do governo municipal, satisfação geral com a política e a declaração de voto espontâneo para vereador) e livre (zona e seção eleitoral, dados de identificação e observações livres).
Por fim, a análise é através da técnica da análise estatística descritiva. Registra- se que a margem de erro da pesquisa se refere a ela como um todo e não responde isoladamente por nenhum bairro ou segmento.
A partir disto, nas seções seguintes, a pesquisa mostra uma face da realidade político-eleitoral da cidade de Porto Alegre, em especial das demandas e prioridades populares, bem como sua visão acerca do Executivo e candidaturas ao Legislativo.
- O CONTEXTO POLÍTICO-ELEITORAL DE PORTO ALEGRE
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Como a “capital” do Orçamento Participativo, Porto Alegre tem tradição no debate político e na participação das pessoas na chamada esfera pública (HABERMAS, 1990). Neste sentido, a criticidade dos eleitores da cidade, bem como a noção dos problemas existentes são apuradas e, muitas vezes eloquentes. O prefeito José Fortunati (PDT) e seu vice eleito Sebastião Melo (PMDB), candidatos da coligação “Por Amor a Porto Alegre” (PDT, PMDB, PP, PTB, PPS, PRB, PMN, DEM e PTN), na eleição de 2012 conquistaram 424.535 votos, com um percentual significativo de 65,22% dos votos válidos (G1, 2012). Esta condição poderia pressupor uma relativa facilidade em seu segundo governo, entretanto, não é o que ocorre até o final de seu mandato. Fortunati, assim como grande parte da classe política, sofre com protestos da oposição estudantil e da “esquerda radical”, visibilizada pelo coletivo Juntos e pelo PSOL e PSTU, em especial na pauta do passe livre e transportes (CORREIO DO POVO, 2016; SUL21, 2016).
Em relação ao legislativo municipal, a Câmara Municipal de Porto Alegre, é composta por 36 vereadores de 14 bancadas (DEM, PCdoB, PDT, PMDB, PP, PRB, PROS, PSB, PSD, PSOL, PT, PTB, REDE e SDD), representando diversos segmentos da população porto-alegrense (CAMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, 2016).
Por fim, quanto a possíveis candidatos à prefeito, até este momento estão lançados os pré-candidatos Sebastião Melo (PMDB), representando a gestão atual, Luciana Genro (PSOL), representando a esquerda radical oposicionista, Maurício Dziedricki (PTB), como uma candidatura saída do eixo governista, Maria do Rosário, Raul Pont, Olívio Dutra ou Henrique Fontana (PT), alçando uma candidatura de oposição ao prefeito atual e Nelson Marchezan Jr (PSDB), como outra candidatura de situação, como principais nomes já postos a partir da negativa de Manuela D’Ávila (PCdoB) e Beto Albuquerque (PSB) (FELIPE VIEIRA, 2016).
- DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS: EIXO SOCIOECONÔMICO
Nesta seção estão listados e analisados os dados referentes ao eixo socioeconômico.
Quanto a cidade de moradia, 97,6% moram em Porto Alegre e 2,4% em outras cidades da região metropolitana de Porto Alegre.
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Em relação ao sexo, 55,9% são do sexo feminino, 43,4% são do sexo feminino e 0,7% de outros. Este dado mostra compatibilidade com a representatividade populacional já medida pelo IBGE na cidade.
Em referência a faixa etária, 26,9% estão entre 35 e 44 anos, 24,5% de 25 a 34,
21% de 45 a 54, 11,5% de 55 a 69%, 10,5% de 18 a 24, 3,8% de 16 a 17 anos e 1,7%
acima de 70 anos.
Quanto a ocupação, 24,8% são assalariados (CLT), 21% são servidores/funcionários públicos, 12,9% estudantes, 12,2% autônomos, 7,7% aposentados, 7,7% desempregado / procura emprego, 5,2% do lar, 4,2% empresário, 3,5% outros, 0,3% voluntário e 0.3% não sabe ou não quis responder.
Já sobre o nível de instrução, temos 42% com ensino médio completo / ensino técnico completo / ensino superior incompleto, 20,3% com ensino fundamental completo / ensino médio incompleto, 18,9% com ensino superior completo, 13,6% com pós-graduação completa e 5,2% como não alfabetizado / ensino fundamental incompleto.
Sobre a renda familiar mensal, 33,2% se situam na faixa de 2 até 5 salários mínimos (R$ 880,00 cada unidade), 19,2% de 1 a 2 salários, 18,9% de 5 até 10, 9,8%
até 1, 9,8% não sabe ou não quis responder, 8% de 10 até 20 e 1% acima de 20 salários mínimos oficiais.
Quanto a categoria racial/cor (grupo étnico), 62,2% são autodeclarados brancos, 22% são pretos, 14,7% são pardos, 1% são indígenas e 0% amarelos.
Por fim, quanto ao estado civil pode-se dizer que 47,6% são solteiros, 39,2% são casados / união estável, 11,2% são separados / divorciados, 1,4% são viúvos e 0,7% não sabem ou não quiseram responder.
