Administração Pública Brasileira = PDF DOWNLOAD
Administração Pública Brasileira
Luiza Reis Teixeira
Ministério da Educação – MEC
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES
Diretoria de Educação a Distância – DED Universidade Aberta do Brasil – UAB Programa Nacional de Formação
em Administração Pública – PNAP Bacharelado em Administração Pública
BACHARELADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Administração Pública Brasileira
Luiza Reis Teixeira
2021
Profa. Dra. Luiza Reis Teixeira
Doutora em Administração Pública e Governo – EA- ESP – FGV. Professora Adjunto – Escola de Administra- ção – Universidade Federal da Bahia
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR | CAPES
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDÁTICOS
Universidade de Pernambuco | UPE
AUTOR DO CONTEÚDO
Luiza Reis Teixeira EQUIPE TÉCNICA – UPE | NEAD
COORDENAÇÃO DO NEAD – UPE
Renato Medeiros de Moraes
COORDENAÇÃO DO PROJETO
Roberto Luiz Alves Torres
PROJETO GRÁFICO
José Marcos Leite Barros
EDITORAÇÃO
Anita Maria de Sousa Aldo Barros e Silva Filho Enifrance Vieira da Silva Danilo Catão de Lucena
REVISÃO TEXTUAL
Maria Tereza Lapa Maymone de Barros
Geruza Viana da Silva
CAPA
José Marcos Leite Barros
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
BRASILEIRA
Profa. Dra. Luiza Teixeira
Objetivos Gerais de Aprendizagem
Ao final da leitura deste material didático, vocês deverão:
- Conhecer a estrutura, o funcionamento e o controle no setor público;
- Compreender o sistema federativo e suas repercussões na prática administrativa;
- Compreender o papel da União, dos Estados e dos Municípios na divisão de competências entre esferas de governo;
- Discutir as implicações da reforma do Estado sobre administração pública;
- Estimular a reflexão sobre o significado da presença, da estrutura e das funções do Estado em geral e dos Governos, em particular, no mundo das organizações e para a sociedade
- Aprofundar o conhecimento científico sobre os temas em questão en- quanto um processo de reflexão crítica que articule teoria e prática;
- Desenvolver habilidades de leitura e análise crítica de textos científi- cos e documentos, bem como a elaboração crítica e criativa em torno de textos e argumentações.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA 9
A República Federativa do Brasil 15
CAPÍTULO 2 – ORIGENS, REFORMA BUROCRÁTICA E REFORMA MILITAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA 21
Evolução da Administração Pública Brasileira 21
Origens da Administração Pública Brasileira – do Período
Colonial à República Velha 22
Modernização Varguista e Primeira Reforma da Administração Pública Brasileira 27
Breve Período Democrático entre 1945 e 1964 35
DL n° 200/1967 – a Reforma Militar 37
CAPÍTULO 3 – A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A REFORMA GERENCIAL 47
O Processo de Redemocratização no Brasil 47
CAPÍTULO 4 – A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E A PARTICIPAÇÃO
SOCIAL NO BRASIL 71
Participação Social no Brasil 74
Conselhos de Políticas Públicas e de Direitos 82
Conferências Nacionais 84
Modelos de Gestão Pública e o Futuro da Participação no
Brasil 89
Resumindo 91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 94
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Profa. Dra. Luiza Teixeira
9
Para iniciar os estudos sobre a Administração Pública no Brasil, convido-os
a refletir sobre o contexto em que ela se desenvolveu, ressaltando, es- pecificamente, dois aspectos. O primeiro refere-se ao fato de que, des- de 1986, quando houve a redemocratização, vivemos em um regime democrático, e somos regidos pela Constituição Federal (CF) de 1988, também conhecida como a Constituição Cidadã. Exploraremos mais o tema da Constituição Cidadã, dos avanços e das inovações democráticas brasileiras, no último capítulo do módulo. Outro aspecto que precisa ser destacado e que merece alguma reflexão é o fato de sermos uma República Federativa. O artigo 1° da CF de 88 aborda os dois aspectos, mencionados acima:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrá- tico de Direito (grifo nosso) e tem como fundamentos:
- – a soberania;
- – a cidadania;
- – a dignidade da pessoa humana;
- – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V – o pluralismo político. (CF 88, 1º)
A primeira reflexão que gostaria de fazer é sobre o significado da palavra democracia. Sabemos que vivemos em um país democrático, mas a res- posta sobre o significado de democracia não é tão simples assim. Primei- ro, porque se trata de um conceito que tem origem na Grécia clássica do século V a.C., com Aristóteles, e seu escopo é bastante amplo, complexo e contraditório (TEIXEIRA, 2013). Teixeira (2013) nos lembra que Bobbio (1998) destaca as três grandes tradições do pensamento político que confluem na teoria da Democracia: a teoria clássica, ou teoria aristoté- lica; a teoria medieval, de origem romana; e a teoria moderna, nascida com o Estado Moderno.
O parágrafo único do artigo 1°, da CF de 88, sinaliza que democracia buscamos enquanto país, ao afirmar que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. E assim, nos aproximamos do conceito mais amplo de democracia: governo do povo, pelo povo, para o povo. Desse modo, é possível compreender que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e também, o conceito mais amplo de democracia. Mas, ao pensar na democracia brasileira, temos indícios reais de que se trata de um governo pelo povo e para o povo? O que a observação da nossa re- alidade aponta?
Sabemos que vivemos em um país marcado por profundas desigualda- des, e que uma grande parcela da população não tem as mesmas opor- tunidades de acesso à educação, saúde, segurança pública, entre outros, que uma pequena parcela da população. Também sabemos que, desde 1986, vivemos em um regime democrático. Então, o que explica essa
10 diferença entre o ideal de democracia e a democracia na realidade? Dahl
(2001, p. 37) discorre sobre a democracia ideal e a democracia real:
Quando se discute a democracia, talvez nada proporcione confusão maior do que o simples fato de “democracia” referir-se ao mesmo tempo a um ideal e a uma realidade. Muitas vezes essa distinção não é muito clara. Por exemplo, Alan diz:
- Penso que a democracia é a melhor forma possível de governo. Beth retruca:
- Você deve estar doido, para acreditar que o chamado governo democrático
deste país seja o melhor que podemos ter! a meu ver não chega a ser uma grande democracia…
Naturalmente, Alan fala de uma democracia ideal, e Beth se refere a um governo de verdade (grifo nosso), do tipo chamado democracia. Até conse- guirem esclarecer o significado que cada um dos dois tem em mente, Alan e Beth muito discutirão. De minha vasta experiência, sei como isso pode acon- tecer facilmente – até mesmo (sinto ter de acrescentar) entre acadêmicos profundamente conhecedores das ideias e das práticas democráticas.
Em geral, podemos evitar esse tipo de confusão esclarecendo o significado que tencionamos dar à expressão – Alan continua:
- Ah, mas eu não falava do governo real… Quanto a isso, estaria inclinado a concordar com você…
E Beth replica:
- Muito bem, se você está falando de governos ideais, creio que está cer- tíssimo. Acredito que, no plano ideal, a democracia é a melhor forma de É por isso que eu gostaria que o nosso governo fosse bem mais democrático do que realmente é (DAHL, 2001, p. 37).
Esse trecho de Dahl (2001) é bastante elucidativo ao estabelecer as dife- renças entre o ideal de democracia e a democracia real. Parece contra- ditório o fato de que diversas sociedades, ao longo da história, tenham entrado em disputas violentas para a conquista da democracia, caso do movimento que ficou conhecido como a Primavera Árabe, em 2010, em que regimes ditatoriais de quatro países (Tunísia, Líbia, Iêmen e Egito) ruíram depois de anos no poder. A ocorrência de protestos sociais gene- ralizados em busca da democracia não faz muito sentido, se pensarmos na democracia brasileira, a real. Apesar da Constituição Federal definir o Brasil enquanto uma democracia, sabemos que a democracia real tem di- versas imperfeições. Portanto, gostaria que refletissem sobre o quão de- mocrático o Brasil é. É possível medir o nível de democracia de um país?
Alguns modelos e teorias se propõem a caracterizar e descrever os sis- temas democráticos, assim como alguns índices buscam avaliar o nível de democracia dos países. O Democracy Index, publicado pela The Eco- nomist Intelligence Unit, por exemplo, é um ranking que, desde 2006,
avalia o estado da democracia, em 165 estados independentes e dois ter- 11
ritórios. As cinco categorias de análise do Democracy Index – processo eleitoral e pluralismo; funcionamento do governo; participação política; cultura política; e liberdades civis – são inspiradas no modelo teórico pro- posto por Dahl (2012), que descreve os requisitos necessários para que haja contínua responsividade do governo às preferências dos cidadãos, politicamente iguais.
Dahl (2012, p. 26) considera que, para um governo continuar sendo res- ponsivo, todos os cidadãos devem ter oportunidades plenas de:
- Formular preferências;
- De expressar suas preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação individual e da coletiva;
- De ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do gover- no, ou seja, consideradas sem discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte da preferência.
Essas oportunidades são, então, desdobradas em 8 garantias institucio- nais, analisadas em uma escala teórica, para possibilitar a descrição e o ordenamento de diferentes sistemas políticos:
- Liberdade de formar e aderir a organizações;
- Liberdade de expressão;
- Direito de voto;
- Elegibilidade para cargos públicos;
- Direito de líderes políticos disputarem apoio e, consequentemente, con- quistarem votos;
- Fontes alternativas de informação;
- Eleições livres e idôneas;
- Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência do eleitorado (DAHL, 2012, 27).
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Nesse sentido, Dahl (2012) defende que historicamente os regimes apre- sentam uma grande variação no atendimento às garantias institucionais. Assim, um sistema que atenda a todas essas características poderia ser classificado como uma poliarquia, ou uma democracia perfeita. Outras três classificações elaboradas por Dahl (2012), considerando as duas di- mensões teóricas de análise – 1. Liberalização (contestação pública); 2. Inclusividade (participação) – são: oligarquias competitivas, hegemonias fechadas e hegemonias inclusivas, conforme ilustra a figura 1.
12
O Democracy Index utiliza 4 classificações para os países avaliados: de- mocracia completa, democracia falha, regime híbrido e regime autori- tário. De acordo com a Unidade de Inteligência da The Economist, em 2019, 48.4% da população mundial viviam em regimes democráticos, apesar de que, apenas 5.7%, viviam em uma democracia completa. Mais de um terço da população mundial, em 2019, vivia em um regime auto- ritário, grande parte na China. Outro dado interessante que o Democracy Index registrou, em 2019, foi o declínio da média geral global de demo- cracia, de 5,48, em 2018, para 5,44 (em uma escala de 0 a 10).
O Brasil, que ocupa a posição 52 do ranking, obteve a nota 6,86, em 2019, e é classificado como uma democracia falha. Em 2006, quando o índice começou a ser medido, a nota do Brasil era 7,38. Em seguida, essa nota diminuiu de 7,38, em 2014, para 6,96. O ano de 2015 foi mar- cado pelo acirramento da crise política, iniciada com os protestos de rua de 2013, que também antecedeu ao impeachment da presidente Dilma Roussef. Dos critérios analisados, as notas mais baixas alcançadas pelo Brasil, em 2019, foram, cultura política e funcionamento do governo, com as notas 5,00 e 5,36, respectivamente. As notas mais altas foram
alcançadas nos critérios de processo eleitoral e pluralismo, e liberdades civis, com 9,58 e 8,24, respectivamente. Por fim, o critério da participa- ção política obteve nota 6,11. Convido vocês a navegarem pela página do Democracy Index e verificarem a classificação de outros países em EIU Democracy Index 2017 (economist.com).
Outro ranking de democracia nos países é produzido pela Freedom Hou- se (Freedom House | Expanding freedom and democracy), que trabalha a partir da convicção de que a liberdade floresce em nações democráti- cas, em que os governos são responsivos com a população. A Freedom House foi fundada em 1940 e, em 1973, iniciou a avaliação sobre a li- berdade nos países do mundo. Contudo, sua classificação envolve me- nos categorias que o Democracy Index e classifica os países entre livres, parcialmente livres e não livres.
Além da reflexão sobre o nível de democracia no Brasil, outro aspecto importante, para compreender a evolução da Administração Pública no
país, refere-se ao fato de sermos uma República Federativa. É importan- 13
te compreender o conceito de federação, suas características e origens, como a federação brasileira está organizada e como essa organização interfere na gestão pública.
A Federação consiste em uma forma de organização do Estado nacional, que é caracterizada pela dupla autonomia territorial do poder político. A dupla autonomia territorial significa que há duas esferas autônomas de poder: o central, que é o governo federal; e a descentralizada, que são os governos-membros, no Brasil chamamos de estados, mas também podem ser chamados de províncias, ou outros nomes, a depender do país. A principal característica do sistema federalista é a descentraliza- ção do poder político, pois as duas esferas têm poderes únicos e con- correntes para governar sobre o mesmo território as mesmas pessoas (SOARES, 1998).
O federalismo teve origem em 1.787, com o surgimento do Estado na- cional norte-americano. Constituiu-se em uma engenharia institucional, para unificação das 13 colônias inglesas, que lutavam pela independên- cia da Inglaterra. O pacto federativo foi um conjunto de preceitos cons- titucionais, acordados entre forças divergentes com o objetivo de esta- belecer unidade nacional e garantir autonomia política. Soares (1998) classifica as forças divergentes em interesses centrífugos, ou seja, de manutenção da autonomia das colônias inglesas e interesses centrípe- tos, advindos da necessidade de união para obter êxito no processo de independência.
O federalismo surge, então, como uma solução para esse confronto de forças. Por um lado, buscava-se o fortalecimento militar contra ameaças externas, a ampliação da comercialização entre as colônias e, também, a pacificação entre elas. Por outro lado, havia a necessidade de manu- tenção da autonomia das colônias inglesas, que não tinham interesse em perder poder político. Por isso, essa solução deveria implementar um
sistema de dupla soberania política, com a distribuição do poder político entre duas esferas de poder – Governo Central (União) e unidades cons- tituintes (estados), em um sistema de fiscalização com pesos e contrape- sos (checks and balances) entre as duas esferas (SOARES, 1998).
Logo, as características do federalismo são:
- Divisão territorial em subunidades;
- Sistema bicameral;
- Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário presentes nos dois níveis federais;
- Existência de Corte Suprema de Justiça (ordem federal);
- Definição de competências (administrativas e fiscais), com cada nível de
14 governo apresentando ao menos uma área de ação que é autônomo;
- Autonomia em cada ente federativo.
O federalismo é diferente de outros sistemas, como o sistema unitário, em que há a centralização do poder político, em oposição ao sistema federativo; e o sistema confederado, em que o locus do poder está nas unidades territoriais que compõem a unidade política. O sistema confe- derado é muito utilizado na formação de blocos nacionais, a exemplo da União Europeia, com a finalidade de unir estados nacionais em torno de objetivos específicos. Contudo, há uma fragilidade do governo central e, por isso, é de fácil dissolução. A federação é uma forma minoritária de organização territorial. No mundo, apenas, cerca de 19 países, são Estados federais, mas nem todos são classificados consensualmente1. As principais motivações para a adoção do sistema federalista são, pri- meiramente, a coexistência de forças centralizadoras e forças descen- tralizadoras no mesmo território; outra motivação é a combinação de grande dimensão territorial com democracia, a exemplo de países como Canadá, Estados Unidos, Brasil e Austrália; e, por fim, a existência de heterogeneidades territoriais.
É imprescindível destacar que a democracia é uma condição indispensá- vel para a vigência do federalismo. Até porque, esse aspecto está direta- mente ligado à nossa primeira reflexão sobre a democracia e a possibili- dade de os países terem diferentes formas de atender aos critérios a fim
1 Vejam a lista de Estados federais no Wikipedia: Lista de Estados federais – Wikipédia, a enciclopé- dia livre (wikipedia.org).
de serem considerados democráticos. Para o federalismo, a democracia é fundamental, pois a sua vigência é que vai garantir a existência da dupla autonomia territorial, característica essencial ao federalismo. Ou seja, regimes autoritários são incompatíveis com o sistema federalista, pois a vigência da soberania popular com eleições livres, periódicas e competi- tivas é uma condição democrática.
A existência da democracia visa garantir o atendimento à pluralidade de interesses da sociedade, através da participação política e o funciona- mento do federalismo, que, por sua vez, requer um aparato constitucio- nal e institucional. Primeiramente, vale destacar que a descentralização política territorial prevê autonomia para constituir e preservar o gover- no próprio e independente. Ou seja, tanto a união quanto as unidades federadas podem ter seus governantes eleitos pela população, pois há descentralização das instâncias responsáveis pela tomada de decisões políticas. Também é importante citar o federalismo fiscal, pois não se tra- ta apenas de descentralização administrativa, é preciso haver autonomia
subnacional para cobrança de impostos e autonomia orçamentária. 15
O sistema de pesos e contrapesos (checks and balances) é garantido pelas instituições políticas que dão autonomia às unidades subnacionais e garantem a autonomia do poder central (SOARES, 1998). As seguintes instituições garantem o funcionamento do federalismo:
- Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (independentes nos dois níveis da federação);
- No nível nacional, primeira câmara (para garantir os interesses da maioria) e segunda câmara (para garantir os interesses dos estados federados);
- Suprema Corte de Justiça (para defesa da Constituição);
- Partidos políticos (para assegurar a pluralidade de ideias).
Tendo refletido sobre os diferentes sentidos de democracia e como pode se manifestar de formas diferentes entre os países, além de ter com- preendido o conceito de federalismo, suas características e instituições democráticas, vamos conhecer um pouco da federação brasileira antes de tratarmos a evolução histórica da Administração Pública Brasileira.
A República Federativa do Brasil
Desde a proclamação da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, no evento que ficou conhecido como o Grito do Ipiranga, que tornou D. Pedro o Imperador do Brasil, tivemos um total de sete Consti- tuições (SOUZA, 2005). É interessante que a quantidade total de Consti- tuições brasileiras varia, de acordo com a fonte de informação. Há uma falta de consenso muito grande sobre as Constituições durante o regime militar, que se iniciou em 1964, uma vez que, nesse período, utilizou-se bastante do recurso dos Atos Institucionais para governar o país.
Após a independência, em novembro de 1824, D. Pedro I outorgou a primeira constituição brasileira, com governo monárquico, hereditário e constitucional representativo. A primeira constituição republicana, sob regime presidencialista, veio em 1891, com grande inspiração na Cons- tituição estadunidense, o país passou a ser chamado Estados Unidos do Brasil. Apesar de termos adotado o federalismo nessa constituição, tal qual o país que nos inspirou, ainda não vivíamos em um regime ampla- mente democrático. O presidente era eleito pelo voto direto, mas mu- lheres, menores de 21 anos e analfabetos não votavam, excluindo assim grande parcela da população na época. Nesse período, os Estados deti- nham grande autonomia administrativa e financeira, com a possibilidade de decretar impostos sobre a exportação e organizar livremente a força policial. Essa Constituição foi fortemente marcada por princípios liberais ao garantir o direito de propriedade em sua plenitude. Outra novidade dessa Constituição foi a desvinculação do Estado da Igreja Católica.
16 Em 1930, a chegada de Getúlio Vargas ao poder teve como principal de- safio compatibilizar interesses do empresariado industrial e da oligarquia latifundiária. Até então, o período da história do Brasil, que ficou conhe- cido como República Velha, era marcado pelo favorecimento da oligar- quia latifundiária, que ocupava o poder, alternando os presidentes entre São Paulo e Minas Gerais, a política do café com leite. Após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas permaneceu no poder, de forma interina, por quatro anos, até 1934, quando houve a escolha de uma assembleia cons- tituinte, que promulgou a nova Constituição e elegeu Getúlio presidente.
Contudo, a Constituição de 1934, que possibilitou o monopólio de cer- tas indústrias, a nacionalização progressiva dos bancos de depósito, a proibição de juros excessivos, a instituição do salário mínimo, jornada de 8 horas, repouso semanal, férias, indenização trabalhista, pluralidade sindical, teve vida curta. Em 1937, Getúlio Vargas fecha o Congresso e institui a ditadura do Estado Novo. A Constituição promulgada tem ins- piração fascista, e acaba por destruir a base da federação, a autonomia dos poderes e o sindical, além de fechar todos os partidos e estabelecer a censura.
A constituição seguinte foi promulgada por Vargas, em 1937, após o golpe militar por ele liderado. Vargas fechou o Congresso Nacional e as assem- bleias estaduais e substituiu os governadores eleitos por interventores. Existe um consenso de que uma das principais razões do golpe seria neutralizar a importância dos interesses regionais a fim de construir a unidade política e administrativa necessária para promover a chamada modernização social e econômica do país. Um dos atos mais simbólicos de Vargas contra os inte- resses regionais foi queimar todas as bandeiras estaduais em praça pública (SOUZA, 2005, p. 108).
Após 15 anos no poder, Getúlio promove uma abertura política, permite a formação de partidos, concede anistia aos presos políticos e convoca eleições. Em 1946, a nova constituição estabelece o fim da censura, in-
dependência dos poderes, autonomia dos estados, garantia de direitos individuais, de manifestação pública, direito de greve, novos direitos tra- balhistas e o princípio da liberdade de criação e organização partidária. Contudo, esse período democrático da nossa história foi breve, pois, em 1964, os militares instituíram um regime militar ditatorial. Esse período foi marcado por Atos Institucionais, que decretaram o fim dos partidos, a cassação de direitos políticos, eleição indireta para presidente e para governadores.
Em 1967, o Ato Institucional nº 4 convocou o Congresso para aprovar a Constituição elaborada pelo governo, considerada a Constituição do Golpe de 64. Em 1969, o Ato Institucional nº 5, para alguns, a Constitui- ção do Terror, é implementado como uma resposta ao aumento da mo- bilização popular e à rebeldia do Congresso. Com esse Ato Institucional, a Constituição foi suspensa e o Congresso fechado. Foi, então, promul- gada a Emenda Constitucional n° 1, por uma junta governativa, com uma nova lei de Segurança Nacional e Lei de Imprensa.
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O golpe de 1964 colocou o Brasil na rota dos regimes autoritários que passa- ram a governar a América Latina nos anos 1960. Paradoxalmente, os militares não promulgaram imediatamente uma nova Constituição, embora tenham feito várias emendas à Constituição de 1946. A nova Constituição do regime só foi promulgada em 1967 e em 1969 uma longa emenda constitucional foi editada (SOUZA, 2005, p. 108).
Em 1979, o então presidente militar, Ernesto Geisel, com objetivo de pro- mover o processo de abertura política lento, gradual e seguro, promove uma reforma na Constituição e revoga o AI-5, o que é considerada a Constituição da Abertura. Por fim, em 1988, uma assembleia constituin- te, democraticamente eleita, e com a participação de diversos setores da sociedade, promulgou a Constituição em vigência nos dias de hoje. Analisar o histórico de constituições que o Brasil já teve nos faz perceber que elas refletem a busca de um caminho para o desenvolvimento nacio- nal, contudo a democracia nem sempre esteve associada à busca de um projeto nacional.
Portanto, gostaria que atentassem para o fato de que tivemos regimes democráticos em apenas dois momentos da nossa história. O primeiro momento foi mais breve, um período de 18 anos, entre o fim do Estado Novo, em 1946, e o início do Regime Militar, em 1964. O segundo mo- mento estamos vivendo desde a redemocratização do país, em 1988, ou seja, 32 anos. Somados os dois períodos, temos apenas, 40 anos de democracia na história do país, que existe desde 1500. Essa nossa pouca tradição democrática afeta sobremaneira o funcionamento da federação brasileira, uma vez que a democracia é uma característica imprescindível ao federalismo. Ou seja, nos momentos de autoritarismo extremo e cen- tralismo, os estados não gozavam de autonomia política.
E nos dias de hoje, como uma federação brasileira está organizada?
Resultado de uma ampla mobilização popular, a Constituição de 88 des- centralizou o poder governamental em vários centros de poder, mesmo que assimétricos, para participar do processo decisório. Nesse sentido, a federação brasileira, desde 88, é um sistema de três níveis, conhecido como triplo federalismo, pois incorporou os municípios, além dos esta- dos como partes da federação (SOUZA, 2005). Os três níveis de governo contam com poderes legislativos e os níveis federal e estaduais têm seus próprios poderes judiciários. Como em toda federação, a organização dos poderes pressupõe autonomia e independência entre eles.
No Brasil, o poder executivo é formado pela Presidência da República; Mi- nistérios e Forças Armadas; Secretarias de Estado; e outros órgãos, como: Bancos, Fundações, Institutos, Superintendências, Polícias Federal e Rodo- viária, departamentos, universidades, órgãos de pesquisa, empresas pú- blicas, como Petrobras, Correios, Casa da Moeda, entre outros. O poder legislativo é formado pelo Congresso Nacional, que é bicameral, com a Câmara de Deputados Federal e o Senado Federal; o Tribunal de Contas
18 da União (TCU); as Assembleias Legislativas Estaduais; os Tribunais de
Contas dos Estados; os Tribunais de Contas dos Municípios; as Câmaras de Vereadores Municipais e os Tribunais de Contas de Municípios.
