No momento você está vendo AS CARACTERÍSTICAS DAS CRIPTOMOEDAS PDF

AS CARACTERÍSTICAS DAS CRIPTOMOEDAS PDF

AS CARACTERÍSTICAS DAS CRIPTOMOEDAS PDF

 

 

 

 

 

AS CARACTERÍSTICAS DAS CRIPTOMOEDAS E OS DESAFIOS DA REPRESSÃO AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

 

THE CHARACTERISTICS OF CRYPTOCURRENCIES AND THE CHALLENGES OF THE REPRESSION OF MONEY LAUNDERING CRIME

 

 

Thiago da Cunha Brito1

 

Resumo: o presente trabalho teve por objetivo apresentar os principais conceitos tecnológicos relacionados ao funcionamento e operação das criptomoedas, em especial a bitcoin. Buscou-se, ainda, apresentar o conceito de lavagem de dinheiro, as fases do processo de lavagem, a evolução das ações internacionais de combate à lavagem, bem como o crime de lavagem de dinheiro na legislação penal brasileira. Finalmente, procurou-se exemplificar com a apresentação de alguns casos práticos, como as criptomoedas, em especial a bitcoin, são utilizadas para a prática do crime de lavagem de dinheiro.

 

Palavras-chave: criptomoedas; bitcoin; blockchain; lavagem de dinheiro.

 

 

Abstract: the present  work aimed to present  the main technical concepts related to the operation of cryptocurrencies, mainly bitcoin. It also sought to present the concept of money laundering, the phases of the money laundering process, the evolution of international actions to prevent money laundering, as well as the crime of money laundering in Brazilian criminal law. Finally, we tried to exemplify how cryptocurrencies, mainly bitcoin, are used for the crime of money laundering, using some practical cases.

 

Keywords: cryptocurrencies; bitcoin; blockchain; money laundering.

 

 

Sumário: Introdução. 1. Conceitos básicos sobre blockchain e criptomoedas. 1.1. A tecnologia do blockchain. 1.2. Bitcoin: uma forma de implementação da tecnologia blockchain. 1.3. Características da bitcoin e as facilidades para a criminalidade organizada. 2. Crime de lavagem de dinheiro. 2.1. As fases da lavagem de dinheiro. 2.2. A evolução da repressão a lavagem de dinheiro. 2.3. Tipo penal de lavagem de dinheiro. 3. Bitcoin e lavagem de dinheiro. Conclusão.

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

 

 

 

1 Thiago da Cunha Brito. Pós-graduando em LLM Direito Penal Econômico no Instituto Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Desenvolvimento, IDP. Graduando em Direito no Instituto Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Desenvolvimento, IDP. Graduado em Engenharia Informática pelo Instituto Superior de Engenharia do Porto, Portugal. Pós-graduado em Marketing e Gestão Estratégica pela Universidade do Minho, Braga, Portugal.

 

Desde a década de 1980, a comunidade internacional vem aprofundando as medidas para tornar mais efetivo o combate e a repressão ao crime organizado e ao delito de lavagem de dinheiro. Inicialmente, a comunidade internacional, buscando limitar o poder econômico dos grandes cartéis de drogas, associou o crime de lavagem de dinheiro ao crime de tráfico de drogas (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 26).

Em seguida, percebendo que outros delitos também poderiam gerar resultados econômicos ilícitos, a comunidade internacional, por meio da Convenção de Palermo (BRASIL, 2004), sugeriu a expansão do rol de crimes anteriores para a persecução penal do delito de lavagem de dinheiro. Buscou-se, com a referida Convenção, promover a cooperação internacional para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional.

Apertou-se cerco à criminalidade organizada transnacional e, em especial, às tentativas de branqueamento de capitais. A Convenção de Palermo (BRASIL, 2004) recomendou que os países membros adotassem medidas legislativas para regulamentar o sistema bancário, bem como instituições financeiras não bancárias e, quando justificado, outras instituições suscetíveis de serem utilizadas para lavagem de dinheiro, de forma a criarem um regime de monitoramento e controle de operações suspeitas.

Impunha-se, assim, obrigações relativas ao monitoramento de atividades suspeitas tanto para instituições públicas como para empresas privadas, com intuito de tornar o combate à lavagem de dinheiro mais eficaz.

Em 2003, na cidade de Mérida, no México, foi promulgada a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (BRASIL, 2006), os Estados Membros, preocupados com a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção, para a segurança e para a estabilidade das sociedades, bem como pelos vínculos entre a corrupção e outras formas de delinquência, em particular o crime organizado e a lavagem de dinheiro, resolveram recomendar a adoção de legislações penais mais abrangentes para a repressão ao crime de lavagem de dinheiro. Recomendou-se, assim, a abolição do rol de crimes antecedentes e a adoção do entendimento de que qualquer tipo de crime, desde que produzisse algum resultado financeiro, pudesse ser considerado como antecessor ao crime da lavagem de dinheiro.

A cooperação internacional é fundamental para o combate à lavagem de dinheiro. Além de uma estrutura legislativa coerente entre as nações mundiais para o combate ao crime organizado, em especial à lavagem de dinheiro, a criação e interação entre unidades de inteligência financeira são fundamentais para um efetivo e eficiente combate a esse tipo de delito econômico (MENDRONI, 2018, p. 59).