Estes dados são relevantes para a realização de futuros estudos buscando cruzar estes dados com as informações político-eleitorais aqui captadas, além de servirem de atestado contra possíveis vieses que poderiam acontecer caso alguma categoria socioeconômica tivesse dissonância em relação ao todo da população da cidade.
- DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS: PESQUISA SOBRE OS PROBLEMAS DA CIDADE, A PRIORIZAÇÃO DE TEMAS JUNTO A ELEITORES DE PORTO ALEGRE E A AVALIAÇÃO DO GOVERNO MUNICIPAL
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Nesta seção estão listados e analisados os dados referentes ao eixo de políticas públicas necessárias e prioritárias para a cidade, bem como a avaliação do governo atual.
Para a pergunta “Qual a sua avaliação do governo municipal (Prefeito/Prefeitura)”, 36,7% conceituaram como regular a gestão do prefeito José Fortunati, 23,4% como ruim, 20,6% como péssimo (totalizando ambos significativos 80,7% de índices negativos), 13,6% como bom e 3,5% como ótimo, com 2,1% não sabendo ou querendo responder. Com estes dados, é essencial ressaltar a péssima avaliação coletiva da gestão municipal, corroborando e reforçando o contexto político- eleitoral de crise em que se está vivendo atualmente, seja em nível municipal, estadual (crise nas finanças, parcelamento de salários dos servidores públicos, etc.) ou federal (Operação Lava Jato, Zelotes, impeachment de Dilma, etc.).
Em consonância a questão anterior, a pergunta “Qual a sua aprovação em relação ao governo municipal (Prefeito/Prefeitura)” resultou em 60,8% respondendo que desaprova o governo, 12,6% não sabendo ou querendo responder (totalizando 73,4%) e 26,6% aprovando a gestão Fortunati-Melo.
Quanto a opinião popular acerca dos problemas da cidade (com o respondente podendo escolher até três opções), a Figura 1 ilustra as respostas. Neste sentido, há uma clara predominância nos itens Segurança Pública (59,8%), Saúde (50,7%) e Educação (30,1%), com boa citação também do item Administração Pública (19,9%). Estes dados demonstram que ainda as políticas públicas mais básicas e essenciais para a vida em sociedade não estão sendo priorizadas com o devido esforço pelos governantes, devendo ser alvos contínuos de novas ações transformadoras da realidade municipal.
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Figura 1 – Maiores problemas do município eleitoral (até 3 opções selecionáveis)
Fonte: compilado pelo autor.
Já em relação a opinião das áreas que devem ser a principal prioridade do Legislativo Municipal do seu Município Eleitoral (Câmara de Vereadores) para os próximos 4 anos (2017-2020) (com o respondente podendo escolher até três opções), há uma predominância de melhorar os serviços de saúde (43%), combater a violência e a criminalidade (37,4%) e melhorar a qualidade da educação (28,7%), com especial destaque a questões ligadas a administração pública como a redução de impostos (24,1%) e a redução de gastos públicos (14,7%), conforme ilustra a Figura 2. Estas respostas corroboram a noção suscitada na pergunta anterior de que o ímpeto político, governamental e legislativo deve ser na direção de resolver problemas e qualificar a ação nas áreas da segurança pública, saúde, educação e gestão pública municipal e fiscal.
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Figura 2 – Principais prioridades do legislativo para 2017-2020 (até 3 opções)
Fonte: compilado pelo autor.
Com os dados aqui apresentados, fica patente a necessidade de profundos investimentos e ações em áreas básicas e importantes para a sociedade urbana, tais como segurança, saúde, educação e gestão pública. Muito se deve atentar para buscar soluções efetivas para que estes índices de preocupação da população se reduzam e encontrem uma tendência mais equilibrada em relação a outras demandas emergentes, tais como meio ambiente, combate a corrupção e transparência pública e geração de emprego e renda, dentre outros.
- ANÁLISE QUALITATIVA: REFLEXÕES POLÍTICO-ELEITORAIS PARA UMA CAMPANHA ELEITORAL PROPORCIONAL
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Neste contexto, primeiramente é uma grande tendência a necessidade de haver uma desvinculação da imagem do atual prefeito do candidato que quiser fugir de sua rejeição histórica, aqui medida em 80,7% (conceitos regular, ruim e péssimo). Os pré- candidatos devem se aliar a ideias de renovação, inovação, ética, qualidade na gestão pública e efetividade, dentre outros, de forma a fugir do conceito vigente na população, seja em relação ao prefeito municipal e a classe política em geral.
Ainda essencial frisar que nenhum candidato, sob pena de não obter os votos necessários para a sua eleição, deverá se abster de ter propostas eleitorais viáveis para os eixos da segurança pública, saúde, educação e gestão pública, conforme altos índices de citação demonstrados na seção 5 deste artigo.