Por fim, temos o poder judiciário composto pelo Supremo Tribunal Fe- deral (STF); Superior Tribunal de Justiça (STJ); Tribunais Regionais Fede- rais; Tribunais Superiores e Regionais do Trabalho, Eleitoral, Militar; e os Tribunais Estaduais. E como funções essenciais à justiça, temos ainda o Ministério Público (MP), para a defesa da coletividade, a Advocacia-Geral da União (AGU) para defender o estado, e as Defensorias Públicas, para defesa dos cidadãos que não têm renda para a contratação de advogados.
Desde 1988, a administração pública é regida pelos princípios da legali- dade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e transparên- cia. O princípio da legalidade requer que toda ação pública seja baseada em normas e leis; o princípio da impessoalidade refere-se ao tratamento impessoal que deve ser prestado ao cidadãos; o princípio da moralidade requer que toda ação pública esteja pautada em valores morais; o prin- cípio da publicidade prevê que toda ação pública seja divulgada para a população; e, por fim, o princípio da transparência, último a ser incorpo- rado, que prevê a divulgação de despesas públicas para a população em sites específicos para informação.
A administração pública pode ser direta, indireta e fundacional e o acesso ocorre por meio de concursos públicos ou por nomeação, em cargos de confiança. Os funcionários públicos contam com Regime Jurídico Único e plano de carreira específico, além de estabilidade no emprego.
Neste Capítulo introdutório, fizemos um apanhado geral sobre questões fundamentais para a compreensão da Administração Pública Brasileira. Começamos discutindo os sentidos de democracia e estabelecemos as
distinções entre democracia ideal e real. Em seguida, refletimos nos di- ferentes formatos de regimes democráticos existentes entre os países e como eles podem ser mais ou menos democráticos. Nesse sentido, foi possível verificar que o Brasil não possui uma democracia completa, segundo o Democracy Index, e que sua nota vem caindo, desde 2014, quando houve o acirramento da crise política.
O passo seguinte foi compreender melhor o conceito e as características do federalismo, bem como seu surgimento e as motivações para o seu funcionamento. Foi possível concluir que a democracia é uma condição indispensável ao funcionamento do federalismo, uma vez que é só com a vigência da democracia que as unidades federadas podem gozar de autonomia política. Por fim, começamos a olhar para o Brasil, sob a pers- pectiva histórica das constituições, até chegar na organização federativa atual. Agora estamos prontos para percorrer a trajetória histórica da Ad- ministração Pública Brasileira, suas reformas e as inovações democráti- cas advindas da Constituição de 88. Vamos lá?
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Poderes / esferas de poder | União 1 | Estados (26 + 1) | Municípios (5.570) |
LEGISLATIVO | |||
EXECUTIVO | |||
JUDICIÁRIO |
20
CAPÍTULO II
ORIGENS, REFORMA BUROCRÁTICA
E REFORMA MILITAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
BRASILEIRA
Profa. Dra. Luiza Teixeira
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Evolução da Administração Pública Brasileira
Neste Capítulo, vamos nos dedicar ao estudo da evolução da Administra- ção Pública Brasileira. Feitas as considerações iniciais sobre os sentidos e os diferentes formatos que a democracia pode assumir, sobre o fede- ralismo e seu funcionamento no Brasil, especialmente, desde a Consti- tuição Federal de 1988, voltamos nossa atenção à história brasileira e o funcionamento da gestão pública nos diferentes períodos históricos, que passaram por momentos de autoritarismo e democracia, conforme foi discutido no Capítulo anterior. Primeiramente, é preciso destacar três eventos importantes, que marcaram a evolução da Administração Públi- ca Brasileira:
- A criação do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), em 1936, no governo de Getúlio Vargas;
- O Decreto Lei 200, de 1967, durante o regime militar, que institucio- nalizou a descentralização administrativa;
- A Constituição de 88, com a instituição de mudanças fundamentais para a gestão pública.
É importante observar que a evolução da Administração Pública Brasileira é marcada por reveses, mudanças de rotas e períodos de completa inér- cia, conforme veremos ao longo desta e das próximas unidades. Outro aspecto a ser observado é que convivemos com três grandes modelos de administração: patrimonialista, burocrático-weberiano e gerencial. Não se preocupem, pois nos dedicaremos a estudar cada um desses modelos a seguir, a começar pelo modelo patrimonialista. O patrimonialismo exis- te desde o princípio da gestão pública no Brasil e persiste até os dias de
hoje. Por fim, vale destacar o papel central desempenhado pela União, no processo de mudanças e reformas ocorrido, conforme destacado por Torres (2004):
Analisando as três grandes inflexões da administração pública brasileira, observamos claramente o papel fundamental desempenhado pela União, que sempre teve atuação muito forte e preponderante dentro da Federação (TORRES, 2004, p. 142).
Origens da Administração Pública Brasileira – do Período Colonial à República Velha
Segundo vimos no Capítulo 1, o Brasil não chega a ser uma democracia completa, de acordo com o índice de democracia da revista The Econo- mist. A cultura política e o funcionamento do governo são os critérios de que o Brasil tem as notas mais baixas. As razões para obtermos uma nota
22 tão baixa nesses quesitos existem há bastante tempo. Por isso, é impor- tante compreender que cultura política é essa, como foi a Constituição
da Administração Pública brasileira e que fatores culturais interferem no desempenho da administração pública e, consequentemente, na quali- dade da democracia. Nesse sentido, faz-se necessário compreender o conceito de patrimonialismo e suas relações com a gestão pública brasi- leira desde sua origem.
Embora muitos autores considerem que a Administração Pública brasilei- ra tem início com a transferência da Família Real para o Brasil, em 1808, Costa (2008) e Abrucio (2010) ressaltam que é importante considerar os 300 anos de administração colonial antes da vinda da família real. Os primeiros governantes tinham uma forte relação com a metrópole portuguesa. No período colonial, tudo deveria ser feito de acordo com as regras de Portugal, existindo quatro níveis de poder: as instituições metropolitanas, a administração central, a administração regional e a ad- ministração local.
Contudo, trata-se de um momento histórico que antecede a noção mo- derna de Estado, com a distinção entre público e privado, a clássica di- visão de poderes e de níveis de governo. Costa (2008) destaca que a administração colonial era ampla, complexa e ramificada, com noções antigas de Estado, sem seguir princípios de divisão de trabalho, simetria e hierarquia.
A administração colonial, apesar da abrangência das suas atribuições e da profusão de cargos e instâncias, do ponto de vista funcional, pouco se dife- rencia internamente. Tratava-se de um cipoal de ordenamentos gerais, encar- gos, atribuições, circunscrições, disposições particulares e missões extraor- dinárias que não obedeciam a princípios uniformes de divisão de trabalho, simetria e hierarquia. O caos legislativo fazia surgir num lugar funções que não existiam em outros; competências a serem dadas a um servidor quando já pertenciam a terceiros; subordinações diretas que subvertiam a hierarquia e minavam a autoridade (COSTA, 2008, p. 832).
Para além do caos legislativo descrito por Costa (2008), é importante destacar que o Brasil colonial convivia com duas formas de comando na gestão pública (ABRUCIO, 2010). A primeira forma de comando tinha um viés centralizado, representando o controle por parte da metrópole, ou seja, da coroa portuguesa, que trazia certa uniformização do processo colonizador. Contudo, pela distância da metrópole e pelas limitações de comunicação à época, regras e regulamentações, muitas vezes, acabavam ficando no vácuo e à mercê das decisões dos poderes locais. A segun- da forma de comando administrativo tinha origem em fontes de poder descentralizadas, resultados da estrutura local de governança, ou seja, pessoas ou grupos que participavam da política local (ABRUCIO, 2010).
Vale destacar que as câmaras municipais existem no Brasil desde o perí- odo colonial, com eleições para a escolha de seus representantes. Como a estrutura administrativa da coroa era insuficiente para cobrir uma vasta extensão territorial, e a autoridade da coroa era algo distante do país, as câmaras conseguiam exercer um grande poder. A nobreza local não só
tinha diversas atribuições mas também prerrogativas especiais, a exem- 23
plo da proteção recebida por senhores de engenho contra os pequenos produtores de aguardente, que tiveram suas máquinas de produção des- truídas (TEIXEIRA, 2016).
Assim, enquanto havia um modelo administrativo com excesso de pro- cedimentos e regulamentos, havia também uma estrutura local de go- vernança caracterizada pelo poderio patrimonialista, presente tanto nas câmaras municipais quanto nas capitanias hereditárias, gerando um du- plo padrão na administração pública. Esse duplo padrão que ocorreu primeiramente no Brasil colônia, volta a se repetir em outros momentos históricos até os dias de hoje, conforme veremos ao longo do módulo. Portanto, segundo Costa (2008), as principais características da adminis- tração colonial no Brasil eram:
- A centralização;
- A ausência de diferenciação entre os poderes;
- O mimetismo no que se refere aos procedimentos de Portugal;
- A profusão de normas minuciosas;
- O formalismo;
- A
Segundo Costa (2008), as disfunções da administração colonial brasileira teriam origem na transplantação das instituições existentes tanto na me- trópole para a colônia quanto no vazio da autoridade portuguesa, no vasto território brasileiro. Assim, Costa (2008, p. 834) conclui que a administra- ção colonial era “um organismo autoritário, complexo, frágil e ineficaz”. Outro aspecto marcante da administração colonial era a coexistência do centralismo das regras de Portugal, com o patrimonialismo local, em que os coronéis, grandes proprietários, ditavam as regras locais.
A chegada da Família Real ao Brasil deu condições para a emergência do espaço público e da formação de uma burguesia nacional. Ao fugir de
Lisboa, a Família Real Portuguesa trouxe consigo toda a máquina estatal e transferiu a capital de Lisboa para o Brasil. Todos os arquivos e tudo que era importante para a administração pública portuguesa vieram de na- vio. A instalação da corte, no Rio de Janeiro, propiciou a criação de uma série de instituições que existiam na metrópole, tais como a Academia de Marinha, a Academia de Artilharia e Fortificações, o Arquivo Militar, a Tipografia Régia, a Fábrica de Pólvora, o Jardim Botânico, a Biblioteca Nacional, a Academia de Belas Artes, o Banco do Brasil, entre outras (COSTA, 2008). Cargos e honrarias também foram criados para premiar os que tinham se submetido ao sacrifício de acompanhar sua alteza real pelas ainda selvagens terras do Brasil.
Segundo Costa (2008), essas criações e inovações institucionais, jurídi- cas e administrativas da coroa portuguesa no Brasil tiveram grande im- pacto em diversas dimensões da sociedade – econômica, social, política e cultural – no plano nacional e na esfera regional. Assim, o cotidiano tranquilo da antiga colônia passa a conviver com diversas novidades,
24 que iam desde edificações, estradas, indústrias, impostos, leis até festas
e costumes.
O fato é que a transferência da corte e mais tarde a elevação do Brasil à parte integrante do Reino Unido de Portugal constituíram as bases do Estado nacional, com todo o aparato necessário à afirmação da soberania e ao fun- cionamento do autogoverno. A elevação à condição de corte de um império transcontinental fez da nova administração brasileira, agora devidamente aparelhada, a expressão do poder de um Estado nacional que jamais poderia voltar a constituir-se em mera subsidiária de uma metrópole de além-mar (COSTA, 2008, p. 836).
Abrucio (2010) chama atenção para o fato de que, a partir de meados do século XVIII, as reformas pombalinas, implementadas pelo Marquês de Pombal, em Portugal, geraram maior intervenção por parte da coroa nos assuntos da colônia, especialmente da mineração. Pombal foi o respon- sável pela formação de lideranças político-administrativas para atuarem como altos burocratas nas colônias. Esse processo acabou formando uma elite de brasileiros com objetivos similares. Essa elite ocupou altos postos governamentais, no período de transição da colônia para o im- pério, e acabou desempenhando um papel fundamental no processo de independência e no projeto de nação (ABRUCIO, 2010). Continuando com Abrucio (2010), ele considera que essa alta burocracia acabou ten- do um papel modernizador, ao planejar a independência e pensar em um projeto de nação, mas ao mesmo tempo ambíguo, pois não foi capaz de romper com a escravidão. O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão e o fez depois de muita pressão externa, especialmente por parte da Inglaterra, maior parceiro comercial da época.
Em 7 de setembro de 1822, pouco mais de um ano depois do retorno do rei D. João VI a Portugal, D. Pedro I declarou a Independência do Brasil e, em 1824, outorgou a primeira Constituição brasileira, a Constituição do Império, conforme visto na Unidade anterior. Durante esse período, a
burocracia estatal tinha duas funções: a primeira consistia em participar da definição das principais diretrizes do país, por meio do exercício de funções burocráticas e pela participação no Conselho de Estado, que prestava assessoria ao imperador. A outra função da burocracia estatal no Império era a distribuição de empregos públicos para a garantia de apoio político e social. Ou seja, o fenômeno da patronagem já estava institucionalizado no Brasil imperial, com a prática de cabos eleitorais receberem empregos públicos para a conquista de votos da popula- ção. E como a economia escravocrata era pouco dinâmica, basicamente agrária, grande parte dos empregos existentes estavam no setor público (ABRUCIO, 2010).
Vale destacar que essa alta burocracia era selecionada com base em cer- to tipo de mérito e saber generalista, mas ainda não havia recrutamento com princípios universalistas, como os concursos públicos e, também, não era profissionalizada em termos de carreira. Contudo, o mais im- portante a se observar, nesse período histórico, é a existência de dois
mundos burocráticos: um mais vinculado ao mérito, formado por uma 25
elite burocrática com funcionários bem formados; e o outro mundo bu- rocrático vinculado à patronagem, com funcionários públicos que rece- biam cargos em troca de apoio político. Abrucio (2010) ressalta que os traços patrimonialistas presentes no Brasil também eram comuns em outros países do mundo, à época, uma vez que as primeiras reformas burocrático-weberianas começaram na segunda metade do século XIX.
Em 15 de novembro de 1889, a República foi deflagrada no Brasil, por meio de um golpe do Exército, que organizou uma marcha de 600 sol- dados, liderados pelo marechal Deodoro da Fonseca, contra o quartel-
-general do Exército, onde estava reunido o ministério (COSTA, 2008). As estruturas socioeconômicas do Brasil imperial não foram alteradas pro- fundamente com a proclamação da República. A economia do país con- tinuou voltada para a exportação agrícola, baseada na monocultura e no latifúndio. Contudo, o principal produto agrícola de exportação, que foi o açúcar, durante o período colonial e imperial, com a produção concentra- da na região Nordeste, passou a ser o café, com a produção concentrada no Sudeste, principalmente no estado de São Paulo. Essa mudança alter- nou a concentração de poder político das antigas elites cariocas e nordes- tinas com os grandes cafeicultores paulistas (COSTA, 2008).
Na Primeira República, também conhecida como República Velha, hou- ve um enfraquecimento do Estado brasileiro, uma vez que prevaleceu o sistema estadualista e oligárquico (ABRUCIO, 2010). A Constituição de 1891, inspirada na Constituição americana de 1787, como vimos na Unidade anterior, instituiu o federalismo e inaugurou o regime presiden- cialista. Com a Constituição republicana, a separação de poderes ficou mais clara, deputados e senadores passaram a ser eleitos, a autonomia do Judiciário foi ampliada, houve a criação do Tribunal de Contas para fiscalizar a realização de despesas públicas, e os governadores dos esta- dos passaram a ser eleitos (COSTA, 2008). Os estados ganharam grande autonomia e capacidade de arrecadação própria, o que reforçou a utili-
zação do modelo de patronagem no plano subnacional, pela via política do coronelismo. Com a instituição das eleições para governadores, era imprescindível a conquista de eleitores de forma a legitimar o processo político, mesmo que houvesse fraude (ABRUCIO, 2010).
A alternância do centro de poder do Nordeste para o Sudeste concreti- zou um novo pacto político que privilegiou os interesses das elites eco- nômicas do centro-sul. O governo federal assumiu o papel de garantir a defesa e a estabilidade, além da proteção dos interesses da agricultura exportadora, por meio do câmbio e da política de estoques. Havia pou- ca interferência por parte do governo federal nos assuntos internos dos Estados, marcando assim, um período de grande descentralização, com grande autonomia político-administrativa dos Estados na federação, e consequente enfraquecimento da união. As grande oligarquias estaduais controlavam as eleições e garantiam o apoio ao governo federal, e essa política dos governadores garantia a alternância na presidência da repú- blica de representantes dos estados de São Paulo e Minas Gerais, o que
26 ficou conhecido como a política do café com leite.
Abrucio (2010) destaca que, mesmo tendo os estados ganhado bastan- te autonomia político-administrativa na primeira República, não houve ações para a modernização da estrutura administrativa estadual, com raras exceções, a exemplo do sistema de ensino do Rio Grande do Sul e São Paulo. Contudo, houve duas exceções no esforço de modernização da máquina pública na administração pública federal, a criação de duas grandes estruturas burocráticas do Estado: as forças armadas, com estru- tura institucional para interferir na ordem política, e o Itamaraty, a diplo- macia internacional, criado como uma estrutura permanente do Estado, existente até os dias de hoje (ABRUCIO, 2010).
Por fim, é possível concluir que a Primeira República foi paradoxal no que se refere à modernização da administração pública brasileira. Por um lado, enfraqueceu o Estado nacional e reforçou o modelo patrimonial; por outro, foi capaz de criar duas burocracias profissionais e modernas, que se aproximaram da reforma administrativa burocrática da era Vargas (ABRUCIO, 2010). Outra observação a respeito desse período refere-se à manutenção do duplo padrão na administração pública, em que uma parte da máquina pública é destinada à manutenção de interesses parti- culares, com a distribuição de empregos por apoio político.
Da descoberta do Brasil, em 22 de abril de 1500, até a Revolução de 1930, o Estado brasileiro pode facilmente ser descrito como a grande instituição garantidora dos privilégios sociais e econômicos de uma elite rural, aristo- crática e parasita. Essa elite gravitava em torno do Estado e lhe arrancava os mais diversos privilégios: sinecuras, prebendas, políticas públicas escanda- losamente vantajosas, poder político e social, empréstimos mais que favorá- veis, garantia de impunidade na operação de uma infinidade de mecanismos de corrupção, clientelismo, patronagem e uma lista sem fim de privilégios (TORRES, 2004, p. 143).
A Administração Pública Brasileira, do período colonial até o final da República Velha, tinha como principal característica o patrimonialismo. Apesar de ter constituído uma elite burocrática que trabalhava no nível da União, os estados institucionalizavam a distribuição de empregos pú- blicos em troca de apoio e manutenção do poder. O patrimonialismo antecede os princípios da administração burocrática, pensada por Weber como impessoalidade, segmento de regras universais, entre outros, que mais tarde será objeto da primeira reforma da administração pública bra- sileira. Portanto, conforme destacado por Torres (2004), o patrimonia- lismo remonta a formas de dominação política tradicional que, de fato, no passado, faziam parte dos modos de administração, em geral, mas, a partir do final do século XIX, foram sendo abandonadas por outros países do mundo (ABRUCIO, 2010). Patrimonialismo pode ser entendido como:
(…) formas de dominação política tradicional em que não há uma separação visível entre as esferas pública e privada, em que esses dois domínios se mis- turam na concepção do governante, que entende e controla o Estado como
se fosse a extensão do seu próprio domínio privado (TORRES, 2004, p. 144). 27
Contudo, no Brasil, o patrimonialismo parece não ter sido um modelo superado na Administração Pública Brasileira. Temos exemplos recor- rentes no nosso cotidiano de traços patrimonialistas na política brasilei- ra, basta ler as notícias. A obra de Dias Gomes, O bem amado (1973), retrata de forma bem humorada as relações da política brasileira com o setor público. Vale a pena assistir uma das produções existentes para a televisão e o cinema. No próximo tópico, continuaremos vendo a evolu- ção da administração pública, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder e como ocorreu a primeira reforma do estado brasileiro.
Modernização Varguista e Primeira Reforma da Administração Pública Brasileira
As transformações pelas quais o Brasil começou a passar, depois de transcorridos 40 anos de República Velha, advindas da diversificação da economia com o primeiro ciclo de industrialização, urbanização e organização política das camadas urbanas, incitou conflitos de interesse dentro dos setores dominantes, nas classes sociais e nas regiões que co- meçaram a questionar o pacto oligárquico em vigência (COSTA, 2008). O pacto favorecia especialmente os estados de São Paulo e Minas Ge- rais, mas deixava de fora grande parte da federação, a começar pelos estados do Nordeste, produtores de açúcar, que haviam passado todo o período anterior sendo beneficiados. Torres (2004) destaca que o pro- cesso de urbanização e industrialização experimentado pelo Brasil, a partir da década de 1930, gerou pressões na sociedade, principalmente na recente burguesia nacional, pela modernização do país, que ainda era majoritariamente voltado à produção agrícola e, também, por um novo rearranjo político do Estado, que favorecesse os interesses de ou- tros grupos produtivos.
Alguns fatos históricos do contexto brasileiro à época são importantes para compreender a Revolução de 30. Primeiramente, o Exército passou a ser um ator político muito importante e influente no cenário nacional. Desde a guerra do Paraguai, ocorrida entre 1864 e 1870, que a notorie- dade e, consequentemente, o poder político do exército vinham aumen- tando. Basta lembrar que o exército liderou o processo de Proclamação da República, em 1889, cujo primeiro presidente brasileiro, Deodoro da Fonseca, era um marechal. Contudo, o exército, ao mesmo tempo em que ganhou importância, também se tornou um espaço de revoltas, a exemplo do tenentismo e da Coluna Prestes, perseguindo ideais moder- nizadores e salvacionistas (COSTA, 2008).
Com a Grande Depressão, em 1929, o Brasil, que era uma economia pe- riférica exportadora de café, majoritariamente, experimentou uma drás- tica redução nas exportações, ficando sem recursos para manter a im- portação de produtos industrializados. Mesmo assim, o governo federal manteve a política de compra do excedente do café, formando estoques,
28 que, por fim, acabavam queimados para a compra de novas safras. Essa
política de favorecimento dos produtores de café já era a política do go- verno, em plena crise econômica, aumentando o descontentamento da sociedade com o governo. O objetivo do governo era não paralisar o se- tor mais dinâmico da economia, na tentativa de reduzir o desemprego no campo e a recessão generalizada no país (COSTA, 2008). Por outro lado, o aumento na quantidade de café, que acabava sendo queimado por falta de comercialização, não era visto com bons olhos por uma sociedade que enfrentava uma crise econômica.
É importante citar que o lucro da cafeicultura financiou o primeiro ciclo de industrialização brasileira concentrado em São Paulo. A proteção que o governo federal oferecia aos interesses dos produtores de café, com políticas de câmbio favoráveis e a já mencionada formação de estoques reguladores, fazia parte do pacto oligárquico. Com a dificuldade de im- portação de produtos industrializados, a produção industrial nacional acabou desenvolvendo diversas iniciativas para a substituição dos bens importados. Essas iniciativas iam de encontro a uma corrente de pensa- mento acerca do desenvolvimento econômico, que se tornou influente nesse período, preconizando uma política de crescimento baseada na in- dustrialização via substituição de importações. Nesse sentido, buscava-
-se a redução da dependência do país em relação às exportações de pro- dutos primários, uma vez que estes passavam por uma desvalorização cada vez maior nos mercados internacionais (COSTA, 2008).
Costa (2008) também ressalta a influência do sucesso da política do New Deal, nos Estados Unidos, ancorada na intervenção do Estado na econo- mia para recuperar a dinâmica de crescimento. Acreditava-se, então, que política similar deveria ser adotada em países periféricos a fim de pro- mover o crescimento das economias. Nesse sentido, havia a crença de que o processo de desenvolvimento passava pela intervenção do Estado nacional na economia e na vida social. Para além do cenário econômico, no cenário político, as elites oligárquicas que haviam sido excluídas do
compromisso do antigo regime, uniram-se à emergente burguesia in- dustrial e às camadas médias urbanas. Esse movimento revolucionário também contou com a participação dos tenentes do tenentismo, sendo liderada por Getúlio Vargas, no que se configurou em mais uma interven- ção do Exército na história brasileira – a Revolução de 1930.
A chamada “Revolução de 1930” representou muito mais que a tomada do poder por novos grupos oligárquicos, com o enfraquecimento das elites agrárias. Significou, na verdade, a passagem do Brasil agrário para o Brasil industrial (COSTA, 2008, p. 841).
Vargas passou 15 anos na presidência durante o primeiro período no po- der, dos quais, quatro anos de governo provisório, como interino, antes de ser eleito; três anos de governo constitucional, após a sua eleição, período em que foi promulgada a Constituição de 1934 e; por fim, oito anos da ditadura que ficou conhecida como Estado Novo. No poder, Var- gas procurou promover a incorporação de novos atores sociais, a exem-
plo dos tenentes que ocuparam posições no governo, mas manteve a 29
política de valorização do café e contemporizou com as oligarquias que haviam aderido ao movimento revolucionário (COSTA, 2008).