 

Apesar da busca contínua da comunidade internacional por mecanismos capazes de identificar e coibir práticas delitivas de lavagem de dinheiro, algumas inovações tecnológicas podem colocar em risco todos os avanços já alcançados: as criptomoedas são um exemplo de como a tecnologia pode ser utilizada na tentativa de burlar os mecanismos de controles impostos pelos Estados para a identificação e repressão à lavagem de dinheiro.

Desta forma, tendo em vista o arcabouço regulatório e os esforços internacionais voltados à repressão ao crime de lavagem de dinheiro, o presente trabalho buscará apresentar alguns desafios no combate ao branqueamento de capitais, tendo em vista as características das criptomoedas, em especial da bitcoin.

Para tanto, apresentar-se-ão, resumidamente, alguns conceitos básicos a respeito das tecnologias envolvidas no desenvolvimento das criptomoedas, em especial a blockchain. Em seguida, ressaltar-se-ão algumas características das bitcoins que facilitam o cometimento do delito de lavagem de dinheiro.

Ato contínuo, iremos abordar especificamente o crime de lavagem de dinheiro, apresentando sua estruturação teórica, uma breve análise sobre a evolução da repressão à lavagem de capitais e o tipo penal de branqueamento de capitais no Brasil.

Finalmente, analisaremos um cenário de lavagem de dinheiro com a utilização de bitcoins, a partir da descrição de dois casos reais de lavagem de dinheiro por meio da utilização de bitcoins.

 

 

  1. CONCEITOS BÁSICOS SOBRE BLOCKCHAIN E CRIPTOMOEDAS

 

 

  • A tecnologia do blockchain

Em 31 de outubro de 2008, um white paper, de autoria de Satoshi Nakamoto (NAKAMOTO, 2008), propôs um sistema eletrônico de pagamentos descentralizado, no qual as operações de transferência seriam verificadas pelos computadores integrantes da rede (nó da rede), dispensando-se a figura de um terceiro garantidor, como, por exemplo, de uma instituição financeira.

Em seu trabalho, Nakamoto (NAKAMOTO, 2008, p. 8) previu a solução para o problema dos gastos duplos, propondo que as transações deveriam ser validadas com um sistema de verificação que demandaria um elevado poder computacional, conhecido como proof-of-work (PoW).

 

No modelo proposto por Nakamoto, as transações validadas deveriam ser replicadas por toda a rede de computadores, tornando praticamente impossível que os registros gravados de maneira distribuída fossem adulterados, tendo em vista a capacidade computacional necessária para a validação das transações e do esforço computacional para alteração da blockchain em toda a rede de computadores.

Em termos gerais, a tecnologia do blockchain se refere a uma estrutura de dados descentralizada, replicada em cada nó da rede de computadores que, conjugada com a capacidade computacional necessária para validar cada operação (PoW), torna praticamente impossível de ser hackeada ou adulterada por atores mal-intencionados, dispensando-se a figura de um terceiro garantidor – instituição financeira – para garantir a higidez do sistema.

De acordo com Manav Gupta (GUPTA, 2020, p. 3), blockchain é um registro distribuído e imutável que facilita o processo de gravação de transações e permite a sua consulta e verificação. Por sua vez, para a Euromoney Learning (LEARNING, 2021), a blockchain é, essencialmente, um registro digital de transações que é duplicada e distribuída para toda a rede de computadores que fazem parte do Sistema Blockchain. Ainda segundo a referida publicação, cada bloco contém um número de transações e, cada vez que um conjunto de transações é validado pelo sistema, um novo bloco é adicionado em todos os computadores que participam do Sistema Blockchain.

Lucas Mearian (MEARIAN, 2019) descreve a blockchain como sendo um registro eletrônico público, desenvolvido em torno da ideia de comunicação direta entre os computadores da rede (peer-to-peer), que pode ser compartilhado abertamente entre os computadores que participam do sistema, de forma a criar um registro imutável de transações. À medida que novas transações são criadas, são acrescentados novos blocos de informações na cadeia informações anterior e, então, replicadas para todos os computadores da rede.

Desta forma, a segurança do sistema reside no fato de que a blockchain somente pode ser atualizada a partir do consenso entre os participantes da rede de computadores (MEARIAN, 2019), e uma vez que novas operações são validadas e inseridas na cadeia de blocos não podem mais ser removidas.

Basicamente, a segurança da blockchain está associada às seguintes características: i) a cadeia de blocos está distribuída em um número indeterminado de computadores; ii) um alto poder computacional deve ser dispendido para a validação de cada transação; iii) cada transação necessita ser validada pela maioria dos computadores da rede (mecanismo de consenso) antes de ser inserida na blockchain e replicada para os demais computadores da rede; e iv) caso um determinado bloco seja alterado por um determinado computador da rede, todos os demais

 

blocos de sua blockchain ficarão inválidos e não serão aceitos pelos outros computadores da rede (mecanismo de consenso), mantendo-se a integridade dos registros na maior parcela dos computadores.

Resumidamente, a tecnologia de registro eletrônico distribuído de transações (blockchain) permitiu o desenvolvimento de um sistema eletrônico de pagamentos descentralizado, no qual as operações de transferência de valores seriam verificadas pelos computadores integrantes da rede, dispensando-se a figura de um terceiro garantidor na operação.

