APOSTILA: Curso de Geometria Euclidiana Plana = PDF DOWNLOAD
Um Curso de Geometria Euclidiana Plana
Sum´ario
Um Curso de Geometria Euclidiana Plana 3
- Geometria Absoluta 7
- Conceitos Primitivos e Axiomas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
- Retas, Segmentos, Semirretas, Semiplanos e
Aˆngulos ……………………………………………………………………………………………….. 10
- Congruˆencia …………………………………………………………………………………………. 21
- Desigualdades……………………………………………………………………………………… 27
- Geometria Euclidiana 35
- O Problema das Paralelas……………………………………………………………………….. 35
- O Axioma Euclidiano das Paralelas……………………………………………………………. 45
- O Conceito de Semelhan¸ca …………………………………………………………………….. 52
- Circunferˆencias e Discos ………………………………………………………………………… 58
- O Conceito de A´rea ……………………………………………………………………………….. 72
Referˆencias 87
1
Antes de come¸carmos…
O enfoque:
Este ´e um texto curto de Geometria Euclidiana Plana acess´ıvel a leitores que cursaram o Ensino M´edio. Trata-se de um curso b´asico de Geometria Sint´etica, ou seja, um curso no qual n˜ao se faz uso de sistemas de coordenadas no plano e, portanto, n˜ao se faz uso das ferramentas da Geometria Anal´ıtica ou Diferencial. Outro aspecto deste texto ´e que se trata de um texto axiom´atico, ou seja, os diversos teoremas que enunciamos e demonstramos
s˜ao deduzidos, em u´ltima instˆancia, diretamente de um sistema axiom´atico previamente
concebido. Sendo assim, nossa maior preocupa¸c˜ao ´e com o encadeamento l´ogico-dedutivo dos resultados `a medida em que avanc¸amos na constru¸c˜ao da teoria.
A originalidade:
E´ importante ressaltar que nossa primeira motiva¸c˜ao ao escrever essas notas foi o curso
de Licenciatura em Matem´atica `a Distˆancia da Universidade Federal de Uberlˆandia. Por essa raz˜ao, apesar de ser um texto curto, durante sua escrita tivemos a preocupa¸c˜ao de redigi-lo da forma mais original poss´ıvel, inserindo inclusive notas hist´oricas para torn´a-lo
mais atraente.
E´ fato que h´a excelentes textos de Geometria Euclidiana Plana em l´ıngua
portuguesa com a proposta descrita acima, como o livro do professor Jo˜ao Lucas [2], e das professoras Eliane e Maria Lu´cia [13]. Portanto, n˜ao faria o menor sentido replic´a-los nessas notas.
Os exerc´ıcios:
O leitor logo perceber´a que n˜ao colocamos exerc´ıcios do tipo “aplica¸c˜ao de f´ormulas” neste texto (que s˜ao abundantes em livros de Ensino M´edio). Mesmo os exerc´ıcios “conceituais” s˜ao escassos e aparecem `a medida em que se fazem necess´arios para complementar algum resultado exposto. Isso n˜ao significa que exerc´ıcios n˜ao sejam importantes: eles o s˜ao e devem ser feitos durante o estudo e ser˜ao propostos no ambiente de aprendizagem pr´oprio do curso `a distˆancia. Naturalmente, h´a inu´meros ´otimos exerc´ıcios em textos consagrados de geometria, como os j´a citados [2] e [13]. N˜ao vamos replic´a-los nessas notas. Ali´as, uma sugest˜ao valiosa em termos de exerc´ıcios para a consolida¸c˜ao do aprendizado de Geometria Euclidiana s˜ao as quest˜oes dos inu´meros vestibulares das universidades pu´blicas brasileiras. Em plena era da inform´atica ´e muito f´acil encontrar e compilar um banco de quest˜oes muito boas (e originais!) acerca desse assunto. Encorajamos os leitores que fa¸cam essa busca.
As constru¸coes geom´etricas:
Outro aspecto que gostar´ıamos de destacar ´e que as constru¸c˜oes geom´etricas “com r´egua e compasso” s˜ao extremamente importantes para a consolida¸c˜ao do aprendizado em ge- ometria (e fazem parte da ementa da disciplina Geometria Euclidiana Plana do curso `a distˆancia). Neste texto n˜ao as colocamos, mas elas ser˜ao trabalhadas por meio do software livre de geometria dinˆamica GeoGebra, sendo que todo o material de acompanhamento ser´a disponibilizado on line, pela Internet, em site pr´oprio divulgado posteriormente.
O conteu´do:
O curso est´a dividido em quatro m´odulos, sendo dois de Geometria Absoluta (Cap´ıtulo 1) e dois de Geometria Euclidiana (Cap´ıtulo 2):
Cap´ıtulo 1: Geometria Absoluta
(M´odulos 1 e 2)
M´odulo 1
Conceitos Primitivos e Axiomas.
- Trˆes Personagens Importantes na Hist´oria da
- O Modelo Padr˜ao para a Geometria
Retas, Segmentos, Semirretas, Semiplanos e Aˆngulos.
- Retas e Distˆancia entre Pon
- Segmentos e
- Aˆ
M´odulo 2
Congruˆencia.
- Pol´ıgonos.
- Triˆ
Desigualdades.
- O Teorema do Aˆngulo Externo e Consequˆ
- Desigualdade
Cap´ıtulo 2: Geometria Euclidiana
(M´odulos 3 e 4)
M´odulo 3
O Problema das Paralelas.
- Alguns Coment´arios sobre a Hist´oria do “Problema das Paralelas”.
O Axioma Euclidiano das Paralelas.
- A Existˆencia e Unicidade da P
- Quadril´
O Conceito de Semelhan¸ca.
- Triˆangulos Semelhan
- Triˆangulos Retˆ
- Ampliando o Conceito de Semelhan¸
- O Teorema Fundamental da
M´odulo 4
Circunferˆencias e Discos.
- Defini¸c˜oes e Primeiros
- Pontos Not´aveis de um Triˆ
- A Reta de Euler e a Circunferˆencia dos Nove Pon
- Inscri¸c˜ao e Circunscri¸c˜ao de Pol´ıgonos Regulares em Circunferˆ
- Comprimentos de Circunferˆencias e de Arcos de Circunferˆ
O Conceito de A´rea.
- O Retˆ
- A´rea de Retˆ
- O Conceito Geral de A´
- A´reas de Figuras P
- A´rea de Disco e Setor
- Semelhan¸ca e A´
Al´em dos m´odulos acima, acrescentamos um interessante Apˆendice sobre proposi¸c˜oes equivalentes ao Quinto Postulado de Euclides, al´em, ´e claro, das Referˆencias.
Apˆendice.
- Equivalentes ao Quinto Postulado de
Referˆencias.
Bons estudos! Os autores.
Uberlˆandia, agosto de 2013.
Cap´ıtulo 1 Geometria Absoluta
A Geometria Absoluta ´e a parte da Geometria desenvolvida sem o uso do chamado Axioma das Paralelas. Optamos por destacar a Geometria Absoluta em um cap´ıtulo separado devido ao fato de que todos os teoremas cujas demonstra¸c˜oes n˜ao fa¸cam uso do referido axioma s˜ao teoremas v´alidos na chamada Geometria Hiperbolica, que ´e uma geometria n˜ao euclidiana bastante importante do ponto de vista hist´orico.
Trˆes Personagens Importantes na Hist´oria da Geometria
Euclides, de Alexandria.
Euclides foi o matem´atico grego respons´avel pela compila¸c˜ao de praticamente toda a matem´atica desenvolvida at´e sua ´epoca em uma monumental obra de 13 volumes chamada Os Elementos, confeccionada por volta do ano 300 a.C.
Figura 1: Ilustra¸c˜ao de Euclides, de Alexandria.
Seu m´erito n˜ao se restringe apenas `a compila¸c˜ao, como tamb´em `a introdu¸c˜ao do m´etodo l´ogico-dedutivo no desenvolvimento de uma teoria, isto ´e, do m´etodo axiom´atico, t˜ao co- nhecido da matem´atica dos dias atuais. Na obra de Euclides temos 10 axiomas (1), sendo 5 “no¸c˜oes comuns”, que Euclides acreditava serem verdades aceitas sem contesta¸c˜oes em qualquer ciˆencia, e 5 “postulados” que pretendiam ser proposi¸c˜oes espec´ıficas da geometria e que tamb´em deveriam ser aceitas sem contesta¸c˜oes. A partir desses axiomas, Euclides deduziu 465 proposi¸c˜oes, dentre as quais figuram tamb´em resultados de geometria espacial
1Proposi¸c˜oes admitidas sem demonstrac˜oes.
e teoria dos nu´meros (do ponto de vista geom´etrico). Os livros did´aticos de geometria, confeccionados ao longo do tempo, possuem, at´e hoje, Os Elementos de Euclides como base. Trata-se da segunda obra mais editada no mundo (a primeira ´e a B´ıblia).
Sabe-se que Euclides nasceu por volta do ano 325 a.C. e morreu por volta de 265 a.C. Sabe-se tamb´em que ele viveu boa parte de sua vida na cidade de Alexandria, no Egito, onde trabalhou na famosa biblioteca de Alexandria, fundada por Alexandre, o Grande.
David Hilbert.
Hilbert foi um importante matem´atico e l´ogico alem˜ao que nasceu em 1862 em K¨onigsberg na Pru´ssia (atualmente K¨onigsberg ´e uma cidade russa) e morreu em 1943 em G¨ottingen na Alemanha.
No final do s´eculo XIX Os Elementos de Euclides n˜ao estavam resistindo ao rigor que a l´ogica exigia para os fundamentos da geometria. Muitas proposi¸c˜oes de Geometria Euclid- iana faziam uso de resultados que n˜ao haviam sido demonstrados anteriormente e que n˜ao constavam do rol de axiomas (2), ou seja, era necess´aria uma reformula¸c˜ao dos axiomas de Euclides. Uma proposta, ainda no s´eculo XIX, bem aceita pela comunidade matem´atica foi a de Hilbert (3), publicada em seu c´elebre trabalho Grundlagen der Geometrie (Fundamentos de Geometria), de 1899, em que Hilbert coloca a Geometria Euclidiana sobre bases s´olidas por meio da substitui¸c˜ao dos 5 Postulados de Euclides por 5 grupos de axiomas, os quais chamou de Axiomas de Incidˆencia (7 axiomas), Axiomas de Ordem (4 axiomas), Axiomas de Congruˆencia (6 axiomas), Axiomas de Continuidade (2 axiomas) e o Axioma das Paralelas.
Figura 2: Foto de David Hilbert.
Na obra original de Hilbert h´a 21 axiomas, mas o 21o axioma ´e, na verdade, consequˆencia dos demais axiomas.
Al´em de propor um novo sistema de axiomas, ao contr´ario de Euclides, Hilbert considerou que ponto, reta, plano e espac¸o s˜ao conceitos primitivos (ou no¸c˜oes primitivas), objetos n˜ao pass´ıveis de serem definidos. Junto aos conceitos primitivos, Hilbert tamb´em considerou trˆes rela¸c˜oes primitivas (igualmente n˜ao pass´ıveis de defini¸c˜ao) que s˜ao as rela¸c˜oes “estar em”, “estar entre” e “ser congruente a”.
2Um sistema axiom´atico para uma teoria deve ter necessariamente duas caracter´ısticas: ser coerente e ser suficiente. Coerente significa que n˜ao se pode provar uma proposi¸c˜ao e sua nega¸c˜ao a partir do sistema de axiomas adotado. Suficiente significa que deve ser poss´ıvel decidir sobre a veracidade ou n˜ao de uma proposi¸c˜ao da teoria a partir de seu sistema de axiomas. Ainda h´a um aspecto desej´avel (mas n˜ao obrigat´orio) em um sistema axiom´atico: que um axioma n˜ao seja consequˆencia dos demais, ou seja, que ele seja o mais enxuto poss´ıvel.
3H´a outros sistemas axiom´aticos, at´e mais concisos que o de Hilbert, para a Geometria Euclidiana, como,
por exemplo, o de Alfred Tarski e o de George Birkhoff. Entretanto, o sistema de Hilbert parece ter a virtude de ser mais sincronizado com Os Elementos.
George David Birkhoff.
Birkhoff (1884-1944) foi um matem´atico americano que tamb´em propˆos um sistema a- xiom´atico para a Geometria Euclidiana. Seu trabalho, intitulado A set of postulates for plane geometry, based on scale and protractor foi publicado no conceituado peri´odico Annals of Mathematics, em 1932, e consiste de um sistema com apenas quatro axiomas. Tal concis˜ao s´o foi poss´ıvel devido `a associa¸c˜ao que Birkhoff faz de seus axiomas com a estrutura de corpo ordenado completo dos nu´meros reais. A constru¸c˜ao axiom´atica do conjunto dos nu´meros reais j´a era algo muito bem estabelecido no campo da An´alise `a sua ´epoca.
Figura 3: Foto de George David Birkhoff.
Essa concis˜ao que os axiomas de Birkhoff trouxe para a geometria foi extremamente bem- vinda do ponto de vista did´atico, uma vez que a manipula¸c˜ao das propriedades dos nu´meros reais ´e, geralmente, bem compreendida pelos estudantes. Atualmente, a grande maioria dos textos did´aticos de geometria selecionam “seus axiomas” a partir de uma mistura dos axiomas de Hilbert e de Birkhoff, com pequenas altera¸c˜oes em seus enunciados. Neste texto tamb´em seguiremos por esse caminho.
O Modelo Padr˜ao para a Geometria Euclidiana
Na referˆencia [2] o prof. Jo˜ao Lucas M. Barbosa estabelece um interessante paralelo entre conceitos primitivos, axiomas e um jogo de damas. Embora seja algo que cause um certo incˆomodo em um primeiro estudo, n˜ao ´e poss´ıvel defirmos tudo em uma teoria axiom´atica. Se quis´essemos definir rigorosamente reta, por exemplo, far´ıamos uso de termos que, por sua vez, precisariam ser definidos. Na defini¸c˜ao desses termos, novos termos surgiriam e estes, por sua vez, precisariam tamb´em ser definidos. Cair´ıamos, fatalmente, em uma cadeia infinita de defini¸c˜oes ou, ent˜ao, em um ciclo vicioso (4). Os conceitos primitivos s˜ao como as pedras de um jogo de damas. Ningu´em as define rigorosamente, at´e porque uma pedra no jogo de damas pode ter formatos variados, al´em de ser totalmente inu´til para o jogo tal tentativa de defini¸c˜ao. O que importa s˜ao as regras do jogo e n˜ao como a pedra ´e representada. Essas regras s˜ao os axiomas. A partir delas deve-se deduzir o que se pode fazer (os teoremas!) e o que n˜ao se pode fazer durante o jogo.
Outro aspecto importante que devemos ressaltar ´e o modelo que utilizamos para represen- tar os conceitos primitivos da geometria. Obviamente estamos extremamente familiarizados em representar uma reta como uma “linha esticada” e um plano como uma “superf´ıcie es- ticada”. Mas uma reta n˜ao precisa ter necessariamente esse formato. De fato, em estudos
4Por exemplo, Euclides “definiu” reta como sendo comprimento sem largura. Mas o que s˜ao os termos comprimento e largura? Euclides tamb´em “definiu” ponto como sendo aquilo que n˜ao tem partes. Possivel- mente ele foi influenciado pelo conceito (errˆoneo) de ´atomo de sua ´epoca, segundo o qual acreditavam ser a por¸c˜ao indivis´ıvel da mat´eria. Mas, e o que significa n˜ao ter partes?
mais avancados podemos provar que qualquer superf´ıcie que possa ser “planificada sem dis- tor¸c˜oes” (5) serve como modelo de “plano” para a Geometria Euclidiana. Naturalmente o formato das “retas” em tais superf´ıcies pode ser extremamente variado. O que faz os mod- elos usuais de pontos, retas e planos da Geometria Euclidiana serem t˜ao utilizados ´e a sua conveniˆencia em rela¸c˜ao `as observac˜oes f´ısicas que fazemos ao nosso redor.
Nesse sentido, o estudo de geometrias n˜ao euclidianas pode ser muito interessante. E- xistem muitos modelos diferentes para tais geometrias e seu estudo liberta nossa mente do v´ıcio de achar que tudo ao nosso redor se adequa necessariamente aos modelos usuais da Geometria Euclidiana.
Sugest˜ao de trabalho: Fa¸ca uma pesquisa nas referˆencias bibliogr´aficas deste texto e na Internet sobre o enunciado dos axiomas (originais) de Euclides, Hilbert e Birkhoff.
- Retas, Segmentos, Semirretas, Semiplanos e Aˆngulos
Retas e Distˆancia entre Pontos
Toda a teoria deste texto est´a desenvolvida sobre um conjunto chamado plano (que
´e um conceito primitivo). Os elementos desse conjunto s˜ao os pontos (tamb´em conceito primitivo). Qualquer subconjunto de pontos do plano ´e chamado de figura. Um tipo de figura importante do plano ´e composto por retas (outro conceito primitivo).
Conforme j´a discutido na se¸c˜ao anterior, podemos adotar como modelo de plano uma “superf´ıcie esticada” n˜ao limitada em todas as dire¸c˜oes. Estamos extremamente familia- rizados com este tipo de modelo de plano, uma vez que uma folha de papel sobre uma mesa fornece o “material concreto” para esbo¸carmos figuras em pelo menos uma parte limitada do plano.
Um modelo de reta pode ser adotado como sendo uma “linha esticada” n˜ao limitada em ambos os sentidos no plano. Do ponto de vista concreto tamb´em estamos absolutamente familiarizados com esse modelo, pois parte de tal linha pode ser tra¸cada sobre uma folha de papel com o aux´ılio de uma r´egua.
Por fim, um modelo de ponto pode ser adotado como sendo uma “part´ıcula” no plano. Tamb´em do ponto de vista concreto temos muita familiaridade com pontos, uma vez que eles podem ser produzidos sobre uma folha de papel com o aux´ılio da ponta de um l´apis ou caneta.
Nota¸c˜ao para pontos neste texto: letras latinas maiu´sculas (A, B, C, . . .).
Nota¸c˜ao para retas neste texto: letras latinas minu´sculas (r, s, t, . . .). Tamb´em uti- lizamos a nota¸c˜ao A←→B para designar a reta que cont´em os pontos distintos A e B.
Axioma A1. Em uma reta existem pelo menos dois pontos distintos. Dada uma reta, existe um ponto que n˜ao pertence a essa reta.
5Superf´ıcies isom´etricas ao plano usual. Como exemplos cl´assicos de superf´ıcies que podem ser planifi-
cadas isometricamente no plano usual temos os cilindros e os cones de revolu¸c˜ao. Notemos que as referidas planifica¸c˜oes de cilindros e cones n˜ao cobrem todo o plano usual.
r
Figura 4: A ∈ r; B ∈/ r.
Axioma A2. Dois pontos distintos determinam (6) uma u´nica reta.
r
Figura 5: r = ←A→B. Pontos sobre uma reta s˜ao ditos pontos colineares.
O estudo de posi¸c˜oes relativas entre retas no plano faz uso do princ´ıpio l´ogico do “terceiro exclu´ıdo”, ou seja, que uma afirmac˜ao ou ´e verdadeira ou ´e falsa, n˜ao havendo terceira pos- sibilidade. Equivalentemente, ou “x ´e y” ou “x n˜ao ´e y”, n˜ao havendo terceira possibilidade. Sendo assim, h´a apenas duas posi¸c˜oes relativas para duas retas r e s distintas no plano:
- r e s possuem pontos em comum;
- r e s n˜ao possuem pontos em com
Devido ao Axioma A2, no caso (1) n˜ao pode haver mais do que um intersec¸c˜ao entre as retas r e s.
No caso (1) chamamos as retas r e s de retas concorrentes. No caso (2) chamamos as retas r e s de retas paralelas.
u´nico ponto de
Observac¸˜ao: os Axiomas A1 e A2 garantem a existˆencia de retas concorrentes (verifique!), enquanto a prova da existˆencia de retas paralelas ainda depende de outros axiomas que enunciaremos adiante.
Sintetizemos as duas defini¸c˜oes acima:
Duas retas distintas s˜ao ditas concorrentes ou secantes quando possuem um u´nico ponto em comum.
Duas retas distintas s˜ao ditas paralelas quando n˜ao possuem pontos em comum.
s
A r
s
concorrentes paralelas
Figura 6: A`
esquerda r ∩ s = {A}. A`
direita r ∩ s = ∅.
Para os pr´oximos axiomas vamos admitir conhecidas as propriedades do conjunto R dos nu´meros reais, bem como o fato de R, munido das opera¸c˜oes usuais de adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ao,
ser um corpo ordenado completo (referˆencia [7]). garantir´a a “continuidade” da reta.
6Nesses axiomas determinar tem o sentido de existir.
E´ justamente essa caracteristica de R que
Axioma A3. A cada par de pontos ´e poss´ıvel fazer corresponder um u´nico nu´mero real n˜ao negativo. Este nu´mero ´e zero apenas quando os dois pontos s˜ao coincidentes.
O nu´mero referido pelo axioma acima ´e chamado de distˆancia entre os pontos. Deno- tando a distˆancia entre os pontos A e B por d (A, B), o axioma acima afirma que:
|
d (A, B) 0;
d (A, B) = 0 se, e somente se, A = B. d (A, B) = d (B, A). (simetria)
|
O leitor familiarizado com o conceito de espa¸cos m´etricos perceber´a que axioma acima ´e quase a defini¸c˜ao de m´etrica, exceto pelo fato de que falta a chamada desigualdade triangular. No nosso caso, tal desigualdade n˜ao ´e axioma, mas sim teorema, e ser´a demonstrado adiante. Notemos tamb´em que o axioma acima ´e muito geral do ponto de vista pr´atico. Por exemplo, poder´ıamos definir que d (A, B) = 1 quando A = B e d (A, B) = 0 quando A = B (essa ´e a conhecida m´etrica zero-um). Como o leitor pode perceber, n˜ao ´e uma m´etrica
muito u´til.
Vamos melhorar essa situa¸c˜ao estabelecendo uma m´etrica melhor na reta por meio do axioma abaixo.
|
Axioma A4. Dada uma reta r, existe uma bije¸c˜ao ϕ : r d (A, B) = |ϕ (A) − ϕ (B)|.
R tal que para A, B ∈ r tem-se
O axioma acima possui inu´meras implica¸c˜oes. Primeiramente observemos que a distˆancia definida no Axioma A4 para retas cumpre o Axioma A3. Ele garante, tamb´em, que em uma reta h´a infinitos pontos, mais que isso, que a cardinalidade de uma reta r ´e a mesma de R (isto ´e, n˜ao enumer´avel).
Outra observac˜ao ´e que o fato de sempre podermos tra¸car uma reta por dois pontos A e B quaisquer (Axioma A2), permite que “estendamos” a distˆancia definida no Axioma A4 para todo o plano. Al´em disso, uma bije¸c˜ao ϕ como a apresentada no axioma acima estabelece naturalmente uma unidade de medida. Por exemplo, os pontos O e P de r tais que ϕ (O) = 0 e ϕ (P) = 1 (ou −1) est˜ao `a distˆancia 1 um do outro.
|
Uma bije¸c˜ao ϕ como a do axioma acima (que n˜ao ´e u´nica) ´e chamada de sistema de coordenadas para a reta r, sendo ϕ (A) chamado de coordenada de A e o ponto O r tal que ϕ (O) = 0 a origem do sistema. Uma reta r munida de um sistema de coordenadas
´e chamada de reta real .
O P r
j(O) = 0 j(P) = 1
Figura 7: Reta real. Estabelecendo a unidade de medida.
Observemos que a ordem dos nu´meros reais pode ser transportada para uma reta via uma bije¸c˜ao ϕ como a do Axioma A4 acima. Com isso, temos respaldo matem´atico para orientar uma reta. Uma reta orientada ´e comumente chamada de eixo. Isso significa que o axioma acima ´e (tamb´em) o ponto de partida para a introdu¸c˜ao de uma Geometria Anal´ıtica no plano.