Também, não se poderá se furtar do debate o candidato a vereador ao contexto de rejeição a corrupção e malversação do dinheiro público, conforme demonstra os itens “combater a corrupção” (28,7% como prioridade legislativa), “aprofundar a fiscalização dos atos da prefeitura / prefeito” (12,12%) e aumentar a transparência pública (6,6%), bem como as citações livres (na questão observações) que se relacionaram a esta repulsa pela corrupção, como os exemplos “Mudar prefeito, político ladrão que só sabem roubar”, “Para pararem de roubar o dinheiro público” e “Atualmente para haver uma mudança política, primeiramente teria que haver uma espécie de rastreamento na ficha dos candidatos para ver se realmente possuam ficha limpa” e também encontrados na questão sobre em quem não daria o voto para vereador se as eleições fossem hoje, citando textualmente “No político corrupto”, “Corruptos com passado ruim”, “Vereador corrupto”, “Em candidato corrupto” e “esteja envolvido e corrupção”.
Portanto, a não vinculação ao governo municipal atual e a resposta a demandas de políticas públicas nas áreas aqui citadas poderá dar uma boa diretriz e caminho para os pré-candidatos a eleição majoritária e, principalmente, a proporcional. Fica nítido a impaciência da população com o contexto atual e a demanda por renovação e melhora radical de forma ética, responsável e efetiva.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do contexto analisado, as conclusões, limitações e proposições de pesquisa aqui estão versadas. Nesta pesquisa, mostrou-se um panorama político- eleitoral do que a população de Porto Alegre pensa de seus governantes, políticas públicas prioritárias, áreas para atenção especial e contexto político em geral.
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Não se espera que este levantamento inicial seja o fim de um processo, mas apenas o primeiro de uma série de ações possíveis e necessárias para o entendimento do pensamento político da população neste ano eleitoral, bem como instrumento válido para pré-candidatos a vereador em 2016 e base para a reprodução da sua metodologia para qualquer ano seguinte.
Com o que foi traçado até aqui, algumas limitações metodológicas se colocam pertinentemente. Primeiramente, conforme salientam Soto Torres e Fernández Lechón (2006), há a limitação da variável histórica a partir de modelos estatísticos e econométricos tradicionais como aqui utilizados. Neste sentido, porém, o intuito desta pesquisa foi justamente o de mapear preliminarmente este campo de pesquisa e abrir espaço para estudos posteriores que incluam análises longitudinais ou qualitativas acerca do tema. Ressalta-se que esta investigação é importante para um segmento da sociedade e de trabalhosa realização, principalmente quando feita a partir de esforços individuais e não de um instituto de pesquisa especializado.
Dado o exposto, espera-se que este trabalho seja uma referência inicial na temática de avaliação do contexto político-eleitoral de Porto Alegre, em especial, para as eleições municipais vindouras.
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ADVOCACIA E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: DIÁLOGO CIENTÍFICO ENTRE O JURÍDICO E O TECNOLÓGICO
ADVOCACY AND ARTIFICIAL INTELLIGENCE: SCIENTIFIC DIALOGUE BETWEEN THE LEGAL AND TECHNOLOGICAL
Adriana Tedgue Ribeiro Catarina Tavares Espinheira Marcos Nunes Sampaio Júnior
RESUMO
Nas últimas décadas a implantação do uso de tecnologias mais aperfeiçoadas no trabalho converteu-se em uma prática de extrema importância para a otimização das atividades realizadas no ramo do Direito, apesar de parcela dos profissionais ainda não terem compreendido a magnitude da referida inserção junto ao arcabouço jurídico e, alguns, manifestarem resistência para usufruí-las. O artigo em epígrafe, perscruta evidenciar as inferências tanto de cunho positivo quanto negativo que a inteligência artificial vem fomentando no que concerne ao aspecto laboral advocatício, além de apreciar como tal tecnologia sensibilizará ainda mais o cenário jurídico explicitando os seus encadeamentos e incertezas. É cógnito que muitos advogados já fazem o uso da AI (Inteligência Artificial) como apetrecho facilitador do seu trabalho, contudo, alguns, ainda relutam em assimilar e adequar-se à nova realidade. Trata-se de um artigo de revisão bibliográfica, no qual foi realizado uma busca na base de dados SciELO, CAPES e RT online dos artigos publicados nos últimos 10 anos.
Palavras-chave: Inteligência Artificial. Advocacia. Tecnologia. Direito. Implicações.
ABSTRACT
In the last decades, the implementation of the use of the most improved technologies has become a practice of extreme importance for the optimization of the activities carried out in the field of Law, although some professionals have not yet understood the magnitude of the referred insertion in the legal framework and, some, still show resistance to enjoy them. The article in question seeks to highlight the inferences of both a positive and negative nature that artificial intelligence has been fostering in relation to the labor law aspect, in addition to appreciating how such technology will make the legal scenario even more sensitive by explaining its chains and uncertainties. It is known that many lawyers already make use of AI (Artificial Intelligence) as a facilitator of their work, however, some are still reluctant to assimilate and adapt to the new reality. This is a bibliographical review article, in which a search was made in the SciELO, CAPES and RT online database of articles published in the last 10 years.