Feita essa breve introdução à tecnologia da blockchain é possível compreender de maneira mais clara o que são criptomoedas, de forma geral, e o que são bitcoins em particular.

 

 

  • Bitcoin: uma forma de implementação da tecnologia blockchain

De acordo com Schmidt e Ashford (SCHMIDT e ASHFORD, 2020), criptomoedas (cryptocurrency) são moedas digitais descentralizadas baseadas na tecnologia da blockchain. Diferentemente das moedas nacionais, as criptomoedas não estão vinculadas a uma autoridade regulatória nacional ou internacional para emissão, gerenciamento e manutenção das moedas. Ao contrário, como apontado anteriormente, todas as transações são validadas e mantidas por um sistema distribuído de processamento de transações, o que dispensa a figura de terceiros garantidores.

Nas palavras de Thiago Augusto Bueno (BUENO, 2020, p. 19), “se pode afirmar que a bitcoin funciona como um livro-caixa de registro de operações de crédito e débito entre seus usuários, sendo que os dados dessas movimentações são registrados de forma compartilhada entre os computadores que operam interligados em um sistema distribuído”.

Como se pode observar, a principal tecnologia utilizada pela bitcoin é a blockchain, que permite que as operações de compra e venda de bitcoin sejam registradas em cada nó da rede, de forma descentralizada, garantindo-se a confiabilidade das informações. Em outras palavras, a bitcoin foi a primeira implementação de sucesso da tecnologia da blockchain que pode ser aplicada, em tese, em diversos outros modelos de negócio, tal como em registros de propriedade de bens imóveis.

Todavia, faz-se necessário destacar que o sucesso da aplicação da tecnologia da blockchain pela bitcoin possui uma estreita ligação com o mecanismo de incentivo desenvolvido pelo protocolo do sistema (Sistema Bitcoin). Para garantir que todos os integrantes da rede trabalhassem de maneira ética na validação das operações, Nakamoto

 

(NAKAMOTO, 2008, p. 4) previu um sistema de incentivos para o primeiro computador da rede que completasse o mecanismo de proof-of-work.

Nakamoto previu que caso o proof-of-work de um determinado computador fosse validado pelos demais computadores da rede (mecanismo de consenso), aquele computador que solucionou o problema matemático teria direito a efetuar o registro no bloco em sua própria blockchain e propagar esse bloco para os demais computadores da rede, fazendo com que o computador que realizou o trabalho computacional de validação das transações recebesse com uma quantidade determinada de bitcoins (BTC).

Com isso, Nakamoto antecipou um mecanismo de incentivo para que os computadores integrantes do Sistema Bitcoin suportassem a rede, além de oferecer uma forma inicial de distribuir as moedas em circulação, uma vez que não existe qualquer autoridade central com competência para criar bitcoins. Tal mecanismo é conhecido como mining (NAKAMOTO, 2008, p. 4).

Nesse sentido, a aplicação da blockchain em outros modelos de negócio depende, em grande parte, de quais serão os incentivos para a higidez das informações distribuídas na rede de computadores. Sem incentivos, dificilmente haverá capacidade de processamento para a atualização da blockchain e garantia suficiente de que as informações da blockchain serão mantidas de maneira confiável, podendo induzir ao fracasso do modelo de negócio por ausência de capacidade de retorno do investimento necessário para criar uma adequada infraestrutura de mineração (mining).

Nesse sentido, Nakamoto (NAKAMOTO, 2008, p. 3) elencou algumas premissas para o funcionamento sustentável do Sistema Bitcoin: i) novas transações devem ser propagadas para todos os computadores da rede; ii) cada computador armazena novas transações em blocos;

iii) cada computador dedica tempo de processamento para a solução de um problema de elevada dificuldade matemática para seu próprio bloco (proof-of-work); iv) quando um determinado computador da rede encontrar a resposta ao problema matemático, encaminhará a solução para todos os demais computadores da rede; v) caso os demais computadores da rede validem o trabalho do computador que solucionou o problema (mecanismo de consenso), o novo bloco poderá ser inserido em suas respectivas blockchains; vi) caso a solução tenha sido validada pelos demais computadores da rede, o computador que solucionou o problema receberá uma quantidade definida de bitcoins.

 

  • Características da bitcoin e as facilidades para a criminalidade organizada

A partir dessa breve introdução acerca das tecnologias envolvidas no Sistema Bitcoin, pode-se a elencar algumas características das criptomoedas que podem favorecer a prática de crimes de lavagem de dinheiro. Nessa seara, Bueno (BUENO, 2020, pp. 113-120) aponta alguns atributos da criptomoeda que podem facilitar a execução do processo de lavagem de dinheiro:

  1. i) inexistência física; ii) transmissão direta entre as partes; iii) irreversibilidade das operações;
  2. iv) alcance global; e v) não identificação imediata dos envolvidos nas movimentações.

Inicialmente, vale destacar que a inexistência física da bitcoin possibilita o acúmulo ilimitado de capitais, sem o transtorno relacionado à capacidade de armazenamento e transporte físico de grandes quantias de papel moeda. De fato, como apontado por Bueno (BUENO, 2020,

  1. 114), a acumulação massiva de dinheiro físico é um dos problemas centrais da criminalidade econômica de grande escala.