Outra consequˆencia importante do Axioma A4 ´e que intervalos de nu´meros reais podem ser transportados para uma reta r, via um sistema de coordenadas ϕ, dando origem a importantes conjuntos de pontos da reta, que s˜ao os segmentos e as semirretas. Antes de introduzi-los formalmente, propomos o seguinte exerc´ıcio (resolvido).
Exerc´ıcio. Mostre que dados dois pontos distintos A e B em uma reta r, existe um sistema de coordenadas ϕ para r tal que ϕ (A) < ϕ (B).
Resolu¸c˜ao.
O Axioma A4 garante a existˆencia de uma bije¸c˜ao ϕ1 : r
- R. Se ϕ1 (A) < ϕ1 (B),
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basta tomar ϕ = ϕ1. Caso contr´ario, ou seja, se ϕ1 (A) > ϕ1 (B), definamos ϕ = −ϕ1.
A aplica¸c˜ao ϕ ´e injetiva. De fato, para P /= Q em r temos
|
ϕ1 (P) /= ϕ1 (Q) ⇒ −ϕ1 (P) −ϕ1 (Q) ϕ (P) /= ϕ (Q) .
A aplica¸c˜ao ϕ ´e sobrejetiva. De fato, seja k ∈ R. Como −k ∈ R, existe P ∈ r tal que
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|
ϕ1 (P) = −k −ϕ1 (P) = k ϕ (P) = k.
Portanto, ϕ ´e bije¸c˜ao de r em R.
Finalmente, ϕ (A) = −ϕ1 (A) < −ϕ2 (B) = ϕ (B), como quer´ıamos. Q
Segmentos e Semirretas
Sejam r uma reta, A e B pontos distintos de r e ϕ um sistema de coordenadas para r tal que ϕ (A) < ϕ (B). O conjunto
AB = {X ∈ r : ϕ (A) ≤ ϕ (X) ≤ ϕ (B)}
|
´e chamado de segmento de extremos (ou extremidades) A e B (tamb´em denotado por BA), enquanto o conjunto
−AB = {X ∈ r : ϕ (A) ≤ ϕ (X)}
|
´e chamado de semirreta de origem A passando por B (note que B est´a em −AB).
De modo an´alogo, o conjunto
|
B−A = {X ∈ r : ϕ (X) ≤ ϕ (B)}
|
´e chamado de semirreta de origem B passando por A (note que A est´a em −BA).
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|
Observemos que as semirretas −AB e −BA n˜ao s˜ao coincidentes. Temos −AB B−A = r e
AB ∩ −BA = AB.
Tamb´em ´e conveniente notar que dado um ponto O em uma reta r, este ponto determina duas semirretas de mesma origem O cuja reuni˜ao ´e r e a intersec¸c˜ao ´e apenas o conjunto unit´ario formado pelo ponto O. Tais semirretas s˜ao chamadas de semirretas opostas.
A B
A B
A B
O
Figura 8: Segmento e semirretas.
O comprimento do segmento AB ´e definido como sendo a distˆancia entre A e B, ou
seja, d (A, B) = |ϕ (A) − ϕ (B)|. Observe que essa defini¸c˜ao justifica a nota¸c˜ao AB = BA, j´a que |ϕ (A) − ϕ (B)| = |ϕ (B) − ϕ (A)|.
|
Ainda resgatando a nota¸c˜ao de segmento acima, quando X AB com X = A e X = B, dizemos que X est´a entre A e B.
Dois segmentos s˜ao ditos congruentes quando possuem o mesmo comprimento.
A |b-a| B
j(A) = a j(B) = b
C |d-c| D
j(C) = c j(D) = d
Figura 9: Quando |b − a| = |d − c| os segmentos AB e CD s˜ao congruentes.
Observa¸c˜oes importantes sobre a nota¸c˜ao estabelecida:
- Quando n˜ao houver perigo de confus˜ao, denotamos “AB” (sem a barra em cima) tanto para o segmento com extremos A e B (que ´e um conjunto de pontos), quanto para o com- primento do segmento com extremos A e B (que ´e um nu´mero real).
- E´
comum utilizar letras latinas minu´sculas para designar comprimentos (a, b, c, . . .).
Alguns textos tamb´em trazem a nota¸c˜ao |AB| para o comprimento do segmento AB.
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- N˜ao h´a unanimidade com rela¸c˜ao `as nota¸c˜oes nos textos de geometria. Por exemplo, ao contr´ario do que estabelecemos acima, h´a textos que consideram AB (com a barra em cima) com sendo o comprimento do segmento
- Deve-se tomar cuidado com a nota¸c˜ao −AB para semirretas e n˜ao confundi-la com a
nota¸c˜ao de vetores. Quando houver tal perigo, preferimos escrever “semirreta AB”. Alguns textos tamb´em utillizam a nota¸c˜ao SAB para semirreta de origem A passando por B.
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Um ponto M AB ´e dito ponto m´edio do segmento AB quando AM e MB possuem o mesmo comprimento.
Teorema 1.1 Dado um segmento AB, existe apenas um u´nico ponto m´edio em AB. Demonstra¸c˜ao.
Seja ϕ um sistema de coordenadas tal que ϕ(A) < ϕ(B). Seja M a imagem inversa por
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ϕ do nu´mero ϕ(A)+ϕ(B). Observemos que M existe pelo fato de ϕ ser bije¸c˜ao.
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Mostremos que M ´e ponto m´edio de AB.
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|
Como ϕ−1 ϕ(A)+ϕ(B) = M, entao ϕ(A)+ϕ(B) = ϕ(M). Logo, como ϕ(A) < ϕ(B), ent˜ao
ϕ(A) =
ϕ(A) + ϕ(A)
<
2
ϕ(A) + ϕ(B)
<
2
ϕ (B) + ϕ (B) 2
= ϕ(B).
|
Da´ı, ϕ(A) < ϕ(M) < ϕ(B), ou seja, M AB.
Agora, utilizando o fato de que ϕ (A) = 2ϕ (M) − ϕ (B), temos
AM = |ϕ (M) − ϕ (A)| = ϕ (M) − ϕ (A) = ϕ (M) − (2ϕ (M) − ϕ (B)) =
= ϕ (B) − ϕ (M) = |ϕ (B) − ϕ (M)| = MB.
Portanto, M ´e ponto m´edio de AB.
Mostremos agora a unicidade do ponto m´edio. Consideremos novamente ϕ um sistema de coordenadas tal que ϕ(A) < ϕ(B).
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Suponhamos que M e N s˜ao pontos m´edios de AB. Da´ı, pelo fato de M AB, temos
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ϕ (A) ϕ (M) ϕ (B).
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Logo, ϕ (A)−ϕ (M) 0 ϕ (B)−ϕ (M). Da´ı ϕ (M)−ϕ (A) 0 e ϕ (B)−ϕ (M) 0.
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Analogamente, ϕ (N) − ϕ (A) 0 e ϕ (B) − ϕ (N) 0. Utilizando novamente o fato de
M e N serem pontos m´edios temos, AM = MB, ou seja,
|
|ϕ (A) − ϕ (M)| = |ϕ (B) − ϕ (M)| = ϕ (M) − ϕ (A) = ϕ (B) − ϕ (M)
= ϕ (M) = ϕ (A) + ϕ (B).
2
|
Analogamente, ϕ (N) = ϕ(A)+ϕ(B). Logo, ϕ (M) = ϕ (N). Como ϕ ´e bije¸c˜ao, temos que
M = N. Portanto, o ponto m´edio ´e u´nico. Q
Semiplanos
Um conjunto C no plano ´e dito convexo quando para quaisquer pontos A, B ∈ C o segmento AB est´a contido em C.
convexo não convexo
Figura 10: Conjuntos convexo e n˜ao convexo no plano.
Axioma A5. Uma reta r contida em um plano determina dois conjuntos nesse plano de tal modo que:
- A intersecc¸˜ao dos dois conjuntos ´e a reta r;
- Cada conjunto ´e conv
- Se o ponto A pertence a um dos conjuntos e o ponto B pertence ao outro, ent˜ao a intersec¸c˜ao do segmento AB com r ´e n˜ao v
Figura 11: AB ∩ r /= ∅.
Cada um dos conjuntos do Axioma A5 ´e chamado de semiplano gerado por r (ou com origem em r).
Para o pr´oximo teorema, adiantamos a defini¸c˜ao de triˆangulo (que ´e caso particular de
pol´ıgono e ser´a visto na pr´oxima se¸c˜ao).
Dados trˆes pontos A, B e C n˜ao colineares, o triˆangulo ABC ´e definido como sendo a reuni˜ao dos segmentos AB, BC e CA. Os pontos A, B e C s˜ao os v´ertices do triˆangulo, enquanto que os segmentos AB, BC e CA s˜ao os lados do triˆangulo.
Teorema 1.2 (Pasch) Se uma reta intersecta um dos lados de um triˆangulo e n˜ao passa por nenhum de seus v´ertices, ent˜ao essa reta tamb´em intersecta um dos outros dois lados do triˆangulo.
Demonstra¸c˜ao.
Sejam ABC o triˆangulo e r a reta. Sem perda de generalidade, suponhamos que r intesecta
AB, conforme figura abaixo.
A
r
B C
Figura 12: Figura auxiliar.
Como r n˜ao intersecta nenhum v´ertice, ent˜ao r divide o plano em dois semiplanos de tal forma que A est´a em um dos semiplanos e B est´a no outro semiplano (pois se A e B estivessem no mesmo semiplano entao AB n˜ao intersectaria r pelo Axioma A5).
Agora, como r n˜ao intersecta C, ent˜ao C est´a no mesmo semiplano que A ou C est´a no mesmo semiplano que B. Pelo Axioma A5, no primeiro caso, r∩BC /= ∅ e, no segundo caso,
r ∩ CA ∅.
Portanto, r intersecta um dos outros dois lados do triˆangulo. Q
Observa¸c˜ao. Em alguns textos de geometria o Teorema de Pasch ´e tomado no lugar do Axioma A5 que enunciamos acima.
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Um ˆangulo ´e a reuni˜ao de duas semirretas com mesma origem. Cada semirreta ´e chamada de lado do ˆangulo e a origem comum ´e chamada de v´ertice do ˆangulo.
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Quando A−B e −AC s˜ao lados de um ˆangulo de v´ertice A, denotamos tal ˆangulo por BAC
ou CAB, ou ainda A, quando n˜ao houver perigo de confus˜ao (com outro ˆangulo de mesmo v´ertice).
A
Figura 13: Aˆngulo BA^ C.
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H´a duas situa¸c˜oes especiais de ˆangulos que merecem destaque: quando os lados A−B e −AC
|
formam uma reta ou quando −AB = −AC. No primeiro caso dizemos que o ˆangulo A ´e raso,
enquanto que no segundo caso dizemos que o ˆangulo A ´e nulo.
Observa¸c˜oes.
- Em alguns contextos, como na trigonometria, por exemplo, ´e importante estendermos o conceito de ˆangulo para ˆangulo orientado. Tal extens˜ao consiste simplesmente em ordenar os lados, ou seja, h´a um lado escolhido como lado inicial e outro escolhido como lado final do ˆ
- Assim como ocorre com a nota¸c˜ao de segmento, n˜ao h´a unanimidade quanto `a nota¸c˜ao
de ˆangulo. Al´em de ˆangulo BA^ C ou CA^ B, ou ainda A^ , conforme estabelecemos acima,
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alguns autores utilizam a nota¸c˜ao ∠BAC ou ]BAC ou ainda qBAC. Por fim, h´a autores que sempre grafam “ˆangulo BAC” (sem o acento circunflexo no A).
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Consideremos um ˆangulo BAC n˜ao nulo e n˜ao raso. Sejam as retas r = AB e s = AC. Sejam o semiplano gerado por r que cont´em a semirreta −AC e o semiplano gerado por
|
s que cont´em a semirreta AB. O conjunto I = SC ∩ SB − BAC ´e chamado de interior do
A reuni˜ao de um ˆangulo com seu interior recebe o nome de setor angular .
A
Figura 14: Setor angular BAC.
Axioma A6. A cada ˆangulo ´e poss´ıvel fazer corresponder um u´nico nu´mero real no intervalo [0, 180]. Este nu´mero ´e 0 apenas quando o ˆangulo ´e nulo e 180 apenas quando o ˆangulo ´e raso.
O leitor n˜ao ter´a dificuldades em perceber que o axioma acima prepara o caminho para que possamos medir ˆangulos. A escala de 0 a 180 est´a associada `a medida em graus e ´e comum indicar um nu´mero dessa escala junto ao s´ımbolo ◦ (exemplo: 30 graus ´e escrito 30◦). Naturalmente, o intervalo [0, 180] n˜ao tem nada de especial (a n˜ao ser o bonito fundamento hist´orico que data da ´epoca dos babilˆonios) e poder´ıamos troc´a-lo, por exemplo, por [0, π] e trabalhar com outra escala (radianos, conforme veremos adiante).
|
medida de BA^ C e indicado por mBA^ C. ^ ^
Quando n˜ao houver perigo de confus˜ao e for conveniente, utilizamos BAC (ou A) tanto
para indicar ˆangulo (reuni˜ao de semirretas) quanto para indicar medida de ˆangulo (nu´mero real). Tamb´em ´e comum indicarmos medidas de ˆangulos por letras gregas minu´sculas (α, β, γ, . . .). Assim, por exemplo, a medida de um ˆangulo com v´ertice em A ´e geralmente denotada por α.
|
O pr´oximo axioma ´e uma esp´ecie de rec´ıproca do axioma anterior.
Axioma A7. Seja S um dos dois semiplanos gerados por uma reta AB de um plano. A cada nu´mero α ∈ [0, 180] corresponde um u´nico ˆangulo BA^ C contido em S tal que mBA^ C = α.
a
A B
Figura 15: Correspondendo medida a ˆangulo.
Axioma A8. Seja o ˆangulo BA^ C n˜ao nulo.
|
mBA^ C. ^ ^ ^
Se BAC for raso e D for ponto n˜ao pertencente aos lados de BAC, ent˜ao mDAB +
mDA^ C = 180.
A B
Figura 16: α = θ + ρ.
Dois ˆangulos de mesma medida s˜ao chamados de ˆangulos congruentes.
Dois ˆangulos cuja soma de suas medidas ´e a medida de um ˆangulo raso s˜ao chamados de ˆangulos suplementares.
Dois ˆangulos congruentes e suplementares s˜ao chamados de ˆangulos retos.
Dois ˆangulos cuja soma de suas medidas ´e a medida de um ˆangulo reto s˜ao chamados de ˆangulos complementares.
Um ˆangulo cuja medida ´e menor do que a medida de um ˆangulo reto ´e chamado de ˆangulo
agudo.
Um ˆangulo cuja medida ´e maior do que a medida de um ˆangulo reto ´e chamado de ˆangulo
obtuso.
|
Dois ˆangulos, n˜ao nulos e n˜ao rasos, que compartilham um mesmo lado e cuja intersec¸c˜ao de seus interiores ´e vazia s˜ao chamados de ˆangulos adjacentes.
Quando D ´e ponto no interior do ˆangulo n˜ao nulo e n˜ao raso BAC e tal que BAD e DAC
|
s˜ao ˆangulos adjacentes congruentes, dizemos que a semirreta −A−→D ´e bissetriz do ˆangulo
Observemos que, como consequˆencia das definic¸˜oes e axiomas acima, um ˆangulo reto tem medida 90 graus.
Observemos tamb´em que o Axioma A7 garante a existˆencia de ˆangulos retos.
Teorema 1.3 A bissetriz de um ˆangulo existe e ´e u´nica.
Demonstra¸c˜ao.
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Seja BA^ C um ˆangulo, r = ←A→B e S o semiplano determinado por r que cont´em C. Seja
bissetriz de BA^ C. ^
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Suponhamos que D n˜ao esteja no interior de BAC. Como D ∈ S, ent˜ao C est´a no interior de BA^ D. Da´ı, BA^ D = CA^ D + BA^ C, ou seja,
2 BAC = CAD + BAC = CAD = −2 BAC,
|
o que ´e absurdo. Logo, D est´a no interior de BAC.
|
Por contru¸c˜ao, BA^ D e CA^ D s˜ao adjacentes. Al´em disso, BA^ C = CA^ D + BA^ D, ou seja,
|
Logo, BA^ D e CA^ D s˜ao congruentes.
|
Portanto, a bissetriz de BAC existe. Mostremos a unicidade. Suponhamos que
|
BA^ D = CA^ D e BA^ E = EA^ C.
−A−→D e
−A→E sejam bissetrizes de BA^ C. Da´ı,
|
Al´em disso, BAC = BAD + CAD e BAC = BAE + EAC. Da´ı, BAD = BAE.
Pelo Axioma A7, os ˆangulos s˜ao coincidentes. Portanto, A−−D = −AE, ou seja, a bissetriz ´e
u´nica. Q
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Teorema 1.4 (Crossbar) Se D ´e um ponto no interior do ˆangulo BAC, ent˜ao a semirreta
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−A−D intersecta o segmento BC.
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Demonstra¸c˜ao.
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A reta r = AD divide o plano em dois semiplanos. Um dos semiplanos cont´em C e o outro semiplano cont´em D, pois, caso contr´ario, D n˜ao seria ponto interior de BAC. Pelo Axioma A5, r intersecta BC. Como o interior do ˆangulo BAC ´e convexo, conclu´ımos que
BC intersecta a semirreta A−−D, como quer´ıamos demonstrar. Q
Ortogonalidade
Duas retas r e s concorrentes no ponto A determinam quatro ˆangulos, tendo A como v´ertice comum. Quando esses quatro ˆangulos s˜ao congruentes dizemos que as retas r e s s˜ao perpendiculares ou ortogonais (7).
Observemos que, como consequˆencia da defini¸c˜ao acima, os quatro ˆangulos determinados por duas retas perpendiculares s˜ao ˆangulos retos.
Figura 17: Retas perpendiculares.
Podemos estender o conceito de ortogonalidade para segmentos e semirretas. Dizemos que dois segmentos ou duas semirretas s˜ao ortogonais quando as retas que os (as) contˆem assim o forem. O leitor n˜ao ter´a dificuldades em generalizar o conceito de ortogonalidade envolvendo segmento e semirreta, segmento e reta ou, ainda, reta e semirreta.
Dois ˆangulos s˜ao ditos opostos pelo v´ertice quando os lados de um dos ˆangulos forem as semirretas opostas dos lados de outro ˆangulo.
s
Figura 18: Dois pares de ˆangulos opostos pelo v´ertice.
7A palavra ortogonal ´e mais abrangente do que a palavra perpendicular. Na geometria plana n˜ao h´a muita raz˜ao para distingui-las, mas na geometria espacial h´a bons motivos para tal, como, por exemplo, no caso de retas reversas (retas n˜ao coplanares). N˜ao ´e comum utilizar a palavra perpendicular em um contexto de retas reversas, pois estas possuem intersecc¸˜ao vazia. Neste caso, a palavra ortogonal ´e mais adequada. De um modo geral, a palavra perpendicular utilizada no contexto de dois objetos pressup˜oe que a intersecc¸˜ao entre esses objetos n˜ao seja vazia.
Como consequˆencia da defini¸c˜ao acima, ˆangulos opostos pelo v´ertice possuem o v´ertice em comum e, ainda, que duas retas concorrentes determinam dois pares de ˆangulos opostos pelo v´ertice.
Teorema 1.5
Aˆngulos opostos pelo v´ertice s˜ao congruentes.
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Demonstra¸c˜ao.
Sejam BAC e DAE ˆangulos opostos pelo v´ertice de tal forma que A−B e A−−D s˜ao semirretas opostas assim como A→C e A→E, conforme a figura abaixo.
Figura 19: Figura auxiliar.
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Logo, BAD ´e raso e E n˜ao pertence aos lados de BAD. Dessa forma, BAE+EAD = 180o. Analogamente, EAC ´e raso e BAE + BAC = 180o.
Portanto, BA^ E + EA^ D = BA^ E + BA^ C, ou seja, EA^ D = BA^ C. Logo, EA^ D e BA^ C s˜ao
Observa¸c˜ao. A argumentac¸˜ao da demonstra¸c˜ao acima pode ser simplesmente sintetizada na seguinte frase: “Aˆngulos opostos pelo v´ertice s˜ao congruentes porque possuem um mesmo ˆangulo suplementar em comum.”
Teorema 1.6 (da perpendicular I) Por qualquer ponto de uma reta r pode-se tra¸car uma u´nica reta perpendicular a r.
Demonstra¸c˜ao.
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Seja A um ponto qualquer da reta r e B um outro ponto qualquer, diferente de A, da reta r. Seja um dos semiplanos gerados por r.
|
Pelo Axioma A7 existe um u´nico ˆangulo BAC contido em tal que BAC = 90o. Consideremos a reta s = AC. Ent˜ao, por constru¸c˜ao, s ´e perpendicular a r.
Mostremos que s ´e u´nica.
Suponhamos que t seja outra reta perpendicular a r e A ∈ t. Seja D ∈ t ∩ S ent˜ao
BA^ D = 90o, como na figura abaixo.
Figura 20: Figura auxiliar.
|
Da´ı, pelo Axioma A7, BAD = BAC, ou seja, as semirretas −A−D e −AC s˜ao coincidentes. Logo, C ∈ t e s = t. Q
Dado um segmento AB e seu ponto m´edio M, a reta perpendicular a AB passando por
M ´e chamada de mediatriz do segmento AB.
A B
Figura 21: Mediatriz do segmento AB.
Pelo teorema acima, a mediatriz de um segmento existe e ´e u´nica. Veremos na pr´oxima se¸c˜ao que os pontos da mediatriz de um segmento AB equidistam dos extremos A e B do segmento.
Pol´ıgonos
Sejam A1, . . . , An com n ≥ 3 pontos distintos de um plano tais que os segmentos A1A2, A2A3, . . . , An−1An, AnA1 cumprem as seguintes propriedades:
- Nenhum par de segmentos se autointersecciona, a n˜ao ser em um
- Nenhum par de segmentos com extremo comum ´e
A reuni˜ao dos segmentos acima ´e chamada de pol´ıgono de v´ertices A1, . . . , An e lados
A1A2, A2A3, . . . , An−1An, AnA1 e indicamos por A1A2 . . . An.
Observemos que, como consequˆencia da defini¸c˜ao acima, um pol´ıgono ´e uma linha poli- gonal fechada e, portanto, determina no plano duas regi˜oes: uma limitada (8), chamada de interior do pol´ıgono e cuja fronteira ´e o pr´oprio pol´ıgono, e outra n˜ao limitada. Quando o interior de um pol´ıgono ´e uma regi˜ao convexa do plano, dizemos que o pol´ıgono ´e convexo.
A soma dos comprimentos dos lados de um pol´ıgono ´e chamada de per´ımetro do pol´ıgono.
E´ comum nos textos de geometria confundir a reuni˜ao de um pol´ıgono e seu interior (que
´e uma superf´ıcie plana poligonal ) com o pr´oprio pol´ıgono.
E´ isso que permite que se fale,
por exemplo, em ´area de um pol´ıgono. Al´em disso, o contexto sempre estar´a claro.
8Dizemos que uma figura ´e limitada no plano quando existir um nu´mero real d > 0 tal que d (P, Q) < d
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para quaisquer P, Q . Equivalentemente, uma figura ´e limitada no plano quando for poss´ıvel coloc´a-la no interior de um disco de diˆametro d (definiremos disco mais adiante).
A nomenclatura de um pol´ıgono varia de acordo com a quantidade de lados. Alguns exemplos:
Nu´mero de lados | Nome do pol´ıgono |
3 | triˆangulo (∗) |
4 | quadril´atero |
5 | pent´agono |
6 | hex´agono |
7 | hept´agono |
8 | oct´ogono |
9 | ene´agono |
10 | dec´agono |
11 | undec´agono |
12 | dodec´agono |
20 | icos´agono |
3 4 5 6
7 8 9 10
Figura 22: Alguns exemplos de pol´ıgonos convexos (regulares).
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( ) Observemos que a defini¸c˜ao de triˆangulo que demos na se¸c˜ao anterior ´e caso particular da defini¸c˜ao geral de pol´ıgonos que demos acima.