Embora tenha contribuído para a ampliação e consolidação da burguesia industrial, essa foi a imagem bifronte da política de Vargas — uma face voltada para as oligarquias rurais e outra para as massas urbanas (COSTA, 2008, p. 841).
O novo governo tinha como objetivos combater a crise econômica e acelerar o desenvolvimento e, fomentando o mercado interno e a substi- tuindo as importações. Para Abrucio (2010), o modelo de Administração Pública criado por Vargas inaugurou uma nova era no Brasil por três mo- tivos. O primeiro está relacionado à consecução do objetivo de expansão do papel do Estado e sua intervenção nos domínios econômico e social, visando desenvolver um projeto de modernização nacional-desenvolvi- mentista. A ideia desenvolver um novo tipo de estado que atuasse na industrialização, na urbanização e no desenvolvimento econômico do país. Mas, para o alcance desse objetivo, seria necessário constituir uma administração pública, capacitada para conduzir as diretrizes de moder- nização econômica e de desenvolvimento definidas (ABRUCIO, 2010).
O segundo motivo de Vargas ter inaugurado uma nova era na adminis- tração pública, segundo Abrucio (2010), foi a criação de uma estrutura institucional, profissional e universalista de meritocracia. Vale lembrar que, até 1930, apenas as Forças Armadas e a diplomacia funcionavam como burocracias profissionais com características meritocráticas e uni- versalistas. As mudanças implementadas nesse período ampliaram, para quase todo o Estado, o funcionamento com base em princípios weberia- nos. Por fim, Abrucio (2010) destaca como singularidade da era Vargas a criação da primeira estrutura burocrática weberiana, para produzir políti- cas públicas em larga escala, o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP).
Ao falar em burocracia weberiana profissional, referimo-nos ao modelo racional-legal, descrito por Weber. Para o autor, a dominação racional-
-legal surge e se torna prevalecente na sociedade moderna, por meio do surgimento e da consolidação de organizações burocráticas capitalistas, que funcionam com base no poder racional-legal. É chamado de poder racional-legal, porque tem como base um conjunto de regulamentos ra- cionais e leis universais, ou seja, leis que são aplicadas indistintamente a toda população (TORRES, 2004). O modelo racional-legal tem como princípios:
- Mérito;
- Centralização;
- Separação entre público e privado;
- Hierarquia;
- Impessoalidade;
- Normas universalmente válidas;
- Atuação especializada e tecnicamente
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Vargas, ao chegar ao poder em seu discurso de posse, anunciou que iria promover uma série de reformas, como a criação do Ministério de Instrução e Saúde Pública e do Ministério do Trabalho; a reorganização do Ministério da Agricultura e do aparelho judiciário, entre outras. O dis- curso inaugural mostrava uma clara intenção em modificar a estrutura de funcionamento do país, para responder aos anseios modernizantes que a Revolução de 30 carregava. Sobre a administração pública, anunciou que iria instituir a consolidação de normas administrativas, com o objetivo de simplificar a legislação em vigor, considerada confusa e complicada, e, também, redefinir os quadros do funcionalismo, que seriam reduzidos ao indispensável, com a exclusão dos funcionários excedentes (WAHRLI- CH, 1975 apud COSTA 2008).
Assim, em 1930, foi criada a Comissão Permanente de Padronização e, no ano seguinte, em 1931, a Comissão Permanente de Compras, com o objetivo de centralizar o processo de aquisição de materiais. A Constitui- ção de 1934, que antecedeu o regime ditatorial do Estado Novo imple- mentado por Vargas, em 1937, introduziu o princípio do mérito e alterou o processo de seleção de pessoal. Em 1935, foi criada a Comissão Mista de Reforma Econômico-Financeira, que nomeou a subcomissão, que fi- cou conhecida como comissão Nabuco, para estudar formas de realizar um reajustamento dos quadros do serviço público (WAHRLICH, 1975 apud COSTA, 2008), ou seja, uma reorganização da administração públi- ca e padronização dos vencimentos.
Como resultado do trabalho da referida subcomissão, em 1936 foi pro- mulgada a Lei nº 284, de 28 de outubro, Lei do Reajustamento que insti- tuiu nova classificação de cargos públicos, estabeleceu normas básicas e criou o Conselho Federal do Serviço Público Civil. Os principais reforma- dores e empreendedores da reforma daspiana foram Maurício Nabuco, dos quadros do Itamaraty, e Luiz Simões Lopes, braço direito do presi- dente (ABRUCIO, 2010). Em 1937, a Carta Constitucional implementou
a obrigatoriedade da realização de concurso público pelo departamento administrativo vinculado à Presidência.
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Essas medidas foram implementadas com o objetivo de racionalizar o aparato estatal e adotar o princípio da meritocracia, essenciais para ini- ciar a fundação de um corpo burocrático profissional no Brasil (ABRU- CIO, 2010). A cronologia dos principais regulamentos que constituíram a primeira reforma da Administração Pública Brasileira, a que ficou co- nhecida como a reforma burocrática do Estado brasileiro, está descrita no Quadro 1 abaixo:
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Quadro 1 – Cronologia dos principais regulamentos da reforma burocrática do Estado brasileiro. Fonte: elaboração própria.
Em 1936, houve a criação do DASP, mas sua organização ocorreu em 1938, já sob a ditadura do Estado Novo. O DASP tinha a missão de de- finir e executar a política para servidores públicos, como a admissão mediante concurso público; desenvolver capacitação técnica para o fun- cionalismo público; promover a racionalização de métodos no serviço público e elaborar o orçamento da União. Ou seja, o DASP passou a ser o órgão central do sistema de controle da administração pública, sendo uma peça chave na criação de uma burocracia profissional institucionali- zada (ABRUCIO, 2010). Além da realização de concursos públicos, entre suas atribuições estava a supervisão dos processos de gestão de pessoal.
A criação e o desenvolvimento do DASP foram amparados na crença de que o processo de industrialização e desenvolvimento do capitalismo na- cional, a serem implementados com forte intervenção do Estado, deman- davam uma burocracia pública mais profissional e moderna. Era claro o papel atribuído ao Estado enquanto principal incentivador e controlador do desenvolvimento econômico, assim como regulador das relações so- ciais. A fim de desempenhar tais funções, que, além de importantes eram novas para o Estado brasileiro, havia a necessidade de um aparato estatal mais ágil, profissional e burocrático. Para tanto, seria imprescindível mi- nimizar a forte herança patrimonial (TORRES, 2004).
O fato de tratar-se de um regime autoritário, em que naturalmente há a utilização de mecanismos de coerção, possibilitou o uso da força para introduzir, “a ferro e fogo” (TORRES, 2004, p. 149), os princípios fun- damentais do modelo weberiano na gestão pública brasileira. Além de tocar a reforma da burocracia pública no governo de Getúlio Vargas, o DASP também era um instrumento político fundamental na garantia da sustentação do poder ditatorial. Assim, o DASP, no período entre 1930 e 1945, marcado por grande centralização política e administrativa, ti- nha um papel central na organização e manutenção do regime ditatorial (TORRES, 2004). Segundo Torres (2004), ao longo do governo Vargas, o DASP foi paulatinamente crescendo em tamanho e importância, mas por fim, tornou-se uma estrutura hipertrofiada.
Foram criados departamentos administrativos estaduais, os “Daspi- nhos”, para controlar a vida política e administrativa dos estados. Além do controle da administração pública, Vargas realizava a nomeação dos
32 dirigentes dos estados. Os Daspinhos tinham a função de adaptar as
normas vindas do governo central nos estados sob intervenção, de for- ma a exercer nestes o controle administrativo. Os Daspinhos também tinham três funções políticas: supervisionar as atividades do interven- tor, ser o corpo legislativo, e integrar novas elites regionais no modelo do governo Vargas.
Outra novidade que merece atenção no governo Vargas foi a criação de agências estatais descentralizadas, vinculadas ao poder executivo fede- ral, que, depois, ficaram conhecidas como administração indireta. Vol- taremos a falar sobre a administração indireta na Administração Pública Brasileira ainda nesta unidade. A princípio, foram criadas sob o formato de autarquias, em seguida, outros formatos surgiram, tais como empre- sas públicas, sociedades de economia mista e fundações. Até 1939, ha- via 35 agências estatais e, entre 1940 e 1945, 21 agências foram criadas. Getúlio Vargas foi o responsável pela fundação das primeiras empresas estatais que esse país já teve. Atualmente, muitas empresas estatais já foram privatizadas, ou em processo de privatização. Essas agências, ao serem criadas, eram utilizadas como instrumento fundamental nos pro- pósitos autoritários e centralizadores do Estado Novo (TORRES, 2004).
A reforma administrativa do Estado Novo foi, portanto, o primeiro esforço sistemático de superação do patrimonialismo. Foi uma ação deliberada e am- biciosa no sentido da burocratização do Estado brasileiro, que buscava intro- duzir no aparelho administrativo do país a centralização, a impessoalidade, a hierarquia, o sistema de mérito, a separação entre o público e o privado. Visava constituir uma administração pública mais racional e eficiente, que pudesse assumir seu papel na condução do processo de desenvolvimento, cujo modelo de crescimento, baseado na industrialização via substituição de importações, supunha um forte intervencionismo estatal e controle sobre as relações entre os grupos sociais ascendentes — a nova burguesia industrial e o operariado urbano (MARCELINO, 1987 apud COSTA, 2008, p. 846).
Para Abrucio (2010), o DASP teve sucesso em seus objetivos de moder- nizar a gestão pública conforme os princípios burocráticos weberianos prevalecentes no plano internacional, à época. Costa (2008) também afirma que o DASP concretizou seus objetivos ao se tornar uma grande agência de modernização administrativa, com funções essenciais ao fun- cionamento da máquina pública, tais como:
- Implementação de mudanças;
- Elaboração de orçamentos;
- Recrutamento, seleção e treinamento de servidores;
- Racionalização e normatização de aquisições e contratos;
- Gestão de
Contudo, houve o que Abrucio (2010) considerou dupla face nesse pro- cesso, pois o papel modernizador não alterou o status quo existente, uma vez que uma parcela do Estado continuou voltada à patronagem.
Segundo Torres (2004), embora houvesse o diagnóstico correto de que a
industrialização e a modernização induzidas pelo Estado precisavam de 33
uma administração pública mais qualificada, havia uma parcela da admi- nistração pública, no governo Vargas, utilizada como instrumento políti- co de sustentação do regime ditatorial. O objetivo era garantir a manu- tenção do apoio da elite ao regime. Assim, a implantação de um modelo weberiano no Brasil é marcada por um viés patrimonialista muito forte.
Pinho (1998) considera que houve a criação de um híbrido administrati- vo com a convivência de uma estrutura meio weberiana e sólida estrutu- ra patrimonialista. Martins (1997 apud PINHO, 1998) acredita que a re- forma teria sido parcialmente distorcida e depois abandonada, por causa da cultura política patrimonialista, profundamente enraizada. Nogueira (1996 apud PINHO, 1998) estabelece uma comparação da administra- ção pública brasileira com a coexistência de duas cabeças, uma racional-
-legal e a outra patrimonialista, em clima de competição e hostilidade, sem que uma consiga se sobrepor a outra. Logo, segundo Nogueira,
(. ) o impulso reformador do DASP, porém não chegou a se completar: dele
não nasceu a administração pública moderna, ágil, eficiente e eficaz que se imaginava indispensável ao País (NOGUEIRA,1996, p. 10 apud PINHO, 1998).
Para Abrucio (2010), a manutenção do patrimonialismo na administra- ção pública brasileira, mesmo com a reforma burocrática, está relaciona- da ao fato de não ter havido uma transformação política e gerencial nos estados, tal qual ocorreu com o reformismo de Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos, quando houve a nacionalização do princípio do mérito que se impôs contra as oligarquias locais O governo varguista estava mais preocupado em manter o controle das elites locais, o que acabou geran- do uma ampliação da diferença entre a qualidade da burocracia federal e a precariedade administrativa da burocracia nos estados e municípios.
Esse aspecto do modelo modernizador de Vargas merece especial aten- ção, visto que é uma consequência oriunda da manutenção de formas
clientelistas. O pacto feito por Vargas com as antigas oligarquias, para implementar seu projeto de modernização, deixou que parte da máquina pública permanecesse voltada para a patronagem. Contudo, a convivên- cia da patronagem com a estrutura institucional do DASP, que era meri- tocrática e universalista, gerou conflitos. A solução foi o insulamento bu- rocrático, ou seja, a blindagem das agências daspianas do clientelismo, formando assim, ilhas de excelência, que estavam protegidas do jogo político existente nos setores políticos mais atrasados (ABRUCIO, 2010).
O insulamento do DASP e das novas agências que haviam sido criadas, para promover o desenvolvimento econômico, permitiu que Vargas con- duzisse o processo de modernização da administração pública sem alte- rar toda estrutura política e social do país. Apesar de ter sido bem suce- dido em muitos objetivos, o insulamento do DASP impediu a expansão da lógica meritocrática e universalista para toda a administração pública. Esse aspecto acabou consagrando uma espécie de administração parale-
34 la no país, visto que uma parte da administração pública funcionava de forma meritocrática e profissional, longe das influências do clientelismo
e da troca de cargos por favores políticos, enquanto a outra parte fun- cionava de forma patrimonialista, com a participação de diferentes gru- pos de apoio a Vargas. Assim, a modernização da administração pública ocorreu por um tipo de administração paralela (ABRUCIO, 2010). Ou seja, a administração pública moderna funcionava de forma paralela a uma administração pública fortemente patrimonialista.
Por fim, vale destacar que as mudanças efetuadas ao longo da era Vargas foram feitas em um regime extremamente autoritário e com acentuada centralização no plano federal. A implantação de reformas em períodos ditatoriais tendem a ser mais fáceis em razão da natureza autoritária do regime. A reforma burocrática realizada por Vargas conseguiu moderni- zar parte da administração pública brasileira, mas não envolveu nego- ciação com a classe política e setores sociais. Abrucio (2010) ressalta aspectos do legado ao Estado desenvolvimentista deixado pelo DASP:
Pela primeira vez na história, a administração pública federal passou por um processo sistemático de organização dos seus principais componentes: orçamento, compras, gestão de pessoal, além de procedimentos gerais. Ade- mais o DASP foi bem-sucedido em seu intento desenvolvimentista, sendo o propulsor de grande parte da administração indireta que iniciou o processo de intervenção estatal na área econômica (ABRUCIO, 2010, p. 44).
Para o autor, o DASP foi responsável pela instalação de uma cultura de mérito em algumas partes da burocracia pública, que passou a ser um ethos presente basicamente na administração indireta, que se expan- diu e continuou burocraticamente insulado (ABRUCIO, 2010). A seguir, abordaremos a administração pública brasileira durante o breve período democrático, entre 1945, com o fim do governo Vargas, e 1964, com o início do regime militar.
Breve Período Democrático entre 1945 e 1964
A queda do governo Vargas contou com a participação dos militares, que entregaram a presidência da República ao presidente do Supremo Tribu- nal Federal, que conduziu o governo de transição, convocando eleições e a Assembleia Nacional Constituinte. A Constituição de 1946, conforme vimos na Unidade anterior, restabeleceu não só o estado de direito de- mocrático, as garantias individuais, a divisão de poderes da República, a autonomia dos estados, mas também ampliou os direitos sociais dos trabalhadores. Nesse período, houve o fortalecimento do federalismo cooperativo, com a instituição de novos mecanismos de coordenação e transferência de rendas entre regiões (COSTA, 2008).
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Getúlio Vargas voltou à presidência da República, cinco anos após dei- xar o governo, eleito pelo voto direto, em 3 de outubro de 1950. Com poderes limitados pela Constituição de 1946, apresentou um programa nacionalista e reformista, prometendo a ampliação dos direitos dos tra- balhadores, o investimento na indústria de base, nos transportes e na energia. Seus planos demandavam o aumento da intervenção estatal na economia. Treze empresas estatais foram criadas nesse período, tais como a Petrobras e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). Outra política do segundo governo de Vargas, que acabou não dando certo, foi a tentativa de controlar a remessa de lucros das empre- sas estrangeiras (COSTA, 2008).
Setores conservadores ligados a interesses contrariados por Vargas se rebelaram contra ele e passaram a fazer uma oposição acirrada. O au- mento das pressões contra o presidente culminou com o seu suicídio no dia 24 de agosto de 1954, madrugada em que saiu da vida para entrar na história, conforme as últimas palavras de sua carta-testamento. O se- gundo governo Vargas, na tentativa de retomar os esforços reformistas, em 1952, instituiu um grupo de trabalho com o objetivo de elaborar um projeto de reforma administrativa, resultando em um projeto de lei que previa a reorganização administrativa e alteração do código de contabi- lidade das despesas públicas. Contudo, a lei não chegou a ser aprovada pelo Congresso (COSTA, 2008).
Em 1956, Juscelino Kubitschek é eleito, após um período de transição de mais de um ano com golpes e contragolpes. Seu principal projeto, o Plano de Metas, tinha 36 objetivos, priorizando quatro setores-chave da economia: energia, transporte, indústria pesada e alimentação. O lema do seu governo era a realização de “50 anos em cinco” e o principal pro- jeto era a construção da nova capital do país, Brasília, um período marca- do por euforia e afirmação nacionalista (COSTA, 2008). Contudo, o caso do governo Kubitscheck é emblemático, para compreender o caminho que a administração pública estava tomando nesse período. A estratégia adotada pelo governo para o alcance das metas traçadas foi criar institui- ções paralelas e insuladas a fim de desenvolver e coordenar as atividades do Plano de Metas (ABRUCIO, 2010).
Para acelerar o desenvolvimento econômico, JK criou mecanismos para- lelos de governo, e a estrutura burocrática tradicional permaneceu im- pregnada de baixos padrões de eficiência. Acreditava-se que a estrutura tradicional não conseguiria apoiar as ambiciosas metas de crescimento do governo. Mas, em vez de reformar o sistema existente, optou-se pela construção de um novo sistema, deixando o antigo paralisado. O perío- do do governo foi marcado pela implantação de uma série de empresas estatais (PINHO, 1998). Foram tantas instituições paralelas criadas que houve um certo congestionamento da Presidência da República (LAFER, 2002 apud ABRUCIO, 2010). A grande quantidade de instituições cria- das, ligadas diretamente ao Poder Executivo, para cuidar de questões setoriais específicas, contribuiu para diluir as competências do governo (ABRUCIO, 2010).
Apesar de o sistema de administração paralela, com insulamento de al- gumas agências governamentais, ter nascido com a reforma varguista, no período JK se configurou um pouco diferente. Enquanto Vargas, por
36 meio do DASP, trabalhou para fundar uma burocracia pública profissional
e aumentar o controle da máquina estatal, JK aproveitou-se da estru- tura criada, para desenvolver mecanismos de coordenação e execução dos projetos previstos no Plano de Metas. Ao final, o modelo de ad- ministração paralela de JK obteve êxito na implementação de projetos desenvolvimentistas, a custo de ter gerado fragmentação das estruturas governamentais, uma vez que, em sua maioria, as instituições criadas conflitavam com os ministérios. Essas novas instituições não foram ca- pazes de consolidar uma cultura de meritocracia e acabaram gerando descontrole no processo de seleção e estabilidade das equipes (ABRU- CIO, 2010).
Assim, seguindo uma tradição inaugurada por Vargas, e depois exaustiva- mente reproduzida pelo regime militar, JK administrou o Estado desacredi- tando a burocracia disponível e não investindo em sua profissionalização (TORRES, 2004, p. 151).
É possível afirmar que todas as tentativas de reformas administrativas nesse período democrático fracassaram. Alguns estudos e projetos fo- ram realizados entre 1952 e 1962, mas nenhum foi implementado. Das poucas ações para a modernização da administração pública, nesse pe- ríodo, é possível destacar a criação da Comissão de Simplificação Bu- rocrática (COSB) e da Comissão de Estudos e Projetos Administrativos (CEPA) em 1956. A primeira com objetivo de promover estudos visando à descentralização dos serviços, e a segunda com a função de assessorar a presidência da República nos assuntos relacionados à reforma adminis- trativa (COSTA, 2008).
O final desse período democrático contou com a Comissão Amaral Pei- xoto, instituída por João Goulart, para realizar um diagnóstico da admi- nistração pública. Seu objetivo era realizar a reforma administrativa, com descentralização e delegação de competências, mas a comissão acabou abortada pelos militares, em 1964. Esse curto período democrático é
marcado não só por avanços isolados durante os governos mas tam- bém pela manutenção de práticas clientelistas que se descuidavam da burocracia existente, mantida sem investimentos na sua profissionaliza- ção (COSTA, 2008). Pinho (1998) observa que a construção do Estado paralelo não foi privilégio de regimes autoritários, no Brasil. Mesmo em governos democráticos, quando desafios da administração pública sur- giram, a saída utilizada acabava sendo a criação de novas estruturas, adiando assim a reformulação e profissionalização da burocracia pública existente (TORRES, 2004).
DL n° 200/1967 e Reforma Militar
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O golpe militar de 1964, que constituiu mais uma intervenção militar na história do Brasil, foi motivado pela agitação política da época. As reformas de base anunciadas pelo presidente João Goulart geraram agi- tação nos movimentos populares de esquerda, mobilização por parte da direita católica, e a conspiração nos quartéis do Exército culminaram no golpe militar. O regime foi endurecendo paulatinamente. Primeiro houve a deposição do presidente e de alguns governadores; depois, houve a cassação de mandatos eletivos e a suspensão de direitos políticos; por fim, a extinção dos partidos políticos e a suspensão das eleições diretas (COSTA, 2008).
Os militares partilhavam de uma ideologia antipolítica e tecnoburocrá- tica, permeada por um discurso anticomunista e patriotismo difuso. O regime era visto como um instrumento modernizador do país. Para os militares, o Brasil não estava pronto para a democracia, pois acreditavam que a democracia exige elevados níveis de incorporação social e eco- nômica, que apenas o desenvolvimento do capitalismo pode propiciar. O desenvolvimento da economia brasileira ganhou um papel central na ideologia de intervenção dos militares (TORRES, 2004). Dizia-se à época que era preciso aumentar o bolo primeiro, para depois dividir, em alusão a uma pretensa necessidade de concentração de renda e poder, em um estágio inicial, para posterior redistribuição. Assim, vale lembrar que à época, no país, já havia muita concentração, tanto de renda, quanto de poder, segundo relata Abrucio (2010, p. 47):
Com o golpe de 1964, os militares assumiram o poder e exerceram-no de forma autoritária, embora tenham procurado, em maior ou menor medida, ao longo do período, apoio em parcelas da elite política e social para legitimar sua autoridade. O principal instrumento de legitimação simbólica, além de um patriotismo difuso e do discurso anticomunista, advinda de uma ideologia antipolítica e tecnoburocrática, a partir da qual o regime se definia como um instrumento “modernizador” do país. É por essa razão que a Administração pública ganhou especial destaque no período (ABRUCIO, 2010, p. 47).
Os militares acreditavam que o aperfeiçoamento da administração pú- blica deveria passar pelo fortalecimento e pela criação de algumas car- reiras de Estado; pelo reforço dos mecanismos de planejamento; pela expansão, institucionalização e nacionalização de políticas públicas, com
especial atenção para o saneamento e a habitação. Esse destaque para a administração pública, mencionado por Abrucio (2010), está estreita- mente relacionado com as três tarefas prioritárias que o Regime militar tinha para o país, quais sejam:
- Desenvolvimento do capitalismo;
- Desenvolvimento das relações de mercado;
- Aumento da participação do Brasil no mercado
Enfim, para a consecução dessas tarefas, era preciso reformar o país e ter uma burocracia pública qualificada e capacitada. Costa (2008) acre- dita que o governo militar realizou as reformas de base, a seu modo, a exemplo da elaboração do Estatuto da Terra, a reforma tributária, a reor- ganização do sistema bancário, a reestruturação do ensino universitário e a reforma administrativa. A reforma tributária de 1967, por exemplo, uniformizou a legislação, simplificou o sistema e reduziu o número de impostos. Algumas regras dessa reforma são aplicadas, até hoje, na con-
38 tabilidade. Outro aspecto da citada reforma foi a grande concentração
de recursos na União, deixando estados e municípios dependentes de transferências voluntárias (COSTA, 2008). Apesar de os militares inseri- rem na reforma administrativa o princípio da descentralização, como em qualquer regime autoritário, nesse período, houve no país a anulação da autonomia dos estados da federação e o consequente enfraquecimento da federação. Assim, vimos na unidade anterior que a democracia é uma condição indispensável ao funcionamento do federalismo.