Ademais, a possibilidade de transmissão direta entre as partes, sem a necessidade de um terceiro envolvido na operação, faz com que a transferência de valores em bitcoins ocorra fora dos radares das organizações estatais responsáveis pelo monitoramento e repressão de práticas relacionadas ao delito de lavagem de dinheiro (BUENO, 2020, p. 115). Ressalta-se que, na ausência de um terceiro envolvido na operação, eventuais transações suspeitas não serão comunicadas às autoridades, dificultando-se a identificação de operações de lavagem de dinheiro.

Outro aspecto importante, relaciona-se com a característica da irreversibilidade das operações. Imagine-se a situação em que determinada pessoa é obrigada, por coação física ou moral, a transferir determinada quantia de bitcoins ao autor da coação (BUENO, 2020, p. 117). Nesse cenário hipotético, após realizada a operação de transferência, não haverá possiblidade de estorno da operação, nem a hipótese de se recorrer à uma autoridade central para que a operação seja desfeita. Ressalta-se que não há, em princípio, como se percebe pela própria característica de descentralização da bitcoin, possibilidade de confisco desses valores por qualquer autoridade judicial.

Destaca-se ainda que a descentralização das operações e a falta de regulação dificultam a identificação de valores em bitcoins para o cumprimento de cautelares patrimoniais, como é o caso do sequestro de bens (BUENO, 2020, p. 117). Tendo em vista que as transações podem se dar diretamente entre as partes, por meio da utilização de chaves-públicas e chaves-privadas para efetivar a transação, determinada pessoa física ou jurídica pode não possuir, pelos meios oficiais, qualquer registro de bens que o associe a uma carteira de bitcoins, impedindo, ou pelo menos dificultando, que parte de seu patrimônio seja alcançado pela cautelar patrimonial.

 

Outro ponto que merece ênfase relaciona-se ao fato de que as transações não estão limitadas às fronteiras nacionais. Ao contrário, as operações em bitcoins não estão sujeitas aos controles e aos monitoramentos geralmente impostos pelas instituições financeiras quando realizam operações de transferência internacional de capitais (BUENO, 2020, p. 119). Assim, além de passar ao largo dos mecanismos de controle impostos pelos Estados, os valores transacionados em bitcoin podem ser livremente transformados em moeda nacional em países com menor nível de controle sobre essas operações (paraísos fiscais), em especial no tocante às obrigações das exchanges.

Nesse ponto, vale destacar que alguns países apresentam menores níveis de regulação, permitindo que as operações de compra e venda de moeda nacional por criptomoedas não sejam associadas a informações que permitam a identificação dos envolvidos na operação. Nesses países, onde os requisitos necessários para o conhecimento do cliente (know your customer) são reduzidos ou inexistentes, existe maior facilidade para que operações ilegais sejam realizadas. Em que pese as transações registradas na blockchain poderem ser rastreadas, utilizando-

se, para isso, das chaves-públicas presentes em cada operação realizada, sem um rígido mecanismo para conhecimento do cliente, não há como identificar, de maneira imediata, os reais beneficiários – pessoas físicas e jurídicas – das respectivas operações (BUENO, 2020, p. 120). Além disso, como uma determinada pessoa pode possuir inúmeras carteiras de bitcoins (wallets), diversas soluções para a dissimulação do rastro do dinheiro podem ser aplicadas.

Dentre os mecanismos mais utilizados para a referida dissimulação, encontram-se os mixing services. Conforme Narayanan et. al. (NARAYANAN et al, 2016, pp. 177-179), mixing services são serviços que podem ser utilizados para tornar menos efetivo o rastreamento das operações com bitcoins, permitindo a manutenção da anonimidade nas operações da blockchain.

Como ressalta Kudlovich (KUDLOVICH, 2018), todas as transações na rede bitcoin são rastreáveis, mas as chaves-públicas não são vinculadas, em regra, a nenhuma informação capaz de identificar seu proprietário. A utilização de mixing services dificulta ainda mais o rastreamento do dinheiro.

Todas essas características fazem das criptomoedas, em especial a bitcoin, um meio efetivo para o cometimento de delitos relacionados à lavagem de dinheiro, bem como o de outros crimes patrimoniais como, por exemplo, o estelionato e a extorsão mediante sequestro, possibilitando ao criminoso auferir as vantagens patrimoniais decorrentes da prática daqueles crimes, sem comprometer a sua própria liberdade e tampouco o produto do crime por ele praticado.

 

 

  1. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

 

 

Segundo Bottini e Badaró (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 25), “lavagem de dinheiro é o ato ou a sequência de atos praticados para mascarar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, valores e direitos de origem delitiva ou contravencional, com o escopo último de reinseri-los na economia formal com aparência de licitude”.

Como se pode observar a lavagem de dinheiro pode ser entendida como um processo no qual todos os atos buscam dissimular a origem dos valores com a finalidade de reintroduzi- los na economia com aparência de licitude. A doutrina especializada divide o processo de lavagem de dinheiro em algumas fases, conforme abordado em seguida.