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Em um pol´ıgono convexo P = A1 . . . An os ˆangulos A1A2A3, A2A3A4, . . ., An−1AnA1 e
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AnA1A2 s˜ao chamados de ˆangulos internos de .
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Dado um ˆangulo interno BAC de um pol´ıgono convexo , ´e poss´ıvel construir dois ˆangulos de v´ertice A suplementares e adjacentes a BAC de tal modo que seus interiores n˜ao se intersectam. Cada um desses ˆangulos ´e chamado de ˆangulo externo ao pol´ıgono convexo P no v´ertice A.
Figura 23: Um ˆangulo interno e um ˆangulo externo em um pent´agono convexo.
Um pol´ıgono convexo ´e dito regular quando possuir todos os seus lados congruentes e todos os seus ˆangulos internos congruentes.
Triˆangulos
Vimos acima que um triˆangulo ´e um pol´ıgono com trˆes lados. Entretanto, devido ao fato de o triˆangulo ser a figura b´asica no desenvolvimento da geometria plana, ele recebe v´arios subdenomina¸c˜oes conforme abaixo:
Triaˆngulo equil´atero: possui os trˆes lados com mesmo comprimento.
Triaˆngulo is´osceles: possui dois lados com mesmo comprimento, chamados de la- terais, enquanto que o terceiro lado ´e chamado de base.
Triaˆngulo escaleno: todos os lados possuem medidas diferentes.
Triaˆngulo retˆangulo: possui um ˆangulo interno reto. Os lados que comp˜oem o ˆangulo interno reto s˜ao chamados de catetos, enquanto que o terceiro lado ´e chamado de hipotenusa.
Triaˆngulo acutˆangulo: possui os trˆes ˆangulos internos agudos.
Triaˆngulo obtusˆangulo: possui um ˆangulo interno obtuso.
Triaˆngulo equiˆangulo: possui os trˆes ˆangulos internos congruentes.
(1) (2) (3)
(4) (5)
Figura 24: A partir do canto superior esquerdo: (1) triˆangulo equil´atero, equiˆangulo e acutˆangulo; (2) triˆangulo is´osceles; (3) triˆangulo escaleno; (4) triˆangulo retˆangulo e (5) triˆangulo obtusˆangulo.
Observac¸˜ao. Em alguns textos, um triˆangulo de v´ertices A, B e C ´e indicado por pela nota¸c˜ao ∆ABC.
Dado um triˆangulo ABC:
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- O segmento que liga o v´ertice A ao ponto m´edio M do lado oposto BC ´e chamado de mediana do triˆangulo ABC relativa ao v´ertice A. De modo an´alogo temos as medianas relativas aos v´ertices B e C.
- O segmento que liga o v´ertice A a um ponto H da reta BC tal que AH ´e ortogonal a BC ´e chamado de altura do triˆangulo ABC relativa ao v´ertice A. De modo an´alogo temos as alturas relativas aos v´ertices B e C (veremos adiante – Teorema da Perpendicular II – que a altura relativa ao um v´ertice de um triˆangulo existe e ´e u´nica).
|
- O segmento que liga o v´ertice A a um ponto D do lado BC, tal que AD est´a contido na bissetriz do ˆangulo BAC, ´e chamado de bissetriz do triˆangulo ABC relativa ao v´ertice
- A. De modo an´alogo temos as bissetrizes relativas aos v´ertices B e C.
– A mediatriz do lado AB do triˆangulo ´e, tamb´em, chamada de mediatriz do triˆangulo relativa ao lado AB. De modo an´alogo temos as mediatrizes relativas aos lado BC e AC.
A A A
B M C
B H C
B D C B C
(1) (2) (3) (4)
Figura 25: Da esquerda para a direita: (1) mediana relativa ao v´ertice A; (2) altura relativa ao v´ertice A, (3) bissetriz relativa ao v´ertice A e (4) mediatriz relativa ao lado BC.
Observa¸c˜ao.
E´ tamb´em comum chamar de altura do triˆangulo ABC, relativa ao v´ertice
A, o comprimento do segmento AH que definimos acima. Assim, a palavra altura pode representar um segmento ou um nu´mero. O contexto sempre estar´a claro.
Dois triˆangulos s˜ao ditos congruentes quando for poss´ıvel estabelecer uma correspondˆen- cia biun´ıvoca entre seus v´ertices de tal modo que lados correspondentes tenham a mesma medida e ˆangulos correspondentes tamb´em tenham a mesma medida.
Assim, os triˆangulos ABC e DEF s˜ao congruentes quando existir uma bije¸c˜ao
|
ϕ : {A, B, C}
{D, E, F} tal que
d (A, B) = d (ϕ (A) , ϕ (B))
d (A, C) = d (ϕ (A) , ϕ (C))
d (B, C) = d (ϕ (B) , ϕ (C))
A^ = ϕ(A^ ) C^ = ϕ(C^)
|
|
Se tivermos, por exemplo, que ϕ (A) = D, ϕ (B) = E e ϕ (C) = F, as igualdades acima tornam-se
AB = DE AC = DF BC = EF
A^ = D^
|
|
C^ = ^F
N˜ao ´e dif´ıcil o leitor familiarizado com a noc¸˜ao de rela¸c˜ao de equivalˆencia perceber que, da forma como definimos acima, congruˆencia entre triˆangulos ´e uma rela¸c˜ao de equivalˆencia no conjunto de todos os triˆangulos. De fato, ´e f´acil provar que a rela¸c˜ao acima ´e:
- reflexiva (ABC ´e congruente a ABC – basta tomar ϕ = Id).
- sim´etrica (se ABC ´e congruente a DEF, ent˜ao DEF ´e congruente a ABC – basta tomar
ϕ−1).
- transitiva (se ABC ´e congruente a DEF e DEF ´e congruente a GHI, ent˜ao ABC ´e congruente a GHI – basta fazer a composi¸c˜ao das bije¸c˜oes).
Existem 5 casos de congruˆencia envolvendo triˆangulos. O primeiro deles, chamado LAL
(lado, ˆangulo e lado), precisa ser estabelecido por axioma.
Axioma A9. (Caso LAL de congruˆencia) Se ABC e DEF s˜ao triˆangulos tais que AB = DE,
A^ = D^
e AC = DF, entao ABC e DEF s˜ao congruentes.
A D
B C E F
Figura 26: Caso LAL de congruˆencia.
Teorema 1.7 (Caso ALA de congruˆencia) Se ABC e DEF s˜ao triˆangulos tais que AB = DE,
A^ = D^ e B^ = E^, ent˜ao ABC e DEF s˜ao congruentes.
Demonstra¸c˜ao.
Seja Fj um ponto da semirreta D−→F tal que AC = DFj.
A D
F’
B C E F
Figura 27: Figura auxiliar.
|
Comparando os triˆangulos ABC e DEFj vemos que, AB = DE, BAC = EDFj e AC = DFj, ent˜ao, pelo caso de congruˆencia LAL, os triˆangulos ABC e DEFj s˜ao congruentes.
Dessa congruˆencia segue que AB^C = DE^Fj.
−→ −→
|
|
E como j´a t´ınhamos, por hip´otese, que DEF = ABC, ent˜ao DEF = DEFj. Da´ı, EF = EFj.
E, como F e Fj pertencem a DF segue que F = Fj.
Logo, DEF e DEFj s˜ao congruentes. Como j´a t´ınhamos a congruˆencia entre ABC e DEFj, conclu´ımos, pela transitividade da congruˆencia, que ABC e DEF s˜ao congruentes. Q
Teorema 1.8 (triˆangulo is´osceles) (1) Os ˆangulos da base de um triˆangulo is´osceles s˜ao congruentes.
- Um triˆangulo que possui dois ˆangulos congruentes ´e is´osc
- Seja ABC triˆangulo is´osceles com base BC. Ent˜ao, a mediana relativa ao v´ertice A:
- ´e altura e bissetriz relativas ao v´ertice A.
|
- est´a contida na mediatriz da base BC. Demonstra¸c˜
Consideremos, para isso, a bije¸c˜ao ϕ : {A, B, C}
e ϕ (C) = B e consideremos o triˆangulo ACB.
A
{A, B, C} tal que ϕ (A) = A, ϕ (B) = C
|
A
j
B C C B
Figura 28: Figura auxiliar – replicando o triˆangulo ABC.
|
Da´ı, por hip´otese, temos que AB = AC, A^ = A^ e AC = AB. Logo, pelo caso de
congruˆencia LAL, temos que ABC ´e congruente ao triˆangulo ACB. Da´ı, B = C. Portanto, os ˆangulos da base de um triˆangulo is´osceles s˜ao congruentes.
|
- Seja ABC um triˆangulo tal que B = C. Consideremos a mesma bije¸c˜ao ϕ do item
(1).
Da´ı, como B^ = C^, BC = BC e C^ = B^, ent˜ao, ABC ´e congruente a ACB pelo caso de
- Seja AM a mediana relativa ao v´ertice A. Logo, BM = MC.
A
B M C
Figura 29: Figura auxiliar.
|
Da hip´otese de ABC ser is´osceles, temos ainda que AB = AC e B = C.
|
|
Da´ı, pelo caso de congruˆencia LAL, temos que os triˆangulos ABM e ACM s˜ao congru- entes. Da´ı, BAM = CAM, ou seja, AM ´e a bissetriz relativa ao v´ertice A.
|
Mais ainda, da congruˆencia segue que AMC = AMB. Como BMC ´e raso e BMC =
|
Logo, AM ´e a altura relativa ao v´ertice A.
|
Podemos concluir tamb´em que A−M ´e a mediatriz relativa ao lado BC j´a que, por hip´otese, passa pelo ponto m´edio M e mostramos que A−M ´e perpendicular a BC. Q
Observemos que, como consequˆencia dos itens (1) e (2) do teorema acima, um triˆangulo
´e equil´atero se, e somente se, ´e equiˆangulo.
Teorema 1.9 (Caso LLL de congruˆencia) Se ABC e DEF s˜ao triˆangulos tais que AB = DE, AC = DF e BC = EF, ent˜ao ABC e DEF s˜ao congruentes.
|
Demonstra¸c˜ao.
|
No semiplano determinado pela reta BC e que n˜ao cont´em o ponto A, consideremos uma semirreta de origem B e que forma com BC um ˆangulo congruente ao ˆangulo DEF.
Escolhamos sobre ela um ponto Dj de forma que BDj = ED.
A D
B C E F
Figura 30: Figura auxiliar – H ∈ BC com H /= B e H /= C.
|
Logo, como BC = EF, CBDj = DEF e BDj = DE, temos que os triˆangulos DjBC e DEF
s˜ao congruentes pelo caso LAL de congruˆencia.
|
Mostremos agora que ABC e DjBC s˜ao congruentes.
Seja H o ponto em que ADj corta BC (H existe pelo Axioma A5).
Consideremos, primeiramente, o caso em que H est´a entre B e C, como na figura anterior.
Do fato de DEF e DjBC serem congruentes conclu´ımos que DjC = DF e, como DF = CA
|
por hip´otese, temos que DjC = CA.
|
Da´ı, temos que os triˆangulos ABDj e ACDj s˜ao is´osceles. Logo, BADj = BDjA e CADj =
|
|
Assim, BAC = BADj + CADj = BDjA + CDjA = BDjC.
Agora, BDj = DE = AB, BAC = BDjC e DjC = CA, ent˜ao, os triˆangulos ABC e DjBC
s˜ao congruentes pelo caso LAL.
Portanto, ABC ´e congruente a DEF.
Caso H n˜ao esteja entre B e C, como na figura que se segue, a demonstra¸c˜ao ´e an´aloga.
A D
B E
Figura 31: Figura auxiliar – H /∈ BC.
Caso H = B ou H = C, entao A, B e Dj, ou ent˜ao A, C e Dj s˜ao colineares.
A D
E F
Figura 32: Figura auxiliar – H ´e extremo de BC.
|
Neste caso, lembrando que DjBC e DEF s˜ao congruentes e por isso DjC = DF = AC, temos que o triˆangulo ABDj (no caso de A, C e Dj serem colineares) ´e is´osceles.
Da´ı A = Dj e como j´a tinhamos que Dj = D, segue A = D.
Novamente pelo caso LAL de congruˆencia temos que ABC e DjBC s˜ao congruentes e, portanto, ABC e DEF s˜ao congruentes. Q
O Teorema do Aˆngulo Externo e Consequˆencias
No teorema abaixo, um ˆangulo ser maior do que outro significa que sua medida ´e maior do que a medida do outro.
Teorema 1.10 (do Aˆngulo Externo) Um ˆangulo externo de um triˆangulo ABC ´e maior do que qualquer um dos ˆangulos internos n˜ao adjacentes a ele.
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Demonstra¸c˜ao.
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Seja DCA um ˆangulo externo ao ˆangulo C. Seja M o ponto m´edio de AC e P pertencente
`a semirreta B−−M de tal forma que BM = MP (a existˆencia de P ´e garantida pelo Axioma
A4).
B C D
Figura 33: Figura auxiliar.
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Logo, AM = MC (pois M ´e ponto m´edio de AC), AMB = PMC (pois s˜ao opostos pelo v´ertice) e BM = MP.
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Assim, DC^A = DC^P + PC^A > PC^A = BA^ C. ^
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Tomando agora o ponto m´edio de BC, podemos concluir de forma an´aloga que DCA >
ABC.
Portanto, um ˆangulo externo de um triˆangulo ´e maior do que os ˆangulos internos n˜ao adjacentes a ele. Q
Observemos que, como consequˆencia imediata do Teorema do Aˆngulo Externo, a soma de dois dos ˆangulos de um triˆangulo qualquer ´e sempre menor do que a medida de um ˆangulo raso. Tamb´em ´e consequˆencia imediata que os ˆangulos n˜ao retos de um triˆangulo retˆangulo s˜ao agudos.
Os dois pr´oximos teoremas est˜ao relacionados `a ortogonalidade e, embora n˜ao ligados diretamente a triˆangulos, decorrem de teoremas j´a demonstrados envolvendo triˆangulos.
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Teorema 1.11 (da perpendicular II) Dada uma reta r e um ponto P / r, existe e ´e u´nica a reta s passando por P e perpendicular a r.
Demonstra¸c˜ao.
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Sejam Q e R dois pontos distintos quaisquer de r.
Se PQ ou PR forem perpendiculares a r, ent˜ao existe a reta perpendicular enunciada. Caso contr´ario, consideremos o semiplano S determinado por r que n˜ao cont´em P.
Pelo Axioma A7 existe RQ^ T em S tal que RQ^ T = RQ^ P.
M r
R Q
T T ‘
r
R Q
Figura 34: Figura auxiliar.
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is´osceles e −Q→R ´e a bissetriz de PQ^ T j. −→
Seja M o ponto de intersec¸c˜ao de PT j e QR.
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Logo, o triˆangulo PQM ´e congruente ao triˆangulo T jQM pelo caso LAL pois, T jQ = QP, T jQM = PQM e QM = QM. Dessa forma, PMQ = QMT e PMT j ´e raso.
Logo, PM^Q = 90o. Portanto, P←→T j ´e perpendicular `a reta r (figura acima `a esquerda).
Quanto `a unicidade, ela ´e decorrˆencia do Teorema do Aˆngulo Externo, pois, se supormos a existˆencia de duas perpendiculares a r passando por P, ter´ıamos um triˆangulo PQR com dois ˆangulos retos, o que ´e barrado pelo referido teorema (figura acima `a direita). Q
Observemos que o teorema acima garante a existˆencia e unicidade da altura de um triˆangulo relativa a um v´ertice.
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Al´em disso, o Teorema da Perpendicular II permite que definamos distˆancia de um ponto P a uma reta r, indicado por d (P, r). De fato, quando P r definimos a d (P, r) = 0. Quando P / r consideremos o ponto Q r, intersecc¸˜ao da reta s que passa por P e ´e perpendicular a r com a reta r. Neste caso, definimos d (P, r) = PQ. O ponto Q ´e chamado de p´e da perpendicular baixada de P a r ou ent˜ao de proje¸c˜ao ortogonal de P sobre r e ´e denotada por projr P.
P
r
Q
Figura 35: Definindo distˆancia de ponto a reta.
Veremos adiante que PQ ´e o segmento de menor comprimento ligando P a um ponto da reta r.
Teorema 1.12 (da mediatriz) Os pontos da mediatriz do segmento AB equidistam de A e de B. Reciprocamente, o conjunto dos pontos do plano que equidistam de A e de B ´e a mediatriz do segmento AB.
Demonstra¸c˜ao.
Sejam r a mediatriz de AB e M o ponto de intersecc¸˜ao de r com AB. Seja P um ponto qualquer de r.
Se P = M ent˜ao, ´e claro que P equidista de A e B (pois M ´e ponto m´edio de AB). Suponhamos ent˜ao que P /= M.
Figura 36: Figura auxiliar.
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Consideremos ent˜ao os triˆangulos PMA e PMB. Como PM = PM, PMA = PMB = 90o
e MA = MB ent˜ao os triˆangulos PMA e PMB s˜ao congruentes pelo caso LAL.
Logo, PA = PB. Como P ´e arbitr´ario segue que os pontos da mediatriz equidistam de A
e B.
Mostremos agora que a reta r, composta pelo conjunto de pontos equidistantes de A e B, ´e a mediatriz de AB. Observemos primeiramente que o ponto m´edio M de AB pertence `a reta r. Consideremos agora um ponto P qualquer de r distinto de M. Ent˜ao, PA = PB, por hip´otese, PM = PM e AM = MB. Logo, os triˆangulos PAM e PBM s˜ao congruentes pelo
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caso LLL. Da´ı, os ˆangulos PMA e PMB s˜ao congruentes e AMB ´e raso, donde PMA = 90o. Dessa forma, r passa pelo ponto m´edio de AB e ´e perpendicular a AB. Portanto, r ´e a mediatriz de AB. Q
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Sejam r, s e t retas distintas de tal modo que t intersecta r e s em pontos A e B distintos. Em tal disposi¸c˜ao de retas diremos que t ´e reta transversal a r e a s. Em torno de A e B temos oito ˆangulos que, por facilidade (e abuso!) de nota¸c˜ao iremos indicar por 1, 2, . . ., 8 conforme a figura abaixo.
Figura 37:
Aˆngulos definidos por uma transversal.
Vamos adotar a seguinte nomenclatura:
Aˆngulos | Designa¸c˜ao |
^1 e ^5
^2 e ^6 ^3 e ^7 ^4 e ^8 |
Correspondentes |
^1 e ^8
^2 e ^7 |
Colaterais externos |
^3 e ^6
^4 e ^5 |
Colaterais internos |
^1 e ^7
^2 e ^8 |
Alternos externos |
^3 e ^5
^4 e ^6 |
Alternos internos |
Teorema 1.13 Se a reta t ´e transversal `as retas r e s e os ˆangulos correspondentes s˜ao congruentes, ent˜ao r e s s˜ao retas paralelas.
Demonstra¸c˜ao.
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Suponhamos, por absurdo, que r e s n˜ao sejam paralelas, ou seja, r s = {P}.
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Sejam ainda, {A} = t s, {B} = t r e α e β os ˆangulos correspondentes conforme a figura.
t
A a
P r
B b s
Figura 38: Figura auxiliar.
Pelo teorema do ˆangulo externo aplicado ao triˆangulo ABP ter´ıamos α > β (ou β > α dependendo de qual lado do semiplano determinado por t o ponto P estiver), o que contradiz a hip´otese.
Portanto, r e s s˜ao paralelas. Q
Observemos que uma consequˆencia imediata do teorema acima ´e que “duas retas distintas perpendiculares a uma mesma reta s˜ao paralelas”.
No in´ıcio do primeiro cap´ıtulo definimos retas paralelas, mas ficamos devendo sua a existˆencia. A jun¸c˜ao do “Teorema da Perpendicular” (I ou II) e o teorema acima fornece a e- xistˆencia previamente anunciada (al´em de um procedimento para sua constru¸c˜ao geom´etrica).
Teorema 1.14 (1) Se em um triˆangulo h´a dois lados n˜ao congruentes, ent˜ao os ˆangulos opostos a esses lados n˜ao s˜ao congruentes e o maior ˆangulo ´e oposto ao maior lado.
- Se em um triˆangulo h´a dois ˆangulos n˜ao congruentes, ent˜ao os lados opostos a esses ˆangulos n˜ao s˜ao congruentes e o maior lado ´e oposto ao maior ˆ
Demonstra¸c˜ao.
- Seja ABC um triˆangulo qualquer. Suponhamos que AB > AC.
A
D
Figura 39: Figura auxiliar.
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Queremos mostrar que mACB > mABC.
Seja D o ponto da semirreta AC tal que AD = AB.
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Ent˜ao o triˆangulo ABD ´e is´osceles. Da´ı, AB^D = AD^ B. ^
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O ˆangulo AC^B ´e externo ao triˆangulo BCD. Dessa forma, pelo Teorema do
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Logo, AC^B > AD^ B = AB^D > AB^C, como quer´ıamos demonstrar.
Aˆngulo
Suponhamos agora que A B e A C. Queremos mostrar que BC AC e BC AB.
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Suponhamos, por absurdo, que BC < AC ou BC < AB.
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No primeiro caso, pelo que acabamos de demonstrar, ter´ıamos A < B, o que contraria a hip´otese.
No segundo caso, ter´ıamos A < C, o que tamb´em contraria a hip´otese. Portanto, o maior ˆangulo ´e oposto ao maior lado.
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- Seja ABC um triˆangulo com C > B. Queremos mostrar que AB > AC.
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Temos trˆes possibilidades para as medidas de AB e AC: AB = AC, AB < AC e AB > AC.
Caso AB = AC, ent˜ao o triˆangulo ABC ´e is´osceles de base BC. Logo, B contradiz a hip´otese.
= C^, o que
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Caso AB < AC ent˜ao, pelo item (1), C < B, o que contradiz a hip´otese. Logo, devemos ter AB > AC.
Suponhamos agora que AB ≥ BC e AB ≥ AC. Queremos mostrar que C^ ≥ A^
e C^ ≥ B^.
Suponhamos, por absurdo, que C^ < A^ ou C^ < B^. Da´ı, pelo que acabamos de msotrar,
AB < BC ou AB < AC, o que contraria a hip´otese.
Logo, o maior lado ´e oposto ao maior ˆangulo. Q
Temos como consequˆencia do teorema acima que a hipotenusa de um triˆangulo retˆangulo
´e maior do que qualquer um dos catetos. Desta forma, podemos tamb´em justificar que se P ´e ponto n˜ao pertencente `a reta r e d (P, r) = PQ, ent˜ao PQ ´e o segmento de menor comprimento ligando P a um ponto de r. Ali´as, essa ´e a ideia por tr´as do conceito de distˆancia entre duas figuras quaisquer no plano: se F e G s˜ao figuras no plano, d (F, G) ´e definida com sendo
o ´ınfimo do conjunto dos comprimentos de todos os segmentos que ligam um ponto de F
a um ponto de G. Observemos que devemos utilizar o ´ınfimo e n˜ao o m´ınimo, pois nem sempre existe um segmento ligando um ponto de F a um ponto de G que tenha o menor comprimento poss´ıvel. Por exemplo: sejam F e G dois discos abertos (isto ´e, sem o bordo) de raios 1 com centros distando 3 (9). Temos d (F, G) = 1, mas n˜ao existe um segmento ligando um ponto de F a um ponto de G que tenha comprimento 1.
F G
3
Figura 40: Distˆancia entre figuras.
Abaixo seguem os dois u´ltimos casos de congruˆencia de triˆangulos.
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Teorema 1.15 (Caso LAA0 – lado, ˆangulo, ˆangulo oposto – de congruˆencia) Se ABC e DEF
s˜ao triˆangulos tais que AB = DE, B = E e C = F, ent˜ao ABC e DEF s˜ao congruentes.
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Demonstra¸c˜ao.
Seja H um ponto da semirreta −BC tal que BH = EF.
Temos trˆes hip´oteses para H, quais sejam:
- H ∈ BC (H diferente de C);
- H /∈ BC;
- H =
A D
B H C E F
Figura 41: Figura auxiliar.