Em 1964, o projeto de lei elaborado pela Comissão Amaral Peixoto, do governo João Goulart, foi retirado do Congresso Nacional para reexame por parte do Poder Executivo. O novo governo instituiu então a COMES- TRA (Comissão Especial de Estudos da Reforma Administrativa), com o objetivo de planejar a reforma administrativa. O resultado do trabalho dessa comissão foi a edição do Decreto-Lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967, que Costa (2008, p. 851) considera “o mais sistemático e ambicio- so empreendimento para a reforma da administração federal”. O Decre- to-Lei 200 funcionava como uma lei orgânica da administração pública, fixava princípios, estabelecia conceitos, balizava estruturas e determina- va providências. Havia uma doutrina consistente por trás do Decreto-Lei n° 200, que definia normas claras para a organização e o funcionamento da máquina administrativa. As características gerais do referido decreto, segundo Costa (2008) eram:
- Prescrevia a administração pública que deveria ser orientada por princípios de planejamento, coordenação, descentralização, delega- ção de competência e controle;
- Estabelecia a diferenciação entre a administração direta (ministérios e demais órgãos diretamente ligados ao presidente da República) e a administração indireta (órgãos descentralizados: autarquias, funda- ções, empresas públicas e sociedades de economia mista);
- Fixava a estrutura do Poder Executivo federal e órgãos de assistência imediata à presidência e distribuía os ministérios entre os setores político, econômico, social, militar e de planejamento;
- Desenhava os sistemas de atividades auxiliares (pessoal, orçamento, estatística, administração financeira, contabilidade e auditoria e ser- viços gerais);
- Definia as bases do controle externo e interno;
- Indicava diretrizes gerais para o novo plano de classificação de car- gos e fixava normas de aquisição e contratação de bens e serviços.
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As transformações e inovações do Decreto-Lei 200 são melhores com- preendidas ao analisar os cinco princípios para a estruturação da adminis- tração pública estabelecidos no decreto, conforme descrito no Quadro 2:
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Quadro 2 – Princípios da Administração Pública Brasileira a partir do DL 200. Fonte: elaboração própria, com base em Torres (2004).
Abrucio (2010) destaca não só alguns avanços na administração pública, no período do regime militar, mas também aponta alguns problemas relacionados à prática de tais princípios. Entre os avanços registrados nesse período, podemos citar o fortalecimento e a criação de carreiras de Estado com base em princípios meritocráticos, a exemplo da área econômica, em que foram criados cargos para a Receita Federal e Ban- co Central, instituição criada pelos militares. Outras instituições foram criadas com base em princípios de mérito e profissionalização, como é o caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (ABRUCIO, 2010).
Outros dois avanços na melhoria da gestão pública mencionados por Abrucio (2010) são, primeiramente, o reforço nos mecanismos de plane- jamento e na busca do aperfeiçoamento das informações sobre o país. Nesse período, foi criado o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para apoiar o planejamento de políticas públicas. O outro avan- ço refere-se à expansão, institucionalização e nacionalização de diversas
40 políticas públicas. As áreas de saneamento, habitação, educação e previ-
dência foram ampliadas de tal forma que é possível afirmar que o welfare state brasileiro foi iniciado no regime militar.
Contudo, a grande marca do regime militar, de acordo com Abrucio (2010), foi a continuação da expansão do Estado brasileiro, especialmen- te, pelo aumento do tamanho da administração indireta. O movimento de criação de agências estatais, vinculadas ao poder executivo federal, iniciado e visto como grande novidade do governo Vargas, foi continua- do no regime militar, que aumentou sobremaneira o tamanho e o poder de intervenção do Estado. Pinho (1998 apud ARAÚJO, 1975) destaca que, entre 1964 e 1975, foram criadas 175 agências estatais. Enquanto isso, durante o primeiro e o segundo governo Vargas, juntos, de 1930 a 1945, e de 1950 a 1954, respectivamente, foram criadas 21 agências es- tatais. Para Abrucio (2010, p. 49) a concepção de administração paralela, presente no DL 200, origina-se no “DNA do varguismo”, embora tenha sido bastante ampliada pelos militares, segundo mostram os números.
Quanto aos princípios estabelecidos no DL 200, é possível tecer algu- mas considerações no que se refere à sua execução. Primeiramente, o princípio da descentralização que, na verdade, configurava uma descon- centração, pois não havia descentralização do poder, já que se tratava de um regime autoritário, trouxe maior capacidade decisória e flexibilidade gerencial para a administração indireta. As inúmeras agências estatais, criadas nesse período, contratavam por regime de CLT, com isso, conse- guiam oferecer melhores salários e ter maior flexibilidade para contratar e demitir. O objetivo da descentralização administrativa e flexibilização gerencial era dar mais agilidade para que o Estado tivesse capacidade de expandir suas ações, principalmente no campo econômico. O governo militar conseguiu ampliar as atividades econômicas, quando comparado ao modelo varguista. Dois setores que exemplificam essa ampliação são as telecomunicações e o desenvolvimento urbano, que contou com a atuação do Banco Nacional de Habitação (BNH). Enquanto isso, a admi-
nistração direta permanecia ineficiente, sem incentivos para a profissio- nalização dos funcionários, constituindo-se em um ambiente permeado por patronagem e cartorialismo (ABRUCIO, 2010).
Sobre os princípios da coordenação e controle, houve, de fato, a am- pliação dos mecanismos formais de planejamento e organização, com a criação, fortalecimento, ou mesmo, remodelamento, de órgãos de pla- nejamento, orçamento, auditoria, compras, entre outros. Mas isso não diminuiu a fragmentação das ações estatais, oriundas do modelo descen- tralizado. Na administração indireta, prevalecia o princípio da descentra- lização, estados e municípios deveriam reproduzir a estrutura institucio- nal vigente no nível federal, criando um modelo de estrutura federativa unionista-autoritária, extremamente centralizadora (ABRUCIO, 2010).
A reforma do regime militar tinha quatro problemas básicos, aponta- dos por Abrucio (2010). O primeiro refere-se ao caráter autoritário do regime e à ideologia tecnocrática, ou seja, a pretensa superioridade da
técnica sobre a política. Com base nessa crença, a burocracia federal 41
permaneceu insulada do controle público, o que não impediu que inte- resses privados se aproximassem do Estado. O fato de a burocracia ter permanecido blindada do controle público nesse período, possibilitou o favorecimento de alguns setores econômicos, tráfico de interesse e cor- rupção. Essas características da administração pública brasileira acabam se repetindo ao longo dos períodos históricos, afastando o país de uma verdadeira modernização do setor público (ABRUCIO, 2010).
O segundo problema da reforma militar, apontado por Abrucio, foi a fragmentação que o DL 200 trouxe para a administração pública, uma vez que os mecanismos de coordenação não foram criados. A ausência de mecanismos de aferição de desempenho das unidades descentraliza- das resultou em descontroles fiscal e gerencial em muitas estatais, que, por vezes, ficavam sem direcionamento de suas ações. Esse descontrole acabou contribuindo para o fim do regime militar.
Outra limitação da reforma militar, apontada por Abrucio (2010), Torres (2004), Pinho (1998) e Costa (2010) foi o fortalecimento da adminis- tração indireta, sem dar o devido valor à administração direta. O plano de cargos e carreiras (PCC) foi mal articulado e não trazia incentivos profissionais adequados, por fim, acabou desorganizando o serviço pú- blico. A multiplicação dos órgãos descentralizados acarretou a separação da administração pública em dois segmentos desiguais: a administração pública direta e a indireta (TORRES, 2004). Servidores da administração direta conviviam com funcionários da indireta que tinham mais flexibili- dade e melhores salários, sem o controle público que havia na adminis- tração direta.
Quando falamos de administração indireta, referimo-nos a quatro tipos de instituições, com diferenças legais no modo de operação e constitui- ção jurídica. O Quadro 3 apresenta os quatro tipos de instituições da administração pública indireta:
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Quadro 3 – Instituições da administração pública indireta. Fonte: elaboração própria, com base em Torres (2004).
Torres (2004) ressalta que o regime foi marcado por uma intensa trans- ferência da atribuição no fornecimento de bens e serviços públicos para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. Grandes volumes de investimentos foram feitos na qualificação, remuneração e estruturação da administração indireta, ao passo que a administração direta, responsável pela implementação de políticas so- ciais fundamentais, permanecia sucateada, desmotivada, mal remunera- da e desaparelhada (TORRES, 2004). As diferenças entre os dois tipos de administração podem ser visualizadas no Quadro 4:
ADMINISTRAÇÃO INDIRETA | ADMINISTRAÇÃO DIRETA |
• Investimento em qualificação e estruturação;
• Bem sucedida em tornar o parque in- dustrial brasileiro mais competitivo; • Utilização de técnicas modernas de gestão; • Hipertrofia e crescimento desordenado; • Blindagem – falta de contato com a sociedade. |
• Sucateada, desmotivada, mal re- munerada e desaparelhada;
• Ausência de formação de quadros qualificados; • Usada para manutenção da legi- timidade do regime (cargos por apoio político); • Marcada por cultura patrimonialista. |
Quadro 4 – Características da administração pública indireta e direta. Fonte: elaboração própria, com base em Torres (2004).
Pinho (1998) comenta que a montagem de “verdadeiras estruturas para- lelas” (NOGUEIRA, 1996 apud PINHO 1998, p. 66), a fim de compensar as defasagens da administração direta, trouxe consequências negativas para a organização interna do Estado brasileiro. Segundo o autor, havia um relacionamento difícil entre as duas esferas da administração pública,
além de haver uma disparidade crescente entre a administração direta e a indireta. Assim, passaram a coexistir dois tipos de servidores sociolo- gicamente diferentes (PINHO, 1998) e o estabelecimento de um duplo padrão entre a administração direta e indireta.
Aparentemente, o regime militar tentou se desvincular da administração direta para empreender seu projeto desenvolvimentista. Assim, a admi- nistração direta, que era identificada com ineficiência e vícios do proces- so histórico brasileiro, é renegada e a administração indireta é associada a uma estrutura ágil, desamarrada e desimpedida. A ideia de polarização e oposição estabelecida entre as duas esferas da administração, em que um lado não teria conseguido vencer o patrimonialismo, mas o outro seria eficiente e livre dos vícios da sociedade brasileira, mostrou-se in- fundada na prática. Esta mostrou que a administração indireta não estava imune às características históricas da sociedade brasileira. Novas formas de articulação e relacionamento entre a burocracia pública e os inte- resses privados extrapolavam os limites das práticas convencionais de
lobby. Ou seja, o patrimonialismo também se difundiu na administração 43
indireta, possivelmente com voracidade maior que na administração di- reta, já que não havia sistemas de controle, em um setor que movimen- tava um grande volume de recursos. Para um maior aprofundamento, vale a pena consultar os escritos de Fernando Henrique Cardoso sobre anéis burocráticos (1975). Com relação à reforma militar, Costa (2010,
- 853) conclui que:
Apesar dos avanços, a reforma de 1967 não logrou eliminar o fosso cres- cente entre as burocracias públicas instaladas na administração direta e na indireta, nem garantir a profissionalização do serviço público em toda a sua extensão: “Não se institucionalizou uma administração do tipo weberiano; a administração indireta passou a ser utilizada como fonte de recrutamento, prescindindo-se, em geral, do concurso público” (LIMA JÚNIOR, 1998, p.14 apud COSTA, 2008, p. 853).
Há um consenso em afirmar que a reforma administrativa promovida com base no Decreto-Lei 200, durante o regime militar, ficou pela me- tade e falhou. A segunda grande reforma administrativa do século XX foi mais uma repetição da reforma implementada por Getúlio Vargas, em 1936. Nas duas reformas, o Estado tinha um papel central na indução do desenvolvimento econômico. A natureza autoritária dos dois regimes facilitou a implantação das reformas, uma vez que não houve negocia- ção com o Congresso e a sociedade civil. Outra característica comum às duas reformas foi a expansão do Estado pela via da administração indire- ta. Contudo, esse processo no regime militar foi mais exacerbado, a pon- to de aprofundar a já existente divisão administrativa em dois segmentos distintos e desiguais, a administração direta e a indireta.
As administrações futuras, como veremos na próxima unidade, tiveram suas preocupações voltadas para contornar a deterioração da adminis- tração pública direta, que havia sido aumentada sobremaneira com o crescimento de importância e prestígio adquiridos pela administração indireta no período militar. A crise política que marcou o final do regime
militar, em meados dos anos 1970, já havia identificado o problema da falta de controle na administração pública, ao criar dois programas de reforma voltados para a desburocratização e desestatização entre 1979 e 1982. Os dois programas foram concebidos com objetivos complemen- tares: o aumento da eficiência e da eficácia na administração pública e o fortalecimento do sistema de livre empresa. Os programas foram des- continuados com a redemocratização.
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Neste capítulo, estudamos uma grande parte da história da administra- ção pública brasileira. Iniciamos com a administração colonial, em que havia o convívio do formalismo das regras portuguesas com as delibe- rações locais. Vimos que a chegada da família real portuguesa ao Brasil e a transferência da capital da metrópole para a colônia favoreceram a criação de um espaço público no país. Foi um momento de mudanças em diversos aspectos da até então pacata vida na colônia. No período seguinte, no Império, ganha importância a burocracia pública formada por iniciativa do Marquês de Pombal, que tem papel fundamental para a independência do país.
A primeira República é marcada por grande autonomia nos estados, e também por pouca democracia, uma vez que havia o domínio de oligar- quias locais. O pacto oligárquico vigente, durante esse período, favore- cia os cafeicultores de São Paulo, que se alternavam na presidência da república com os produtores de leite de Minas Gerais. A administração pública permanecia ancorada no patrimonialismo e utilizada para a con- quista e manutenção do poder político nos estados. Contudo, o pacto oligárquico vigente, durante esse período, favorecia os cafeicultores de São Paulo e Minas Gerais, que se alternavam na presidência da república. Com a combinação de diversos setores descontentes, a Revolução de 30 foi vitoriosa e Getúlio Vargas foi alçado à presidência da república.
A principal bandeira da Revolução de 30 era a modernização do país, que, até então, era basicamente agrário e sofria com a falta de produ- tos industrializados, em razão da crise econômica, oriunda da Grande Depressão, em 1929. Getúlio Vargas, que acabou permanecendo no po- der por 15 anos, liderou a primeira reforma da Administração Pública Brasileira. O modelo desenvolvimentista preconizava a intervenção do Estado na economia de forma a desenvolver os diversos setores. Para tanto, fazia-se necessário uma administração pública eficiente. Foi com esse objetivo que a reforma, que pretendia inserir princípios burocrá- ticos weberianos na administração pública, se desenvolveu. Mas, para a manutenção do apoio político ao seu regime autoritário, Vargas não alterou a estrutura das burocracias públicas estaduais e municipais, que eram usadas de forma patrimonialista pelas oligarquias locais.
Getúlio Vargas, então, criou as agências estatais, descentralizadas da ad- ministração pública, uma estrutura paralela, com a função de promover o desenvolvimento de setores estratégicos do país. Apesar de uma no-
vidade institucional, Vargas inicia a fundação de uma estrutura paralela ao Estado, que acaba ficando insulada, uma vez que se pretendia não ser permeável ao patrimonialismo da administração direta. Sobre a que ficou conhecida com a Reforma Burocrática da Administração Brasileira, é possível concluir que ela foi incompleta ao não abranger a totalidade do setor público. Ao final do seu governo, uma parcela da administração pública ainda vivia sob a égide do patrimonialismo.
O breve período democrático entre 1945 e 1964 contou com poucos avanços no que se refere a reformas da administração pública. O go- verno JK, em especial, contribuiu para aumentar a distância entre a administração pública direta e indireta. Para cumprir sua promessa de campanha de desenvolver o país 50 anos em 5, desacreditou a burocra- cia pública existente e criou uma estrutura paralela para o alcance dos objetivos. O término desse período democrático ocorreu com o Golpe Militar de 1964.
Os militares, ao chegarem ao poder, também tinham o objetivo de de- 45
senvolver o capitalismo no país com a intervenção econômica. Foram responsáveis pela implementação da segunda Reforma da Administra- ção Pública Brasileira, por meio do Decreto-Lei 200, de 1967. Com os cinco princípios bem definidos e definições claras para cada um deles, mais uma vez assistimos a uma reforma inconclusa. A quantidade de instituições da administração indireta criadas foi tamanha, que, ao final, não havia controle sobre elas. Um dos cinco princípios do DL 200, o controle, não foi implementado, havendo um grande insulamento dessas instituições. Para a sociedade, funcionava como uma grande caixa preta com grandes investimentos, mas nenhuma transparência.
Ao final do regime militar, tínhamos a administração indireta hipertro- fiada, insulada e sem controle público. A administração direta estava desacreditada, mal remunerada e sem perspectivas futuras. As nossas tradições patrimonialistas permaneceram na administração pública e se infiltraram também na admiração indireta, que se acreditava ser imune à corrupção. Podemos concluir que tivemos grandes e intensos processos de mudanças em períodos de regime autoritário, e muito pouco foi feito em períodos democráticos.
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CAPÍTULO III
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A REFORMA GERENCIAL
Profa. Dra. Luiza Teixeira
O Processo de Redemocratização no Brasil
Depois de mais de duas décadas de ditadura militar, por um lado havia 47
um grande aprofundamento da descentralização da administração públi- ca, uma vez que a administração indireta havia crescido demasiadamen- te em tamanho, ou seja, em quantidade de instituições públicas estatais (TORRES, 2004). E, por outro lado, havia um aparato administrativo mar- cado pela excessiva centralização, que era a administração direta (COS- TA, 2008). As sequelas negativas deixadas pelo Decreto-Lei n° 200/67, somadas a outros fatores, foram absorvendo a energia e os esforços do regime militar, que chegou ao fim em 1985. Entre as heranças negativas do regime militar, no que se refere à administração pública, podemos citar a reprodução de velhas práticas patrimonialistas e fisiológicas, a exemplo do ingresso de funcionários sem concurso público, na admi- nistração indireta. Outra sequela foi a negligência com a administração direta, que continuou burocrática e rígida, sem alterações significativas após o decreto dos militares (COSTA, 2008).
A reforma mais recente do Estado no Brasil tem início com o fim do re- gime militar. Nesse período, o país vivia a crise do regime autoritário e o esgotamento do modelo nacional-desenvolvimentista (ABRUCIO, 2010). Ou seja, havia o desafio da redemocratização, e o desafio de superar uma grave crise econômica, que tinha como consequência o aumento das desigualdades sociais (COSTA, 2008). As mudanças na administra- ção pública deveriam passar pela revisão crítica das experiências ante- riores e ataque aos problemas históricos da burocracia brasileira. Dife- rentemente das reformas anteriores, a Reforma Burocrática e a Reforma Militar, essa deveria ser elaborada e negociada em ambiente democráti- co, ou seja, em diálogo com diferentes setores da sociedade.
No final do regime militar, em 1979, houve a criação do Ministério da Desburocratização, única ação no sentido de modernizar a administra- ção direta. As ideias de seu dirigente, Hélio Beltrão, que permaneceu no cargo até 1983, e desenvolveu o Programa Nacional de Desburo- cratização, foram inovadoras. O projeto tinha como objetivo facilitar o
acesso dos cidadãos aos serviços públicos, reduzindo a quantidade de processos (a conhecida papelada) para garantir o exercício da cidadania pela população. As ideias contidas nesse programa antecipavam, não só no plano nacional mas também no plano internacional, a discussão da nova gestão pública, que veremos mais adiante e, também, levantava indícios de que o retorno à democracia se aproximava (ABRUCIO, 2010). Como houve muita resistência por parte do governo, poucas propostas do programa de desburocratização foram implementadas. Os políticos a favor do governo e os militares receavam os efeitos democratizantes que o programa pudesse trazer e a burocracia não queria deixar de ter o po- der de criar e interpretar procedimentos. Ainda assim, todo esse debate antecipou as novas ideias que apareceram na Constituinte e na Reforma Bresser (ABRUCIO, 2010).
Em 1985, com o fim do regime militar, Tancredo Neves, o primeiro pre- sidente civil, eleito indiretamente, teve tempo apenas de promover uma pequena reforma administrativa para acomodar os interesses dos grupos
48 políticos que apoiaram a sua candidatura. Nesse momento, houve a am-
pliação do número de ministérios e criação de novas diretorias nas em- presas estatais, mas a reforma do Estado estava prometida para depois da posse (ABRUCIO, 2010). Como Tancredo Neves faleceu antes de sua posse, José Sarney acabou assumindo a presidência da república. Sarney iniciou seu governo realizando algumas alterações importantes no dese- nho estatal brasileiro com objetivo de resolver as pendências deixadas pelo regime militar. Entre elas, podemos citar as reformas nas finanças públicas, com o fim da conta-movimento, do orçamento monetário e a criação da Secretaria Nacional do Tesouro (STN) (ABRUCIO, 2010).
A reforma administrativa, por conta do momento de crise econômico-
-financeira pela qual o país passava, estava relacionada à necessidade de tornar o aparelho administrativo “menor, orgânico, eficiente e respon- sivo às demandas da sociedade” (COSTA, 2008, p. 856). Para realizar a reforma, Sarney instituiu uma comissão, com objetivos audaciosos, tais como (COSTA, 2008):
- Redefinir o papel do Estado (nas três esferas de governo);
- Estabelecer as bases do funcionamento da administração pública;
- Fixar o destino da função pública;
- Reformular as estruturas do Poder Executivo federal e de seus órgãos e entidades;
- Racionalizar os procedimentos administrativos em vigor;
- Traçar metas para áreas consideradas prioritárias (organização fede- ral, recursos humanos e informatização do setor público).
A comissão geral da reforma, que havia sido criada em 1985, apresentou algumas propostas para a reorganização da administração pública, mas teve seus trabalhos suspensos, no ano seguinte, em 1986, momento em que os esforços estavam voltados para a estabilização da economia, com o Plano Cruzado. Em 1986, Sarney lançou o primeiro programa de refor- mas do governo com três objetivos principais:
- Racionalização das estruturas administrativas;
- Formulação de política de recursos humanos;
- Contenção de gastos públicos (MARCELINO, 2003 apud COSTA, 2008).
O primeiro objetivo, a racionalização das estruturas, era voltado para o for- talecimento da administração direta, que havia sido negligenciada, em re- lação à administração indireta, que continuava em expansão. Para reduzir o crescimento da administração indireta e promover o desenvolvimento da administração direta, foi elaborada a primeira versão da Lei Orgânica da Administração Pública Federal, em substituição ao Decreto-Lei n° 200. No que se refere ao segundo objetivo, formulação de política de recursos hu- manos, o governo tinha como meta valorizar a função pública e promover a renovação dos quadros. Nesse sentido, foram criadas a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e o Centro de Desenvolvimento da Admi- nistração Pública (Cedam), vinculados à Secretaria de Recursos Humanos.
A Enap tinha a função de formar novos dirigentes no setor público, e a 49
Cedam, de treinar e reciclar servidores públicos, a fim de estabelecer uma alocação mais racional na gestão pública (COSTA, 2008).
Como parte da política, em 1986, foi criada a Secretaria de Adminis- tração Pública (Sedap), ligada à presidência da república, que trabalhou para resgatar o sistema de mérito na elaboração de um novo plano de carreira para o funcionalismo público, na revisão do estatuto do funcio- nalismo e, também, em um plano de retribuições. Na prática, nem todas as medidas foram implementadas. A prometida reforma da administra- ção pública ampla e modernizadora, acabou dando lugar a uma reforma mais tradicional, voltada para a racionalização dos meios. Uma das me- didas com objetivo de racionalização, tomadas pelo governo Sarney, foi a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), que estava em crise, transferindo parte da responsabilidade da política de habitação, até então desenvolvida por este Banco, para a Caixa Econômica Federal. No que se refere à política de recursos humanos do setor público, o governo não instituiu um sistema de carreiras e deixou para seu sucessor o projeto de um regime único para os servidores públicos, que havia sido determina- do pela Constituição de 1988 (COSTA, 2008).
Para Marcelino (1988 apud COSTA, 2008), o fracasso das tentativas de reforma deve-se à falta de planejamento governamental e de meios mais eficazes de implementação. Faltava, no governo Sarney, mais integra- ção entre os órgãos responsáveis pela coordenação das reformas e mais articulação entre planejamento, modernização e recursos humanos. Os resultados das reformas não foram os esperados, uma vez que continuou havendo o crescimento da administração indireta, desvalorização da di- reta, e por fim, em 1986, houve a extinção do DASP.
Os resultados dessa experiência foram relativamente nefastos e se traduzi- ram na multiplicação de entidades, na marginalização do funcionalismo, na descontinuidade administrativa e no enfraquecimento do Dasp. Em resumo,
a experiência das reformas administrativas no Brasil apresentou distorções na coordenação e avaliação do processo, o que dificultou a sua implemen- tação nos moldes idealizados. Persistia na sua concepção uma enorme dis- tância entre as funções de planejamento, modernização e recursos humanos (COSTA, 2008, p. 858).