 

 

  • As fases da lavagem de dinheiro

Marcelo Batlouni Mendroni (MENDRONI, 2018, pp. 74-80), na mesma linha de diversos outros doutrinadores, a exemplo de Bottini e Badaró (BOTTINI e BADARÓ, 2019, pp. 27-29), aponta que o processo de lavagem de dinheiro ocorre por meio de três etapas: colocação (placement); ocultação, acomodação ou estratificação (layring); e integração (integration).

Conforme referido anteriormente, o processo de lavagem de dinheiro deve ter como origem uma infração penal (crime ou contravenção) antecedente e se inicia com a ocultação dos valores provenientes daquela infração penal (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 27). As diversas atividades posteriores que ocorrem dentro do processo de lavagem de dinheiro contribuem para a contínua dissimulação da origem dos bens e se completa pela reinserção do produto dissimulado na economia real (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 27).

A etapa inicial do processo de lavagem de dinheiro (placement) geralmente ocorre por meio da aplicação dos recursos diretamente no sistema financeiro ou pela transferência para outro local (MENDRONI, 2018, p. 74). Geralmente, utilizam-se atividades comerciais e instituições financeiras para a realização da ocultação inicial dos valores provenientes de infração penal (MENDRONI, 2018, p. 74). Basicamente, essa operação da fase inicial da lavagem de dinheiro permite que o dinheiro sujo, proveniente de atividades criminosas, seja introduzido no sistema financeiro para iniciar operações mais complexas e estruturadas de lavagem de dinheiro (SANCTIS, 2018, p. 18).

 

Na segunda etapa do processo de lavagem de dinheiro (layring), objetiva-se afastar o dinheiro de sua origem ilícita. Para isso, pode-se efetuar diversas operações de compra e venda, transferências entre contas nacionais e internacionais ou simulações de transações de importação e exportação, tudo com o objetivo de apagar o rastro do dinheiro e distanciá-lo de sua natureza ilícita, dificultando as investigações e a persecução penal (MENDRONI, 2018, p. 77).

Finalmente, a última etapa do processo de lavagem de dinheiro objetiva trazer legitimidade ao dinheiro ilegal. Nas palavras Mendroni (MENDRONI, 2018, p. 78), nesta etapa o dinheiro é formalmente incorporado na economia real, por meio de organizações ou contratos de fachada, que objetivam revestir de legalidade o dinheiro proveniente de infração penal.

 

 

  • A evolução da repressão à lavagem de dinheiro

A repressão à lavagem de dinheiro passou a despertar maior interesse da comunidade internacional ao longo da década de 80 do século passado (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 26), quando as organizações criminosas relacionadas ao tráfico de drogas demonstravam sofisticada capacidade de organização. Nesse período, percebeu-se que a persecução penal do tráfico de drogas não poderia ficar restrita, especificamente, à prisão dos membros da organização criminosa (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 26). De acordo com o professor Pierpaolo (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 26), “notou-se que o dinheiro é a alma da organização criminosa e seu combate passa pelo confisco dos valores que mantém operante a sua estrutura”. Nesse momento, surgiram as primeiras leis relacionadas à lavagem de dinheiro que, influenciadas pela repressão ao tráfico de drogas, descreviam essa infração penal como a única infração penal anterior capaz de dar origem ao crime de lavagem de dinheiro. Em outras letras, a primeira geração de leis de combate à lavagem de dinheiro vinculava a lavagem de dinheiro, única e exclusivamente, ao crime anterior de tráfico de drogas (BOTTINI e BADARÓ, 2019,

  1. 78-80).

Aos poucos, foi-se desenvolvendo na comunidade internacional uma consciência de que outros crimes também deveriam ser objeto de repressão à lavagem de dinheiro. Nesse sentido, a Convenção de Palermo, de 15 de novembro de 2000, instrui os países a adotarem medidas legislativas que considerem outras infrações penais, as quais podem originar bens passíveis de lavagem de dinheiro (BRASIL, 2004).

 

De acordo com o magistério de Pierpaolo (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 78), essa segunda geração de leis relacionadas ao combate à lavagem de dinheiro ampliou o rol de crimes antecedentes que poderiam dar origem à persecução penal por lavagem de dinheiro.

Finalmente, conforme indicado pelo Banco Mundial (TWB, 2006, p. V-5) a terceira geração legislativa de combate à lavagem de dinheiro ampliou ainda mais o escopo de crimes antecedentes. De acordo com o referido documento do Banco Mundial (TWB, 2006, pp. V-5 e V-6), qualquer infração penal anterior capaz de gerar produto de crime deve combatida, também, por meio de normas de lavagem de dinheiro.

Assim, a comunidade internacional dava mais um passo em direção ao combate à lavagem de dinheiro, passando a considerar que qualquer infração penal anterior – que fosse capaz de gerar receitas provenientes da atividade criminosa – deveria ser passível de repressão à lavagem de dinheiro.

 

 

  • Tipo penal de lavagem de dinheiro

A legislação brasileira sobre os crimes de lavagem de dinheiro (BRASIL 1998) previa, inicialmente, um rol taxativo de crimes antecedentes capazes de dar origem à persecução penal por lavagem de dinheiro.