9Trabalharemos com discos em cap´ıtulo posterior. Por enquanto, apenas a definic˜ao de disco aberto de centro C e raio r no plano Π basta: trata-se do conjunto {P ∈ Π : d (P, C) < r}.
Consideremos o caso (1): como AB = DE, B^ = E^ e BH = EF segue, pelo caso de
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cogruˆencia LAL, que os triˆangulos ABH e DEF s˜ao congruentes.
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Logo, AHB = DFE. Mas, AHB ´e um ˆangulo externo ao triˆangulo AHC. Logo, pelo Teorema do Aˆngulo Externo, AHB > ACH = DFE (hip´otese), ou seja, AHB > DFE, o que
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´e absurdo.
No caso (2) concluir´ıamos que AHB < DFE, o que ´e novamente absurdo.
Portanto, resta apenas o caso (3), ou seja, H = C. Da´ı, ABC e DEF s˜ao congruentes. Q
Teorema 1.16 (Caso cateto-hipotenusa de congruˆencia) Se ABC e DEF s˜ao triˆangulos retˆangulos com hipotenusas congruentes e um par de catetos congruentes, ent˜ao ABC e DEF s˜ao congruentes.
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Demonstra¸c˜ao.
Suponhamos que B = E = 90o, AC = DF e AB = DE. Tomemos o ponto Q na semirreta oposta a −E→F de modo que EQ = BC.
A D
C B F Q E
Logo, AB = DE, B LAL.
= E^
Figura 42: Figura auxiliar.
e BC = EQ. Ent˜ao, ABC e DEQ s˜ao congruentes pelo caso
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Da´ı, DQ = AC e, por isso, o triˆangulo DFQ ´e is´osceles, donde F = Q.
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Mas como j´a t´ınhamos que Q = C da congruˆencia entre ABC e DEQ, ent˜ao F = C. Logo, pelo caso LAA0, os triˆangulos ABC e DEF s˜ao congruentes. Q
Desigualdade Triangular
Teorema 1.17 (desigualdade triangular) A soma dos comprimentos de dois lados de um triˆangulo ´e sempre maior do que o comprimento do terceiro lado.
Demonstra¸c˜ao.
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Seja ABC um triˆangulo qualquer. Queremos mostrar que AB + AC > BC. Seja D um ponto na semirreta oposta a −AC tal que AD = AB.
B
D C
A
Figura 43: Figura auxiliar.
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Logo, o triˆangulo ADB ´e is´osceles. Da´ı, ADB = ABD. Como, por constru¸c˜ao, A est´a entre D e C, segue que DC = AD + AC = AB + AC.
Agora, DBC = DBA + ABC > BDA = BDC. Da´ı, pelo Teorema 1.14 temos que
DC > BC. Portanto, DC = AB + AC > BC, como quer´ıamos demonstrar. Q
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O Teorema do Aˆngulo Externo e o Teorema da Desigualdade Triangular s˜ao resultados envolvendo desigualdades em um triˆangulo. A condi¸c˜ao necess´aria ( ) do pr´oximo resul- tado ´e conhecida como Teorema da Dobradi¸ca e refere-se a desigualdades envolvendo dois triˆangulos distintos.
Teorema 1.18 Sejam ABC e DEF triˆangulos tais que AB = DE e AC = DF. Temos
A^ > D^ se, e somente se, BC > EF.
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Demonstra¸c˜ao.
Suponhamos, primeiramente que A > D. Consideremos a semirreta −A−Q, com Q e B do mesmo lado de ←A→C tal que QA^ C = D^ .
B M K E
F
A C D
Figura 44: Figura auxiliar.
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Sobre −A−Q tomamos um ponto K tal que AK = DE. Da´ı, AK = DE, KAC = EDF e
AC = DF.
Logo, pelo caso LAL temos que os triˆangulos AKC e DEF s˜ao congruentes donde con- clu´ımos que KC = EF.
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Se K pertence ao segmento BC, ent˜ao KC < BC e, ent˜ao, EF < BC, como quer´ıamos. Suponhamos ent˜ao que K n˜ao pertence ao segmento BC.
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Seja M o ponto em que a bissetriz de BAK intersecta BC.
Da´ı, AK = DE = AB, MAB = MAK e AM = AM, ent˜ao, pelo caso LAL temos que os triˆangulos ABM e AKM s˜ao congruentes, donde BM = MK.
Aplicando a desigualdade triangular ao triˆangulo MKC temos KC < MC + MK =
MC + BM = BC. Portanto, EF = KC < BC, como quer´ıamos.
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Suponhamos agora que BC > EF. Mostremos que A > D.
Se tiv´essemos A < D ent˜ao, pelo que provamos na primeira parte desse teorema ter´ıamos
BC < EF, o que contraria a hip´otese.
Se tiv´essemos A^ = D^ ent˜ao AB = DE, A^ = D^ e AC = DF donde os triˆangulos ABC e
DEF seriam congruentes pelo caso LAL.
Da´ı, BC = EF, o que contraria a hip´otese.
Portanto, por exclus˜ao, devemos ter A^ > D^ . Q
Cap´ıtulo 2
Geometria Euclidiana
Alguns Coment´arios sobre a Hist´oria do “Problema das Paralelas”
O estudo sistem´atico de geometrias “n˜ao euclidianas” em espa¸cos homogˆeneos, ou seja, espa¸cos que apresentam a mesma curvatura gaussiana (1) em todos os seus pontos, teve origem a partir do final do s´eculo XVIII e come¸co do s´eculo XIX, quando Gauss estudou o “Problema das Paralelas”, que consistia em tentar provar que o Quinto Postulado (2) de Euclides era independente dos demais. Ironicamente, podemos dizer que o pr´oprio Euclides, ao adotar seu Quinto Postulado em sua obra Os Elementos, lan¸cou a semente das geometrias n˜ao euclidianas, uma vez que o questionamento de tal postulado levou ao desenvolvimento da teoria que serviu de base para a fundamenta¸c˜ao da “primeira” geometria n˜ao euclidiana, a Geometria Hiperb´olica.
Na geometria hiperb´olica n˜ao vale o Quinto Postulado de Euclides, o qual ´e substitu- ido por um outro contr´ario a este. Todos os outros axiomas da Geometria Euclidiana s˜ao adotados, exceto o das paralelas. Isso significa que todos os teoremas que enunciamos no cap´ıtulo anterior valem na Geometria Hiperb´olica. Ali´as, por causa desse fato, a geometria do primeiro cap´ıtulo recebe o nome de Geometria Absoluta.
E´ bastante curioso que o pr´oprio Euclides parece ter evitado ao m´aximo o uso de seu
Quinto Postulado, uma vez que as 28 primeiras proposi¸c˜oes de sua obra Os Elementos n˜ao o utilizam. Isso levantou a suspeita em matem´aticos posteriores de que tal postulado fosse, na verdade, uma proposi¸c˜ao que Euclides n˜ao conseguiu demonstrar. Al´em disso, o pr´oprio enunciado do Quinto Postulado destoa dos enunciados dos demais teoremas, por ser demasiadamente longo, refor¸cando ainda mais tal suspeita.
1De um modo bastante intuitivo e informal, a curvatura gaussiana de uma superf´ıcie regular S em um
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ponto P S ´e uma taxa de varia¸c˜ao que mede “o quanto S afasta-se, em uma vizinhan¸ca de P, de seu plano tangente em P”. Para a defini¸c˜ao formal de curvatura gaussiana indicamos as referˆencias:
Carmo, M. P. Geometria Diferencial de Curvas e Superf´ıcies. Rio de Janeiro: SBM – Sociedade Brasileira de Matem´atica. 2005.
Tenenblat, K. Introdu¸c˜ao `a Geometria Diferencial. Bras´ılia: Editora da Universidade de Bras´ılia. 1988. 2P5 – Se uma reta corta duas outras retas formando ˆangulos colaterais internos cuja soma ´e menor do que dois retos, ent˜ao as duas retas, se continuadas infinitamente, encontram-se no lado onde est˜ao os ˆangulos
cuja soma ´e menor do que dois retos.
Abaixo, vamos apresentar brevemente alguns matem´aticos (al´em de Euclides, Hilbert e Birkhoff, j´a apresentados no cap´ıtulo anterior) que se envolveram com o “Problema das Paralelas” ou seus desdobramentos. Conforme veremos, este famoso problema parece ter sido o que permaneceu por mais tempo em aberto na Matem´atica.
Claudius Ptolomeu.
Claudius Ptolomeu foi um dos matem´aticos que contestaram o Quinto Postulado de Euclides, propondo uma demonstra¸c˜ao do deste postulado a partir dos quatro primeiros. A demonstra¸c˜ao proposta por Ptolomeu fazia uso, implicitamente, da vig´esima nona proposi¸c˜ao
(3) do primeiro volume de “Os Elementos”, que depende do Quinto Postulado, isto ´e, ele
usou uma proposi¸c˜ao equivalente ao pr´oprio Quinto Postulado, fazendo portanto, um ciclo vicioso do ponto de vista l´ogico.
Claudius Ptolomeu nasceu em 85 d.C. no Egito e morreu em 165 d.C. em Alexandria, tamb´em no Egito. Foi um eminente matem´atico e astrˆonomo que escreveu uma importante obra, intitulada Almagesto, que introduziu a trigonometria como ferramenta no estudo de astronomia.
Figura 45: Ilustra¸c˜ao de Claudius Ptolomeu.
Proclus Diadochus.
Proclus foi um estudioso das obras cl´assicas gregas e muito do que se sabe da hist´oria e da filosofia da Gr´ecia Antiga sobreviveu em seus escritos. Ele escreveu um trabalho sobre a obra de Euclides chamado Coment´arios sobre Euclides em que, assim como Ptolomeu, tamb´em critica o Quinto Postulado de Euclides, propondo uma demonstra¸c˜ao do postulado a partir dos quatro outros postulados. Essa demonstra¸c˜ao ´e baseada na aceita¸c˜ao do fato de que retas paralelas s˜ao equidistantes, fato este que ´e equivalente ao pr´oprio Quinto Postulado de Euclides.
Figura 46: Foto de escultura de Proclus Diadochus.
Proclus nasceu em 411 d.C. em Constantinopla (atualmente Istambul, na Turquia) e morreu em 485 d.C. em Atenas, na Gr´ecia.
3“Se uma reta corta outras duas retas paralelas, entao os ˆangulos correspondentes s˜ao congruentes.”
Nasir al-Din al-Tusi (Nasiredin).
Assim como Ptolomeu, Nasiredin tamb´em estudou astronomia e tentou provar o Quinto Postulado de Euclides. Para tanto, ele utilizou uma proposi¸c˜ao-axioma, que foi tomada sem demonstra¸c˜ao devido ao seu car´ater de autoevidˆencia (4). No entanto, essa proposi¸c˜ao as- sumida ´e um equivalente do Quinto Postulado de Euclides. Assim como Ptolomeu, Nasiredin acabou realizando um racioc´ınio c´ıclico em suas dedu¸c˜oes.
Nasiredin era ´arabe e nasceu 1201 em Tus na P´ersia (atualmente Ir˜a) e morreu em 1274
em Kadhimain, Persia (pr´oximo a Bagd´a, atualmente Iraque).
Figura 47: Ilustra¸c˜ao de Nasiredin.
John Wallis.
John Wallis foi um eminente matem´atico inglˆes que escreveu algumas obras sobre sec¸c˜oes cˆonicas, ´algebra e aritm´etica. Uma delas, a saber, Arithmetica Infinitorum (Aritm´etica Infinita) foi utilizada por Isaac Newton em seus estudos. Em suas pesquisas, Wallis tamb´em tentou demonstrar o Quinto Postulado de Euclides a partir dos quatro primeiros. Para tanto, ele fez uso da existˆencia de triˆangulos semelhantes e n˜ao congruentes, fato este que ´e equivalente ao pr´oprio Quinto Postulado.(5)
Wallis nasceu em 1616 em Ashford na Inglaterra e morreu em 1703 em Oxford, tamb´em na Inglaterra.
Figura 48: Tela de John Wallis.
4“Sejam r e s duas retas; A r e B o p´e da perpendicular baixada de A em s. Suponha ainda que AB
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n˜ao ´e perpendicular a r. Ent˜ao, os segmentos perpendiculares a s baixados de r no lado do ˆangulo agudo entre AB e r s˜ao menores do que AB e os do lado oposto s˜ao maiores do que AB.”
5Um dos quatro axiomas do sistema axiom´atico original de Birkhoff para a Geometria Euclidiana Plana
´e justamente sobre a existˆencia de semelhan¸ca.
Giovanni Girolamo Saccheri.
Saccheri foi um padre jesu´ıta e estudioso de teologia, filosofia, ret´orica e matem´atica que viveu nas cidades de Mil˜ao, Turim e P´avia. Sua obra mais famosa ´e Euclides Ab Omni Naevo Vindicatus (Euclides Livre de Todas as M´aculas) que ´e considerada uma das primeiras obras de geometria n˜ao euclidiana (embora Saccheri n˜ao tenha concebido esta obra com tal intuito). Em sua obra ele tenta, assim como seus antecessores, provar o Quinto Postulado de Euclides a partir dos quatro anteriores. A novidade ´e que, pela primeira vez, o m´etodo de redu¸c˜ao ao absurdo em demonstra¸c˜oes foi utilizado no “Problema das Paralelas”. Com isto, Saccheri supˆos a nega¸c˜ao do Quinto Postulado e tentou chegar a uma contradi¸c˜ao fazendo uso de um quadril´atero com dois ˆangulos retos na base e dois lados verticais congruentes. Como ele sabia que a existˆencia de retˆangulos e o Quinto Postulado s˜ao equivalentes, a nega¸c˜ao assumida conduziu a dois casos, a saber: o caso em que os ˆangulos congruentes do topo s˜ao obtusos e o caso em que s˜ao agudos. Esse quadril´atero mais tarde passou a se chamar “Quadril´atero de Saccheri”. O caso em que os ˆangulos do topo de seu quadril´atero s˜ao obtusos conduz a uma contradic¸˜ao com o Segundo Postulado de Euclides. O caso em que os ˆangulos s˜ao agudos n˜ao conduz a uma contradic¸˜ao. No entanto, ap´os ter desenvolvido v´arios resultados, que hoje s˜ao conhecidos como teoremas de Geometria Hiperb´olica, Saccheri for¸cou uma contradi¸c˜ao admitindo ser imposs´ıvel a existˆencia de duas retas paralelas assint´oticas, ou seja, retas que s˜ao paralelas, mas que v˜ao se aproximando `a medida que s˜ao percorridas em um determinado sentido. Essas retas podem ser utilizadas para a constru¸c˜ao dos chamados triˆangulos generalizados da Geometria Hiperb´olica.
Saccheri nasceu em 1667 em S˜ao Remo na It´alia e morreu em 1733 em Mil˜ao, tamb´em
na It´alia.
Figura 49: P´agina da obra de Saccheri.
Johann Heinrich Lambert.
Assim como Saccheri, Lambert tamb´em tentou provar o Quinto Postulado de Euclides por redu¸c˜ao ao absurdo, em seu trabalho Theorie der Parallellinien de 1766, via a introdu¸c˜ao de um quadril´atero que possui trˆes ˆangulos retos, conhecido hoje como “Quadril´atero de Lambert”. Como consequ¨ˆencia, ele deduziu uma s´erie de resultados que hoje s˜ao conheci- dos como teoremas de Geometria Hiperb´olica. Talvez seu mais importante resultado nesse trabalho tenha sido a dedu¸c˜ao de que a soma dos ˆangulos internos de um triˆangulo ´e in- versamente proporcional `a sua ´area, em uma geometria onde n˜ao vale o Quinto Postulado. Apesar de suas contribui¸c˜oes no campo da geometria, Lambert ´e mais conhecido no mundo matem´atico pela prova rigorosa que fez da irracionalidade do nu´mero π.
Lambert nasceu em 1728 em Mu¨lhausen na Fran¸ca e morreu em 1777 em Berlim na Alemanha.
Figura 50: Tela de Johann Heinrich Lambert.
Adrien Marie Legendre.
Legendre escreveu um tratado de geometria intitulado “El´ements de G´eom´etrie” em 1794, que serviu de texto b´asico no ensino de geometria durante muitas d´ecadas na Europa. Foi nesse trabalho que Legendre voltou-se para a quest˜ao do “Problema das Paralelas” e, assim como seus antecessores, tentou demonstrar o Quinto Postulado a partir dos quatro primeiros. Em uma de suas demonstra¸c˜oes ele admitiu que, a partir de um ponto no inteiror de um ˆangulo n˜ao degenerado, cuja medida n˜ao ´e superior a 60◦, ´e poss´ıvel tra¸car uma reta que intersecta os dois lados desse ˆangulo. Embora pare¸ca evidente, essa proposi¸c˜ao ´e equivalente ao pr´oprio Quinto Postulado de Euclides e, desta forma, do ponto de vista l´ogico-dedutivo, assumi-la significa assumir o Quinto Postulado. Embora Legendre n˜ao tenha feito progressos no “Problema das Paralelas”, seu trabalho no campo da geometria foi magistral do ponto de vista did´atico e da clareza de racioc´ınio com que demonstrou diversos teoremas da Geometria Euclidiana.
Legendre nasceu em 1752 em Paris, na Fran¸ca, e morreu em 1833 no mesmo local.
Figura 51: Tela de Adrien Marie Legendre.
Johann Carl Friedrich Gauss.
Gauss tomou conhecimento logo cedo, por volta dos quinze anos de idade, do “Problema das Paralelas” e, assim como seus antecessores, de in´ıcio tentou demonstrar o Quinto Postu- lado a partir dos quatro primeiros. No entanto, logo convenceu-se de que tal demonstra¸c˜ao n˜ao era poss´ıvel. Embora n˜ao haja registros, ´e poss´ıvel que Gauss tenha lido os trabalhos de Saccheri, Lambert e Legendre sobre o “Problema das Paralelas” e tomado conhecimento dos v´arios teoremas de geometrias n˜ao euclidianas constantes desses trabalhos. Embora n˜ao tenha publicado nada sobre esse assunto sabe-se, por meio de numerosas correspondˆencias que Gauss mantinha com diversos matem´aticos da ´epoca, que ele desenvolveu uma s´erie de
resultados de Geometria Hiperb´olica e, certamente, foi o primeiro matem´atico a reconhecer a existˆencia de uma geometria consistente diferente da euclidiana. Talvez a n˜ao publica¸c˜ao de tais resultados tenha sido motivada pelo receio da n˜ao aceita¸c˜ao de uma geometria diferente da cl´assica e da contesta¸c˜ao da filosofia de Kant, adotada pela igreja, que coloca o universo como euclidiano.
O termo “n˜ao euclidiana” ´e de Gauss. Em 1824, em carta a F. A. Taurinus, declara que “se supusermos que a soma das medidas dos ˆangulos internos de um triˆangulo ´e menor do que 180o (o que equivale a considerar uma das nega¸c˜oes do Quinto Postulado), ´e poss´ıvel desenvolver uma longa s´erie de resultados n˜ao contraditorios que constituem uma geometria n˜ao euclidiana”.
Gauss foi um dos maiores matem´aticos que j´a existiram e possui contribui¸c˜oes em diversas
´areas dessa ciˆencia. Nasceu em 1777 em Brunswick na Alemanha e morreu em 1855 em G¨ottingen, tamb´em na Alemanha.
Figura 52: Tela de Johann Carl Friedrich Gauss.
J´anos Bolyai.
O hu´ngaro J´anos Bolyai ´e filho de um amigo de Gauss, chamado Farkas Bolyai (1775- 1856), que tentou demonstrar o Quinto Postulado de Euclides a partir dos quatro primeiros. Talvez, por isso, J´anos tenha tentado logo cedo resolver o “Problema das Paralelas”. Assim como Gauss, o jovem J´anos logo se convenceu da impossibilidade de tal demonstra¸c˜ao e passou a admitir e a desenvolver diversos resultados de Geometria Hiperb´olica.
Figura 53: Tela de J´anos Bolyai.
J´anos publicou, em latim, o fruto de seu trabalho sob o t´ıtulo Ciˆencia do Espa¸co Absoluto
(6), em 1832, como um apˆendice de um livro did´atico escrito por seu pai, intitulado Tentamen.
6Uma tradu¸c˜ao para o inglˆes do trabalho “Ciˆencia do Espaco Absoluto” de J´anos Bolyai pode ser encon- trada no final da referˆencia:
Um fato curioso na hist´oria de J´anos se deu quando seu pai Farkas enviou uma c´opia do Tentamen para que seu amigo Gauss avaliasse o brilhante trabalho de seu filho. No entanto, ao contr´ario do esperado elogio do eminente matem´atico, Farkas recebeu uma carta de Gauss na qual este diz que elogiar o trabalho de J´anos seria o mesmo que elogiar a si pr´oprio, uma vez que a maioria dos resultados descobertos por J´anos j´a haviam sido descobertos por ele mesmo anos antes. Entretanto, Gauss escreveu que estava feliz e surpreso pelo fato de esses resultados de Geometria Hiperb´olica terem sido descobertos de modo independente pelo prodigioso filho de um ilustre amigo. Naturalmente, a carta de Gauss provocou profundo descontentamento em J´anos, que passou a cultivar profunda avers˜ao ao “Pr´ıncipe dos Matem´aticos”.
J´anos nasceu 1802 em Kolozsv´ar na Hungria (hoje ´e uma cidade da Romˆenia) e morreu em 1860 in Marosv´as´arhely na Hungria (hoje, tamb´em Romˆenia).
Nikolai Ivanovich Lobachewsky.
Assim como seus antecessores, Lobachewsky tentou demonstrar o Quinto Postulado de Euclides a partir dos quatro primeiros e logo se convenceu da impossibilidade desse feito. A partir de ent˜ao, passou a reconhecer a existˆencia e a desenvolver, de forma independente, resultados de uma nova geometria, a Hiperb´olica, diferente da Euclidiana, denominada por ele de pangeometria ou geometria imagin´aria. Em 1826 chegou a proferir palestra sobre a existˆencia de geometrias n˜ao euclidianas na Universidade de Kazan onde foi professor e reitor. Em 1829, Lobachewsky publicou um trabalho, em russo, sobre suas descobertas mas quase que completamente ignorado pela comunidade cient´ıfica russa e completamente ignorado no restante do mundo. Entretanto, cronologicamente, trata-se da primeira pu- blica¸c˜ao de uma geometria cujo autor admite ser n˜ao euclidiana. Posteriormente, em busca do reconhecimento de seu trabalho, Lobachewsky publicou uma vers˜ao em alem˜ao em 1840, intitulada Pesquisas Geom´etricas Sobre a Teoria das Paralelas (7), chegando `as m˜aos de Gauss, que ficou mais uma vez surpreso com o fato de Lobachewsky ter descoberto os mesmos resultados de forma independente. Al´em disso, Gauss tamb´em se superpreendeu com a forma como os teoremas da Geometria Hiperb´olica foram demonstrados por Lobachewsky, de modo totalmente diferente dos seus, chegando a afirmar em correspondˆencia para um amigo astrˆonomo, de nome Schumacher, que o livro de Lobachewsky continha uma exposi¸c˜ao admir´avel de toda a teoria de Geometria Hiperb´olica. Em 1866, dez anos ap´os sua morte, uma vers˜ao em francˆes de seu trabalho foi publicada.
Lobachewsky nasceu em 1792 em Nizhny na Ru´ssia e morreu em 1856 em Kazan, tamb´em na Russia.
Bonola,
- Non-Euclidean Geometry: a critical and historical study of its development. New York.
Dover Publications, Inc. 1955.
7Uma tradu¸c˜ao para o inglˆes do trabalho “Pesquisas Geom´etricas Sobre a Teoria das Paralelas”, de Lobachewsky, pode ser encontrada no final da referˆencia:
Bonola,
- Non-Euclidean Geometry: a critical and historical study of its development. New York.
Dover Publications, Inc. 1955.
Figura 54: Tela de Nikolai Ivanovich Lobachewsky.
Georg Friedrich Bernhard Riemann.