Abrucio (2010) destaca duas razões para o fracasso reformista do gover- no Sarney. A primeira está relacionada à dificuldade política que enfren- tava o governo, uma vez que, Tancredo Neves ao inserir todos os grupos políticos que apoiaram a transição democrática, acabou deixando o go- verno pouco governável. A segunda razão está relacionada à falta de le- gitimidade política de Sarney, que enfrentava obstáculos a qualquer ten- tativa de alteração mais profunda ao aparelho do Estado. Logo, a criação de novas estruturas, como a Sedap, foi o caminho encontrado para evitar conflitos. As principais propostas da secretaria não saíram do papel, pois não foi possível mexer com interesses estabelecidos (ABRUCIO, 2010).
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O funcionalismo público também passava por alguns problemas rela- cionados à desorganização do Estado, tais como falta de renovação no quadro de funcionários, piora nos salários, falta de perspectiva de carrei- ra, entre outros. O momento era de redemocratização e reorganização sindical. A piora das condições do funcionalismo e a fragilidade do go- verno acabaram favorecendo a predominância de uma perspectiva mais corporativista por parte do funcionalismo público, que terminou influen- ciando os processos reformistas subsequentes (ABRUCIO, 2010). Para além da baixa capacidade de governar, havia a falta de um diagnóstico sobre a real situação do Estado brasileiro. Embora os objetivos imediatos a serem alcançados fossem claros, como promover o controle financei- ro, democratizar a gestão pública e revalorizar o servidor público, não estava claro que o modelo administrativo em prática até então, não seria capaz de resolver os problemas do país (ABRUCIO, 2010).
Em paralelo às tentativas reformistas do governo, houve a eleição e ins- talação da Assembleia Nacional Constituinte, eleita, em 1986, e instalada em 1987. O objetivo da Constituinte era elaborar uma Constituição que fosse capaz de:
(…) refundar a República, estabelecendo outras bases para a soberania, a ordem social, a cidadania, a organização do Estado, as formas de deliberação coletiva, o financiamento do gasto público, as políticas públicas e a admi- nistração pública. A Constituição de 1988 proclamou uma nova enuncia- ção dos direitos de cidadania, ampliou os mecanismos de inclusão política e participação, estabeleceu larga faixa de intervenção do Estado no domínio econômico, redistribuiu os ingressos públicos entre as esferas de governo, diminuiu o aparato repressivo herdado do regime militar e institucionalizou os instrumentos de política social, dando-lhes substância de direção (COS- TA, 2008, p. 858).
A Assembleia Constituinte contou com a participação de diversos setores da sociedade, em especial dos servidores públicos, que conseguiram se articular e garantir a inclusão de diversas garantias no texto constitu- cional. Pela primeira vez na história das Constituições brasileiras, hou- ve a inclusão de um capítulo específico para a administração pública. Outros artigos, ao longo da Constituição, também alteraram a estrutura do aparelho do Estado (ABRUCIO, 2010). Costa (2008) considera que a promulgação da Constituição em si representou uma reforma do Estado.
Entre os avanços da nova ordem constitucional, Abrucio (2010) destaca, primeiramente, a importância dada à democratização do Estado. A Cons- tituição instituiu o fortalecimento do controle externo, com um novo pa- pel para o Ministério Público, que passou a ser um agente fiscalizador do poder público. A ideia de transparência governamental foi fortalecida com a adoção do princípio da publicidade entre os princípios da admi- nistração pública e, também, com a criação do habeas data, mecanismo que assegura ao cidadão acesso às informações públicas que, em 2011,
foi regulamentado com a Lei n° 12.527, que ficou conhecida como Lei de 51
Acesso à Informação (LAI). O principal aspecto democratizante presente na Constituição de 88 foi a instituição de instrumentos de participação da população na deliberação pública e no controle dos gastos públicos. Nos dedicaremos ao estudo das instituições e mecanismos de participa- ção, como os conselhos, audiências públicas, entre outros, no próximo capítulo.
O segundo avanço destacado por Abrucio (2010) refere-se à descentra- lização, demanda construída no processo de luta contra o autoritarismo militar. O desenho constitucional de 1988 descentralizou a maior parte das políticas públicas, a exemplo do SUS, com o repasse de funções, responsabilidades e recursos para os governos subnacionais. A institui- ção da descentralização tinha como objetivo aproximar o governo dos cidadãos e tornar os serviços públicos mais eficientes. A descentraliza- ção oportunizou a participação dos cidadãos no acompanhamento das políticas públicas como também o surgimento de algumas inovações na sua implementação.
O terceiro avanço, diretamente relacionado com a administração pública, refere-se à profissionalização meritocrática do serviço público, principal- mente com a instituição do princípio do concurso público universalizado (art. 37, II e III). A partir da Constituição de 88, a contratação para cargos da administração indireta também deveria passar por concurso público. A Constituição também abordou a melhoria das condições institucionais da burocracia, isto é dos servidores públicos. Com essas medidas, acre- ditava-se, à época, que o modelo burocrático weberiano, incompleto, desde a reforma do DASP, seria consolidado (ABRUCIO, 2010).
Apesar da Constituição de 1988 apresentar avanços, Abrucio (2010) des- taca que uma série de problemas envolveram a concretização dessas me- didas. A implementação da descentralização, por exemplo, foi marcada por uma série de questões:
- A multiplicação exagerada de municípios;
- Poucos incentivos para a cooperação intergovernamental;
- A questão metropolitana não foi abordada;
- O patrimonialismo local continuou interferindo nas ações públicas.
O bom funcionamento da descentralização em um país com grandes desigualdades, como o Brasil, depende da articulação entre os entes fe- derativos, mas Abrucio (2005) destaca que, na prática, ocorreu um fede- ralismo compartimentalizado, em que há o estabelecimento de relações mais hierarquizadas entre os níveis de governo que de laços entre eles. Ou seja, as condições necessárias para a descentralização, consideran- do-se a grande fragilidade político-administrativa na maior parte dos mu- nicípios brasileiros não foram criadas no Brasil (ABRUCIO, 2010). E isso interfere sobremaneira a sobrevivência dos municípios, que competem por recursos públicos da união, ao invés de serem incentivados a coope- rar e compartilhar esses recursos.
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Em relação à administração pública, a Constituição de 1988, além de instituir a universalização do concurso público, equiparou, para efeito de mecanismos de controle e procedimentos, a administração indireta à direta (COSTA, 2000). Para Costa (2008) e Torres (2004) essa medida, que tinha como objetivo diminuir as desigualdades entre a administra- ção direta e indireta, na prática, eliminou a flexibilidade e agilidade da administração indireta, e também sua autonomia gerencial, alterando o funcionamento do que seria o setor dinâmico da administração pública. O processo de compras públicas foi unificado e todas as organizações públicas ficaram sujeitas à Lei 8.666/93, que normatiza, até os dias de hoje, o processo licitatório. O funcionalismo público também conseguiu garantir, na Constituição de 1988, a estabilidade no emprego e a aposen- tadoria integral.
Abrucio (2010, p. 58) considera que as medidas para a profissionaliza- ção do serviço público, previstas na Constituição de 1988, levaram a um aumento do corporativismo estatal, e “não na produção de servidores públicos”. O autor considera um equívoco o fato de milhares de empre- gados celetistas da administração indireta terem se tornado estatutários, com aposentadoria integral e estabilidade sem a realização de concurso público. Esse fato ocorreu por conta da aplicação do Regime Jurídico Único (RJU) a todos os servidores públicos. A incorporação compulsó- ria de tantos funcionários da administração indireta gerou um problema para a gestão da previdência dos servidores públicos e para um descon- trole das despesas com pessoal, uma vez que vantagens e benefícios foram incorporados com o RJU. Essas medidas criaram sérios problemas para o equilíbrio das contas públicas.
Portanto, as principais mudanças na administração pública, instituídas com a CF 88, estão sintetizadas no Quadro 5:
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E CF 88 |
Mesmas regras para administração direta e indireta:
• Universalização de concurso para ingresso no setor público; • Compras regidas pela Lei de Licitação (8.666/93) |
Adoção do Regime Jurídico Único (RJU) |
Estabilidade no emprego público |
Aposentadoria integral |
Plano de carreira pública:
• Criação da carreira de gestor governamental |
Quadro 5 – A administração pública na Constituição Federal de 1988. Fonte: elaboração própria.
Apesar de a Constituição de 1988 ter produzido alguns avanços signi- ficativos, principalmente na democratização da esfera pública, ela não foi capaz de resolver uma série de problemas da administração pública brasileira (ABRUCIO, 2010). Abrucio (2010, p. 54) ressalta que a prin- cipal preocupação dos atores políticos na redemocratização era tentar
corrigir os erros dos militares, pouco se pensou em construir um modelo 53
de Estado para enfrentar os novos desafios que surgiam: “(…) o olhar mais para o passado que para o presente/futuro atrapalhou o processo reformista na Nova República”. Problemas históricos da administração pública brasileira, que haviam sido potencializados ao longo do período autoritário, como o descontrole financeiro, a falta de responsabilização dos governantes e burocratas perante a sociedade, a politização indevida da burocracia nos estados e municípios, além da fragmentação excessiva das empresas públicas com a perda do foco na atuação governamental, não foram totalmente resolvidos.
No próximo capítulo, voltaremos a falar sobre as inovações democráticas da CF de 88, que institucionalizou mecanismos de democracia direta, favoreceu um maior controle social da gestão pública, incentivou a des- centralização político-administrativa e resgatou a importância da função de planejamento.
A década de 1990 foi marcada por uma grave crise fiscal e cambial do Estado, que carregava em si a crise do funcionamento da Administração Pública. Em março de 1990, tomou posse Fernando Collor, primeiro pre- sidente civil eleito pelo voto direto, depois de 30 anos. Collor chegou ao poder tendo sua campanha baseada em “dois raciocínios falsos e que contaminaram o debate público: a ideia de Estado mínimo e o concei- to de marajás” (ABRUCIO, 2010, p. 58). Outro aspecto que marcou a campanha de Collor foi a imagem de um outsider, isto é, um candidato de fora do meio político, contra a política em si, com “as mais severas críticas a todo o aparato institucional da democracia brasileira” (TORRES, 2004, p. 168). Essa característica apresenta grandes semelhanças com a campanha política de 2018, em que o candidato Jair Bolsonaro, político de carreira, mas com um discurso contra a política, chegou à presidência.
Para Torres (2004), o discurso de Collor era pretensamente moderni- zador, uma vez que, apesar de seguir o discurso do Consenso de Wa- shington, muito influente na agenda internacional, sua prática política foi “extremamente deletéria, irresponsável e corrupta” (TORRES, 2004, p. 168), repercutindo negativamente na administração pública. O discurso do Consenso de Washington, que foi importante para a reforma da admi- nistração pública que estudaremos a seguir, preconizava:
AGENDA POLÍTICA DO CONSENSO DE WASHINGTON |
Abertura comercial |
Superávit fiscal |
Privatização de empresas estatais |
Enxugamento da máquina pública |
Desregulamentação |
Quadro 6 – Agenda política do Consenso de Washington. Fonte: elaboração própria.
54 Ao comparar o servidor público a um marajá, fato repetido exaustivamen- te em sua campanha, Collor dava ênfase às ineficiências, incoerências e irregularidades, o que acabou levando o servidor público à execração popular. A campanha era ilustrada com casos específicos de ineficiência nos órgãos públicos e com casos de altos salários de apenas uma pe- quena parte do funcionalismo. Mas tais imagens eram veiculadas para a sociedade como se fossem a realidade de toda a administração pública. Segundo Torres (2004, p. 168):
O conceito de marajá caiu no gosto popular e tornou-se de uso corriqueiro, caracterizando aquele servidor que nada faz e muito recebe do Estado. Os ataques, frontais, foram elaborados e divulgados como se todos os servido- res fossem relapsos, corruptos, parasitas e muitíssimo bem remunerados.
Ao colocar os funcionários públicos como marajás, Collor estabeleceu um antagonismo entre a sociedade que o elegeu e a administração pú- blica. Torres (2004) considera que o clima de terror psicológico e a des- valorização social se abateu sobre a administração pública, abalando sua autoestima, senso de relevância e importância social. Esse fato levou a um ciclo vicioso na administração pública, que acabava prestando servi- ços ruins por falta de reconhecimento e vice-versa. Para Abrucio (2010), a transformação do funcionário público em bode expiatório dos proble- mas nacionais, disseminou um clima de desconfiança em toda máquina estatal, promovendo uma lógica do salve-se quem puder.
Após a sua posse, Collor iniciou um plano de reforma da administração pública caótico e desconexo (TORRES, 2004). Para Costa (2010), a refor- ma administrativa foi desenvolvida de forma errática e irresponsável no que se refere à desestatização e à racionalização. Nesse processo, cargos foram extintos, muitos órgãos públicos foram reestruturados ou extin- tos, servidores sem estabilidade foram demitidos, e outros foram colo- cados em disponibilidade com remuneração integral (TORRES, 2004). Contudo, a maior parte dessas ações acabaram sendo revistas por falta
de respaldo legal, ou mesmo de governabilidade. Algumas instituições públicas, como a Capes, por exemplo, foram extintas, mas logo tiveram a extinção revista. Muitas das fusões de órgãos públicos, principalmente de ministérios, também não funcionaram, por criarem grandes estru- turas difíceis de governar, a exemplo dos ministérios da Economia e da Infraestrutura. Os cortes de pessoal também tiveram que ser revistos por falta de respaldo jurídico. Itamar Franco, ao assumir a presidência, em 1992, após o impeachment de Collor, concedeu anistia e trouxe de volta os quase 108 mil servidores que haviam sido demitidos ilegalmente. So- bre as medidas implementadas por Color, Costa (2008, p. 860) afirma:
Para cumprir seus propósitos reformadores criou uma nova moeda, conge- lou a poupança popular, taxou haveres financeiros e redesenhou a máquina de governo. Em menos de 24 horas, editou 23 medidas provisórias, sete decretos e 72 atos de nomeação, aos quais se seguiram inúmeras portarias ministeriais e instruções normativas autárquicas. Com o objetivo de redu-
zir a intervenção do Estado na vida social, criou uma série de restrições e 55
regulamentos temporários para que, aos poucos, os cidadãos perdessem a
memória inflacionária e pudessem usufruir mais os benefícios decorrentes do exercício das novas liberdades.
As mudanças institucionais implementadas por Collor foram feitas sem planejamento, estudos detalhados ou critérios técnicos (TORRES, 2004). Além de não terem sido feitas discussões e negociações com a sociedade civil e os servidores, a falta de amparo jurídico das mudanças fazia com que elas fossem frágeis do ponto de vista legal. Nesse contexto de fra- gilidade institucional, surgiram casos de corrupção dentro do governo, liderados por Paulo César Farias, tesoureiro de campanha do presidente, e pelo próprio Collor. As investigações revelaram que a corrupção esta- va institucionalizada no centro do poder. Assim, o ambiente cultural da administração pública foi se deteriorando cada vez mais. Somado a isso, houve arrocho salarial do funcionalismo, pela falta de reajustes dos salá- rios frente à superinflação que o país enfrentava (TORRES, 2004).
A rápida passagem de Collor pela presidência provocou, na administração pública, uma desagregação e um estrago cultural e psicológico impressio- nantes. Exatamente ele, que iniciou seu governo atacando-a por práticas de corrupção, iria quase institucionalizar essas práticas no Palácio do Planalto, potencializando e incentivando a tarefa de aniquilar toda a capacidade buro- crática do Estado brasileiro (TORRES, 2004, p. 170).
Por fim, é possível afirmar que a administração pública, ao fim do gover- no Collor, continuava desacreditada, mal remunerada e, ainda por cima, sofria de grande desconfiança por parte da população. Os problemas de- correntes do patrimonialismo na administração pública ainda se faziam presentes, e o tema da reforma para redefinição do papel do Estado e redimensionamento do tamanho do governo ainda estava em pauta.
A gestão do presidente Itamar Franco produziu documentos com diag- nósticos importantes sobre a situação da gestão pública, mas não teve grande iniciativa reformista (ABRUCIO, 2007). Em 1995, com a chegada de Fernando Henrique Cardoso (FHC) à presidência, o tema da reforma do aparelho do Estado entrou, de forma mais estruturada, na agenda po- lítica brasileira. Havia um consenso acerca da necessidade de mudança na administração pública, para a redefinição da maneira de atuação do estado, que deveria estar preparado para enfrentar os desafios da globa- lização. É importante destacar que, desde o início da década de 1970, redefinições do Estado moderno vinham ocorrendo em boa parte do mundo (TORRES, 2004). As principais motivações da reforma do Estado, nesse período, no Brasil eram:
- A restrição fiscal enfrentada pelo Estado, que estava bastante endivi-
56 dado ao fim do período militar;
- A crise de intervenção do Estado na economia, para reverter a crise econômica com a inflação fora de controle e as grandes consequên- cias para diversas classes sociais;
- A crise da gestão da administração pública e da prestação de serviços públicos.
A iniciativa reformista de FHC contou com a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), comandado pelo ministro Bresser Pereira. Para Abrucio (2007), Bresser foi pioneiro ao perceber que a administração pública passava por mudanças em todo o mundo, pelas quais o Brasil também precisava passar. A proposta de Bresser par- tiu de um diagnóstico dos pontos negativos da Constituição de 1988 e tinha como base o estudo e uma tentativa de aprendizado em relação à experiência internacional recente, marcada pela construção da teoria da Nova Gestão Pública. O diagnóstico produzido pelo MARE foi publicado no livro Reforma do Estado para Cidadania (1998) (ABRUCIO, 2007).
Ao entrar para a agenda pública, a reforma administrativa empreendida por Bresser, também chamada de reforma gerencial, envolveu a discus- são sobre a natureza da ação estatal no Brasil (TORRES, 2004). O MARE tinha como instância deliberativa maior, a Câmara de Reforma do Estado, composta pela Casa Civil, ligada ao presidente, e pelos ministérios da Re- forma, da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, do Trabalho e Forças Armadas. Em novembro de 1995, o presidente da República apresentou à sociedade o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (TORRES, 2004), que tinha como proposta inaugurar a chamada administração ge- rencial no Brasil. O plano tinha como premissa básica que a América La- tina enfrentava uma crise do Estado e, a partir desse diagnóstico, o plano destacou como pilares da reforma do Estado (COSTA, 2008):
- Ajustamento fiscal duradouro;
- Reformas econômicas orientadas para o mercado que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantissem a concorrência interna e criassem condições para o enfrentamento da competição internacional;
- A reforma da previdência social;
- A inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais;
- A reforma do aparelho de Estado, com vistas a aumentar sua “governan- ça”, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas (COSTA, 2008, 863).
A principal proposição do plano diretor era a adoção do modelo geren- cial de administração pública, que já vinha sendo implementado em ou- tras partes do mundo. Esse modelo tem como principal proposição asse- melhar a Administração Pública à empresa privada. Também conhecida como New Public Management (NPM), isto é, Nova Gestão Pública, ou Nova Administração Pública, foi bastante difundida nas últimas décadas
do século XX como uma nova e promissora modalidade de gestão públi- 57
- O principal objetivo desse modelo é fazer a Administração Pública atuar como uma empresa privada, a fim de obter eficiência, reduzir cus- tos e alcançar maior eficácia na prestação de serviços (MOTTA, 2013).
Andion (2012) destaca que a Nova Administração Pública (NAP) parece ter sido um movimento de resposta à crise do Estado do Bem-estar. Con- tudo, essa crise não teria ocorrido apenas por causas internas no pró- prio Estado, tais como ineficiência, falta de eficácia e efetividade, como é comum afirmar. A autora destaca que essa crise está relacionada a uma crise maior: a crise do próprio modelo de desenvolvimento For- dista, ocorrida a partir do final dos anos 1970 (LIPIETZ, 1991 apud AN- DION, 2012). Como resposta a essa crise, teriam surgido, em diversos países do mundo, nas últimas três décadas, um conjunto de abordagens que propõe a aplicação de princípios do mercado, assim como a lógica empresarial na esfera da administração pública (DENHARDT, 2011 apud ANDION, 2012). Para Andion (2012), esse movimento
(…) caracteriza-se, por um lado, por ser um modelo normativo, formado por um conjunto de abordagens teóricas que se complementam, permitindo uma compreensão da esfera pública e seu funcionamento, a partir dos prin- cípios mercadológicos (ANDION, 2012, p. 7).
Dentro desse contexto, a ideologia do NPM restaurou os ideais do li- beralismo clássico, principalmente a redução do escopo e do tamanho do Estado, assim como a introdução do espírito e dos mecanismos de mercado no governo. Nessa concepção, a Administração Pública deveria ser responsável apenas por direcionar os serviços, e não por executá-los diretamente (MOTTA, 2013). Assim, a prioridade deveria ser terceirizar e contratar fora, utilizando-se de diversos fornecedores de produtos e serviços privados, competindo entre eles, evitando, desse modo, mono- pólios e permitindo maior flexibilidade na gestão (OSBORNE, 1995 apud MOTTA, 2013).
Nesse sentido, é importante notar que a reforma do Estado proposta pelo modelo gerencial envolve uma redefinição do papel do Estado, que dei- xa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e so- cial, como havia sido até então, para se tornar seu promotor e regulador. Nessa concepção, o Estado assume o papel de regulador e provedor de serviços, deixando de ser o executor ou prestador direto destes (COSTA, 2008), diferentemente da concepção de Estado iniciada no governo de Getúlio Vargas e continuada pelos militares, conforme vimos nas unida- des anteriores. Na perspectiva gerencial, o Estado visa ao fortalecimento das suas funções de regulação e de coordenação, no nível federal, e a des- centralização vertical, para os demais níveis da federação (COSTA, 2008).
A proposição de uma orientação mercadológica para a administração pú- blica, nesse modelo, tem como objetivo possibilitar mais competição, descentralização e privatização, assim como maior poder para os gesto- res dos serviços. Nesse sentido, os governos deveriam apenas executar funções exclusivas e inapropriadas à execução ou ao controle por meca-
58 nismos de mercado (OSBORNE, 2010; DENHARDT, 2012; KETTL, 2000
apud MOTTA, 2013).
O governo concentraria seus esforços nas suas atividades essenciais e ex- clusivas, direcionando e garantindo o suprimento das necessidades básicas (e direitos) da sociedade por meio de transferências para o setor privado e o terceiro setor. Por princípio, a Administração Pública desempenha algu- mas atividades melhor que as empresas e vice-versa (OSBORNE, 1995 apud MOTTA, 2013, p. 84).
Assim, ao Estado caberia apenas executar funções essenciais e exclusi- vas, consequentemente, os servidores públicos deveriam desempenhar as atividades do Estado com maior eficiência, assumindo o papel de prestadores de serviço. Há também uma mudança de perspectiva no que se refere aos cidadãos, que passam a ser vistos como clientes e usuários dos serviços públicos, e não mais simples beneficiários da ação do Esta- do. A abordagem gerencial do NPM apresenta quatro focos distintos: no cliente, no gestor, no resultado e no desempenho. Esses quatro aspectos da abordagem gerencial são como transposições de técnicas e práticas da administração privada para a gestão pública. O Quadro 7 descreve os quatro focos da abordagem gerencial (MOTTA, 2013):
FOCO | DESCRIÇÃO |
Cliente | Considera o cidadão um cliente e incorpora as singularidades das demandas individuais. |
Gestor | Proporciona maior autonomia e flexibilidade para favorecer ajustes na linha de frente, fixar resultados, firmar contratos e controlar o desempenho organizacional. |
Resultado | Insere na Administração pública metas e indicadores de de- sempenho (por meio do planejamento estratégico do tipo empresarial). |
Desempenho | Substitui parcialmente as tradicionais avaliações por compe- tições de mercado. |
Quadro 7 – Focos da abordagem gerencial.
Fonte: elaboração própria, com base em Motta, 2013.
As propostas do NPM avançaram rapidamente em um momento quando os gastos e déficits públicos alarmavam governos, o que levou à revisita- ção de ideologias liberais e proposições de redução do papel do Estado (MOTTA, 2013). A vertente da administração pública gerencial brasileira tem origem com o debate sobre a crise de governabilidade e credibili- dade do Estado na América Latina, prevalecente durante as décadas de 1980 e 1990. Debate esse que se situa no contexto do movimento inter- nacional de reforma do aparelho do Estado, que teve origem na Europa e nos Estados Unidos (PAULA, 2005).
Promessas de reinvenção da Administração Pública eram bem-vindas pela população, pois trouxeram um novo otimismo na gestão pública por suces- sivas idealizações de maior qualidade e eficiência. A crença em um mundo contemporâneo de mudanças rápidas e exigentes de novas soluções favore- cia a proposição de inserção de práticas flexíveis de gestão privada no setor público (MOTTA, 2013, p. 37).
O ideário do gerencialismo teve origem durante os governos de Marga- 59
reth Thatcher, iniciado em 1979, no Reino Unido, e de Ronald Reagan,
iniciado em 1980, nos Estados Unidos. O Reino Unido buscava respon- der ao avanço de outros países no mercado internacional e, para isso, o governo inglês aumentou os níveis de produtividade e realização no campo da economia, da política, do governo, das artes e das ciências (HEELAS, 1991 apud PAULA, 2005). Enquanto no Reino Unido houve vários estudos no campo da cultura empreendedora, com resgate de va- lores vitorianos, como o esforço e o trabalho duro, entre outros, nos Estados Unidos se desenvolvia o culto à excelência (DU GAY, 1991 apud PAULA, 2005). O American dream, ideia amplamente divulgada na era Reagan, alimentou o ufanismo e fixou no imaginário social fantasias de oportunidade de progresso e crescimento a partir da iniciativa individu- al (PAULA, 2005). Em ambos os países, foram implementadas políticas de reformulação e modernização da administração pública, baseadas na cultura do empreendedorismo.