Inicialmente, a Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro) considerava como crime de lavagem de dinheiro ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime de tráfico de drogas, de terrorismo, de tráfico de armas, de extorsão mediante sequestro, entre outros.

Como se pode notar, ao adotar a posição de que a lavagem de dinheiro deveria ser precedida especificamente de um rol taxativo de infrações criminais, a Lei de Lavagem de Dinheiro brasileira poderia ser classificada como uma lei de segunda geração, nos termos explicados acima.

Todavia, em julho de 2012, a Lei 12.683 (BRASIL, 2012) alterou a Lei de Lavagem de Dinheiro para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro, deixando de limitar a lavagem de dinheiro a um rol predefinido de infrações. A legislação brasileira passava então a ser considerada uma lei de terceira geração ao combate à lavagem de dinheiro, em sintonia com a Convenção de Mérida (BRASIL, 2006) e com as diretrizes do Banco Mundial (TWB, 2006).

 

Com isso, a tipificação do delito de lavagem de dinheiro passava a ter a seguinte redação, in verbis:

 

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

  • 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
    • – os converte em ativos lícitos;
    • – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
    • – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos
    • 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:
  • – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal;
  • – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta

 

Diversas são as questões que podem ser objeto de estudo a partir da análise da Lei de Lavagem de Dinheiro. Poder-se-ia discorrer sobre os elementos subjetivos do tipo penal, sobre o bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de dinheiro, sobre a sua natureza (permanente ou instantâneo) ou, ainda, sobre a consunção entre o delito antecedente e o crime de lavagem de capitais. Todavia, o objetivo do presente trabalho restringir-se-á ao entendimento dos elementos objetivos do tipo penal (ocultar e dissimular) para a prática do delito de lavagem de dinheiro.

Como se percebe pela redação do art. 1º, caput, da Lei de Lavagem de Dinheiro, a mera ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, são suficientes para caracterizar o crime de branqueamento de capitais.

De acordo com o magistério de Pierpaolo (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 115), “ocultar significa esconder, tirar de circulação, subtrair da vista”. Ainda de acordo com o mesmo doutrinador, “ocultar é todo e qualquer ato inicial de encobrimento do produto ilícito dos olhares públicos”.

Por sua vez, “a dissimulação é o ato – ou conjunto de atos – posteriores à ocultação” (BOTTINI e BADARÓ, 2019, p. 115). Continua afirmando que “dissimular é o movimento de distanciamento do bem de sua origem maculada, a operação efetuada para aprofundar o escamoteamento, e dificultar mais o rastreamento dos valores” (BOTTINI e BADARÓ, 2019, pp. 115-116).

Como se pode observar, a ocultação pode ser considerada uma atividade mais próxima a etapa inicial do processo de lavagem de dinheiro (placement). Por seu turno, a conduta de

 

dissimular estaria mais próxima a fase de layring do processo de lavagem de dinheiro, por ser um ato um pouco mais sofisticado do que o ato original de esconder.

Ressalta-se que na lição de Sergio Fernando Moro (MORO, 2012, p. 34), “para a configuração do crime do caput do art. 1º, é necessária a caracterização de atos de ocultação ou dissimulação de qualquer característica do produto do crime. A mera guarda ou movimentação física do produto do crime, sem ocultação ou dissimulação não configura o tipo do caput”.

Portanto, a ilicitude na lavagem de dinheiro está relacionada a operações realizadas com o intuito de ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens, valores ou direitos, objetivando, ainda, introduzi-los na economia formal com aparência de legitimidade.

 

 

  1. BITCOIN E LAVAGEM DE DINHEIRO

 

 

Compreendidas as principais características tecnológicas que envolvem a aplicação da blockchain para o desenvolvimento da bitcoin, bem como o tipo penal de lavagem de dinheiro, iremos apresentar alguns exemplos de como as criptomoedas, em especial a bitcoin, têm sido utilizadas como meio para o cometimento de crimes de lavagem de dinheiro.

Não obstante termos nos debruçado brevemente sobre algumas características do Sistema Bitcoin que podem favorecer a consumação do delito de lavagem de dinheiro, faz-se pertinente, nesse momento, destacar alguns incentivos à utilização de bitcoins no contexto de lavagem de dinheiro. Para tanto, iremos nos socorrer aos ensinamentos da procuradora Christiana Mariani Da Silva Telles (TELLES, 2020, p. 80-89).

Conforme o magistério de Christiana Telles (TELLES, 2020, p. 82), o primeiro incentivo na utilização de criptomoedas no processo de lavagem de dinheiro está relacionado com a transferência segura de valores por meio de uma rede global de computadores, sem a interferência de instituições financeiras ou agências governamentais.

Aponta, ainda, que a dificuldade para escamotear operações financeiras realizadas com recursos ilícitos dentro do sistema financeiro pode ser contornada com a utilização de criptomoedas, tendo em vista que as transações ocorrerem fora de qualquer sistema monitorado por instituições bancárias ou agências governamentais (TELLES, 2020, p. 83).

Outra questão destacada por Christiana Telles (TELLES, 2020, p. 83) relaciona-se à facilidade com que se pode transacionar uma grande quantidade de valores para locais distantes ou remotos, sem a preocupação com o transporte físico de valores. Sabe-se que, no Sistema

 

Bitcoin, a transferência de grande volume de recursos financeiros depende apenas de uma chave-pública para onde as bitcoins serão transferidos e de uma chave-privada para autorização da operação pelo remetente, dispensando-se a utilização de qualquer tipo de transporte físico de moeda.