Riemann generalizou as geometrias n˜ao euclidianas por meio do conceito de curvatura e fundamentou a Geometria El´ıptica, que pode ser obtida, do ponto de vista axiom´atico, da nega¸c˜ao do Quinto Postulado de Euclides, que conduz `a n˜ao existˆencia de retas paralelas, e `a substitui¸c˜ao do Segundo Postulado de Euclides por postulados que permitem que uma reta seja finita (Axiomas de Separa¸c˜ao). Com isso, a geometria sobre uma esfera, que sob certas restri¸c˜oes serve de modelo para a Geometria El´ıptica, desvinculou-se como parte da Geometria Euclidiana Espacial e passou a ter vida pr´opria.
O trabalho de Riemann sobre geometria est´a muito al´em da simples generaliza¸c˜ao das trˆes geometrias de espa¸co homogˆeneo (curvatura gaussiana constante (8)). Ele introduziu as hoje chamadas Geometrias Riemannianas que podem, inclusive, n˜ao ser homogˆeneas e que foram, posteriormente, utilizadas na Teoria da Relatividade de Albert Einstein em 1906.
Riemann nasceu em 1826 em Breselenz na Alemanha e morreu em 1866 em Selasca na It´alia, v´ıtima de tuberculose.
Figura 55: Foto de Georg Friedrich Bernhard Riemann.
8A defini¸c˜ao rigorosa de curvatura gaussiana de uma superf´ıcie requer a introduc˜ao de defini¸c˜oes e resul-
tados de geometria diferencial e pode ser encontrada nas p´aginas de 164 a 167 da referˆencia:
Tenenblat, K. Introdu¸c˜ao `a Geometria Diferencial. Bras´ılia: Editora da Universidade de Bras´ılia. 1988. Geometricamente, a curvatura gaussiana em um ponto de uma superf´ıcie suave indica, de um certo modo,
o quanto essa superf´ıcie afasta-se de seu plano tangente em uma vizinhan¸ca desse ponto. Uma superf´ıcie que possui curvatura gaussiana constante em qualquer um de seus pontos possui a propriedade de ser homogˆenea, ou seja, intrisecamente n˜ao h´a pontos “especiais”, qualquer um de seus pontos possuem as mesmas propriedades e s˜ao indistingu´ıveis. Exemplos de superf´ıcies com curvatura gaussiana constante e positiva s˜ao as esferas euclidianas e, com curvatura gaussiana nula, ´e o plano euclidiano.
Eugenio Beltrami.
Embora a grande maioria dos teoremas de Geometria Hiperb´olica j´a estivesse estabele- cida na segunda metade do s´eculo XIX, o problema da consistˆencia de tal geometria ainda n˜ao havia sido resolvido. Havia a preocupa¸c˜ao sobre a garantia da impossibilidade de se en- contrar, no futuro, durante o desenvolvimento da Geometria Hiperb´olica, uma contradi¸c˜ao l´ogica na teoria, ou seja, um resultado verdadeiro cuja nega¸c˜ao tamb´em pudesse ser provada verdadeira. O problema foi resolvido mediante a introdu¸c˜ao de modelos euclidianos para a Geometria Hiperb´olica, isto ´e, superf´ıcies nas quais as retas s˜ao definidas de modo que os axiomas da Geometria Hiperb´olica passam a ser interpretados e aceitos como verdadeiros. Desta forma, uma contradi¸c˜ao na Geometria Hiperb´olica seria automaticamente transferida para a Geometria Euclidiana, que ´e considerada consistente.
Beltrami foi o primeiro a introduzir um tal modelo parcial para a Geometria Hiperb´olica, em 1868, em um artigo intitulado “Essay on an Interpretation of Non-euclidean Geometry”. Tal modelo faz uso da pseudoesfera, superf´ıcie de revoluc¸˜ao da curva denominada tratriz em torno de sua ass´ıntota.
Beltrami nasceu em 1835 em Cremona no Imp´erio Austr´ıaco (atualmente, It´alia) e morreu em 1900 em Roma, na It´alia.
Figura 56: Foto de Eugenio Beltrami.
Felix Christian Klein.
O modelo de Beltrami da pseudoesfera para a Geometria Hiperb´olica n˜ao era total- mente adequado devido ao fato de ser parcial, ou seja, representava apenas parte do plano hiperb´olico, impedindo que as retas hiperb´olicas fossem convenientemente estendidas ao infinito, como reza o Segundo Postulado de Euclides. Deste modo, a busca por modelos completos para a Geometria Hiperb´olica passou a ser um preocupa¸c˜ao dentre os geˆometras no final do s´eculo XIX.
Felix Klein foi um eminente geˆometra que publicou em 1871 dois artigos sobre geometrias n˜ao euclidianas, nas quais introduziu um modelo completo (9) para a Geometria Hiperb´olica (Modelo do Disco de Klein) e dois modelos para a Geometria El´ıptica (Modelo do Disco
9Os modelos completos para a Geometria Hiperb´olica imersos no Espa¸co Euclidiano n˜ao possuem m´etrica induzida da Geometria Euclidiana (geometricamente, uma superf´ıcie possui m´etrica induzida da m´etrica do espa¸co no qual ela est´a inserida quando o comprimento de qualquer curva dessa superf´ıcie ´e computado como sendo o comprimento dessa curva quando vista como curva do espa¸co. Assim, se uma esfera de raio r possui m´etrica induzida da m´etrica usual do espa¸co euclidiano, ent˜ao um arco de circunferˆencia ligando pontos ant´ıpodas da esfera ter´a comprimento πr). Neste caso, a no¸c˜ao de medida ´e diferente da euclidiana e faz com que as retas hiperb´olicas, ao contr´ario do modelo da pseudoesfera, n˜ao sejam geod´esicas euclidianas (curva de menor comprimento euclidiano que une dois pontos, descrita sobre uma superf´ıcie) sobre a superf´ıcie do modelo.
Fechado e Modelo Duplo da Esfera). Talvez o trabalho mais conhecido de Klein seja o es- tudo das propriedades do espa¸co que s˜ao invariantes por um dado grupo de transforma¸c˜oes, trabalho este conhecido como “Erlanger Programm”, de 1872, e que influenciou profunda- mente o desenvolvimento da geometria no s´eculo XX. Por fim, cabe ressaltar que os termos “hiperb´olica” e “el´ıptica” para as duas geometrias n˜ao euclidianas homogˆeneas foram intro- duzidos por Klein.
Figura 57: Foto de Felix Christian Klein.
Klein nasceu em 1849 em Du¨sseldorf na Pru´ssia (hoje, Alemanha) e morreu em 1925 em G¨ottingen na Alemanha.
Jules Henri Poincar´e.
Poincar´e ´e um dos maiores matem´aticos de todos os tempos e ´e considerado o u´ltimo uni- versalista em matem´atica, ou seja, uma pessoa que detinha conhecimento profundo de todas as ´areas da matem´atica. Possui contribui¸c˜oes significativas em diversas ´areas da matem´atica e, dentre elas, a geometria. No final do s´eculo XIX, ap´os estudo de trabalhos de Lazarus Fuchs, Poincar´e introduziu dois modelos euclidianos para a Geometria Hiperb´olica enquanto pesquisava grupos de transforma¸c˜oes automorfas do plano no plano que s˜ao raz˜oes de trans- forma¸c˜oes afins de uma vari´avel complexa. Tais grupos s˜ao conhecidos atualmente como grupos fuchsianos. Os modelos completos introduzidos por Poincar´e s˜ao amplamente uti- lizados no estudo e no ensino de Geometria Hiperb´olica e s˜ao conhecidos como Modelo do Semiplano Superior e Modelo do Disco de Poincar´e.
Poincar´e nasceu em 1854 em Nancy na Franca e morreu em 1912 em Paris, tamb´em na Fran¸ca.
Figura 58: Foto de Jules Henri Poincar´e.
Com o trabalho de David Hilbert (que apresentamos no primeiro cap´ıtulo) encerra-se talvez o mais longo problema em aberto na Matem´atica, o “Problema das Paralelas” que, conforme vimos, ironicamente, foi introduzido pelo pr´oprio Euclides e resistiu por cerca de 2200 anos!
A Existˆencia e Unicidade da Paralela
Axioma A10. (das Paralelas) Em um plano, por um ponto P n˜ao pertencente a uma reta r, pode-se tra¸car uma u´nica reta paralela a r passando por P.
Figura 59: A reta s ´e u´nica.
Vamos indicar duas retas r e s paralelas por r//s.
Observemos que a importˆancia do axioma acima reside na unicidade da paralela e n˜ao em sua existˆencia. De fato, vimos no cap´ıtulo anterior que a existˆencia de retas paralelas ´e garantida sem o aux´ılio do axioma da paralelas.
Teorema 2.1 (transitividade do paralelismo) Duas retas distintas paralelas a uma mesma reta s˜ao paralelas.
Demonstra¸c˜ao.
Suponha que r e s s˜ao as retas distintas paralelas `a reta t. Suponhamos, por absurdo, que r e s n˜ao sejam paralelas.
Seja P o ponto de interse¸c˜ao de r e s. Da´ı, P ∈/ t, r ´e paralela a t passando por P e s
´e paralela a t passando por P, o que contradiz a unicidade determinada pelo Axioma das
Paralelas.
Portanto, r e s s˜ao paralelas. Q
Observemos a consequˆencia imediata da transitividade do paralelismo: se uma reta t
intersecta uma de duas paralelas, ent˜ao t intersecta a outra.
Teorema 2.2 Se uma reta transversal intersecta duas retas paralelas, ent˜ao os ˆangulos cor- respondentes s˜ao congruentes.
Demonstra¸c˜ao.
Sejam α e β medidas de ˆangulos correspondentes e t reta transversal `as retas paralelas
s e r conforme figura.
s m r
Figura 60: Figura auxiliar.
|
Suponhamos, por absurdo, que α e β sejam diferentes. Sejam {P} = s ∩ t e {Q} = r ∩ t.
Ent˜ao, pelo Axioma A7, existe um ˆangulo QPR tal que QPR = β. Consideremos a reta
m = ←P→R que ´e, portanto, distinta de s.
Pelo Teorema 1.13 m ´e paralela a r. Logo, m e s s˜ao paralelas a r passando por P, o que contradiz a unicidade do Axioma das Paralelas.
Portanto, os ˆangulos correspondentes de medidas α e β s˜ao congruentes. Q
Consequˆencia dos dois teoremas acima ´e que se uma reta t intersecta uma de duas paralelas ortogonalmente, entao t intersecta a outra tamb´em ortogonalmente.
O teorema abaixo ´e central na Geometria Euclidiana. A caracteriza¸c˜ao da soma dos ˆangulos internos de um triˆangulo ´e um dos resultados mais lembrados pelos estudantes. Na verdade, este teorema ´e equivalente ao pr´oprio axioma das paralelas.
Teorema 2.3 A soma das medidas dos ˆangulos internos de um triˆangulo ´e a medida de um ˆangulo raso.
|
Demonstra¸c˜ao.
Sejam ABC um triˆangulo e r a reta paralela `a reta BC passando por A. Consideremos
α, β e γ a medidas dos ˆangulos A^ , B^ e C^, respectivamente, como na figura abaixo.
A E r
D g
b a
b g C
B
Figura 61: Figura auxiliar.
|
Pelo teorema acima DAB = β e EAC = γ. Logo, α + β + γ = 180o, como quer´ıamos.Q
Como consequˆencia imediata do teorema acima temos que os ˆangulos agudos de um triˆangulo retˆangulo s˜ao complementares. Tamb´em ´e consequˆencia que a medida de um ˆangulo externo de um triˆangulo ´e igual `a soma das medidas dos ˆangulos internos n˜ao adjacentes a ele.
Quadril´ateros
Vimos que um pol´ıgono de quatro lados recebe o nome de quadril´atero.
Um segmento ligando dois v´ertices de um quadril´atero que n˜ao s˜ao extremos de um mesmo lado ´e chamado de diagonal do quadril´atero. Observemos que um quadril´atero possui duas diagonais.
Como todo quadril´atero pode ser dividido em dois triˆangulos por meio de uma de suas diagonais, temos como consequˆencia do teorema acima que a soma dos ˆangulos internos de um quadril´atero ´e a soma de dois ˆangulos rasos.
Dois lados de um quadril´atero que n˜ao possuem v´ertice comum s˜ao chamados de lados opostos do quadril´atero. Caso contrario, lados consecutivos. Analogamente, ˆangulos que n˜ao compartilham um mesmo lado de um quadril´atero s˜ao chamados de ˆangulos opostos do quadril´atero. Caso contr´ario, ˆangulos consecutivos.
Um quadril´atero com um par de lados opostos paralelos ´e chamado de trap´ezio. Se os outros dois lados forem congruentes e n˜ao paralelos, o trap´ezio ´e chamado de trap´ezio is´osceles.
Um quadril´atero com os dois pares de lados opostos paralelos ´e chamado de paralelo- gramo.
Um quadril´atero com os quatro lados congruentes ´e chamado de losango ou rombo.
Um quadril´atero com os quatro ˆangulos internos congruentes (portanto, retos) ´e chamado de retˆangulo.
Um quadril´atero com os quatro lados e os quatro ˆangulos internos congruentes (portanto, losango e retˆangulo) ´e chamado de quadrado.
(1)
(2)
(3)
(4)
(5)
(6)
Figura 62: A partir do canto superior esquerdo: (1) trap´ezio (n˜ao is´osceles); (2) trap´ezio is´osceles; (3) paralelogramo; (4) losango; (5) retˆangulo e (6) quadrado.
E´ f´acil provar com os teoremas que temos at´e aqui o seguinte diagrama:
E´ um exerc´ıcio f´acil provar, utilizando os teoremas acima, que lados opostos de um pa-
ralelogramo s˜ao congruentes. Com esse resultado aplicado aos retˆangulos, ´e muito simples
provar que se r e s s˜ao retas paralelas e P, Q ∈ r, ent˜ao d (P, s) = d (Q, s) (fa¸ca!). E´ jus-
tamente essa conclus˜ao que permite que consideremos retas paralelas como sendo “equidis-
tantes”.
Portanto, podemos definir de modo preciso a distˆancia entre duas retas r e s paralelas como sendo a distˆancia de qualquer ponto de uma reta at´e a outra reta, ou seja, d (r, s) = d (P, s) sendo P ∈ r ponto qualquer de r.
r s
Figura 63: Distˆancia entre retas paralelas.
Teorema 2.4 O segmento com extremos nos pontos m´edios de dois lados de um triˆangulo
´e paralelo ao terceiro lado e possui a metade de seu comprimento.
Demonstra¸c˜ao.
Seja ABC um triˆangulo com D e E os pontos m´edios de AB e AC, respectivamente.
B
Figura 64: Figura auxiliar.
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Vamos mostrar que DE ´e paralelo a BC e que DE = 1BC. Seja F o ponto da semirreta oposta a −ED tal que DE = EF.
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Temos que AED = FEC, pois s˜ao ˆangulos opostos pelo v´ertice.
|
Logo, DE = EF, AED = FEC e AE = EC, donde os triˆangulos ADE e CFE s˜ao congru- entes pelo caso LAL. Da´ı, FC = AD = DB.
Al´em disso, ADE = EFC. Logo, pelo Teorema 1.13, AD ´e paralelo a FC.
|
O triˆangulo DFC ´e congruente ao triˆangulo CBD pelo caso LAL pois, pelo Teorema
- tem-se que mCDF = mDCB. Desta congruˆencia segue que DF = BC, o que implica
|
DE = 1BC.
Novamente pelo Teorema 1.13 conclu´ımos que DF ´e paralelo a BC, ou seja, DE ´e paralelo a BC. Q
Tales
Para o pr´oximo teorema dizemos que duas retas r e s determinam um segmento sobre uma reta t quando t ´e transversal a r e a s, e os extremos do segmento s˜ao os pontos de intersec¸c˜ao de t com r e s.
Teorema 2.5 Se trˆes ou mais retas paralelas determinam segmentos congruentes em uma transversal, ent˜ao elas determinam segmentos congruentes em qualquer outra transversal.
Demonstra¸c˜ao.
Consideremos uma transversal m intersectando as retas paralelas r, s e t nos ponto A, B e C, respectivamente, com AB = BC.
Seja n uma outra transversal intersectando estas retas nos ponto D, E e F, respectiva- mente. Mostremos que DE = EF.
Consideremos, primeiramente, o caso em que m e n n˜ao s˜ao paralelas.
A D r
B G E s
C I H F t
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2 1
Figura 65: Figura auxiliar.
Seja n1 a reta paralela a n que passa por A e sejam G e H os pontos de interse¸c˜ao de n1 com s e t, respectivamente. E, seja n2 a reta paralela a n passando por B e I o ponto de interse¸c˜ao de n2 com t.
Assim, temos os paralelogramos ADGE e BIFE. Como os lados opostos dos paralelo- gramos s˜ao congruentes temos que AG = DE e BI = FE.
|
|
m.
Analogamente, BAG = CBI pois n1 e n2 s˜ao paralelas cortadas pela transversal m.
Juntamente com AB = BC temos, pelo caso ALA, que os triˆangulos ABG e BCI s˜ao
congruentes. Logo, AG = BI.
Como j´a t´ınhamos que AG = DE e BI = FE ent˜ao DE = FE.
Consideremos agora o caso em que as transversais se intersectam em um ponto A da reta
r.
Seja n1 a reta que passa por B, paralela a n e que intersecta t em I (veja figura abaixo
`a esquerda).
Analogamente ao caso anterior temos que os triˆangulos ABE e BCI s˜ao congruentes por ALA e, portanto, AE = BI. Como BIFE ´e um paralelogramo temos BI = FE. Portanto, AE = EF, isto ´e, DE = EF.
No caso em que m e n s˜ao paralelas, como na figura abaixo a direita, o resultado decorre imediatamente do fato dos lados opostos de paralelogramos serem congruentes.
m n
Figura 66: Figura auxiliar.
Com isso, a demonstra¸c˜ao se encerra. Q
Como consequˆencia do teorema acima e do Axioma A4 temos que o encontro das me- dianas de um triˆangulo ocorre em um u´nico ponto que as divide na raz˜ao 2 para 1. Mais precisamente:
|
Teorema 2.6 As medianas de um triˆangulo intersectam-se em um u´nico ponto. Este ponto dista de cada v´ertice 2 do comprimento da medina relativa a esse v´ertice.
Demonstra¸c˜ao.
Seja ABC um triˆangulo qualquer e AM1, BM2, CM3 as medianas. Seja X o ponto de interse¸c˜ao entre BM2 e CM3. Consideremos os pontos m´edios D e E de BX e CX, respecti- vamente.
A
|
|
3
2
X
D E
|
B C
1
Figura 67: Figura auxiliar.
|
Como AM3 = BM3 e AM2 = CM2 ent˜ao, pelo Teorema 2.4, M2M3ǁBC e M2M3 = 1BC.
|
Analogamente, XD = BD e XE = CE entao DEǁBC e DE = 1BC. Da´ı, M2M3ǁDE e
|
M2M3 = DE.
Pelo Teorema 2.2 DM2M3 = M2DE e M2XM3 = DXE, pois s˜ao opostos pelo v´ertice. Da´ı, os triˆangulos DEX e M2M3X s˜ao congruentes pelo caso LAA0 donde DX = XM2 e
|
M3X = XE. Ent˜ao BM2 = 3DX e portanto, BX = 2BM2.
|
Analogamente, CX = 2BM3. Logo, a mediana BM2 intercepta a mediana CM3 num ponto X tal que BX = 2XM2.
Tomando as medianas AM1 e BM2 e sendo Y o ponto de interse¸c˜ao entre AM1 e BM2,
de modo an´alogo conclu´ımos que BY = 2BM2 e AY = 2AM1.
3 3
Seja ϕ um sistema de coordenadas tal que ϕ (B) < ϕ (M ) . Da´ı, BX = 2BM = BY =
2 3 2 ⇒
ϕ (X) − ϕ (B) = ϕ (Y) − ϕ (B) . Da injetividade de ϕ conclu´ımos que X = Y.
Portanto AM1 ∩ BM2 ∩ CM3 = {X} e AX = 2AM1, BX = 2BM2, CX = 2BM3, como
quer´ıamos demonstrar. Q
O ponto que ´e encontro das medianas de um triˆangulo ´e chamado de baricentro ou centroide do triˆangulo. Em estudos mais avan¸cados prova-se que o baricentro ´e o “centro de massa” ou “ponto de equil´ıbrio” do triˆangulo.
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|
|
Lema 2.1 Dados dois segmentos AB e CD, temos AB n onde n e m s˜ao nu´meros
inteiros positivos se, e somente se, existe um segmento de comprimento c tal que AB = nc
e CD = mc.
Demonstra¸c˜ao.
Sejam dados dois segmentos AB e CD e os nu´meros positivos n e m tais que AB = n .
CD m
Sejam, P0 = A, P1, …, Pn = B n pontos em AB tais que P0P1 = P1P2 = … = Pn−1Pn (ou
seja, estamos dividindo o segmento AB em n partes iguais). Seja c o comprimento de tais segmentos.
Ent˜ao, AB = n = nc .
CD m mc
Como, por constru¸c˜ao, AB = nc ent˜ao CD = mc.
A rec´ıproca ´e imediata. Q
Teorema 2.7 (Tales) Se duas retas r e s s˜ao transversais a um feixe de retas paralelas (10), ent˜ao a raz˜ao entre os comprimentos de dois segmentos quaisquer determinados pelo feixe sobre r ´e igual a raz˜ao entre os comprimentos dos segmentos correspondentes determinados pelo feixe sobre s.
10Feixe de retas neste enunciado tem o mesmo sentido de conjunto de retas.
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1
|
2 A1 A2
3 B1 B2
|
n
= A2 A3
B2 B3
= ⋯ =
An–1 An
Bn–1 Bn
Figura 68: Teorema de Tales.
Demonstra¸c˜ao.
Sejam AB e CD dois segmentos de r e AjBj e CjDj os respectivos segmentos correspon- dentes em s.
Queremos mostrar que AB = AjBj .
CD CjDj AB
Consideremos, primeiramente, o caso em que
inteiros positivos tais que AB = n .
CD ´e racional, ou seja, existem m e n
CD m
Da´ı, pelo Lema anterior, existe um segmento de comprimento c tal que AB = nc e
CD = mc.
Figura 69: Figura auxiliar.
Pelo Teorema 2.5, existe d inteiro positivo tal que AjBj = nd e CjDj = md.
Logo, AB = nc
= n = nd
= AjBj .
CD mc
- md
CjDj AB
Consideremos, agora, o caso em que
Seja n um inteiro qualquer.
CD ´e um nu´mero irracional.
Entao, existe um segmento de comprimento c tal que CD = nc (ou seja, estamos di- vidindo CD em n partes iguais e chamando o comprimento de cada parte de c).
|
Por AB
ser irracional, ou seja, n˜ao existir um segmento submu´ltiplo comum de AB e
CD, ent˜ao, marcando sucessivamente c em AB um certo nu´mero inteiro m de vezes temos
mc < AB < (m + 1) c. Assim, m < AB < m+1.
n CD n
m + 1 { 1
n n
Figura 70: Figura auxiliar.
|
Pelo Teorema 2.5 temos que CjDj = nd e md < AjBj < (m + 1) d. Da´ı, m
AjBj CjDj
|
|
(m+1), ou seja, −(m+1) < −AjBj < −m.
- n
|
Assim, m − (m+1)
CjDj
< AB − AjBj
n
< m+1 − m, isto ´e, − 1
< AB − AjBj
< 1 e, portanto,
. AB
AjBj .n 1 n
CD CjDj n n
n CD
CjDj n
CD − CjDj = n.
|
|
|
|
Como n ´e um inteiro positivo qualquer (ent˜ao podemos tom´a-lo t˜ao “grande” quanto quisermos) segue que . AB − AjBj . = 0. Portanto, AB = AjBj . Q
- O Conceito de Semelhan¸ca
Triˆangulos Semelhantes
Intuitivamente, dois objetos s˜ao semelhantes quando s˜ao “iguais a menos de escala”. Exemplos cotidianos bem simples podem ser encontrados em brinquedos, em que miniaturas de carros, casas e pessoas (bonecos) s˜ao semelhantes aos originais.