Em um primeiro momento a preocupação básica era a redução dos custos e aumento da eficiência na administração pública, evoluindo, anos mais tarde, com intensidades e resultados diferenciados em cada país, para questões mais complexas como efetividade, controle social, noções mais elevadas de cidadania, equidade e busca de maior responsabilização dos administrado- res públicos (TORRES, 2004, p. 173).
O gerencialismo, seu modelo de reforma do Estado e de gestão admi- nistrativa, apesar de ter surgido e se desenvolvido no contexto cultural da Inglaterra e dos Estados Unidos, foi reproduzido na Europa e América Latina (PAULA, 2005). A partir da década de 1970, a reforma gerencial entrou na agenda internacional e o financiamento, por parte de agências e organismos internacionais de fomento ao desenvolvimento, como o Banco Mundial (BIRD) e Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), contribuíram para a difusão das teorias e dos modelos de gestão geren- ciais. Entre os anos de 1997 e 2000, foram financiados cerca de 1.600
projetos de reformas administrativas em todos os continentes. Nesse período, aproximadamente, U$6 bilhões foram emprestados, por ano, a países em desenvolvimento (TORRES, 2004).
Contudo, Torres (2004) destaca que as reformas gerenciais não ocor- reram de maneira uniforme nos diferentes países do mundo. O autor destaca que a variedade e multiplicidade de experiências pelo mundo são quase infinitas, com contornos específicos em cada país. A reforma gerencial se concretizou de forma heterogênea entre os países, tendo, em alguns casos, levado ao aumento do aparelho administrativo e, em outros, a sua redução significativa. Na Inglaterra, a reforma foi marcada pela agenciação e contratação, com a finalidade de reduzir o civil service, enquanto na França o foco foi a descentralização e desconcentração ad- ministrativa, visando ao descongestionamento da administração central. Em países com forte tradição social democrata como Suécia e Dinamar- ca, a reforma gerencial resultou num aumento da intervenção estatal e, com isso, crescimento do aparelho burocrático (TORRES, 2004).
60
No Brasil, o Plano Diretor da Reforma do Estado foi discutido nas reuni- ões do Conselho da Reforma do Estado e integrou a pauta de discussões da reforma constitucional no Congresso Nacional. O principal objetivo da reforma proposta era sair do modelo vigente de administração pública burocrática, considerada rígida e ineficiente, além de voltada para si pró- pria e para o controle interno, para um modelo de administração pública gerencial, com flexibilidade e eficiência, voltada para o atendimento da cidadania. Para o alcance desses objetivos, o MARE planejou uma mu- dança em três planos:
- Primeiramente, no plano institucional-legal, através da reforma da Constituição e de algumas leis do país;
- Em seguida, no plano cultural, através da internalização de uma nova visão do sentido da administração pública;
- E, por fim, no plano da gestão, em que a reforma iria se concretizar (COSTA, 2008).
Para o alcance desses objetivos, cinco diretrizes foram definidas, no Pla- no Diretor, para orientar as ações e medidas da reforma, a saber:
- Institucionalização – a reforma só poderia ser concretizada com a alteração da base legal, a partir da reforma da própria Constituição, conforme citado anteriormente;
- Racionalização – para aumentar a eficiência, por meio de cortes de gastos, mas sem perda de produção;
- Flexibilização – oferecer maior autonomia a gestores públicos na administração dos recursos humanos, materiais e financeiros, com controle e cobrança a posteriori dos resultados;
- Publicização – uma variedade da flexibilização em que há transferên- cia de atividades não exclusivas do Estado para organizações públicas não estatais, principalmente nas áreas de saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia e meio ambiente;
- Desestatização – compreende a privatização, a terceirização e a des- regulamentação (COSTA, 2008).
Em relação à primeira diretriz, a institucionalização, uma série de mu- danças na área legal foram implementadas, especialmente no campo da reforma constitucional, com as Emendas Constitucionais 19 e 20 (ABRU- CIO, 2007). As medidas implementadas estabeleceram tetos para gasto com o funcionalismo, alterações no caráter rígido do Regime Jurídico Único e, também, a introdução do princípio da eficiência entre os pila- res do direito administrativo. Abrucio (2007) destaca que tais mudanças foram responsáveis pela criação de uma ordem jurídica com parâmetros
de restrição orçamentária e de otimização das políticas públicas. Para 61
Paula (2005) a reforma foi viabilizada a partir da promulgação da Emen- da 19, em 1998, que promoveu uma reestruturação da gestão pública, seguindo as recomendações previstas no Plano Diretor. A partir dessa emenda, as atividades estatais passaram a ser divididas em dois tipos:
- atividades exclusivas do Estado, como legislação, regulação, fiscali- zação, fomento e formulação de políticas públicas. Essas atividades compõem o núcleo estratégico do Estado, que é formado pela Presi- dência da República e os Ministérios, ou seja pelo Poder A realização dessas atividades fica a cargo das secretarias formuladoras de políticas públicas, pelas agências executivas e pelas agências re- guladoras (PAULA, 2005);
- atividades não exclusivas do Estado, como os serviços de caráter competitivo e as atividades auxiliares ou de Entre as atividades de caráter competitivo estão os serviços sociais, como saúde, educa- ção, assistência social, também os serviços científicos, que seriam prestados tanto pela iniciativa privada quanto pelas organizações sociais. Esses dois entes integrariam então o setor público não es- tatal. As atividades auxiliares ou de apoio, como limpeza, vigilância, transporte, serviços técnicos e manutenção, passariam por licitação pública e seriam contratadas com terceiros (PAULA, 2005).
Torres (2004) destaca que as mudanças ocorridas na área legal, com base nas emendas constitucionais, trouxeram avanços em diversas áreas da administração pública:
- Maior liberdade e agilidade na gestão pública;
- Fixação do teto salarial, com a finalidade de moralizar do Estado e impedir distorções salariais;
- Garantia de melhor formação profissional, a partir do incentivo à criação de escolas de governo para constante aperfeiçoamento dos servidores públicos;
- Flexibilização da estabilidade, incluindo a possibilidade de demissão do funcionário público no caso de irregularidades;
- Ganhos de transparência com objetivo de facilitar o controle social;
- Valorização das carreiras do
Outras mudanças promovidas pela reforma administrativa que podem ser relacionadas às diretrizes de racionalização e flexibilização, voltam-
-se para a estruturação do serviço público. Entre os avanços da refor- ma, Abrucio (2007) destaca a continuação e o aperfeiçoamento da re- forma da Administração Pública (civil service reform). O autor ressalta
que houve uma grande reorganização administrativa do governo federal,
62 com melhoria nas informações da administração pública, que, até então,
eram desorganizadas ou inexistentes e o fortalecimento das carreiras de Estado. Contudo, o autor destaca que o discurso do Plano Diretor da Reforma do Estado se baseava numa visão etapista, em que a reforma gerencial viria depois de concluída a reforma. Isso quer dizer que o ideal meritocrático do modelo weberiano não foi abandonado pelo MARE, mas aperfeiçoado. Nesse sentido, diversos concursos públicos foram realiza- dos e a capacitação de servidores desenvolvida pela Enap foi revitalizada (ABRUCIO, 2007). Fazendo um balanço dos avanços na reestruturação do serviço público, Torres (2004), aponta:
Mudanças no serviço público: |
• Revitalização da Enap;
• Renovação dos quadros da alta administração; • Reestruturação de algumas carreiras; • Correção de distorções salariais; • Cronograma de concursos públicos para áreas fundamentais; • Estímulo à terceirização (Lei num. 9.632/98 – extinção de 28.451 cargos). |
Mudanças não completamente implementadas: |
• Estabelecimento de progressão funcional;
• Valorização do ciclo de gestão; • Sistema de avaliação de produtividade. |
Quadro 8 – Reforma gerencial e reestruturação do serviço público. Fonte: elaboração própria, com base em Torres, 2004.
Ainda sobre as mudanças ocorridas com a Reforma da Administração Pública, desenvolvida por Bresser, Abrucio (2007) ressalta que houve um movimento de difícil mensuração, com efeitos de longo prazo, rela- cionados à disseminação do debate acerca de novas formas de gestão, com foco na melhoria do desempenho no setor público. Nesse sentido, o plano diretor e suas diretrizes de mudanças tiveram um papel estra- tégico para orientar e organizar as ações. Apesar de muitas mudanças institucionais não terem sido concluídas, Abrucio (2007) considera que houve um “choque cultural” na gestão pública nos três níveis da fede-
ração. Para o autor, os conceitos que envolvem a ideia de uma adminis- tração voltada para resultados (modelo gerencial) foram espalhados por todo o país, levando ao desenvolvimento de uma série de iniciativas de inovações governamentais por parte de governos subnacionais, em que se percebe facilmente a influência dessas ideias.
É importante ressaltar que a reforma Bresser elaborou um novo modelo de gestão, ao propor nova engenharia institucional com a presença de um espaço público não estatal (ABRUCIO, 2007). A fim de atender às diretrizes da flexibilização e desestatização do Plano Diretor da Refor- ma, houve a concepção de uma estrutura administrativa fora do núcleo central do Estado, uma vez que este deveria permanecer apenas com as funções mais essenciais (exclusivas). Nesse sentido, houve a criação das agências autônomas (executivas e reguladoras) e de organizações sociais, com o objetivo de aumentar a eficiência da gestão estatal. A ideia consistia em transformar as já existentes autarquias e fundações, que exerciam funções exclusivas do Estado, como normatização, regulação,
segurança pública e fiscalização, em agências autônomas. As atividades 63
não exclusivas do Estado, como pesquisa, educação e saúde, poderiam ser repassadas para as organizações sociais (OSs) e, também, para as organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips).
As agências executivas foram instituídas pela Lei n° 9.649, de 27 de maio de 1998. Este estatuto prevê autonomia gerencial, pactuação de resultados, necessidade de um contrato de gestão estabelecendo objetivos, metas etc., além de exigir uma qualificação para que uma autarquia, por exemplo, possa transformar-se em executiva (TORRES, 2004, p. 182).
Essas inovações na gestão pública propiciaram o surgimento, a amplia- ção e a institucionalização da esfera pública não estatal no Brasil. Con- tudo, o processo de criação e implementação das agências reguladoras foi bastante lento e, em alguns casos, como no setor elétrico, em que a privatização antecedeu a criação da ANEEL, os consumidores ficaram indefesos, nas mãos dos novos empresários do setor, o que também dificultou a capacidade do governo de exigir o cumprimento de contra- tos, metas de investimento, entre outros. Ou seja, a agência que deveria regular o setor foi criada depois do estabelecimento das empresas, mos- trando uma total inversão da ordem natural, que seria, primeiro estabe- lecer as regras de exploração e depois as empresas terem a concessão para explorar o setor (TORRES, 2004). Nesse processo, as agências regu- ladoras foram divididas em três tipos:
TIPOS | EXEMPLOS |
Agências que atuam em setores monopolizados privatizados | ANEEL, ANP, ANATEL |
Agências que realizam a regulação dos serviços sociais importantes | ANVISA, ANS |
Agências de fomento | ANCINE |
Quadro 9 – Tipos de agências reguladoras.
Fonte: elaboração própria, com base em Torres, 2004.
A atuação das agências reguladoras é motivo de bastante debate por par- te da sociedade, que nem sempre tem a percepção de que seus direitos estão sendo defendidos perante as empresas exploradoras do setor. Po- demos citar como exemplo o setor da telefonia, que é campeão de quei- xas de consumidores em diversos órgãos de defesa dos consumidores. As falhas na prestação de serviços de telecomunicações são recorrentes e ficaram em grande evidência no ano de 2020, quando, por conta da pandemia causada pelo Coronavírus, impôs a necessidade de isolamento social, as telecomunicações se tornaram essenciais para a maior parte das atividades profissionais e sociais.
Outra ação importante no sentido da institucionalização da esfera públi- ca não estatal foi a normatização e organização do Terceiro Setor. Embora essa ação não tenha sido prevista no plano diretor da reforma, a Lei n° 9.790, de 1999, determinou a relação do terceiro setor com o poder público. Assim foi possível para o poder público, financiar, por meio de termos de parceria, instrumento jurídico mais ágil que os tradicionais
64 convênios, entidades privadas, sem fins lucrativos e de interesse público.
Esse modelo de atuação aproxima-se da concepção do conceito de Esta- do-rede, que atua como grande articulador, incentivador e coordenador de diversas instituições de interesse público (TORRES, 2004).
Contudo, diversos autores (ABRUCIO, 2007; ABRUCIO, 2010; TORRES, 2004; PAULA, 2005; PINHO, 1998) são consensuais ao afirmarem que a Reforma Bresser não foi implementada por completo, tendo enfrentado problemas e fracassos. Para Abrucio (2007), o contexto em que a reforma foi realizada ajuda a explicar as razões da implementação incompleta das ações e interrupção repentina, com a prematura extinção do MARE, em 1999. Primeiramente, havia uma grande influência negativa deixada pela era Collor, que causava grande resistência ao tema da reforma. Para Abru- cio (2007, p. 72), o tema foi “ideologizado na disputa política e na produ- ção acadêmica”, na década de 1990. Outro aspecto que teria influenciado o debate está relacionado com o histórico das reformas administrativas no Brasil, uma vez que as duas grandes ações nesse sentido ocorreram em períodos autoritários: o modelo daspiano e o Decreto-Lei n° 200, já abordados ao longo deste módulo (ABRUCIO, 2007). Algumas ações da reforma não foram bem aceitas por setores da sociedade, a exemplo dos servidores públicos, que se articularam e atuaram de forma a barrar algu- mas mudanças, como o fim da estabilidade no funcionalismo público.
Outro aspecto que contribuiu para o fracasso da reforma foi a prevalência das ações da equipe econômica para a estabilização monetária e o ajuste fiscal, sobre e o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Para Abrucio (2007), a visão economicista estreita da equipe econômica im- pediu diversas inovações institucionais, a exemplo de dotar as agências de maior autonomia, pois se receava perder o controle sobre as despesas dos órgãos. Também havia resistências políticas no Congresso, pois os parlamentares temiam a diminuição de sua capacidade de influenciar a gestão dos órgãos públicos, a manipulação de cargos e verbas, com a
implantação de um modelo administrativo mais transparente e voltado ao desempenho (ABRUCIO, 2007).
Esse contexto de dificuldades e resistências tirou do MARE a capacidade de coordenar o conjunto do processo de reforma do Estado. A exemplo das agências regulatórias, que foram criadas de forma fragmentada, sem uma visão mais geral de qual seria o modelo regulador de intervenção estatal a ser implementado. Ou seja, as condições políticas prejudicaram a reforma Bresser, que não conseguiu sustentar uma reforma ampla e contínua da administração pública. O segundo governo FHC, incorporou algumas conquistas da reforma Bresser, mas extinguiu o MARE e não priorizou a agenda da gestão pública (ABRUCIO, 2007).
Abrucio (2007) apresenta um balanço das principais ações inovadoras da gestão pública brasileira, desde a redemocratização, que apresentam impactos importantes, mesmo que fragmentados e dispersos, com des- taque para cinco movimentos:
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- Questão fiscal: vários avanços foram obtidos nessa área, alguns in- terligados com a agenda constituinte e outros com a proposta Bres- O principal avanço foi a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, trazendo ganhos de economicidade ao Estado brasileiro. Con- tudo, não houve muito sucesso no que se refere à eficiência (fazer mais com menos).
- Novidades no campo das políticas públicas: maior participação so- cial, ações mais ágeis e, no caso específico dos estados, a expansão dos centros de atendimento integrado. Apesar disso, ainda há uma enorme heterogeneidade entre os níveis de governo, e grande parte deles ainda é vinculada ao modelo burocrático tradicional, com pa- trimonialismo, ou, ainda, a uma mistura dos dois
- Inovações nas políticas públicas vinculadas à área social: mecanis- mos de avaliação, formas de coordenação administrativa e financei- ra, avanço do controle social, programas voltados à realidade local e ações intersetoriais. Saúde, educação e recursos hídricos são as áreas que passaram por maior transformação.
- Novidades no PPA: proposta mais integradora de planejamento de áreas a partir de programas e projetos, diferente da versão centraliza- dora e tecnocrática adotada no regime militar. Alguns estados trouxe- ram inovações importantes, como a regionalização e a utilização de indicadores para nortear o plano
- Governo eletrônico: ação reformista mais significativa na gestão pública A disseminação da tecnologia da informação possibilitou re- dução dos custos, aumento da transparência nas compras governamen- tais e redução do potencial de corrupção. Os resultados são excelentes no que se refere à organização das informações e a maior interatividade entre governo e cidadãos, para o alcance de mais accountability.
Por fim, podemos concluir que a reforma do Estado proposta por Bresser teve como resultado importante a implementação da lógica do ajuste fiscal nas três esferas de governo, principalmente a partir da Lei de Res- ponsabilidade Fiscal. Apesar do consenso em torno do diagnóstico da Administração pública elaborado pelo MARE, as propostas foram mal recebidas, e muitas não foram adiante. E, por mais que a reforma admi- nistrativa tenha sido extinta, no segundo mandato de FHC, antes mesmo da implementação de todas as ações planejadas, muitos avanços foram registrados, em diversas áreas, conforme pudemos ver ao longo deste tópico. A despeito de todos os avanços registrados, é preciso destacar que a cultura patrimonialista continuou fortemente arraigada na adminis- tração pública brasileira.
A eleição de Lula, em 2002, despertou grandes expectativas na sociedade
66 brasileira sobre a possibilidade de mudanças, não só no combate às de- sigualdades sociais, mas também, na superação das estruturas políticas
arcaicas. Havia a esperança de que, pela primeira vez na história do país, as forças tradicionais da sociedade brasileira, como o patrimonialismo, fossem enfrentadas, tendo em vista a origem e agenda política do Partido dos Trabalhadores (PT). Mesmo tendo feito um aceno ao setor empre- sarial, com A Carta aos Brasileiros, antes da posse, as expectativas em relação ao governo Lula eram altas (PINHO, 2016).
O governo Lula manteve diversas iniciativas oriundas da gestão anterior, como o reforço de algumas carreiras, o desenvolvimento do governo eletrônico e a nova estruturação da Controladoria Geral da União (CGU), que se tornou um importante instrumento no combate à corrupção, e também, promotor do controle social. Outra ação de continuidade do governo Lula está relacionada aos avanços do PPA, que se tornou mais participativo por meio de discussões com a sociedade, em várias partes do Brasil. Contudo, o governo Lula não chegou a estabelecer uma agenda para a reforma da gestão pública e este não foi um tema-chave do gover- no (ABRUCIO, 2007).
Abrucio (2007) destaca que a pior característica do modelo administra- tivo do governo Lula foi o grande loteamento dos cargos públicos, para diversos partidos e em diferentes postos do poder Executivo federal. Fato esse que trouxe uma forte politização da administração indireta e dos fundos de pensão, segundo Pinho (2016), uma expressão contemporâ- nea do patrimonialismo. Pinho (2016) também chama a atenção para a cooptação dos movimentos sociais, que assumiram cargos de confiança no Estado. Apesar do patrimonialismo não ter sido iniciado nesse perío- do, sua amplitude e vinculação com a corrupção no governo Lula surpre- enderam a todos negativamente por conta do histórico de luta do Partido dos Trabalhadores (ABRUCIO, 2007).
A crise política iniciada em 2005, com o que ficou conhecido como es- cândalo do mensalão, tornou pública a corrupção presente em vários órgãos da administração direta e em estatais e, com isso, reacendeu o debate sobre a profissionalização da burocracia brasileira. Mesmo ten- do sido responsável por grande politização da administração pública, o governo Lula deixou como legado positivo o aperfeiçoamento de meca- nismos de controle da corrupção. O período foi marcado por diversas ações da Polícia Federal e, também, pelo trabalho da Controladoria Geral da União (ABRUCIO, 2007). O governo Dilma foi de continuidade do governo anterior e marcado, em 2013, por grande crise política, que culminou em seu impeachment, em 2016, durante o segundo mandato.
O próximo capítulo será dedicada aos avanços e inovações democráticas oriundos da Constituição Federal de 1988, particularmente no que se refere à participação social.
Resumindo 67
Neste capítulo, continuamos o estudo da evolução da Administração Pú- blica Brasileira, a partir do fim do regime militar. Depois de quase 30 anos de regime, havia uma grande diferença entre a administração públi- ca direta e a indireta. Enquanto a administração direta era permeada por relações patrimonialistas, mal aparelhada, desvalorizada e mal remune- rada, a administração indireta teve grande crescimento, não apenas em tamanho, com a proliferação de órgãos da administração indireta, mas também em relevância e prestígio para a sociedade. O endividamento deixado pelos militares somado à situação da administração pública no país colocou como prioridade do governo seguinte a necessidade de rea- lização de ajuste fiscal, com o objetivo de trazer mais eficiência e efetivi- dade para as ações públicas. Havia um consenso de que o país precisava de mudanças profundas para enfrentar os desafios da globalização.
Os governos Sarney e Collor não foram capazes de desenvolver um de- bate amplo e estruturado sobre a reforma do aparelho do Estado. As ações do governo Collor, primeiro presidente eleito diretamente, depois de 30 anos, culminaram em seu impeachment e sua passagem pela pre- sidência foi bastante prejudicial à administração pública. Contudo, Collor foi responsável por iniciar o debate sobre a natureza do Estado ao im- portar o discurso presente no Consenso de Washington por um Estado mínimo, entre outros. A reforma do Estado entra de vez na agenda polí- tica apenas, em 1995, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso e a criação do MARE.
O Plano Diretor da Reforma do Estado, em 1995, faz a proposição de implementação do modelo gerencial no Brasil, que já estava sendo im- plementado e discutido em diversas partes do mundo:
MODELO GERENCIAL |
• Origem: EUA (Reagan, 1980) e Inglaterra (Tatcher, 1979) |
• Controle por resultados |
• Descentralização e desconcentração estatal |
• Institutos e instrumentos flexíveis de gestão |
• Aproximação da gestão pública à gestão privada |
• Voltado para o cliente cidadão |
• Política de reformulação e modernização da administração pública |
• Objetivo da administração pública: redução de custos e aumento de eficiência |
• Conceitos usados: Efetividade, controle social, cidadania, equidade, responsabilização |
Quadro 10 – Características do Modelo Gerencial Fonte: elaboração própria, com base em Torres, 2004.
As características gerais da Reforma Gerencial proposta pelo MARE eram:
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- Parcerias com o setor privado;
- Critérios de avaliação e desempenho – individuais e institucionais;
- Desconcentração administrativa e redução de níveis hierárquicos;
- Descentralização política;
- Priorização de ações de planejamento estratégico;
- Flexibilização das regras burocráticas e do direito administrativo;
- Profissionalização e valorização dos funcionários públicos.
O Plano Diretor da Reforma do Estado continha um amplo diagnóstico da burocracia no Brasil. Os objetivos do governo eram trazer mais gover- nabilidade e governança para a gestão pública. O diagnóstico elaborado no plano foi consensual, mas as propostas foram mal recebidas por di- versos setores da sociedade. As maiores resistências à reforma no Bra- sil vieram de servidores públicos, que estavam amparados pelo aparato constitucional, recém criado, e do congresso Nacional, que exerceu bas- tante oposição a algumas propostas. Por fim, a Reforma Bresser, mesmo tendo sido implementada parcialmente e abortada no segundo mandato de FHC, conseguiu trazer algumas inovações para a gestão pública. Entre elas, podemos citar:
- Lei de Responsabilidade Fiscal (ganhos de economicidade e eficiência);
- Governos estaduais e municipais introduziram inovações no campo das políticas públicas (de forma heterogênea);
- Inovações nas políticas públicas da área social;
- Plano Plurianual (PPA) mais participativo;
- Avanços no governo eletrônico;
- Transformação de autarquias e fundações em agências autônomas para o exercício de atividades exclusivas do Estado (normatização, regulação, segurança pública e fiscalização);
- Atividades não exclusivas do Estado puderam ser ofertadas por OS e OSCIPS (pesquisa, educação e saúde).
69
CAPÍTULO IV
A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL
Profa. Dra. Luiza Teixeira
Neste Capítulo, estudaremos os desdobramentos da Constituição Fede- ral de 1988, no que se refere ao tema da participação social, isto é, às
diferentes formas institucionais que os cidadãos possuem para contri- 71
buir, controlar e fiscalizar a gestão pública, no Brasil. É possível afirmar que, ao inserir o tema da participação social na carta constitucional de 1988, que ficou conhecida como a Constituição Cidadã, o Brasil acom- panhou uma tendência internacional, uma vez que, a partir da década de 1990, a participação social tornou-se um dos princípios, utilizados por agências nacionais e internacionais, em projetos de desenvolvimento (MILANI, 2008). A partir de então, uma série de governos desenvolveram novas práticas participativas e experiências deliberativas (POGREBINS- CHI, 2011). E a dimensão da participação social passou a ser um dos “princípios organizativos centrais” (MILANI, 2008, p. 42) dos processos de deliberação democrática em foros regionais e internacionais.