Keywords: Artificial Intelligence. Advocacy. Technology. Law. Implications.
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INTRODUÇÃO
A Inteligência artificial ou artificial intelligence (AI) conforme Rich e Knight (1994) é a análise sistemática do modus operandi pelo qual os computadores podem exercer tal- qualmente funções que, em tese, a ação antrópica procederia de melhor forma. Isto posto, atribui-se a prosperidade desse arranjo de algoritmos que simulam o know-how de aptidões humanas ao desenvolvimento exponencial do arcabouço tecnológico que, por seu turno, é elemento catalisador da globalização mundial.
À vista disso, na interseção entre o universo cingido pela virtualização e as atividades humanas encontra-se o campo jurídico. O direito como sendo o conjunto de regras que regula a vida em sociedade, ou seja, instituto que torna o cotidiano do corpo social possível nos dias hodiernos, também se localiza sob a égide tecnológica, em especial, no que tange ao âmbito concernente às benesses conferidas por tal fenômeno, oriundas da modernização ou mecanização das atividades legais.
Entretanto, como positiva o aforismo popular brasileiro “nem tudo são flores”, por conseguinte, a irrigação das raízes relacionadas ao expediente forense pela AI trouxe consigo além das vantagens, inúmeras incertezas, principalmente no que corresponde à possibilidade de decréscimo dos espaços de atuação dos operadores do direito, em virtude do protagonismo outorgado às máquinas e da resistência de muitos desses profissionais em incorporá-la às suas atividades.
É mister positivar que diante a gama de tecnologias já concebidas, não há que se mencionar mais o questionamento quanto ao aceite ou não do segmento demográfico à sua integração gradual ao cotidiano trabalhista, uma vez que, estas já compõem o ramo comercial sendo apresentadas ordinariamente aos trabalhadores/usuários, restando-lhes buscar tão somente a adequação, bem como o uso delas racionalmente como instrumento colaborativo e otimizador do seu dia a dia.
No mundo jurídico a lógica não se constitui de maneira distinta, visto que os próprios programas dos órgãos públicos estão interligados e o processo de desmaterialização das atividades está cada vez mais latente, percebendo-se nitidamente que os papéis outrora imprescindíveis estão, por vezes, saindo de cena ou abrindo espaço para os arquivos virtuais. Alguns efeitos dessa enxurrada tecnológica são imediatos, porque suscitam a economia de tempo do advogado que não mais necessita deslocar-se, por exemplo, para protocolar, xerocar ou deixar o processo no setor cabível, como também, propiciam a celeridade no que tange a
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lepidez da viabilização do processo eletrônico e a contração expressiva dos processos físicos que se apoderam de vultoso espaço nos setores destes órgãos.
Portanto, configura-se como pertinente a realização de um check-up acerca do comportamento dessas inovações tecnológicas, mormente no campo jurídico, objetivando elucidar como a implantação do novo pode coexistir com o vetusto sem o estabelecimento de conflitos que incidam em prejuízo para ambas ou alguma das partes, uma vez que, é característica do próprio ser humano a resiliência quanto às transformações que o progresso frutifica.
METODOLOGIA
Estudo bibliográfico descritivo do tipo pesquisa bibliográfica, o qual tem por objetivo central a descrição das características de determinada população ou fenômeno, identificando a existência de relações entre variáveis e determinando sua natureza, aproximando-se assim da pesquisa explicativa. Esta, por sua vez, preocupa-se em identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos, aprofunda o conhecimento da realidade porque explica a razão, o porquê das coisas. (MINAYO, 1994).
Para a coleta de dados, foi realizada uma busca na base de dados SciELO, CAPES e RT online dos artigos publicados nos últimos cinco anos, tendo como palavras chaves “inteligência”, “artificial”, “advocacia”, “direito” e “implicações”, dentre os encontrados foram selecionados os mais relevantes publicados nos últimos 5 anos.
Para o alcance dos objetivos o trabalho seguiu os seguintes passos: 1) levantamento bibliográfico das palavras já citadas; 2) análise e síntese do material, através das seguintes leituras: leitura exploratória (leitura do material pré-selecionado), leitura seletiva (seleção do material que interessa ao trabalho), leitura crítica (busca de definições conceituais através de análise, compreensão e julgamento dos conceitos), leitura interpretativa (julgamento das afirmações apresentadas).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir do advento da Revolução Industrial, compreende-se que as máquinas foram concebidas para favorecer o trabalho outrora completamente tecnicizado do homem, visto que este, consequentemente, encontrava-se regularmente diante o confronto com dilemas
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relacionados à saúde oriundos dos labores manuais de característica repetitiva executados em suas atinentes atividades. Do referido lapso temporal até a contemporaneidade, a ascensão tecnológica foi sucessivamente facilitando o trabalho do cidadão, e perenemente promovendo o engendramento de novas tecnologias, como por exemplo, a internet e o armazenamento de dados em nuvens.