Nesta se¸c˜ao vamos trabalhar com o conceito de semelhan¸ca envolvendo triˆangulos. Trata- se de um caso particular da defini¸c˜ao geral de semelhan¸ca que comentaremos no final desta se¸c˜ao.
Dois triˆangulos s˜ao ditos semelhantes quando for poss´ıvel estabelecer uma correspondˆencia biun´ıvoca entre seus v´ertices de tal modo que lados correspondentes tenham medidas pro- porcionais e ˆangulos correspondentes tenham a mesma medida.
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Assim, os triˆangulos ABC e DEF s˜ao semelhantes quando existir uma bije¸c˜ao ϕ : {A, B, C}
{D, E, F} tal que
d (A, B) = k.d (ϕ (A) , ϕ (B))
d (A, C) = k.d (ϕ (A) , ϕ (C))
d (B, C) = k.d (ϕ (B) , ϕ (C))
A^ = ϕ(A^ ) C^ = ϕ(C^)
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sendo k > 0 a constante de proporcionalidade das medidas dos lados, chamada de raz˜ao de semelhan¸ca do triˆangulo ABC para o triˆangulo DEF.
Se tivermos, por exemplo, que ϕ (A) = D, ϕ (B) = E e ϕ (C) = F, as igualdades acima tornam-se
AB = k.DE AC = k.DF BC = k.EF
A^ = D^
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C^ = ^F
de semelhan¸ca de DEF para ABC.
D
B C E
ka F
Figura 71: Triangulos semelhantes.
Quando k = 1 temos exatamente a defini¸c˜ao de congruˆencia entre os triˆangulos ABC e
DEF.
H´a alguns “casos de semelhan¸ca” que auxiliam na verifica¸c˜ao da defini¸c˜ao acima.
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Teorema 2.8 (caso AAA) Se dois triˆangulos ABC e DEF s˜ao tais que A C = F, ent˜ao ABC ´e semelhante a DEF.
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Demonstra¸c˜ao.
= D^ , B^
= E^ e
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Consideremos Ej e Fj pontos de −AB e −AC, respectivamente, tais que AEj = DE e AFj =
DF, conforme a figura abaixo.
A
D
E F
B C
Figura 72: Figura auxiliar.
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Como j´a t´ınhamos A^ = D^ ent˜ao, pelo caso LAL, os triˆangulos AEjFj e DEF s˜ao congru-
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entes. Logo, AEjFj = DEF = B.
Da´ı, pelo Teorema 1.13 EjFj BC. Se EjFj = BC ent˜ao EjFj = BC e da´ı ABC e DEF s˜ao congruentes, e, portanto, semelhantes.
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Se ←E→jFj ←B→C ent˜ao pelo Teorema de Tales AB = AC.
Analogamente mostramos que AC = BC. Assim, AB = AC = BC = k. Logo, AB = k.DE,
DF EF DE DF EF
AC = k.DF e BC = k.EF. Portanto, ABC e DEF s˜ao semelhantes. Q
Na verdade, o caso acima pode ser chamado de caso “AA” pois conhecendo-se dois dos ˆangulos de um triˆangulo, o terceiro fica univocamente determinado.
Exerc´ıcio: Se uma reta corta dois lados de um triˆangulo dividindo-os na mesma raz˜ao, ent˜ao ela ´e paralela ao terceiro lado.
Resolu¸c˜ao.
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Seja ABC um triˆangulo qualquer. Consideremos a reta ←D→E onde D ´e um ponto entre A
e B, e E um ponto entre A e C com AB AC
A
Figura 73: Figura auxiliar.
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Seja ←D→Ej a reta passando por D, paralela `a ←B→C e intersectando A←→C em Ej. Pelo Teorema
Mas, por hip´otese temos AE = ACAD. Portanto, AE = AEj. Logo, E = Ej e DE ´e paralela
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`a BC. Q
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Teorema 2.9 (caso LAL) Se dois triˆangulos ABC e DEF s˜ao tais que AB = k.DE, A = D
e AC = k.DF, sendo k constante real positiva, ent˜ao ABC ´e semelhante a DEF.
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Demonstra¸c˜ao.
Consideremos Ej em −AB e Fj em −AC tais que AEj = DE e AFj = DF ent˜ao, pelo caso
LAL, os triˆangulos AEjFj e DEF s˜ao congruentes, conforme figura abaixo.
A
D
E F
B C
Figura 74: Figura auxiliar.
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Logo, AE^jF = E^, AEj = DE e AFj = DF. Logo, AB = AC. Da´ı, pelo exerc´ıcio anterior
EjFj BC donde B = AEjFj = E.
Portanto, pelo caso AAA, os triˆangulos ABC e DEF s˜ao semelhantes. Q
Teorema 2.10 (caso LLL) Se dois triˆangulos ABC e DEF s˜ao tais que AB = k.DE, AC =
k.DF e BC = k.EF, sendo k constante real positiva, ent˜ao ABC ´e semelhante a DEF.
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Demonstra¸c˜ao.
Consideremos Ej em −AB e Fj em −AC tais que AEj = DE e AFj = DF, conforme a figura
abaixo.
A
D
E F
B C
Figura 75: Figura auxiliar.
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Da hip´otese, temos AB = AC. Logo, AB = AC. Da´ı, pelo exerc´ıcio anterior, E←→jFj e ←B→C s˜ao
Ent˜ao, pelo Teorema 2.2, B = AEjFj e C = AFjEj.
Logo, pelo caso de semelhan¸ca AAA, temos que AEjFj e ABC s˜ao semelhantes e, da´ı,
EjFj
= AEj , ou seja, EjFj = BCAEj
= BCDE = EF.
BC AB AB AB
Assim, EjFj = EF, AEj = DE e AFj = DF, o que implica, pelo caso de congruˆencia LLL,
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que os triˆangulos AEjFj e DEF s˜ao congruentes.
Da´ı, AEjFj = E e AFjEj = F. Mas j´a t´ınhamos que B = AEjFj e C = AFjEj.
Portanto, B^ = E^ e C^ = ^F. Donde, ABC e DEF s˜ao semelhantes pelo caso AAA. Q
Triˆangulos Retˆangulos
Teorema 2.11 A altura correspondente `a hipotenusa de um triˆangulo retˆangulo divide-o em dois triˆangulos que s˜ao semelhantes um ao outro e semelhantes ao triˆangulo retˆangulo original.
Demonstra¸c˜ao.
Seja ABC um triˆangulo retˆangulo em A e AH a altura relativa `a hipotenusa BC. Mostremos que ABC e HBA s˜ao semelhantes assim como ABC e HAC.
A
B C
Figura 76: Figura auxiliar.
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Considere os ˆangulos α, αj, β, βj, γ e θ conforme figura acima.
Como o ˆangulo BAC ´e um ˆangulo reto, ent˜ao α+βj = 90o. Com γ ´e reto, temos tamb´em que α + β = 90o. Da´ı, β = βj.
Como αj ´e comum aos triˆangulos ABC e AHC, ent˜ao ABC e ACH s˜ao semelhantes pelo caso AAA.
Analogamente, mostramos que ABC e AHB s˜ao semelhantes. Q
Recordemos que dados √dois nu´meros reais n˜ao nulos a e b, a m´edia geom´etrica entre a
e b ´e definida como sendo ab.
Assim, como consequˆencia do teorema acima, temos que:
- a altura correspondente `a hipotenusa de um triˆangulo retˆangulo ´e a m´edia geom´etrica entre os comprimentos das proje¸c˜oes ortogonais dos catetos sobre a hipoten
- cada cateto tem comprimento igual `a m´edia geom´etrica entre o comprimento da hipotenusa e o comprimento da proje¸c˜ao ortogonal de tal cateto sobre a hipoten
A
c b
h
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B m n C a
- h =
b =
(2)
c = a m
Figura 77: M´edias geom´etricas.
Teorema 2.12 (1) (Pit´agoras) Em um triˆangulo retˆangulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa ´e igual `a soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos.
- (Rec´ıproca do Teorema de Pit´agoras). Se a, b e c s˜ao nu´meros reais positivos tais que a2 = b2 + c2, ent˜ao existe um triˆangulo retˆangulo com hipotenusa medindo a e catetos medindo b e c.
Demonstra¸c˜ao.
(1) Seja ABC um triˆangulo retˆangulo em A.
A
B C
Figura 78: Figura auxiliar.
Chamemos a = BC, b = AC e c = AB. Mostremos que a2 = b2 + c2.
Decorre da observac˜ao anterior que c2 = am e b2 = an. Ent˜ao b2 + c2 = an + am =
a (m + n) . Como m + n = a ent˜ao temos que b2 + c2 = a2.
(2√) Seja ABC um triˆangulo tal que a2 = b2 +c2 onde a = BC, b = AC e c = AB. Ent˜ao,
a = b2 + c2.
Seja DEF um triˆangulo retˆangulo em D com catetos DE = c e DF = b. Chamemos
d = EF.
B E
c c
A b C D b F
Figura 79: Figura auxiliar.
Da´ı, pelo teorema de P`ıt´agoras, d2 = b2 + c2, ou seja, d = √b2 + c2. Logo, a = d.
|
Assim, pelo caso de congruˆencia LLL, os triˆangulos ABC e DEF s˜ao congruentes, donde
A = D. Portanto, A ´e reto. Q
Ampliando o Conceito de Semelhan¸ca
Vamos conceituar matematicamente e de forma precisa a ideia de semelhan¸ca no plano euclidiano (tal conceitua¸c˜ao ´e a mesma no espa¸co).
A defini¸c˜ao que demos acima para o estudo de triˆangulos semelhantes ´e caso particular da defini¸c˜ao abaixo.
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Duas figuras F e G no plano euclidiano s˜ao ditas semelhantes quando existirem uma bije¸c˜ao ϕ : F G e um nu´mero real positivo k tal que para quaisquer P, Q ∈ F tem-se
PjQj = k.PQ
sendo Pj = ϕ (P) e Qj = ϕ (Q). (em outra nota¸c˜ao: d (ϕ (P) , ϕ (Q)) = k.d (P, Q))
A constante de proporcionalidade k ´e chamada de raz˜ao de semelhan¸ca (ou fator de escala) de F para G.
E´ f´acil verificar que se k ´e a raz˜ao de semelhan¸ca de F para G, entao 1 ´e a raz˜ao de
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semelhan¸ca de G para F.
F1
G2
G1 F2
3 1 1 2
1
2
figuras semelhantes quadrados semelhantes
Figura 80: Figuras semelhantes.
Quando k = 1 dizemos que as figuras F e G s˜ao congruentes, e que a bije¸c˜ao ϕ ´e uma
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isometria entre F e G.
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Sejam O um ponto de um plano Π, r um nu´mero real positivo e σ
aplica¸c˜ao tal que, quando P ∈ Π, tem-se
OPj = r.OP
O,r
: Π uma
sendo Pj = σO,r (P). Nessas condi¸c˜oes, dizemos que σO,r ´e uma homotetia de centro (ou
origem) O e raz˜ao r.
2 P’
1 P
G F G2
1 O 2
figuras homotéticas
quadrados homotéticos
Figura 81: Figuras homot´eticas.
A importˆancia das homotetias reside no fato de elas serem “f´abricas” de figuras seme- lhantes, conforme a proposi¸c˜ao abaixo, cuja demonstra¸c˜ao pode ser encontrada na referˆencia [9].
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Proposi¸c˜ao 2.1 Sejam σO,r : Π Π homotetia de centro O e raz˜ao r e F uma figura no
plano Π. Ent˜ao, G = σO,r (F) e F s˜ao figuras semelhantes e a raz˜ao de semelhan¸ca de F
para G ´e k = r. (neste caso a bije¸c˜ao ϕ ´e a restri¸c˜ao de σO,r a F).
O Teorema Fundamental da Proporcionalidade
O pr´oximo teorema ´e muito u´til como ferramenta para v´arios resultados que precisaremos adiante. Sua demonstra¸c˜ao pode ser encontrada na referˆencia [10].
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Teorema 2.13 (Fundamental da Proporcionalidade) Se f : R+ R+ ´e crescente e tal
que f (nx) = nf (x) para quaisquer n ∈ N e x ∈ R+, ent˜ao f (rx) = rf (x) para quaisquer
r, x ∈ R+.
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Nas condi¸c˜oes do teorema acima, temos que se y = f (x), sendo x e y grandezas positivas relacionadas (por exemplo: comprimentos, ´areas, volumes, medidas de ˆangulos, massa, etc), ent˜ao y ´e diretamente proporcional a x. De fato, fazendo k = f (1) temos f (r) = kr para qualquer r R+, ou, em linguagem mais familiar, f (x) = kx para qualquer x R+, o que significa y = kx. A constante k ´e chamada de constante de proporcionalidade.
- Circunferˆencias e Discos
Defini¸coes e Primeiros Resultados
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Uma circunferˆencia de centro C e raio r > 0 ´e definida como sendo o conjunto dos pontos do plano `a distˆancia r de C. Denotemos tal circunferˆencia por (C, r).
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Pontos do plano `a distˆancia de C menor do que r s˜ao os pontos interiores `a circun- ferˆencia (C, r).
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Pontos do plano `a distˆancia de C maior do que r s˜ao os pontos exteriores `a circun- ferˆencia (C, r).
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Um segmento com extremos na circunferˆencia (C, r) ´e chamado de corda da mesma.
Observemos que uma corda que passa por C tem sempre comprimento 2r.
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Chamamos de diˆametro de uma circunferˆencia (C, r) o comprimento 2r de qualquer corda que passe pelo centro C da mesma.
Duas circunferˆencias s˜ao ditas congruentes quando possu´ırem o mesmo raio.
A reuni˜ao de uma circunferˆencia C (C, r) com seus pontos interiores ´e chamada de disco
de centro C e raio r e denotado por D (C, r). (11)
B
A
Circunferência (C, r)
A: ponto interior
B: ponto exterior
Corda AB Diâmetro AB
Figura 82: Circunferˆencias e discos.
Disco
(C, r)
Observa¸c˜oes.
- E´ tamb´em comum chamar de diˆametro de C (C, r) uma corda qualquer que passe pelo
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centro de (C, r). O contexto estar´a sempre claro quando nos referimos a diˆametro como
nu´mero ou como segmento.
11A`s vezes ´e conveniente distinguir entre disco aberto e disco fechado. A definic˜ao que demos ´e de disco fechado (pois cont´em a circunferˆencia que o originou). Um disco aberto de centro C e raio r ´e constitu´ıdo apenas pelos pontos interiores a C (C, r).
|
- Assim como no caso do diˆametro, a palavra raio tamb´em pode ser utilizada com dois sentidos: um deles como nu´mero (conforme definimos acima) e outro como segmento que liga o centro C a um ponto qualquer de (C, r). Mais uma vez, o contexto sempre estar´a
- Alguns textos trazem a palavra c´ırculo como sinˆonimo de circunferˆencia ou ent˜ao de N˜ao h´a consenso a esse respeito. Quando se fala, por exemplo, em ´area de um c´ırculo, estamos pensando no disco. Quando se fala, por exemplo, em arco de c´ırculo, estamos pensando na circunferˆencia.
Uma reta ´e dita tangente a uma circunferˆencia (ou disco) quando intersectar a circun- ferˆencia em apenas um ponto, chamado de ponto de tangˆencia. Nas condi¸c˜oes dessa defini¸c˜ao, tamb´em dizemos que a circunferˆencia ´e tangente `a reta, ou ent˜ao, que a reta e a circunferˆencia s˜ao tangentes.
Uma reta ´e dita secante a uma circunferˆencia quando intersect´a-la em mais de um ponto.
Reta tangente à circunferência Reta secante à circunferência
Figura 83: Duas posi¸c˜oes relativas entre reta e circunferˆencia no plano.
Exerc´ıcios. (1) Mostre que existem retas e circunferˆencias tangentes.
(2) Mostre que existe reta secante `a circunferˆencia.
Teorema 2.14 Sejam s uma reta e C (C, r) circunferˆencia de centro C e raio r, ambos em um mesmo plano. Seja P = projs C. Nessas condi¸c˜oes:
- Se CP > r, ent˜ao os pontos de s s˜ao exteriores `a C (C, r).
- Se CP = r, ent˜ao P ´e ponto de tangˆencia entre s e C (C, r).
- Se CP < r, ent˜ao s intersecta C (C, r) em exatamente dois p
Demonstra¸c˜ao.
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- Se CP > r ent˜ao P ´e um ponto exterior `a circunferˆencia (C, r) . Consideremos X um ponto qualquer da reta s distinto de P, como na figura abaixo `a
C C
s P X
s P X
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Figura 84: Figura auxiliar.
Entao, pelo Teorema de Pit´agoras, CX2 = (CP)2 +(PX)2 . Da´ı, CX = (CP)2 + (PX)2 > CP > r.
Logo, X tamb´em ´e um ponto exterior `a C (C, r) . Da arbitrariedade de X segue que todos os pontos de s s˜ao exteriores `a C (C, r) .
- Se CP = r ent˜ao P ´e um ponto da circunferˆencia C (C, r) .
De forma an´aloga ao caso anterior, consideremos X um ponto de s distinto de P, como na figura a cima `a direita.
Novamente pelo Teorema de Pit´agoras CX > CP > r donde X ´e exterior `a C (C, r) .
Da arbitrariedade de X segue que P ´e o u´nico ponto que pertence `a s e C (C, r) .
Portanto, s ´e tangente `a C (C, r) .
- Se CP < r ent˜ao P ´e um ponto interior `a circunferˆ
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Consideremos primeiramente o caso em que P ´e distinto de C, como podemos ver na figura abaixo `a esquerda.
Seja O e Oj dois pontos distintos de s tais que a uni˜ao das semirretas P−O e P−−Oj seja a
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reta s.
Pelo Axioma A4 existe um u´nico ponto Q em −PO tal que PQ = r2 − (CP)2 (ou seja,
r2 = (PQ)2 + (CP)2).
Por outro lado, como o triˆangulo CPQ ´e retˆangulo em P ent˜ao, pelo Teorema de Pit´agoras,
CQ2 = (CP)2 + (PQ)2 donde CQ = r.
Logo, Q pertence `a C (C, r) .
Portanto, Q est´a em C (C, r) e em s.
−−→
De modo an´alogo, considerando agora a semirreta POj existe um ponto S que est´a em s
e em C (C, r) . Pela bijetividade do axioma A4 temos o resultado.
|
Caso P = C ent˜ao, pelo axioma A4 existe e ´e u´nico Q em −PO tal que PQ = r , mas isso
implica que Q pertence `a C (C, r) .
C
s
P Q O
Figura 85: Figura auxiliar.
Analogamente, existe S em P−−O→j tal que S est´a em C (C, r) e s. Q
Notemos que, devido ao item (3) do teorema acima, uma reta secante a uma circunferˆencia possui extamente dois pontos de intersec¸c˜ao com ela.
Exerc´ıcio. Mostre que ´e consequˆencia do teorema acima que uma reta ´e tangente a uma circunferˆencia se, e somente se, essa reta ´e perpendicular ao raio da circunferˆencia que liga seu centro ao ponto de tangˆencia.
O teorema acima possui um an´alogo envolvendo duas circunferˆencias com o seguinte enunciado: “Sejam duas circunferˆencias com raios a e b e distˆancia c entre seus centros. Se |a − b| < c < a + b, ent˜ao as duas circunferˆencias intersectam-se em dois pontos, um de cada lado da reta que cont´em os centros.”. O leitor interessado poder´a consultar a demonstra¸c˜ao desse teorema na referˆencia [13].
Figura 86: Intesec¸c˜ao de duas circunferˆencias.
Arcos
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Consideremos uma circunferˆencia (C, r) e uma reta r que passa pelo seu centro C. A intersec¸c˜ao de (C, r) com cada um dos dois semiplanos determinados por r ´e chamada de semicircunferˆencia de centro C e raio r. Definimos a medida de uma semicircun- ferˆencia com sendo a medida de um ˆangulo raso.
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Consideremos uma circunferˆencia (C, r) e um setor angular com v´ertice em C:
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- A intersec¸c˜ao de (C, r) com o setor angular ´e chamado de arco menor de circun- ferˆencia de centro C e raio r. Chamando de A e B a intersecc¸˜ao de (C, r) com os lados do setor angular e sendo X um ponto qualquer do arco menor, distinto de A e B, iremos indicar
–
o arco menor de circunferˆencia por AXB. A medida do arco menor de circunferˆencia ´e
a medida do setor angular que o define.
–
- A intersec¸c˜ao de C (C, r) com a regi˜ao exterior ao setor angular que define AXB
reunido com os pontos A e B ´e chamado de arco maior de circunferˆencia de centro C
e raio r. Sendo Y um ponto qualquer do arco maior, distinto de A e B, iremos indicar o arco
–
maior de circunferˆencia por AYB. A medida do arco maior de circunferˆencia ´e a soma
das medidas de dois ˆangulos rasos menos a medida do setor angular que define o arco menor
–
(em graus: 360◦− medida em graus de AXB).
Semicircunferência Arco menor Arco maior
Figura 87: Arcos de circunferˆencias.
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Sejam uma circunferˆencia (C, r) e um setor angular BAD, de v´ertice A, tal que B, A e D s˜ao pontos de (C, r). Chamamos a intersec¸c˜ao do setor BAD (sem o v´ertice A) com a circunferˆencia (C, r) de arco de circunferˆencia correspondente ao setor angular BAD. Observemos que os extremos desse arco s˜ao os pontos B e D. Tamb´em dizemos (com um certo abuso de linguagem) que, na situa¸c˜ao descrita, o setor angular BAD est´a inscrito na circunferˆencia C (C, r).
A defini¸c˜ao acima pode ser estendida de modo a contemplar o caso em que a reta que
cont´em um dos lados do setor angular ´e tangente `a circunferˆencia. Tamb´em continuamos a dizer, nessa situa¸c˜ao, que o setor angular est´a inscrito na circunferˆencia.
A
A
Figura 88: Arcos de circunferˆencias.
Observemos que um arco de circunferˆencia correspondente a um setor angular pode ser um arco menor de circunferˆencia, um arco maior de circunferˆencia ou uma semicircunferˆencia.
Teorema 2.15 A medida de um arco de circunferˆencia correspondente a um setor angular nela inscrito ´e igual ao dobro da medida do setor angular.
Demonstra¸c˜ao.
Seja BAD o setor angular de v´ertice A inscrito na circunferˆencia de tal forma que B e D
–
sejam pontos da circunferˆencia. Seja BXD o arco menor de circunferˆencia determinado por
BAD.
|
–
Queremos mostrar que 2DAB = BXD.
B
X
|
D A A
C
Figura 89: Figura auxiliar.
Suponhamos que um lado do ˆangulo A^ contenha um diˆametro AD da circunferˆencia
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C (C, r) , conforme figura acima `a esquerda.
|
|
Entao, como ACD ´e um ˆangulo raso temos que DCB + BCA = 180o. Al´em disso, pelo Teorema 2.3, CAB + ABC + BCA = 180o.
|
|
Da´ı, DCB = CAB + ABC = 2CAB. Como AC = BC = r ent˜ao o triˆangulo ABC ´e
Suponhamos agora que B e D estejam em lados distintos do diˆametro AE conforme figura acima ao meio.
|
|
– Entao DA^ B = BA^ E + EA^ D. Logo, pelo caso anterior, 2DA^ B = 2BA^ E + 2EA^ D =
BXE + EYD = BXD.
Caso B e D estejam do mesmo lado do diˆametro AE, conforme figura acima `a direita ent˜ao
|
– –
DAB = BAE − EAD. Logo, pelo primeiro caso, 2DAB = 2BAE − 2EAD = BXE − EYD =
–
BXD. Q
Fixado um arco de circunferˆencia (menor, maior ou semicircunferˆencia), dizemos que todos os setores angulares correspondentes a esse arco est˜ao inscritos no arco (mais uma vez estamos abusando da linguagem).
Assim, pelo teorema acima, todos os setores angulares inscritos em um determinado arco de circunferˆencia possuem a mesma medida. Em particular, os setores angulares inscritos em uma semicircunferˆencia s˜ao todos retos.