O princípio participativo tem como fundamento principal o ideal da par- ticipação direta do cidadão em assuntos de interesse coletivo, e foi de- senvolvido, a partir dos anos 1960, com base em uma concepção “par- ticipativa” ou “republicana” de democracia. Essa concepção teve como fonte de inspiração teóricos clássicos como Rousseau e John Stuart Mills, e os pensamentos acerca do caráter de autodeterminação dos cidadãos na condução da vida pública e na dimensão pedagógica e transformadora da participação política. Para Rousseau, a participação política de cada cidadão na tomada de decisão seria fundamental para o funcionamen- to do Estado.A partir desses ideais, surgiram as teorias da Democracia Participativa, Democracia Deliberativa e Democracia Associativa, como alternativas críticas às correntes teóricas realistas de democracia, como a teoria do Elitismo Competitivo de Schumpeter, em que o poder está concentrado na mão de uma elite política, e o modelo Pluralista de Dahl, voltado para a ação dos grupos de interesse (LUCHMAN, 2012).
Nesse sentido, é possível afirmar que houve uma grande adesão dos estudiosos da teoria democrática a propostas participativas e delibera-
tivas de democracia (PATEMAN, 1970; MANSBRIDGE, 1980; BARBER, 2004; FUNG, 2003; AVRITZER 2002 e 2009; COHEN, 1989; FISHKIN,
1991; HABERMAS, 1992; GUTMANN, 1996; BOHMAN, 1996; DRYZEK,
2000). Ao mesmo tempo, no campo empírico, houve o que Lavalle (2011,
- 111) chamou de “pluralização institucional da democracia”, ou seja, houve o surgimento de instituições no plano do governo representativo que passaram a incluir, de diferentes formas, a participação do cidadão.
O autor considera que houve a proliferação de canais extraparlamen- tares de representação formal e informal, situados fora das fronteiras tradicionais do governo representativo, que passaram a desempenhar funções distintas de experiências anteriores na doutrina democrática li- beral (LAVALLE, 2011). A incorporação de instituições com a participação de cidadãos na esfera pública, é considerada por diferentes autores uma inovação democrática (LAVALLE, 2011 a; WAMPLER, 2012; SAWARD;
72 2003; SMITH, 2005; MICHELS, 2011; GEISEL, 2012), que trouxe à tona uma diversidade de novas instituições em diferentes contextos e realida-
des. O surgimento dessas instituições esteve amparado na percepção de que a democracia representativa, por si só, não conseguiria melhorar o desempenho do Estado (WAMPLER, 2012).
Saward (2003) ressalta que a história da democracia é repleta de inova- ções, que foram intensificadas com a chegada do século XXI. As inova- ções mais recentes tiveram origem com o fim da Guerra Fria, momento em que a maior parte dos países passou a se questionar sobre como a democracia deveria ser e que significado deveria ter (SAWARD, 2003). A partir de 1960, as democracias mais tradicionais do hemisfério norte passaram a adotar formas de participação cidadã direta, como o ple- biscito, o referendo, ou mesmo a iniciativa popular (LAVALLE, 2011). A partir de 1990, diversos sistemas democráticos existentes, em diferentes regiões e localidades, passaram a inserir novas instituições envolvendo a participação de cidadãos na esfera pública. Em 2005, o relatório de pesquisa da Power Inquiry2, comissão da Câmara dos Lordes britânica, estabelecida para investigar as razões para o declínio da participação na política formal na Inglaterra, descreveu 57 experiências de inovação de- mocrática em diferentes países, e analisou algumas delas de forma mais aprofundada (SMITH, 2005). Essas inovações foram divididas em seis tipos diferentes, conforme descrito no Quadro 11:
2 A Power Inquiry foi formada em 2004, como o projeto centenário de dois dos fundos, de Joseph Rowntree, empresário e político dedicado à redução da pobreza e outras mazelas sociais de sua épo- ca. Em 1904, o empresário utilizou parte de sua riqueza para a criação de três fundos independentes voltados para diferentes aspectos dos problemas sociais contemporâneos (Disponível em: http:// www.josephrowntree.org.uk/. Acesso em: 20 de novembro de 2020).
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Quadro 11 – Inovações democráticas no mundo. Fonte: elaboração própria, com base em Teixeira, 2019.
Chamamos os resultados dessas inovações democráticas de Instituições Participativas (IPs). As IPs podem ocorrer em diferentes contextos, apre- sentam características diversas e são inseridas em diferentes estruturas de funcionamento, isto é, em diferentes arquiteturas. O surgimento de instituições para a participação social tem como principal motivação a insatisfação com os resultados produzidos pelas instituições tradicionais da democracia representativa. O desenvolvimento de instituições que consultam a sociedade, ou a colocam como parte das políticas públicas, está ancorada na promessa da promoção de uma democracia mais justa e com maior capacidade distributiva. Entre as contribuições da participa- ção, as vantagens do processo participativo são quase sempre colocadas em evidência. Entre elas, podemos destacar:
- A participação aumenta a influência dos cidadãos na tomada de deci- são das questões públicas, pois propicia uma forma de comunicação mais direta;
- Há a inclusão no processo político, uma vez que, dá voz a indivíduos e a minorias;
- Encoraja habilidades e virtudes cívicas;
- Realiza a deliberação, que leva a decisões racionais baseadas na opi- nião pública;
- Dá legitimidade ao processo político, uma vez que conta com o apoio público no que se refere ao resultado e ao processo (MICHELS, 2011).
Nesse sentido, o envolvimento dos cidadãos tem um efeito positivo e essencial para a Democracia e a participação desempenha um papel im- portante para que as ações do poder público sejam aceitas por todos (MICHELS, 2011). Podemos estabelecer um paralelo com a discussão acerca do conceito de Democracia empreendida na primeira unidade deste módulo. Lembram do conceito mais amplo de que a democracia é um governo do povo e para o povo? A ideia fundamental da participação social é se aproximar desse conceito, criando estratégias para o desen- volvimento de ações do governo com a própria participação do povo.
Participação Social no Brasil
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O golpe militar de 1964 transformou radicalmente a conjuntura política e social do país. Até a década de 1960, existiam movimentos pela Refor- ma Agrária, pela casa própria, pela redução das tarifas dos transportes públicos, entre outros, mas a ditadura militar passou a reprimir todos os canais formais de manifestação e diálogo. A despeito da repressão, das lutas sociais e as manifestações populares contrárias ao regime continua- ram a existir, mesmo que, algumas vezes, na clandestinidade. E os movi- mentos de resistência contra a ditadura militar podem ser considerados um marco para a luta por maior participação popular na esfera pública (ROCHA, 2008). Souto (2011) destaca que os principais atores sociais envolvidos na proposição da democracia participativa faziam parte da sociedade civil e do “campo movimentalista” que fez oposição à ditadura militar.
Sader (1988) destaca três campos de elaboração de matrizes discursivas em torno da grande ebulição social ocorrida entre os anos 70 e 80: a Igreja Católica, o “novo sindicalismo” e os grupos de esquerda. A Igre- ja Católica, com a Teologia da Libertação, que estimulava a intervenção na realidade por meio de grupos comunitários, para uma participação mais ativa e crítica na realidade, contra as injustiças sociais, estimulou a criação de pequenos grupos de reflexão, oração e ação chamados de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). As CEBs contribuíram para a or- ganização social e disseminaram valores importantes para as lutas parti- cipativas (CARVALHO, 1998 apud SOUTO, 2011).
O “novo sindicalismo” surgiu em São Paulo, enquanto um movimento social que não apenas reconfigurou as relações entre capital e trabalho, como também marcou a entrada dos trabalhadores na arena política. A forma de atuação desse sindicalismo se voltava para uma transformação operada por dentro das instituições. Souto (2011) ressalta que não havia nesse movimento sindical proposições relativas ao desenho da demo- cracia participativa. A organização dos setores populares dos trabalha- dores levou ao surgimento do novo sindicalismo, fortemente inspirado em ideias de Paulo Freire e Antonio Gramsci. E a defesa dos direitos dos trabalhadores, por sua vez, levou à criação de organizações de defesa de direitos e associações de moradores, assim como favoreceu a formação do Partido dos Trabalhadores (PT) e, também, a retomada de outros par- tidos extintos pela ditadura (PAOLI, 1995 apud SOUTO, 2011).
Fundado em 1980, e reconhecido oficialmente em 1982, o PT foi for- mado por dirigentes sindicais ligados ao “novo sindicalismo”, religio- sos da Teologia da Libertação, estudantes universitários, intelectuais de esquerda, e lideranças de associações de bairro e de outras formas de organização (formais e informais). Para Sader (1988), a organização do PT e de outros partidos de esquerda reafirmaram o seu compromisso com a construção e o aprofundamento democrático. Sobre mobilizações da sociedade civil que influenciaram as matrizes discursivas da participa- ção, Rocha (2008) ainda destaca o congresso de refundação da UNE, em 1979, e o nascimento da CUT e do MST.
O movimento sanitarista foi um ator importante para a criação de espa- ços de participação para a fiscalização e controle das políticas públicas em saúde. A VIII Conferência Nacional de Saúde foi realizada em 1986, e teve dois resultados positivos. Foi a primeira vez que o Poder Executivo, de fato, chamou a sociedade civil organizada para debater e formular po- líticas públicas de Saúde, uma vez que as Conferências que haviam sido
realizadas anteriormente eram técnicas e tinham pouca representação so- 75
cial (CARVALHO, 1995 apud SOUTO, 2011). Outro resultado relevante foi a elaboração de dois documentos para contribuir com a Constituinte, influenciando, em grande medida, o desenho institucional de participação em Conselhos e a do próprio Sistema Único de Saúde (SUS).
A Assembleia Constituinte recebeu e aceitou a reivindicação por maior participação popular, por meio da proposta de garantia de iniciativa po- pular no Regimento Interno Constituinte. Com a aceitação do processo de emendas populares, experiência então pioneira no campo da institu- cionalização da participação da sociedade no âmbito da política nacio- nal, a população pôde participar ativamente do processo de elaboração da atual Constituição. A Constituição brasileira, promulgada em 1988, absorveu boa parte das reivindicações do movimento de “Participação Popular na Constituinte” para a institucionalização de diversas formas de participação da sociedade no Estado (ROCHA, 2008). A Constituição de 88, conhecida como “Constituição Cidadã”, inseriu novas formas insti- tucionais de participação, com a implantação de uma série de requisitos para dar prosseguimento ao processo de descentralização política e for- mação de instâncias colegiadas para auxiliar na formulação, execução e controle das políticas setoriais.
Alguns sistemas de gestão democrática foram estabelecidos na Cons- tituição brasileira, tais como: o planejamento participativo, mediante a cooperação das associações representativas no planejamento municipal, como preceito a ser observado pelos municípios (Art. 29, XII); a gestão democrática do ensino público na área da educação (Art. 206, VI); a ges- tão administrativa da Seguridade Social, com a participação quadripartite de governos, trabalhadores, empresários e aposentados (Art.114, VI), e a proteção dos direitos da criança e do adolescente (ROCHA, 2008). Ro- cha (2008, p. 136 e 137) destaca alguns avanços da participação social nas políticas sociais, que resultaram de preceitos constitucionais:
- A luta pela Reforma Sanitária em articulação com os profissionais de saú- de resulta na aprovação do Sistema Único de Saúde (SUS), que institui um sistema de cogestão e de controle social tripartite – governo, profis- sionais e usuários – das políticas de saúde.
- A luta pela Reforma Urbana resulta na função social da propriedade e da cidade reconhecida pela atual Constituição, em capítulo que prevê o planejamento e a gestão participativa das políticas urbanas.
- A elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, como desdobra- mento do reconhecimento constitucional da criança como um sujeito de direito em situação peculiar de desenvolvimento e da adoção da doutrina da proteção
- Promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, como resultado do reconhecimento constitucional de que a assistência social é um direito, figurando ao lado dos direitos à saúde e à previdência
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Além dos preceitos constitucionais mencionados, a Constituição Federal de 1988 inseriu, ao menos, 30 artigos no texto constitucional, expressan- do princípios que incentivaram experiências de gestão pública participativa (TEIXEIRA, 2011). Também instituiu uma série de mecanismos de participa- ção, sejam administrativos, de controle e gestão, parlamentares, judiciais e políticos eleitorais, ao longo de seus artigos. Os princípios e diretrizes refe- rentes à participação traçados pela Constituição estão relacionados a quatro aspectos, dispersos em alguns artigos constitucionais (TEIXEIRA, 2011):
- A cidadania como fundamento do Estado democrático (artigos 1º, 5º, 8º, 15 e 17);
- Os deveres sociais em questões coletivas (artigos 205, 216, 225, 227 e 230);
- O exercício da soberania popular (artigos 14 27, 29, 58 e 61);
- A participação social como forma de gestão pública (artigos 10, 18, 37, 74, 173, 187 e 231).
Outro aspecto da institucionalização de instituições participativas pela gestão pública, também impulsionado pela Constituição de 1988, é a descentralização administrativa com gestão participativa, em especial, na saúde (art. 198), na seguridade social (art. 194), na assistência social (art. 203) e na educação (art. 206) (TEIXEIRA, 2012). Ao analisar os artigos constitucionais, Elenaldo Teixeira (2002) mapeou uma série de mecanis- mos, que chamou de mecanismos de participação cidadã, previstos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais ou nas Leis Orgânicas Municipais. Os mecanismos foram divididos em quatro tipos: adminis- trativos, de controle ou gestão; parlamentares, judiciais e político-eleito- rais. A quantidade encontrada em cada tipo e alguns exemplos podem ser examinados no Quadro 12:
TIPO | QNT | ALGUNS EXEMPLOS |
Administrativos (Controle /Gestão) | 27 | • Fiscalização (anual) das contas municipais (Art. 33);
• Exame das licitações (Art. 4°, § 3°); • Participação no planejamento municipal (Art. 29, XII). |
Parlamentar | 13 | • Acompanhamento das sessões (Lei Org./Reg. Int. da Câmara);
• Petição sobre informações (Lei Org./Reg. Inter- no; CF, Art. 58, § 2°, IV); • Reclamações/queixas/ representações (Lei Org./Reg. Int. CF, Art. 58 § 2°, IV). |
Judicial | 13 | • Ação Popular (Art. 5°, LXXIII);
• Mandado de segurança coletiva (Art. 5°, LXI); • Representação ao Ministério Público (Art. 129, III). |
Político Eleitorais | 8 | • Voto (Art. 14);
• Candidatura a cargo eletivo (Art. 14, § 2°); • Filiação ao partido político (Art. 14, § 3°). |
Quadro 12 – Mecanismos de participação cidadã na Constituição de 1988.
Fonte: elaboração própria, com base em Teixeira, 2002. 77
A partir da promulgação da Constituição de 1988, experiências partici- pativas também foram desenvolvidas, em nível local, e replicadas pelo país, sendo a mais emblemática o Orçamento Participativo (OP) de Porto Alegre, em 1989, que se tornou um estudo de caso bastante pesquisado e uma experiência replicada tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo (BAIOCCHI, 2003; FUNG, 2003; SINTOMER, 2010). Segundo
Avritzer (2013, p. 12), o OP é:
(…) uma política participativa local, que gera um processo de deliberação en- tre sociedade civil e Estado no nível local. Ele inclui atores sociais, membros de associações de bairro e cidadãos comuns em um processo de negociação e deliberação que acontece em duas etapas: uma etapa participativa, em que a participação é direta, e uma etapa representativa, na qual a participação ocorre por meio da eleição de delegados e ou conselheiros.
O OP tornou-se uma marca registrada das gestões do PT (AVRITZER, 2013) e uma das instituições participativas mais conhecidas internacio- nalmente (SMITH, 2013; BARRERA, 2014; HELLER, 2001), devido ao su- cesso da experiência de Porto Alegre, que durou cerca de 15 anos, de 1990 a 2005 (AVRITZER, 2008)3. Porto de Oliveira (2012) destaca que o OP se tornou o fio condutor das experiências de políticas participativas, tendo ganhado reconhecimento internacional e prestígio rapidamente, chegando a ter contornos de mito, ou seja, experiência ideal de partici- pação. Ainda nos anos 1990, a experiência se difundiu por cerca de 200 municípios brasileiros. A partir dos anos 2000, as experiências de OP se
3 O autor esclarece que, a partir de 2006, o OP de Porto Alegre se transformou no processo de participação solidária.
difundiram internacionalmente, totalizando 1.400 experiências ao redor do mundo, sendo a maior parte concentrada entre Europa e América Latina (PORTO DE OLIVEIRA, 2012).
No plano nacional, a chegada de Lula ao poder, em 2003, gerou expectati- vas pela trajetória histórica de proximidade do PT com movimentos sociais e organizações da sociedade civil que atuaram no processo da redemocra- tização. Para Teixeira (2012), o governo Lula herdou um conjunto expres- sivo de espaços participativos, principalmente os conselhos e as conferên- cias nacionais, que foram resultados do momento Constituinte de 1988, quando os princípios da descentralização e da participação foram difundi- dos. No início do mandato, Lula assumiu o compromisso de estabelecer um novo padrão de relacionamento entre sociedade civil e governo, com base no diálogo e na participação (SANTOS, 2014). O Governo Federal atribuiu à Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR) o papel de interlocução do governo com a sociedade, e, por meio dela, desenvolveu ações para a ampliação da participação social (TEIXEIRA, 2012).
78 A partir de 2003, houve a incorporação de diversas formas de espaços de interação com a sociedade civil, em diferentes áreas de atuação do governo. O governo federal adotou o discurso da participação social como método de governo (PIRES, 2013), muito embora Abers (2011,
- 11) pondere que, durante o governo Lula, não houve “um modelo de gestão unívoco e mais estruturado da participação”. Nesse período, as instituições participativas foram revitalizadas, ou mesmo desenvolvidas, embora a estrutura de funcionamento nas esferas federativas e a relação com outras instituições democráticas, isto é, a arquitetura institucional, não tenha sido pensada. Abers (2011) acredita que a SGPR, responsável pela coordenação interministerial das políticas participativas, não assu- miu esse papel de forma sistematizada. Para Teixeira (2012), o arranjo institucional assumido pela SGPR pode ter dificultado o fortalecimento de iniciativas de gestão participativa, ao separar a articulação com a so- ciedade civil da integração com as ações governamentais.
Avritzer (2008) ressalta que o Brasil apresenta uma infraestrutura de par- ticipação bastante diversificada no que se refere à sua forma e ao seu de- senho. O autor, ao realizar um balanço da Participação Social pós-Cons- tituição de 1988, destaca que os anos 1990 representaram o momento da “explosão” da participação social no Brasil, sendo possível identificar um modelo claro de participação vinculado às gestões do PT; isso inclui o orçamento participativo, conselhos no nível local e nacional, mas exclui infraestrutura, em geral, como a urbana, no que se refere à realização de obras, e também as políticas ambientais, principalmente em relação à questão indígena e à infraestrutura da Amazônia (AVRITZER, 2013). Recentemente, dezenas de milhares de instituições participativas foram criadas, muito embora, algumas tenham deixado de funcionar com o governo Bolsonaro. Estas instituições estão localizadas nos diferentes níveis de governo (nacional, estadual e local), nas diferentes políticas pú- blicas (saúde, assistência social, políticas urbanas e meio ambiente, entre outras) e em diferentes contextos políticos, no que se refere à ideologia política dos governos (AVRITZER, 2011).
Avritzer (2013) ressalta que a chegada do PT à presidência da República aumentou as contradições das políticas participativas no Brasil, um refle- xo foi a fragmentação da arquitetura da participação. Durante o governo Lula, a SGPR acabou por exercer um papel de mediador entre sociedade civil e Estado, estimulando a realização de audiências públicas, mesas de diálogos e fóruns de debates. Contudo, apesar da multiplicação de espaços participativos, não houve uma definição clara de diretrizes a se- rem seguidas, ou mesmo um esforço sistemático para garantir um novo arcabouço institucional para os canais participativos (TEIXEIRA, 2012).
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Mesmo levando em consideração a crítica à forma de inserção da parti- cipação social no âmbito do governo federal, é preciso levar em conside- ração que, ao longo do governo Lula, foram criados 15 novos conselhos nacionais, como também houve a reformulação de conselhos criados anteriormente (LOPEZ, 2010 apud PIRES, 2013). Além disso, de 2003 a 2011, foram realizadas 82 conferências nacionais, que discutiram dire- trizes de políticas públicas em diversas áreas, mobilizando mais de 5 mi- lhões de pessoas em milhares de municípios, como também nas etapas de nível estadual e federal (IPEA, 2013). Outras formas de interação entre Estado e Sociedade, que vão além dos conselhos e das conferências, também foram desenvolvidas e se tornaram práticas disseminadas na última década, como as ouvidorias, as consultas públicas, as audiências públicas, além de outros formatos menos institucionalizados como gru- pos de trabalho, comitês, mesas de diálogo e negociação (PIRES, 2013).
Atualmente, as instâncias participativas já são uma realidade e estão em pleno funcionamento nas diversas esferas da federação brasileira, po- dendo estar constituídas em diferentes tipos, sejam conselhos gestores de políticas públicas, ouvidorias, conferências, entre outros. Essas insti- tuições contam com a participação da sociedade civil e do Estado, num processo de restabelecimento de suas relações. Também fazem que a sociedade passe a ter oportunidades para manifestação, expressão de preferências, fiscalização das ações dos representantes, além de poder subsidiar os parlamentares com informações acerca de políticas públicas e apresentar proposições legislativas (MARTINS, 2012).
O primeiro governo Dilma, iniciado em 2010, atribuiu a SGPR o desafio de articular os processos participativos e de promover a sinergia entre os órgãos da administração pública federal. Com isso, iniciou-se dentro do governo, a elaboração da Política Nacional de Participação Social (PNPS) e do Compromisso Nacional pela Participação Social (SANTOS, 2014). Submetida à consulta pública virtual, a PNPS tinha como objetivo fortale- cer os mecanismos e as instâncias de participação social e diálogo entre o governo federal e a sociedade civil, definindo princípios e diretrizes a serem seguidos por órgãos do governo federal (SGPR, 2013), e o Com- promisso tinha como objetivo orientar o estabelecimento de diretrizes para a articulação federativa e a promoção da participação social como método de governo (SANTOS, 2014).
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A PNPS, mesmo não tendo sido implementada, por pressões políticas contrárias à época, foi importante, pois apresentou e definiu as institui- ções participativas, que, na verdade, já se encontravam em pleno funcio- namento no país. O Quadro 13 apresenta as definições das IPs a partir do texto da PNPS, com grande diversificação e variabilidade de formatos, que se adensou quantitativamente nos últimos anos (PIRES, 2012).
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Quadro 13 – Instituições Participativas definidas na PNPS. Fonte: elaboração própria, com base em Brasil, 2014 e outros.
Portanto, sobre a estruturação e o funcionamento das IPs no Brasil, po- demos afirmar que, ao longo das quatro gestões do PT, encerradas em 2016, com o impeachment da Presidente Dilma Roussef, houve uma federalização das inovações de controle democrático social. Ou seja, du- rante 14 anos, o governo federal foi o principal promotor e financiador das principais IPs, amparado no discurso da participação como método de governo. Com isso, é possível afirmar que houve a institucionalização estatal da participação, pois a questão dos controles democráticos so- ciais foi incorporada à agenda do Estado. Outra característica do cenário brasileiro intensificada nas gestões do PT foi o fortalecimento de institui- ções do Estado com agendas de controle horizontal, como a Controla- doria Geral da União, que ganhou novas atribuições de combate à cor- rupção e estímulo ao controle social, a partir de 2003. Nesse contexto, ainda podemos citar a densidade organizacional da sociedade civil, com organizações que conseguem mobilizar a opinião pública (VERA, 2012).
A seguir, apresentamos alguns dados sobre os dois tipos de IPs mais di-
82 fundidos no Brasil, os Conselhos de Políticas Públicas e as Conferências.
Essas duas IPs, além de terem envolvido um grande número de pessoas, foram estruturadas para funcionar nos três níveis da federação, de for- mas distintas.
Conselhos de Políticas Públicas e de Direitos
A origem dos conselhos gestores está relacionada aos conselhos muni- cipais de educação, no século XIX; como também, aos órgãos adminis- trativos colegiados (Caixas e Institutos de Aposentadoria e Pensões), na área da previdência social, nas décadas de 20 e 30, do século XX. Con- tudo, foram os conselhos de saúde, criados em 1990, que se tornaram o paradigma inspirador do desenvolvimento dos conselhos mais recentes da democracia brasileira (CORTES, 2011). Para Teixeira (2012, p. 51), os conselhos gestores “são fruto da institucionalização dos conselhos po- pulares experimentados no Brasil a partir da década de 1980”. Também são tidos como uma conquista dos movimentos sociais pela democrati- zação do Estado brasileiro (SGPR, 2011).