Tais inovações foram possíveis através da contribuição da colaboração entre o insubstituível conhecimento humano e a gradação do setor industrial. Noutro giro, por consequência, registrou-se um notável índice de ampliação das taxas de desemprego ao redor do globo terrestre em virtude da preferência em algumas situações pela maquinaria em detrimento da mão de obra humana, assim, praticamente compelindo essas pessoas à reinserção no mercado trabalhista em outros ofícios.
Hodiernamente, nota-se que além do amplo campo da computação e da internet, a robótica vem adquirindo espaço e transformando a forma de trabalho, garantindo precisão na execução das atividades, eficiência e conduzindo os utilizadores a resultados satisfatórios e seguros, como exemplo, destacando-se a área de saúde, onde esses profissionais atuam manipulando máquinas previamente programadas para realizar procedimentos médicos. Por outro lado, no âmbito jurídico a busca perpétua por celeridade diante as voluptuosas e repetitivas demandas dentro do sistema processual é inegável e bastante tangível, uma vez que, padece o Poder Judiciário de um grande volume de causas litigiosas e reiteradas, ocasionando geralmente um atraso na análise, no julgamento e nas decisões sentenciais para a resolução das lides.
Não obstante, a inclusão da inteligência artificial (AI) no direito simboliza que máquinas programadas com algoritmos e sistemas sofisticados podem assumir o papel de um advogado, juiz ou outro profissional do ramo, tornando suas atividades mais alígeras, operativas e profícuas. Trata-se de um percurso atrativo, vantajoso e transformador da realidade dos profissionais e de adaptação dos órgãos públicos. Nessa senda, conforme Tsui, Garner e Staab (2000 apud Igarashi et al 2008, p. 06):
As técnicas de IA podem ser usadas em várias partes dos processos de Gestão do Conhecimento como: personalização das interações homem- computador, gestão de conteúdo, técnicas de recuperação baseada em casos, entre outras. Entretanto, a questão principal é como as ferramentas de Inteligência Artificial auxiliam neste processo, promovendo: aquisição, interpretação, organização, armazenamento e disseminação do conhecimento.
No ano de 1956, John McCarthy definiu AI como uma ciência e engenharia que visam
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produzir máquinas inteligentes. Hoje, os advogados estão divididos em 2 grupos, onde o primeiro é chamado de advogados analógicos (não adeptos ao sistema digital, contudo, forçosamente pelos órgãos públicos utilizam os sistemas eletrônicos) e o segundo são os advogados digitais (aqueles que usam a tecnologia da AI e outras). (DAMY, MIRANDA, REIS, 2019).
Ressalta-se, ainda, que a evolução tecnológica se desprende ao entendimento de documentos pelas máquinas e, hoje, é dívida de forma simplória em quatro níveis: 1) Digitalmente, carrega documentos e ativa a pesquisa de texto; 2) Através de regras reconhece as cláusulas padrão e aprendizagem mecânica; 3) Por meio de modelos específicos configurados em cenários isolados, localiza padrões; 4) Em um nível de cláusula por agrupamento, identifica padrões e desvios, sugere ainda redação alternativa para qualquer áreade risco. A partir disso, os escritórios de advocacia têm buscado novos modelos de recepção, atendimento e interação com seus clientes, usando a computação cognitiva. Os atos repetitivos possuem como suporte o sistema cognitivo, logo atividades inerentes da profissão como investigação, pesquisa jurídica, autoatendimento online, revisão e análise de contratos, softwares de gestão de processos, dentre outros, vêm sendo substituídos pela AI de forma satisfatória e excepcional. (DAMY, MIRANDA, REIS, 2019).
À luz do exposto, no mercado atual, os programas existentes para realizar atividades jurídicas, como o Watson e os startups que são de empresas voltadas para resolução de problemas jurídicos utilizando a tecnologia, vêm crescendo significativamente no mercado. Em síntese perfeita, a AI era utilizada para tarefas mais simples do cotidiano de um profissional do direito, como acompanhar um processo, gerir prazos e informações de um escritório de advocacia, por exemplo. Contudo, com essa crescente utilização e procura da AI as atividades que por ela podem ser exercidas também foram se aprimorando. Hoje, através daAI é possível: “monitorar dados públicos, fazer juízos preditivos das decisões judiciais,automatizar petições, pronunciamentos judiciais, contratos e demais documentos jurídicos, contatar profissionais do Direito para diligências específicas, propor resolução on-line de conflitos, compilar dados e aplicar a estatística ao Direito.” (NUNES, RUBINGER, MARQUES, 2018).