Outro ponto destacado se relaciona com a pseudo anonimidade das bitcoins. Apesar das operações no Sistema Bitcoin não serem totalmente anônimas, ao contrário das transações realizadas com dinheiro vivo, o rastreamento das transações é uma tarefa bastante complexa que requer a utilização de recursos humanos altamente especializados (TELLES, 2020, p. 84). Uma outra característica que serve de incentivo para a prática de delitos de lavagem de dinheiro por meio da utilização de criptomoedas, relaciona-se ao seu acesso. Em regra, o acesso à carteira de bitcoins depende de uma chave-privada que não está disponível para terceiros desautorizados pelo proprietário da carteira. Tal fato, dificulta o alcance desses valores pelo sistema de justiça e pode impossibilitar a penhora ou o sequestro desses valores (TELLES,

2020, pp. 84-85).

O caráter transfronteiriço das criptomoedas também impõe um novo desafio às autoridades, no que tange à competência para a persecução penal e à definição do direito aplicável (TELLES, 2020, p. 85).

Ademais, a alta volatilidade das bitcoins impede que sejam vistas como reservas de valor e dificultam a realização de negócios convencionais com a utilização da criptomoeda. Contudo, essa mesma característica pode favorecer operações de lavagem de dinheiro por meio de operações de compra e venda de bitcoins de forma a produzir lucros artificiais (TELLES, 2020, pp. 86-87).

Outrossim, a procuradora Christiana Telles (TELLES, 2020, p. 89) corrobora com o entendimento de que os serviços de mistura (mixing services) podem aumentar o nível de anonimidade nas operações com bitcoins, dificultando, ainda mais, a identificação das partes envolvidas nas negociações.

 

 

  • Furto de dados de cartão de crédito mediante fraude e lavagem de dinheiro com bitcoin

Recentemente, um homem de 28 (vinte e oito) anos, identificado como Vitalii Antonenko, foi detido no aeroporto internacional de Nova Iorque ao desembarcar de um voo proveniente da Ucrânia (BAMBROUGH, 2020), acusado de furto de dados de cartão de crédito e lavagem de dinheiro utilizando bitcoins.

 

De acordo com a acusação, Antonenko, junto com vários outros indivíduos envolvidos, vasculhou a Internet em busca de redes de computadores vulneráveis, visando furtar informações de cartões de crédito e débito das vítimas (BAMBROUGH, 2020).

Em seguida, conforme informações das agências de persecução penal americanas, os hackers venderam as informações furtadas na darknet, que é um ambiente virtual utilizado para realização de operações ilegais na internet.

As autoridades americanas acreditam que o Sistema Bitcoin foi utilizado para lavar o dinheiro proveniente da venda dos dados furtados, uma vez que foram encontrados cerca de US$ 140.000,00 nas suas carteiras de bitcoin.

Como se pode observar, o furto de dados de cartão de crédito gerou um proveito por meio da venda na darknet, que foi ocultado por meio da aquisição de bitcoins. Para dificultar ainda mais o rastreamento dos valores, podem ter sido utilizados mecanismos de mixagem de bitcoins.

 

 

  • Crime de estelionato e lavagem de dinheiro

Também recentemente, em janeiro de 2021, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos divulgou uma notícia (JUSTICE, 2021) relacionada à condenação de um proprietário de uma exchange, com sede na Bulgária, por envolvimento no crime de lavagem de dinheiro.

De acordo com a referida notícia, uma organização criminosa teria executado uma megaoperação fraudulenta de leilões online que vitimou pelo menos 900 (novecentos) americanos. Diversos anúncios falsos, de produtos de alto custo, teriam sido postados em sites de comércio eletrônico. Todavia, os anúncios eram fraudulentos e os produtos, de fato, não existiam.

Ainda segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, depois que as vítimas foram convencidas a enviar o pagamento, a organização criminosa deu início a um estruturado esquema de lavagem de dinheiro, no qual laranjas recebiam dinheiro da fraude e convertiam os proveitos do crime em criptomoedas, transferindo, em seguida, esses valores para operadores fora do território nacional.

Além do alegado envolvimento na operação de lavagem, uma outra evidência apresentada à Corte Americana foi o fato de que o proprietário da exchange teria permitido a troca de criptomoedas por dinheiro, sem exigir qualquer identificação ou documentação para mostrar a origem dos fundos, contrariando as políticas de KYC (know your client) impostas por alguns países a esses atores, como forma de regulação do mercado.

 

 

CONCLUSÃO

 

 

A comunidade internacional tem buscado combater, de maneira orquestrada, o crime organizado e a lavagem de dinheiro. Diversos esforços foram envidados nesse sentido. A cooperação internacional entre unidades de inteligência financeira de diversos países é um exemplo do empenho das nações nessa luta.

Não obstante a criação de diversos mecanismos jurídicos e administrativos para a identificação e repressão de práticas de lavagem de dinheiro, as características inerentes às criptomoedas oferecem elevado risco a um combate efetivo dessa forma de delinquência.