Teorema 2.16 Sejam uma circunferencia C e um ponto P exterior a C. Seja r reta que passa por P e ´e secante a C em A e B.
- Seja s reta que passa por P e ´e secante a C nos pontos C e D. Ent˜ao, PB = PC.PD.
- Seja t uma reta que passa por P e ´e tangente a C em T . Ent˜ao, PT 2 = PB.
Demonstra¸c˜ao.
|
- Consideremos os triˆangulos BPC e DAP. Entao, o ˆangulo P ´e comum aos dois
triˆangulos e, al´em disso, CBP e ADP s˜ao congruentes pois correspondem ao mesmo arco
–
de circunferˆencia AC, conforme figura abaixo `a esquerda.
Logo, pelo caso AA de semelhan¸ca temos que os triˆangulos BPC e DAP s˜ao semelhantes.
Logo, existe k > 0 tal que PA = k.PC e PD = k.PB, donde PA.PB = PC.PD.
P P
Figura 90: Figura auxiliar.
|
- Consideremos os triˆangulos PBT e PAT. Observemos na figura acima `a direita que o ˆangulo P ´e comum aos dois triˆangulos e os ˆangulos AT P e PBT correspondem aos mesmo arco AT .
Novamente pelo caso AA de semelhan¸ca temos que existe k > 0 tal que PA = kPT e
PT = kPB, donde (PT)2 = PA.PB. Q
No teorema acima, o nu´mero p = PT 2 = PA.PB fica univocamente determinado pelo ponto P e pela circunferˆencia C, independente dos pontos A e B. Tal nu´mero ´e chamado de potˆencia do ponto P em rela¸c˜ao `a circunferˆencia C.
Pontos Not´aveis de um Triˆangulo
J´a mostramos que as medianas de um triˆangulo se encontram em um u´nico ponto
(chamado de baricentro do triˆangulo). Vamos mostrar que as mediatrizes, as bissetrizes e as alturas de um triˆangulo tamb´em possuem propriedade an´aloga.
Teorema 2.17 As mediatrizes dos lados de um triˆangulo s˜ao concorrentes em um ponto.
Demonstra¸c˜ao.
Consideremos um triˆangulo qualquer ABC.
A
u´nico
B C
Figura 91: Figura auxiliar.
Sejam r, s e t as mediatrizes dos lados BC, AC e AB, respectivamente. Seja O o (u´nico) ponto de interse¸c˜ao entre as retas r e s.
|
O ponto O existe (e ´e u´nico) pois se r e s fossem paralelas ent˜ao tamb´em seriam paralelas as retas AC e BC e, da´ı, ABC n˜ao seria um triˆangulo.
Pelo Teorema 1.12 temos que, do fato de r ser mediatriz de BC, ent˜ao OC = OB.
Analogamente, OA = OC.
Dessa forma, OA = OB e, novamente pelo Teorema 1.12 o ponto O est´a na mediatriz de
AB, ou seja, O pertence `as trˆes mediatrizes e OA = OB = OC. Q
O encontro das mediatrizes enunciado no teorema acima recebe o nome de circuncentro
do triˆangulo.
Decorre do teorema acima que existe uma u´nica circunferˆencia com centro no circuncentro do triˆangulo e que passa por todos os trˆes v´ertices do triˆangulo. Tal circunferˆencia ´e chamada de circunferˆencia circunscrita ao triˆangulo.
C
A
Figura 92: Circuncentro.
Exerc´ıcio. Utilizando a unicidade da circunferˆencia circunscrita a um triˆangulo, mostre que duas circunferˆencias distintas intersectam-se em, no m´aximo, dois pontos.
Teorema 2.18 As alturas relativas aos v´ertices de um triˆangulo s˜ao concorrentes em um u´nico ponto. (12)
Demonstra¸c˜ao.
Seja ABC um triˆangulo e AH a altura relativa ao lado BC do triˆangulo.
Figura 93: Figura auxiliar.
Tracemos por cada v´ertice do triˆangulo ABC uma reta paralela ao lado oposto. Estas trˆes retas determinam um triˆangulo DEF como na figura acima.
Dessa constru¸c˜ao AF e BC s˜ao paralelos assim como AB e CF, e da´ı, ABCF ´e um parale- logramo. Logo, AF = BC e AB = FC.
12Neste enunciado, estamos considerando as retas que cont´em as alturas do triˆangulo. Essas retas se encontram em um u´nico ponto o qual pode n˜ao estar sobre altura (segmento) alguma do triˆangulo.
A constru¸c˜ao tamb´em nos permite concluir que AC e BD s˜ao paralelas assim como AD
e BC, donde ACBD ´e um paralelogramo. Logo, AD = BC e BD = AC.
Assim, DF = DA + AF = 2DA, ou seja, A ´e ponto m´edio de DF.
Al´em disso, como BC e DF s˜ao paralelos e AH ´e perpendicular `a BC ent˜ao AH ´e per- pendicular `a DF. Logo, AH ´e a mediatriz do lado DF.
De forma an´aloga podemos concluir que as alturas relativas aos outros lados s˜ao as outras mediatrizes do triˆangulo DEF.
Pelo teorema anterior, essas mediatrizes se encontram num u´nico ponto. Portanto, as alturas se encontram num u´nico ponto. Q
O ponto de encontro das alturas de um triˆangulo recebe o nome de ortocentro do triˆangulo.
B
A B
Figura 94: Ortocentro
Lema 2.2 A bissetriz de um ˆangulo, exceto sua origem, ´e o conjunto dos pontos do interior do ˆangulo equidistantes dos lados do ˆangulo.
Demonstra¸c˜ao.
Considere a figura abaixo.
A
Figura 95: Figura auxiliar.
|
de −A→B e −A→C.
−−→
Seja X um ponto de AD. Seja Y = proj−AB X e Z = proj−AC X.
|
|
Ent˜ao AX = AX, XAZ = XAY (pelo fato de AD ser bissetriz) e AZX = AYX (pelo fato da proje¸c˜ao ser ortogonal). Logo, pelo caso de congruˆencia LAA0 os triˆangulos AXZ e AXY s˜ao congruentes.
|
Logo, XY = XZ, ou seja, os pontos de A−−D equidistam de −AB e −AC.
Seja agora a semirreta −A−D cujos pontos equidistam de −AB e A−C. Mostremos que A−−D ´e a bissetriz de BA^ C.
|
AB e A−→C ent˜ao XY = XZ. Al´em disso, XA = XA. ^
|
Logo, os triˆangulos AXZ e AXY s˜ao congruentes pelo caso cateto-hipotenusa. Da´ı, XAZ =
XAY, ou seja, A−−D ´e a bissetriz de BAC. Q
Teorema 2.19 As bissetrizes relativas aos v´ertices de um triˆangulo s˜ao concorrentes em um u´nico ponto. Tal ponto ´e equidistante dos lados do triˆangulo.
Demonstra¸c˜ao.
Considere a figura abaixo.
A
- C
Figura 96: Figura auxiliar.
|
|
Seja I a intersec¸˜ao das bissetrizes −A−D e −BE. Pelo Lema anterior, como −A−D ´e bissetriz de
|
BAC entao I equidista de AB e AC.
|
E, como −BE ´e bissetriz de ABC ent˜ao I equidista de B−A e −BC. Logo, I equidista de −CA
e CB donde, pelo Lema anterior, I pertence `a bissetriz de ACB.
Logo, o ponto I ´e comum `as trˆes bissetrizes e equidista dos lados do triˆangulo. Q
O ponto de encontro das bissetrizes de um triˆangulo ´e chamado de incentro do triˆangulo.
Decorre do teorema acima que existe uma u´nica circunferˆencia com centro no incentro do triˆangulo e que tangencia os trˆes lados do triˆangulo. Tal circunferˆencia ´e chamada de circunferˆencia inscrita ao triˆangulo.
Figura 97: Incentro.
Dado um triˆangulo, seu baricentro, circuncentro, ortocentro e incentro s˜ao chamados de
pontos not´aveis do triˆangulo.
A Reta de Euler e a Circunferˆencia dos Nove Pontos
H´a um teorema muito interessante, devido a Leonhard Euler (1707 − 1783), envolvendo trˆes dos quatro pontos not´aveis de um triˆagulo com o seguinte enunciado: “Em um triˆangulo, o circuncentro, o baricentro e o ortocentro s˜ao colineares. Al´em disso, o baricentro divide o segmento que liga o circuncentro ao ortocentro na raz˜ao 1 para 2.”. A reta que passa pelo circuncentro, baricentro e ortocentro de um triˆangulo recebe o nome de reta de Euler.
A
|
|
Alturas
|
B
Mediatrizes
|
|
Medianas
- B
Reta de Euler
|
|
B C
A A
Figura 98: Reta de Euler.
Outro teorema bastante curioso envolvendo o ortocentro ´e o resultado que estabelece a chamada “circunferˆencia de nove pontos”. Essa circunferˆencia foi descoberta por Charles Brianchon (1783 − 1864) e Jean Poncelet (1788 − 1867), mas foi Karl Feuerbach (1800- 1834) quem fez um estudo bastante completo a seu respeito (e com apenas 22 anos de idade!). O enunciado ´e o seguinte: “A circunferˆencia que passa pelos trˆes p´es das alturas de um triˆangulo, tamb´em passa pelos trˆes pontos m´edios dos lados e pelos trˆes pontos m´edios
dos segmentos que ligam o ortocentro desse triˆangulo aos seus v´ertices.”.
E´ poss´ıvel mostrar
que o centro da circunferˆencia de nove pontos est´a sobre a reta de Euler e ´e o ponto m´edio do segmento que liga o circuncentro ao ortocentro do triˆangulo. Talvez por esse motivo, a circunferˆencia de nove pontos seja conhecida (indevidamente) pelo nome de circunferˆencia de Euler-Feuerbach.
A
|
|
B C
A A
Figura 99: Circunferˆencia de nove pontos.
As demonstra¸c˜oes dos dois resultados citados acima podem ser encontradas na referˆencia [13].
Ainda sobre o ortocentro, mais um resultado peculiar cuja demonstra¸c˜ao deixamos para o leitor mais persistente: “O lugar geom´etrico dos ortocentros dos triˆangulos ABC que possuem o lado BC fixado e a altura relativa ao v´ertice A constante ´e uma par´abola.”.
(obs.: n˜ao vamos definir as curvas cˆonicas neste texto, portanto, deixamos para o leitor a pesquisa sobre a defini¸c˜ao e propriedades da par´abola)
Inscric¸˜ao e Circunscri¸c˜ao de Pol´ıgonos Regulares em Circunferˆencia
Um pol´ıgono regular est´a inscrito em uma circunferˆencia quando todos os seus v´ertices s˜ao pontos da circunferˆencia. Tamb´em dizemos, nesta situa¸c˜ao, que a circunferˆencia est´a circunscrita ao pol´ıgono.
Um pol´ıgono regular est´a circunscrito a uma circunferˆencia quando todos os seus la- dos tangenciam a circunferˆencia. Tamb´em dizemos, nesta situa¸c˜ao, que circunferˆencia est´a inscrita ao pol´ıgono.
Figura 100: Pol´ıgono inscrito e circunscrito `a circunferˆencia.
Teorema 2.20 Dada uma circunferˆencia, sempre ´e poss´ıvel nela inscrever ou circunscrever um pol´ıgono regular com qualquer nu´mero de lados.
O teorema acima, embora intuitivamente bastante ´obvio, servir´a de fundamento para estabelecer o comprimento de uma circunferˆencia. Al´em disso, seguindo a tradi¸c˜ao grega da constru¸c˜ao com r´egua e compasso, dependendo do nu´mero de lados, nem sempre ´e poss´ıvel fazer uma constru¸c˜ao exata de inscri¸c˜ao ou circunscri¸c˜ao de pol´ıgonos regulares em uma circunferˆencia.
Comprimentos de Circunferˆencias e de Arcos de Circunferˆencias
Por meio dos axiomas que introduzimos no in´ıcio deste texto, estabelecemos a no¸c˜ao de comprimento de um segmento de reta e, consequentemente, sabemos como conceituar a distˆancia entre dois objetos no plano. Entretanto, n˜ao sabemos como calcular comprimentos de curvas quaisquer no plano (13). De fato, o estabelecimento de tal no¸c˜ao foge aos prop´ositos dessas notas (envolve integrais). Al´em de retas e segmentos, circunferˆencias e seus arcos s˜ao
as u´nicas curvas que consideramos neste texto, logo, ser´a interessante que trabalhemos a
no¸c˜ao de comprimento de pelo menos esses tipos de curvas.
Intuitivamente, o comprimento de uma circunferˆencia poderia ser estabelecido se pud´esse- mos, de alguma forma, “retific´a-la” em um segmento. Na pr´atica, seria como se a circun- ferˆencia fosse uma linha que pudesse ser cortada em um ponto e estendida sobre um seg- mento. Como sabemos medir comprimento de segmentos, poder´ıamos medir o comprimento da circunferˆencia por esse m´etodo.
A ideia de retifica¸c˜ao de curvas j´a existia na ´epoca da Gr´ecia antiga mas, seguindo a mais pura tradi¸c˜ao grega de constru¸c˜ao com r´egua e compasso, a retifica¸c˜ao da circunferˆencia ´e imposs´ıvel de ser feita com exatid˜ao (devido ao fato de que o nu´mero π, raz˜ao entre o comprimento da circunferˆencia e seu diˆametro, n˜ao ser construt´ıvel com r´egua e compasso). O problema pode ser contornado com o teorema de inscric¸˜ao e circunscri¸c˜ao de pol´ıgonos regulares em circunferˆencias. Sabemos calcular a soma dos comprimentos dos lados de um pol´ıgono regular (isto ´e, seu per´ımetro). Logo, inscrevendo-se pol´ıgonos regulares com nu´mero de lados cada vez maior em uma circunferˆencia, podemos aproximar (por falta) o comprimento da circunferˆencia pelos per´ımetros desses pol´ıgonos. A aproxima¸c˜ao ser´a tanto melhor quanto maior for o nu´mero de lados desses pol´ıgonos inscritos. Naturalmente, o mesmo racioc´ınio se aplica para o caso dos pol´ıgonos circunscritos a uma circunferˆencia
sendo que, neste caso, a aproxima¸c˜ao ´e por excesso.
13Foge aos objetivos desse texto a defini¸c˜ao formal de “curva plana”. O leitor interessado poder´a consultar um texto de An´alise ou Geometria Diferencial sobre esse assunto.
…
…
Figura 101: Aproximando a circunferˆencia por pol´ıgonos regulares inscritos e circunscritos.
Com as considera¸c˜oes acima, vamos definir o comprimento de uma circunferˆencia dada como sendo o nu´mero c tal que para qualquer ε > 0, existem um pol´ıgono regular com per´ımetro p1 inscrito na circunferˆencia e um pol´ıgono regular com per´ımetro p2 circunscrito a circunferˆencia, de tal modo que
c − ε < p1 < c < p2 < c + ε.
Embora seja muito intuitiva, a existˆencia (e unicidade) do nu´mero real c deve ser provada. Isso ´e feito, geralmente, em um curso de An´alise 1. Prova-se, tamb´em, que c ´e proporcional ao raio r da circunferˆencia, ou seja, c = kr. Metade dessa constante real k ´e usualmente indicada pela letra grega π. Desta forma,
c = 2πr
e, sendo 2r o diˆametro da circunferˆencia de raio r, chegamos `a afirma¸c˜ao feita acima, de que
π ´e a raz˜ao entre o comprimento da circunferˆencia e seu diˆametro.
Este resultado merece ser colocado sob forma de teorema.
Teorema 2.21 O comprimento de uma circunferˆencia de raio r ´e dado por 2πr.
E´ claro que a natureza do nu´mero π suscita estudos mais avan¸cados. E´ poss´ıvel provar
que π ´e um nu´mero irracional, portanto, n˜ao pode ser expresso por meio de uma raz˜ao entre dois nu´mero inteiros. Mais do que isso, π ´e um nu´mero transcendente, ou seja, n˜ao pode ser solu¸c˜ao de equa¸c˜ao polinomial com coeficientes inteiros (tais solu¸c˜oes s˜ao chamadas de nu´meros alg´ebricos). O leitor interessado neste assunto pode consultar a referˆencia [4].
E´ certo que em diversas situa¸c˜oes pr´aticas precisamos de uma aproxima¸c˜ao para o nu´mero π. Esta aproximac¸˜ao pode ser feita facilmente por meio dos c´alculos dos per´ımetros de pol´ıgonos regulares com 2n lados inscritos na circunferˆencia de raio r. Deixamos essas contas como exerc´ıcio.
Exerc´ıcio. Mostre que o per´ımetro p2n de um pol´ıgono regular com 2n em uma circunferˆencia de raio r ´e dado por
p2n = 2nr.‚,.2 − s2 + r2 + q2 + · · · + √2,
lados, n ≥ 2, inscrito
sendo que a express˜ao acima ´e formada por n − 1 radicais (ou, equivalentemente, n − 1
nu´meros 2).
O exerc´ıcio acima permite que construamos a seguinte tabela:
n | p2n | p2n (aprox.) |
2 | 4r√2
√ √ |
5, 656854248r |
3 | 8r 2 − 2
q |
6, 122934920r |
4 | 16r 2 − √2 + √2
r |
6, 242890306r |
5 | 32r 2 − q2 + √2 + √2
s r |
6, 273096966r |
6 |
64r 2 − 2 + q2 + √2 + √2
‚ s |
6, 280662426r |
7 |
128r.,2 − 2 + r2 + q2 + √2 + √2
‚ ‚ |
6, 282555037r |
8 |
256r.,2 − ,.2 + s2 + r2 + q2 + √2 + √2
‚. ‚. ‚. s r |
6, 283029650r |
9 |
512r,.2 − .,2 + ,.2 + 2 + 2 + q2 + √2 + √2 |
6, 283139169r |
que fornece a aproximac¸˜ao de 3, 141565 para o nu´mero π.
O comprimento de um arco de circunferˆencia pode ser calculado de modo diretamente proporcional ao ˆangulo que esse arco determina utilizando o Teorema Fundamental da Pro- porcionalidade, relacionando as grandezas comprimento de arco e medida de ˆangulo.
|
Antes, por´em, de desenvolvermos o procedimento para c´alculo do comprimento de arco de circunferˆencia, vamos definir a medida de unidade radiano, que utiliza o conceito de comprimento de arco.
Seja um ˆangulo BAC de tal modo que B e C estejam em uma circunferˆencia de centro
|
|
|
A e raio r = AB = AC. A medida do ˆangulo BA^ C em radianos ´e definida como sendo
comprimento do arco de extremos B e C que cont´em X. (14)
BAC = BXC radianos
Figura 102: Medindo ˆangulos em radianos.
–
14Como j´a feito v´arias vezes neste texto: estamos considerando a notac˜ao BXC com dois sentidos, conjunto
de pontos (arco) e nu´mero real (medida do arco).
Veremos abaixo que a defini¸c˜ao de radiano acima independe do raio r da circunferˆencia, o que permite, tamb´em, estendˆe-la para arcos de circunferˆencia (inclusive arcos maiores de circunferˆencia).
Podemos estender a defini¸c˜ao de medida de ˆangulo em radianos para ˆangulo de um arco
–
|
de circunferˆencia BXC de centro A e extremos B e C, com X sobre a circunferˆencia, mas
–
circunferˆencia BXC em radianos continua sendo a raz˜ao
B
–
|
BXC
r
r X
A r C
Figura 103: Medindo arcos em radianos.
–
Naturalmente, a medida do ˆangulo do arco de circunferˆencia BXC tamb´em pode ser em
graus.
Consideremos uma fun¸c˜ao f que associa os ˆangulos de medida θ dos arcos de circun- ferˆencia de raio r (fixo) aos seus comprimentos, ou seja, cθ = f (θ) ´e o comprimento do arco de circunferˆencia de raio r e ˆangulo de medida θ.
|
A fun¸c˜ao f ´e, obviamente crescente (decorre dos axiomas de medidas de ˆangulos) e, al´em disso, se duplicarmos o ˆangulo do arco, o comprimento duplica. Se triplicarmos o ˆangulo do arco, o comprimento triplica, e assim por diante. Logo, estamos nas hip´oteses do Teorema Fundamental da Proporcionalidade. Isso significa que a medida do ˆangulo de um arco de circunferˆencia ´e diretamente proporcional ao seu comprimento. Assim, cθ = f (θ) = kθ, sendo k = f (1) o comprimento do arco de circunferˆencia de ˆangulo de medida 1. Se adotarmos a unidade de medida radianos, o comprimento do arco de circunferˆencia de raio r de ˆangulo medindo 1 radiano ´e 2πr = r.
Assim
cθ = rθ
´e o comprimento de um arco de circunferˆencia de raio r e ˆangulo de medida θ radianos.
|
q
Figura 104: Comprimento de arco.
Se utilizarmos a unidade de medida graus temos k = f (1) = 2πr , ou seja, cθ = 2πr θ
sendo θ dado em graus.
360◦
360◦
|
O racic´ınio desenvolvido acima pode ser colocado em um dispositivo pr´atico bastante interessante, conhecido como “regra de trˆes”:
|
= 2πcθ
= θ2πr
cθ = rθ.
- O Conceito de
A´rea
O Retˆangulo
Desejamos fazer o estudo do conceito de ´area de um pol´ıgono e, de modo mais geral, o conceito de ´area de uma “regi˜ao” no plano.
Para tanto, vamos destacar um tipo de pol´ıgono especial, que ´e o retˆangulo. Um lado qualquer do retˆangulo pode ser escolhido e chamado de base e a distˆancia entre as retas paralelas que cont´em a base e o lado oposto a ela ´e chamada de altura do retˆangulo.
Quando os lados de um retˆangulo medem a e b, ele ´e chamado de retˆangulo de dimens˜oes
a e b.
Um segmento que liga dois v´ertices de um retˆangulo e que n˜ao est´a contido em qualquer de seus lados ´e chamado de diagonal desse retˆangulo. Observemos que um retˆangulo possui exatamente duas diagonais e elas s˜ao congruentes.
Por fim, j´a vimos que um retˆangulo cujos lados s˜ao congruentes ´e chamado de quadrado, portanto, um pol´ıgono regular.
Para dar prosseguimento ao nosso estudo, precisamos do conceito de “congruˆencia” entre duas regi˜oes no plano. Este, por sua vez, foi introduzido em se¸c˜ao passada a partir do
conceito muito plano.
u´til em geometria, que ´e o conceito de semelhan¸ca entre duas regi˜oes no
A´rea de Retˆangulo
Medir uma grandeza significa compar´a-la com uma outra de mesma natureza que cor- responde a uma unidade.
Intuitivamente, a ´area de um pol´ıgono, por exemplo, ´e um nu´mero (resultante da com- para¸c˜ao acima) associado `a regi˜ao do plano ocupada pelo interior desse pol´ıgono.
Na Geometria Euclidiana Plana, definimos que uma unidade de ´area corresponde `a regi˜ao do plano ocupada por um quadrado de lados unit´arios, chamado de quadrado unit´ario.
1
1
Figura 105: Quadrado unit´ario.
Sendo assim, medir a ´area de um pol´ıgono significa, de forma intuitiva, “verificar quantas vezes o quadrado unit´ario cabe dentro desse pol´ıgono”. De forma mais precisa, o conceito de ´area de um pol´ıgono ´e definido de modo a satisfazer:
- Pol´ıgonos F e G congruentes possuem a mesma ´area, ou seja, A (F) = A (G).
- Pol´ıgonos F e G cuja intersec¸c˜ao de seus interiores ´e vazia s˜ao tais que A (F ∪ G) =
A (F) + A (G).
Naturalmente, estabelecer o “tamanho” de uma unidade de comprimento ´e algo total-
mente arbitr´ario. Por exemplo, se o comprimento 1 dos lados do quadrado unit´ario for
convencionado como sendo 1 metro (1 m), ent˜ao dizemos que a ´area do quadrado unit´ario ´e
1 metro quadrado (1 m2).