Pode soar de maneira estranha que um computador possa analisar e emitir um juízo sobre uma determinada ação, analisar de que forma o juiz pensaria e tomar a decisão mais parecida com a que ele tomaria. Mas esta já é a realidade palpável daqueles que exercem a profissão de advocacia no Brasil e no mundo. Vale ressaltar um artigo publicado na revista CONJUR, que explicita que os EUA e Londres já são completamente adeptos a junção da AIe Direito:
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Nos EUA, computações cognitivas, como o Watson, são utilizadas por escritórios advocatícios para fazer pesquisas jurídicas, analisar documentos, redigir contratos e prever resultados. As vantagens do uso de tal tecnologia, que proporciona maior rapidez, precisão e qualidade na realização de trabalhos maçantes e repetitivos, têm feito com que cada vez mais escritórios invistam em sua utilização. De acordo com uma pesquisa feita pela CBRE, cerca de 48% dos escritórios advocatícios de Londres já utilizam sistemas de IA e 41% pretendem implantá-los. Segundo a pesquisa, os algoritmos são utilizados, principalmente, para gerar e revisar documentos, para a eletronic discovery e na due diligence — investigação prévia de companhias antes da realização de negócios. (NUNES, RUBINGER, MARQUES, 2018).
O Brasil também vem se destacando no que diz respeito a utilização da Inteligência Artificial no âmbito jurídico, com menos incidência do que em outros países, mas com resultados positivos e significativos para uma melhora na qualidade dos serviços jurídicos. Nesse contexto, no âmbito da implantação de novas tecnologias para contribuição da celeridade e efetividade no direito, especialmente nos tribunais, o Ministro do STJ, Ricardo Villas Bôas Cueva durante pronunciamento no evento V Encontro de Magistrados Brasil- EUA ocorrido entre os dias 4 e 8 de março de 2019 em território estadunidense e desenvolvido em cooperação entre o Instituto Justiça & Cidadania e a American University – Washington College of Law (WCL) positivou que:
A IA pode aumentar muito a produtividade do Judiciário por meio de métodos de automação e de fluxos de trabalho mais racionais, previsíveis e precisos. Já existem hoje, por exemplo, alguns sistemas de triagens de processos com um nível de precisão muito maior do que aquela que era feita por seres humanos. Em um futuro próximo será possível produzir minutas de decisão automatizadas e propor ao magistrado minutas com base naquilo que já foi julgado sobre a matéria. O STJ já tem um sistema, chamado Sócrates, que faz a triagem e classificação dos processos e recursos que entram. O nível de acurácia do sistema é cada vez maior, porque ele aprende com a prática (JUSTIÇA & CIDADANIA, 2019, On-line)
O Watson, um exemplo de inteligência artificial, foi implantado em um escritório de advocacia no Recife e como resultado tem-se que: “a automatização de serviços repetitivos, aumentando a média de acertos, em relação ao preenchimento de dados, de 75% para 95%.” (NUNES, RUBINGER, MARQUES, 2018).
A Advocacia Geral da União (AGU) também já vem se beneficiando e inserindo formas de AI para melhorar a eficiência do instituto. A AGU através do sistema Sapiens, implantado no ano de 2014, teve como objetivo: “facilitar o trabalho do procurador, tornando mais rápida e simplificada a produção de peças, automatizando e eliminando a necessidade deregistro manual da produção jurídica. Trata-se de ferramenta que auxilia, inclusive, na tomada
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de decisão, sugerindo teses jurídicas cabíveis em cada caso concreto.” (NUNES, RUBINGER, MARQUES, 2018).
Ademais, além da AGU outros importantes segmentos do nosso ordenamento jurídico também já iniciaram a utilização da AI:
No âmbito do Judiciário brasileiro, como no TJ-MG, está se desenvolvendo um sistema para indexação automática de processos a fim de identificar com maior facilidade a existência de demandas repetitivas. Do mesmo modo, o TST, em parceria com a UnB, está elaborando um software que fará a triagem automática de processos bem como processamento de julgados envolvendo a questão jurídica para a sugestão de proposta de voto. (NUNES, RUBINGER, MARQUES, 2018)
Convém de pronto esclarecer que já são diversas as ferramentas de AI disponíveis no mercado comercial internacional e brasileiro, tais como a AIJUS (criada com o intuito de redução de custos com o contencioso de massa, capaz de eliminar erros humanos e automatizar o cadastro de processos), o ROSS (plataforma de pesquisa jurídica sobre as leis, utilizado nos EUA, software de última geração que permite compreensão dos significados e faz correlações), LUMINANCE (propicia aceleramento nos processos de auditoria em fusõese aquisições para verificar viabilidade de um negócio), LEGAL ONE (redutor de questões de pesquisa jurídica a perguntas bem definidas e com respostas específicas), LINTE (automatização de tarefas repetidas, como a criação e gestão de documentos, acompanhamento processual, elaboração de contratos), INTELIVIX (busca processos já publicados pelos tribunais brasileiros, a fim de identificar os perfis de cada juiz), LEGAL TABS (são dois robôs virtuais capazes de acompanhar resultados e tramitações de processos online, peticionamento automático, realiza cálculos previdenciários e tributários), ADVBOX (gestão de contratos e processos, peticiona, sistema brasileiro, apelidado de advogado-robô), SEMPROCESSO (negociação por chat até upload da minuta de acordo assinada pelas partes), PIPEDRIVE (software de gestão de negociações). (DAMY, MIRANDA, REIS, 2019).