A ausência de uma autoridade centralizada de certificação das operações em criptomoedas pode contribuir para o escamoteamento de operações ilícitas. A transferência segura de valores por meio de uma rede global de computadores, sem a interferência de instituições financeiras ou agências governamentais, certamente contribui para o aumento do risco de utilização desse ambiente para a prática de lavagem de dinheiro.

Outro ponto de destaque em relação ao emprego de criptomoedas no processo de lavagem de dinheiro, relaciona-se com o caráter transfronteiriço das operações. Grandes quantias de capitais podem ser enviadas para qualquer lugar do mundo a um custo relativamente reduzido.

Ademais, a pseudo anonimidade das bitcoins, aliada a ferramentas que permitem a dissimulação das operações, torna o processo de rastreamento bastante complexo, demandando profunda especialização dos recursos humanos envolvidos em sua identificação.

Diversos são os desafios da comunidade internacional para a repressão de práticas delitivas de lavagem de capitais com a utilização de criptomoedas, em especial as bitcoins. Contudo, parece-nos relevante que os Estados envidem esforços para tornar obrigatório o fornecimento de informações relativas à identidade de pessoas físicas e jurídicas que adquiram ou alienem criptomoedas no mercado local. A implementação de práticas de Know Your Customer é uma ferramenta fundamental para que se consiga associar de maneira mais efetiva carteiras virtuais de criptomoedas com documentos da vida civil de pessoas e empresas.

Outro ponto que merece reflexão e análise regulatória, relaciona-se aos serviços de mixagem de criptomoedas, bem como a necessária regulamentação de empresas que convertem moeda local em criptomoedas (exchanges).

 

De toda sorte, a negociação de criptomoedas diretamente entre comprador e vendedor, sem a necessidade da figura de um terceiro garantidor, como, por exemplo, de uma instituição financeira ou uma exchange, continuará sendo um dos grandes desafios dos governos em relação ao combate à criminalidade organizada e à lavagem de dinheiro.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais. 4ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

BAMBROUGH, Billy. New York Man Charged In $100 Million Bitcoin Case. Forbes, 2020. Disponível em <https://www.forbes.com/sites/billybambrough/2020/05/28/new-york-hacker- charged-in-100-million-dollar-bitcoin-case/?sh=347864c8c90e>. Acesso em 8 de fevereiro de 2021.

BRASIL, Presidência da República. Lei 9.613/1998 – Dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, dentre outras providências. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613compilado.htm>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

              , Presidência da República. Decreto 5.015/2004 – Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

              , Presidência da República. Decreto 5.687/2006 – Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, assinada na cidade de Mérida. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

              , Presidência da República. Lei 12.683/2012 – Altera a Lei 9.613/1998 para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Disponível em

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2012/lei/l12683.htm>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

BUENO, Thiago Augusto. Bitcoin e crimes de lavagem de dinheiro. 1ª ed. Campo Grande: Editora Contemplar, 2020.

GUPTA, Manav. Blockchain for dummies. 3rd IBM Limited Edition. Disponível em

<https://www.ibm.com/blockchain/what-is-blockchain>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

 

JUSTICE, Department. Owner of Bitcoin Exchange Sentenced to Prison for Money Laundering. 2021. Disponível em <https://www.justice.gov/opa/pr/owner-bitcoin-exchange- sentenced-prison-money-laundering>. Acesso em 8 de fevereiro de 2021.

KUDLOVICH, Yuriy. How Cryptocurrency Mixers and Anonymous Wallets Work. Disponível em <https://decenter.org/en/how-cryptocurrency-mixers-and-anonymous-wallets- work>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

LEARNING, Euromoney. What is blockchain: learn the basics of blockchain technology and why it can enhance trust is both record keeping and financial transactions. Disponível em           <https://www.euromoney.com/learning/blockchainexplained/what-is-blockchain>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

MEARIAN, Lucas.   What   is   blockchain?   The   complete   guide.   Disponível   em

<https://www.computerworld.com/article/3191077/what-is-blockchain-the-complete- guide.html>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2018.

MORO, Sergio Fernando. Crime de Lavagem de Dinheiro. 1ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

NAKAKMOTO, Satoshi. Bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system. Disponível em

<https://bitcoin.org/bitcoin.pdf>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

NARAYANAN, Arvind; BONNEAU, Joseph; FELTEN, Edward; MILLER, Andrew; GOLDFEDER, Steven. Bitcoin and Cryptocurrency Technologies. Princeton University Press. 2016.

SANCTIS, Fausto Martin de. Lavagem de dinheiro por meio de obras de arte: uma perspectiva judicial criminal. Belo Horizonte: DelRey Editora, 2015.

SCHMIDT,    John;    ASHFORD,     Kate.    What    is    cryptocurrency?     Disponível                       em

<https://www.forbes.com/advisor/investing/what-is-cryptocurrency/> Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

TELLES, Christiana Mariani da Silva. Bitcoin, lavagem de dinheiro e regulação. Curitiba: Juruá editora. 2020.

TWB. The World Bank. Reference Guide to Anti-Money Laudering and Combating the Financing of Terrorism. Disponível em <http://worldbank.org/reference-guide-to-aml>. Acesso em 7 de fevereiro de 2021.

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.