Embora o princípio da participação esteja presente na Constituição de 1988, foram as legislações setoriais específicas, inicialmente nas áreas de saúde, assistência social, trabalho e meio ambiente, que colocaram em prática essa participação, por meio de conselhos (SGPR, 2011). A partir da década de 90, os conselhos de políticas públicas e de direitos se mul- tiplicaram pelos municípios do país, uma vez que as transferências de re- cursos financeiros federais para os níveis subnacionais de governo, princi- palmente nas políticas sociais, passaram a ser condicionadas, entre outros requisitos, à existência desses fóruns participativos (TEIXEIRA, 2012).
Os conselhos são formados por representantes de organizações sociais e do Poder Público, e têm o objetivo de promover a participação da so- ciedade civil na formulação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas (SGPR, 2011). A maneira como esses espaços fun-
cionam varia de acordo com o contexto de institucionalização do conse- lho, a forma de organização social estabelecida, a definição do papel e dos objetivos e a delimitação da sua competência e das suas atribuições (TEIXEIRA, 2012). Ou seja, embora tenham muitas similaridades entre si, os conselhos podem apresentar diferentes regras de funcionamento, uma vez que são regidos por diferentes leis e regulações. O Quadro 14 apresenta as características gerais, comuns a maior parte dos conselhos:
Características gerais dos Conselhos |
Funcionam por meio de reuniões periódicas, com pautas definidas |
Debatem temas relacionados às políticas públicas |
Realizam o acompanhamento e a fiscalização da gestão de uma política pública |
São espaços participativos, podendo ser consultivos ou deliberativos |
São compostos por representantes do poder público e da sociedade civil, dividida em diferentes segmentos |
Quadro 14 – características gerais dos Conselhos de Políticas Públicas e de Direitos.
Fonte: elaboração própria, com base em Teixeira, 2012. 83
É importante destacar que os conselhos não são abertos à participação de qualquer pessoa interessada na discussão, uma vez que os seus re- presentantes são eleitos ou indicados, podendo haver a participação de conselheiros especialistas e de pessoas reconhecidas como importantes para determinado debate, muito embora estes não tenham poder de voto (TEIXEIRA, 2012). A distinção entre conselhos de políticas e conselhos de direitos é que os de políticas contribuem para a formulação de políticas públicas para determinada área, enquanto o segundo trata dos direitos de uma determinada população, na maior parte dos casos, de grupos marginalizados que precisam de políticas específicas (TEIXEIRA, 2012).
Os conselhos não são exatamente espaços neutros, pelo contrário, há a presença de conflitos, contradições e manipulações, contudo podem ser instrumentos abertos ao debate público, e as proposições de estratégias para efetivar direitos já conquistados ou a construir. Apesar de estarem vinculados à estrutura administrativa, e terem suas decisões homologa- das pelo chefe do poder executivo, os conselhos devem ser autônomos, uma vez que seu funcionamento interno é regido por regras e procedi- mentos formulados por seus integrantes (ROCHA, 2011).
Mesmo que os conselhos tenham surgido, no Brasil, muito antes da re- democratização, foi a partir de 2003, que vários novos conselhos na- cionais foram implantados, alguns já existentes passaram a contar com a participação de representantes da sociedade civil, e outros que não estavam em funcionamento, foram reativados (SGPR, 2011). Em 2014 (BRASIL, 2014), existiam 50 conselhos nacionais, em funcionamento no país, com a participação da sociedade civil, dos quais metade foi criada entre os anos de 2000 e 2009.
No plano municipal, o Brasil possui milhares de conselhos atuantes nas mais diversas áreas: saúde, educação, assistência social, infância e ado- lescência, segurança alimentar e nutricional, trabalho, alimentação es-
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colar, entre outros. Atualmente, nenhum setor de política pública existe sem um conselho gestor (BOULLOSA, 2014). O número de conselhei- ros, a maioria com atuação voluntária, supera o número de vereadores eleitos (FARIAS, 2008), cerca de 500 mil por todo o país (BOULLOSA, 2014). Número esse que não para de crescer. Se dividirmos o número de conselhos existentes pela quantidade de municípios brasileiros, che- gamos a quantidade aproximada de 11 conselhos por município. Pode parecer um número mediano para médios e grandes municípios, mas, levando em conta que mais de 70% do país é formado por municípios com população abaixo de 20 mil habitantes, acaba sendo um esforço considerável para municípios pequenos manter essa quantidade de con- selhos em pleno funcionamento e com efetiva participação da sociedade (TEIXEIRA, 2019). O quadro 15 apresenta alguns números aproximados, referentes à quantidade de conselhos existentes no Brasil, nos diferentes níveis da federação e áreas temáticas:
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Quadro 15 – características gerais dos Conselhos de Políticas Públicas e de Direitos. Fonte: Teixeira, 2019, p. 44.
Algumas limitações são apresentadas em relação à atuação dos conse- lhos municipais. Boullosa (2014) aponta que há um ideal de que os con- selhos deveriam atuar por meio de boas estratégias de governança, de forma a superar a cultura política marcada pelo patrimonialismo e clien- telismo. E mais uma vez nos deparamos com essa questão histórica que permeia a administração pública brasileira, desde o período colonial. O enraizamento do patrimonialismo na gestão pública também interfere na atuação dos conselhos, que, apesar de realizarem o controle da ação estatal, são organizados e financiados pelo Estado. E isso torna ques- tionável o exercício do controle social desempenhado pelos conselhos. Ademais, os mecanismos de responsabilização dos agentes públicos são frágeis e, muitas vezes, prevalece a impunidade, mesmo quando irregu- laridades são constatadas.
Conferências Nacionais
A legislação brasileira instituiu as conferências, nas áreas de saúde e educação, em 1937, com a Lei número 378, de 13 de janeiro de 1937. As duas primeiras conferências realizadas no Brasil ocorreram em no- vembro de 1941, a Conferência Nacional de Educação e a Conferência
Nacional de Saúde (SOUZA, 2013). Nessa época, o objetivo era ampliar o conhecimento do governo federal, em todo o país, sobre as atividades relacionadas à saúde e à educação, assim como, articular as iniciativas com a finalidade de aumentar a capacidade de execução dos progra- mas governamentais, formulando diretrizes mais claras em relação às atribuições e às relações entre os entes federados (SOUZA, 2013 apud HORTA, 2000; HOCHMAN, 2005). Contudo, enquanto, no princípio, as conferências serviam aos propósitos da administração centralizada, com a reabertura política e redemocratização na década de 1980, houve uma mudança progressiva do modelo dentro de uma lógica de descentraliza- ção e ampliação da participação social (SOUZA, 2013).
Portanto, as conferências, assim como os conselhos, não representam uma nova experiência na história política brasileira, muito embora, ape- nas a partir de 1988, tenham-se tornado mais participativas e delibera- tivas; e, a partir de 2003, com o início do governo Lula, mais amplas, abrangentes, inclusivas e frequentes (PROGREBINSCHI, 2010). Entretan-
to, para Avritzer (2013, p. 9), “mesmo tendo sido criadas na década de 85
1930, podem ser consideradas uma novidade na participação social no Brasil, pois relevam traços da dinâmica participativa em nível nacional”. Como até 2002, as principais experiências de participação social no país (orçamento participativo, conselhos e planos diretores) ocorriam princi- palmente na esfera municipal, havia dúvidas sobre a possibilidade das ex- periências participativas alcançarem a esfera nacional (AVRITZER, 2013).
A 8ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1986, marcada por ampla participação popular, foi determinante para que, na Constituinte, fossem garantidas as bases do Sistema Único de Saúde (TEIXEIRA, 2012). Souza (2013) destaca que as conferências de saúde dos anos 1980 e 90 renovaram uma invenção institucional, uma realização política de um governo autocrático, de modo participativo e democrático. A gestão par- ticipativa, um dos princípios do SUS, serviu de inspiração para outras áreas temáticas instituírem espaços participativos com o formato de con- ferências e conselhos nos três níveis da federação. A Assistência Social, por exemplo, instituiu as conferências como parte de um sistema de participação formalizado na lei 9.720, de 1993. Assim, as conferências passaram a ser usadas, nos últimos anos, como estratégia para promover o debate de determinados temas em todo o país, de forma estruturada, assim como para aumentar a participação na formulação de políticas pú- blicas em nível nacional (TEIXEIRA, 2012).
Segundo Pogrebinschi (2010), a partir de 2003, as conferências nacio- nais tornaram-se mais amplas por envolverem cada vez mais pessoas em suas diversas etapas que precedem ou funcionam de forma paralela, às nacionais, tais como, as etapas estaduais, municipais, regionais, te- máticas, livres e virtuais. Tornaram-se mais abrangentes por tratar uma ampla variedade de áreas temáticas, visando atender aos diversos tipos de políticas públicas existentes. Atualmente, existem diversas áreas de realização de conferências, separadas por suas características singulares, mas unidas por uma transversalidade comum. Tornaram-se mais inclu-
sivas, pois conseguiram inserir cada vez mais grupos da sociedade, tais como, ONGs, movimentos sociais, sindicatos, entidades empresariais, entre outros. E, o que é mais importante, tornaram-se mais frequentes, pois em suas diretrizes, muitas vezes, há a demanda pela convocação periódica (POGREBINSCHI, 2010).
As conferências são canais institucionais de participação social, com ob- jetivo de promover, periodicamente, o diálogo entre Estado e sociedade acerca de determinado tema. As conferências nacionais são, na maior par- te dos casos, convocadas pelo presidente da república e organizadas por órgãos do executivo, muitas vezes em parceria com conselhos das áreas afins (RIBEIRO, 2013). Souza (2013) analisou 82 conferências, e dessas, apenas duas não foram convocadas pelo Poder Executivo, a 8a Conferên- cia de Direitos Humanos e a 10ª Conferência de Direitos Humanos, que foram convocadas pelo Poder Legislativo. Entre 2003 e 2011, 44% das conferências foram convocadas por meio de decreto presidencial, as de-
86 mais foram convocadas por portaria ministerial (24%) ou interministerial (8%) e por resolução do conselho da área (10%) (SOUZA, 2013).
O formato das conferências envolve um processo em etapas subsequen- tes (territoriais, municipais, regionais, estaduais e nacionais) e interco- nectadas (BRASIL, 2014). As primeiras etapas, anteriores à etapa nacio- nal, são momentos em que o debate se intensifica e se qualifica nos mais diversos temas e em contextos específicos. Também são formuladas propostas, consolidadas em relatórios que são encaminhados para as próximas fases. Entre as etapas municipais, regionais e estaduais, podem ocorrer conferências livres, temáticas, e virtuais, em geral, convocadas pela sociedade civil. Ao longo das primeiras etapas, além do debate pro- positivo sobre a política, elegem-se delegados, representantes da socie- dade e de governo, que conduzirão a discussão nas etapas posteriores (CICONELLO, 2012). A conferência nacional representa a última etapa do processo, momento em que os representantes escolhidos debatem e elegem as propostas prioritárias.
Outro aspecto bastante relevante do funcionamento dos processos con- ferencistas está relacionado ao seu produto final: um documento conten- do as resoluções, diretrizes e moções, que passaram pelo processo de elaboração e priorização pelos delegados de todas as etapas do proces- so conferencista, consolidados na etapa nacional. Portanto, ressalta-se como uma das virtudes do processo conferencista o envolvimento dos participantes na formação de consensos, além do fato de contribuírem para a elaboração de pautas políticas e de uma agenda de prioridades que deve influenciar a política pública em voga. Em geral, o acompanha- mento do resultado das conferências é monitorado por organizações da sociedade civil em diversos espaços políticos, incluindo os conselhos (CICONELLO, 2012).
No que se refere aos objetivos, a depender da área temática em que a conferência se insere, eles podem variar entre formulação de propostas de políticas públicas, avaliação de ações e realidades, fortalecimento da participação ou mesmo, afirmação e difusão de ideias e compromissos. Consequentemente, os resultados também variam de acordo com os ob- jetivos propostos (RIBEIRO, 2013).
O objetivo maior na realização de uma conferência é que o conteúdo do documento final consiga influenciar políticas e ações implementadas pelo governo, ou mesmo se tornar um projeto de lei. Diversos projetos de lei, relacionados às deliberações de conferências, foram aprovados pelo Congresso Nacional, ou colocados em prática pelo Executivo, por via administrativa (SGPR, 2011). Pogrebinschi (2010), em pesquisa so- bre os impactos das conferências nacionais da atividade legislativa no Brasil, constatou que se constituem em um fenômeno novo e de grande potencial para o aprofundamento do exercício da democracia no Brasil.
O resultado da pesquisa mostrou que as conferências têm influenciado 87
iniciativas de proposições no Congresso Nacional, de maneira relativa- mente eficiente, “uma vez que diversas proposições aprovadas, além de emendas constitucionais promulgadas, são tematicamente pertinentes a diretrizes extraídas das diversas conferências” (POGREBINSCHI, 2010,
- 84). O Quadro 7, abaixo, apresenta as políticas públicas criadas como resultado de conferências nacionais, por temática.
Entre as políticas públicas associadas aos resultados das conferências, há uma série de planos nacionais, políticas nacionais, leis, e até mesmo os chamados sistemas de políticas públicas, como os já tradicionais na área da Saúde (SUS) e Assistência Social (SUAS), e também, o mais recente, do Comércio Justo e Solidário (SCJS), de 2010. Contudo, é importante destacar que estudos que relacionam os impactos das conferências nos níveis estaduais e municipais com as políticas públicas, ou leis desen- volvidas, são mais raros. Logo, apesar das conferências serem bastante estudadas (POGREBINSCHI, 2010; AVRITZER, 2013; SOUZA, 2012; TEI-
XEIRA, 2012; RIBEIRO, 2013; CICONELLO, 2012), apreender seus resul- tados nos outros níveis da federação não é uma tarefa muito fácil, seja numericamente, ou mesmo no que se refere a sua efetividade.
Os números relacionados às conferências são bastante expressivos. Aproximadamente 7 milhões de pessoas adultas participaram diretamen- te das conferências, em mais de 5 mil municípios, em todos os estados da federação (AVRITZER, 2013; BRASIL, 2014). A abrangência de temas discutidos também merece destaque, 41 temas, das mais diversas áreas. Outra observação, possível de apreender a partir dos números, é que as conferências ganharam um grande impulso a partir de 2003, com o iní- cio do governo Lula. A seguir, o Quadro 16 sintetiza alguns dos números acerca da realização de conferências no Brasil.
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Quadro 16 – Conferências no Brasil em números. Fonte: Teixeira, 2019, p. 48.
Além dos dados quantitativos, é importante observar que as conferências abordaram diversos temas que foram discutidos pela primeira vez com a sociedade. A realização das conferências, na maior parte das áreas te- máticas, atendeu a reivindicações tradicionais de movimentos e atores sociais, como também representou o resgate de dívidas históricas com determinados setores da sociedade. Diversos exemplos podem ser cita- dos, como o caso da Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que teve a segunda edição em abril de 2016; de Povos Indígenas (2006); de Políticas para as Mulheres (2004, 2007, 2011
e 2016); as Conferências Nacionais da Juventude (2008, 2011 e 2015);
dos Direitos da Pessoa com Deficiência (2006, 2008, 2012 e 2016); de Promoção da Igualdade Racial (2005, 2009 e 2013); dos Direitos da Pes- soa Idosa (2006, 2009, 2011 e 2016); entre outras (BRASIL, 2014).
Para Pogrebinschi (2013, p. 275), as conferências “consistem em robus- to exemplo do experimentalismo democrático brasileiro”, pois levam a uma reestruturação do processo político-decisório no Brasil, ao tornar em uma de suas etapas constitutivas a participação social e a deliberação conjunta entre governo e sociedade civil. A autora destaca que
As conferências nacionais: i) têm influência na definição da agenda, ao inclu- írem novas áreas de políticas – como é o caso das políticas para minorias, antes desprovidas de planos nacionais e políticas específicas; ii) impactam na formulação das políticas, ao proverem centenas de diretrizes passíveis de orientar o governo na elaboração de normas e planos nacionais, além de programas e ações mais pontuais dos diversos ministérios, secretarias e conselhos; e iii) facultam o monitoramento das políticas existentes, inclusi- ve daquelas elaboradas supostamente com respaldo do próprio mecanismo conferencial (POGREBINSCHI, 2013, p. 275).
É possível concluir que o processo conferencista tornou-se bastante so- fisticado no que se refere à sua forma de funcionamento escalonada em diferentes etapas culminando na conferência nacional, em que há um processo participativo, com ampla representação de diferentes setores sociais e um espaço onde ocorrem deliberações relevantes para orien- tar as ações públicas em diversos temas. Nesse sentido, Pogrebinschi (2013) ressalta que as conferências desafiam o argumento de que a par- ticipação só seria factível em pequena escala, ou seja, no nível local (PA- TEMAN, 1970; DAHL, 1971; MANSBRIDGE, 1980; PRZEWORSKI, 2010
apud POGREBINSCHI, 2013), uma vez que “transcendem as fronteiras geográficas do espaço local, como também superam os seus limites substantivos” (POGREBINSCHI, 2013, p. 243).
Modelos de Gestão Pública e o Futuro da Participação no Brasil
Apesar das gestões petistas terem dado ênfase à participação social na 89
gestão pública, o tema da reforma da Administração Pública não teve destaque nesse governo, como havia tido na gestão de FHC. Contudo, Paula (2005) identifica, nas últimas décadas, a existência de dois proje- tos políticos em desenvolvimento e disputa. O primeiro com inspiração na vertente gerencial, surgido durante os anos 1990, com a Reforma Bresser. Já o segundo projeto tem como principal referencial a vertente societal, iniciado com a gestão petista. Para a autora:
Ambas as vertentes se dizem portadoras de um novo modelo de gestão públi- ca e afirmam estar buscando a ampliação da democracia no país. No que se refere à abordagem gerencial, ocorreu um desapontamento em relação aos indicadores de crescimento econômico e progresso social obtidos. Quanto à abordagem societal, a vitória de Luís Inácio Lula da Silva gerou uma expecta- tiva de que ela se tornasse a marca do governo federal (PAULA, 2005, p.37).
Além destes dois modelos sinalizados por Paula (2005), não podemos deixar de lembrar a existência dos outros modelos da administração pú- blica brasileira, que vimos no decorrer do módulo: o modelo burocrático e o modelo patrimonialista. Sobre isso, Secchi nos lembra que, na práti- ca, o que ocorre é um processo cumulativo de mudanças das práticas e dos valores da gestão pública. Ou seja, o estudo das reformas da admi- nistração pública deve levar em consideração aspectos incrementais de mudança organizacional, isto é, mudanças sem rupturas com as práticas estabelecidas. Portanto, é importante ter em mente que os diferentes modelos de gestão pública, vistos até aqui, coexistem na Administração Pública Brasileira.
Até mesmo o patrimonialismo pré-burocrático ainda sobrevive por meio das evidências de nepotismo, gerontocracia, corrupção e nos sistemas de designa- ção de cargos públicos baseados na lealdade política (SECCHI, 2009, p. 365).
Recentemente, o modelo de gestão pública societal perdeu bastante es- paço com o fim do governo do PT. Desde 2016, o campo da participação social vem enfrentando retrocessos. Segundo Pogrebinschi (2017, p. 3), desde o início da gestão do vice-presidente Michel Temer “a estrutura do que um dia se vislumbrou como um sistema nacional de participação so- cial tem ruído em pedaços”. Conselhos e Conferências passaram a viven- ciar a falta de recursos, que deixam sua continuidade fragilizada. Sobre as inovações democráticas na América Latina, que tradicionalmente têm sido estimuladas pelo Estado, Pogrebinschi (2017, p. 5) alerta: “a institu- cionalização pode garantir que as inovações participativas permaneçam no lugar, mas não podem assegurar que elas sejam sempre democráticas ou legítimas”.
Nesse sentido, é importante refletir sobre a importância da participação social para o governo em exercício. Enquanto de 2003 a 2016 vivenciou-
-se um período de grande apoio e fomento à institucionalização da par-
ticipação social nos três níveis da federação, o governo eleito em 2018
90 tem atuado de forma a extinguir espaços de participação, haja vista o
Decreto 9.759, de 11 de abril de 2019, que “Extingue e estabelece di- retrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal”. Segundo o Ministro da Casa Civil, o decreto tem como objetivo diminuir de 700 para menos de 50 o número de conselhos, comitês, co- missões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas e qualquer outra denominação dada a colegiados que não tenham sido criados por lei.
O tema da Reforma da Administração Pública voltou à pauta do governo, com uma proposta de Emenda Constitucional (PEC), enviada ao Con- gresso em 03 de setembro de 2020, para alterar as disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa. A pro- posta utiliza o termo Nova Administração Pública, muito embora trate das mudanças nas relações de trabalho dos profissionais do setor públi- co, e não exatamente de uma reforma administrativa. Mais uma vez, a principal motivação para a reforma é a necessidade de redução de gastos com o funcionalismo público. A “Nova Administração Pública”, proposta pelo governo Bolsonaro, possui três tripés:
- Justiça social: com o intuito de liberar recursos para setores essen- ciais para saúde, educação e segurança;
- Aumento na produtividade do país: com objetivo de superar a situ- ação de estagnação da produtividade no país (cerca de 40% PIB do Brasil advêm de empresas públicas);
- Colocar o Brasil numa trajetória de consolidação fiscal: com dimi- nuição do gasto público (25% é gasto com funcionalismo e 13,7% com pessoal).
Atualmente, a PEC da Reforma da Administração Pública está em discus- são em uma Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, forma- da por 212 deputados e dois senadores. Mais uma vez, há o consenso
sobre a necessidade de modernizar a administração pública brasileira. Contudo, mais uma vez, há uma grande falta de consenso às propostas apresentadas, uma vez que estas não promovem uma rediscussão da na- tureza do Estado brasileiro. Como também, mais uma vez não são pen- sadas estratégias e ações para a convivência, ou mesmo para a superação dos diferentes modelos de gestão da administração pública brasileira, conforme depoimento do presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, em reportagem do site do Senado:
A reforma administrativa não se esgota em uma só PEC ou projeto de lei. É uma mudança cultural que vai ser feita ao longo do tempo. Infelizmente, ainda estamos quase no século 19 em termos de administração pública. O Brasil não avançou como as demais nações do mundo nesse tema. Ainda temos práticas, estruturas e instituições paradas no tempo, que acabam pro- duzindo um grande dano à produtividade da economia brasileira — afirmou (SENADO, 09/10/2020).
Por fim, fica o convite para mais discussões acerca da natureza de Estado 91
que queremos, assim como o modelo de gestão pública a ser adotado. E também, sobre formas de implementação do modelo escolhido para uma melhor convivência com os modelos que historicamente fazem par- te da nossa Administração Pública.
Neste capítulo, realizamos uma análise das principais experiências de participação social institucionalizadas no Brasil. Analisamos o surgimen- to dessas experiências no mundo e o contexto teórico em que estão envolvidas. Foi possível, também, constatar que, nos últimos 15 anos, houve uma institucionalização no aparelho do Estado da participação so- cial, uma vez que a promoção da participação acabou sendo incorporada à agenda do Estado, mais especificamente do governo federal.
Foram analisados os tipos de instituições participativas em funcionamen- to e, de forma mais aprofundada, os tipos mais emblemáticos: os conse- lhos e as conferências. Tanto a análise dos conselhos quanto a das con- ferências mostraram sua relevância no cenário nacional pela quantidade de pessoas envolvidas e diversidade de temas mobilizados. Com o fim do governo PT, houve um afastamento da agenda de participação social e ameaça à sobrevivência das IPs constituídas. Não é possível identificar o modelo de gestão almejado pelo governo atual, que já enviou uma proposta de emenda constitucional ao Congresso. Como características comuns da proposta de reforma atual com as reformas anteriores, estu- dadas ao longo deste módulo, estão a necessidade de redução de gastos públicos e, também, a modernização da Administração Pública Brasilei- ra. Contudo, a proposta em discussão não aborda a natureza do Estado que se busca, ou mesmo como superar os modelos de gestão preexisten- tes na nossa gestão pública.
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Quadro 17 – Funcionamento CAE
Fonte: Elaborado a partir de Rocha, 2011
Como atividade, você deverá desenvolver uma pesquisa sobre o CAE da sua cidade.
- Dados importantes: ano de fundação, composição, local de fun- cionamento, quantidade de reuniões realizadas no último ano e parecer em relação a prestação de contas da
- Entreviste um dos membros do conselho e verifique se o conse- lho consegue cumprir todas as suas atribuições.
- Aponte oportunidades e desafios para a atuação do conselho na sua
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Este livro é parte integrante do material didático do Curso de
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Bacharelado em Administração Pública, do Programa Nacional de Formação em Administração Pública,
oferecido na modalida a distância.