Nessa linha de inteleção é notório e importante ressalvar que essa implantação tecnológica gera, ainda, um custo bastante oneroso e que impacta significativamente sobre o trabalho e produção, diminuindo a empregabilidade no país, pois as empresas/escritórios acabam substituindo trabalho por capital. Outro fator agravante é o monopólio existente sobre essas plataformas digitais tecnológicas, o que eleva o custo pela ausência de concorrência e aumenta os riscos sociais como a sujeição a certos provedores. (SCHWAB, 2016).
Rifkin (2018) explicita que só haverá custo na implantação inicial desse tipo de tecnologia e, após o custo de produção será zero já que há um grande potencial produtivo no
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mundo digital e esses bens e serviços poderão ser produzidos para intercâmbio no mercado, numa espécie de economia compartilhada. Advogados, escritórios e repartições públicas devem estar preparados para esses novos modelos operacionais e para sempre investir em novas tecnologias, a fim de potencializar a qualidade de vida não somente do profissional, sobretudo do cliente, que muitas vezes aguarda anos e chega ao óbito esperando por sentençaspositivas a respeito de seus processos.
No Brasil, a questão vem sendo tratada inclusive pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Luiz Fux elucida que diante das práticas advocatícias diária repetitivas, ou seja, em relação a automatização de atividades repetitivas, se tem com a IA agilidade e precisão, contudo ele levanta questionamentos de cunho ético-jurídico no que tange a questão regulatória de tal tecnologia. Nessa seara o ministro levanta questionamentos como a responsabilidade civil por atos autônomos de máquinas, direitos autorais e produção de obras realizadas por máquinas e o direito à privacidade e utilização desses dados pessoais por sistemas de AI. (DAMY, MIRANDA, REIS, 2019).
Consoante a tantas novidades o direito brasileiro se depara com uma temática já bastante discutida que é como regular as consequências oriundas de tamanha tecnologia. A AItem liberdade para surpreender o programador com resultados que nem ele conseguiu prever, trata- se de um ponto positivo, entretanto como foi conseguido esses dados pode expor a riscos, pois um terceiro alheio pode vir a ser lesado. Discute-se, incansavelmente, sobre a quem responsabilizar por eventuais danos oriundos dessa tecnologia. Um ponto importante a se abordar, trata-se de como é visto pelo nosso ordenamento jurídico, e se este é ao menos previsto, sobre a responsabilidade civil envolvendo a Inteligência Artificial. Quem seriaresponsável por um erro grave ocasionado pela máquina? Obviamente que as chances de equívocos humanos são bem maiores, comparado a algo programado para não falhar. (LOPES, 2018).
Há de se considerar a velocidade dos avanços relacionados a área. Vale a atenção ao tema desde já, para que se tenha um volume maior de informações e extensivos debates para elucidar muitas questões que virão. Atualmente existem carros completamente autônomos, que já fizeram vítimas fatais. Nesse caso específico, é possível notar a causalidade do fato. O episódio ocorrido no Arizona, quando um carro autônomo da Uber atropelou e matou um pedestre, trouxe à tona a discussão e levou a Administração Nacional de Segurança Rodoviária dos Estados Unidos (NHTSA) a adotar uma classificação de autonomia dos carrosde 0 a 5. Visando assim, valorar a interação do humano com a máquina, até que ponto ele seria o responsável pelo acontecido. (LOPES, 2018).
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É cógnito, que as máquinas precisam de intervenção humana para que sejam programadas previamente, neste caso, observa-se que o programador pode, sim, ter culpa pelo dano gerado, caso possa reconhecê-lo, ou seja identificá-lo. Além disso, os softwares produzidos em ampla escala e liberados para comercialização devem ser atualizados pelas empresas fabricantes, ou seja, fazendo manutenção preventiva e corretiva desses sistemas no que tange a minimização e até a anulação de quaisquer erro, pois caso contrário deve ser responsabilizada, caso comprovada a culpabilidade por falta de segurança, por exemplo. É sabido que as Lei nº 10.973/2004 (Lei da Inovação) e a Lei 12.965/2004 (Marco Civil da Internet) não englobam sobre o uso da Inteligência Artificial, o ordenamento jurídico brasileiro ainda não versou sobre o tema normatizando-o. Em países já desenvolvidos temas como esse estão sendo abordados cotidianamente, através de diálogos para se buscar incluir normas de proteção ao consumidor.