Com o estabelecimento da unidade de ´area e das condi¸c˜oes acima podemos deduzir a
´area de um retˆangulo. Esta, por sua vez, ser´a u´til na conceitua¸c˜ao precisa de ´area de uma regi˜ao que faremos adiante.
Teorema 2.22 A ´area de um retˆangulo de dimens˜oes a e b ´e A = ab, ou seja, produto do comprimento da base por sua altura.
Demonstra¸c˜ao.
Para fixar as nota¸c˜oes, tomemos a como sendo a vari´avel positiva comprimento (uma grandeza) da base, e b a altura do retˆangulo.
A vari´avel positiva ´area (outra grandeza) do retˆangulo depende de a e b, ou seja, A =
A (a, b).
Observemos que, se fixarmos b, a vari´avel ´area A fica em fun¸c˜ao da vari´avel comprimento
a, ou seja, f (a) = A (a, b), ou, em linguagem mais familiar, f (x) = A (x, b).
Naturalmente, devido `a condi¸c˜ao (ii) acima, f ´e crescente, pois, com altura fixada, se aumentarmos (ou diminuirmos) o comprimento da base do retˆangulo, entao sua ´area tamb´em aumenta (ou diminui).
Al´em disso, devido `a condi¸c˜ao (i) acima, com altura fixada, se duplicarmos o comprimento da base, a ´area duplica. Se triplicarmos o comprimento da base, a ´area triplica, e assim, por diante.
|
b
a a a
Figura 106: Aplicando o Teorema Fundamental da Proporcionalidade.
|
Desta forma, temos A (nx, b) = nA (x, b) para qualquer n N, ou seja, f (nx) = nf (x)
|
para qualquer n N.
Pelo Teorema Fundamental da Proporcionalidade, temos que f (rx) = rf (x) para qual- quer r ∈ R+, ou seja,
A (rx, b) = rA (x, b) para qualquer r ∈ R+.
Naturamente, racioc´ınio an´alogo pode ser desenvolvido para a vari´avel altura, ou seja,
A (a, ry) = rA (a, y) para qualquer r ∈ R+.
Com as considera¸c˜oes acima:
A = A (a, b) = A (a, b.1) = bA (a, 1) = bA (a.1, 1) = abA (1, 1) .
Mas A (1, 1) ´e a ´area do retˆangulo unit´ario que, por defini¸c˜ao, ´e 1.
Conclus˜ao:
A = ab,
como quer´ıamos. Q
E´ importante observar que, se as dimens˜oes de um retˆangulo a e b forem nu´meros
naturais ou mesmo racionais positivos, n˜ao ´e necess´ario o uso do Teorema Fundamental da Proporcionalidade para demonstrar que A = ab.
Exerc´ıcio. Demonstre que a ´area do retˆangulo de dimens˜oes racionais positivas a e b ´e A = ab sem usar o Teorema Fundamental da Proporcionalidade.
|
Como um retˆangulo de dimens˜oes a e b pode ser dividido em dois triˆangulos retˆangulos congruentes com catetos medindo a e b, temos como consequˆencia imediata do teorema acima que a ´area Atr de um tal triˆangulo ´e dada pela metade do produto do comprimento de sua base por sua altura, ou seja, Atr = ab.
O Conceito Geral de A´rea
Vamos definir um pol´ıgono especial, chamado de pol´ıgono retangular , que nada mais
´e do que o pol´ıgono proveniente de uma reuni˜ao finita de retangulos justapostos pelos lados. Essa justaposic˜ao de retˆangulos ´e feita de tal modo que existem duas retas perpendiculares tais que qualquer lado do pol´ıgono retangular ´e paralelo a uma dessas duas retas (15).
Figura 107: Aproximando figuras por pol´ıgonos retangulares.
A ´area de um pol´ıgono retangular ´e, devido `a condi¸c˜ao (ii), a soma das ´areas dos retˆangulos que o constituem.
Como pretendemos conceituar ´area para objetos mais gerais do que pol´ıgonos, vamos utilizar a palavra “regi˜ao” para objetos no plano que sejam pass´ıveis de terem a ´area n˜ao nula univocamente estabelecida conforme defini¸c˜ao abaixo.
Sejam R conjunto limitado de pontos no plano (16) e A (R) nu´mero real tal que:
Dados r1, r2 ∈ R quaisquer com r1 < A (R) < r2, existem pol´ıgonos retangulares P1 ⊂ R ⊂ P2 cujas ´areas A (P1) e A (P2) satisfazem r1 < A (P1) ≤ A (R) ≤ A (P2) < r2.
O nu´mero real A (R) ´e definido como o ´area de R.
|
Conjuntos que possuem ´areas n˜ao nulas definidas conforme acima s˜ao chamados de
regi˜oes.
|
Em palavras mais simples, a ´area de uma regi˜ao ´e o nu´mero real A ( ) cujas apro- xima¸c˜oes por falta s˜ao ´areas de pol´ıgonos retangulares contidos na regi˜ao e cujas aprox- ima¸c˜oes por excesso s˜ao as ´areas de pol´ıgonos retangulares que contˆem a regi˜ao.
Em cursos mais avancados (de An´alise Real ou Teoria da Medida) ´e poss´ıvel mostrar que existem conjuntos limitados de pontos no plano que n˜ao possuem a ´area estabelecida
15Para que respeitemos a defini¸c˜ao de pol´ıgono as intersecc¸˜oes dos lados dos retˆangulos que comp˜oem um pol´ıgono retangular n˜ao s˜ao considerados como lados do mesmo.
16Conjunto limitado de pontos no plano significa que o existe um retˆangulo que o cont´em.
conforme a defini¸c˜ao que demos acima. Al´em disso, ´e poss´ıvel mostrar que a ´area de um conjunto limitado de pontos no plano (quando existe) ´e u´nica.
Os leitores que possuem familiaridade com integrais de fun¸c˜oes reais de uma vari´avel real (integrais simples) devem se recordar que a ´area da regi˜ao plana delimitada pelo eixo das abscissas, pelo gr´afico de uma fun¸c˜ao positiva e limitada e por duas retas paralelas ao eixo das ordenadas ´e feita via o limite de uma Soma de Riemann, que est´a relacionada com um pol´ıgono retangular especial, obtido pela justaposi¸c˜ao de v´arios retˆangulos todos com bases sobre o eixo das abscissas.
A conceitua¸c˜ao de ´area que demos acima est´a bem definida do ponto de vista matem´atico, mas ´e bastante inconveniente para usos pr´aticos. Precisamos de teoremas que facilitem os c´alculos de ´areas para as principais regi˜oes do plano.
A´reas de Figuras Poligonais
Lema 2.3 Num triˆangulo, o produto de cada um de seus lados pela altura relativa a esse lado ´e constante.
Demonstra¸c˜ao.
Seja ABC um triˆangulo com alturas AHA e BHB relativas aos lados BC e AC, respecti- vamente. Suponhamos que o ortocentro do triˆangulo esteja em seu interior conforme figura abaixo.
|
B C
A
Figura 108: Figura auxiliar.
Os triˆangulos AHAC e BHBC s˜ao semelhantes pelo caso AA pois os ˆangulos HA e HB
s˜ao retˆangulos e o ˆangulo C ´e comum aos dois triˆangulos.
Logo, existe um nu´mero real k > 0 tal que AHA = k.BHB e AC = k.BC. Portanto,
AHA.BC = BHB.AC.
De maneira an´aloga, mostramos que AHA.BC = CHC.AB.
O caso em que o ortocentro do triˆangulo est´a no exterior do triˆangulo ser´a deixado como exerc´ıcio. Q
Teorema 2.23 A ´area de um triˆangulo ´e dada pela metade do produto do comprimento de um de seus lados pela altura relativa a este lado.
Demonstra¸c˜ao.
Seja ABC um triˆangulo e AHA a altura relativa ao lado BC.
A
A
h h
|
|
|
B 1 2 C B b 2
|
|
C H
|
|
A
1
Figura 109: Figura auxiliar.
|
Denotemos por b e h as medidas do lado BC e da altura AHA, respectivamente. Pelo lema anterior, basta mostrar que a ´area do triˆangulo ABC ´e 1bh.
Suponhamos, primeiramente, que HA est´a entre B e C, como na figura acima `a esquerda. Da´ı os triˆangulos ABHA e ACHA s˜ao retˆangulos e comp˜oem o triˆangulo ABC.
Por 2.5 a ´area de ABHA ´e 1hb1 e a ´area de ACHA ´e 1hb2. Logo, a ´area do triˆangulo
2 2
ABC ´e 1hb1 + 1hb2.
2 2
|
Observando que b1 + b2 = b temos que a ´area do triˆangulo ABC ´e 1bh.
Caso HA coincida com B ou C o triˆangulo ABC ´e retˆangulo e o resultado decorre direta- mente de 2.5.
Se C estiver entre B e HA, como na figura acima `a direita, ent˜ao os triˆangulos ACHA e
ABHA s˜ao retˆangulos e a ´area do triˆangulo ABC ´e a ´area do triˆangulo ABHA subtra´ıda da
´area do triˆangulo ACHA.
Logo, a ´area do triˆangulo ABC ´e 1hb1 − 1hb2 = 1bh pois, b1 = b + b2. Q
2 2 2
Como consequˆencia do teorema acima, temos o seguinte resultado: sejam ABC um triˆangulo e r reta passando por A e paralela ao lado BC. Ent˜ao, qualquer triˆangulo AjBC com Aj ∈ r possui a mesma ´area do triˆangulo ABC.
A A‛ r
B C
Figura 110: Uma propriedade relativa `a ´area de triˆangulos.
Tamb´em ´e consequˆencia imediata do teorema acima que a ´area de um losango ´e dada pela metade do produto do comprimento de suas diagonais.
A
A
|
B D
B D 2
d
B 2 D
C
Figura 111: Calculando a ´area de um losango.
Embora a palavra base seja utilizada em v´arios contextos na Matem´atica (e em especial na Geometria), ´e comum dizer que a ´area de um triˆangulo ´e metade do produto da base pela altura, significando, com isto, que estamos escolhendo um lado do triˆangulo como base, e a altura em quest˜ao ´e a altura relativa a este lado. Naturalmente, quando dizemos “produto da base pela altura”, estamos cometendo um abuso de linguagem, confundindo base (que
´e um segmento) com o comprimento da base. Este tipo de abuso n˜ao causa transtornos pois o contexto sempre estar´a claro. Continuaremos a fazˆe-lo abaixo com paralelogramos e trap´ezios.
A distˆancia entre lados opostos, que chamaremos de bases, de um paralelogramo ´e chamada de altura do paralelogramo relativa a este par de lados. Naturalmente, h´a duas alturas em um paralelogramo.
base
base
Figura 112: Estabelecendo bases e altura em paralelogramo.
Teorema 2.24 A ´area de um paralelogramo ´e dada pelo produto do comprimento de uma base pela altura correspondente.
Demonstra¸c˜ao.
Seja ABCD um paralelogramo e escolhamos a base b = BC e altura h = AH.
D
B
Figura 113: Figura auxiliar.
A diagonal AC divide o paralelogramo em dois triˆangulos congruentes pelo caso LLL,
|
logo, os triˆangulos possuem a mesma ´area que ´e 1bh. Assim, a ´area do paralelogramo ´e
1bh + 1bh = bh. Q
2 2
Observemos que a f´ormula da ´area de um retˆangulo ´e um caso particular do teorema
acima.
A distˆancia entre lados opostos e paralelos de um trap´ezio, que chamaremos de bases menor e maior, ´e chamado de altura do trap´ezio.
base menor
base maior
Figura 114: Estabelecendo bases e altura em trap´ezios.
Teorema 2.25 A ´area de um trap´ezio ´e dada pela metade do produto de sua altura pela soma dos comprimentos de suas bases.
Demonstra¸c˜ao.
Seja ABCD um trap´ezio.
|
C 2 D
Figura 115: Figura auxiliar.
Denotemos AB = b1, CD = b2 as bases do trap´ezio e h sua altura.
Consideremos os triˆangulos ACD e ADB. Ent˜ao, pelo Teorema 2.23 a ´area do triˆangulo
ACD ´e 1hb2 e a ´area do triˆangulo ABD ´e 1hb1.
2 2
Logo, utilizando a defini¸c˜ao de pol´ıgono, temos que a ´area do trap´ezio ´e 1hb2 + 1hb1,
2 2
|
ou seja, 1h (b1 + b2) . Q
Observemos que as demonstra¸c˜oes que fizemos nos dois teoremas acima consistem em dividir figuras em triˆangulos. Essa ideia pode ser generalizada para pol´ıgonos quaisquer. A
´area de um pol´ıgono pode ser obtida particionando-se o pol´ıgono em triˆangulos e calculando a soma das ´areas desses triˆangulos.
Neste ponto, uma quest˜ao se coloca de modo natural: sempre ´e poss´ıvel particionar um pol´ıgono em triˆangulos? A resposta ´e ´obvia quando o pol´ıgono ´e convexo, pois ele pode ser particionado em triˆangulos a partir de um u´nico v´ertice. Neste caso, um pol´ıgono convexo de n lados pode ser particionado em n − 2 triˆangulos.
Figura 116: Dividindo um pol´ıgono em triˆangulos.
O curioso ´e que a divis˜ao de um pol´ıgono de n lados em n− 2 triˆangulos tamb´em ´e v´alida para pol´ıgonos n˜ao convexos.
Como consequˆencia, este resultado leva-nos imediatamente ao teorema:
Um pol´ıgono de n lados possui ˆangulos internos cuja soma ´e dada por (n − 2) .180◦.
A´rea de Disco e Setor Circular
A ´area de um disco pode ser obtida de forma an´aloga `aquela que fizemos para calcular o comprimento de uma circunferˆencia. Por meio de pol´ıgonos regulares inscritos e circunscritos
ao disco. Para tanto, precisamos das rela¸c˜oes trigonom´etricas b´asicas do triˆangulo retˆangulo
ABC com ˆangulo reto em B:
|
sen A^ = BC ;
|
cos A^ = AB ;
C
A B
Figura 117: Estabelecendo raz˜oes entre os comprimentos dos lados de um triˆangulo retˆangulo.
|
|
|
Exerc´ıcios. (i) Mostre que a ´area de um pol´ıgono regular de n lados inscrito em um disco de raio r ´e dada por 1r2n sen 2π .
|
- Mostre que a ´area de um pol´ıgono regular de n lados circunscrito em um disco de
2 π
n
|
- Mostre que o per´ımetro de um pol´ıgono regular de n lados inscrito em uma circun-
π n
|
- Mostre que o per´ımetro de um pol´ıgono regular de n lados circunscrito em uma
π n
Para o pr´oximo teorema, que usa os dois primeitos itens do exerc´ıcio acima, o leitor notar´a que utilizamos de forma expl´ıcita alguns limites. Optamos por essa abordagem devido ao fato de que tal conceito geralmente j´a ´e de dom´ınio do leitor a esta altura dos estudos. Al´em disso, a no¸c˜ao de limite j´a apareceu de forma velada em alguns resultados deste pr´oprio texto como, por exemplo, na dedu¸c˜ao da f´ormula do comprimento de circunferˆencia e no Teorema de Tales.
Teorema 2.26 A ´area de um disco de raio r ´e πr2.
Demonstra¸c˜ao.
Denotemos por A a ´area do disco. Conforme o Teorema 2.20 podemos inscrever e circun- screver pol´ıgonos regulares de qualquer nu´mero de lados na circunferˆencia delimitada pelo disco.
|
Consideremos um pol´ıgono P1 de n lados inscrito no disco. Pelo exerc´ıcio anterior sua
|
|
´area ´e 1r2n sen 2π .
|
Consideremos agora um pol´ıgono P2 de n lados circunscrito no disco. Novamente, pelo
2 π
n
Agora, pela defini¸c˜ao de ´area, a ´area do disco ´e maior do que a do pol´ıgono P1 e menor
do que a do pol´ıgono P2, ou seja,
|
|
|
1 r2n sen 2π < A < r2n tg π .
Aumentando indefinidamente o nu´mero de lados dos pol´ıgonos P1 e P2 a rela¸c˜ao permanece.
sen(x)
|
|
Da´ı, utilizando o limite fundamental limx 0 x = 1 e propriedades de limites, temos que
lim
n→+∞
1 r2n sen 2
2π
= r2 lim
|
n→+∞
2π
|
π n = πr2.
|
n
π
sen π
sen π 1
lim
n→+∞
r n tg n
= r lim
n→+∞
ncos π = r
lim π π
n→+∞ n
lim
n→+∞
cos π = πr .
Portanto, pelo Teorema do Sandu´ıche (ou do Confronto) temos que A = πr2. Q
–
Seja BXC um arco de circunferˆencia de centro A e extremos B e C. O conjunto de todos
–
os segmentos com extremos em A e em um ponto do arco BXC ´e chamado de setor circular
de centro A e raio r = AB = AC.
C
X
A
B
Figura 118: Setor circular.
O procedimento para o c´alculo da ´area de um setor circular ´e an´alogo ao que fizemos para o c´alculo do comprimento de um arco de circunferˆencia. Vamos repeti-lo abaixo.
Consideremos uma fun¸c˜ao f que associa os ˆangulos de medida θ dos setores circulares de raio r (fixo) `as suas ´areas, ou seja, Aθ = f (θ) ´e a ´area do setor circular de raio r e ˆangulo de medida θ.
A fun¸c˜ao f ´e, obviamente crescente (decorre das propriedades de ´area) e, al´em disso, se duplicarmos o ˆangulo do setor, a ´area duplica. Se triplicarmos o ˆangulo do setor, a
´area triplica, e assim por diante. Logo, estamos nas hip´oteses do Teorema Fundamental da Proporcionalidade. Isso significa que a medida do ˆangulo de um setor circular ´e diretamente proporcional a sua ´area. Assim, Aθ = f (θ) = kθ, sendo k = f (1) a ´area do setor circular de ˆangulo 1. Se adotarmos a unidade de medida radianos, a ´area de um setor circular de
|
|
ˆangulo medindo 1 radiano ´e πr2 = r2 .
Assim
r2 Aθ = 2 θ
´e a ´area de um setor circular de raio r e ˆangulo de medida θ radianos.
Figura 119: Estabelecendo a ´area de um setor circular em fun¸c˜ao de seu ˆangulo.
Se utilizarmos a unidade de medida graus temos k = f (1) = πr2 , ou seja, A
= πr2 θ
sendo θ dado em graus.
360◦
θ 360◦
O racic´ınio desenvolvido acima pode ser colocado em um dispositivo pr´atico bastante interessante, conhecido como “regra de trˆes”:
|
= 2πAθ
|
= θπr2
r2 Aθ = 2 θ.
O mesmo desenvolvimento acima pode ser feito relacionando as grandezas comprimento de arco l do setor circular de raio r e sua ´area Al, chegando a
r Al = 2 l.
O dispositivo pr´atico, neste caso fica do seguinte modo:
|
= 2πrAl
|
= lπr2
Al =
r 2 l.
l
Figura 120: Estabelecendo a ´area de um setor circular em fun¸c˜ao de seu arco.
|
Essa mesma f´ormula pode ser obtida de Aθ
= r2 θ apenas lembrando da defini¸c˜ao de
|
radiano: θ = l.
Semelhan¸ca e A´reas
Definimos figuras semelhantes em se¸c˜ao anterior. entre semelhan¸ca e ´area dada pelo seguinte teorema.
E´ poss´ıvel mostrar uma curiosa rela¸c˜ao
Teorema 2.27 Sejam F e G figuras planas semelhantes cuja raz˜ao de semelhan¸ca de F para
G seja k. Ent˜ao, A (F) = k2A (G), sendo A (F) e A (G) as ´areas de F e G, respectivamente.
A demonstra¸c˜ao deste teorema faz uso de homotetia e ´e deixada como desafio para o leitor.
Casos especiais em que F e G s˜ao pol´ıgonos s˜ao bastante f´aceis de serem demonstrados.
Uma considera¸c˜ao final interessante sobre ´areas.
Todas as f´ormulas de ´areas de Geometria Euclidiana Plana que estudamos s˜ao concebidas tomando-se o quadrado unit´ario como unidade de ´area. Uma pergunta bastante natural que pode ser feita ´e a seguinte: como ficam essas f´ormulas se a unidade de ´area fosse convencionada como sendo uma figura diferente do quadrado unit´ario? A resposta n˜ao ´e dif´ıcil de ser concebida. As f´ormulas mudam, mas n˜ao muito. Na verdade, as novas f´ormulas diferir˜ao das “originais” apenas por um fator constante (que depender´a apenas da figura tomada como unidade de ´area). Neste sentido, o conceito de ´area ´e universal.
Equivalentes ao Quinto Postulado de Euclides
Conforme comentamos na parte hist´orica do in´ıcio do cap´ıtulo sobre Geometria Euclidi- ana, v´arias tentativas de demonstra¸c˜ao do Quinto Postulado de Euclides fracassaram devido ao uso de proposi¸c˜oes equivalentes ao pr´oprio postulado que se pretendia demonstrar. Essas proposi¸c˜oes s˜ao bastante curiosas devido ao fato de que s´o valem na Geometria Euclidiana. O leitor n˜ao ter´a dificuldades em reconhecer v´arias dessas proposi¸c˜oes, algumas das quais est˜ao demonstradas nesse texto.
Quinto Postulado de Euclides – Se uma reta corta duas outras retas formando um par de ˆangulos colaterais internos cuja soma ´e menor do que dois retos, ent˜ao as duas retas, se continuadas infinitamente, encontram-se no lado onde est˜ao os ˆangulos cuja soma ´e menor do que dois retos.
|
Figura 121: α + β < 180◦ =
r n˜ao ´e paralela a s.
- (John Playfair, 1748 − 1819) – Por um ponto fora de uma reta pode-se tra¸car uma u´nica reta paralela `a reta
Observa¸c˜ao: esse ´e o enunciado que adotamos como “Axioma das Paralelas” desse texto.
- A soma dos ˆangulos internos de um triˆangulo ´e sempre igual a dois ˆangulos Observa¸c˜ao: na Geometria Hiperb´olica, essa soma ´e menor do que dois ˆangulos retos, en- quanto, na Geometria El´ıptica, ´e maior.
- Existe um par de triˆangulos semelhantes e n˜ao congruen
Observa¸c˜ao: semelhan¸ca ´e conceito exclusivo da Geometria Euclidiana!
- Existe um par de retas
- Se r //s e s // t, ent˜ao r // t.
- Considere a figura abaixo:
s t n
b d m
a g
r
Figura 122
Se α + β = γ + δ = 180◦, ent˜ao m = n.
- A soma dos ˆangulos internos de um triˆangulo ´e sempre a
- Dados quaisquer trˆes pontos n˜ao colineares, existe um c´ırculo passando por estes trˆes
- Se trˆes dos ˆangulos de um quadril´atero s˜ao retos, ent˜ao o u´ltimo tamb´em ´e
- Uma reta que corta uma de duas paralelas, corta tamb´em a
- Uma reta perpendicular a uma de duas paralelas ´e, tamb´em, perpendicular a
- Retas paralelas s˜ao equidistan
- Existem retˆ
Observa¸c˜ao: isso significa que n˜ao existem retˆangulos em geometrias n˜ao euclidianas!
- Considere a figura abaixo:
- D
- C
Figura 123
Se AB ≡ CD, ent˜ao α = β = 90◦.
- Um ˆangulo inscrito em um semic´ırculo ´e sempre
- Lados opostos de um paralelogramo s˜ao congruentes. (paralelogramo: quadril´atero com lados opostos paralelos)
- Considere a figura abaixo:
Figura 124
Se r ´e paralela a s, ent˜ao α + β = γ + δ.
|
- Sejam m e n duas retas, A m e B n tais que AB n e forma um ˆangulo agudo com m. Ent˜ao, as perpendiculares baixadas de m `a reta n, do lado do ˆangulo agudo s˜ao menores do que AB e as que ficam do outro lado s˜ao maiores do que AB.
D B F n
Figura 125 CD > AB > EF.
- Dado um triˆangulo, ´e poss´ıvel construir outro semelhante com lados arbitrariamente
- Por um ponto dentro de um ˆangulo menor que dois retos pode-se tra¸car uma reta que intesecta os dois lados desse ˆ
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