Na contemporaneidade, sobretudo, nos últimos anos, a inteligência artificial garantiu espaço ainda como instrumento estratégico de cunho político, por um lado favorecendo campanhas eleitorais atuando com os famosos robôs da internet influenciando nos debates, auxiliando nos sistemas de votação e até mesmo contribuindo com a contagem de votos, por outro colaborando nocivamente com a disseminação das arrojadas fake news com a ampliação da atuação dos hackers para com a obtenção de dados sigilosos de instituições públicas e privadas, de políticos e também de cidadãos comuns, propiciando, por óbvio, uma desordem conflituosa ideológica, moral, insensata e temerária. (RISSE, 2018).
Se tratando de Inteligência Artificial, busca-se que aquele sistema se desenvolva independentemente, aprendendo e tendo decisões completamente autônomas, não possuindo influência humana alguma. Quando se trata então, daqueles indivíduos que iniciaram o banco de dados de algoritmos para a AI se desenvolver, encontra-se a problemática de indicação de sujeitos, já que esses são diversos e, muitas vezes, falamos de milhares de pessoas espalhadas pelo mundo a desenvolver em colaboração um software livre. (LOPES, 2018).
A AI não se trata de pessoa física e nem jurídica, contudo, não pode ser responsabilizada, por não ser sujeito de direitos e obrigações, mas pode o legislativo enquadrar regras jurídicas quanto ao uso racional de tal tecnologia, preservando o mais valioso princípio do nosso ordenamento que é a dignidade da pessoa humana, salvaguardando dados pessoais. Para um avanço tão grande da tecnologia e uma problemática em identificar culpados, é preciso que os estudos na área do direito se intensifiquem cada vez mais. Com o passar dos anos, sucederão inúmeros acontecimentos com problemas ainda mais novos, e não
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se trata apenas sobre as possibilidades da AI na advocacia, mas em todo o cotidiano social e no ordenamento jurídico. (LOPES, 2018).
Nada obstante, a realidade é que a modernização das atividades não deve ser observada sob a ótica da substituição do homem pela máquina, tampouco ser tratada como fator causal da elevação do desemprego, pelo contrário, a introdução da AI nas etapas laboraisfomenta mais o estímulo gerador de novas oportunidades de trabalho do que as reduz, muito em decorrência da necessidade de aprendizado, manipulação e controle dessa inovação, posto que, a tecnologia ainda que criada para atuar de maneira independente, sujeita-se ao homem para direcionar e designar suas funções e limites. (RUSSEL; NORVIG, 2013).
Dessa forma, a automação do trabalho por meio das novidades ofertadas pela high- tech oferece além das regalias mencionadas, a possibilidade aos que especializam-se em seu uso de lograr a garantia de uma remuneração superna em relação aos que rejeitam conhecê-la. Nesse contexto, render-se ao novo não necessariamente significa ao trabalhador ter seu espaçode atuação reduzido, mas sim coabtar o ambiente laboral junto às técnicas modernas, objetivando o aperfeiçoamento, a prosperidade das atividades, bem como o upgrade das possibilidades operacionais humanas na aplicação de seus ofícios. (RUSSEL; NORVIG, 2013).
CONCLUSÃO
Impõe-se recordar que, primeiramente, o objetivo desses sistemas tecnológicos são o de atuarem como facilitadores dos órgãos públicos no que concerne a tarefas como classificação, digitalização e organização dos processos, tornando o trabalho com mais instruído e lesto, servindo de suporte e apoio às decisões judiciais. Em um segundo momento, deve-se ponderar que tais órgãos mantenedores e empresas fornecedoras desses softwares invistam em segurança da informação, para que haja sigilo das informações e que evitem cair nas mãos de terceiros alheios ao processo, além de atuar preventivamente nos possíveis erros operacionais.
Em observância, pode-se elencar os benefícios das tecnologias de computação cognitiva que vão além de um sistema de pesquisa, auxiliando na investigação das leis, levantando precedentes judiciais, classificando as informações conforme a programação, apontando possíveis soluções para os litígios, mas aclarando sempre que o juiz poderá decidir ou despachar. Cumpre registrar, ainda, que os agentes programadores devem estar
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devidamente capacitados para gerir essas máquinas de forma segura, com precisão, minimizando quaisquer erros que porventura possam surgir.
Precisa-se enfatizar que os advogados, os escritórios de advocacia e Órgãos públicos devem se adequar ao novo, facilitador do seu labor, pois trata-se de uma vertente crescente como foi o advento da internet e aqueles que não aderem ao novo acabam estagnados no tempo e espaço, perdendo campo para aquele que evolui. Em face disso, os não adeptos da tecnologia acabam perdendo mercado, conquanto as empresas comercializadoras e mantenedoras dos softwares aumentam sua margem de lucro.
É axiomático, portanto, que a AI surgiu com afinco para auxiliar a seara da advocacia, possibilitando que as atividades de cunho custoso e extenuante outrora exercidas por humanos sejam realizadas por máquinas inteligentes. Faz-se imprescindível a quebra de paradigmas para que se configure factível vislumbrar as metamorfoses tanto jurídicas quanto tecnológicas como oportunidades de florescimento e avanço profissional, mantendo dessa forma o mercado amplamente competitivo, nupérrimo e, sobretudo, instigante.
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